Edição Nº 17 - São Paulo, 2010

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REVISTA BRASILEIRA DE

S達o Paulo 2010


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REVISTA BRASILEIRA DE

ISSN 0103-6963 Rev. Bras. Liter. Comp. S達o Paulo n.17 p. 1-159 2010


2008 Associação Brasileira de Literatura Comparada A Revista Brasileira de Literatura Comparada (ISSN- 0103-6963) é uma publicação semestral da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic), entidade civil de caráter cultural que congrega professores universitários, pesquisadores e estudiosos de Literatura Compa­rada, fundada em Porto Alegre, em 1986. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta revista poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem permissão por escrito.

Editor Luís Bueno Organizadora Silvana Oliveira

Comissão editorial Luiz Carlos Santos Simon Benito Martinez Rodriguez Silvana Oliveira Luís Bueno Maurício Mendonça Cardozo Preparação/Revisão Patrícia Domingues Ribas Diagramação Rachel Cristina Pavim

Revista Brasileira de Literatura Comparada / Associação Brasileira de Literatura Comparada – v.1, n.1 (1991) – Rio de Janeiro: Abralic, 1991 v.2, n.17, 2010

ISSN 0103-6963

1. Literatura comparada – Periódicos. I. Associação Brasileira de Literatura Comparada.

CDD 809.005 CDU 82.091 (05)


Sumário

Apresentação Silvana Oliveira Luís Bueno

Artigos

“Show me the Zulu Proust”: some thoughts on world literature Aijaz Ahmad

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Viagens pelo avesso Miguel Sanches Neto

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Comparativismo cultural hoje Edgar Cézar Nolasco

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Uma ponte sobre o Bósforo (ou o sonho de Atossa) Piero Eyben

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Notas sobre a recepção do simbolismo na França e no Brasil Gilda Vilela Brandão 107 Gogol and Lispector: a scream through time and space Eva Paulino Bueno 133

Memória e narrativa: uma análise de cronotopos em Os Maias e Terra sonâmbula Celdon Fritzen

157

Pareceristas 175

Normas da revista 177



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Apresentação

A resposta que nossa proposição de se pensar em torno do trinômio “Literatura mundial, literaturas nacionais e comparativismo” obteve foi muito rica e permitiu a construção de um número da Revista Brasileira de Literatura Comparada verdadeiramente íntegro. Nos quatro primeiros artigos, o leitor poderá acompanhar discussões de caráter geral cujo objetivo é pensar o comparativismo – para não dizer toda a tarefa crítica – num tempo em que um termo como Weltliteratur, redefinido, abre possibilidades de reencenar velhas discussões e abrir novos caminhos. Nos demais, o que o leitor terá em mãos são abordagens comparatistas afinadas com a discussão que se faz hoje no campo. O texto de Aijaz Ahmad, “‘Show me the zulu Proust’: some thoughts on world literature”, parte do uso que Goethe e Marx fizeram do termo Weltliteratur para, em seguida, proceder a uma desnaturalização da concepção de que a ideia de “literatura mundial” seja uma superação da ideia de “literaturas nacionais”, como se estas precedessem historicamente aquelas. Considerando a circulação de textos na Índia e na Ásia, ele repõe a própria historicidade da ideia de Literatura Mundial e, numa visada que discute por dentro a relação centro-periferia (incluindo suas implicações econômicas), chega à instigante proposta de uma Literatura Mundial pensada num eixo sul-sul. De olho no que representa ensinar literatura na graduação hoje – espaço marcado pela permanência de uma abordagem histórica e nacional –, Miguel Sanches Neto faz


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um balanço do esforço de superação do “nacional” entre nós. Seu ponto de partida é uma visada ampla e compreensiva do processo de mundialização da cultura atualmente em curso, compreendido como parte das transformações culturais que marcaram o século XX. É assim que suas “Viagens pelo avesso” vão da arquitetura dos aeroportos à revista Joaquim, dos jovens autores norte-americanos à tropicália, entre outros trajetos insólitos e enriquecedores. O artigo de Edgar Cézar Nolasco, partindo do encaixe de um ponto de vista que leva em conta o subalterno (tal como formulado por Hugo Achgar e Homi Bhabha), procura compreender como o conceito de Weltliteratur incide sobre o comparativismo hoje. Em sua análise, ressalta dois elementos centrais a partir dos quais o crítico pode chegar a uma nova visão que supere tanto o anseio por um “universal” que é apenas reflexo da hegemonia quanto o fetiche pelo que é periférico: a responsabilidade e a interdisciplinaridade. É também a partir da consciência da posição de subalternidade que Piero Eyben, em “Uma ponte sobre o Bósforo”, explora, por meio da leitura de O castelo branco, de Orhan Pamuk, o contato entre as margens, o espaço da fronteira. Utilizando como palavra-chave o neologismo outrogar, o autor busca uma forma de expressar essa operação ao mesmo tempo plural e ensimesmada (encarnada no paradoxo derridiano segundo o qual “fala-se apenas uma só língua”/“nunca se fala uma só língua”) que é a abordagem da cultura do outro em nosso tempo. Em “Notas sobre a recepção do Simbolismo na França e no Brasil”, Gilda Vilela Brandão faz uma discussão de fôlego sobre a importância do Simbolismo para a literatura francesa e para a literatura brasileira, com o objetivo de superar a visão de que o simbolismo no Brasil foi “abafado” pelo Parnasianismo. Valendo-se de uma perspectiva que lança mão do contexto cultural mais amplamente considerado, aponta para a particularidade da “importação” das formas poéticas simbolistas francesas e seus impasses num país como o Brasil do final do século XIX.


Apresentação

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Em “Gogol and Lispector: a scream through time and space”, Eva Paulino Bueno promove um diálogo, por assim dizer, de periferia para periferia. Ao aproximar O capote, de Gogol, e A hora da estrela, de Clarice Lispector, por meio de uma leitura meticulosa, a autora mostra como, separados no tempo, ambos falam do subalterno e pelo subalterno. No trabalho que encerra este número, Celdon Fritzen mobiliza o conceito bakhtiniano de cronotopo para contrastar o espaço fechado da casa dos Olivais, em Os maias, de Eça de Queirós, e o espaço aberto – em mais de um sentido – da estrada em Terra sonâmbula, de Mia Couto. Num caso e noutro, o que se lê é o passado histórico: num, o que se vê é a representação de uma mentalidade que se sente dona da tradição; noutro, a perspectiva da destruição da guerra iminente que, contraditoriamente, colaborará na construção de um novo tempo. Silvana Oliveira Luís Bueno



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“Show me the Zulu Proust”: some thoughts on world literature1 Aijaz Ahmad*

abstract:

* Diretor do Center of Contemporary Studies, Nehru Memorial Museum and Library, Nova Déli, Índia. This text has undergone several earlier versions. The first was drafted in 1998 and published as “The Communist Manifesto and ‘World Literature’ in Social Scientist, n. 326-327. Other versions were delivered as lectures at Columbia University and New York University. The very latest, and yet quite different one, was delivered as the seventh Pablo Neruda Lecture at Developing Countries Research Centre, Delhi University, under the title “On the Dangerous Edge of Things: Thoughts on World Literature”. 1

In this article “world literature” is seen as an ageold field of enquiry where readers can immerse themselves in geographically remote imaginative realities, as well as a recent pedagogical object of the academic literary field. Its origins are related to the fact that literature, traditionally, disregarded geographical boundaries, until the European concept of “nation” as a delimited community was disseminated beyond Europe. In the pedagogical field, what followed was a movement towards the teaching of “national literatures” and, later, of comparative literature. Such shift, however, did not decrease the privileges of European languages, especially English, and established once and for all the United States as the imperial home of comparatism, as well as multiculturalism as its prescribed social form. With globalization World Literature has presented itself as an alternative way of doing comparative literature. Never before has the access to books been so widespread, the canon so internationalized, or the practice of translation so extensive, although it is important to take into consideration that the original language in which a work has been written and its generic properties still have the power to relegate it to the “national/local” circles . A major question is, thus, the influence of the world cultural market, with its treatment of works of literature as commodities, its aggressive marketing campaigns, increasingly profitable book fairs and tendency for corporate publishing. The truth of World Literature lies in between these market-related issues and the creation of conditions for it to become a practical relation, without the mediation of the commodity, among emancipated and radically equal individuals. The re-invention of World Literature from a South-South perspective rather than from


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a periphery-center one is posed as a possible alternative for a country like Brazil. keywords:

World Literature, comparative literature, cultural

market resumo:

Neste artigo o termo “Literatura Mundial” refere-se tanto à antiquíssima prática investigativa que possibilita a leitores mergulharem em realidades imaginárias geograficamente remotas, quanto a um recente objeto pedagógico dos estudos literários. Suas origens remontam ao fato de a literatura, tradicionalmente, ter ignorado as delimitações geográficas, fenômeno que começou a mudar somente quanto o conceito europeu de nação como uma comunidade delimitada alastrou-se para além da Europa. Na área pedagógica, o que se seguiu foi um movimento pelo ensino das “literaturas nacionais” sucedido mais tarde pelo da literatura comparada. Tal mudança de enfoque, no entanto, não restringiu os privilégios das línguas europeias, especialmente do inglês, e estabeleceu, de uma vez por todas, os E.U.A. como o centro imperial do comparatismo, assim como o multiculturalismo como sua forma social de prestígio. Com a globalização, a Literatura Mundial tem-se apresentado como uma maneira alternativa de se fazer literatura comparada. Nunca antes o acesso aos livros foi tão generalizado, o cânone tão internacionalizado ou a prática da tradução tão extensiva, apesar do fato de que a língua de origem de determinada obra e suas propriedades genéricas ainda têm o poder de relegá-la ao âmbito nacional ou local. Uma das principais questões a serem levadas em conta é a influência do mercado cultural mundial, com seu tratamento de obras literárias como commodities, agressivas campanhas de marketing, feiras literárias altamente lucrativas e casas editoriais apelando para a abordagem corporativa. A verdade da Literatura Mundial encontra-se num meio-termo entre essas questões de mercado e a criação de condições para que ela se torne uma relação prática, sem a mediação de uma commodity, entre indivíduos emancipados e radicalmente iguais. A reinvenção da Literatura Mundial de uma perspectiva sulsul – ao invés de uma perspectiva periferia-centro – é sugerida como uma possível alternativa para um país como o Brasil. palavras-chave:

Literatura, mundialização, literatura comparada, mercado cultural


“Show me the Zulu Proust”: some thoughts on world literature

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One has to begin somewhere. So, let me begin with the obvious point that when Goethe said, in 1827, that the age of national literatures was really over and one should rather start thinking in terms of a “world literature,” that was really a cosmopolitan vision and a somewhat outlandish wish. What were the enabling conditions for such a wish to arise? We know that at the time when he said so, Goethe was reading a Chinese novel – rather, German translation of a Chinese novel. A powerful tradition of German Orientalist scholarship had by then begun to assemble an archive of translations from a handful of Asian languages, alongside the archive of literatures in the European ones, so that a certain kind of European writer with cosmopolitan inclination could now begin to imagine a trans-continental category of “world literature”. Goethe certainly had in mind the great classics, from Chinese and Sanskrit and Farsi and so on, alongside European literatures, the classical as well as modern. In terms of today’s debates, one could see Goethe’s idea of a “world literature” as a wish to enlarge the canon. That this “world literature” would come to him in translation into one of Europe’s main languages was something he took for granted, much as most teachers and critics of “world literature” would in our own time. However, he also imagined at times a world – in which writers from diverse countries and continents would encounter not only each other’s books but also, literally, each other. In other words, not only a world literature but also a cosmopolitan, transcontinental culture of personal encounters! This matter of travel is of some interest. In Goethe’s own time and for Europeans specifically, trans-border travels were typically of two kinds: inside and across Europe, or from Europe into what in more recent years came to be known as the third world. It was in his time extremely rare for an African or Asian writer to travel to Europe. That kind of travel has become far more frequent in our own time, and yet much less frequent than critics located in the Euro-US zones might imagine.


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Goethe’s utopian wish was also a leap, from the national into European and from European into a “world” literature. The prior histories of Latin had of course given to much of European culture a certain physiognomy. Consolidation of modern languages, nation-states and national literatures was also, by the time of Goethe, either an accomplished fact or an ongoing process in much of Europe. Such linguistic/literary consolidations were proceeding very briskly even for the smaller nationalities within the Habsburg empire, next door to Goethe’s Germany. At the time when Goethe made that remark, he was reading not only the translation of a Chinese novel but also of a Serbian poem. And there was a lot of traffic in books and people alike. So, the idea of a “European literature” was a natural outcome, and increasing contact among writers of various European nationalities was also quite to be expected. But a “world literature”? That could only be thought in one of two ways. One was the way, so familiar from so much European writing of that period that divided humanity between the civilized world and the barbarians, associated that “civilized world” essentially with Europe and its offshoots in North America, identified that “civilized world” as the world itself, thought of European literature itself as “world literature” and thus constituted a certain kind of European cosmopolitanism that thought of itself as a globalizing universalism: the kind of universalism that could gladly coexist with racism – Civilization, as “White Man’s Burden,” expanding inexorably among the barbarians. But then there was also another way of imagining a universalist culture – and “world literature” as its corollary–that was more humanist, more inclusivist, not quite so keen on the teleology of Europe’s planetary mission, and which therefore did not offer a civilizational module that radiated out of Europe, to be implemented and validated everywhere else in the world. Even in Goethe we can find some remarks where he tends to speak of European literature and his beloved


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Weltliteratur as if the two were synonymous (“European, in other words, World Literature” and variants thereof), but, even then, largely without the civilized/barbaric binary so common in his time. He was simply incapable of the kind of contempt for non-European literatures that one finds in, say, the piqued challenge attributed to Saul Bellow: “Show me a Zulu Proust!” That was not Goethe’s way, nor was it, for the most part, the way of the great Orientalists he was reading. William Jones, a contemporary of Goethe, had held, in his address of 1786 to the Bengal Asiatic Society, that “the Sanskrit language, whatever be its antiquity, is of wonderful structure, more perfect than Greek, more copious than the Latin, and more exquisitely refined than either”. Goethe did not know Sanskrit and would probably not have gone quite so far but he was, after all, a protegé of Herder. And, Herder’s own work of the 1770s – when William Jones was understandably so preoccupied with “Oriental” literature – included essays not only on Shakespeare or Hebrew poetry but also his ethnographic collection of 1778-79, Voices of Peoples in Songs (Stimmen der Volker Liedern), in which he juxtaposes songs and oral voices from across Europe, Greece to Greenland (i.e. “minor” literatures, non-canonical voices, from the fringes – the peripheries – of Europe) to reflect not only upon the national and political particularity of specific utterances but also what was in his view the universality of literary expression and poetic voices – properties, so to speak, of human language itself. I have severe reservations about those aspects of Herder’s thought that incline rather too much toward cultural relativism. It does need to be said, though, that his proposition that politics and political suffering serve as a spur for poetic utterance among the subject peoples has a special resonance for literatures that have risen out of experiences of colonization and struggles for liberation. And, Herder’s equally strong, perhaps stronger, emphasis on certain elements of mutual intelligibility in the very structures of human languages identifies him with that tendency in Enlightenment thought that Vico


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expresses so powerfully when he says that “there must in the nature of human institutions be a mental language common to all nations, which uniformly grasps the substance of things feasible in human social life and expresses it in as many diverse modifications as these same things may have diverse aspects.” In other words, a conception of the universal not as a higher negation of the particular but as the very ground of being for the particular – and as a relation of intelligibility among particulars! Goethe’s statement, as Eckerman reports it (“I am more and more convinced that poetry is the universal possession of mankind, revealing itself everywhere and at all times in hundreds of men... National literature is now a rather unmeaning term; the epoch of world literature is at hand, and everyone must strive to hasten its approach”) must be taken in that strong sense. This universalist aspiration yields rather interesting results for Goethe, three of which I might mention. First, it can cut against ethnocentric prejudices that tend always to favour one’s own traditions. If in relation to various classicisms, William Jones can think the thought that Sanskrit is superior to Greek and Latin, Goethe himself would be haunted by the thought that, for all his own achievement as well as the achievements of people like his friend Schiller, German literature of his own epoch still was, in comparison with French or even English, really provincial. He would recommend, moreover, that one can learn equally from ‘minor’ literature (e.g. Serbian, Latvian) and from the major ones (e.g. French). Second, this kind of universalism can potentially insulate one from the will to exoticize other cultures and other times. If anything, the presupposition of a common humanity underlying the various human languages and social arrangements across cultures and civilizations, tends, in those strands of Goethe’s thought that we are trying to grasp here, to look for commonalities and to make foreign things look more familiar and contemporaneous. Regarding the Chinese novel he is reading, he says “the Chinamen


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think act and feel almost exactly like us; and we soon find that we are perfectly like them, except that all they do is more clear, pure and decorous.” Even though it is rather implausible that the Chinese would be “perfectly like” the Germans (just more “pure” and “decorous”), Goethe does display here an openness to the world far beyond his native land, paying no attention to the common European idea of the inscrutable oriental. The third consequence that arises for Goethe out of this conviction that all human languages are in their own way equally productive pertains, however, to the activity of translation itself, in surprising ways. For, unlike most of us most of the time, Goethe seems not to think of translations as pale facsimiles of the true beauty and greatness of the original. Rather, he thinks of translation as a powerful and productive medium in its own right. Translation, in his view, may not just diminish but actually enrich, enhance, renew. This principle he illustrates with reference to his own work. “I do not like to read my Faust in German any more,” he remarks and goes on to say that a prose translation he has been reading makes his own German text “again fresh, new, and spirited.” The same applies to literary analysis and commentaries; he reads French and English commentaries on German literature, he says, because the foreign perspective, untainted by native prejudice, tends to be more original, livelier. This kind of openness to other cultural perspectives thus grants to all cultures the right, within bounds of reason and mutual respect, to also criticize other cultures. An inclusivist civilization presumes a rationalist discourse in the service of mutual and universal improvement – critical reading of each other, shall we say. “Left to itself,” Goethe says, “every literature will exhaust its vitality, if it is not refreshed by the interest and contributions of a foreign one.” There is, I believe, something deeply satisfying and exhilarating about this particular strand in universalist thought, and this strand needs to be strongly defended as much against the civilization/barbarism binary as against those claims


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of cultural authenticity that recognize the validity of no representation that is not self-representation. But, then, this philosophical idea of a certain fundamental universality in the very structure of the human mind, human languages, human social arrangements, human thoughts and feelings, needs also to be seen, historically, in relation to the kind of capitalist universality that actually ensued from the colonial and imperialist enterprises, as a negation of the kind of universality that the more visionary side of the Enlightenment had proposed. In other words, what Goethe is reported to have said to the young Eckerman in 1827 needs then to be related to what young Marx was to say, some twenty years later, about the relation between world literature and the world market.

II The argument contained in this paper started taking shape more than a decade ago, in 1998-99 to be precise, the hundred and fiftieth birthday of the Communist Manifesto, when I began thinking of that famous passage on “world literature” in it. I wrote up a piece then, as one of the four essays I published on the Manifesto over those two years. Among the subsequent versions, one was in fact prepared for presentation in the University of São Paulo some six years ago, but the plan had to be aborted. I claim no professional expertise on the subject but it is worth recalling that Franco Moretti’s seminal essay on world literature and what he calls “literary inequality,” his further writings on the subject, and the debate that ensued thereafter had not been published when I drafted my initial thoughts on the ambiguities of “world literature”;2 nor was Pascale Casanova’s influential book that was translated into English more recently.3 Those initial thoughts were generated almost entirely by my own sense of great admiration, mixed with equally great sense of unease, about Marx’s famous passage on ‘World literature’ in the Manifesto:

Franco Moretti, ‘Conjectures on World Literature’, New Left Review, Jan-Feb 2000. 2

Pascale Casanova, The World Republic of Letters, Harvard University Press, 2004; French original, La republique mondiale des letters, copyright 1999. 3


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The bourgeoisie has through its exploitation of the world market given a cosmopolitan character to production and consumption in every country... All old-established national industries have been destroyed or are daily being destroyed. They are dislodged by new industries... that no longer work up indigenous raw materials, but raw materials drawn from the remotest zones; industries whose products are consumed, not only at home, but in every quarter of the globe... In place of the old local and national seclusion and self-sufficiency, we have intercourse in every direction, universal dependence of nations. And as in material, so also in intellectual production. The intellectual creations of individual nations become common property. National one-sidedness and narrow-mindedness become more and more impossible, and from the numerous national and local literatures, there arises a world literature.

That is a powerful statement, but also problematic. When Marx speaks here of “old-established national industries... daily being destroyed” he was probably thinking of some other sorts of industries, such as handloom textile or the more general transition in Europe from pre-industrial to industrial production , even though anti-colonial resistance in Asia and Africa always included the charge of “destruction” not only of textiles etc. − what many of us in India would justifiably call “colonial de-industrialisation” − but also “destruction” (or at least disorientation and imposed stagnation) of indigenous cultures, languages and literatures. Nor do intellectual creations of individual nations become “common property,” as Marx sanguinely puts it. One only has to visit libraries and museums in the Western countries – the US itself, Britain, France or Germany – and then museums and libraries in the imperialized zones – in Egypt, say, or Turkey or India – to see the inequality in the distribution and accumulation of such “properties”; and one has to recall only the recent plundering of the great Baghdad museum under the very eyes of US troops to grasp how massive and constant the pillage has been and how very one-sided is the process whereby the cultures of the


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invaded and the colonized get to be accumulated by – and in – the imperial centre. Similarly, what Marx is saying here about “raw materials drawn from the remotest zones” surely applies to mineral and agricultural products taken from the colonies, not to speak of gold and silver from Latin America more specifically, but, if we stretch the meaning quite beyond what Marx had in mind, it could equally well apply to the global workings of what Adorno was to designate, in a different sense, as “the Culture Industry”: the use of Africa in Conrad’s fiction or in Hollywood movies, of African masks in European Cubism, of India in Kipling and Forster, and, by now, of countless cultures from around the globe as raw materials for novels published in London and New York, often by native informants. Globalisation, in other words, not only of literary form such as the novel, which is what Franco Moretti emphasizes, but also of the very raw materials out of which some of the most successful English-language novels are made. Between the onset of global colonization and the generalization of household TV viewing in the historical moment of decolonization, European fiction itself has been one of the cultural practices through which geographies of various parts of the empire were to be represented for readers of the colonizing centres who could thus travel to their colonial possessions, in their imagination, even while staying at home. That of course is not what Marx meant in the passage at hand. When he speaks here of “every country”, he is so clearly − with the self-assurance of a historical reflex − speaking of a small number of European countries and, at best, Northern United States, considering that the bourgeoisie “exploiting the world market”, as he puts it, with such relentless energy and dynamism was, as of 1848, comprised of strictly a set of capitalist fractions drawn from only certain corners of Europe, and “production” had undoubtedly not taken a “cosmopolitan character” anywhere else. Similarly, “old-established national industries” − in the broadest sense of “national” and “industries” − had


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undoubtedly been “destroyed” in the colonies but the “new industries” that had “dislodged” them were at that time located in the colonizing centres but not in the colonized world, so that it was quite fanciful to speak of a “universal dependence of nations”, in the sense of mutuality and reciprocity across the globe. Most peoples of the world, whether or not they could be called “nations” at that point in history, were in fact coming to be highly dependent on a few core European countries, and even those core countries were connected with each other not only in relations of free-floating mutual “intercourse” but also in highly unstable and violent conflicts over colonial possessions, which led to numerous local and regional wars throughout the 19th century and two world wars in the 20th. A world market arose and something resembling a global culture also eventually arose – but only at a certain level of generality. For the rest, the “world market” was comprised of many markets which were sites of competition among enterprises, countries, and empires− and indeed between cultures and literatures. Just a few years before Marx penned those lines, Macaulay had declared that all the classical literatures of India, and the East more generally, weren’t worth a shelf of Western literature. What got globalized was the domination of European and American cultures. Underneath the sovereignty of this expanding and intensifying “global culture” many cultures and literatures were simply erased, especially in the successful settler colonies. Elsewhere, there continued to be national and local cultures, not just co-existing but also conflicting with the dominant ones, as voluminous literature on cultural imperialism would testify and as one witnesses daily in the cultural struggles of the indigenous peoples across the world even today. We do find passages in the Manifesto where Marx speaks eloquently of the brutality of colonial pillage in Africa, Asia and Latin America, but such passages sit very uncomfortably with the one I have quoted here, and the tribute to the worldly mission of capital takes a curiously teleological form. Capitalism seems to spread across the


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world in unbroken motion, producing the same effects everywhere, so that everything appears to be really quite predictable and there emerges a perfect correspondence between a world market and a “world literature”, over and above what is dismissed contemptuously as “national narrow-mindedness”. The world market itself appears to be the absolute good, the great equalizer, without any sense that the “world literature” which is assembled in the world market can hardly be free of the sharp inequalities which that very market structures into the economic sphere, between classes and countries, leading necessarily to very unequal access to cultural goods among countries and classes of the world. This is all surpassingly strange, considering that only a little earlier Marx himself had said the opposite, in German Ideology for instance: In history up to the present [...] separate individuals have [...] become more and more enslaved under a power alien to them, a power which has become more and more enormous and, in the last instance, turns out to be the world market. [...] By the overthrow of the existing state of society by the communist revolution, this power which so baffles the German theoreticians, will be dissolved, and [...] then the liberation of each single individual will be accomplished in the measure in which history becomes transformed into world history [...] only then will the separate individuals be liberated from the various national and local barriers, be brought into practical connection with the material and intellectual production of the whole world and be put in a position to acquire the capacity to enjoy this all-sided production of the whole earth. [...] All-round dependence, this natural form of the world-historical cooperation of individuals, will be transformed by this communist revolution into the control and conscious mastery of these powers [...] In any case, with a communist organization of society, there disappears the subordination of the artist to the local and national narrowness, which arise entirely from the division of labour.


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Here, the world market itself is seen as that power, alien to humanity’s species being, which enslaves individuals and keeps them separate; while the dissolution – not the infinite expansion − of this great power of the world market, combined with the coming of the communist revolution as the definite negation of that market, is seen as the precondition for the liberation of individuals and their emergence, for the first time, into world history which itself begins only after what the Manifesto had called “the exploitation of the world market” has been transcended. “National narrowness” is itself identified here not as some unfortunate hangover from the pre-capitalist past but as a consequence of the world market itself, and of its “division of labour.” There is no empty talk here of “interdependence of nations” which capitalism itself achieves, but of “all-round dependence, this natural form of the worldhistorical cooperation of individuals” which can only be achieved in a world beyond capitalism. Nor is there any abstract, celebratory talk of “world literature” as a happy twin of the world market and a cure for “national narrowmindedness”; what is urged, rather, is “practical connection” among emancipated individuals “with the material and intellectual production of the whole world” where abolition of the market itself has put an end to “the subordination of the artist to the local and national narrowness.” There is a magisterial vision, in other words, of a truly utopic future moment – for which the operative word for Marx and numerous others is “communism” − when shackles of class and colony, market and nationality, would be dissolved, and humanity would emerge out of its prehistory into a world of radical equalities, so that a “world history” in the proper sense may then begin − and of course a “world literature” as well, properly speaking. The truth about “world literature” in our own time lies, I believe, somewhere between those two passages. To this point I shall return at some length. Let me first refer these matters of “national narrow-mindedness” and/or “practical connections” to a sort of historical connections that once


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were rather more fluid and tend therefore to escape the national/global binary.

III Let me offer two propositions. First, I find quite implausible a chronological narrative that presupposes that “national literatures” were the old established form and any imagination of a “world literature” arises later – traceable to Goethe or Marx, to Enlightenment universalism or global capitalism, or whatever. That conception corresponds to phenomena that became fairly general across Europe as the national state arose out of histories of absolutism; the nation itself got re-fashioned, not always successfully, in terms of monolingual cultural homogeneity; and elaborate national educational apparatuses were assembled, on an increasingly larger scale, which dispensed this national language/literature model among school-going populations at large. Essentials of this model were in place within the more advanced zones of Europe by the end of the Napoleonic wars and were getting exported to the colonies through world conquest, very successfully in the settler colonies of the Americas, Australia, New Zealand etc., less successfully in those countries of Asia and Africa that had rich literary traditions of their own and managed to save them from colonial eradication. Those histories shall concern us below. My second proposition is that the “world literature” that concerns critics, theorists and departments of literature these days is not the “world literature” that was the object of speculation for Goethe or Marx in the first half of the 19th century. The primary difference is institutional. For Goethe the problem was not the making of a college syllabus but the very formation of the modern mind. In the contemporary debates, training students’ minds for professional expertise is of course an issue but that is entirely interlocked into pedagogical issues specific to the thinking and organisation of the contemporary university,


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as it functions under quite precise pressures and incentives formulated at the Anglo-American core. We are dealing, in other words, with two different archives which do overlap here and there: a vast archive of literary production, including translation, which circulates among tens of millions of readers across the world in countless languages; and a much more restricted, authorised archive composed for the academic institution of literature. To this issue, too, we shall return. Let us return, then, to the kind of linear mapping wherein literature was at first national and the literary field occupied by national literatures, which then gave rise to a restricted field of Comparative Literature that started reading literatures across at least the European languages, and which, in turn, led to a phase that we are in the process of leaving behind, groping our way to a new kind of globality, whether you call it world literature, literary transnationalism, postcolonial comparatism, or whatever. I tend to think, rather, that literature, in the widest sense of the word, always had the tendency to spread outward beyond geographical boundaries, that the attempt to contain literatures within national modules came very much later, at a historical moment within Europe when a certain category of writing was detached from other kinds of writing and got constituted as “literature”, which was then pressed toward philosophical aesthetics on the one hand and the so-called “national spirit” on the other, so that there arose a chain in which literature came to be seen as the finest expression of a language, the language itself the spiritual essence of a nation, the nation as a bounded community of humans which needed a territorial/ administrative state of its own for its own self-realization, and a distinct educational apparatus for the cultivation of that language and propagation of that national literature. Any number of literatures attached themselves to those conceptions and apparatuses, but the idea itself was rather new, having gained momentum not very much before the Reformation and the rise of the absolutist state; and it was


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a European idea that admittedly got diffused much beyond Europe, as did nationalism itself. When I say that the idea of a national literature was rather new I have in mind, for example, all those centuries when Latin remained the paramount continental language in Europe long after literary cultures had started emerging in what were then regional languages and became “national” only later, a process that spans a couple of centuries from the founding of the Academie Française in Paris to at least the “Spring of the Peoples” in 1848, if not the national consolidations of Germany and Italy even later. Only after globalised colonisation could those European specificities be presented as something of a universal history of humankind, and memories of some other kinds of indigenous cosmopolitanism erased. Only two examples should suffice to clarify this point. In premodern Asian zones, Persian literary texts circulated among literate classes over a vast territory extending from what is now eastern Turkey to other regions of Central Asia, the Indian subcontinent and parts of Southeast Asia. One of the two most eminent Farsi poets, Rumi, is actually buried in Anatolia; the other, Hafiz, also commanded a vast readership in places near and far, and he wrote, among other things, a poignant letter to a Rajah in Bengal who had invited him to his court, citing infirmities of old age for his inability to undertake so long a journey to meet his admirers. Some of the greatest writers of the language were born and lived not only in what we now know as modern-day Iran but in cities like Ashkhabad and Kashgar and Delhi; not only the court records of the Mughals but also of the Maratha Confederacy in Western India were kept in Farsi; when Raja Ram Mohan Roy, sometimes called “the Father of Modern India”, thought of editing a newspaper he did so in Farsi; and the Naval Kishore Press, located in Delhi and run by a gentleman of the Hindu Kayastha caste, as the name of the Press itself signifies, was until the 1920s the largest publisher of Farsi


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books, often to fill the orders from Iran, Afghanistan or some place else in south central Asia. My example from India is even more complex. There once was a time when Sanskrit and/or Pali, two classical Indian languages, were intelligible to substantial sections of the literate intelligentsia from what is now Afghanistan to regions of Southeast Asia and from Tibet to Sri Lanka, for religious purposes as well as profane, and performance of episodes from the Ramayna and the Mahabhartha, the great “Hindu” classics, may be witnessed in corners of “Muslim” Indonesia even today. Similarly, particular kinds of texts went across vast geographical spaces through the agency of Buddhism. Tales of the Jataka, for instance, are said to have been composed in Pali from about the 3rd century but are found in a variety of languages and media, including dance and sculpture, and versions of them have existed in a variety of vernaculars as well as Sanskrit and Tibetan, and were to then emerge in Farsi in modified forms. Conversely, new tales were being added to the main compendiums as Buddhism arrived in new places and pulled tales from the local folklore into the Jatakas to make the latter more attractive for the local population. Some of the stories are said to have been translated into Old Persian and then re-translated into Greek, Latin and Hebrew; some versions of them then found their way into Aesop’s Tales and the Arabian Nights, getting wholly secularised, while in the Thervad countries such as Thailand and Cambodia the Jatakas live on in dance, dramatic performance and formal, semi-ritualistic recitation. Something similar could be said about such individual Sanskrit texts as the Panchtantra as well. Thus, European languages, which often travelled colonially, are not the only ones which have had a life beyond what got stabilized as national frontiers in modern times. Those other ones travelled without the colonial baggage. The idea of “national literature” came very many centuries later and the related recasting of some languages as national involved a great deal of violence and methodical


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suppression of many other languages that were either just debarred from history or reduced to mere local function, in the name of progress. This has been true wherever the European model of nationhood was adopted, as in Turkey for instance, not to speak of the treatment of the indigenous languages in much of Latin America. In this sense, the first and most fundamental act of capitalism was not to facilitate the rise of a “world literature” but to greatly consolidate “national” literatures, which were the literature of the language designated as “national”. So, no matter how much Goethe or Marx or anyone else talked of “world literature” as an entity whose time had come, what actually took hold of the academic apparatuses of the West was the teaching of national literatures, and, very much later, of comparative literature which arose in the western universities as a comparatism mainly among the literatures of western nations. The Americas, North and South, have had no difficulty adopting that particular model of comparatism because their “national” languages were European before they also became American. That comparatism was always deeply Eurocentric, even though some of its origins can be traced to Turkey and to the 1930s, when that barely European country was gripped by a particularly intense bout of Europhilia. Among all the languages of the world, Mandarin Chinese can perhaps claim the largest number of native speakers. Among the twenty most widely spoken languages, six are native to India. One Indian language, Tamil, has the longest continuous history of literary production, spanning over two millennia. None of these ever figured much in Euro-American Comparative Departments. Whose comparatism, then?

IV Whatever role the great German comparatists may have played in the past, it is the United States that have been the imperial home of Comparative Literature, as of much else, since the Second World War. As a rule, it is from


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there that stability and/or crisis of academic disciplines radiates out into the world more generally. In at least one of its accents, this new valorization of “world literature” arises precisely out of the crisis of that kind of comparatism in a United States where demographics are slowly shifting in favour of non-European minorities – especially the Asian and Latin American minorities with financial clout − even in such mundane matters as university attendance, and where corporate-driven globalization is part of the official ideology, so that the discipline has had to ask itself, collectively: where does Comparative Literature now go in the face of these demographics and in this age of globalization. In other words, the nation-state that is still at the helm of a global empire is feeling, in its internal ethnic composition, great pressures toward multiculturalism. “World Literature” as a pedagogical practice speaks to the requirements of a globalised intelligentsia, in the language of a domestic multiculturalism that has emerged as a specific social form within American nationalism. There is nothing like major shifts in the material base for ideological superstructures to start shifting their posture. For one thing, East Asia has now emerged as one of the three centres of global capital, alongside the US and EU; indeed, the US government pays good number of its bills with East Asian money. Second, while the US declines as the globe’s unique economic powerhouse, other, lesser centres are emerging: China, Russia, India, Brazil – and others are still in the making. Third, US universities (and the British even more so) rely for a considerable portion of their tuition revenue on fee-paying students from such countries and from the prosperous upper classes of the Tricontinent more generally. Given these material realities, it does become more difficult for an academic discipline to hold on to its Eurocentricity while claiming fidelity to Universals. It is a matter of some significance that the pedagogical category of “world literature” would start taking hold of the professional literary imagination in the United States


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and its affiliates in Europe, and then its dependencies elsewhere, precisely at the time when the term “globalization” takes hold of government agencies and the social sciences; the “nation” has fallen in terrible disrepute in these postmodern times, and, implausibly enough, nationstate itself is now said to be in the period of its terminal decline. In some circles, the teaching of “world literature” is now treated as an absolute good, as great antidote against “national narrow-mindedness”, pretty much as the right-wing radicals who often pass as neoliberals pushed globalization as an antidote against what they regard as arcane protectionism of the national-developmental state in Latin America, Asia and Africa. I don’t wish to be misunderstood. Far from debunking this turn away from Eurocentric comparatism to some decent desire for “world literature”, I think the present moment is full of possibilities, not the least because this crisis of conventional comparatism had coincided with the emergence of an impressive number of people problematizing this crisis further and looking for alternatives to it, notably two of the most admirable comparatists of yesteryears, Franco Moretti and Fredric Jameson. To some of these authors I shall return later. Suffice it to say that with work of this kind emerging all around us, it would be at least very churlish to cultivate some nostalgia for the solidities of a “national” literature versus “world literature”. I hold no brief for nation-states and their national literatures per se, and “world literature” is at any rate being proposed not as an alternative to national literature but as a way of radically transforming the extant ways of doing Comparative Literature. Nor am I opposed to globalization – and indeed not to “world literature”. But the question always is: what kind? Whose nation-state, and in whose interest? The world has indeed become a far more interesting place because of increasing communications among people across nations and continents. So, I do want world literature, but not the kind which is a natural product of the world market, as Marx conceived of it in


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the Manifesto. As for the category of national literature, the lengthiest chapter in my infamous book, In Theory, is devoted to arguing that India is even constitutionally a union of linguistic nationalities and, as such, our study of Indian literature(s) should be organised not on the model of a national literature but on the basis of a multi-lingual comparatism; and that, in our own history, what we call our literature has been so fundamentally connected with the performing arts, with religious belief, with social and religious dissent, with multi-linguality even within the body of an individual text – in Gura Nanak’s Granth Saheb, the sacred text of the Sikhs, for example – that, if we ever dare to have something resembling a policy and a commitment to proper education, we may find that we need not confine the study of literature to the teaching of literature as such. We thus have a nation-state whose own literature is multilingual, comparative literature, violating all the European norms of the nation-state form. However, the transition from a national comparative literature − a comparatism that rests on languages such as Hindi, Kannada and Oriya etc. − to a “world literature” is not easy. Only those books can reasonably belong to “world literature” – i.e., have a potential readership in diverse countries – that are either originally composed in or are at least translated into a world language, such as English or French – preferably English, which has emerged as the most eminent even among the languages that circulate substantially beyond national boundaries. Needless to add, only those languages had a chance to become “world languages” that were able to travel colonially, in the formation of colonial empires. Only books available in such languages can circulate across global markets; all else remains “local” and “national”. The circuit of distribution and readership for a Greek poet remains “national” until s/he is translated into a “world language” and may obtain a place in this other, transnational archive. In context, then, it is far from accidental that “world literature” as a definite pedagogical object is getting constituted primarily in the US university


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system precisely because this is the unique institution, at the heart of the empire, which has the requisite level of textual accumulation, the degree of concentrated erudition, the breadth of personnel, and the financial resources to accomplish such a task. This imperialistically produced capacity is just an objective reality, and the reality remains regardless of the fact that the best work in the field is being done within US institutions by many critics and teachers who have profound anti-imperialist commitments, some of whom are immigrants from former colonies. So, one person’s location in “world literature” is no less a consequence of the world market than someone else’s “national narrowness”, and what was posed in the Manifesto as opposites – “world literature” versus “national narrowness”; cosmopolitanism versus provincialism – are actually components of a dialectical unity which cannot be transcended within the workings of the “world market”; it is the “global” that produces the “local” as “local”. We thus have two intersecting circuits within the world market: the local/national circuit versus the global circuit. The vast majority of books published in the world are composed in non-Western languages and, with the exception of some, they remain a part strictly of the “national and local literatures”. These are different spheres, hierarchically interrelated, and these linguistic spheres tend to coincide also with distinct cultural markets; only “world literature” has a world market, whereas the great majority of books in the world circulate only in local and national markets. The world market penetrates and dominates national and local markets; it does not abolish them. Similarly, “world literature” does not abolish local/national literatures but dominates them, and selects from them a very small number of books that are worth translation and admission into the global circuits. In Asia and Africa, though not in Latin America, these distinct circuits do as a rule display somewhat different generic properties. The fiction that is confined to nonEuropean indigenous languages and local/national markets


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Roberto Schwarz, “Competing Readings in world literature,” New Left Review, Nov-Dec 2007. 4

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in Asia or Africa tends typically to stay within protocols of Realism, as it has developed from the classical bourgeois novel to socialist realism. Nor is this generic Realism a minor matter, considering that it has been practised by some of the greatest novelists, Asian and Arab, over the past century, from Premchand (India) and Pramodya (Indonesian) to Mahfouz (Egyptian) and Mounief (Saudi, stripped of his nationality, a misfit in every Arab state). Translation and academic consecration may bring such writers into European languages as well but for markets of restricted circulation and relatively modest profitability. However, fiction that is crafted by writers coming from those same geographical zones but in a European language would tend to command modernist or postmodern technical apparatus and sensibility even though it may not entirely forego the Realist narrative strain, considering that a mass market is not easily obtained for fiction that does not have a strong and continuous plot line or is written in some specialised language of the Joycean kind. This other kind of fiction, composed primarily for the world market even though by Asian or African writers, is the arena where the demand for a “Zulu Proust” may well be met; and this surely is the world of potential competition for international prizes, for brisk book reviewing and restless promotional tours in the metropolitan countries, a reaching out toward the Bestseller list, and at times even a blurring of lines that have historically separated the world of literary “Distinction” (in Bourdieu’s sense of the word) and the mass market. This case of differential generic properties for different circuits of circulation is worth keeping in mind, I believe, as is the distinction between two different kinds of readings, as Roberto Schwarz, for example, conceptualises them. “The first,” he says, “is located in the national-historical experience of the periphery; the second, based in the dominant metropolitan centres [...] seeks to identify new entrants to the canon of world literature; masterpieces fit to sit beside the great works of the established tradition”.4 As I understand it, the distinction here is between two types


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of readings and the institutional pressures to produce one kind of reading rather than the other, not between national or racial origins of critics doing the reading; in principle, anyone with the necessary competence, experience and inclination may produce either kind of reading. The best example of the first type of reading – the one that “is located in the national-historical experience of the periphery” – is of course Schwarz’ own reading of Machado which goes into the minutia of Machado’s prose and plottings in relation to the specific kind of capitalist periphery Brazil was at the time of his compositions. It is just very unlikely that an Indian who has not read Machado in the original and who is not steeped in Brazilian history and literature could ever produce that kind of reading; and of course not every Brazilian reads Machado that way; Schwarz has a very specific kind of competence and standpoint in such matters. By contrast, one could refer to the magisterial gaze of someone like Pascale Casanova, whose mapping of what she calls the “world literary space” over the past several centuries would of course be concerned primarily with the question of just what place to assign to Machado in that “space” and through what procedures of consecration. One might even suggest that Moretti’s own dazzling and ambitious work on producing encyclopaedic knowledge for the world production of the Novel through secondary monographs, translations and what he delightfully calls “distant reading” would almost programmatically take its distance from things like “national-historical experience of the periphery”, leaving such matters to the secondary monograph, but would be immensely useful in selecting just what books from the periphery to teach in the metropolitan classroom.

V The pedagogical field that we in the university call “world literature” is not what the world market gives us spontaneously. It is rather an extraction, through academic


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labour, from an immense mass of texts-in-circulation that are the real condition for the thriving of the world market, which is devoted not to this canonical fraction but to the production of a literary culture of consumerism and a genre of fiction which Tariq Ali calls “Market Realism,” remarking that the publishing giants of North America and Britain buy authors and exhibit them like cattle. Potential bestsellers are auctioned by a new breed of literary agent. Such books need to be sold and it is at this stage that the hyper-merchants enter the fray and the promotion begins.

The latest in this marketing frenzy of exhibition and auction is the phenomenon of the literary festival in cities across the world, from Edinburgh and Frankfurt to Jaipur in India, where millions are spent and millions earned, very much on the lines of events that corporate capital organises for exhibit and promotion of latest automobile models, information technology goods or consumer durables. I might add that this phenomenon envelopes not just things like the pot boiler and the crime thriller but also some of the most consecrated names in contemporary fiction. Even as I draft this paper, I have lying next to my laptop a fine novel by a recent winner of the Nobel Prize which has on its covers not only blurbs by John Updike and Margaret Atwood, itself a sign of consecration, but also fragments of reviews from 20 dailies and monthlies, ranging from Minneapolis Star Tribune to The Times (London), which signifies a highly successful marketing campaign for literary commodities. Gone, in these postmodern times, is the modernist writer’s dread of the mass market, and what we seem to have now is a seamless generality in which masterpieces of metropolitan fiction are frequently linked to corporate publishing while the literary publishing house may itself be a subsidiary of a much larger corporation which produces great many other commodities as well. This is what I meant when I proposed that the truth of


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world literature as we have it today lies between the two passages I quoted from Marx, the one from the Manifesto which sees world literature as a necessary consequence of the world market and occludes the questions of imperialism and unequal exchange, and that other passage from German Ideology which requires of us the labour of creating a world far beyond the world market so that artistic production itself can become a practical relation, without the mediation of the commodity, among emancipated and radically equal individuals. Within these conditions, then, what the university makes possible is undoubtedly superior to what the world market generally prefers, but limits for the protocols of the university are also set by the very conditions in which it operates and the metropolitan university of course has its own kind of blindnesses alongside its possibilities; so, in arguing for “world literature”, as in much else, one has to constantly push against those very limits, keeping always in view that “world literature” is not an object already given, waiting to be revealed by academic labour alone. Nor is Moretti’s famous “literary inequality” just an impediment that can be overcome with well-intentioned literary theory. Rather, that “inequality” is the very condition of this kind of academic production in the metropolitan university. Now, regardless of the globalisation of a culture of literary consumerism, it is surely the case that serious readers of literature across the world do have an unprecedented access to works of literature from diverse countries while the canon of consecrated contemporary masterpieces is now quite thoroughly internationalised; one version of “world literature” as it is conceived in the academe can satisfy itself with this new canon, in which Márquez and Pamuk, Rushdie and Isabelle Allende can easily overshadow the Saul Bellows of this world. Translation has become over the past several decades as important and widespread a literary activity as original composition, which has transformed reading habits across the globe. Some of the best American poets have translated some of the great poets


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of other languages, such as Neruda and Cesaire, and, in doing so, they have transformed the poetic idiom and the repertoire of poetic devices in English itself, so that much poetry that is now getting written in English bears the mark of the idiom and devices introduced by those translations. Libraries and bookshops all over the world stock works of dozens of writers from diverse parts of the world, in the world-hegemonic language which has the widest readership in the country or region where the library or bookshop is located, regardless of the language of original composition. It is very likely that more people have read Garcia Márquez in a language other than Spanish than in Spanish itself, so that readers in most countries tend to either forget his Colombian national origin or attach no particular significance to it: he becomes simply a Latin American writer or a truly “universal” one, even though reading Garcia Márquez without reading the complexities of Colombian historical and social experience leads to a rather thin reading, indeed. Within India, there is no literary language whose modern literature has not been fundamentally transformed through a variety of foreign influences and not just British influence; Urdu fiction was surely influenced rather more by Russian and French literatures than by British literature per se. Meanwhile, Moretti is undoubtedly very astute in opting to study the global diffusion of the genre of the novel as his principal exhibit in favour of his project for “world literature”, even though I don’t think that poetic forms travel quite as easily as he claims. Why did the form of the modern short story become so universal across Indian languages but not the English sonnet? Or, for that matter, the Shakespearean play or the Homeric epic, which were taught in the colonial classroom with much zeal? Not that these other forms were not tried. Just that the results were not very satisfying and the forms were abandoned. Capitalism’s great global offensive to universalize individual private property and nuclearised family life might have had rather more to do with the global spread of the novel


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and the short story as the corresponding and appropriate narrative forms. The other form that also spread through considerable Asian and Arab zones was the unrhymed, and even unscannable versification, which probably had a great deal to do with the coming of print, the gradual decline of a punctual and historic relation between poetry and song, as well as the introduction of capitalist clock-time, all of which tended to make verse primarily a visual experience through reading during allotted bouts of leisure time. Why certain literary forms travel more easily than other forms is a matter of great interest for sociologies of literature. Even through all the histories of colony and empire we have arrived at a sort of capitalist universality which has generated the resources, especially in the core countries of advanced capitalism, to make possible the kind of things I have just enumerated. The flip side of this resourcefulness is that many more people in this world speak Mandarin than English as first language, and speakers of Hindi and French are said to be roughly equal in number, but it is inconceivable that either Mandarin or Hindi could command the archival resources, the research and teaching institutions, the funds, and whatever else it takes to institute “world literature” as an academic discipline the way it can be instituted in the US; and it is indicative of one common way of thinking about “world literature” that Pascale Casanova’s sparkling book on the subject simply bypasses China altogether although the book is structured to tell the story of an almost teleological expansion of what she calls “the world literary space”, from its beginning in France – as she proposes – to the farthest corners of the globe. That kind of resource, that kind of material base for thinking concretely about world literature, is available primarily in the colonial centres of yesteryears, and in English even more than French because English has been the language of the two great empires, the British and the American – especially the American, which is the first global empire in human history and therefore the appro-


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priate site for the making – and marketing – of a “world literature” as a fully-fledged academic discipline. My first point here is that colonial history itself arranged the European languages into something of a hierarchy, in accordance with the actual strength, geographical expanse and longevity of each empire. English became pre-eminent, as I just said. French was relegated to a second position, despite its enormous literary capital, and all the more so in the period of America’s post-war imperial ascendancy; Paris could still dominate in what came to be called simply “Theory” but even its theoreticians needed the American academic market for their global validation and circulation (where would be Derrida and Deconstruction without the US literature departments?), and Paris could not be the primary home of “world literature” in quite the same way as a cluster of US universities could be. Spanish was third but not with the kind of power outside Latin America that Anglo-American literary institutions could command in the rest of the English-speaking world – and around the world more generally. Portugal, once major colonial power, became a periphery of advanced industrial Europe and Brazil was then able to cut loose from Portuguese dominance and itself became something of a literary centre for the former Portuguese colonies in Africa. One of the great strengths of Casanova’s book is that it traces the centre-periphery relations inside Europe with great care and precision. For the rest, however, when it comes to the non-European “world” in what she very imprecisely calls the “World Republic of Letters” she tells a not very surprising story built around texts that appear in these four colonially globalized − and very unevenly globalized − languages. On the other side of the colonial divide, languages of the colonizing country became virtually universal in the settler colonies, such as the United States and Canada, but such languages became dominant but far from universal in the administered colonies, such as India or Vietnam; and in those other countries that used to be called “semi-


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colonies”, such as China or Iran, even this dominance of any particular European language was rather thin. Thus, in Latin America, the indigenous languages were either eliminated, or forbidden in public discourse or at least very greatly subordinated, even in countries like Bolivia, where the indigenous were a majority of the population, while Portuguese and Spanish were more or less universalized in their respective zones for productions which came to be called “literary.” Re-assertion on the part of some of the surviving languages is a powerful contemporary phenomenon in Latin America, but these struggles for cultural rights at the dispossessed ends of society are unlikely to have any immediate effect on the teaching of “world literature”. In India, by contrast, English was dominant but far from universal, and the colonial period is in fact the period of immense consolidation of modern literatures in many of the indigenous languages; since the dissolution of British rule, English has undoubtedly become one of our languages, for speech as well as literary production, but the number of people for whom it is the mother tongue – or the only language − is relatively small and largely concentrated in sections of the ruling class, with the more privileged strata of the middle classes still aspiring for that kind of cultural intimacy with this tongue of the imperial metropolis. All this is well represented in Casanova’s book in the fact that Faulkner is one of its heroes, she discusses Brazil at some length, represents India through the two predictable figures of Tagore and Rushdie, Iran with the lone example of Sadegh Hedayat, who got translated into the key European languages quite early, and simply ignores China.

VI Let me return, then, to the proposition I offered earlier, to the effect that when we speak of “world literature” we are speaking of two structurally different fields that are adjacent and whose raw materials may often overlap but which remain distinct. There is an academic literary field


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where “world literature” exists as a pedagogical object. This field likes systematicity, sorting devices, course modules, teaching methods, close readings and “distant readings”; it teaches the canon, feels increasingly uneasy about the Eurocentricity of the canon, feels ennobled by the desire to expand the canon, wonders how to expand it and to what extent; may even speak brashly of counter-canons; it is beset by the worry that the teaching of world literature would greatly expand the materials that have to be taught but the teaching hours – the student contact hours – shall remain the same; it is suspicious of literature in translation because translations leave out the original linguistic form, flatten the reading process, shift the focus from linguistic analysis to analysis of the narrative element; quotes Derrida to the effect that even philosophical concepts do not carry well across languages to make the point that the literary text must be read in the original. This is a pedagogical field, with literature as its object. I don’t mean to underestimate the value of this particular literary field. I participate in it myself, with much pleasure and sense of purpose. However, this pedagogical field of systematicities is only one way of thinking about “world literature”. Literature’s other form of existence is wider, much older than the recent academic debates. It is much more unsystematic, chaotic, contentious and productive. This is the age-old field of inquiry where writers and lovers of literature immerse themselves in all sorts of literary utterances, for pleasure, for discovering again and again what Marx would have called their “species being”, for participating in the moral economy of the age, for gaining sustenance from other writers for their own work, for surprises in other people’s writings which may change one’s own imaginative life and perhaps even more than only the imaginative, for affiliations which are sometimes political affiliations, a field of activity much closer to what Marx meant, in the passage I quoted earlier, by the phrase “separate individuals [...] brought into practical connection with the material and intellectual production of the whole world”.


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This is the world in which Shelley can speak of “the capacity to imagine what we know” and what I hear in that wonderful and wonderfully ambiguous phrase is that there is the factity of facts, which you may know for example from the social sciences, but there is also a way, almost a spiritual relation to the material, where you subject your factual knowledge to the whole of your imaginative faculty, which then is the realm of literature, in the best sense of that word. Trying to imagine what you do not know is of course also an important exercise of one’s faculties but more prone to sentimentality because trying to imagine what you do not know lacks a material point of reference within your own experience; imagining that which one knows requires a different kind of rigour, makes a more exacting demand upon ourselves; and if one were to apprehend the coordinates of one’s own knowledge with the rigours of a fine poetic imagination, one may gain a more empathetic opening to the world outside the self. I read that in Shelley, the great, intensely political, British Romantic poet and what comes to mind, curiously, is a little comment by Pramoedya Toer, the great Realist novelist of Indonesia, the survivor of the massacres of 1965, the man who went in and out of Suharto’s prisons but never succumbed to the temptations of safe exile when given the opportunity. What I am recalling here is his statement that he expressed in his fiction a “reorientation and evaluation of civilization and culture which is precisely NOT contained in historical reality.” A remarkable statement from a man who wrote not only doggedly realist novels but ones in which you can find perhaps all the properties that Lukács ascribes to the European historical novel, even though I am quite sure he never read Lukács. “I am not a man of much education,” he used to say modestly, by which he meant that he had little scholarly knowledge of things outside Indonesia. I might add that Prameodya spent a good part of his time writing histories of various periods and problems in the Indonesian past. A writer of histories, a writer of historical novels, a great anti-colonial


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nationalist who could never reconcile himself to the kind of state that arose in Indonesia after Independence and especially after the bloodbaths of 1965, a leftist perfectly comfortable with the idea of socialist realism: what could he possibly have meant by this conception of literature as an “evaluation” of culture “which is, precisely, not given in historical reality”? I imagine that he meant what Shelley meant when he invoked the capacity to imagine what we already know, even though I can never be sure of what either Shelley or Pramoedya actually meant. Elsewhere, Pramoedya observes, borrowing from a well-known Buddhist metaphor, that “human beings too often clap with just one had”. Literature is for him, then, an effort of the imagination, an act of evaluation, to break through the resounding silence and pregnancy of that one-handed clap. And, while we are still on the subject of Pramoedya, I might add that he suffered for some thirty years under the Suharto dictatorship, which burned his library, banned his books, banned him from public speaking, kept him in prison for varying lengths of time and then forced him to report weekly to the police station whenever he was out of prison. But he never wrote either a novel or a memoir or anything else about that regime that was more extensive than an odd op-ed page. He described the regime as a pure negativity, a “minus”, and there was, he said, nothing he could write about it which, in his words, “will carry its readers further forward than the established order.” Elsewhere he speaks of “a literature that could provide courage, new values, a new world-view, human dignity, and agency for the individual in society”. Not a writer suited to the postcolonial, postmodern temper of these times, because if “the death of the grand narratives of emancipation” were to actually occur, it would have caused him no joy whatsoever. However, what Pramoedya says here can be connected, in a roomier house of “world literature” with yet another moment in the history of English Romanticism, in 1799, when Coleridge was to write to Wordsworth:


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I wish you would write a poem […] addressed to those who, in consequence of the complete failure of the French Revolution, have thrown up all hopes of the amelioration of mankind, and are sinking into an almost epicurian selfishness, disguising the same under the soft titles of domestic attachment and contempt for visionary philosophes.

I speak of Pramoedya here partly to mourn his death a couple of years ago, but I also speak of him deliberately in relation to Shelley and Coleridge because so many of the modish ways of revising the canon are beset by a kind of presentism, by such cavalier attitudes toward issues of historical depth, that one must insist on reading literatures of the past because they not only tell us about that past, about ourselves as beings constituted by that past, but, if I may put it this way, it is in the literatures of past generations that we hear the echoes of our own present; and expansion ought not mean simple diminution of that which has been central in other places and other times.

VII This paper has been largely, and inevitably, about the emergence of “world literature” as an academic discipline in the North American metropolis. But what do we do with all that, in our own situation: an Indian addressing a Brazilian readership? We could of course stay within the existing paradigm: each of the formerly colonized country establishes its own unique relationship with the imperial centres, so that “world literature” comes to mean a combination of one’s own “national literature” plus the conceptions and methods now established in the metropolis. Or, one could risk exploring alternative perspectives. In my view, it should be possible to do “world literature” primarily as a South-South relation: as a revamped, re-invented version of what once used to be called “third world literature”. And we need to do this not as an act of political piety but as critical historiography and as jour-


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neys into the worlds of facts and imaginations we never explored, quite in this way, because Europe was the only continent for us, other than our own. We need to teach Garcia Márquez and Munief face to face, and we might find that Cities of Salt and A Hundred Years of Solitude are twins. Other fictions: written in homage to peoples whose destinies were intertwined with corn, sugarcane, wheat, the yellow gold of Brazil, the black gold of the Arabian sands; city fictions, of Cairo, Delhi, Buenos Aires. Just a great books course in 20th-century fiction: Asturias and Garcia Márquez, Pramodya and Premchand, Mahfouz and Munief. Names could be added or dropped. That is unimportant. Conception is the point. Our languages do not have the resources that imperial languages have. We don’t have the libraries, the research institutes, the personnel with competence in dozens, indeed hundreds of languages from across the world, as the imperial centre indeed does. Most work will have to be done through translations in a borrowed “world language”, which is a limiting factor in great many ways, but as in so many other matters, making a South-South world is a race against handicaps, and handicaps in this instance are no greater than in doing just good old comparative literature the established way. If old-style Comparative Literature has become untenable in the metropolitan centres because of its Eurocentricity, and “world literature” is getting proposed as an antidote to that Eurocentrity, then comparatists in the Tricontinent do have to go a step or two ahead of their metropolitan counterparts.



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resumo :

O artigo trata de questões da mundialização da cultura e seus impactos em alguns momentos recentes da literatura brasileira. Tenta também identificar no comparativismo a ferramenta-chave para repensar os estudos literários nas graduações de Letras. palavras-chave:

literatura mundial, literatura nacional, currículos de literatura abstract:

This article deals with issues of globalization of culture and its imapct in a few moments of recente Brazilian literature. It also tries to identify comparative studies on the key tool for rethinking literary studies at the undergraduate Letras. keywords:

world literature, national literature, literature

curricula

1.

Miguel Sanches Neto é professor-associado da Universidade Estadual de Ponta Grossa, escritor e crítico literário. *

Qualquer viajante contemporâneo já teve a sensação de retorno ao ponto de partida quando se desloca por via aérea, em poucas horas, de uma cidade a outra, mesmo quando se troca de continente. A viagem deixou de ser percurso para reduzir-se às chegadas. Chegada às lojas de duty free, com os mesmos produtos, os perfumes, as marcas cobiçadas de roupas, os chocolates; a prédios monumentais e suas opções arquitetônicas pelo vidro, pelo mármore, pelo metal, pelas cadeiras padronizadas; às livrarias com os títulos do momento, apenas em línguas diferentes, muitas


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vezes com o projeto gráfico repetido; a corredores com uma multidão que exibe as mesmas roupas etc. Mais do que porta de entrada para um espaço com identidade (cidade, região, país, continente), o aeroporto é a afirmação categórica do contemporâneo. Cria contiguidades, solda pontos distantes no planeta, estabelecendo familiaridade mesmo nas latitudes mais afastadas para o viajante. Mover-se por esses aeroportos significa elidir o espaço entre dois ou mais pontos do planeta. É mover-se pelo mesmo. Depois de passar uma semana instalado em um aeroporto, Alain de Botton o definiu como “centro imaginativo da cultura contemporânea” (BOTTON, 2010, p. 13), o que permite pensá-lo como tradução de uma pátria supranacional. Uma pátria reiterada em cada um desses modelos reduzidos, costurando um território geograficamente fragmentado, mas temporalmente contínuo. A diversidade tem no aeroporto um ponto neutro. No de Heathrow, observado por Botton, isso se materializa numa sala ecumênica, preparada de tal forma que não lembre nenhuma religião específica, nenhum conceito de templo, e que se parece mais com os escritórios comerciais do que com uma capela. Talvez seja a melhor tradução da função dos próprios aeroportos: criar um denominador comum arquitetônico. Eis a descrição da sala: “um espaço dominado pela cor creme, com vários móveis descombinados e uma estante de livros sagrados” (BOTTON, 2010, p. 52). O fato de os móveis estarem em desacordo estético entre si reforça a pluralidade das obras sacras. Mas o conjunto funciona como um espaço frio, sem marcas. A impessoalidade é um idioma falsamente casual, pois busca traduzir as inúmeras crenças que devem se sentir incluídas naquele cômodo multiuso. O aeroporto é, portanto, uma espécie de esperanto visual, língua ecumênica reduzida a um vocabulário básico. Esta função acaba ressaltada nos horários despovoados, quando vagam aqueles que se sentem mais desvinculados de suas origens e destinos:


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À noite, o aeroporto virava um refúgio para os espíritos nômades, tipos que não se comprometem com um único país, que rejeitam a tradição, que desconfiam de qualquer comunidade estruturada e que, portanto, só se sentem totalmente em casa nas zonas intermediárias do mundo moderno (BOTTON, 2010, p. 93).

A expressão zonas intermediárias aponta para um território fronteiriço, uma pátria incaracterística e reproduzível em qualquer latitude. Em maior ou menor medida, o homem contemporâneo é um nômade, muitas vezes imóvel, que habita uma pátria fundada mais no tempo – o culto da agoridade – do que no espaço. Venha de onde vier, traga as tradições mais milenares, esse cidadão estará fora do seu lugar, posto em zonas intermediárias por conta de um imaginário comum a boa parte do planeta, agora quase totalmente integrado pelo consumo, seja de entretenimento (e de cultura) ou de acesso a objetos. Esta capacidade de ser um cidadão do tempo presente é a principal estratégia de colonização pelo imaginário.

2. Em uma reação ao apagamento da paisagem, em 1982, Julio Cortázar e a fotógrafa Carol Dunlop resolvem restaurar o ritmo do viajante de diligências e percorrer numa kombi mítica a distância que separava Paris e Marselha. Mas Marselha não era o destino da viagem. Na verdade, não havia destino. Apenas a viagem: “Quem poderia imaginar que não íamos a lugar algum?” (CORTÁZAR, 1991, p. 30). Eles restauravam o poder do percurso, relatando tudo em Os autonautas da cosmopista Ou Uma viagem atemporal Paris-Marselha. Essa expedição foi feita como um uso na contramão da função da estrada: Até o verão de 1978 [quando planejam a viagem], oh pálido e intrépido leitor, os que aqui escrevem pertenciam


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a esta raça de mortais que tomam a estrada pelo que ela parece ser: uma construção moderna, altamente elaborada, que permite aos viajantes enclausurados em suas cápsulas de quatro rodas perfazer um trajeto facilmente verificável sobre um mapa e na maioria das vezes previsto de antemão, num mínimo de tempo e com um máximo de segurança (CORTÁZAR, 1991, p. 22).

A viagem recupera uma precariedade colonial, e os dois expedicionários vivem durante um mês essa aventura que é um elogio da lentidão, parando na beira da pista para ler, escrever, fotografar, observar coisas e conversar, rompendo com a sensação da “continuidade ininterrupta” que a estrada produz nos motoristas. O próprio livro é um conjunto heterogêneo de material, negando assim a continuidade do texto. Fragmentou-se a narrativa para que a estrutura do livro correspondesse ao projeto do deslocamento lento. É o que Carol Dunlop chama de “viagem pelo avesso”, fruto de uma citação que Cortázar fez (ou inventou) de um filósofo hindu que ele não nomeia: “Quando se olham dois objetos separados e começa-se a observar o espaço entre os dois objetos, concentrando-se a atenção nesse espaço, nesse vazio entre os dois objetos, em dado momento se percebe a realidade” (CORTÁZAR, 1991, p. 129). Essa citação leva a um desejo de ver o que está no meio, despertando algo mais intenso ainda, que Carol define magistralmente: “Aos poucos vamos aprendendo não só a olhar o espaço de que falava o hipotético filósofo hindu, mas a ser este espaço com tudo o que somos” (CORTÁZAR, 1991, p. 129). A relação com a estrada passa à condição de fundadora. E os dois deixam de ser turistas ou meros viajantes para acrescentar este lócus a uma identidade de palimpsesto: eu + os espaços. A viagem volta a ter a função de colocar o eu no lugar do outro, num processo de ampliação das percepções. O uso lerdo dos recursos tecnológicos (carro e estrada) ganha um sentido cultural de negação dos centros. Esse


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projeto se concretiza no período em que Cortázar estava mais militante, em que ele atuava politicamente na Nicarágua. Os direitos autorais de Os autonautas da cosmopista seriam destinados ao povo daquele país. Muito mais do que uma simples viagem com a finalidade de escrever um relato literário, esse projeto tem uma nítida significação humana. Contra uma estrutura de modernidade que aproxima pontos distantes, apagando o que fica entre eles, impõe-se uma noção de arte como adesão aos que ficam ocultos. É uma conceituação da arte como alteridade pela viagem, pela viagem ao outro. Diz Cortázar no post-scriptum de dezembro de 1982, quando ele revela que Carol morrera: “Assim que a expedição chegou ao fim, voltamos à nossa vida militante e partimos uma vez mais para a Nicarágua, onde havia e há tanto o que fazer” (CORTÁZAR, 1991, p. 293). É o momento de ser aquele outro espaço, internacionalizando-o pela identidade cosmopolita de Cortázar.

3. Três décadas depois da expedição de Cortázar, a tecnologia e o consumo criaram uma continuidade muito mais abrangente, mas também se alteraram as formas de tráfego pelo diferente, inviabilizando identidades pretensamente puras. A ideia de identidade está hoje totalmente permeada pelos múltiplos outros, e muitas vezes o que nos distingue não é aquilo que poderia ser chamado de “nossa cultura”, mas uma forma de usar, modificando, culturas alheias. As relações que se estabelecem são permanentemente dialógicas, interativas, modificadoras – isto é, móveis, condicionadas por um nomadismo intelectual. Não pertencer ao agora se tornou impossível, e este agora tem muitos centros de irradiação. Não se obtém uma formação literária contemporânea sem se dispersar em várias direções, num processo que poderia ser entendido como centrífugo. A pátria do presente ganhou uma abrangência quase totalizadora.


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Um dos inícios dessa supranacionalidade poderia ser localizado na passagem dos anos de 1930 para 1940. Um sentimento de cidadania mundial se alastrou entre os moços num período de ilhamentos culturais. Uma das maneiras de acompanhar essa modificação, a partir do Brasil, é entendendo a explosão de revistas jovens, principalmente nas províncias. Funcionando como um mundo afastado do contemporâneo, as províncias, a partir de um trauma histórico, são despertadas para um destino internacional. O caso mais emblemático talvez seja o da Revista Joaquim (1946-1948), que traduziu um sentimento geral de jovens que se sentiam alijados de seu tempo. Editada por Dalton Trevisan (nascido em Colombo, em 1925), a revista começa como uma reação ao provincianismo e ao atraso em artes no Paraná, mas logo se faz porta-voz de um projeto maior, encontrando ressonância em todo o Brasil, a despeito de sua pequena tiragem. Ela desencadeia um processo de criação de revistas similares em outros pontos do país. Na edição de março de 1947, em texto não assinado, e que deve ser creditado ao editor, já imbuído de uma voz grupal, ele diz, em um artigo que é um programa estético, “A geração dos vinte anos na ilha”: “Nossa geração, com trabalho humilde, se propõe a participar de seu tempo” (TREVISAN, 2000, p. 3). Essa participação ultrapassava em muito o consumo de produtos culturais importados, embora esta também fosse uma das reivindicações do grupo – explicitada pelo artista plástico Poty em entrevista a Erasmo Pilotto, em abril de 1946 – Joaquim n.1. Os jovens queriam fazer uma arte contemporânea, ligando a cidade, até então inexistente como polo de cultura, aos demais centros. O tom exaltado deixa clara a urgência de anexar-se a essa pátria internacional. Nós, filhos da Segunda Guerra Mundial, não fomos poupados pelos acontecimentos e aprendemos na própria carne que somos parte íntima deles. O mundo é um só; os nossos problemas, estéticos e vitais, são já os mesmos dos moços de Paris ou dos moços de Moscou (TREVISAN, 2000, p. 3).


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A geração periférica afirma a unidade do mundo, sob os efeitos integradores da Segunda Guerra Mundial, que criou neles uma relação intensa com a história contemporânea. A guerra, com a participação de soldados brasileiros, mas não só por isso, fez com que os conflitos em vários pontos do mundo adquirissem uma proximidade total. O mundo era visto como uma extensão do quintal paterno, da rua trilhada diariamente, dos destinos de todos. Em Carta geográfica, livro em que Murilo Mendes recolhe os seus textos em prosa sobre países visitados, ele declara: “No ato de bombardear Paris destelhavam a casa de meu pai” (MENDES, 1994, p. 1107). Uma casa que ficava em Juiz de Fora, interior de Minas Gerais, mas que tinha também um endereço parisiense. A suspensão da distância se dava pelo vínculo emocional estabelecido entre a periferia e os acontecimentos mais dramáticos daquela quadra histórica graças aos meios de comunicação. Durante a Segunda Guerra Mundial, o rádio transmitia notícias atuais, criando talvez o primeiro grande processo de mundialização. Paralelamente a isso, espalharam-se pelo país as salas e os clubes de cinema, que também forjaram uma linguagem comum, que seria determinante na constituição de uma outra literatura periférica, em diálogo crítico com os mitos cinematográficos, como no caso de Dalton Trevisan, que incorporou com fins humorísticos mas também com admiração, em alguns casos, personagens oriundos do cinema. Assim, para dar apenas o exemplo mais evidente, Curitiba passa a ter um vampiro (O Vampiro de Curitiba, 1965). A cidade, para além da área e das pessoas contidas em seu perímetro geográfico, era também fundada num imaginário que vinha de fora, e que vinha quente, na rapidez própria das novas tecnologias. Um sentimento de participação mundial, marca dessa geração, vai se intensificando a partir dela. Dalton, no texto de março de 1947, conclui que sua geração “reclama o direito de influir no destino do mundo” (TREVISAN, 2000, p. 3), recusando fazer uma arte apenas local.


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É ainda em Murilo Mendes, no livro citado, que se encontra uma tradução desse sentimento de múltiplo pertencimento: “Mas hoje alguém é apenas do lugar onde nasceu?” (MENDES, 1994, p. 1085). Essa pergunta nos encaminha a outra: é ainda possível, num período em que as tecnologias instauraram contiguidades virtuais, em que há um processo industrial de tradução de livros de várias línguas e de vários países, falar em uma literatura nacional? E mais outra pergunta: até onde o conceito de literatura nacional, nascido de um desejo romântico de identidade, não acaba funcionando para negar aos periféricos o direito de influir no destino do mundo?

4. Outro momento-chave de ajuste ao contemporâneo se dá, no Brasil, durante o regime militar (1964-1985), quando há uma nova onda nacionalista, num projeto de cantar as grandezas da pátria. Nesse período, enquanto a direita fazia um uso ufanista das potencialidades nacionais para encobertar os massacres à democracia, a esquerda elevava o povo brasileiro (a cultura ou as temáticas populares) à condição de ícone da resistência. Poderíamos dizer que houve um duplo nacionalismo, com intenções opostas, mas com uma energia voltada para a mesma leitura negadora do elemento exterior, e, portanto, da contemporaneidade internacional. Dos carros que circulavam no país à canção de protesto, havia uma preponderância do elemento nacional e/ou latino-americano – a América Latina vista como uma nação maior. Um tanto esquizofrenicamente, afirmar a pátria se fez uma estratégia tanto para a manutenção do poder (os militares) quanto para a sua derrubada (os movimentos de esquerda). Mas nesse período cresce a influência dos produtos culturais norte-americanos, criando um choque entre a cultura nacionalista (na sua versão progressista e na estatizante) com a cultura de massa, tomando conta do imaginário local com a popularização dos televisores, que


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avançam no caminho aberto pelo rádio e pelo cinema. A tensão desse momento acaba alimentando uma reação cultural em que se buscam as zonas fronteiriças, e que dominará o cenário: o Tropicalismo. Sem querer deixar de entender o nacional em diálogo com o internacional, a alta cultura com o entretenimento, o Tropicalismo opta por uma gramática da justaposição de elementos propositalmente díspares, transitando entre os contrários. É uma reação saudável ao fechamento próprio do período. Nas memórias que escreveu sobre esse movimento (Verdade tropical), Caetano Veloso lembra a dupla orientação do movimento baiano, do qual ele participara, mas faz também a ultrapassagem da proposta inicial. Durante a ditadura, tentando identificar-se poeticamente com a guerrilha urbana, surge um slogan que ele afirma ser dele, usado depois por Tom Zé, que o cita numa cançãosímbolo daquele tempo: “Sou baiano e estrangeiro” (VELOSO, 1997, p. 51) – em “Dois mil e um”, gravado por Os Mutantes. Essa dupla localização, na confluência do nacionalismo e da contracultura, e dentro do âmbito da música, acabará dilatada na proposta de Caetano Veloso, que buscava superar a identidade brasileira típica, a de um nacional proposto a partir do Rio de Janeiro, espécie de resumo das tradições nacionalistas, e berço da música popular (via samba e Bossa Nova). Ele propõe uma nova imagem do país: “queríamos ver o Brasil numa mirada em que ele surgisse a um tempo super-Rio internacionalpaulistanizado, pré-Bahia arcaica e pós-Brasília futurista” (VELOSO, 1997, p. 51). Uma identidade abarcadora, com uma mistura de temporalidades e de espacialidades, funcionando como força centrípeta e centrífuga. O cantor valoriza a ideia de “a um só tempo”, que desencadeia o movimento que ele vai nomear mais adiante como “saltar de um a outro” (VELOSO, 1997, p. 89), das tradições locais para os produtos norte-americanos, da alta cultura para a cultura de massa, e vice-versa, costurando todas as influências, sem preconceitos culturais, dentro de uma ló-


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gica da complementaridade. Essa estratégia “desencadearia as verdadeiras forças revolucionárias da música brasileira, para além dos slogans ideológicos das canções de protesto, dos encadeamentos elegantes de acordes alterados, e do nacionalismo estreito” (VELOSO, 1997, p. 131). Assim, potencializar-se-ia uma “visão sincrônica. E a superação da oposição centro-periferia” (VELOSO, 1997, p. 240), tal como ele diz em outro contexto, mas que tão bem resume a proposta. Ele define como uma das marcas do tropicalismo, e principal responsável pelo seu sucesso, a “convivência na diversidade” (VELOSO, 1997, p. 281), sem fazer a distinção de faixas de público ou de graus de educação. Caetano elege o sincretismo como forma de fugir da estreiteza nacionalista: “Os pruridos nacionalistas nos pareciam tristes anacronismos. Ao mesmo tempo, sabíamos que queríamos participar da linguagem mundial para nos fortalecermos como povo e afirmarmos a nossa originalidade” (VELOSO, 1997, p. 292). Essa originalidade estava na capacidade digestiva – em consonância com o movimento antropofágico de Oswald de Andrade, que eles tanto valorizavam – do país. Deglutir todas as influências para ser nacional/estrangeiro e arcaico/ contemporâneo sem ter de optar por isto ou por aquilo. O que se buscava, valendo-se das potencialidades nacionais, e com todas as implicações estéticas e políticas daí advindas, mas de forma natural, era “a modernidade como um valor universal” (VELOSO, 1997, p. 447). O Brasil se uniria ao tempo presente ao se constituir numa linguagem que se traduzisse no mundo ao traduzir o mundo no país, numa lógica dialética.

5. A partir dos anos 1980, com o fim do regime militar, e mais intensamente na última década, com a geração conectada à internet, há uma explosão de universalidade no país, renovando tanto as formas de produzir literatura quanto as linguagens. Nesse sentido, a pós-modernidade


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traz uma abertura de possibilidades criativas nunca antes vista, e o mercado nacional fortalece as traduções, agora em ritmo muito mais industrial, iniciando um processo ainda tímido, mas contínuo, de publicação de autores contemporâneos brasileiros, muitos deles jovens, em outros países, não raro selecionados por corresponderem a uma ideia de modernidade universalizadora. A noção de nação perde no país quase toda a sua força, e a pureza local (defendida quase que solitariamente por um Ariano Suassuna) fica sem sentido. Apesar das narrativas centrais, que continuam chegando de forma direta (livros) e indireta (filmes), e que reforçam um discurso-padrão, com predominância de um imaginário norte-americano ou europeu, ao qual pertencemos em maior ou menor escala, e graças aos estudos pós-coloniais, entram no mercado central narrativas com trajetórias, subalternas. Conquanto ainda tímidas, proporcionalmente ao bombardeio do imaginário norteamericano e europeu, essas narrativas alternativas, ou contranarrativas, traduzidas ou publicadas na língua original nos centros irradiadores de cultura, e em circulação planetária, criam interferências no conceito de literatura internacional, produzindo deslocamentos estratégicos para romper com a homogeneidade de linguagem e de percepção do outro. Em seu ensaio clássico, Pode o subalterno falar?, Gayatri Chakravorty Spivak, tratando do subalterno feminino, e partindo da desconstrução de Derrida, nega a identidade de Outro criada pelos sujeitos centrais. Esse Outro seria a cristalização de uma imagem-padrão, e produziria um espelhamento do Eu central: O ponto é como impedir que o Sujeito etnocêntrico estabeleça a si mesmo ao definir seletivamente um Outro. Esse não é um programa para o Sujeito como tal; é, mais propriamente, um programa para o intelectual ocidental benevolente. Essa especificidade é crucial para aqueles entre nós que sentem que o “sujeito” tem uma história e que a


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tarefa do sujeito do conhecimento do Primeiro Mundo em nosso momento histórico é resistir e criticar o “reconhecimento” do Terceiro Mundo por meio da “assimilação” (SPIVAK, 2010, p. 79).

Fortalecer no imaginário internacional a heterogeneidade desse Outro, pensado não por comparação contrastante com um Eu etnocêntrico, torna-se o caminho para a construção de uma pátria internacional que contenha os discursos periféricos, possibilitando que eles circulem nos centros dos campos de poder: “Há pessoas cuja consciência não podemos compreender se nos isolarmos em nossa benevolência ao construir um Outro homogêneo se referindo apenas ao nosso próprio lugar no espaço do Mesmo e do Eu” (SPIVAK, 2010, p. 70). Sair desse espaço do Mesmo e do Eu, aceitando um contato com o diverso, parece ser o grande projeto intelectual que nos cabe neste momento de internacionalização avançada. O Outro, por conta dos acessos aos meios de produção e divulgação literárias de natureza eletrônica, e pelas traduções que se tornam cada vez mais intensas e instantâneas, está disponível, com uma circulação pequena, mas suficiente, para gozar de alguma visibilidade que, logicamente, pode e deve ser dilatada. O texto de Spivak é de 1985, momento em que esta fala subalterna ainda não contava com as ferramentas da internet para romper com o silêncio que a sufocava. De lá para cá, ampliaramse os espaços de expressão e a circulação impressa e on line de literaturas produzidas nas culturas e línguas mais diversas, negando a alta seletividade do mercado por meio da utilização dos espaços digitais de escrita. Houve, sem dúvida, um avanço nesse processo de assimilação do Outro heterogêneo, autoconstruído, e não reflexo de um Eu na defensiva.


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6. Se está em curso a ressurreição desse Outro de fora para dentro, ou seja, pela entrada, por diversas vias, de escritas periféricas em espaços culturais centrais, dada a circulação nômade, vagante, de pessoas e produtos de linguagens, marca da contemporaneidade internacionalizada, há também um processo interno de duplas localizações (lar e mundo), que se torna representativo pela presença maciça de imigrantes do Terceiro Mundo, ilegais ou não, no Primeiro Mundo, o que cria um sentimento reativo de medo e de preconceito, forjando a construção de um Outro homogêneo, mas que também força, quando esses Outros assumem voz no novo espaço, uma espécie de cidadania problematizada, entre o seu lugar de origem e seu lugar de chegada, rompendo assim com a assimilação pacificadora. As imigrações periferia/centro, tão intensas nas últimas décadas, quando ocorreu o triunfo econômico e político do capitalismo, forçaram ações de afirmação de alteridade, mas também excomunhões. Sem entrar na discussão de seus sentidos mais sociológicos, é possível ver algumas interferências na constituição de uma voz outra que nasce no centro, mas traz uma trajetória periférica, com as marcas de tal alteridade. Principal destino das imigrações no planeta, os Estados Unidos fornecem farto material para tais observações. A recente reunião, feita pela prestigiosa revista Granta (Granta, n. 1, 2007), dos principais autores jovens (menos de 35 anos) do país opera a radiografia da origem dessas vozes. O volume “Os melhores jovens escritores norte-americanos” congrega 21 autores, e fornece uma bem-humorada nota biográfica de cada um deles. É nesse espaço de apresentação que se pode ler a condição de fronteira experimentada por 10 dos 21 selecionados. Se um pouco mais da metade não faz referência à natureza dupla de sua identidade, o resto destaca justamente isso. São escritores filhos de imigrantes, ou eles próprios imigrantes, que assumem a língua e o país como espaços


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de expressão de sua condição de Outro. Três deles são trânsfugas, pois tentam ser – segundo Carol Dunlop – outros espaços. Seguem os sinais desses deslocamentos; os três últimos autores entram na categoria de trânsfugas: Daniel Alarcón – nascido em Lima (Peru), criado no sul dos Estados Unidos. Mantém atividade literária nos dois países (Granta, n. 1, 2007, p. 160). Olga Grushin – nascida em Moscou, viveu em Praga e radicou-se nos Estados Unidos (Granta, n. 1, 2007, p. 160). Uzodinma Iweala – nascido nos Estados Unidos, mas de pais nigerianos (Granta, n. 1, 2007, p. 126). Rattawut Lapcharoensap – nascido em Chicago, mas criado em Bangcoc, declara-se com saudades de sua família na Tailândia (Granta, n. 1, 2007, p. 252). Yiyun Li – nascida em Pequim, mas radicada nos Estados Unidos (Granta, n. 1, 2007, p. 270). Akhil Sharma – nascido em Délhi, Índia, emigrou para os Estados Unidos (Granta, n. 1, 2007, p. 356). Gary Shteyngart – nascido em Leningrado, migrou com a família para os Estados Unidos (Granta, n. 1, 2007, p. 372). Anthony Doerr – nascido em Cleveland (Estados Unidos), mas morou na África, Nova Zelândia e Itália (Granta, n. 1, 2007, p. 82). Gabe Hudson – nascido em Austin, Texas, mas viajou extensivamente pela Tailândia e pelo Vietnã, onde conheceu sua noiva (Granta, n. 1, 2007, p. 112). Jess Row – nascido em Washington, trabalhou em Hong Kong, e foi ordenado professor de dharma pela escola zen Kwan Um (Granta, n. 1, 2007, p. 312).

Essa pequena estatística precisaria vir acompanhada de uma análise da obra dos autores, com o intuito de ver até que ponto eles foram assimilados pela cultura central ou se negam a imagem do Outro homogêneo, o que não pode ser feito aqui, cabendo a ela a função de demonstrar uma sobreposição de centro e periferia, um duplo pertencimento, fonte de uma tensão reveladora.


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Se esses são casos de nacionalidades sobrepostas – forçadas ou eleitas –, e, portanto, emblemáticas de um período de nomadismo – turístico e/ou existencial –, temos de lembrar a pergunta de Murilo Mendes que define a contemporaneidade, principalmente depois da integração do mundo pela internet, quando todos são daqui e de outros lugares: “Mas hoje alguém é apenas do lugar onde nasceu?”

7. Percorrendo livros dispersivamente, este artigo chega a algumas questões: De que forma, e até que ponto, os currículos de literatura nas graduações, no caso do Brasil, atendem a esse modelo de complementaridades? É possível continuar trabalhando com a perspectiva de literaturas nacionais – essa invenção romântica –, vistas como categorias e identidades estanques? Fazer leituras e estudos de textos literários segundo uma ordem cronológico-evolutiva não seria afastar-se das experiências sincrônicas que definem a contemporaneidade informatizada?

A busca de uma mirada mundial para a literatura não significa reproduzir valores consagrados, não se trata de cultuar cânones pré-fabricados ou de empreender um processo homogeneizador. Não é aplicar o conceito de ISO na literatura (sigla em inglês que significa Organização Internacional para a Estandardização), conceito que vem padronizando os sistemas de produção. Não é também negar a sua Denominação de Origem (DO) (conceito usado em alguns produtos, principalmente nos das vinícolas), mas promover o acréscimo de obras e autores outros ao concerto mundial de vozes literárias, desenvolvendo uma experiência de pertencimentos múltiplos. Uma literatura mundial que seja a soma das tradições literárias de várias


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nações e não um denominador comum construído a partir do centro, de um Eu que se faz ao estabelecer um Outro simplificado. Nessa perspectiva, o comparativismo é a chave-mestra, o instrumento que pode corrigir distorções do nacionalismo estreito ou do internacionalismo estandardizado, dando maior abrangência às literaturas periféricas, ainda presas a uma lógica nacionalista, tanto em suas manifestações contemporâneas quanto nas já estabilizadas. As experiências internacionalistas extremas desta era da informática, em que o nomadismo se fez também virtual, aplicadas à reorganização curricular do ensino de literatura, na visada de um comparativismo multifocal, modificariam o nosso próprio passado, injetando autores tidos como meramente nacionais na circulação sanguínea da literatura mundial, numa contracolonização a posteriori.

Referências BOTTON, Allain de. Uma semana no aeroporto. Tradução de Maria Luiza Machado Jatobá. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. CORTÁZAR, Julio; DUNLOP, Carol. Os autonautas da cosmopista. Tradução de Josely Vianna Baptista. Brasiliense, 1991. GRANTA. n. 1: os melhores escritores norte-americanos. Tradução de Fernanda Abreu et al. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. MENDES, Murilo. Carta geográfica. In:_____. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Tradução Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa e André Pereira Feitosa. Belo Horizonte: UFMG, 2010. TREVISAN, Dalton. A geração dos vinte anos na ilha. Revista Joaquim, Curitiba, março de 1947. Curitiba: Imprensa Oficial do Estado, 2000. Edição fac-similar. _____. O vampiro de Curitiba. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.


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Comparativismo cultural hoje Edgar Cézar Nolasco*

resumo:

O ensaio discute o papel e lugar do comparativismo cultural hoje, tendo como pano de fundo o que propõem os Estudos Culturais. Para tanto, foram seminais para a discussão o que afirmam os críticos Hugo Achugar e Homi Bhabha. Do primeiro, nos detivemos somente no que o crítico uruguaio diz sobre o conceito de Weltliteratur, na medida em que rediscute o conceito goethiano, o qual serviu de parâmetro para a conceituação do que se entendeu por literatura comparada no ocidente. Em seu livro “Planetas sem boca”, o crítico propõe uma revisão crítica da literatura comparada hoje, considerando a era da globalização do presente. De “O local da cultura”, de Bhabha, nos valemos do que ele chama de “comparativismo cultural”. O crítico também parte da noção goethiana, mas para subverter tal noção, propondo, inclusive, uma nova forma de se pensar a literatura comparada. Por fim, o ensaio mostra que, apesar de as leituras de Achugar e de Bhabha divergirem entre elas, ambas contribuem sobremaneira para uma rediscussão crítica produtiva em torno do que ainda se entende por literatura comparada nos dias atuais. palavras-chave:

comparativismo cultural; literatura comparada; crítica contemporânea. abstract: This article discusses the today’s cultural compara-

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). ∗

tive place and role, having on background what the Cultural Studies propose. Therefore, Hugo Achugar and Homi Bhabha’s proposes were very important to this discussion. Of this first one, we utilized only what Uruguayan reviewer says about Weltliteratur concept, in so far as discusses again the Goethe’s concept which was useful for the conceptualisation of what was understood as comparative literature on west. On his book “Planetas


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sem boca”, the reviewer proposes a review of today’s comparative literature, considering the globalization era of this present days. About “O local da cultura”, by Bhabha, we utilize what he calls cultural comparative. The review also uses the Goethe’s concept but to subvert this concept, considering, including, a new way of thinking the comparative literature. Finally, the article shows that although the Achugar and Bhabha reading were different between them, both contribute overly for a the productive review redicussion around of what we still understand about comparative literature on these days. keywords: cultural comparative; comparative literature; con-

temporary review.

Tantas e tão profundas são as transformações do quadro cultural por que passamos desde que Goethe colocou em circulação o termo Weltliteratur, em janeiro de 1827, que é necessário periodicamente indagar se essa noção – central desde o início para os estudos de literatura comparada – ainda ocupa neles uma posição semelhante. CARVALHAL. A Weltliteratur em questão. In: O próprio e o alheio, p. 88.

É do conhecimento de todos os comparatistas que a conceituação do que seja literatura comparada no mundo está diretamente atravessada pela noção do termo alemão Weltliteratur, criado por Goethe em 31 de janeiro de 1827. A noção foi traduzida como “literatura mundial” para se contrapor à ideia de Nationaltliteratur, traduzida como “literatura nacional”. Do conceito de “literatura mundial” para o de “literatura universal”, ou mesmo de universal, é menos de um passo. Como o que me interessa, nesse primeiro momento, é o que guarda a ideia de universal (se é que ela ainda guarda alguma coisa importante), sempre em comparação a algo não universal, como se esta fosse a condição para se compreender ainda hoje as produções humanas, vou me deter, sobretudo, em dois críticos culturais contemporâ-


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neos que, no mínimo, compreendem de modo diferente o que estava dizendo em 1827 o poeta romântico alemão Wolfgang Goethe. Refiro-me aos críticos Hugo Achugar (Uruguaio) e Homi K. Bhabha (Indo-britânico). Do primeiro, vou me valer tão somente do capítulo sintomaticamente intitulado “Weltliteratur: ou cosmopolitismo, globalização, ‘literatura mundial’ e outras metáforas problemáticas”, do livro Planetas sem boca: escritos efêmeros sobre arte, cultura e literatura. Do outro crítico, refiro-me ao livro O local da cultura, especificamente à parte da “Introdução” denominada de “Locais da cultura”. O crítico uruguaio começa seu capítulo dizendo que o trabalho ali discutido deveria ser entendido como um “balbucio teórico”, ou seja, uma categoria que, antes de ser pejorativa, pelo contrário, “pode ser considerada como uma forma de resistência que tenta confrontar ou problematizar teorizações originadas no Commonwealth e que se apresentam como universais” (ACHUGAR, 2006, p. 64). Grifo a palavra universais porque, ao final do capítulo, Achugar centra-se na pergunta: “O que é, então, o universal?” (ACHUGAR, 2006, p. 78). Comentando a cena primordial da história da literatura no ocidente no diálogo de Goethe em 1827, Achugar reconhece, ali, alguns elementos dessa história: “cosmopolitismo versus exotismo ou exótico, localismo versus universalismo, estranheza e familiaridade, assim como um movimento homogeneizador e inclusivo que, longe de distingui-las, integra as diferenças em um ‘Todo’ qualificado como ‘razoavelmente burguês’” (ACHUGAR, 2006, p. 66). Transcrevo, a seguir, a parte da cena (diálogo) que mais interessou ao crítico: Hoje, a literatura nacional não significa grande coisa; chegou o momento da literatura mundial, e todos devemos contribuir para apressar o advento dessa época. No entanto, em nosso estudo do estrangeiro, devemos cuidar de não nos limitarmos a considerar uma só coisa como modelo. [...] Para satisfazer nossa necessidade, devemos, de algum modo, retroagir


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aos gregos, em cujas obras se expressa a beleza humana. Devemos considerar o resto como puramente histórico, apropriando-nos, quando possível, do que eles tiveram de bom (ACHUGAR, 2006, p. 67 – Grifos do autor).

Depois de dizer que foi aí, pela primeira vez, que Goethe formulou a noção de Weltliteratur, na versão/tradução usada por Achugar, como “literatura mundial”, e que, daí a meses, em 15 de julho, Goethe volta a usar o termo, mas nesta ocasião traduzido como “literatura cosmopolita”, o crítico uruguaio conclui que o fato de a noção de Weltliteratur ter sido traduzida como mundial, universal e cosmopolita “traz consigo alguns dos problemas presentes na atual discussão teórica, tanto na academia do Primeiro Mundo quanto na da América Latina” (ACHUGAR, 2006, p. 67). Quero, aqui, apenas lembrar que o ensaio do crítico uruguaio é de 2003 e seu livro publicado em Montevidéu é de 2004. Achugar discute a “homogeneização do mundo” que Goethe realizou na passagem, além de mostrar que a passagem revela a concepção de universalidade do mundo do poeta, ambas implicadas na noção de literatura mundial. Lembra-nos Achugar que Goethe, ao formular, pela primeira vez, uma noção de “literatura mundial”, inclui também em tal noção “uma espécie de imperativo estético que é também ético”. De acordo com o autor de Planetas sem boca, o retorno aos gregos em busca da “beleza humana” não é casual e reafirma a genealogia hegemônica da chamada cultura ocidental, que é permanente e que se contrapõe ao “resto”. É a partir desse sujeito do conhecimento criado por Goethe que ele se apropria do mundo outro, ou do mundo dos outros, nas palavras de Achugar. Noutra cena de seu texto, na qual mostra que Marx e Engels também mencionam o termo “literatura mundial” no Manifesto comunista, Achugar argumenta que a noção está “ligada tanto ao estabelecimento de uma nova ordem mundial – na qual o nacional pareceria ter começado a


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perder significado – como ao desenvolvimento do mercado mundial” (ACHUGAR, 2006, p. 71). Tendo por base o que postula Achugar, e considerando a cultura do dinheiro na qual estamos imerso neste século XXI, posso dizer que o termo “literatura mundial” nunca esteve tão contextualizado e literalmente na moda como nos dias atuais. Mais adiante em seu texto, ao discutir o que propunha Franco Moretti (2000), de que as metáforas árvores e ondas tentam resolver a oposição dualista de Goethe (literatura nacional x literatura mundial), o crítico uruguaio chega num dos pontos que mais nos interessam em seu capítulo. Lembra-nos que Emily Apter mostra um problema que Moretti deixa sem solução, e que, apesar de não se deter na análise de Moretti, Apter considera e aponta diversos paradigmas: “literatura global”(Jameson; Masao Miyoshi), Cosmopolitismo (Bruce Robbins; Timothy Bresinam), literatura mundial (Damrosch; Moretti), transnacionalismo literário (Spivak), Estudos pós-coloniais e estudos diaspóricos (Said; Bhabha; Lionnet; Chow). Ela esquece de mencionar o “Cosmopolitismo” à Appadurai, Chakrabarty, Mignolo e cia (que, lamentavelmente, não tenho tempo de discutir neste momento), mas considera críticos como Lowe, Gipta, Pratt, Balobar, Robbins e muitos outros (ACHUGAR, 2006, p. 77).

Na sequência, Achugar parece endossar as proposições de Apter, para quem tais paradigmas, mesmo quando prometem um compromisso vital com tradições não ocidentais, “não oferecem soluções metodológicas ao problema pragmático de como fazer críveis as comparações entre diferentes línguas e literaturas” (ACHUGAR, 2006, p. 77). Já que tais paradigmas não apresentam soluções na opinião de Apter nem, muito menos, na de Achugar, fica entendido que deva haver um forte debate no âmbito da teoria e da crítica literária, e não só em torno do Weltliteratur, “mas também das implicações políticas e culturais que esse ins-


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trumento teórico estabelece no debate contemporâneo, em termos de presente globalização” (ACHUGAR, 2006, p. 77). Esse debate, nas palavras do crítico, está associado a questões de “Literatura comparada”, mas também vinculado ao mais geral do universalismo versus particularismo. Sem concordar plenamente com Achugar, entendo que tais conceitos endossam a discussão em torno de uma possível literatura geral, na medida em que conceitos como local, pós-colonial, diaspórico, entre outros, discutem diferenças entre povos, nação, línguas e, por conseguinte, manifestações culturais específicas. Que o mundo, e por extensão, a cultura, é global, parece ser um consenso deste século XXI; o que não parece, nem pode ser um consenso, seria a convicção de que não se podem estudar as especificidades culturais de uma nação, lugar ou local, sem passar, necessariamente, pelo global. Na verdade, o modo de ler tais especificidades já traz em sua episteme a consciência desse Universal Global, mas não pode ser mais a condição para se interpretar o traço caracterizador das especificidades culturais locais. Após formular a pergunta sobre o que fazer com a narrativa contemporânea na América Latina, Achugar, na esteira de Volpi, Fuguet e outros presentes em seu ensaio, considera que parece que se deveria dissolver o nacional e também as categorias regionais. E, por fim, refere-se ao tema dos universais implícito na noção goethiana de Weltliteratur. Depois de perguntar se é válido discutir a categoria de literatura universal, ou mundial, ou cosmopolita, Achugar se pergunta: “podemos e, sobretudo, devemos escapar da armadilha do dilema nacional versus global ou universal? Que sentido tem falar da universalidade de Homero, Goethe, Borges, García Márquez, Clarice Lispector, Rigoberta Menchú, Paulo Lins, Paul Auster ou Onetti? Ou, haverá universalidades mais universais que outras?” (ACHUGAR, 2006, p. 78). Em vista do exposto, Achugar constata que essa discussão deveria levar o crítico, ou mesmo obrigá-lo, a repensar alguns temas; entre os mais óbvios, destaca: “os


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das literaturas nacionais, das tradições locais, mas também o tema dos valores, do cânone e, sobretudo, o que se supõe que devemos transmitir às gerações vindouras” (ACHUGAR, 2006, p. 79). A outra questão a que isso obriga o crítico a repensar as preocupações intelectuais e políticas, como as do próprio crítico uruguaio, trata-se do sujeito da narração que “construímos para poder contar a história do que, até hoje, foi conhecido como ‘Literatura e cultura latino-americana’”. Ou seja, ainda nas palavras do crítico, repensar a questão do sujeito do conhecimento em termos do nacional, do regional, do universal, dos despossuídos, dos marginais, dos subalternos, do colonial. Nesse ponto, Achugar lembra Said, que toma a acepção do sujeito como uma máscara ou personae poética, de Mary Louse Pratt, que, ao discutir “literatura comparada na época do multiculturalismo”, concebe o sujeito como um “cidadão global”, descrevendo-o como “gente multilíngue” ou multicultural que tem uma “cidadania global”, e de Lídia Santos, que vê o sujeito como um “sujeito cosmopolita”, além de lembrar o “sujeito migrante”, de Antonio Cornejo Polar (Cf. ACHUGAR, 2006, p. 79). Em vez de querer entender que Achugar se volta para uma possível ideia de sujeito cosmopolita, quero pensar que ele está propondo a discussão desse sujeito. E mais: que repensar quaisquer dessas categorias, como a de sujeito subalterno, requer um posicionamento político-crítico próprio, bem como uma prática comparatista que saiba ler ambos os sujeitos nela implicados na diferença. Hugo Achugar termina seu texto lembrando-nos da necessidade de discutir noções como “literatura universal” e “cultura universal”, entre as diferentes comunidades acadêmicas, ou entre as diversas partes do mundo. A argumentação do crítico implica ainda descartar ou desconfiar da afirmação “de que o local é relevante de um modo ou de uma maneira diferente; isto é, que as tentativas de se escrever literatura universal, quer seja na Cidade do México, Berlim, Filadélfia, Paris, Ancara, Montevidéu ou Moçambique, pode ser um projeto eurocêntrico que necessita ser mais dis-


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cutido” (ACHUGAR, 2006, p. 80). Sem querer discordar do crítico, mas levando-se em conta o contexto cultural e político no qual nos encontramos, entendo que o projeto de se escrever literatura, ou de fazer qualquer arte universal, hoje, é mais do que falido, posto que é impossível. Antes de mais nada, deveríamos nos perguntar: universal em relação a quem, ou a quê? E, mesmo se soubéssemos tal resposta, será que de fato nos interessaria saber? Ou melhor: teria um valor a mais? Talvez tivesse um valor ético, estético, político, cultural, que fosse bom para toda a humanidade, mas que, no fundo, não passaria de utópico, uma vez que nunca realizável na face da Terra. Crítico cuidadoso que é, Achugar conclui que esse assunto em torno do universal merece especial atenção porque “há mais coisas entre o céu e a terra, Hugo, do que pode sonhar tua filosofia”, como Hamlet disse a Horácio. Nem tanto ao céu, nem tanto à Terra, quando o assunto for universal e particular, global e local, sobretudo nos dias atuais. Só uma perspectiva não binária nos permitiria enfrentar tal dualismo sem grandes medos. Agora, uma coisa é fato neste início de século, e isso quem vem nos ensinando é a própria crítica nesta virada de século, a reflexão contemporânea converge para o mapeamento dos localismos, como forma, talvez, de compreendermos melhor o universal do outro. Como já dissemos em “Para onde devem voar os pássaros depois do último céu?”, “o universal é alhures”. Que o crítico na contemporaneidade não esteja com os dois pés no presente e olhando para o passando achando que, assim, compreenderá melhor o próprio presente. Ledo engano crítico. De agora em diante, detenho-me na “Introdução” ao livro de Bhabha, intitulada “Locais da cultura”, como já se disse. Antes, porém, convém-nos dizer que a leitura de Achugar contrapõe-se à de Bhabha, por ser esta uma leitura eminentemente pós-colonial. No capítulo 2 de Planetas sem boca, intitulado “Leões, caçadores e historiadores: a propósito das políticas da memória e do conhecimento”, o crítico uruguaio deixa clara sua oposição. Da “Introdu-


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ção” de Bhabha, vamos chamar a atenção apenas para as passagens que, de alguma forma, ilustram nossa discussão aqui, que se dá em torno do que Bhabha diz sobre a noção de “literatura mundial” de Goethe. Entendo que o modo como Bhabha lê a noção de Weltliteratur, ou seja, de dentro de uma leitura assentada na perspectiva pós-colonial, já mostra uma diferença entre sua leitura e a de Achugar. Talvez aqui nos reste perguntar, com uma certa ironia, qual seria a perspectiva crítica que embasa a leitura do crítico uruguaio, já que, como todos sabemos, ele fala do lugar/ local chamado Uruguai. À página 23 de sua “Introdução”, Bhabha diz algo que marca a diferença de sua leitura: O presente não pode mais ser encarado simplesmente como uma ruptura ou um vínculo com o passado e o futuro, não mais uma presença sincrônica: nossa autopresença mais imediata, nossa imagem pública, vem a ser revelada por suas descontinuidades, suas desigualdades, suas minorias. Diferentemente da mão morta da história que conta as contas do tempo sequencial como um rosário, buscando estabelecer conexões seriais, causais, confrontamo-nos agora com o que Walter Benjamin descreve como a explosão de um momento monâdico desde o curso homogêneo da história, estabelecendo uma concepção do presente como o “tempo do agora” (BHABHA,1998, p. 23).

Na sequência, Bhabha diz que, cada vez mais, “as culturas ‘nacionais’ estão sendo produzidas a partir da perspectiva de minorias destituídas. O efeito mais significativo desse processo não é a proliferação de histórias alternativas dos excluídos, que produziriam, segundo alguns, uma anarquia pluralista” (BHABHA, 1998, p. 25). Continua dizendo que “a moeda corrente do comparativismo crítico ou do juízo estético, não é mais a soberania da cultura nacional concebida, como propõe Benedict Anderson, como uma ‘comunidade imaginada’ com raízes em um ‘tempo vazio homogêneo’ da modernidade e progresso” (BHABHA, 1998, p. 25).


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Bhabha deixa claro que a crítica pós-colonial dá testemunho de países, comunidades e lugares constituídos “de outro modo que não a modernidade”. Para ele, tais culturas de contramodernidade pós-colonial “podem ser contingentes à modernidade, descontínuas ou em desacordo com ela, resistentes a suas opressivas tecnologias assimilacionistas; porém, elas também põem em campo o hibridismo cultural de suas condições fronteiriças para ‘traduzir’, e portanto reinscrever, o imaginário social tanto da metrópole como da modernidade” (Cf. BHABHA, p. 26). (Aqui vale a pena lembrar que o hibridismo de Bhabha contrapõe-se radicalmente ao de Canclini em Culturas híbridas, posto que este parece ler a hibridez de dentro do velho projeto moderno da América Latina. Podemos, por extensão, pensar que a hibridez de Bhabha contrapõe-se também à heterogeneidade proposta por Achugar. Mas não é meu propósito discutir isso neste momento.) O que o autor de O local da cultura defende caminha na contramão de um diálogo com a tradição e, por extensão, com um possível cordão umbilical que se ligaria à origem, isto é, ao universal. Nesse sentido, vejamos o que diz Bhabha: O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com “o novo” que não seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma ideia do novo como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o passado como causa social ou precedente estético; ela renova o passado, refigurando-o como um “entre-lugar” contingente, que inova e interrompe a atuação do presente. O “passadopresente” torna-se parte da necessidade, e não da nostalgia, de viver (BHABHA, 1998, p. 27).

Ao se referir à noção de “literatura mundial” de Goethe, Bhabha propõe uma leitura no mínimo inovadora. Segundo ele, “Goethe sugere que a possibilidade de uma literatura mundial surge da confusão cultural ocasionada por terríveis guerras e conflitos mútuos” (BHABHA, 1998,


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p. 32). Até aí, tudo bem. E Bhabha, não diferente de outros, como Achugar, constata a leitura “eurocêntrica” de Goethe. Mas, tendo por base a afirmação de Goethe, Bhabha propõe uma inversão da literatura mundial: a “natureza interna de toda a nação, assim como a de cada homem, funciona de forma inconsciente” (BHABHA, 1998, p. 33). Quando isso ocorre, para Bhabha pode haver a ideia de que a literatura mundial possa ser uma categoria emergente prefigurativa, que se ocupa de uma forma de dissenso e alteridade cultural onde termos não consensuais de afiliação podem ser estabelecidos com base no trauma histórico. O estudo da literatura mundial poderia ser o estudo do modo pelo qual as culturas se reconhecem através de suas projeções de “alteridade”. Talvez possamos agora sugerir que histórias transnacionais de migrantes, colonizados ou refugiados políticos – essas condições de fronteira e divisas – possam ser o terreno da literatura mundial, em lugar da transmissão de tradições nacionais, antes o tema central da literatura mundial (BHABHA, 1998, p. 33).

Veja-se que Bhabha subverte por completo a proposta da Literatura Comparada no Ocidente: de cosmopolita, digamos, passaria a subalterna. Para ele, “o centro de tal estudo não seria nem a ‘soberania’ de culturas nacionais nem o universalismo da cultura humana, mas um foco sobre aqueles ‘deslocamentos sociais e culturais anômalos’ que Morrison e Gordimer representam em suas ficções ‘estranhas’” (BHABHA, 1998, p. 33). De meu ponto de vista, é a esse “nem o universalismo da cultura humana” que a leitura de Achugar não consegue rechaçar; muito pelo contrário, toda sua leitura converge para o fortalecimento desse humanismo demasiado humano. Parece-me que a leitura defendida pelo crítico uruguaio reforça aquele velho projeto de modernidade ideal para se compreender a América Latina. Quero pensar que, enquanto a crítica endossa tal projeto, as produções culturais latino-americanas virão sempre a reboque do que se fez em nome de uma também velha Civilização Ocidental. O projeto da


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modernidade parece ter naufragado em meio às diferenças, ou heterogeneidades, que caracterizam os povos, as línguas e as culturas que constituem a América Latina, com sua diversidade cultural ímpar. Parodiando Homi Bhabha, que se vale de uma frase da escritora Morrison, diria que, tratando-se do modo crítico de ler a América Latina e, por extensão, suas produções culturais, algo está fora de controle, mas não fora da possibilidade de organização (Cf. BHABHA, 1998, p. 34). Tal frase da escritora torna-se, segundo o crítico, uma declaração sobre a responsabilidade política do crítico: “o crítico deve tentar apreender totalmente e assumir a responsabilidade pelos passados não ditos, não representados, que assombram o presente histórico” (BHABHA, 1998, p. 34). Nessa direção, faço uma digressão crítica no tempo, mas com a intenção de avançar: se, antes, Roland Barthes falava em um compromisso com a forma, talvez influenciado por um alto modernismo, agora, e cada vez mais, podemos dizer que a responsabilidade do crítico deve passar pelo conteúdo, ou seja, ler as produções culturais (culturas, povos, histórias) de dentro delas para fora, privilegiando, assim, o locus, ou contexto histórico-cultural, no qual elas foram geradas. As formas ainda podem até ser importadas, mas os conteúdos estão atravessados por seu bio e pelo bio do sujeito-produtor. De tudo, uma coisa já ficou clara, pelo menos no campo da crítica na contemporaneidade: a necessidade de localização, de locus, do sujeito crítico, como forma de não incorrer mais em leituras que poderiam soar em falso no tocante ao contexto cultural no qual o objeto, ou produção cultural, foi pensado. Se pararmos para pensar atentamente, veremos que tal localização por parte da persona crítica também caminha na contracorrente daquele velho universalismo que, quase sempre, encobria feito um fantasma que retorna num contexto para o qual não pode ter nenhum valor. Devo lembrar aqui, na esteira do que postulam os estudos subalternos, que o crítico nunca estaria completamente habilitado para falar pelo outro, principalmente quando este outro se inscreve na cultura


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sob a rubrica de minorias, uma vez que nunca ocuparia o lugar desse outro. Nessa direção, falar pelo outro implica reforçar aquela ideia universalizante, ou pelo menos de um discurso universalizante que partiria daquela ideia do “isso é bom para todos”. Não por acaso, Bhabha nos diz que a relação entre público e privado, passado e presente, o psíquico e o social desenvolvem uma intimidade intersticial. É uma intimidade que questiona as divisões binárias através das quais essas esferas da experiência social são frequentemente opostas espacialmente. Essas esferas da vida são ligadas através de uma temporalidade intervalar que toma a medida de habitar em casa, ao mesmo tempo em que produz uma imagem do mundo da história. Este é o momento de distância estética que dá à narrativa uma dupla face que, como o sujeito sulafricano de cor, representa um hibridismo, uma diferença “interior”, um sujeito que habita a borda de uma realidade “intervalar” (BHABHA, 1998, p. 35).

Intimidade intersticial, temporalidade intervalar, hibridismo e realidade intervalar são palavras que nos ajudam a ler as manifestações culturais, como o próprio texto literário, por fora da perspectiva binária e moderna por excelência que predominou e ainda predomina nas leituras feitas das produções latino-americanas. (Vale a pena lembrar aqui que discursos críticos, hoje, que não sabem tratar devidamente de conceitos como local, lugar, regionalismos, locus cultural, zona de contato, estão caminhando para trás quando se trata da redefinição, inclusive conceitual, que estudos culturais (subalternos) têm proposto para uma nova América Latina.) Todo o resto da “Introdução” ao livro de Bhabha dá-se em torno da discussão do binarismo. Na esteira dos romances que analisa, bem como pelo que propõe Levinas, Bhabha lembra-nos que “a ‘arte-mágica’ do romance contemporâneo reside em sua maneira de ‘ver a interioridade a partir do exterior’” (BHABHA, 1998, p. 38). Ver o interior tendo por base o exterior, ou vendo o interior passando


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pelo exterior, pode ser um alerta necessário para desbaratar aquela leitura binária que está calcada na relação fora e dentro, universal e particular, antes e depois etc, como se esta fosse a condição a qual estivéssemos condenados a respeitar. A lição ensinada por Bhabha requer um movimento de afastamento de um mundo concebido em termos binários, requer um afastamento do político como prática pedagógica, ideológica, da política como necessidade vital do cotidiano – a política como performatividade. Nesse sentido, podemos dizer que também a crítica contemporânea, apesar de estar pensando aqui especificamente no comparativismo cultural hoje, não devesse passar, talvez, de uma performance, de natureza crítica e política ao mesmo tempo. Gostaria de fechar esta breve discussão sobre o papel e lugar do comparativismo cultural hoje, retomando uma pergunta que Denílson Lopes faz ao abrir seu ensaio “Notas sobre crítica e paisagens transculturais”: “qual seria o papel do crítico de crítica de cultura e de arte diante dos desafios da globalização que se intensificaram a partir dos anos 90, simbolicamente iniciados com a queda do Muro de Berlin e ampliados pelos eventos de 11 de setembro?” (LOPES, 2010, p. 21). Quero entender que, ressalvadas as diferenças que possa haver, a mesma pergunta vale para o comparatista cultural hoje. Desse modo, não resisto à tentação de perguntar qual seria o papel do comparatista hoje depois da exaustão da própria disciplina de Literatura Comparada? A pergunta fundamenta-se quando constatamos que a disciplina teve de acompanhar as demais tendências críticas que surgiram nesta virada de século, como os estudos culturais e os estudos subalternos, por exemplo. Nunca é demais lembrar que a disciplina que, pelo menos no Brasil, sempre defendeu a abertura, como a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, teve parte de seus estudos recuados diante dos estudos culturais. Constata-se tal afirmação em livros específicos de literatura comparada publicados no país nas duas últimas décadas.


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Corrobora nossa discussão o que Lopes afirma na sequência: “defendo a importância de um crítico que saiba transitar por fronteiras culturais e não seja necessariamente especialista em uma cultura nacional, nem procure resgatar esta categoria, nem se situa apenas a partir de um olhar abstrato, teórico, filosófico, sem se relacionar com as obras artísticas, produtos culturais e práticas sociais” (LOPES, 2010, p. 21). Entendemos que se encontra aí uma possível conceituação para o que podemos chamar de comparatista cultural hoje, uma vez que compete a essa figura ocupar um não lugar, ou entre-lugar (S. Santiago) por excelência, situando-se numa relação intervalar entre os discursos e as disciplinas, que saiba cruzar as fronteiras de linguagens sem se voltar para um nacionalismo chinfrim. Assim, um comparatista cultural hoje seria aquela persona “que dialoga, que tem gosto, opinião, que intervém, que faz apostas” (LOPES, 2010, p. 21). Curiosamente, Denílson Lopes lança uma outra pergunta que, a seu modo, poderia ter desencadeado a discussão que propomos neste ensaio: “para onde foi parar a fecundidade do comparatismo brasileiro nos estudos literários tão produtivos dos anos 70 aos anos 90?” (LOPES, 2001, p. 24). Grosso modo, entendemos que a saída pode estar na atitude do crítico comparatista cultural de não agir mais de forma dualista, disciplinar, supervalorizando como outrora ocorrera com a própria literatura comparada. Podemos dizer que nos anos 1970 e 80 era até compreensível o discurso crítico ser mais fechado numa visada disciplinar, como de fato ocorrera, mas que, depois de metade dos anos 1990, qualquer leitura crítica que não leve em conta aquela tarefa cumprida à exaustão pela própria literatura comparada, no tocante à quebra de paradigmas, por exemplo, está fadada ao esquecimento. Compete ao comparatista cultural buscar criar novos conceitos, novas formas de ver o mundo. Por fim, como reitera Lopes, “os desafios são tantos e o tempo tão pouco, muito há para se construir para além de um universalismo ocidentocêntrico mas que ao ocidente


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não recusa, para além da ilusão de um provincianismo localista, nacionalista ou continental que torna a periferia um fetiche” (LOPES, 2010, p. 25).

Referências ACHUGAR, Hugo. Planetas sem boca: escritos efêmeros sobre arte, cultura e literatura. Trad. de Lyslei Nascimento. Belo Horizonte: UFMG, 2006. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Trad. de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis, Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 1998. CADERNOS DE ESTUDOS CULTURAIS: estudos culturais. Campo Grande, MS, UFMS, v. 1, n. 1, p. 1-135, jan./jun. 2009. _____: literatura comparada hoje. Campo Grande, MS, UFMS, v. 1, n. 2, p. 1-180, jul./dez. 2009. _____: crítica contemporânea. Campo Grande, MS, UFMS, v. 1, n. 3, p. 1-155, jan./jun. 2010. CARVALHAL, Tania Franco. O próprio e o alheio: ensaios de literatura comparada. São Leopoldo: Unisinos, 2003. LOPES, Denílson. Notas sobre crítica e paisagens transculturais. Cadernos de Estudos Culturais: crítica contemporânea, Campo Grande, MS, UFMS, v. 1, n. 3, p. 21-28, jan./jun. 2010. NOLASCO, Edgar Cézar. Literatura comparada hoje: estudar literatura brasileira é estudar literatura comparada? Cadernos de Estudos Culturais: literatura comparada hoje, Campo Grande, MS, UFMS, v. 1, n. 2, p. 1-180, jul./dez. 2009. _____. Para onde devem voar os pássaros depois do último céu? In: _____. babeLocal: lugares das miúdas culturas. Campo Grande: Life, 2010. p. 47-82.


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Uma ponte sobre o Bósforo (ou o sonho de Atossa) Piero Eyben*

resumo:

O presente ensaio tem por finalidade discutir a construção da tradição literária mundial de um ponto de vista excêntrico. Para tanto, e partindo da leitura de O castelo branco, de Orhan Pamuk, propõe-se pensar a ideia de legitimação da história da literatura do ponto de vista da escritura do outro e de seu possível diálogo entre margens, sejam, no caso, elas europeias ou asiáticas. É nesse sentido que se propõe a metáfora da ponte, na região do Bósforo, como lugar de hibridação e alteridade no sentido de dinamizar e problematizar a tradição recebida como legítima. palavras-chave:

tradição; legitimação; outro; margem; lite-

ratura mundial. abstract:

This essay aims to discuss the construction of the world literary tradition from an eccentric point of view. To do so, and based on the reading of The white castle by Orhan Pamuk, it is proposed to think the idea of legitimizing the history of literature from the standpoint of the writing the other and its possible dialogue between margins, which may be European or Asian. In this sense, we propose the metaphor of the bridge, in the region of Bosporus, as a place of otherness and hybridization in the sense of questioning the received tradition as legitimate. keywords:

tradition; legitimation; other; margin; world lite-

rature. Universidade de Brasília (UnB). Professor Adjunto de Teoria da Literatura no Departamento de Teoria Literária e Literaturas (TELUnB). *

καiV τόδ’ εjξέπραξεν, wJvστε Βόσπορον κλh/σ~ αι μέγαν: [Como?! Ele conseguiu unir o poderoso Bósforo?] Fala do Fantasma de Dario Ésquilo


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Alhures. As águas num estreito. Sobre as águas, uma ponte. Margem a margem. Poderia começar com uma paragem. Águas e local da parada. Blanchot definiu o espaço como uma fascinação. Poderia tomar de empréstimo uma imagem sua de fascinação, um espaço, que seja ele literário, fictício e conducente de certo campo simbólico. O lugar dispõe-se na “outridade” (PAZ, 1996, p. 102) do nome, naquilo que se é outro como origem, nascença. A paragem desemboca do Mar Negro ao Mar de Mármara e, ao que parece, dista todo um ocidente para lá dar num exótico, inventado, oriente. Marca-se por paragem aquilo que desloca o centro de uma cidade sem centro, uma origem que é ela mesma uma não origem. Orhan Pamuk propõe, em sua memória, que se leiam as águas dali, vistas de Istambul: “fortes correntezas avançam pelo Bósforo, sua superfície está sempre enrugada pelo vento e pelas ondas, suas águas são profundas e escuras” (2007b, p. 63). Na escuridão e profundidade enrugada, as águas do Bósforo parecem-se à escritura que se coloca em deslocamento. Toda descrição produzida ali é, antes de tudo, uma próspera modificação de leituras, problemática de escrituras que perpassam a fluência – dissonante – de um lugar que, por não ser berço de nada, se torna o cerne hospitaleiro da diferença; o berço sem berço que sacode fortemente as memórias. Deslocam-se e condensam, por isso, uma metáfora que aqui é importante rememorar: a experiência Leste-Oeste que define aquele espaço. Sendo assim, este ensaio pretende discutir a intrincada diferença que, em seus rastros, produz uma “prótese de origem” – para tomar uma expressão derridiana – do outro interno à linguagem. Nesse sentido, pensar a cultura literária não como um monumento ocidental/civilizado, mas como um mecanismo híbrido que não necessariamente está ligado ao padrão eurocêntrico de Humanismo; e a relação entre imaginário e identidade que se pode estabelecer a partir de uma efetiva busca pela relação, pela diferença. O emaranhado existente entre o mesmo e o diverso, sempre entendido não como mera dialética, pôde ser pensado a


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partir de Beyaz Kale [“O castelo branco”], de Orhan Pamuk, no qual o trabalho dúplice é escritural. A duplicidade suscitada pelo trabalho de Pamuk deve ser, a seu modo, também um gesto dúplice do pensamento da escritura: reinscrição e deslocamento. Assim, uma metáfora, como elemento retórico, sempre é o elemento discursivo próprio à aporia que constitui a identidade como diferença e como origem escritural. Ainda, as contradições que necessariamente implicam um projeto semiótico da metáfora somente podem ser estabelecidas, como formas do pensar, se no interior de seu discurso conduzir a um universo que seja ele mesmo sem saída, sem origem. Os movimentos da textualidade – a literatura, por isso – demonstram esse lugar que, como o Bósforo, não é parte alguma. Se, ao ler O castelo branco, a imagem da dualidade se constitui como movimento textual, aí podemos constatar a outridade do texto literário que nos faz perder o mapa, todo espaço; ou, como diz Pamuk, em A maleta de meu pai: “Ao vê-lo, desejamos entrar nesse mundo e perder-nos dentro dele, como podemos nos perder dentro de um livro” (2007c, p. 31). Perder-se nas páginas da cidade ou nas ruas do livro, eis a atitude aporística exigida na busca por uma compreensão do que se pode pensar como literatura e tradição literária e na falsa questão de ordem diferencial entre as identidades Oriente-Ocidente. Poderia, assim, propor: o que se pensa em termos de uma fundação da tradição que advém – este ato de vir conjuntamente sempre pode ser lido como reinscrição – ao texto escrito e ao sujeito? Aqui, talvez, uma proposição que desavisa, desabona a noção de um “o quê”, pois se desloca: advém a crise que se propõe sob a rasura – sob a ponte do Bósforo. Nesse ato, que é ele mesmo a diferença dos outros, todo o texto se propõe como prótese e promessa de onde hospedar uma fala. A decisão que se impõe à crise – e um étimo pode dizer muito dessas diferenças – propõe, sobretudo, um trabalho de rasura; uma inscrição se coloca sobre as marcas em uma página, do sujeito, que se mostra ao outro como esse eterno outro – “eles” na voz de Hoja


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–, inalcançável por ser ele mesmo um espelho marcado de “águas profundas”. Decidir, portanto, é colocar-se na crise necessária à divagação acerca do processo identitário que se marca apenas na remarca da diferença. Assim, o que se coloca como rasura – identidade – é a superfície de uma experiência. Não aquela em que se constitui uma instituição – o cidadão ou a cidadania de um determinado país –, mas, antes, um espaço vertiginoso em que se postula, pela escritura, uma tradição que é anamnese. O que se perde ao colocar-se em termos de um outro (não exótico, inventado)? O que advém nessa crise pode ser pensado como um surto da hospitalidade da tradição em que me hospedo como espectro. A tradição literária ensaia essa visão de uma cultura transnacional, transcultural, na qual todo projeto de filiação somente pode ser construído sobre uma subjetividade alterada. Ou melhor, nesse outro subjetivo em que a descendência pode ser pensada como aquilo que paro para olhar, talvez, muito de fora. À experiência do fora, dessa alteridade postular absoluta, a tradição deve se ver como hospitalidade de um certo perjuro. O que evoco como rememoração – não, como anamnese – é sempre uma falha, traidora, por ser pouco precisa. Toda história que relato, todo passado constituído dos eventos memoriais somente pode ser conduzido como falseamento necessário na relação dialógica do outro e de si mesmo. Naquilo que não se pode evocar um só nome, a tradição se compromete em, de fora, formar a lei de gênero que condiz à experiência do sujeito com o outro, com a textualidade. Dou nome a um espaço em que o outro não pode ser nada além de um si, de longe: a tradição. Hugo Achugar, tentando ensaiar seu balbucio, como um nome que não se pode apenas filiar, escreveu: Pelo mesmo motivo, dar nome, situar e filiar o Outro, possibilita planejar ou inventar memórias, possibilita construir passados ou apagar histórias, possibilita antecipar catástrofes ou celebrações. Permite descobrir o rosto do eu que dá nome ao Outro, desenhar os limites de sua tribo, os fundamentos


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de seus ódios, de seus amores, de suas lealdades, de suas vinganças. Habilita compreender as heranças que recebeu e as que rejeitou, os testamentos que o constituíram e os que o excluíram. E, também, vislumbrar os legados que começou a projetar; os mandatos que decidiu – inclusive involuntariamente – estabelecer, para os que virão a seguir (ACHUGAR, 2006, p. 314).

Os vínculos pensados por Hugo Achugar convergem para um pensamento em que toda lembrança deva ser fruto da relação majoritário-minoritário. Toda narração, nesse sentido, produziria uma construção das subjetividades alternadas. O olhar do Outro, aquele que vejo de fora, se coloca no onde falar o presente, como fenda, como elemento que produz um “desvínculo” da legitimação. A incompreensibilidade do Outro, a impossibilidade da compreensão torna-se, desse modo, um produto de textualidade, pois se esconde na forma dissidente. Todo texto, toda narração se propõe como um ato performativo da subjetividade ao metaforizar – escriturar – determinados fundamentos da busca acerca do eu. Nesse sentido, todo eu é possível somente narrando-se, justamente pelo fato de que o que se estabelece como herança nada mais é que aquele rosto do Outro inventado pelas raízes da memória. E se, nesse momento, há uma traição desse outro que é ele mesmo a memória, de fora, inventada, todo o sentido da tradição apenas pode se construir se houver, pelo outro, o esquecimento. Ou, como propõe Derrida: “Même si elle l'oublie, elle appelle encore cette mémoire, elle s'appelle ainsi, l'écriture, elle s'appelle de mémoire” [Mesmo se ela o esquece, ela chama ainda esta memória, ela se chama, assim, escritura, ela chama-se de memória] (1996, p. 22). Esse “ela” que é a escritura, que é a memória, é também a língua que surge ao outro e sugere suas disseminações transnacionais. No contexto da história literária, em sua busca humanística de igualitarismo, a tradição é compreendida como os rasgos da história factual (de um historicismo)


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homogênea e padronizada. A base euro e logocêntrica desse pensamento está fincada na herança helênica lida sempre como ganho necessário do passado e, sobretudo, respeito (reverência/adoração/canonização/colonização) aos maiores autores. Para tanto, ou ainda em uma visão assustadoramente universalista de Goethe, o estabelecimento da Weltliteratur, no âmbito dos estudos literários, como projeto europeu de construção de paradigmas para compreender o que viria a ser “boa” literatura, se coloca como uma anamnese que não se deve esquecer. Não se pode projetar uma heterogeneidade discursiva dentro da história enunciada pela literatura por localidades excêntricas. Numa inversão dessa postulação e na condição de “prótese da origem”, o outro deve ocupar – talvez melhor fosse mesmo pilhar, como pretende o sultão de O castelo branco – toda palavra que o define não por seu poder de silenciamento, mas, sobretudo, a partir do incompreensível dual que há nele, divergir de uma essência da identidade. Não há, assim, reverência que deva ser mantida. Toda herança é um ato de doação, de recebimento hospitaleiro, mas isso não implica, de forma alguma, subserviência e busca por eliminar as diferenças. A encenação da escritura problematiza esse aspecto justamente quando produz um espaço – uma Istambul escritural – no qual o convívio é um ato de guerra. Toda essa problemática esbarra na questão da representação que cada um quer de si e para si. Dentro da necessidade de ultrapassar quaisquer discursos que imponham uma história da literatura ocidental (ou mesmo em seu oposto, uma oriental), toda representação, assim, deve ser expandida para além de uma emergência (anti-) hegemônica. Antes, toda forma de representação que constitua uma identidade escritural deve ser pensada não como liminaridade (na proposta de Walter Mignolo), mas como prótese. Uma política da escritura seria uma enunciação, um dizer duplo no qual o elemento aparentemente protético somente pode representar em outras palavras, que são feridas. A crítica à hegemonia, elaborada pela


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crítica pós-colonial, somente pode ter como proposta uma emancipação dos discursos pós-europeizados. Nesse sentido, são evidentemente válidos, pois se perfazem como vozes à margem que solicitam sua subalternidade. Mas, na medida em que essencializam a diferença, as coisas começam a permanecer como eram. Toda resposta da “crítica da razão ocidental” (MIGNOLO, 2003) que se produzir como uma excentricidade rumo à centralização será inevitavelmente uma ruptura com a diferença, ou seja, o processo/projeto de colonização representativa continua em vigor e estabelece, talvez de forma mais drástica, uma segregação parecida com a proposta de “literatura mundial” goethiana. A crítica “pós-ocidental” da modernidade não me parece um caminho “alternativo” (MIGNOLO, 2003, p. 155), mas uma tentativa de restauração da representação pacífica de um Outro que quer ser Mesmo. Falar para além dessa condição reflete de forma muito mais contundente o problema de ser um Outro – mesmo um outro vazio, como muito bem caracteriza Mignolo a América Latina – que, ao se calar, fala. Descentralizar o lócus do discurso, por uma fratura do sujeito (condição do pós-colonial), parece ser muito maior do que produzir meras respostas à centralidade. Mignolo propõe uma “controvérsia epistemológica [...] segundo a qual a enunciação enquanto encenação assume precedência sobre a encenação enquanto representação” (2003, p. 171). Eis o sentido da prótese (esse ato já em si dramático, enquanto o corpo do rei, morto, é exposto), que está além de uma subalternidade politicamente engajada e panfletária. Colocar-se antes como encenação é ficcionalizar – produzir vertigem do espaço – a origem, ir além daquela cultura nacional. O movimento aqui é uma antiaférese, na qual a enunciação do sujeito histórico é essa identidade outra – mimo em cena – em que o representável é posto em dívida. Nesse sentido, Pamuk propõe, e nisso consiste discutir seu desempenho como nosso, falar além do subalterno. Ele não deixa de ser ao dizer, ao contrário, diz pela instalação da crise; rememora uma continuidade inexorável entre


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os espaços literários daqueles sujeitos duais representados pelo “mestre” turco e pelo “escravo” italiano. Se a subalternidade é marcadamente uma voz dos outros sobre o si, a condução de uma condição subalterna somente pode ser pensada dentro de uma alteridade presente no interior do sistema de subjetividades eletivas. Quero dizer, o momento em que se elege – ou se impõe – uma voz para falar é esse também um instante no qual a experiência subjetiva se constitui pela rasura. A dívida vivida aqui é aquela que mantém o veneziano sob a tutela de Hoja. A escravidão do próprio corpo duplo é, por assim dizer, a problemática fulcral de O castelo branco. No espelho, o duplo perfaz-se como motivo e como aporia. A estrutura do Doppelgänger faz com que se perambule entre duas identidades que se configuram por sua mesmidade, anunciada no momento da morte, na forma da ausência. A dívida, portanto, não pode ser paga e a experiência do desmembramento (mestre-escravo) não pode ocorrer, uma vez que seria como despossuir a Turquia como metáfora da dualidade lesteoeste. O duplo como experiência da rasura evidentemente é um apelo metafigurativo para a compreensão da prótese da origem que busco desenvolver. Uma vez que Hoja se coloca todo o tempo como o “a mais” na dicção do italiano raptado – e esse apêndice pode ser notado inúmeras vezes na obra pelo discurso empolado e ao mesmo tempo vazio dos poemas produzidos por Hoja para o sultão-menino –, toda fala ocidental poderia ser compreendida como completa, como plena; o que de forma alguma ocorre no texto de Pamuk. Sendo suplementares, as relações da diferença não podem ser compreendidas como dialéticas. Ou seja, Hoja não é a antítese do mestre-escravo italiano, ele é ele próprio como outro que possui a fala e a despossui quando precisa. O vazio de uma prótese não é nunca um hiato não preenchível, mas sempre algo que se esconde sob a língua do mesmo. Assim, a voz eleita é a voz do vazio, mas é nesse vazio que se constitui a ausência (metafórica) necessária a uma tradição que não seja meramente representação de um cânone ocidentalizante, da razão europeia. A voz


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Em larga medida, Pamuk elucida o problema em A maleta do meu pai: “Em relação ao meu lugar no mundo – na vida, assim como na literatura, meu sentimento básico era que eu estava ‘fora do centro’. No centro do mundo havia uma vida mais rica e mais animada que a nossa, e assim como toda Istambul, como toda a Turquia, eu me sentia excluído. Hoje acho que compartilho esse sentimento com a maioria dos habitantes do planeta. Da mesma forma, havia uma literatura mundial, e o seu centro também ficava muito longe. Na verdade, o que eu tinha em mente era a literatura ocidental, e não mundial, e dessa literatura nós, os turcos, estávamos inelutavelmente excluídos.” (2007c, p. 22) 1

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da minha ausência é quando – a partir das percepções oníricas do sultão, porque tudo ali pode ser sonho no azul marmorizado do manuscrito – o Oriente é o Ocidente, ou melhor, quando há Istambul. Minha ausência – marca da condição subalterna – desloca o que está sob-o-outro e, ao deslocá-lo, proporciona um si mesmo da crise, que elege, que diz que pode falar em mais de uma língua. Aqui, toda marca de território deve ser linguisticamente possível, justamente naquilo em que toda língua é já uma desterritorialização do sujeito, à sa place. Como crise remarcada, a ausência onírica proporcionada pela tradição (“turca”, poderia assim chamar) somente se manifesta na posse e despossessão do lugar em que se fala. Assim, ficcionalizando-se o constructo Oriente-Ocidente, Pamuk ergue um centro excêntrico para a discussão daquilo que poderia chamar de tradição literária, não sendo mais uma escavação até a origem da história da escrita, mas, sobretudo, a inclusão, pelo narrável, da prótese silente que marca o exílio como perda e conquista. O desterro delimita, justo em seu lócus para fora do limite, os espaços (OrienteOcidente) como constructos fictos nos quais o que opera não é um espaço, mas um imaginário acerca do espaço. Da imagem do espaço marca-se a idêntica diferenciação, ou seja, o Oriente como Ocidente1. Ler toda tradição da identidade (do Outro e do Mesmo) como partindo do exílio faz com que não haja um só lugar para a identidade – o que Edward W. Said (2007) propõe desmistificar a partir das representações europeias do orientalismo – como rigidez que advém da terriorialização da Europa. A projeção culturalista do logocentrismo sobre o Oriente pode ser desmantelada ao pensar, de fora, as projeções que se constroem no âmbito da experiência híbrida que denuncie as humanidades como atitude hierárquica de distribuição de consciências, ou ainda, de assunção dessas consciências como superiores à experiência estética turca. A disposição apolítica de todo pensamento acerca da tradição é, como arma de controle, uma institucionalização que visa apenas a produzir “autoridade sobre o Oriente” (SAID, 2007, p. 29).


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A política da escritura aqui não pretende ser uma inversão ou uma denúncia do imperialismo, mas antes uma necessária experiência ambivalente da fronteira. O que legitima uma espécie de metáfora bizantina para a literatura é, antes de qualquer coisa, a escritura como esse silenciamento que existe entre os espaços (nas bordas) de um mosaico. Em outras palavras, a legitimação do discurso literário não soa como legalização, mas antes como uma alteridade absoluta do rastro, uma vez que possibilita não uma disposição de identidade que se herda (da Europa), mas uma diferença que se estabelece na dramaticidade da escritura – digo, no sentido em que Jacques Rancière propôs que “a literatura é uma dramática da escrita” (1995, p. 41). Está aí toda a reinscrição e todo o deslocamento exigido ao sujeito duplo que pode inverter a história literária: naquele em que o nome está opaco, sob a máscara do drama, está também a enunciação de suas diferenças. Nesse sentido, tanto a experiência bizantina quanto a experiência otomana podem revelar – e sempre os véus são recolocados, reposicionados – esse lugar sem pai, essa lei sem lei, o literário que busca definir-se na indistinta realidade do alhures. Tomando o discurso de Rancière: O simulacro poético é um corpo a mais que deixa reconhecer sua textura de ilusão e denuncia seu pai. Em compensação, é próprio do escrito apagar a semelhança que permite atribuir um discurso a seu pai. O corpo da letra se furta tornando sua alma invisível. A letra muda/tagarela não separa apenas o filosófico do logógrafo. Ela apaga as delimitações entre os modos do discurso ao fazer desaparecer o princípio de filiação que permite identificar um discurso ao reconhecer seu pai (RANCIÈRE, 1995, p. 28).

Toda escritura proporciona a simulação de uma dualidade na qual ilusão e denúncia se constituem na subjetividade alternada. Sendo assim, toda lei de identidade é uma autoridade epistemológica que faz do discurso (paternalista) um corpo autoritário. Cada atribuição contraria


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Evidente aqui a articulação com os argumentos de Édouard Glissant: “Vê-se que se as literaturas ocidentais não precisam mais solenizar sua presença no mundo, operação fútil depois deste pesado processo histórico do ocidente, operação pela qual elas se demarcariam como mediocremente nacionalistas, elas têm, em compensação, o dever de meditar esta nova relação com o mundo, por onde elas assinalariam não mais seu lugar preeminente no Mesmo mas sua tarefa dividida no Diverso.” (1981, p. 192) 2

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o apagamento necessário dos elementos que constitui a dualidade – bizantina – que forma o mosaico da escritura. Ora, essa composição figurativa não é apenas constituída por seus elementos figurais. Ao contrário, somente se reconhece um mosaico se os espaços deixados entre cada peça sólida forem suficientemente preenchidos com vazios de figuras. E, cada vazio, cada voz sob-o-outro, é um apagamento típico da escritura, que desfilia por apresentar-se em uma textura discursiva repleta de material do passado, conducente ao presente da imago vazia da argamassa que prende toda a figuratividade. Reposicionar seria, nesse sentido, construir uma figuração que não permita uma distinção válida entre heranças do Ocidente ou do Oriente. Refigurar uma “geografia imaginativa” (tomando-se de empréstimo a expressão de Said) seria, assim, outorgar uma outridade ao outro, ou ainda, em um neologismo que possa explicitar melhor certa novidade, refigurar seria outrogar o outro. Toda literatura como outroga não pode reconhecer individualidades, pois corre, com isso, o perigo de reconhecer hostilidades – e aí estão já as metáforas que o Ocidente forjou do Oriente: terras vazias além do Egeu, o islã como fraude da experiência cristã, o exotismo das mulheres dançarinas. Outroga-se a fala do outro porque não há o idêntico. O que se pode ler, no apagamento de toda escritura, é uma outridade da identidade. A figuração daquele outro que deve ser sentido como o mesmo e como diverso2. Todo um feixe de relações pode se estabelecer dentro da multiplicidade imaginativa do ocidente como se pensando a partir do outro. A ideia do não idêntico altera substancialmente toda disposição da tradição literária do Ocidente, uma vez que faz com que a metafísica da presença que a constitui como história não mais seja possível como unicidade. A diferença se constrói – à maneira de um mosaico – pela ausência marcadamente orientada para a voz do Outro que se outroga o direito de dialogar, antropofagicamente, com essa outridade do Mesmo.


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François Hartog (1999) propõe ler, na História de Heródoto, uma retórica da alteridade na qual toda diferença faça parte de um mesmo sistema histórico. Assim, todo o sistema narrativo é construído por uma verossimilhança de pertencimento que inverte, traduz, compara e torna próprio o “antipróprio”. Diz o historiador: Um narrador, pertencente ao grupo a, contará b às pessoas de a: há o mundo em que se conta e o mundo que se conta. Como, de modo persuasivo, inscrever o mundo que se conta no mundo em que se conta? Esse é o problema do narrador. Ele confronta-se com um problema de tradução (HARTOG, 1999, p. 229).

Desse modo, cada narrador conta com seu nome, com o visível de sua tribo. A compreensão de mundo dessa alteridade desloca-se, literalmente, no espaço da colocação da preposição. O “em” do contar transmite ao ouvinte uma experiência de outro como outorga de si mesmo. Nesse sentido, todo narrador deve traduzir o visto e invisível aos demais em enfabulação (encenação) de uma mesma cultura. Não que sigam uma mesma “universalidade da regra” (HARTOG, 1999, p. 230), meramente invertida, mas sobretudo tornam-se capazes de sentir os nómoi do outro dentro de nossa própria casa (oîkos). Assim, a ponte (seja do Bósforo, seja aquela sobre o Istro que marca o encontro do exército de Dario com os Citas) marca o lugar em que o bárbaro se heleniza, mas também o oposto – como bem anuncia o poema de Kaváfis –, o lugar da diferença entre o terrestre e o líquido. Além disso, toda ponte é local de exílio, e como local é início do deslocamento ao desconhecido, ao dar-se a ver com o estrangeiro. Exilar-se não significa, no entanto, colocar-se em uma encenação confinada ao ilimitado das extensões orientais. Antes, o exílio quer dizer colocar-se em estado de perda no qual o que emana – ou pode emanar – não é uma retórica do eruditismo orientalista europeu, mas um processo muito mais efetivo de busca por uma nomeação que não está


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“Lógica grega? A Europa é com certeza mais um conceito grego que romano. Inicialmente uma maneira de designar uma parte da Grécia continental, ela adquiriu um alcance e um peso maiores como antônimo de Ásia. Europa polêmica e política, em um mundo cindido em dois. Mesmo quando a divisão da Terra em três continentes se tornou corrente, a oposição Europa-Ásia permaneceu por muito tempo a incisão principal.” (HARTOG, 2003, p. 109) 3

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lá. Não há, por isso, uma necessidade de confirmação do Oriente nas ocidentalizações imperialistas. A busca – como é a busca de Faruk Darvinoglu e dos leitores posteriores do manuscrito deixado pelo copista canhoto – é por um nome apagado, pelo apagamento desse nome como iniciação do mestre como mestre; do “astrólogo imperial” como sonho do sultão. A condição de exilado relatada no romance de Pamuk é um dos passos da “crise da missão civilizadora” (MIGNOLO, 2003, p. 143). O que resta ao exilado? O degredo como decisório. A sentença que representa o parco, o menos, o exile. O sujeito que vive o exílio – seja imposto, seja voluntário – teme, em seu ínterim, as distâncias das genealogias. Nesse aspecto, teme não poder mais um encontrar-se com a tradição, territorializada. O espaço limita a experiência do exílio a uma vivência de gênese que não reflete toda a experiência ordinária do exilado. Assim, estar entre a corte turca ou estar na Veneza renascentista seria o mesmo – o duplo da experiência –, a mesma experiência transfigurativa da representação do homem em sua tradição. Se a civilização advém com o conceito de Europa – veio do logocentrismo filosófico como projeto de conquista, de certa forma o conceito de Europa pode ser pensado como um projeto de antonímia diante da Ásia, construído, sobretudo, a partir do controle contra os persas na batalha de Maratona, em 490 a.C., como explicita Hartog, em “Fundamentos gregos da idéia de Europa” (2003)3 –, a antirresposta poderia ser a experiência do exílio – ou ainda a “deseuropa” proposta por Edgar Morin (1994) como certa crise das nacionalidades e etnias presentes nas dissociações que constituem a Europa desde a Primeira Guerra – que não comprometesse a memória, que a transformasse em território além de toda divisa. Esse duplo castelo branco que faz recuar o domínio, que se faz perder nos pântanos: Doppio. Edward Said ensaia tocar no compartilhamento do exílio, como condição:


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O exílio, ao contrário do nacionalismo, é fundamentalmente um estado de ser descontínuo. Os exilados estão separados das raízes, da terra natal, do passado. Em geral, não têm exércitos ou Estados, embora estejam com freqüência em busca deles. Portanto, os exilados sentem uma necessidade urgente de reconstituir suas vidas rompidas e preferem ver a si mesmos como parte de uma ideologia triunfante ou de um povo restaurado. O ponto crucial é que uma situação de exílio sem essa ideologia triunfante – criada para reagrupar uma história rompida em um novo todo – é praticamente insuportável e impossível no mundo de hoje. Basta ver o destino de judeus, palestinos e armênios (SAID, 2003, p. 50).

Nesse sentido, a solidão representada pelo exílio pode ser pensada para além de uma ponte nacionalista, de um legado histórico passivo – de uma historicidade no tempo e não pelo tempo. A necessidade de reconstituição apontada por Said é experienciada na literatura como condição primeira, como pacto e rearranjo de culturas que estiveram apartadas pelo orientalismo e triunfo dos aspectos centralizadores de nação e povo. A descontinuidade é marca do tempo presente. Tudo está rompido e a condição de exilado, se pensada apenas como aponta Said, ou seja, como necessidade de imposição de um “novo todo”, não favorece o pensamento analógico acerca das relações suplementares na tradição da literatura como ruptura representativa (uma vez que seria demasiadamente leviano apontar como metáfora positiva o genocídio contra os armênios, realizado pelo Império Otomano durante o ano de 1915). Assim, o conflito producente do exílio produz toda dispersão e descontinuidade capaz de compreender as diferenças entre ocidente e oriente. Tomando-se ainda uma possível reflexão acerca desse caráter descontínuo do tempo presente, pode-se, com Ernesto Laclau (2005), intentar compreender a (pós-)modernidade como um modo heterogêneo de operação lógica na qual a irrupção das contaminações guardam uma “close imbrication” (2005, p. 42). Ou ainda, em seus termos:


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“Portanto, não há fronteira fixa dominada por uma oposição completamente estável entre ‘insiders’ e os ‘outsiders’, mas um deslocamento de fronteiras que constantemente renegocia as relações entre interioridade e exterioridade – uma ‘guerra de posição’ no sentido gramsciano. Minha ‘pós-modernidade’ – desde que queiramos manter o termo – é baseada no caráter constitutivo do indecidível jogo contaminante. Ele rejeita tanto a noção de uma base homogênea e seu oposto simétrico: uma heterogeneidade contaminada.” (tradução minha) 4

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So there is no fixed frontier dominated by an entirely stable opposition between “insiders” and “outsiders”, but a displacement of frontiers which constantly renegotiates the relations between internality and externality – a “war of position” in the Gramscian sense. My “post-modernity” – providing that we want to stick to the term – is grounded in the constitutive character of this undecidable contaminating game. It rejects both the notion of a homogeneous foundation and its symmetrical opposite: an uncontaminated heterogeneity (LACLAU, 2005, p. 43)4.

A perda das fronteiras, no tempo presente, marca a perda do estável. Assim, apenas os deslocamentos das esferas representativas podem convergir para uma real compreensão da diferença. A ideia de contaminação representa o indeciso movimento que materializa a pósmodernidade. Não sendo capazes de sair dessa condição, dual, do tempo do agora, somos obrigados a jogar as posições (mesmo guerreá-las) para subverter lógicas representativas que busquem uma compatibilidade de equivalências. O pressuposto de uma não fixidez, de uma valorização do deslocamento, coloca a condição de exilado como aquela que é, por natureza, a mais heterogênea possível. Nesses termos, pode-se pensar que a outroga trazida pelo duplo no texto de Pamuk simboliza esse movimento do um ao outro. O personagem-narrador de O castelo branco, ao perceber, no capítulo 2, a figura de seu duplo, entrando pela sala, faz uma primeira ressalva que o desloca: “eu tinha a impressão de haver esquecido como era de fato meu rosto” (2007a, p. 25). Essa decisão pelo esquecer constitui uma primeira ação defensiva por parte do exilado em não se reconhecer na face do outro. Como defesa, constitui-se como problema à permanência da memória. A heterogeneidade na identidade, na equivalência, reforça a contemporaneidade das ações, mas também demonstra certa proximidade com o desconhecido de si mesmo. Em outro fragmento do mesmo capítulo, naquele em que o escravo está prestes a morrer por não ter se convertido ao


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Islã, pode-se intentar perceber a tradição de alteridade que forma a indecisão da herança: Pouco antes de pousar a cabeça no toco, fiquei muito admirado de perceber uma forma humana que se movia entre as árvores, quase como se voasse; era eu mesmo, mas com uma longa barba, e avançava em silêncio, sem tocar o solo com os pés. Tentei me dirigir àquela aparição de mim mesmo que se deslocava entre as árvores, mas não conseguia falar, com a cabeça pressionada contra o toco (PAMUK, 2007a, p. 36).

A presença desaparecida do espírito de Hoja é, nesse ponto, a própria ideia de deslocamento da heterogeneidade. Nesse aspecto, a prótese da origem do outro se faz pela invenção daquilo que simplesmente soa como fantasmal de si como presença simbólica do heterogêneo, do fictício. A um só tempo ocorre, no momento da suposta morte – retomada ao final do texto –, uma espécie de fusão ou de condução que fará com que o italiano, escravo, torne-se o mestre de Hoja (“mestre”). Nessa confusão espaçotemporal, o que se suporta é a tentativa de construir um antes, esse também heterogêneo, no qual toda aparição soa como o estranho recebido como hóspede. O espectro é esperado, recebido e vive seu exílio. O que se intenta falar, a partir da voz do italiano no toco, é inaudito, uma vez que se constrói em um tempo fictício de si mesmo, como espectro. O movimento especular criado por Pamuk (seja na relação entre mestre e escravo, seja nos sonhos do sultão menino com os personagens) propõe rever a relação de autoridade que se estabelece entre realidade e ficção. A proposta heterogênea do outro recai, nesse ponto, sobre a diluição desse par imaginário que forma o problema da “representação da realidade”, no que diz respeito ao pensamento tradicional acerca do literário. A partir dessa perda, exilada, do si como alteridade absoluta, a tradição pode ser repensada no sentido não de uma ficcionalização do si, mas de uma busca aporística dessa diferença.


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Uma das cenas centrais do texto de Pamuk é, sem dúvida, o momento em que mestre e escravo se olham no espelho. Paira certo mistério do que viram, uma vez que apenas se reconhecem como idênticos, como pares indissolúveis. “Venha, vamos nos olhar no espelho juntos”, disse. Fitei a imagem do espelho e, à luz hesitante da lamparina, tornei a ver o quanto éramos parecidos. Lembrei-me do espanto que sentira ao ver Hoja pela primeira vez, na ante-sala do paxá Sadik. Naquela ocasião, eu tinha visto o homem em que precisava me transformar: agora, pensava que ele se transformara num homem como eu. Nós dois éramos uma única pessoa! E isso me pareceu uma verdade evidente! [...] Num certo momento, ele disse que queria retomar tudo do ponto onde eu parara. Ainda estávamos seminus, lado a lado, diante do espelho. Ele tomaria meu lugar, e eu, o dele. Para tanto, bastaria trocarmos de roupa: [...] Essa idéia tornou nossa semelhança no espelho ainda mais assustadora, e meu nervos crisparam-se quando o ouvi dizer que, com a troca, era eu que haveria de libertá-lo! [...] [...] Ao mesmo tempo que ele tentava me contagiar com a doença e com o medo dela, ficava repetindo que eu era ele e ele era eu. Está querendo se ver de fora, pensei, apreciar o espetáculo que oferece; e repetia comigo, como quem se debate para despertar de um pesadelo: é só um jogo; apenas um jogo; aliás, ele próprio usava a palavra “jogo” (PAMUK, 2007a, p. 101; 103; 105).

O ato contínuo de olhar-se no espelho traz a marca do horror do reconhecimento. Tendo na imagem espectral seu oposto simétrico, as relações de alteridade podem parecer – essa palavra que marca toda movência desse texto – menos evidentes. Os personagens não nomeados – uma vez que Hoja não é um nome, mas apenas a forma de dizer “mestre” – reconhecem-se nesse excêntrico que são eles em frente ao espelho. A transformação e a afirmação de identidade é sempre norteada por um jogo de aparências –


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de aparições espectrais – no qual a evidência da verdade, do fato, somente se contradiz, somente parece ser factual. Hesita-se, como a lamparina, em dizer o que se é. O terror do ser-se (o fantasma de si mesmo) carrega as alterações propostas por Hoja e pelo italiano como partes de um só duplo. Manter-se nessa unidade dual parece convergir para uma experiência do fora que leva à fronteira do abandono, do exílio como atitude necessária na compreensão do Bósforo, do mosaico. É do mesmo jogo que Ésquilo veste suas mulheres no sonho de Atossa. Em Os persas, a rainha, mãe do anér, sonha com duas mulheres do mesmo sangue, uma habitante da Hélade outra da terra Bárbara. O jogo de Ésquilo é o jugo (ζεύγνυσιν, no verso 191) das bocas, quem se oferece facilmente ao controle de Xerxes e quem destrói, por completo. Os espectros de Atossa podem parecer apenas mais um dos augúrios, nada auspiciosos, presentes nas tragédias; mas, se quisermos compreender de fato o que significam essas duas irmãs de mesmo sangue (“κασιγνήτα γένους ταυjτου~”, v. 185-186), no sentido de suas heranças, devemos nos concentrar na tradição espectral que faz ponte entre a alteridade e a outroga do texto. A partir das imagens espectrais do sonho, sabe-se o infortúnio do Império Persa, mas também se sabe que o eu asiático e helênico experimentam uma temporalidade de reconhecimento, de horror da semelhança. O desnudamento do lugar do eu e do dele converte-se nesse alhures de significação em que a troca é a formação da realidade pela textura, pela escritura. Na cena íntima experimentada pelo duplo, a fantasia da identidade se volta, transformando-se, em um estado de horror diante do si mesmo que não se compreende fora da escravidão. O sujeito aqui é quando há liberdade invertida, ou ainda, o lugar de onde o outro se aproveita para retomar aquilo que nunca deixou de ser dele mesmo. Pode-se, a título expiatório, perguntar a distinção do avesso e do direito, da Veneza e de Istambul. O momento de nudez revela o corpo marcado do sujeito em que a semelhança é apenas


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A primeira ponte sobre o Bósforo teria sido construída por Mandroclés de Samos, a pedido de Dario, que o presenteou com incontáveis presentes, como conta Heródoto, em Histórias (Livro IV-Melpomene, p. 85 et seq.). A maravilha daqueles mares, da união intercontinental desse momento, faz com que Dario fique estarrecido e, nas palavras de Heródoto: “lá, Dareios sentou-se num promontório e contemplou o Pontos, um espetáculo digno de ser visto.” (1988, p. 224) 5

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o inverso de si, mas, se não há inverso que doe a liberdade ao escravo, então o si mesmo se assujeita ao sujeito de si. É da “arma” ocidental de olhar-se no espelho – como o escravo italiano adverte nos ensinamentos a Hoja – que o mestre turco fará seu processo catártico perante à idêntica corporeidade entre ele e seu escravo e, depois, ao final do relato, entre ele e os “outros”, os soldados inimigos obrigados a confessar uma culpa diante de um espelho de moldura dourada. A noção de pertencimento na troca remonta a portuária cidade, a herança como pórtico da chegada. A ideia de contágio faz com que o texto se pense como um instrumento fantasmal que procura ver-se do lado de fora, como espetáculo doado. Entretanto, em um jogo (de pesadelos), o passado daqueles personagens torna-se uma operação radical, em se tomar pela raiz, na qual a noção de tempo é inteiramente ficcional ou presente. Assim, o que há é um agora tecido pelo assujeitamento das ações ao texto, à ficção. No qual a ficção é não uma das margens que delimitam Istambul – sejam Europa ou Ásia –, mas a ponte sobre o Bósforo5 em que se pode produzir um “enlargement of the terrain within which that past operated” [alargamento do terreno no qual o passado opera] (LACLAU, 2005, p. 50), essa terra não é território, mas apenas mais uma margem acima do canal. Desse modo, o tempo dos personagens só ocorre no assujeitar-se à nudez de um passado inventado; sendo assim, há um único respaldo consciente para se outrogar o texto: criar passados, do presente; ou, como diz Pamuk: “reúno minhas memórias e me empenho na invenção de um passado” (2007a, p. 49). Não à toa que o retorno do italiano é marcado pela retirada do espelho da parede. Seu reconhecimento o coloca em uma situação metaliterária e intertextual acerca da representação do outro como outro do externo como exílio. Trata-se, nesse instante, de pensar em Heródoto de Halicarnassos em pelo menos dois eixos: o intertexto entre a história encontrada por Faruk Darvinoglu (e contada por Orhan Pamuk, como sendo O castelo branco) e


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aquela de Demócedes de Crotona (contada nas Histórias, por Heródoto); e a relação fato e verossimilhança como producente de um discurso ficcional. A história de Pamuk tem como fundamento literário o texto de seu conterrâneo, mas grego, Heródoto. A esquadra turca cerca o barco dos italianos que iam de Veneza para Nápoles. Fazem todos ali escravos e os levam para os domínios de Istambul. Ali o homem, que é o narrador do romance, por seus conhecimentos, sobretudo no tocante à medicina, começa a se delinear – em uma “cadeia de coincidências”, como diz o narrador – como o mestre do saber, sobre o ocidente e o mundo da renascença quando “cura” um problema respiratório do paxá. Ora, essa história nada mais é que uma pesquisa dentro das Histórias de Heródoto. No Livro III, Talia, parágrafos 129-137, conta-se a história de Demócedes de Crotona. Tendo Dario se acidentado enquanto caçava feras e após as inúmeras tentativas frustradas de cura por parte dos egípcios, Demócedes é chamado a sua presença. Heródoto relata que, utilizando-se “métodos helênicos, com emprego alternado de suavidade e energia” (1988, p. 191), o crotoniata consegue, além da cura, fazer parte dos comensais imperiais, tendo forte influência em Susa sobre o imperador. Esse fato será mais significativo ainda quando se pensa no plano de fuga de Demócedes. Ao curar, ele também, Atossa, a rainha, o heleno consegue fazer com que ela – em uma trama que demonstra o poder feminino dentro das estratégias do Império Persa – peça a Dario que mande uma expedição à Hélade, para reconhecimento, espionagem e domínio posterior do território. Trata-se, no entanto, da fuga do escravo, quando este desembarca em Taras. Toda referência aqui é fundamental. Ambos os personagens saem da servidão ao convívio régio pelo exercício da medicina; ambos curam membros importantes das cortes orientais (o paxá Sadik e Dario e Atossa); ambos são “ajudados” por um outro, pertencente ao oriente (Hoja e Atossa); ambas as “fugas” envolvem uma ação bélica, embora não possamos ter certeza se em Pamuk ocorra qualquer cena dessas.


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Nesse momento importa pensar a forma de representação desse outro (otomanos ou persas) a partir de diferentes concepções da incursão na “razão” ocidental. Mesmo Heródoto tendo nascido em terras que hoje fazem parte da Turquia, sua visão do outro é sempre apropriada de valores trazidos de uma cultura unilateral – na qual não há apenas a difusão do helenismo, mas mesmo a preservação do tò Hellenikón (“identidade grega restrita”), como aponta Hartog (2003, p. 104) –, de uma noção hierárquica de que o “valor” liberdade é mais importante que a noção de respeito e subjugação ao imperador. A relação de alteridade como diferença deveria constituirse como uma reinscrição de rastros, de aproveitamentos espaço-temporais na construção da liminaridade dessas narrativas da diferença. No cerne da pergunta sobre o que é escritura, Derrida, em De la grammatologie, interpõe uma não origem a essa pergunta, à impossibilidade de começar: “renvoie à l'originarité (sous rature) de la trace, c'est-à-dire à la racine de l'écriture” [reenvia à originalidade (sob rasura) do rastro, isto é, à raiz da escritura] (DERRIDA, 1974, p. 110). Assim, a reinscrição está sempre “sob rasura” e nesta está a raiz do rastro, ou seja, o jogo com a presença deve manifestar-se na dualidade diferencial (diferir e diferenciar) do mesmo, da lógica da questão interposta ao relato. Pamuk intenta propor um relato heteróclito acerca das dualidades, da binaridade. Sua tradição é proposta em termos de uma identificação da alteridade: Hoja e o escravo são um mesmo, no jogo de espelhos criado pela narrativa. Enquanto Heródoto proporciona, ao menos nesse fragmento de suas Histórias, a pesquisa acerca do caráter duvidoso (camuflado como generosidade!) da ação da rainha Atossa, ela põe em marcha o exército e as vontades de Dario para simplesmente libertar Demócedes. Da traição, travestida de desejo doméstico por criadas helênicas, surge o retrato homogêneo escrito pelo historiador. Ainda, em termos de construção da coerência interna da narrativa, a veracidade dos fatos pode conduzir a um trabalho que seja, ele mesmo, de fora – de um outorgar-se a


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partir do fora. Pamuk, como mencionado acima, é um autor que se despe da “função autor” ficcionalizando-a em Faruk Darvinoglu. Esse pesquisador de evoluções (uma vez que Darwin ressoa em seu nome) intenta produzir um discurso realístico e com aporte “histórico” acerca da “verdade” dos fatos ali relatados a partir de um suposto prefácio ao manuscrito (que é o próprio romance). Assim, o que interessa do romance é uma espécie de hors-oeuvre. Poderíamos dizer: há o exergo, em dois aspectos ao menos. Primeiramente como esse trabalho, essa obra de fora (ex-érgon). Na excentricidade do texto, mesmo o trabalho considerado levianamente como “realidade” é tratado como ficcional, ou seja, o hors-texte não existe para a compreensão de um evento narrativo como esse promovido por Pamuk. O exergo, assim, reforça a ideia de trabalho para além da obra, para além do texto (em seu sentido unilateral). De outra forma, a palavra exergo, dicionarizada, deve ser pensada como o espaço, em medalhas, que se destina à inscrição de algo para além da obra. Ora, esse segundo sentido ainda é o mesmo do primeiro, uma vez que a inscrição de uma assinatura temporal (data, nomes, autoridades, enfim, da história) é ela mesma a produtora da consciência da obra, como tal. Assim como a Introdução ao livro dentro livro, seus capítulos (sobretudo o epílogo, marcado com “chego agora ao fim de meu livro”, p. 181) podem ser o outro do trabalho fictício, o próprio outrogar-se na demanda textual. Importa, desse modo, assinar esse outro que é sentido; seja como Pamuk, seja como Darvinoglu. Essa preocupação extremada com a verossimilhança que se apresenta em O castelo branco delimita, em termos escriturais, a noção excepcional de trabalho para uma fala que não é plena. Aliás, não há fala plena. A verdade que se mostra – pela mancha escura do manuscrito – no texto é apenas uma forma de organizar o esquecimento de seus personagens, em uma anamnese rala e depositária de lixo (como sugere a primeira página do livro de Pamuk). Assim, toda fala oriental é imputada como lixo político/polêmico do ocidente; ou ainda a atitude política de uma escritura


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reflete, sobretudo, essa divisa em que toda experiência do fora – o italiano olhando-se em Hoja – é uma experiência de si mesmo que se aloja no espaço da letra. Nesta, a prótese da origem se coloca como um elemento posterior, de um passado legado, mais além de uma subalternação. A introdução ficcional escrita por Faruk Darvinoglu, logo depois do assassinato de sua irmã por ações ligadas ao golpe de 1980, encena o manuscrito deixado (pelo italiano, por Evliya Çelebi, por Hoja?) em uma arca empoeirada no arquivo público. A tarefa enciclopedística de Faruk é construir uma ilustração – no sentido do esclarecimento – acerca da vida e do manuscrito encontrado, mas sua primeira metáfora é, logo de saída, denunciadora de fracasso: o arquivo público é “o depósito de lixo” (2007a, p. 09). Eis uma concepção da história como memória! Todo o fato histórico vivenciado pelos personagens é lançado no lixo de suas outridades. Há uma diferença nítida entre Pamuk e Heródoto nesse ponto. Enquanto O castelo branco ensaia pintar a memória otomana como lixo à Turquia contemporânea, as Histórias começam igualmente com um exergo (assinado inclusive), mas essencialmente diferente: os feitos, de ambas as partes, são admiráveis e dignos da memória: Os resultados das investigações de Heródotos de Halicarnassos são apresentados aqui, para que a memória dos acontecimentos não se apague entre os homens com o passar do tempo, e para que feitos maravilhosos e admiráveis dos helenos e dos bárbaros não deixem de ser lembrados, inclusive as razões pelas quais eles se guerrearam (HERÓDOTO, 1988, p. 19).

Assim, os acontecimentos se fazem como vidas defectivas de um narrador que pode atribuir sentido “maravilhoso” aos fatos ou, ainda, encontrar essa recordação na poeira de um arquivo público. Interessa, no entanto, compreender como esses rastros – sejam eles helênicos ou asiáticos – são constitutivos de uma herança, de um elo


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que une anamneses, que são inscrições (e, assim, já podem ser lidas como escrituras) de uma vida, de uma língua. Essa vida, exilada, é demarcada pela língua imposta, que se tenta falar como própria: seja o grego (de Atossa, de Heródoto?), o turco de Hoja e do escravo, o italiano, dito pelos turcos otomanos, o turco ocidentalizado/latinizado por Atatürk. Desse modo, falar o outro, facultando-lhe poderes de fala, somente pode ser pensado como uma multiplicidade do nome, uma herança multíplice da rasura inicial. Fala-se/ Lê-se em várias línguas ao mesmo tempo; em um código que é, ele mesmo, múltiplo. Não se define, portanto, o lugar da herança, da tradição pela nacionalidade linguística – esse, coetaneamente, precisa um sentido político à língua e seus discursos –, mas antes por nossos exílios de nomes, por essa experiência com o duplo estranho, que é mestre e escravo. Derrida propõe uma aporia em Monolinguisme de l’Autre: “On ne parle jamais qu’une seule langue... (oui mais) – On ne parle jamais une seule langue...” [Fala-se apenas e somente uma só língua... (sim mas) – Nunca se fala uma só língua] (1996, p. 25). Não se pode falar mais que uma só língua ao mesmo tempo em que não se pode falar uma língua. Eis a condição do exilado, obrigado sempre a compreender o sentido próprio de uma língua. A língua, outra, é o espelho da culpabilidade utilizado por Hoja na “tortura” das confissões no campo de batalha, ou seja, uma tentativa de acolher a fala fictícia do outro como verdade acerca de si mesmo. A descoberta de um nome para Hoja, como marca da diferença, é, nesse aspecto, uma fala que se coloca como contradição de sua língua, pois é já a tentativa de proximidade entre o “eles” e o “nós” do exército do paxá. Entre o nunca dizer uma só língua e o dizer apenas uma língua está a descoberta dessa multiplicidade que se adquire na experiência do exergo. Na vivência derridiana com a multiplicidade – argelino, de família judia espanhola, sendo o francês sua língua nativa e, durante o processo de “descolonização” de seu país, conviveu amplamente com o mundo islâmico –, o


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problema da língua se impõe como forma de contradição, como não pertencimento:

“ela [a língua] não é a tua língua, então tu não tens outra, tu não te encontrarás somente pego nessa ‘contradição performativa’ da enunciação, tu exacerbarás o absurdo lógico, em verdade a mentira, e até mesmo perjúrio, no interior do enunciado. Como podemos ter apenas uma língua sem tê-la, sem tê-la que seja a sua? A sua própria?” (tradução minha) 6

elle [la langue] n'est pas ta langue, alors que tu n'en as pas d'autre, tu ne te trouveras pas seulement pris dans cette «contradiction performative» de l'énonciation, tu aggraveras l'absurdité logique, en vérité le mensonge, voire le parjure, à l'intérieur de l'énoncé. Comment pourrait-on n'avoir qu'une langue sans en avoir, sans en avoir qui soit la sienne? la sienne propre? ����� (DER6 RIDA, 1996, p. 16)

Ao outrogar um nome, o sentido próprio de uma língua desfaz-se na memória daquilo que se pode ler como diferença. Não há a memória daquilo que se pode ler como identidade. Há apenas a faculdade de nominalização pelo outro, de imiscuição para além do mimo, para além da mera representação imitativa. O nome dado nesse monolinguismo do outro é o apagamento, o manuscrito rasurado, do sentido de se ter uma só língua a ser falada. Enquanto se doa – na herança de uma língua –, ela se impõe como norma do dizer, como artefato de um desempenho da ausência, absurdamente lógica, absurdamente própria. Desse modo, quaisquer tentativas de fala soam como perjúrio – o que Hoja inicialmente ouve dos prisioneiros de guerra e depois atribui ao italiano, que é ele mesmo. Não-pertencer a uma língua, na obrigatoriedade de ser monolíngue, é estar exilado dentro de si, dentro dos artefatos que constituem sua identidade; resta apenas abjurar, renunciar. Em termos da experiência com a diferença, quem, de fato, não está marcadamente exilado de sua própria linguagem? Assim, o antipróprio – os citas pintados por Heródoto – de uma língua, de uma literatura, pela outroga, se constitui como relações suplementares de espaços estranhos, de um fora que é a própria ponte sobre as águas; o que pode levar, sem dúvida, a um problema: não há lugar seguro para a identidade. Nenhures. Sob esse nome, sob a figura desse castelo duplo, pode-se colocar a travessia que chamo tradição. Dá-


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se como herança, sob as águas contempláveis do Bósforo, mas transforma-se em elo, duplo, de vidas renunciadas. Na impossibilidade de um sistema único de identidade para pensar o outro, apenas se podem ler rastros que dizem nomes, em uma só língua, de uma variada expectativa. À fala incorre um mestre que é escravo de si mesmo, um espectro do exergo. Não digo, apenas, desse óbvio sociológico, Atossa falando grego, mas, sobretudo, dizendo, em grego de Ésquilo, que o mesmo sangue corre nas dóricas e pérsicas, sem culpa. Ao dar ao outro sua outorga, essa inscrição da margem sobrevém à fronteira, duplamente vislumbrada, entre a escritura do outro e a escritura do eu. Desloca-se, pela herança, no relato que constrói uma memória, “e era branco; imaculado e belo [...] atravessa uma floresta densa, correndo para tentar alcançar aquela massa de luz cegante erguida no topo, aquele edifício de marfim” (PAMUK, 2007a, p. 177), que desfaz, pela escritura, uma construção denegativa, em suplemento, que é a própria diferença: uma ponte sobre o Bósforo.

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Notas sobre a recepção do simbolismo na França e no Brasil Gilda Vilela Brandão*

resumo: Os vínculos entre o simbolismo francês e o simbolismo

brasileiro têm sido permanentemente discutidos pela crítica literária brasileira. Para retomar o fio dessas relações, pretendemos mostrar que, ao buscar influências fora do contexto históricoliterário de sua tradição, o simbolismo brasileiro distancia-se da matriz formal dos primeiros decadentes franceses, que é da ordem da alegoria. Com esse propósito, o artigo parte da estética baudelairiana, sumariza a polêmica entre simbolistas e decadentes – debate que movimentou a poesia francesa fin-de-siècle – e analisa, confrontando-os, poemas de Verlaine e Cruz e Sousa. palavras-chave:

Baudelaire; Verlaine; Cruz e Sousa; simbo-

lismo; decadência. abstract:

Professora de Língua e Literatura francesas, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Alagoas. Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, atuando na linha de pesquisa de Literatura Brasileira e História. *

The ties between French and Brazilian have been the object of permanent discussion among litterature experts. To resume the thread of these relations, we expect to show that, upon searchin for influences outside the historical-literary context, Brazlian symbolism moves away from the more decadent formal French model which refers to the order of the allegory. Keeping that in mind,the article takes off from the Baudelerian aesthetics, summarizes the polemic between symbolists and decadents – the ever present fin-de-siècle debate over Frech poetry – and analyses, pitichin one against the other, poems by Verlaine and Cruz e Sousa. keywords: Baudelaire; Verlaine; Cruz e Sousa; symbolism; de-

cadence.


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Decadentismo (Simbolismo) na França: a experiência inaugural do moderno Mas agora imagine uma cidade como Paris [...], imagine esta metrópole mundial [...] onde deparamos com a história em cada esquina (Goethe a Eckermann, 3 de maio de 1827. Apud BERMAN, 1986, p. 127).

Quando Baudelaire (1821-1867) publica, em 1857, As flores do mal, sua recepção nos grupos acadêmicos mais conservadores é arrasadora, levando o poeta, juntamente com Gustave Flaubert (1821-1880), aos tribunais. Em outros círculos, porém, a reação é oposta, como a de Victor Hugo (1802-1885). Agradecendo a Baudelaire os poemas que lhe dedicara, o autor de Hernani utiliza esta perífrase para caracterizar uma poética que fugia dos valores estéticos e ideológicos comuns à história da poesia francesa: arrepio novo (frisson nouveau): Que fazeis ao escrever estes versos surpreendentes: “Os sete velhinhos” e “As velhinhas” que me dedicais e pelos quais vos agradeço? Que fazeis? Caminhais. Avançais. Dotais o céu da arte de não sei que raio macabro. Criais um arrepio novo (GAUTIER, 1989, p. 133).

Presa a esquemas rígidos, a literatura francesa que, desde séculos, vinha tendo um poder lento de mudança, deparou-se com uma poesia árida – sem amarras com o tradicionalismo clássico e sem frêmitos românticos. A singularidade de Baudelaire só pode ser definida em função de uma singularidade maior, uma singularidade que não era só dele, esclarece Walter Benjamin. Mais do que um espectador de si mesmo, o poeta, na formulação do pensador alemão, é um atônico espectador da história, ao contrário de Victor Hugo, o sintônico, com seus sonhos de mudar o mundo:


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Berman retira a expressão de Hulten (Modernolatry) para daí estabelecer o dualismo que, segundo ele, impregna sobretudo os ensaios de Baudelaire: “O dualismo pela primeira vez esboçado aqui – visão antipastoral do mundo moderno, visão pastoral do artista moderno e sua arte – se amplia e aprofunda no seu famoso ensaio de 1859, ‘O público moderno e a fotografia’”. Cf. BERMAN, 1986, p. 136. 1

Para evitar a remissão constante às páginas e para não aumentar desnecessariamente as referências, esclarecemos que poemas de Baudelaire e Verlaine foram extraídos dos seguintes edições: BAUDELAIRE, Charles. Les fleurs du mal. Paris: Gallimard, 1964. VERLAINE, Paul. Oeuvres poétiques. Paris: Bordas, 1967. Para melhor compreensão da análise, preferimos manter os textos literários originais no corpo do trabalho e a tradução no rodapé. Jamil Almansur Haddad é o tradutor responsável pelo volume As flores do mal, editado integralmente pelo Círculo do Livro, s. d. Eis a tradução da estrofe acima feita por Haddad: “O alado viajor tomba como num limbo. / Hoje é cômico e feio, ontem tanto agradava! / Um ao seu bico leva o irritante cachimbo, / Outro imita a coxear o enfermo que voava!” (p. 18). 2

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Também o poema O cisne [de Baudelaire] está dedicado a Victor Hugo talvez um dos poucos cuja obra – assim parecia a Baudelaire – trazia à luz uma antiguidade nova. Tanto quanto se pode falar de uma fonte de inspiração em Victor Hugo, ela é fundamentalmente distinta da de Baudelaire. A Hugo é estranha a capacidade de atonia que – se for admissível um conceito biológico – se manifesta centenas de vezes na poesia de Baudelaire, como uma espécie de mímese da morte. Ao contrário, não se pode falar de uma predisposição actônica de Hugo (BENJAMIN, 1995, p. 82).

O que define o estado poético baudelairiano é, pois, o cansaço, o esgotamento, a lucidez diante do presente (em foto realizada por Carjat, o poeta olha a câmera como se visualizasse algo aterrador além dela: é um olhar duro, profundo, de uma fixidez assustadora). Lucidez trágica que agride o mundo porque se sente agredido pelas imagens que o mundo lhe oferece. Atonia, “desespero cultural” (BERMAN, 1986, p. 131)1 são termos que definem o autor de L’albatros, poema escrito, segundo seus biógrafos, em 18421843, omitido pelo autor na edição de 1857, publicado em 1859 na Revue Française, e que só iria figurar na edição de 1861 de As flores do mal, entre Benédiction e Elévation. O poema – central para o entendimento da consciência crítica baudelairiana – é um marco para a poesia dos séculos seguintes. A imagem-motivo é um oiseau de mer, o albatroz, cujos movimentos são observados em dois momentos: antes e depois de sua captura pelos marinheiros. Estranhamente, essa imagem no singular (l’albatros) transforma-se, logo em seguida, na primeira estrofe, em um plural (des albatros), L’albatros Souvent, pour s’amuser les hommes d’équipage Prennent des albatros, vastes oiseaux de mer Qui suivent, indolents compagnons de voyage Le navire glissant sur les gouffres amers2

para, na terceira estrofe (abaixo), retomar a forma inicial no singular, por meio de uma perífrase: “este viajante ala-


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do” (ce voyageur ailé). Assim, o adjetivo verbal ailé (“com asas”) perde o caráter denotativo mais estreito e adquire, no interior do próprio sintagma, o sentido de infinito: o pássaro-poeta afasta-se cada vez mais do mundo e ganha altura. Esse metamorfosear-se num antes e num depois, ora em vários, ora em um, esse contraste entre beleza (antes) e feiura (depois) fazem parte de um jogo alegórico – acentuado pelos adjetivos “desengonçado”, “vil”, “cômico” “feio” (gauche, veule, comique et laid) – que tem como alvo destruir uma metáfora cediça, a do poeta-vate, tão a gosto dos românticos, colocando em seu lugar, por paralelismo, um poeta trôpego, sem missão, sem finalidade, solitário, rejeitado, enfim. E, se é verdade, como dizem seus biógrafos, que o poema foi inspirado em um incidente de viagem, essa informação biográfica ganha importância maior, quando relacionamos a cena (real) do convés ao processo criador (ilusório) do poeta. Então, visto assim, o poema termina sendo a reconstituição de uma experiência trivial agora transformada, pelo olhar, em experiência estética. Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule! Lui, naguère si beau, qu’il est comique et laid! L’un agace son bec avec un brûle-gueule, L’autre mime,en boitant, l’infirme qui volait!

O poeta não outorga atributos humanos à ave – o que seria cair numa insossa personificação –, não a coloca num pedestal ou no alto de uma montanha (assim fariam os românticos), não a rodeia de luz, mas, ao contrário, coloca-a num rasteiro convés e injeta-lhe sombra. Quando antes se pregava a fidelidade à mimese, Baudelaire subverte-a, livrando, assim, a arte de princípios moralizantes, como queria Nietzsche (1972, p. 102): “A luta contra a finalidade da arte é sempre um luta contra as tendências moralizadoras na arte, contra uma subordinação da arte à moral. A arte pela arte quer dizer: a moral que vá para os diabos!”. A alegoria está certamente no bojo desse processo, pois, lembra Rosen (2004, p. 174), “A alegoria não é apenas uma


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“Que Baudelaire se tenha colocado hostil perante o progresso foi a condição sine qua non para que pudesse dominar Paris em sua poesia”. (BENJAMIN, 1995, p. 174). “É muito importante que o ‘novo’ em Baudelaire não preste nenhuma contribuição ao progresso. Aliás, em Baudelaire, praticamente não se encontra nenhuma tentativa de entender a sério a noção de progresso. É sobretudo a ‘crença no progresso’ que ele persegue com seu ódio como se ela fosse uma heresia, uma falsa doutrina e não um erro habitual” (BENJAMIN, 1995, p. 177). 3

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técnica artística, mas também, como salienta Benjamin, um corretivo à arte. Por sua descontinuidade de imagem e sentido, rejeita a falsa aparência de unidade artística, a fusão do significado no símbolo, e se apresenta como um fragmento, uma ruína”. É sob esse prisma que Benjamin vai buscar, em Gustave Kahn, a imagem do poeta-esgrimista baudelairiano, que digladia com a cidade, percorrendo-a com seu “passo alquebrado” (pas saccadé); lembra que Nadar chama a atenção para aquele passo: “[...] é o passo do poeta que erra, pela cidade, procurando ruínas; também deve ser o passo do trapeiro, que, a todo instante, pára no seu caminho, apanhando o lixo que encontra” (BENJAMIN, 1975, p. 16). O lixo, no caso, são os dejetos lançados pelo progresso3 em cujo bonde Baudelaire, transtornado, é levado de roldão pela urbanização hausmanniana, conforme a análise (famosa) de Benjamin do poema Le soleil. Disse Goethe, em nossa epigrafe, que, em cada esquina de Paris, depara-se com a história. Décadas após, as esquinas da história mudaram pela raiz a fisionomia da cidade. Ditos assim grosseiramente, a época e o espaço de Baudelaire são os da máquina (valorização da técnica em detrimento do produto artesanal); da informação, um dos fatores da perda da experiência (BENJAMIN, 1995); da moda (a haute couture foi introduzida por volta de 1860); do Segundo Império de Napoleão III (1851-1871) e do projeto urbanístico (1857) realizado pelo prefeito de Paris, o barão Georg Hausmann (1809-1891); da aceleração do capital (criação de grandes bancos, Crédit Lyonnais e Société Générale, 1863-1864) e da exploração do proletariado urbano; dos magazines de nouveauté (Le bon Marché, 1852); do capital, enfim. Em resumo, a época e o espaço de Baudelaire são aqueles que ele próprio, a contragosto, denominou modernidade: Essa palavra [modernidade] tem uma justificativa de tudo imediata, pois Baudelaire é um dos criadores da palavra. Ele a emprega em 1858, desculpando-se por sua novidade, mas necessita dela para expressar o particular do artista


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moderno: a capacidade de ver no desespero da metrópole não soa decadência do homem, mas também de pressentir uma beleza misteriosa, não descoberta até então. Esse é o problema de Baudelaire, ou seja, a possibilidade da poesia na civilização comercializada e dominada pela técnica (FRIEDERICH, 1978, p. 35).

É na conjunção dos fatores histórico-culturais brevemente elencados – indicadores de riqueza, otimismo e prosperidade –, estranhos a nosso país, que Baudelaire toma um caminho lúgubre, depressivo, e aponta-o para Paul Verlaine (1844-1896), Tristan [Joachin] Corbière (1845-1875) e Jules Laforgue (1860-1887), denominados simbolistas pela historiografia literária francesa; todos, aliás, vivendo em condições de marginalização e acometidos de morte prematura. Até onde sabemos, a palavra simbolismo ainda não havia sido pronunciada, conforme testemunho abaixo do autor de Symbolistes et décadents, Gustave Kahn, o mesmo que forneceria a Benjamin a metáfora do poetaesgrimista, já mencionada: Em 1885, havia decadentes e simbolistas, muitos decadentes e poucos simbolistas. A palavra decadente tinha sido pronunciada, a palavra simbolistas ainda não; falávamos de símbolo, mas não tínhamos criado a palavra genérica simbolismo e os decadentes eram outra coisa. A palavra decadente tinha sido inventada por jornalistas [...]4 (KAHN, 1902, p. 33-34).

Isso quer dizer que, não havendo nada que pudesse abarcar a experiência poética de Baudelaire, sua estética nasce em estado de orfandade terminológica. Esse prognóstico foi, contudo, evitado pela disposição de Théophile Gautier (1811-1872), a quem Baudelaire dedica, nestes termos, As flores do mal: “Ao poeta impecável, Ao perfeito mágico das letras francesas, A meu caro e muito venerado mestre e amigo Théophile Gautier, com os sentimentos da mais profunda humildade, Eu dedico estas flores doentias”. Ao chamar seus poemas de “flores doentias” (fleurs mala-

No original: «En 1885, il y avait des décadents et des symbolistes, beaucoup de décadents et peu de symbolistes. Le mot décadent avait été prononcé, celui des symbolistes pas encore; nous parlions de symbole,mais nous n’avions pas crée le mot générique de symbolisme, et les décadents c’était autre chose alors. Le mot de décadent avait été crée par des journalistes. [...]» Salvo indicação bibliográfica, as traduções dos trechos críticos são nossas. 4


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«J’ai trouvé la définition du Beau, de mon Beau. C’est quelque chose d’ardent et de triste. Je ne conçois guère un type de beauté où il n’y ait de malheur». 5

Também Paul Bourget (1852-1935), em Théorie de la décadence (1881), vê em Baudelaire “[...] o homem da decadência [...], julgando com um olhar permanentemente lúcido a incurável miséria de sua vida” (ADAM, 1972, p. 145). «[...] l’homme de la décadence, ayant conservé une incurable [...] et jugeant d’un regard demeuré lucide l’inguérissable misère de sa vie». Ellmann (1991, p, 12-13) assinala: “Gautier [...] afirmava em prefácio a Les fleurs du mal, de Baudelaire, em 1868, que o espírito decadentista se harmonizava com a época. Ele interpretava a decadência como o ponto máximo e maturidade de uma civilização.” 6

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dives) – utilizando um dêitico (estas) e um procedimento metalinguístico –, Baudelaire tem plena consciência de que está desvendando a beleza convulsiva do mal, como dirá em outro momento: “Achei a definição do Belo, do meu Belo. É algo de ardente e de triste. Não concebo um tipo de beleza onde não haja infelicidade”5 (PRAZ, 1977, p. 68). Gautier percebe com clareza que Baudelaire estava virando uma página da poesia francesa. E, para caracterizar seu estilo, emprega, positivamente, a expressão “estilo de decadência”, contrariando, assim, o lugar de tête d’affiche do simbolismo, que, posteriormente, a historiografia literária francesa, pela urgência de rótulos, iria, por séculos (e até hoje) lhe reservar: O poeta das Flores do mal gostava daquilo que se chama impropriamente o estilo de decadência, e que outra coisa não é senão a arte que chegou a esse ponto de maturidade extrema determinada a seus sóis oblíquos pelas civilizações que envelhecem [...]. Não é coisa fácil, aliás, esse estilo desprezado pelos pedantes, pois exprime idéias novas com formas novas e palavras que nunca se ouviram. De encontro ao estilo clássico, ele admite a sombra e nessa sombra movem-se [...] as fantasias obscuras [...] e tudo aquilo que a alma [...] encerra de tenebroso, de disforme, de horrível (GAUTIER, 1989, p. 44)6 (o grifo é nosso).

Essa ética do desmoronamento, ou essa estética do horrível (FRIEDRICH, 1978) a que se refere Gautier, e que Praz (1977) identifica no chamado “romantismo negro” (romantisme noir) irá suscitar, anos após, uma das mais ferozes e intrincadas polêmicas acerca da denominação decadente, empregada pejorativamente por Paul Bourde, em artigo publicado no periódico Temps. Filho de um moleiro, Anatole Baju (1846-1895) – “chegando humildemente [em Paris] da longínqua Creuse, alugou uma mansarda, na rua da Victoire, e não somente fundou aí um jornal como também instalou uma gráfica” (KAHN, 1902, p. 42) – torna-se um dos principais atores dessa polêmica, ao imprimir, juntamente com seu irmão, o jornal Le Décadent


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(1886) e, segundo Ernest Raynaud (1920), passa a usar o termo decadismo para atenuar a brutalidade da palavra decadente. Vale a pena citá-lo menos do que gostaríamos, pois sua retórica dá uma ideia curiosa do clima de beligerância predominante à época: É lamentável que os Decadentes não tenham eles próprios escolhido seu nome [...] Ah! Se por Decadência entendem-se velhas literaturas, então estamos em plena Decadência e os Decadentes [...] aplaudem o nome com que os designam. [...] .O Decadismo é a mais aristocrática das literaturas, a mais fechada à rusticidade das multidões (BAJU, 1886a)7. Os Decadentes não têm nenhuma afinidade [nem com os Clássicos, nem com os Românticos, nem com os Naturalistas]. Diferem deles em tudo: dos clássicos pela forma, dos românticos pela realidade et dos naturalistas pela polidez. Têm sua própria estética, seu próprio caráter, isto é, sua individualidade (BAJU, 1886b)8.

Revistas e periódicos das mais diversas tendências – Rémy de Gourmont (ADAM, 1972) relacionaria mais de cem, dentre os quais mencionamos «Le chat noir». «La revue wagnérienne», «La Revue Blanche», (em circulação até 1903), «Mercure de France», «Le Parnasse Contemporain», cujo corpo editorial, formado por Anatole France, Théodore de Banville e François Coppée, o Komitê des Trois Grâces (ADAM, 1972, p. 117), como os chamava Verlaine, teria recusado o poema «L’après-midi d’un faune», de Mallarmé (1842-1898), mais tarde publicado em tiragem luxuosa, ilustrada por Manet; Ernest Raynaud (1920, p. 59) detém-se longamente em «Le Scapin» (1885) e «La Vogue», fundada por Gustave Kahn, revista que teve como colaboradores Jules Laforgue, Edouard Dujardin, René Ghil, Jean Lorrain (rico de sugestões para João do Rio) e na qual surgiriam trinta e sete poemas das Iluminações, de Rimbaud (1854-1891), só mais tarde publicados em volume (1886) – revistas e periódicos, dizíamos, são fundados, em

Para não nos alongarmos demasiadamente, tivemos de escolher dois trechos curtos; o primeiro (1886a), intitulado «Quintessence», é extraído do número 28, de setembro de 1886, do jornal «Le Décadent»; o segundo, intitulado «L’esthétique décadente», é o número 10, de junho de 1886. Conforme o original: «Il est regrettable que les Décadents n‘aient pas eux-mêmes à faire le choix de leur nom [...].Ah! si par Décadence on entend parler des vieilles littératures en ruine, alors nous sommes en pleine décadence et les Décadents [....] applaudissent le nom qui les désigne. [...] Le Décadisme est la plus aristocratique des littératures, la plus fermée àla rusticité des foules». 7

«Les Décadents n’ont aucune affinité [ni avec les Classiques, ni avec les Romantiques, ni avec les Naturalistes]. Ils en diffèrent en tout: des classiques par la forme, des romantiques par la réalité et des naturalistes par la politesse. Ils ont bien leur esthétique à eux, leur caractère à part, c’est à dire, leur propre individualité». 8


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clima de beligerância, nos cafés, espaço umbilical das letras e das artes, conforme relembra Paul Valéry (1871-1845), em citação necessariamente longa:

Para Pierre Bourdieu, a natureza do debate entre simbolistas e decadentes está no conjunto das relações de força que regem o campo literário e, por decorrência, na origem social dos escritores. Em outras palavras, tratase de uma polêmica que envolve tanto a atividade artística quanto a classe a que pertencem os escritores: «[...] Les décadents et les symbolistes divergent à mesure qu’ils accèdent à la pleine existence sociale» (BOURDIEU, 1991, p. 43-44). 9

«J’aime le mot de décadence tout miroitant de pourpre et d’ors... J’en révoque bien sûr toute imputation injurieuse [...]. La décadence c’est Pétrone masquant de fleurs son agonie [...]. C’est l’art de mourir en pleine beauté. C’est d’ailleurs ce sentiment qui m’a dicté le sonnet que vous connaissez: Je suis l’empire à la fin de la décadence.» 10

Eu entrava em um daqueles cafés, hoje quase desaparecidos, que desempenharam um papel tão importante na elaboração das inumeráveis escolas daquela época. [...]. Os que freqüentaram, mesmo pouco, esses antros luminosos e barulhentos, encontram-nos em sua memória. Revivem, com melancolia, as noites passadas entre aqueles espelhos ode musas [...] enfeitavam-se e arrumavam seus véus; entre essas mesas [...], Verlaine aqui, Moréas ali, mantinham suas discussões terríveis sob as nuvens espessas de fumaça, no meio do tumulto dos pratos [...] e dos gritos agudos das mulheres que brigavam. Lá formaram-se e formulavamse muitas ideias.[...] Fundava-se no mesmo instante uma revista, para a qual ninguém podia prover os meios de subsistência, Mas pouco importava. O essencial era encontrar o título e redigir o manifesto. [...] Ocorria que a redação do manifesto já inflamava carta e pessoas. A metade de nossos fundadores fazia um cisma e mudava de café... (VALÉRY, 1991, p. 73).

Evidenciando o que Pierre Bourdieu examina sob a ótica da legitimação do campo literário9, decadentes e simbolistas circulam em uma ambiência paradoxal, ora rejeitando-se mutuamente acerca dos princípios sobre os quais edificavam suas estéticas, ora unindo-se em suas reações contra o parnasianismo e o naturalismo. Ambas as trilhas dificilmente se encontram, sugere Verlaine, quando, no paroxismo de sua própria decadência física, hospitalizado no hotel Ternon, rodeado de amigos, declara: Gosta da palavra decadência, resplandecente de púrpura e de ouros... Rejeito, evidentemente, toda imputação injuriosa [à denominação]. A decadência é Petrônio mascarando com flores sua angústia [...]. É a arte de morrer em plena beleza. Foi, aliás, esse sentimento que me ditou o soneto que vocês conhecem: Eu sou o império no fim da decadência10 (Apud RAYNAUD, 1920, p. 64; o grifo é nosso)


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É oportuno comentar aqui os enunciados grifados; primeiro, para refutar a ideia segundo a qual Verlaine – incentivador dos poetas marginais, a quem dedicaria uma série de estudos, publicados a partir de 1883, na revista «Lutèce», antes denominada «La Nouvelle Rive Gauche», intitulados Os poetas malditos, no sentido de que formavam uma excrescência do conjunto do campo literário do período – teria sido o chef de file do simbolismo; segundo, para assinalar que, no verso por ele recitado – o primeiro do poema «Langueur» (“Langor”), abaixo transcrito, publicado na revista «Le chat noir» e mais tarde na coletânea Jadis et naguère (1884) –, a menção explícita à decadência tem passado despercebida pelos manuais de literatura e pela crítica literária francesa. Ressaltamos as sonoridades nasais (empire, décadence, grands, blancs, composant, indolents, langueur, danse) lúgubres: Je suis l’empire à la fin de la décadence Qui regarde passer les grands barbares blancs En composant des acrostiches indolents D’un style d’or où la langueur du soleil danse11.

O poema é alegórico, não só pelo fato de estar constituído de uma sequência de metáforas, mas, sobretudo, por estar coberto pelo signo da destruição. Temos aqui outro nível de alegoria, diferente da alegoria baudelairiana, na medida em que o eu poético verlainiano, exilado, separado da multidão, consegue, apesar da barbárie, compor seus “acrósticos indolentes”. Ao observar, indiferente, a passagem dos “grandes bárbaros brancos”, mentores da civilização, Verlaine inverte a velha dicotomia “civilização é progresso, barbárie é decadência”, assim como o fizeram Wilde e Yeats: “Em Wilde e Yeats, a decadência se converte no termo a ser dirigido contra seus adversários. Decadentes são os que aceitam o mundo do consumo, da insensibilidade, sem imaginação [...]” (ELLMAN, 1991, p. 24)12.�������������������������������������������������� Calinescu converge a questão para a fórmula “progresso é decadência; decadência é progresso”. Progresso

“Eu sou o império no fim da decadência/ Que vê passar os grandes bárbaros brancos/ Compondo acrósticos indolentes/ Com um estilo de ouro onde o langor do sol dança” (tradução livre). 11

Elmann (1991, p. 13) assinala ainda: “Paul Verlaine podia anunciar, mais com Schadenfreude [malícia] do que com preocupação “Je suis l’empire à la fin de la décadence”. As culturas agonizantes são as melhores. Poucos meses depois do poema de Verlaine, surgia o romance de Huysmans, À rebours (Às avessas), para dar à decadência uma força programática. Os gostos de seus nobres decadentes (os decadentes são sempre homens, e, de preferência, nobres; as mulheres decadentes recebem outro nome) não são comuns. Sobre o romance de Huysmans, Praz (1977) reconhece que «A rebours [...] est le livre clé du mouvement décadent, où toute la phénoménologie de cet état d’âme est illustrée jusqu’aux moindres détails dans un personnage exemplaire, Des Esseintes». 12


Notas sobre a recepção do simbolismo na França e no Brasil

A tradução do texto em inglês, feita há alguns anos, é do professor Dr. Luiz Gonzaga Duarte de Amorim (in memoriam), do antigo Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (LCV) da Universidade Federal de Alagoas. 13

«Un manifeste de Moréas (1886) définit le symbolisme [...]; sa définition est fort abstraite; elle insiste sur la volonté, très mallerméenne, de faire disparaître la réalité devant l’Idée». 14

«On a souvent affirmé que le symbolisme est um mouvement libertaire et qu’il apporta comme philosophie sociale, «l’anarchie»; ce n’est que trés partiellement exact pour le symbolisme mais c’est rigoureusement vrai pour le décadisme». 15

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é decadência, para aqueles que “cultuavam o conceito regeneracionista da decadência, deplorando os efeitos do declínio e acreditando na possibilidade de um futuro renascimento” (CALINESCU, 1977, p. 156); inversamente, para os “artistas, promotores de uma modernidade estética” (CALINESCU, 1977, p. 156), decadência é progresso, na medida em que a decadência implica uma mudança dos códigos literários13. O embate entre decadentes e simbolistas teve um curto apogeu: concentrou-se entre 1880 e 1886. De 1885 a 1894, Étienne [Stéphane] Mallarmé (1842-1898) reúne, em seu apartamento da Rue de Rome, às terças-feiras, um grupo de escritores (André Gide, Paul Valéry, Paul Claudel, dentre muitos outros), para discutir e expor sua concepção de poesia. Para o autor de Prose pour Des Esseintes, a essência da poesia estava na música (a única arte capaz de apagar a significação), não na ideia. O bloqueio ao termo decadente teria partido dos Mardis de Mallarmé. Em 1886, Jean Moréas (Johannès Papadiamentopoulos, 1856-1910), para atenuar a polêmica e os problemas que a palavra decadência suscitava, escreve um Manifesto, publicado no jornal «Le Figaro», de 18 de setembro, e propõe a denominação simbolismo: “Um manifesto de Moréas (1886) define o simbolismo [...]. Sua definição é por demais abstrata; ela insiste na vontade, bem mallarmeniana, de fazer desaparecer a realidade diante da Idéia”14 (MARTINO, 1967, p. 130). A palavra simbolismo, vaga, genérica, não confere um estatuto visível aos aspectos da natureza humana. O simbolismo proclama o mistério das coisas; o decadismo, sua deterioração. Pierre Martino resume muito bem a questão: Tem se afirmado que o simbolismo é um movimento libertário e que ele trouxe, como filosofia social, “a anarquia”; é parcialmente exato para o simbolismo, mas é rigorosamente verdadeiro para o decadismo15 (MARTINO, 1967, p. 124).


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A estética decadista configurava-se uma escrita alegórica, pela qual a obra torna-se uma alusão ao assunto, ao contrário do símbolo, totalmente calcado em um único elemento.

Simbolismo no Brasil: literatura de casaca, luvas e peitilhos em goma? O movimento simbolista, meus senhores [disse João do Rio] não será jamais um movimento popular. Literatura de casaca, luvas, gravata branca e peitilhos em goma é apenas um gostoso recreio, um desafio para refinados espíritos, para privilegiadas elites de uma estouvada geração. Literatura de estufa, planta para vaso em aquecidos salões (EDMUNDO, 1958, p. 562).

As últimas décadas do século XIX foram, conforme mostrado, extremamente ricas na vida literária parisiense. Inscrito fundamentalmente na confluência de uma sociedade em transformação, o decadentismo francês constituiu uma estética própria, logo mais absorvida pelo nome mais genérico de simbolismo, termo que passaremos a adotar daqui em diante. Transportado para o Brasil, o simbolismo foi considerado um movimento hesitante, ambíguo em suas formulações. Afora o entusiasmo com que Roger Bastide e Nestor Vítor saudaram o merecido talento literário de Cruz e Sousa (1862-1898), as primeiras manifestações simbolistas nacionais não obtiveram, no momento de seu surgimento, uma acolhida afável por parte dos historiadores de nossa literatura. Alfredo Bosi interpreta o posicionamento reticente de Araripe Jr.: Esta antologia não inclui textos de Araripe Jr. sobre o Simbolismo [...], parece-me útil analisar o enfoque original que lhe deu o crítico. Convém lembrar que Sílvio Romero e José Veríssimo apreciaram Cruz e Sousa, apesar do simbolismo, que sempre lhes pareceu uma flor “nevrótica”, transplantada para o nosso meio diretamente dos “boulevards” de Paris.


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Araripe Jr. ficou a meio caminho entre a suspeita daqueles e a quente apologia de Nestor Vítor, o crítico mais próximo dos homens e das idéias que constituíram o movimento no Brasil (BOSI, 1978, p. XVII).

A ideia de uma “flor nevrótica transplantada para o nosso meio diretamente dos ‘boulevards’ de Paris” é, de certo modo, retomada por Elysio de Carvalho, quando acusa os simbolistas de “ficarem no seu subjetivismo doentio e estéril, fechados para a vida, a olhar o mundo de muito longe, lá das profundezas do isolamento a que preferiram condenar-se” (CARVALHO, 1907, p. 220). Cada um ao seu modo, Sílvio Romero, avesso aos “Rimbauds, Verlaines, Mallarmés, Villiers de l’Isle Adam, Maetrlincks e companheiros” (ROMERO, 1943, p. 388), José Veríssimo, Elysio de Carvalho, João do Rio e o indeciso Araripe Jr. consideram unanimemente a poesia simbolista brasileira estranha à nossa cultura. O pêndulo dessa recepção crítica pende, ora mais, ora menos, para uma questão subliminar: a ausência de correlação entre pensamento estético e realidade. Para grande parte dos escritores e críticos que viveram nos primeiros decênios do século XX, a poesia simbolista não interpretava elementos brasileiros, locais, como fizeram nossos românticos. Nas décadas mais próximas de nós, fiquemos com as contribuições, abaixo resumidas, de Candido e Castello, Carpeaux e Bosi, quando interpretam o problema da legitimidade da poesia simbolista em nossas letras. Para Candido e Castello, mesmo não se afinando com nossos anseios poéticos e em face do poder de mobilização do Parnasianismo, o Simbolismo, apesar de suas excentricidades, teria repercutido na formação de nosso clima pré-modernista. Aliás, [o Simbolismo] foi aqui bastante medíocre, ressalvados os grandes iniciadores [Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens]. Além disso, o seu efeito foi limitado pela aliança tácita entre Parnasianismo e o espírito acadêmico, semi-oficial. Isso fez com que permanecesse uma espécie


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de tendências, excêntrica ou de segunda plana [...]. Rico de experiências e variações, manifestou-se em cenáculos, revistas, livros curiosos, dando lugar a tendências subsidiárias, que extravasaram seus limites e influíram na formação de um clima pré-modernista. (CANDIDO; CASTELLO, 1976, p. 106).

Carpeaux, cuja obra crítica trouxe notoriamente uma grande contribuição para o entendimento de autores estrangeiros, é enfático: percebe uma relação descontínua, uma “derrota” do pensamento simbolista em nossas letras: Sobre o simbolismo brasileiro não existe livro ou estudo de extensão considerável. Esse fato é sintoma, entre outros, da derrota que sofreu no Brasil o movimento simbolista, que foi de tanta importância em outra parte [...]. O parnasianismo, sobrevivendo-se a si mesmo, continuou; e quando foi, por sua vez, derrotado, coube a vitória ao modernismo que não tinha nada nem quis nada com o simbolismo (CARPEAUX, 1953, p. 181).

Bosi justifica a aceitação do parnasianismo, pela sua intimidade com o positivismo, e a rejeição ao simbolismo, por conta de seu indiferentismo às questões impostas pelas condições sociais e culturais da época. Seu timbre crítico recai, portanto, na incompatibilidade entre linguagem artística e sociedade: O fenômeno histórico do insulamento simbolista no fim do século XIX não deve causar estranheza. O movimento, enquanto estado de espírito, passava ao largo dos maiores problemas da vida nacional, ao passo que a literatura realista-parnasiana acompanhou os modos de pensar primeiro progressistas, depois acadêmicos, das gerações que fizeram e viveram a Primeira República (BOSI, 1971, p. 300-301).

Tomando como parâmetro para este artigo a obra Broquéis, Faróis e Últimos sonetos, de Cruz e Sousa (1861-


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E, por isso, não é difícil identificar em “Profissão de fé” os preceitos de Thédore de Banville (1823-1891) contidos no poema «Les stalactites»: «Sculpteur, cherche avec soin en attendant l’extase/ Un marbre sans défaut pour en faire un beau vase/ Cherche longtemps sa forme et n’y retrace pas/ D’amours mystérieux ni de divins combats». [“Escultor, procure com cuidado aguardando o êxtase/ Um mármore sem defeito para esculpir um belo jarro/ Procure muito tempo sua forma e nela não retrace/ Amores misteriosos nem divinos combates”. Tradução livre] 16

Poemas de Cruz e Sousa foram extraídos da seguinte edição: CRUZ E SOUSA. João da. Poesias completas –Broquéis, Faróis, Últimos Sonetos. Edição rigorosamente revista com introdução de Tasso da Silveira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1965. Sobre o uso recorrente da cor branca, Roger Bastide faz considerações surpreendentes: “[...] o simbolismo de Cruz e Sousa não se explica pelo meio. O simbolismo, aliás, não vingou no Brasil, e o autor de ‘Missal’ ficou aqui quase que como o único grande representante dessa escola. Esse simbolismo se explica, no entanto, pela vontade do poeta ocultar as suas origens, de subir racialmente, de passar, ao menos em espírito, a linha de cor” (BASTIDE, 1943, p. 89).

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1898), não podemos discordar desses posicionamentos críticos. De fato, para Cruz e Sousa, o poético seria tanto mais alcançado quanto mais dispersa se apresentasse a realidade, dentro do padrão estético defendido por Mallarmé, para quem “insinuar coisas, em vez de formulá-las ostensivamente, era, dessarte, um dos principais objetivos do simbolismo” (WILSON, 1993, p. 22), princípio que, evidentemente, se situa nas antípodas do ideal preconizado por Bilac, para quem o efeito poético advém do trabalho de esculpir o objeto16. A estrutura poemática de “Antífona”, por exemplo, sustenta-se, fonicamente, em uma cadeia de assonâncias e construções anafóricas que volatizam o assunto, confundindo-o com elementos inerentes à liturgia cristã, que o poeta abraça: Ó formas alvas, brancas, Formas claras Dos luares, de neves, de neblinas!... Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Incensos dos turíbulos das aras...17

17

O poema assemelha-se a um longo salmo poético (uma antífona, sabemos, é um curto versículo recitado ou cantado pelo celebrante antes e/ou depois de um salmo) com claro apelo à religiosidade, ainda que esses voos altos em direção à espiritualidade (os títulos das duas coletâneas são autoexplicativos nesse sentido) não impeçam algumas descidas sacrílegas que o poeta pretende, com maior ou menor esforço, debelar. Uma configuração de tal ordem aproxima-o “desta mistura simbolista do material e do espiritual”, anotada por Anna Balakian (2000, p. 88). Em “Braços”, poema tão conhecido quanto o anterior, aqui reproduzido para facilitar a análise, o referente, que dá título ao poema, rodopia em uma série de sinônimos, de apostos e de estruturas nominais. Munido desse arsenal linguístico, Cruz e Sousa prescinde, em parte, do objeto “braços”, distinguindo-se, assim, do discurso parnasiano em sua determinação de mostrar, por exemplo, que um


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jarro não pode extravasar a ideia comumente aceita de “jarro”. Braços nervosos, brancas opulências Brumais brancuras, fúlgidas brancuras Alvuras castas, virginais alvuras Lactescências das raras lactecências As fascinantes mórbidas dormências De teus abraços de letais flexuras Produzem sensações de agres torturas Dos desejos as mornas florescências Braços nervosos, tentadoras serpes Que prendem, tetanizam como os herpes Dos delírios na trêmula coorte... Pompa de carnes tépidas e flóreas Braços de estranhas correções marmóreas Abertos para o Amor e para a Morte! (o grifo é nosso)

Dissolve-se, assim, a pulsão fetichista dos braços (tão cara, vale lembrar, a Machado de Assis e a João do Rio), os quais, de maneira originalíssima, o eu poético trata por tu (“teus abraços”), ou seja, como res que escuta. As sensações provocadas por esses “braços nervosos” descrevem um arco que vai do apelo à pureza (“alvuras castas”, “virginais alvuras”) à morte (“Dos teus abraços de letais flexuras”), com breves passagens por um paraíso libidinoso (“carnes tépidas”), aludido, ainda, na expressão “tentadoras serpes”, sem dúvida uma remissão à imagem bíblica do fruto proibido, tudo, é claro, dentro de um clima de indefinição rompido no final, no último verso (“Abertos para o Amor e para a Morte!”). Do ponto de vista fônico, essa série de imagens vai de par com o sentido, vago e envolvente, que habita o poema (a dualidade pureza-pecado simbolizada pelos braços): às sonoridades abertas (nervosos, marmóreas, flóreas, mornas) se justapõe, em palavras geralmente polissilábicas, uma combinação interna de sons vocálicos e consonantais (opulências, lactescências, dormências,


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florescências), o que deixa em aberto, com base nas considerações de Clive Scott, algumas pistas para um possível estudo analítico-interpretativo desse recurso na poética cruz-sousiana: Laforgue, talvez o primeiro “modernista”, e uma influência fundamental sobre Eliot, emprega generosamente advérbios e adjetivos polissilábicos com o mesmo prazer de Mallarmé. [...] Mas, com isso, ele ressalta a desproporção entre o peso das palavras e a intenção irreverente por trás delas [...]. A palavra polissilábica, pelo jogo de suas vogais modulantes, pode sugerir diversos sentidos simultâneos. Para Mallarmé, esta é a fonte de sua riqueza; para Laforgue, é um sinal de sua duplicidade e astúcia. Ela tem coisas demais a dizer para ser capaz de contar a verdade (SCOTT, 1989, p. 170).

Analisados os poemas, não há como discordar das posições críticas anteriormente mencionadas, visto que, em seus diferentes matizes, terminam convergindo, conforme assinalado, para a mesma tônica: a ausência de substrato local. Ora, o simbolismo parisiense desenvolveu-se, conforme vimos, em um período de profundas transformações promovidas pela máquina; teve, como centro difusor, a cidade com suas contradições. Supridor de bens não industrializados, o Brasil guardava os resíduos da antiga ordem escravocrata-senhorial, que, segundo Florestan Fernandes (1992, p. 58), teve reflexos no desenvolvimento urbano, “superficial e descontínuo, mal [escondendo] os escombros da ordem rural”. Se na Inglaterra, na França, na Alemanha, nos Estados Unidos a máquina provocou desajustamentos relacionados com o ritmo de mudança, em um país como o Brasil, ela teria de ajustar-se a desajustamentos mais graves. A razão disso está na forma abrupta de introdução da máquina e na falta de experiência de socialização prévia. O homem teve pouco tempo para ajustar-se às situações novas, passando do carro de boi e da lamparina para o automóvel e a


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eletricidade – sem falar da energia atômica – em um abrir e fechar de olhos (FERNANDES, 1992, p. 66-67).

Como, na arte, mudanças formais necessitam de condições históricas preexistentes, decerto, a ausência de homologia entre as estruturas significativas imanentes à obra simbolista e nossas estruturas históricas e intelectuais dificultou a compreensão do movimento. Mas, a nosso ver, haveria outros fatores de ordem estético-literária. O parnasianismo – movimento coetâneo – alicerçava-se em dogmas herdados da literatura greco-romana; idolatrava a beleza, a ordem, a clareza das ideias, segundo os princípios do classicismo francês. Arte atemporal, angariou, por aqui, simpatias pela temática amorosa, agradável, sem traumas (como se lê em “Nel mezzo del camin”, de Bilac). Em tudo diverso, o simbolismo francês postulava a quebra da postura hierática, a regulamentação clássica; abriu caminho para a “aventura surrealista”, com Apollinaire, Breton e Aragon. Foi, por excelência, anticanônico. Provocou escândalo, não encontrou franca e fácil acolhida dos conservadores parnasianos. Por não fazer parte de nossas preocupações estéticas nem de nossa história, as transgressões por ele operadas perderam o sentido entre nós. No fundo, talvez não houvesse mesmo nada para transgredir. Talvez, até, a crer em Alphonsus de Guimaraens (relembrado por Amoroso Lima), nossas letras estivessem mesmo marasmadas: “Quando, em 1894, Alphonsus de Guimaraens veio fazer o quarto ano jurídico na recente Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais [...] era de apatia o ambiente literário do Sul de todo o Brasil em geral. Assim o dizia o poeta do Mal secreto [...] (AMOROSO LIMA, 1941, p. 50)18. Sem dúvida, estávamos em um momento de referências literárias incertas, e os conflitos encontravam abrigo nas coteries, nos cenáculos literários e periódicos. Para Afrânio Coutinho, os significados poéticos diferenciadores de simbolistas e decadentes não eram muito evidentes, problema que, aliás, o crítico não pretende aprofundar:

Para Amoroso Lima, “a crítica da época silenciou sobre Alphonsus de Guimaraens, não só nos meios naturalistas, mas ainda nos próprios cenáculos simbolistas” (AMOROSO LIMA, 1941, p. 59). 18


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Como, aliás, em França, “decadentes” (aqui curiosamente e com intenção pejorativa denominados nefelibatas, expressão tirada de Rabelais) e simbolistas, não aparecem em posição bem discriminada. Guerra Barroso, Alphonsus de Guimaraens, Dario Veloso, Gonzaga Duque foram predominantemente “decadentes”; Cruz e Souza, Emiliano Perneta, Edgard Mata, Ernâni Rosas, propriamente simbolistas. Ainda assim, ao acaso, pois seria um tanto pueril fixar, sem mais detido exame e muito matizamento, as experiências individuais do movimento, em esquemas rígidos (COUTINHO, 1959, p. 224-225).

Certamente havia, por um lado, muita desinformação, segundo afirma, apropriadamente, a pesquisadora Cassiana Lacerda Carollo: “São informações e incitamentos nem sempre esclarecedores sobre o decadismo e o simbolismo na França, obtidos através de revistas e jornais ou da leitura de algumas poucas obras [...]” (CAROLLO, 1980, p. 81). Por outro lado, a necessidade de acompanhar a literatura francesa de referência fez com que surgissem por aqui leitores e tradutores de Baudelaire, interessados em afrontar “o Romantismo declinante, que deu lugar a escaramuças entre partidários e renovadores” (CANDIDO, 2006, p. 31). De todo modo, as concepções literárias vindas da França, onde tinham surgido como resultados de processos sociais, culturais, artísticos e econômicos, que ainda não haviam começado por aqui, embaralham-se, perdem, por vezes em Cruz e Sousa, um pouco do prumo, resvalando aqui e ali em conteúdos desordenados, que vão de uma duvidosa lubricidade (“Primeira comunhão”, “Carnal e místico”) a lições moralizantes, como no poema “O ser que é ser”, bem acolhido por Andrade Muricy (MURICY, 1952, p. 288289): “O ser que é ser jamais vacila/ Nas guerras mortais entra sem susto/ Leva consigo este brasão augusto/ Do grande amor, da grande fé tranqüila”. Belos momentos compositivos, como em “Cárcere das almas”, “Pressago”, “Esquecimento”, “Metempsicose”, “Envelhecer”, “Velho” e outros (além dos dois poemas


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analisados), bem como em alguns poemas manuscritos do autor, como “Velho vento” e “Crianças negras”, não impedem que se perceba que o uso reiterado de uma sintaxe elíptica e a abundância de termos raros dão um tom monocórdio ao conjunto de sua obra. Um exemplo, dentre muitos, é a primeira estrofe do poema “Supremo desejo”, em que reaparece a aliteração em “v” (utilizada expressivamente no antológico “Violões que choram”), sem dúvida uma das prediletas do Cisne negro, como o chama Balakian (2000, p. 88): Eternas, imortais origens vivas Da Luz, do Aroma, segredantes vozes Do mar e luares de contemplativas Vagas visões.volúpias, velozes (“Supremo desejo”)

Essas seriam as marcas singularizadoras de sua poética, que, para falar com Bosi,“recebe, em geral, tratamento platonizante e abre caminho para um dos processos psicológicos mais comuns no poeta: a sublimação” (BOSI, 1971, p. 303). Em contraposição a essa configuração artística, Verlaine dissolve o mundo sem sublimá-lo. Cultiva a sobriedade, princípio que seguiu à risca desde o momento em que, no poema “Art poétique” (“Arte poética”), publicado em 1882 na revista “Paris Moderne”, contrariava, sem finalidade panfletária, o postulado parnasiano, segundo o qual um poema é bom e belo quando utiliza imagens excessivamente retóricas (“Pegue a retórica e torça-lhe o pescoço”, afirma, sem meias palavras). Parece que, salvo muitos bons momentos de Alphonsus de Guimaraens, nossos poetas apenas adotaram o rótulo simbolista, mas assimilaram mal o preceito antirretórico verlainiano. Diferentemente de Cruz e Sousa, que converte as coisas em figuras místicas e em imagens abstratas, Verlaine transforma a vaga impressão das coisas em metáforas sequenciadas que culminam em alegorias sutis. Com uma linguagem econômica, pouco adjetivada, vai traçando seu percurso poético, vago e nebuloso, utilizando, sobriamente, sob os


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efeitos da musicalidade, o tema da máscara, como forma de dissolução do real, de que é exemplo o poema «Votre âme est un paysage choisi»:

“Tua alma é uma paisagem de outros dias/ Por onde, ao som de alaúdes vão passando/ Quase tristes nas suas fantasias/ Bergamascos e máscaras dançando’’. Tradução de Onestaldo de Pennaforte. (Apud JÚNIOR, 1950, p. 422). No poema, bergamasques pode designar tanto os habitantes quanto as danças de Bérgamo. 19

Votre âme est un paysage choisi Que vont charmant masques et bergamasques Jouant du luth et dansant, et quasi Tristes sous leurs déguisements fantasques19

Aqui, a alma não está separada da paisagem, é almapaisagem, no interior da qual, aos olhos do eu lírico, desfilam, dançando, bergamascos (habitantes de Bérgamo) fantasiados e mascarados. Não há apostos pomposos, enfileirados (a poesia de Cruz e Sousa guarda esta peculiaridade interessante: a de enfileirar palavras); há fusão de palavra e som (Mallarmé) e fusão de palavra e ideia (Baudelaire). Então, a denominação Simbolismo seria imprópria, como percebeu Antonio Candido: “Com efeito, toda poesia é de algum modo simbolista, e o simbolismo é um dos cernes da linguagem poética, ocultadora e alusiva por excelência” (CANDIDO, 1976, p. 106). Edmund Wilson esmiúça a questão:

Tal nome [Simbolismo] tem sido acusado repetidas vezes de inadequado para rotular o movimento a que foi conferido e inapropriado para designar vários aspectos; ademais, pode revelar-se desorientador para os leitores ingleses. Pois os símbolos do Simbolismo têm de ser definidos de maneira algo diversa do sentido dos símbolos comuns [– o sentido de que a Cruz é o símbolo da Cristandade ou as Estrelas e Listras o símbolo dos Estados Unidos. Esse simbolismo difere inclusive de um simbolismo como o de Dante. ]. Pois o tipo familiar de simbolismo é convencional, lógico e preciso. Mas os símbolos da escola simbolista são, via de regra, arbitrariamente escolhidos pelo poeta para representar suas idéias: são uma espécie de disfarce de tais idéias (WILSON, 1993, p. 21).


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Ao estudar o contexto do drama barroco alemão, Benjamin questiona a noção de símbolo e muda a chave interpretativa usual da alegoria quando afirma que “a alegoria não é frívola técnica de ilustração por imagens, mas expressão, como a linguagem, e como a escrita” (BENJAMIN, 1984, p. 184), distinguindo-a do símbolo dos estetas românticos, que “exceto no nome nada tem em comum com o conceito” (BENJAMIN, 1984, p. 181). Este [o símbolo autêntico] está situado na esfera da teologia, e não teria nunca irradiado na filosofia do belo essa penumbra sentimental que desde o início do romantismo tem-se tornado cada vez mais densa. Mas é precisamente o uso fraudulento do “simbólico” que permite investigar em toda a sua “profundidade” todas as formas de arte. [...]. Esse abuso ocorre sempre que numa obra de arte a “manifestação” de uma idéia é caracterizada como um “símbolo”. A unidade do elemento sensível e do supra-sensível, em que reside o paradoxo do símbolo teológico, é deformada numa relação entre manifestação e essência (BENJAMIN, 1984, p. 182).

Na poesia simbolista (decadentista) francesa, a manifestação da ideia não se resolve pela sublimação, nem pela preponderância da esfera místico-religiosa (Cruz e Sousa), mas por modos de expressão alegóricos. Mantendo intimidade com a estética baudelairiana e trazendo do romantismo o tédio, os blue devils, o spleen, o mistério e a meia-luz – prova de que a poesia francesa fin-de-siècle operou por intercâmbios e processos intertextuais –, Verlaine usa a máscara como alegoria do mundo em ruínas. Então, quando aceitou, sem reservas, o epíteto decadente foi porque a decadência era talhada para ele. Nessas breves notas, procuramos discutir o problema da pouca receptividade do simbolismo no Brasil, mostrando que tal fato não se deveu à força bloqueadora do parnasianismo, mas a condições históricas precárias, desfavoráveis, totalmente distintas das existentes na França – centro difusor de origem. É na conjunção de processos econômicos


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“Senhor, Meu Deus” conceda-me a Graça de produzir alguns belos versos que provem a mim mesmo que não sou o último dos homens, que não sou inferior àqueles que desprezo”. 20

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e artístico-culturais que Baudelaire e Verlaine rejeitam a retórica monológica parnasiana, por intemporal, e tomam o caminho depressivo da decadência. Suas formulações estéticas desenvolvem-se em um espaço de tensões, configurado nas revistas, periódicos e manifestos da época. Tais considerações levaram-nos a examinar poemas de Cruz e Sousa, nome influente em nosso Simbolismo. Em que pese sua importância em nossas letras e a qualidade de sua produção poética, sua poesia não tem o peso da angústia de Baudelaire, poeta que homenageia na epígrafe de Broquéis: «Seigneur, mon Dieu! Accordez-moi la Grâce de produire quelques beaux vers, qui me prouvent à moimême que je ne suis pas le dernier des hommes, que je ne suis pas inférieur à ceux que je méprise»20. Não tendo o potencial emancipatório do simbolismo (decadismo) francês, o movimento simbolista brasileiro permaneceu estagnado, sem repercussões profundas nas estéticas imediatamente posteriores. Leitor de Oscar Wilde, de Jean Lorrain e de Joris-Karl Huysmans, João do Rio percebeu que nosso simbolismo estava longe de expressar, no plano artístico, as contradições de um país vivendo (para falar com Florestan Fernandes) sob a dialética da carro de boi e do automóvel.

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Gogol and Lispector: a scream through time and space Eva Paulino Bueno*

resumo:

Esta discussão faz uma comparação entre A hora da estrela, de Clarice Lispector, e O capote, de Nicolai Gogol. Os resultados da análise mostram semelhanças produtivas que nos levam à discussão da origem e destino de dois personagens que superficialmente parecem não ter nada em comum, Macabéa e Akaky Akabyevich. A comparação também mostra que, apesar dos diferentes séculos em que os textos foram escritos, há grandes semelhanças na maneira em que os dois escritores apresentam seus personagens e sua época. palavras-chave:

Rússia, sertão, sobrevivência, província,

metrópole. abstract:

This discussion provides a comparison between Clarice Lispector’s The hour of the star, and Nicolai Gogol’s The overcoat. The results of the analysis show productive similarities that lead us to engage in the discussion of the origin and destiny of two seemingly unrelated characters, Macabéa and Akaky Akakyevich. The comparison also shows that, despite the different centuries in which the texts were written, there are striking similarities in how both writers present their characters and their times. keywords:

St. Mary’s University, San Antonio, Texas. *

Russia, backlands, survival, province, metropolis.

What can the relationship between a Russian Civil Servant in St. Petersburg and a girl among thousands from the impoverished Northeast of Brazil working in Rio de Janeiro possibly be? Furthermore, how can one find any connection between characters whose stories were published, respectively, in 1841, and 1977? On the surface,


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such relationship is absurd, and even to propose it is a bit preposterous. And yet, since art does not obey the laws of time or respect national frontiers, there is a strong possibility that these two characters, Nicolai Gogol’s Akaky Akakyevich and Clarice Lispector’s Macabéa, are related in more than one way. This does not mean, obviously, that Macabéa is a version of Akaky. What this discussion wants to propose is a reflection on the ways in which Lispector, a Brazilian writer born in the Ukraine, in her last novel can be seen as taking on a provocation proposed by Dostoyevsky’s famous statement “We all come out from under Gogol’s ‘Overcoat’” while, at the same time, proposing a more radical treatment of the character and of the situation than the Russian master did. Of course, as far as literature goes, there are many “overcoats,” many influences, many sources. Although Gogol’s might have been one of the most important and he indeed has the distinction of being considered the initiator of Russian realism, Lispector gives us a clear indication of the importance of a literary tradition, through the narrator Rodrigo S. M., who says that “a palavra é fruto da palavra. A palavra tem que se parecer com a palavra” – “the word comes from the word. The word has to look like the word.” (LISPECTOR, 1984, p. 26)1. The word is not necessarily a word in any language in particular: it can come from the Brazilian masters or from the Russian master–or from both. The creation of the character Macabéa, just as the creation of Akaky Akakyevich, speaks about each writer’s profound need to tell a story of a human being who deserves to be seen as well as respected. In some points, these two stories converge. In others, they distance themselves. A comparison between both will illuminate the ways in which “the word” is never the product of just one writer or one literary tradition, but that, indeed, it participates in a bigger, older, more encompassing project. Because it is the older text, we will start with Gogol’s “The overcoat”. It’s a classic of world literature and, inde-

All translations into English are mine. 1


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ed, as Victor Brombert warns us, it “lends itself to orgies of interpretations… ‘The overcoat’ can be read as a parable, as a pathetic tale, an interpretive puzzle. But to begin with, there is the temptation to read it seriously as satire with a social and moral message” (BROMBERT, 2001, p. 25). In Gogol’s short story, a poor government clerk, Akaky Akakyevich, lives alone, and his salary only covers the bare necessities. His job consists of copying documents. He relishes this job, mouthing the words he is copying. His young co-workers make fun of him; make up stories about him to his face. But Akaky ignores them, and only when the mockery and the jostling prevent him from doing his job does he ask his colleagues not to pester him. It seems that his life, small and insignificant as it is, will continue this way, and he will die of old age. However, the day his old overcoat can no longer protect him from the cold winds of St. Petersburg, his life changes. His tailor Grigory Petrovich refuses to fix the old coat, and Akaky cannot afford a new one on his meager salary. But the cold of the city is implacable, and he has to agree to have a new coat made. He then begins a severe regimen of six months of great economy and hunger, adds the extra year-end bonus he gets from work, removes from its hiding place the money he has saved for many years, and finally puts together enough money to purchase the material and have the tailor make the coat. Even though the time in which he was saving to be able to afford the coat is a time of great deprivation, Akaky relishes the thought of the day he will have the desired garment. The day finally comes, and both he and the tailor admire the wonderful piece of clothing, as Akaky goes on to work. The change is immediate: his colleagues–even those who once made fun of him–are impressed. One decides to throw a birthday party, and Akaky is invited, and, although he is bored at first, later he enjoys some champagne and becomes very happy. On the way back home in the middle of the night, Akaky is a transformed man. For the first time in his life, he runs after a woman! However, in a deserted


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stretch of the street, two men approach and threaten him, and then steal the overcoat off his back. Confused and afraid, Akaky goes on a pilgrimage through different police offices to try to get the police to do something. No results. One day, following a colleague’s suggestion, he finally goes to see a Very Important Person. But the man mistreats him so badly that Akaky leaves the place so crushed that he cannot recuperate from the meeting and dies in a few days raging against the Very Important Person. Here ends the realistic part of the story. What follows–and has attracted different critical opinions–is the appearance of the clerk’s ghost around bridges, always trying to rip people’s overcoats off their backs. Even the Very Important Person is attacked on a night he was going to visit his mistress, and his coat is taken. After this, the ghost of the clerk no longer appears downtown, but begins to appear elsewhere in the city. In Lispector’s novel, Macabéa, a poor girl from the impoverished Northeast of Brazil, lives in the big city of Rio de Janeiro. Like Akaky, she too works with words, and lives on the fringes of society: she is a typist whose salary is enough to cover her bare necessities. She is lonely, and lives in “A cidade toda feita contra ela” –“the city is completely against her” (LISPECTOR, 1984, p. 21). But she lives on, renting a bed in a room shared with other young women. Her great joy is to borrow a radio that gives her explanations about trivial things, and sometimes music. At work, she falls in love with words whose meaning she does not know, and sometimes takes the initiative of changing them to accommodate the way she speaks. One day, a man, Olímpio, approaches her. He tells her about his life and his big plans. She dreams about becoming his wife, even though he mistreats and insults her. The relationship ends when he meets her colleague Glória, a plump, real carioca who dyes her hair blonde. Macabéa is not angry with Glória, who even invites her to her house and feeds her foods Macabéa never saw before. One day, after explaining how her life has changed for the better thanks to some work done by a fortune teller, Glória suggests Macabéa go to


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All subsequent quotations from this story come from the same edition of “The overcoat”. 2

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see Madame Carlota too. Macabéa takes the money and goes to see Madame Carlota. The fortune teller predicts a brilliant future for her, with a foreign man and a new car. “Pregnant with future” (as the text in Portuguese clearly says) Macabéa leaves Madame Carlota’s house and is run over by a Mercedes driven by a foreigner. She hits her head against the sidewalk and agonizes while some people look and one person lights a candle. Finally, she expires after saying, “About the future.” As the short summaries demonstrate, there are some evident similarities between Akaky and Macabéa. The first one is that both are poor, and both live in a big city. Both have no family. In “The Overcoat” the text mentions “father, grandfather… even this brother-in-law,” all people who “walked about in boots, having their soles repaired no more than three times a year” (GOGOL, 1957, p. 234)2. Macabéa, for her part, lost both parents “to the bad fevers in the backlands of Alagoas” when she was two years old. When she is first seen in the story, she has forgotten their names, and it is not clear how she leaves Alagoas and ends up in Rio de Janeiro, except that the text says that her aunt found her a job as a typist, and then died (LISPECTOR, 1984, p. 37). When both narratives begin, Macabéa and Akaky live in a kind of dormitory, have no family, are poorly paid, and work with words. But the similarities do not end here. The narrator of “The overcoat” says that Akaky’s mother was “still lying in bed,” when the godparents arrived and proposed some names for the baby. To each name, she reacted saying, “They’re all such queer names!” (GOGOL, 1957, p. 234-235). Finally, the mother decides, “I can see that such is the poor innocent infant’s fate. If that is so, let him rather be called after his father. His father was Akaky, so let the son be Akaky, too” (GOGOL, 1957, p. 235). Macabéa, in turn, explains to Olímpio that she, too, “finds her name strange, but her mother chose this one because of a promise to Our Lady of Good Death to see if I survived, so up until one year of age I was not called


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anything because I had no name” (LISPECTOR, 1984, p. 51). Recognizing the singularity of her name, she continues, “I would prefer not to be called anything instead of having a name no one else has, but it seems that [my mother’s idea] worked…. [A]s you can see, I lived…” (LISPECTOR, 1984, p. 52). It is important to observe that in the narrative itself, the name “Macabéa” is only revealed past the middle of the story. With this delay one can say that, in technical terms, Lispector illustrates an important point: the protagonist, the girl from the Northeast, becomes indistinguishable from the “thousands of others like her,” nameless in the city. Since the protagonist can be anyone, she can therefore be all of them. In terms of the destiny of the protagonist, this means that, in a sense, one Macabéa dies, but others still go on. Such a possibility is very rich, especially if we consider the allusion to the biblical name of Maccabeus, which does not refer to only one person, but to several with this name: Judas, John, Simon, Eleazar, Jonathan. It is also noteworthy that the most important of the Maccabeus, Judas, is also the one who instituted the commemoration of Hanukkah, a feast of dedication featuring the light of the menorah. Once again, the text illustrates this connection, as we see that, after she is struck by the car and is dying, Macabéa “wanted to vomit something that is not body, to vomit something illuminated. A star of a thousand points” (LISPECTOR, 1984, p. 96). This last connection between Macabéa in this last moment, and the light that comes from inside her clearly indicates that she, like the Maccabeus, has a light much bigger than herself inside her thin, diseased, hungry and unloved body3. Some critics have stressed the fact that, even though she did not make a point of stressing it, Lispector was Jewish or, at least, she had been born to a Jewish family. With the creation of Macabéa she clearly aligns her heroine with a people who have had to live in hostile environments, to struggle to survive against many odds. However, since Macabéa is also a daughter of the Northeast of Brazil, she

If we look again at the connection with a Jewish background, one can see this name also as an ironic device, since the Maccabees were warriors, and–on a superficial level, at least–nothing can be further from anyone’s mind as seeing Macabéa as a warrior. However, once again, we have to remember that Macabéa is a daughter of the sertão of the Brazilian Northeast. Like the sertanejo that Euclides da Cunha she, too, is forte. Even in her weakness, she is strong as a representative of a people that endures, and survives. 3


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See my discussion of A hora da estrela in “‘Languages’ and ‘Voices’ in Brazilian Literature,” where I propose that when Lispector writes that Macabéa is the “crossbreed between one quiddity and another,” who “seemed to have been conceived from some vague notion in the minds of starting parents,” she is making an allusion to the 1852 novel by Manuel Antonio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias. 4

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cannot be seen simply as a metaphor for Jewish experience. As I argued elsewhere, both Macabéa and her boyfriend Olímpio de Jesus (family name given to those who do not have a father), are in fact the heirs of the people of the backlands, those sertanejos that Euclides da Cunha describes in his 1902 Os sertões when he says that “the man of the backlands is, above all, strong” (CUNHA, 1987, p. 81). This association is clear in the text, when Lispector writes that the man of the backlands is, above all, patient (LISPECTOR, 1984, p. 75)4. The subject of Macabéa’s name has attracted other critical readings. For instance, in her doctoral dissertation, Flávia Trocoli mentions the relationship with the Maccabeus of the Bible, but she finds other connections: No próprio nome, Macabéa, a evocação da morte. Nome que foi dado por uma promessa que a mãe fizera a Nossa Senhora da Boa Morte caso a filha, que nascera quase morta, vingasse. Lembremos que macchabée, em francês, significa cadáver. Além da afinidade sonora entre “Macabéa” e macabra (LISPECTOR, 1984, p. 91) In the name itself, Macabéa, the evocation of death. This name was given as a promise the mother had made to our Lady of the Good Death in case the daughter, who had been born almost dead, survived. We should also remember macchabée, in French, means corpse. And, finally, there is the sonorous affinity between “Macabéa” and “macabre.”

Akaky Akakyevich’s name is also complex. In “Gogol’s ‘The overcoat’: the meanings of a downfall,” Victor Brombert writes that, even though the name can be seen as an indication of continuation, since it is the same as his father’s name, the repetition of the syllable “kak” “like” (tak kak = “just as”)–embeds the principle of sameness in Akaky’s name, determining, it would seem, his single-minded, lifelong activity of copying and implicit condemnation to sameness (BROMBERT, 2001, p. 26).


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The life of sameness, spent in copying documents others had written, is not necessarily a condemnation for Akaky, for whom his work is “a labour of love to him” (GOGOL, 1957, p. 237). Indeed, as Brombert points out, this “labor of love” can also be another element of the name, since “Akaky” can be seen as a reference to “Acacius,” “a holy monk of Sinai” (BROMBERT, 2001, p. 26)5. Therefore, Akaky’s copying can relate to the task given to the monks–to copy manuscripts–in a life of self denial and of dedication to the preservation of the holy text, even at the cost of great sacrifices. The sacrifice for Akaky is the mockery his fellow clerks submit him to. They do not understand the sacredness of his task, so they simply mock him. Here, once again, as Brombert correctly remarks, Akaky’s name can explain the one exception among his colleagues, the young man who had only recently been appointed to the department and who, following the example of the others, tried to have some fun at his expense, stopped abruptly at Akaky’s mild expostulation, as though stabbed through the heart; and since then everything seemed to have changed in him and he saw everything in quite a different light (GOGOL, 1957, p. 236).

From that point on, he never makes fun of Akaky anymore, because he has gone through a “revelation” of Akaky’s saintliness6. Indeed, if his life can be considered saintly, in a comparison with Macabéa we can see that both characters lead ascetic lives. But there is a point that needs to be stressed in terms of any possible saintliness: Macabéa’s and Akaky’s lives cannot be seen as examples of renunciation, since their poverty and loneliness are not the result of choice. Both are poor as a result of socioeconomic and historical conditions, and not of a desire to achieve saintliness. What makes the beginning of their life one that resembles saintliness is the fact that neither rebels against life; neither declaims against the heavens.

Another aspect of Akaky’s appearance that suggests his relationship with a monastic figure is the “bald patch” on his head, reminiscent of the tonsure medieval clerics used. William H. W. Fanning writes in the Catholic Encyclopedia that the tonsure is “a sacred rite instituted by the Church by which a baptized and confirmed Christian is received into the clerical order by the shearing of his hair and the investment with the surplice. The person thus tonsured becomes a partaker of the common privileges and obligations of the clerical state and is prepared for the reception of orders. The tonsure itself is not an ordination properly so called, nor a true order. It is rather a simple ascription of a person to the Divine service in such things as are common to all clerics.” 5

Brombert goes on to discuss “The overcoat” as a possible parody of hagiography, p. 2628. 6


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But, as we see, each is tempted in a special way, and each falls in similar ways. There is, however, an important difference in their respective lives: Macabéa shares a room with four other young women who work as clerks in the Lojas Americanas, whereas Akaky has his own room in a house whose landlady is “an old woman of seventy,” and who, his fellow clerks joke, beat him up (GOGOL, 1957, p. 236). So, we can say that, even though both are equally poor, there are some advantages for Akaky, who at least has his own, private room where he can, in a sense, indulge in his greatest pleasure, to copy. In turn, Macabéa is not close to her roommates, themselves exploited workers who return home too tired to even wake up when Macabéa coughs at night (LISPECTOR, 1984, p. 39).The only advantage Macabéa has in having roommates is that she can borrow a radio from one of them, Maria da Penha, and in the early mornings she turns it on “very very low, so that the others wouldn’t wake up…on Rádio Relógio, which provided ‘the correct time and culture’” (LISPECTOR, 1984, p. 45). We can pause here and ask what the real advantage of sharing a living space with somebody else is. Primarily, of course, it is to have company. And, as it follows, it is also to have a sense of friendship and comfort with fellow human beings. But, as the text says, even though Macabéa shares a room with other young women, she lives alone and has no friends. Akaky, who lives in a landlady’s house, does not seem to have much contact with her. Indeed, after work, whereas “every Civil Servant is hastening to enjoy as best he can the remaining hours of his leisure… doing his best to enjoy himself, Akaky Akakyevich made no attempt to woo the fair goddess of mirth and jollity” (GOGOL, 1957, p. 239). In sum, although Macabéa lives with other women in the same room, she is always alone. And although Akaky lives in a house that has a landlady, he too spends his time completely alone. The only remaining space where both of them can have contact with other human beings is their place of work. But what kind of workers are they?


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Macabéa, “typist and virgin”, works in a Rio de Janeiro office with Glória, the stenographer, and with Mr. Raimundo Silveira, the boss. But Macabéa is incompetent, and Mr. Raimundo informs her, in a manner, that she will be fired because “she made too many mistakes in her typing, besides always getting the paper dirty” (LISPECTOR, 1984, p. 31). However, when she hears this news, Macabéa speaks “with great ceremony to her beloved boss: —‘Please forgive me for bothering you’” (LISPECTOR, 1984, p. 32). Surprised by the unexpected delicateness in the voice of the typist, Mr. Raimundo looks at her again and, with less rudeness, says, “Well, you might not be fired right away. It might take a long time” (LISPECTOR, 1984, p. 32). Akaky, in turn, is competent in copying, and his work is “a labor of love to him” (GOGOL, 1957, p. 237). Why does he not obtain a better position in his job? As the narrator informs us, Akaky’s evident care in and enjoyment of his work once called the attention of a kind director, who, in an attempt to reward Akaky for his long service, ordered him to do a less mechanical kind of work and to prepare a report for another department of an already concluded case.[...] This, however, gave [Akaky] so much trouble that he was bathed in perspiration and kept mopping his forehead until at last he said, “No, I can’t do it. You’d better give me something to copy” (GOGOL, 1957, p. 237).

In sum, even though they are not brilliant workers, both Akaky and Macabéa provoke in their immediate superiors something that, if it is not respect, is at least pity, and both continue in their jobs. If the relationship with the superiors provokes a mixture of contempt and pity, how do Macabéa and Akaky respectively relate with their fellow workers? Since both seem to not represent a threat to anyone, and indeed remain at the bottom of the ladder, it might be the case that they get along well with everybody. But the matter is


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“Carioca”–as we Brazilians know well, but others might not–is the patronymic for people born in the city of Rio de Janeiro. 7

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not so simple in either case. For Macabéa, the relationship with Glória shows that the two of them come from different classes and different cultures. Just like the women who share the common room with Macabéa, Glória is not her friend. Their differences are also physical: whereas Macabéa “barely has a body” (LISPECTOR, 1984, p. 19), “plump, white and warm” Glória is a “carioca da gema”– “pure carioca”7–who dyes her hair blonde, eats well, and has a family. It is no wonder that Macabéa’s “boyfriend,” Olímpio, dumps her for Glória once he sets eye on her because he knows that “she would give him honey and ample flesh” (LISPECTOR, 1984, p. 75). But Macabéa does not resent Glória who, after all, is her colleague, gives her aspirins, and in whom she provokes “a vague sense of motherhood” (LISPECTOR, 1984, p. 73). In fact, trying to compensate her for the theft of her boyfriend, Glória even invites Macabéa to her house. But as a result of the visit, Macabéa gets sick, not sure whether it was because her liver was affected by “the real chocolate she drank, or because she had been so nervous from drinking rich people’s things” (LISPECTOR, 1984, p. 76). As for Akaky, “the young clerks laughed and cracked jokes about him…told stories about him in his presence… showered bits of torn paper on his head and called them snow” (GOGOL, 1957, p. 236). But “it was only when somebody jogged his arm and so interfered with his work, that he would say, ‘Leave me alone, gentlemen. Why do you pester me?’” (GOGOL, 1957, p. 236). As we saw previously, only one of these young clerks becomes so moved by Akaky’s “mild expostulation” that he never bothers the clerk anymore, and indeed, even the memory of the “shortish Civil Servant with the bald patch on his head, uttering those pathetic words, ‘Leave me alone! Why do you pester me?’ … he seemed to hear others: ‘I am your brother” (GOGOL, 1957, p. 236). However, because it is through their colleagues that both Akaky and Macabéa relate to the world in a more expansive way, it is also through them that each ventures outside his or her


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simplified, repetitive life. It is this “venturing out” that provokes their undoing. And yet, the most immediate relationship the characters have is with the ever-present narrator. As we see, both Rodrigo S. M. and the unnamed narrator of “The overcoat” become the medium through which the characters see the world. Taking the narrative voice in “The overcoat” as a starting point, we can see that there are some similarities between this voice and the protagonist. As Rachel May writes, when the narrator says “You must know” that Akaky Akakyevich “expresses himself in prepositions, adverbs, and finally, the kinds of particles of speech that have positively no meaning whatsoever,” the narrator is establishing the insignificance of the character, and also, by the use of the unnecessary phrase “you must know,” the narrator identifies with Akaky (MAY, 1994, p. 57). And, indeed, as May goes on to demonstrate, “the narrator uses an abundance of fillers (you must know, for the most part; and, finally; positively; whatsoever)” (MAY, 1994, p. 57). Rodrigo S. M., the narrator of A hora da estrela, seems to be doing something quite similar, equating himself to his creature from the very beginning: The truth is that on a street of Rio de Janeiro I happened to see briefly the air of helplessness in the face of a girl from the Northeast. Without mentioning that when I was a child I lived in the Northeast (LISPECTOR, 1984, p. 18).

From this first and important connection, Rodrigo too, like the narrator of “The overcoat”, lines up others: neither he nor Macabéa begs (LISPECTOR, 1984, p. 19; 37), and, further, he reflects: Are there thousands like her? Yes, and they are just a fortuity. Come to think of it, who is not a fortuity in life? As for myself, I only avoid being a fortuity because I write, and that is an act that is a fact (LISPECTOR, 1984, p. 44).


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Considering that Macabéa is a typist and also writes, she too is somebody for the same reason the narrator is somebody. On the same page, Rodrigo says that Macabéa never thought “I am myself,” and further ahead he explains that, “Yes, it is true, sometimes I too think that I am not myself” (LISPECTOR, 1984, p. 44). And, later, even in the most basic element of life, breathing, the two can be equated. The narrator says that Macabéa “only lives, inhaling and exhaling, inhaling and exhaling. Actually, who needs more than this?” (LISPECTOR, 1984, p. 44). Later, referring to himself, he says, “About me, the only thing that is known is that I breathe” (LISPECTOR, 1984, p. 47).

The Ukraine had fallen under the power of the Russian empire in 1654, when it had to ask for protection from invasions from Turkey and Poland. Although in the early Eighteenth Century Hetman Ivan Mazepa tried to free the country from Russia, the attempt failed. Indeed, only on August 24, 1991, proclaimed its independence. 8

http://www.wumag. kiev.ua/index2. php?param=pgs20033/52, accessed February 13, 2009. 9

Of course, one can ask, at this point, what led the writers to create these narrators and characters who have so much in common with each other? Can it be that, in a sense, the writers see themselves in their creations and infuse them with their own reflections and anxieties? As we know from biographical information, Clarice Lispector was raised in the Northeast of Brazil, more precisely in Alagoas, where the Lispector family first landed after their long journey from Russia. And she, too, like Macabéa, came to live in Rio de Janeiro in her teenage years. How about Gogol? Maybe the fact that he, too, was an outsider explains how we can connect his character’s alienation to his own. Coincidentally, Gogol, like Lispector, was born not in the big city where his character lives, but in the Ukraine. But how different could the Ukraine be from Russia, since they were all part of the same empire? Indeed, without trying to review the history of Russia and its neighboring countries, suffice it to say that the Ukraine, at the time Gogol lived, was a less-than-willing part of the Russian empire8. As an intellectual “from the province,” Gogol had to renounce his language, but, as the site “Welcome to the Ukraine” says, “his whole life was, to a certain extent, a spiritual resistance”9. As the Ukrainian site informs [us], in his letters to his close friend, Mykhaylo Maksymovych, Gogol wrote, “Let’s get the hell out of this Katsapiya [Ukrainian derogatory term for Russia– tr.] and


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go back to Kyiv… Who are we working for here?”10. This way, it is possible to say that Akaky Akakyevich, a lonely outsider, embodies one of the possible faces of Gogol himself in his alienation from the prevailing Russian culture, the same way that Macabéa, the girl from the Northeast, with the name of a Jewish fighter, can also be seen as a representative of the writer Clarice Lispector11. And yet, no matter how much each of the writers can be associated with the protagonists, the stories have an internal logic whereby these same characters will be tempted, tested, and punished. But, since both stories attempt to be realistic depictions of the lives or the characters, the narrative has to find ways to propose the temptation and its dénouement in a way that they are believable. As the narrator of “The overcoat” says: So passed the peaceful life of a man who knew how to be content with his lot on a salary of four hundred roubles a year; and it might have flowed on as happily to a ripe old age, were it not for the various calamities which beset the lives not only of titular, but also of privy, actual, court and other councilors, even those who give no counsel to any man, not take any from anyone, either (GOGOL, 1957, p. 240).

As we have seen, the calamity that befalls Akaky Akakyevitch is St. Petersburg’s northern frost, against which his coat cannot protect him anymore. So he takes the coat to the tailor Petrovich who, “in spite of the disadvantage of having only one eye and pock marks all over his face, carried on a rather successful trade in mending the trousers and frock-coats of government clerks and other gentlemen” (GOGOL, 1957, p. 241). Petrovich, we read, lives “somewhere on the fourth floor up some back stairs,” the stairs leading to his flat “soaked with water and slops and saturated with a strong spirituous smell which irritates the eyes” (GOGOL, 1957, p. 242).

10

Same page as above.

Every writing makes a statement, every writer writes from a personal space. As writers who know they are members of a minority placed in a subaltern position, in these two texts both Lispector and Gogol–I believe–use the fictional space to express the deep feelings about the condition 11


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On the fateful day Akaky goes to visit Petrovich to ask him to fix his coat once again, the whole scene evokes a mysterious, fetid, smoky world that is frightening. Indeed, referring to Dmitry Chizhevsky’s stressing that the devil makes an appearance in “The overcoat,” Victor Brombert writes that “the tailor who tempts Akaky into buying the coat” has “diabolic earmarks” (BROMBERT, 2001, p. 28), exacting an exorbitant price from Akaky. Indeed, all about Grigory Petrovich is suspiciously dark, including the wife who does not wear a kerchief, but a bonnet, which caused so much fear that “only guardsmen were ever known to peer under her bonnet when meeting her in the street, twitching their moustaches and emitting a curious kind of grunt at the same time” (GOGOL, 1957, p. 241). As already disclosed, Akaky saves for a long time in order to pay for the new overcoat. Even though he needed the coat in order to protect himself from the cold, he still feels it is an excess, and he knows that there is a price for this luxury. Hence, it is not too much for him to almost starve for so long, thinking everything will be paid up when he gives Petrovich the money and takes the overcoat to his house. He does not foresee, however, either what the effect the overcoat will have on his colleagues and on the way they see him, or the effect the overcoat will have on himself. Macabéa is tempted in a different way, but the same “diabolic earmarks” that occur in “The Overcoat” are present in Lispector’s text too. First, we learn that Glória has gone to a fortune teller to “break a bad spell,” and that she reports that it has helped her obtain Olímpio. Then she tells Macabéa that she should go too, even offering to lend her money. The moment Macabéa decides to accept the money to engage in the audacity of trying to look into her future marks the beginning of her several “sins”: she lies to the boss, saying she needs to miss work because she has a toothache, accepts Glória’s money and decides to spend it carelessly because it is not hers, and for the first time in her life she takes a taxi, using money that is not hers.


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In Madama Carlota’s house, everything surprises Macabéa, who sees the plastic flowers, sofas, and armchairs in the little lobby as luxury. When she finally is allowed in the room to see the fortune teller, Madama Carlota herself is presented as the personification of something suspiciously inhuman, since she “looked like a big half-broken china doll” (LISPECTOR, 1984, p. 83). Stunned with so many wonderful things, so many demonstrations of affection, and so many words used by Madama Carlota, Macabéa follows the fortune teller’s self-aggrandizing speech without a complaint. When Madama Carlota tells her to “cut” the card pile, Macabéa realizes that, for the first time, she is going to have a destiny. This is the moment in which, having decided to pick up the apple from the tree, Eve/Macabéa contemplates–even if for a split second–what was before and what will be from that point on: knowledge. This knowledge does not come without pain: Madama Carlota reveals that her life has been bad. “What a horrible life you’ve had!” Madama Carlota exclaims, then informs her that “[a]s for the present, dearie, it is also awful. You are going to lose your job, and already lost the boyfriend, poor little you” (LISPECTOR, 1984, p. 87). But at this very moment, something really important happens, because, “at this moment (explosion) something suddenly happened: the madama’s face lit up, all illuminated” (LISPECTOR, 1984, p. 87). This is the moment of the highest temptation for Macabéa. After being made to see that the life she has led up to this moment is horrible, the fortune teller, not coincidentally all bright and lit up after an explosion, tells her about the wonderful future that waits for her and she thinks that “Jesus is finally paying attention to her” (LISPECTOR, 1984, p. 87). She believes everything Madama Carlota tells her, forgets Olímpio, and leaves the house ready to meet her wonderful destiny: Macabéa was a bit stunned, without knowing if she would cross the street, since her life was already changed. And


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changed by words–since Moses’ time it is known that the word is divine. Even to cross the street she was already another person. A person pregnant with future (LISPECTOR, 1984, p. 90).

This passage recalls the moment Akaky Akakyevich, after the first night out, returning from his colleague’s party, sets off to go back to his house: It was still light in the street. […] Akaky walked along feeling very happy and even set off running after some lady (goodness knows why) who passed him like a streak of lightning, every part of her body in violent motion (GOGOL, 1957, p. 256).

It is clear in both passages that Macabéa, now in love with the foreigner Madama Carlota mentioned, and Akaky, flustered with the joy emanating from his overcoat, lose contact with their realities, and want for more than is their lot. The punishment, when it comes, is total: Macabéa is hit by a car driven by a foreigner and is thrown in the air, hitting her head on the sidewalk. Akaky loses his precious overcoat to two men who “gave him a kick that sent him sprawling on the snow” (GOGOL, 1957, p. 257). Both characters eventually die, but not right away. The way the narrators resolve the matter is different, but a deeper relationship between the two stories resides in the details the narrator ... As soon as Macabéa is hit by the Mercedes “on that very instant, in some unique place in the world a horse responded raising itself on hind legs and laughed neighing” (LISPECTOR, 1984, p. 90). What can Lispector possibly mean by this sentence? Is she implying that the misfortune of Macabéa will provoke the happiness of a strong, male animal? Is she proposing some kind of interrelationship in a quantum level? We cannot know for sure, unless we observe closely the text following this scene.


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As soon as Macabéa hits her head against the sidewalk, she “saw among the stones of the sewer the thin grass of the most delicate hue of human hope” (LISPECTOR, 1984, p. 91). The narrator had already equated Macabéa with grass earlier (LISPECTOR, 1984, p. 35), and, once again, says that “she was subterranean and had never flowered. I lie: she was grass” (LISPECTOR, 1984, p. 38). Now, at the end of her life, the narrator returns to the same trope: Returning to the grass. For such an exiguous creature called Macabéa the great nature occurred only in the form of sewer grass... She stared, just for staring, at the grass. The grass in the big City of Rio de Janeiro (LISPECTOR, 1984, p. 91).

At the moment of Macabéa’s death, the narrator wants to show that, even though close to the sewer, even though humble–exiguous–this life continues, in spite of the hunger, the hopelessness. This same grass–thin and close to the sewer–needs very little to survive, therefore it lives everywhere. Macabéa, because she is grass once again, is shown as one among thousands like her. In the description of Akaky’s death, there is a split in the story. First, the description of his illness is very straightforward. After his mistreatment at the hands of the Very Important Person, he staggers home. When a doctor is summoned to see him, he tells the landlady to order a coffin for Akaky. It is not clear whether Akaky hears the words, “and, if he did hear them, did they produce a shattering effect upon him?” (GOGOL, 1957, p. 264-265). After a delirious time in which visions of the tailor and of the Very Important Person become mixed up: he raved on and no sense could be made of his words, except that it was quite evident that his incoherent words and thoughts all revolved about one and the same overcoat. At length poor Akaky Akakyevich gave up the ghost (GOGOL, 1957, p. 265).


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At this point, the narrator provides a side-bar conversation with the reader: Who finally came into all his property, goodness only knows, and I must confess that the author of this story was not sufficiently interested to find out. Akaky Akakyevich was taken to the cemetery and buried. And St. Petersburg carried on without Akaky, as though he had never lived there (GOGOL, 1957, p. 265).

It seems that this is the end of Akaky, and he will never be heard of again. But the story takes a different, fantastic turn when “rumors suddenly spread all over St. Petersburg that a ghost in the shape of a Government clerk had begun appearing near Kalinkin Bridge and much farther afield” (GOGOL, 1957, p. 266). Indeed, the “ghost” even goes after the Very Important Person one night when he drank a few glasses of champagne with his friends, and is going to see his mistress (GOGOL, 1957, p. 269). In the snowy night, feeling very pleased, the Very Important Person “felt that somebody seized him very firmly by the collar. Turning around, he saw a small-sized man in an old, threadbare Civil Service uniform, and it was not without horror that he recognized Akaky Akakyevich” (GOGOL, 1957, p. 269270). Was the ghost really Akaky Akakyevich? Are we to side with the critics who say that the fantastic ending of the story provides “poetic justice” to Akaky Akakyevich? Edward Proffitt refers to Leon Stilman, to Victor Erlich, and to Charles Bernheimer as examples of critics who say that in the fantastic aspect of the end of “The overcoat” there is the aspect of “poetic justice” in the fact that the ghost appears in the nights of St. Petersburg trying to steal coats off people’s back. Proffitt remarks that: To be sure, Mr. Berheimer’s “aptly” suggests that he holds such justice to be illusory with respect to Gogol’s story. But I would go much further: there is not even a specter of it in the tale itself (PROFFITT, 1977, p. 37).


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As he goes on to demonstrate, in each of the episodes in which the “ghost” appears, there are circumstances indicating that people have been affected by the “rumors” in the town, and that even the episode in which the Very Important Person is “attacked” by the ghost, the man was clearly inebriated, and could not be sure of what he saw. As Proffitt sees it: We are trapped by the conventionality of our own conventions. This Gogol conveys dramatically. He wishes us to desire poetic justice, indeed, to find it momentarily. But then we must see that the text does not allow for it, and in so seeing, feel how mere convention keeps us from reality. Should we persist in our superimposing, well the joke is on us (PROFFITT, 1977, p. 37).

Indeed, even if we desire poetic justice–and I believe that is something the writer leads the reader to–the story ultimately denies it. The fact is that Akaky Akakyevich dies, hallucinating about the Very Important Person, and the blow of the theft of his overcoat. But, in a sense, by leading the reader to desire “poetic justice,” is the writer not inciting in the reader precisely what the story wants to propose? Is it not true that the injustice committed against a poor, friendless, humble clerk reflects badly on everyone and on the system that gives so much power to people like the Very Important Person? Any reader, whether or not aware of the literary conventions, will be moved by the destiny of Akaky, the same way that a person reading Lispector’s text will be moved by the destiny of Macabéa. And here, I think, resides the genius of both texts. Even though the narrator may not want to admit it– Rodrigo S. M. confesses repeated times that narrating the story costs him a lot, and the unnamed narrator of “The overcoat” purposefully provides a sense of “poetic justice” by narrating the “rumors”–both give us a clue to something


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that may go beyond the text, landing themselves in the real world where people like Akaky and Macabéa live. Of course, in the case of “The overcoat,” taking into consideration that the “ghosts” end up taking the overcoat off the backs of all kinds of people, the fact is that the ruling class, or at least the class to which the Very Important Person belongs, will be on the lookout, because it knows that it is guilty. The “ghost” of Akaky, whether it is merely a figment of the Very Important Person’s imagination or not, provokes one verifiable result: the “incident made a deep impression upon the Very Important Person. It was not so frequently now that his subordinates heard him say, “How dare you, sir? Do you realize who you’re talking to, sir?” (GOGOL, 1957, p. 270-271). Of course, the transformation is not complete, because the system of privilege, as presented in the story, is a long-established one. That explains the not-complete eradication of the arrogant and imposing manner. But some progress is made because, as the text says, “if [the Very Important Person] did say so, it was only after he had heard what it was all about” (GOGOL, 1957, p. 271). As for Macabéa, what difference does her existence make? In terms of the narrative, her death attracts the attention of those people who do not usually even see her. But, in terms of what the text does, it achieves something much wider: an awareness of what Lispector, in a 1977 interview says that he story is about, “inocência pisada,” “innocence stepped on.” This awareness, in itself, is for the writer to propose, but for the reader to act on. How can this be accomplished? Early in the narrative, as he is setting up his story, Rodrigo says that he is tempted to use “splendid adjectives, fleshy nouns, and such thin verbs that they cross the air into action, since the word is action” (LISPECTOR, 1984, p. 15). Lispector, by acknowledging the temptation of the elaborate language and renouncing it in favor of a simple tale in which all readers can see the reflection of a reality of Brazil, means that her action in the world is


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accomplished through her word, her art. With the story of Macabéa, she is saying that, even at the moment of her death, after Macabéa hits her head on the sidewalk, having been run over by a car whose owner does not even stop to see what he has done, there springs From her head a thread of a blood unexpectedly red and rich. And that meant that, in spite of everything, she belonged to a resistant, stubborn dwarf race that one day is going to demand the right to scream (LISPECTOR, 1984, p. 90-91).

How can this “race” demand the right to scream? If Lispector is indeed equating herself–after all, she was raised in the Northeast–with the character, her scream is this novel, the most overtly political of her career. If we return to “The overcoat” and ask the same question, the answer is physical and also metaphoric. After the episode of the Very Important Person’s encounter with the Civil Servant’s ghost, it completely ceased to appear (GOGOL, 1957, p. 271). But the effects continued, the text says, until one night, a policeman follows the ghost in the dark until, at last, it suddenly looked round and, stopping dead in its tracks, asked, “What do you want?” at the same time displaying a fist of a size that was never seen among the living (GOGOL, 1957, p. 271).

The enormous fist imagined by Gogol in 1841, displayed to the abusive policeman in St. Petersburg, dialogues directly with the sentence Lispector wrote more than a century later. The dwarf race, stubborn, resistant, continues to exist. It is the race of the subalterns, of the persecuted, of those who are humiliated. But, as Lispector tells us, one day this race is going to demand the right to be heard, and respected. With his short story, Gogol utters his scream, which is repeated in Lispector’s novel. That is how writers act. Words are, after all, actions.


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Memória e narrativa: uma análise de cronotopos em Os Maias e Terra sonâmbula Celdon Fritzen*

resumo:

O objetivo deste artigo é analisar, por meio da noção bakhtiniana de cronotopo, as narrativas “Os Maias”, de Eça de Queirós, e “Terra sonâmbula”, de Mia Couto. O cronotopo abordado em “Os Maias” foi a casa dos Olivais, espaço ao mesmo tempo acolhedor dos encontros incestuosos e dos bricabraques adquiridos por Carlos da Maia. Ali, a tradição e a memória que se inscreveram nas obras dos homens colecionadas perderiam seu significado, porque obscurecidas pelo valor de mercadoria ostentatória. Já em “Terra sonâmbula”, o cronotopo essencial é a estrada, que, à semelhança da casa dos Olivais, seria uma leitura do tempo histórico também. Contudo, numa outra direção, pois reencontrar o outro é o processo que os personagens desenvolverão com a leitura dos cadernos de Kindzu. palavras - chave :

narrativa; memória; cronotopo; Eça de Queirós; Mia Couto. abstract: The aim of this paper is to analyze through Bakhtin’s

Professor do Departamento de Língua e Literatura Vernácula da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). *

notion of chronotopes the narratives “Os Maias” (Eça de Queirós) and “Terra sonâmbula” (Mia Couto). The chrononope analyzed in “Os Maias” was the house of olive trees, where Carlos Maias’s incestuous meetings took place and his bric-abrac collection was kept. There, the tradition and the memory inscribed on men’s collected works lost their meaning because they were obscured by the value of snobbish merchandise. In “Terra sonâmbula” the essential chronotope is the road which, as the house of olive trees, would be a reading of historical time. But in another direction, because meeting the other once more is the process the characters will develop while reading Kindzu’s notebooks.


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narrative; memory; chronotope; Eça de Queirós;

Mia Couto.

Introdução O objetivo deste artigo é analisar, por meio da noção bakhtiniana de cronotopo, as narrativas Os Maias, de Eça de Queirós, e Terra sonâmbula, de Mia Couto. O cronotopo abordado em Os Maias será a casa dos Olivais, espaço ao mesmo tempo acolhedor dos encontros incestuosos dos irmãos Maia e da coleção de bricabraques adquirida por Carlos da Maia. Tratar-se-ia de explorar aí uma forma de temporalidade que se torna fragmentação, extravio da relação com o outro. Depois, em Terra sonâmbula, o cronotopo considerado essencial para a análise será a estrada, que, à semelhança da casa dos Olivais, seria também uma leitura do tempo histórico. Contudo, numa outra direção, pois ali a narrativa cumpriria o papel de dar sentido a um mundo esvaziado dele. A narrativa seria a ponte, portanto, para a construção da identidade, memória e esperança em Terra sonâmbula.

Os Maias Em Os Maias, de Eça de Queirós, chama atenção ao leitor atento o espaço em que ocorrem os ainda inconscientes encontros incestuosos de Carlos da Maia e Maria Eduarda. Na Quinta dos Olivais, recanto construído pelo personagem inglês Craft e adquirido pelo protagonista do romance, espraiam-se antiguidades. Mobília que agora faz parte das posses de Carlos da Maia, é em meio a ela que se realizará a primeira relação sexual com a irmã, advertida como trágica por vários elementos do cenário, como o mocho “com um ar de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos e agoirentos” (QUEIRÓS, 2008, p. 249) ou o retrato da cabeça decepada de São João Batista. Se o trágico se tornou matéria de exploração interpretativa frequente em relação a esse romance de Eça, o que nos


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interessa aqui é tratar, inicialmente, do significado que o ambiente povoado de bricabraque da casa dos Olivais pode assumir. Antes de consumar o incesto, Carlos da Maia conduz Maria Eduarda, não sem certa excitação de possuidor, até a sala onde se encontram as preciosidades compradas de Craft. A reação dela é a de passear em um sombrio museu: caminhando devagar entre essas coisas do passado, de uma beleza fria, e exalando a indefinida tristeza de um luxo morto: finos móveis da Renascença italiana, exibindo os seus palácios de mármore, com embutidos de cornalina e ágata, que punham um brilho suave, de jóia, sobre a negrura dos ébanos ou o cetim das madeiras cor-de-rosa; cofres nupciais, longos como baús, onde se guardavam os presentes dos Papas e dos Príncipes, pintados a púrpura e oiro, com graças de miniatura; contadores espanhóis empertigados, revestidos de ferro brunido e de veludo vermelho, e com interiores misteriosos, em forma de capela, cheios de nichos, de claustros de tartaruga... Aqui e além, sobre a pintura verde-escura das paredes, resplandecia uma colcha de cetim, toda recamada de flores e de aves de oiro; ou sobre um bocado de tapete do Oriente, de tons severos, com versículos do Alcorão, desdobrava-se a pastoral gentil de um minuete em Citera sobre a seda de um leque aberto... Maria Eduarda terminou por se sentar, cansada, numa poltrona Luís XV, ampla e nobre, feita para a majestade das anquinhas, recoberta de tapeçarias de Beauvais, donde parecia exalar-se ainda um vago aroma de empoado. Carlos triunfava, vendo a admiração de Maria. Então, ainda considerava uma extravagância aquela compra, feita num rasgo de entusiasmo? (QUEIRÓS, 2008, p. 249)

O que se pode observar no ar de triunfo de Carlos, além do exercício de poder do janota, é a sensação de ser dono da tradição, de apossar-se de um passado construído pela humanidade e depositado naquele diversificado conjunto de objetos que se davam ao olhar: ecos de feitos, épocas, culturas, afetos que se lançavam da memória universal


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até se acomodarem, dóceis, ao grande herdeiro possuidor de seu segredo. Advindos de uma vasta dispersão espaçotemporal, quando da sua justaposição, apresentam-se como um troféu para a percepção sensível e econômica de Carlos da Maia, capaz de reunir, das ruínas de épocas e povos, a relevância estética que melhor os representou e dela se apoderar. Contudo, essa posse parece ser antes um capricho que uma avaliação da importância e significado dos objetos como mensageiros de memórias e experiências de alteridade. Tanto que, respondendo ao desconforto de Maria Eduarda de viver em meio a tantas raridades, Carlos exclama: “Não diga isso que eu pego fogo a tudo!” (QUEIRÓS, 2008, p. 250). É possível contrapor o acervo comprado de Craft e exposto aos olhos da amante-irmã ao significado da paixão do colecionador para Walter Benjamin. Respondendo àqueles que percebiam na história uma sucessão linear que culminaria no presente burguês ou na necessária sociedade comunista-proletária, Benjamin propõe uma visão distinta, segundo a qual o passado deve ser lido de modo a fazerlhe emergir as possibilidades revolucionárias que foram caladas pela perspectiva utilitária do capitalismo. Reencontrar no passado, nas suas franjas, nos seus escombros, no aparente lixo, elementos carregados de significação capazes de repovoar de sonho o presente assolado por uma barbárie presente e/ou eminente, reatar por meio do aparentemente sem valor uma perspectiva redentora são os móveis da paixão do colecionador, segundo Benjamin, e que faziam o próprio ter, por exemplo, tanto interesse por velhos livros infantis e brinquedos: “Mas quando um poeta moderno diz que para cada um existe uma imagem em cuja contemplação o mundo inteiro submerge, para quantas pessoas essa imagem não se levanta de uma velha caixa de brinquedos?” (BENJAMIN, 2002, p. 102). O colecionador resiste à barbárie massificadora e utilitária do mundo moderno contrapondo-lhe o resgate do próprio lixo que ela produziu em seu trajeto uniformizante, convencido


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de que, nos detritos da história, “o passado traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção” (BENJAMIN, 1994, p. 223). Nessa perspectiva revolucionária que o trabalho do colecionador revela, obrando pela ativação de uma memória inconformada que jaz nas ruínas que o progresso, a globalização, a uniformização da vida produziram sobre as tradições, é que, em princípio, poderíamos também localizar o empenho de Carlos da Maia. Seu intento de modernizar Portugal, de estabelecer ponte com o brio de uma raça heroica que o presente ignóbil e frouxo fez empalidecer é o intento do médico e intelectual que inicia as atividades em Lisboa. Aos poucos é devorado pela mesma frouxidão e inércia que observa na gente nacional. Aí entra paulatinamente em ação o janota curioso de bricabraques e bibelôs, modismo importado e sintoma de refinamento moderno. Lembre-se ainda que a impressão de “luxo morto”, conforme referência acima à reação de Maria Eduarda, é também correspondida por Craft, o inglês que negocia com Carlos as antiguidades da casa de Olivais. Para ele, os diversos objetos reunidos na casa não constituíam uma coleção, nem pela identidade das peças, muito menos na acepção benjaminiana: Mesmo em Lisboa, não se pode chamar ao que eu tenho uma coleção. É um bricabraque de acaso... De que, de resto, me vou desfazer! Isto surpreendeu Carlos. Compreendera das palavras do Ega ser essa uma coleção formada com amor, no laborioso decurso de anos, orgulho e cuidado de uma existência de homem... Craft sorriu daquela legenda. A verdade era que só em 1872 ele começara a interessar-se pelo bricabraque; chegava então da América do Sul; e o que fora comprando, descobrindo aqui e além, acumulara-o nessa casa dos Olivais, alugada então por fantasia, uma manhã que aquele pardieiro, com o seu bocado de quintal em redor, lhe parecera pitoresco, sob o sol de Abril. Mas agora, se pudesse desfazer-se do que tinha, ia dedicar-se


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então a formar uma coleção homogênea e compacta de arte do século XVIII (QUEIRÓS, 2008, p. 89).

A impressão de Carlos não deixa de tangenciar a compreensão da paixão do colecionador que Benjamin defende: “coleção formada com amor, no laborioso decurso de anos, orgulho e cuidado de uma existência de homem”. Contudo, o tangenciamento ocorre a partir de uma ótica individualista, para a qual os objetos do passado se prestam como ostentação, luxo, não como memória coletiva, leitura “a contrapelo da história” a fim de gerar projetos de contestação da ordem social estabelecida. Mesmo João da Ega, um personagem crítico do bricabraque cultivado pelos refinados amigos, não age assim em função da ruptura com o passado que tal perspectiva histórica provoca, mas pela inserção com o presente que o espírito democrático da época exigiria, o que não é retratado sem ironia pelo narrador: – Eu [...] não tolero o bibelot, o bricabraque, a cadeira arqueológica, essas mobílias de arte... Que diabo, móvel deve estar em harmonia com a idéia e o sentir do homem que o usa! Eu não penso, nem sinto como um cavaleiro do século XVI, para que me hei-de cercar de coisas do século XVI? Cada século tem o seu gênio próprio e a sua atitude própria. O século XIX concebeu a Democracia e a sua atitude é esta... – E enterrando-se de estalo numa poltrona, espetou as pernas magras para o ar. – Ora esta atitude é impossível num escabelo do tempo do Prior do Crato. Menino, toca a beber o champanhe (QUEIRÓS, 2008, p. 85).

Manifestação passageira e de crítica questionável a de João da Ega, o bricabraque muito mais sugeriria em Os Maias a ruptura com as metanarrativas organizadoras do tempo histórico (LYOTARD, 1998). Atitude de desconfiança característica da posição crítica da pósmodernidade, o romance de Eça não deixa de anunciá-la aos leitores contemporâneos. Todavia, ele o faz também situando as consequências a que o fim do projeto de eman-


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cipação da modernidade joga o homem: num mundo em que o ecletismo, o pastiche, o conformismo assumiram lugar determinante na cultura massificada e globalizada, em que a tradição agoniza (PERRONE-MOISÉS, 1998). Afinal, esse é o cenário da casa dos Olivais: num ambiente formado por raridades dos mais diversos tempos e lugares, e organizada para o deleite esnobe, portanto destituída de ressurreição do passado em prol da compreensão crítica do presente proposta por Benjamin, é a possibilidade de futuro, de continuidade que se vê ameaçada. Tanto que o ambiente que recolhe os refinados signos culturais da civilização torna-se a Toca, nome escolhido pelo casal para a Quinta dos Olivais, indício suave da monstruosidade que virá atormentar os envolvidos e que preside o cenário do bricabraque: Só um instante mais – exclamou Carlos vendo-a outra vez sentar-se – é necessário saudar o gênio tutelar da casa! Era ao centro, sobre uma larga peanha, um ídolo japonês de bronze, um deus bestial, nu, pelado, obeso, de papeira, faceto e banhado de riso, com o ventre ovante, distendido na indigestão de todo um universo – e as duas perninhas bambas, moles e flácidas como as peles mortas de um feto. E este monstro triunfava, enganchado sobre um animal fabuloso, de pés humanos, que dobrava para a terra o pescoço submisso, mostrando no focinho e no olho oblíquo todo o surdo ressentimento da sua humilhação... (QUEIRÓS, 2008, p. 250).

Curiosa insinuação que prevê o fim dos tempos, quando o homem não souber mais realizar o projeto que a cultura significava para os gregos ao organizar o caos e humanizar o mundo? Triunfo de um deus bestial sobre a fundação de um edifício humano que se arruinou? Memória de uma coletividade que se extraviou no desfrute individual? Mais nitidamente, o romance apresenta ironicamente o modo como Portugal é reduzido à caricatura de seu passado, assolado por personagens que buscam o prazer imediato e efêmero. Nisso, a casa dos Olivais é também uma ima-


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gem elitizada do mundo globalizado, no qual o ecletismo e o conformismo às leis de mercado terminam por reger a relação com as manifestações culturais (PERRONEMOISÉS, 1998). Ainda é importante registrar o quanto a Toca, com seus bricabraques, é um exemplo do que Bakhtin designou de cronotopo. Por meio dessa noção, o pensador russo procurou registrar a indissociabilidade de tempo e espaço nas formas narrativas. O espaço impregna-se de tempo; o tempo concretiza-se no espaço. Dessa fusão gera-se um tema, uma figuração que irradia seus efeitos sobre o enredo e os personagens. Para Bakhtin, os cronotopos são os centros organizadores dos principais acontecimentos temáticos do romance. É no cronotopo que os nós do enredo são feitos e desfeitos. Pode-se dizer francamente que a eles pertence o significado principal gerador do enredo. Ao mesmo tempo salta aos olhos o significado figurativo dos cronotopos. Neles o tempo adquire um caráter sensivelmente concreto; no cronotopo, os acontecimentos do enredo se concretizam, ganham corpo e enchem-se de sangue (BAKHTIN, 1990, p. 355).

A casa dos Olivais é um dos nós do enredo de Os Maias. Nela, ocorre o incesto nas suas formas consciente e inconsciente; incesto que se tornará a desgraça causadora da morte do patriarca e a esterilidade do futuro de Carlos da Maia, “vencido da vida”, herói de uma geração que se propunha fazer de Portugal novamente uma civilização de referência para o mundo. Se isso é o observável no plano do personagem, a casa dos Olivais, com seus bricabraques, também torna sensível uma das formas de temporalidade moderna, na qual a tradição, a memória que se inscreveu nas obras dos homens perde seu significado, torna-se o museu gélido onde passeiam os mortos cujos rostos não mais são reconhecidos, porque obscurecidos pelo valor de mercadoria ostentatória atribuído às produções estéticoculturais. Cronotopo de um Portugal cuja capacidade de


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reatar-se à força heroica de sua tradição se extinguiu; cronotopo da experiência moderna em que a memória coletiva que a arte de narrar permitiu tecer e fazer interagir se perdeu (BENJAMIN, 1994, p. 197). É relevante também, como forma de cristalizar o significado de extravio histórico do cronotopo da casa dos Olivais, comparar sua perspectiva estéril de leitura do passado com a representação espacial de Goethe e Walter Scott. Isso porque esses dois são utilizados por Bakhtin, quando deseja demonstrar a perspectiva fecunda com que o primeiro visa o passado. Diz Bakhtin que, em Goethe, o passado é uma força viva que cumpre perceber e que está representada nos cronotopos que sua literatura constituiu. Diferentemente do que ocorre em Walter Scott, que só nas últimas obras teria conseguido incorporar a plenitude do tempo histórico ao romance. Assim, o tempo, em suas primeiras obras [...], tem ainda um caráter de um passado fechado, no que se distingue do passado tal como é percebido por Goethe. O passado que W. Scott lia nas ruínas de castelos e nos detalhes de uma paisagem escocesa é desprovido de atividade criadora no presente, pertence a um mundo fechado; quanto ao presente visível, este apenas suscita a recordação do passado; o presente é o receptáculo das recordações do passado e não encerra o próprio passado em sua forma sempre viva e ativa (BAKHTIN, 2000, p. 275).

Ora, não é senão como um tempo fechado que o passado se apresenta no cronotopo da casa dos Olivais. A questão que, contudo, deve ser ponderada é que, em Os Maias, trata-se muito mais de uma determinada concepção de tempo histórico que deliberadamente é representada, que uma inabilidade em incorporar o passado na perspectiva iluminista que Bakhtin ressalta estar presente em Goethe. Diferente do que se poderia observar, por exemplo, em As cidades e as Serras, Os Maias problematiza a desconfiança moderna em relação à tradição e sucumbe


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no niilismo. Tal pessimismo não deixa de ser uma experiência que a modernidade suscitou, quando da proclamação nietzscheana de que Deus está morto. O problema maior seria tomar uma determinada concepção fragmentária do tempo histórico, desarticulada da tradição no sentido de incapaz de apropriar-se criativamente dela, como a única admissível na modernidade. Tal questão talvez possa ser complementarmente iluminada por Benjamin, quando afirma que o romance é a forma narrativa que retrata a condição de solidão do indivíduo na modernidade. Diferentemente da tradição oral da narrativa, o romance está vinculado ao livro e, enquanto “o narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros, [...] o romancista segrega-se” (1994, p. 201). É a experiência da fragmentação, da impossibilidade de reatar laços com a tradição portuguesa que Carlos sintomatiza em meio à penetração das modas estrangeiras e do estilo de vida burguês que a globalização impõe ao país. Nessa medida, o cronotopo da casa dos Olivais é extremamente significativo porque aclara a própria condição do romance moderno, dramatizada pelos personagens: ao sair dos eixos, o mundo perdeu o sentido, as tradições foram abaladas, a comunicação se tornou ruidosa, o futuro se obscureceu, o raro amor vivido é incestuoso.

Terra sonâmbula Mas, se a arte de narrar está em declínio na modernidade, como observa Benjamin, em Terra sonâmbula, do escritor Mia Couto, ela parece resistir. Abrigados em um ônibus incendiado do qual retiraram os cadáveres carbonizados para se esconder da guerra, um homem e um menino, Tuahir e Muidinga, tentam sobreviver enquanto leem os cadernos de memórias de Kindzu, encontrados na maleta de um outro morto à beira da mesma estrada. O menino não lembra quem é, o homem que chama de tio e outras vezes de pai lhe esconde a origem para não atormentá-


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lo. É a leitura dos relatos de viagem de Kindzu em busca dos guerreiros naparamas, elementos épico-míticos que poderiam suspender com justiça a guerra, e da criança Gaspar, filho da mulher por quem se apaixona, o que vai alimentando os sonhos e produzindo identidade e memória em Tuahir e Muidinga. Narrativa atravessada de histórias da tradição oral africana e tendo como pano de fundo os conflitos da guerra civil moçambicana depois das lutas de libertação colonial, em Terra sonâmbula o cronotopo essencial é a estrada. Aliás, ele abre o livro na frase: “Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada” (COUTO, 1995, p. 9). Relato que intercambia dois planos de ação − as vivências em torno do ônibus incendiado na estrada e as peripécias relatadas por Kindzu nos cadernos −, é, à semelhança da casa dos Olivais, o cronotopo da estrada uma leitura do tempo histórico também. Da mesma maneira, é como imagem da morte, da ausência de significado para o passado que a estrada inicialmente se apresenta em Terra sonâmbula. “Estou farto de viver entre os mortos” (COUTO, 1995, p. 12), diz Muidinga quando se abrigam junto ao ônibus incendiado, símbolo do trânsito espaço-temporal interrompido. Ainda em outro momento, a imagem do isolamento, da fragmentação se apresenta com mais intensidade em relação à estrada: − Você quer sair daqui, não é? − Quero, tio. Esta estrada está morta. − Esta estrada está morta!? − Mas não entende que isso é muito bom, esta estrada estar morta é que nos dá segurança? − Mas nós, desta maneira, não vamos a lado nenhum... − Isso quer dizer que também aqui não chega ninguém (COUTO, 1995, p. 77).

A estrada é, para Bakhtin, um dos cronotopos em que espaço e tempo se articulam mais intensamente, em função da referência ao movimento que ela sugere: lugar


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no qual o “tempo se derrama no espaço e flui por ele. [...] [Onde] o sustentáculo principal é o transcurso do tempo” (BAKHTIN, 1990, p. 350). Todavia, em Terra sonâmbula, o tempo parece ter sido suspenso: a morte matou a estrada e a possibilidade de relação com o outro e, concomitantemente, com a memória e a possibilidade de futuro. A situação em que se encontram Tuahir e Muidinga é, ao mesmo tempo, de proteção e de extravio do outro; acoitados numa estrada pela morte, eles a nada chegam, ninguém a eles se chega. Reencontrar o outro é o processo que desenvolverão com a leitura dos cadernos de Kindzu de modo a animar a estrada e suas vidas quase extintas. Com a leitura, estabelecerão comunicação com o passado e sonharão um futuro. É a narrativa a ponte, portanto, para a construção da identidade, memória e esperança em Terra sonâmbula. Como podemos observar isso? Se Muidinga não tem memória, Kindzu abre seu primeiro caderno ponderando sobre o objetivo da sua narrativa em relação aos tempos de guerra e caos em que se encontra sua terra: “Quero pôr os tempos, em sua mansa ordem, conforme esperas e sofrências” (COUTO, 1995, p. 17). Objetivo nada fácil de ser alcançado, que encontra obstáculos na própria natureza desgovernada da memória, como também na sua relação com a coletividade em que essa memória se constrói. Na aldeia onde vive, o pescador Taímo, seu pai, é contador de histórias, as quais “faziam o nosso lugarzinho crescer até ficar maior que o mundo” (COUTO, 1995, p. 18). Ao mesmo tempo, Taímo tem sonhos, quando sonâmbulo, que se tornam profecias, porque são revelados pelos antepassados. Portanto, é um elo entre o passado e futuro que a figura do pai representa naquele universo. É o início da guerra civil moçambicana que quebra a ordem e atira Kindzu, criança, numa situação conflituosa com o pai e a terra e que o faz afastar-se da época em que “tudo ainda tinha sentido” (COUTO, 1995, p. 18). O convívio com o indiano Surendra e as aulas com o pastor Afonso são outros indícios da penetração de elementos


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culturais alienígenas que, junto com a guerra e a morte do pai, deflagram o processo de extravio de Kindzu de sua terra e tradições. Reencontrar a relação com o passado e o sonho, superar a barbárie, exige que ele se torne um outro, rompendo com o sem sentido que aquele mundo, depois da guerra, se tornara. Rito de iniciação pelo qual o mundo da infância se perde para que um outro surja. Qualquer que fosse minha escolha uma coisa era certa: eu tinha que sair dali, aquele mundo já estava me matando. A primeira vez que duvidei no assunto nem dormi. Meu pai me surgiu no sonho, perguntando: − Queres sair da terra? − Pai eu já não agüento aqui. Fecho os olhos e só vejo mortos, vejo a morte dos vivos, a morte dos mortos. − Se tu saíres terás que me ver a mim: hei-de-te perseguir, vais sofrer para sempre as minhas visões... (COUTO, 1995, p. 34).

Kindzu se torna também sonâmbulo, vagando pelo mar e terra à procura inicialmente dos Naparamas, depois da criança Gaspar, segue ele extraviado da aldeia natal e amaldiçoado pelo pai. Todavia, o extravio se torna uma forma de identidade com o próprio sofrimento da terra, sonâmbula também. Mia Couto utiliza-se de uma crença dos habitantes de Maititi segundo a qual, enquanto dormem os homens, a terra vagueia, sonâmbula, fazendo com que, ao acordar, eles percebam, na nova visão que o mundo lhes dá, que foram “visitados pela fantasia do sonho” (COUTO, 1995, p. 5). Kindzu também se dá a tarefa de registrar e transmitir em seu caderno as experiências atravessadas pelas tradições da terra de modo a transmiti-las ao outro. Se a colonização e a guerra desarticularam o tempo em que “tudo ainda tinha sentido”, o trabalho do narrador se identifica com uma força telúrica e mítica. − O que andas a fazer com um caderno, escreves o quê? − Nem sei pai. Escrevo conforme vou sonhando. − E alguém vai ler isso?


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− Talvez. − É bom assim: ensinar alguém a sonhar. − Mas pai, o que passa com esta nossa terra? − Você não sabe filho. Mas enquanto os homens dormem, a terra anda a procurar. − A procurar o que, pai? − É que a vida não gosta de sofrer. A terra anda procurar dentro de cada pessoa, anda juntar os sonhos. Sim, faz conta ela é uma costureira dos sonhos (COUTO, 1995, p. 219).

Benjamin ilustrava com a Primeira Guerra Mundial a perda da arte de narrar na modernidade: os soldados voltavam emudecidos, incapazes de comunicar ao outro a experiência, isolados na sua solidão silenciosa. Narrar se coloca, em Terra sonâmbula, como uma forma de posicionamento político em meio a um mundo que se torna ruínas, dissociado de memória e de perspectiva de futuro. A narrativa se propõe “ensinar alguém a sonhar”. Além de Kindzu, vários são os personagens de seu caderno que narram histórias, suas ou de outros: a freira Lucia, Virgínia, Quintino, Gaspar, Farida. Esta última indica muito precisamente o poder de intercâmbio que a narrativa tem: “Esta é minha estória, nem sei por que te conto. Agora, estou cansada de falar. É perigoso continuar. Quem sabe eu perderei o pensamento, as minhas lembranças se misturarão com as sua tuas” (COUTO, 1995, p. 100). Mas muitas mais são, na obra, as referências à importância de narrar e ouvir histórias, sempre no sentido de comunicação com o outro, de intercâmbio de experiências, de construção de uma memória coletiva, da possibilidade de imaginar o futuro. “− Vou te contar minha história, estrangeiro. – Kindzu, emendei. Kindzu, aceitou ele. E começou a narrar. Sua história deve ser lembrada” (COUTO, 1995, p. 172). “Vavó deixe ele viver! Só um bocadinho! – Para o quê? – Para ele nos contar a história dele” (COUTO, 1995, p. 198). Noutro plano, no qual Muidinga e Tuahir leem os cadernos de Kindzu, a comunicação narrativa também produz efeitos. Aos poucos, Muidinga vai lembrando/


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inventando quem era; Tuahir, antes rabugento, anseia por ouvir de Muidinga a leitura dos cadernos; ambos entram em catarse com Kindzu e Taímo, colocando-se no lugar dos heróis dos cadernos e estabelecendo diálogo com sua situação de extraviados em uma estrada morta. Ainda entre uma leitura e outra, enquanto circulam no entorno da estrada à procura de recursos de sobrevivência, também começam a encontrar, na perspectiva do realismo maravilhoso, personagens da tradição oral africana: suas vidas começam a experimentar contato semelhante com o passado tal como acontece na viagem de Kindzu. A estrada começa a ganhar vida, povoada pelas narrativas que o caderno de Kindzu oferece, bem como pelo movimento às suas margens, onde ocorrem novas experiências com o outro prenhes de significação às vidas de início esvaziadas de sentido de Muidinga e Tuahir: Siqueleto, o fazedor de rios, as idosas profanadoras. A estrada torna-se, ao fim, espaço da construção de si e do mundo novamente, lugar onde ocorre a transmissão do relato de Kindzu para uma nova geração. Geração esta que traz consigo uma composição ambígua, formada pela negritude primitiva de Muidinga e a mestiçagem de Gaspar, filho de Farida e do português Romão Pinto; ou seja, é uma geração que caracteriza humanamente a situação póscolonial de Moçambique. Isso porque, no fim do romance, quando narra a sua morte, Kindzu surpreende alguém na estrada que, como no início do romance acontecera, recolhe os cadernos de suas memórias de viajante sonâmbulo. É Muidinga-Gaspar, simbiose de personagem e leitor, Vacilo, vencido por um súbito desfalecimento. Me apetece deitar, me anichar na terra morna. Deixo cair ali a mala onde trago os cadernos. Uma voz interior me pede para que não pare. É a voz de meu pai que me dá força. Venço o torpor e prossigo ao longo da estrada. Mais adiante segue um miúdo com passo lento. Nas suas mãos estão papéis que me parecem familiares. Me aproximo e, com sobressalto, confirmo: são os meus cadernos. Então, com o peito sufocado, chamo:


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Gaspar! E o menino estremece como se nascesse por uma segunda vez. De sua mão tombam os cadernos. Movidas por um vento que nascia não do ar mas do próprio chão, as folhas se espalham pela estrada. Então, as letras, uma por uma, se vão convertendo em grãos de areia e, aos poucos, todos meus escritos vão se transformar em páginas da terra (COUTO, 1995, p. 245).

A narrativa se encerra num ciclo que se abre sobre o cronotopo da estrada. Seu desfecho é recomeço, menção a uma nova infância, possibilitada pelo conhecimento da tradição, pela força viva e ativa do passado que a voz do narrador teceu. Estrada que se torna livro, livro que se torna terra, terra que se torna novamente sonho. Os sonhos que esta teceu, sonâmbula, quando dormiam os homens para povoar de futuro sua vigília; sonhos que o narrador teceu em seu relato para fazer com que a estrada se revivescesse com a esperança de um menino leitor.

Conclusões Enfim, retomando os pontos de vista apresentados, a casa dos Olivais nos oferece uma visão típica do esvaziamento de sentido das tradições, em que o passado aparece em seu caráter fechado, sem comunicabilidade significativa para o presente. Espaço presidido por um “deus bestial”, ela é a concretização de um tempo sem futuro, marcado pelo fechamento numa relação incestuosa que se mostrará estéril. Leitura do tempo histórico que a modernidade permite e que é com fina sensibilidade representada por Eça de Queirós em Os Maias. Por sua vez, o cronotopo da estrada em Terra sonâmbula se mostra, em meio à luta com as ruínas, como imagem de intercâmbio com o presente, esperança que o narrador profetiza ao final das palavras sombrias que o feiticeiro da aldeia de Kindzu lança, anunciando a bestialização maior que a guerra produzirá, mas a que se sobreviverá pela manutenção fecunda da memória narrativa:


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No final, porém, restará uma manhã como esta, cheia de luz nova e se escutará uma voz longínqua como se fosse uma memória de antes de sermos gente. E surgirão os doces acordes de uma canção, o terno embalo da primeira mãe. Este canto, sim, será nosso, a lembrança de uma raiz profunda que não foram capazes de nos arrancar. Essa voz nos dará a força de um novo princípio e, ao escutá-la, os cadáveres sossegarão nas covas e os sobreviventes abraçarão a vida com o ingênuo entusiasmo dos namorados. Tudo isso se fará se formos capazes de nos despirmos deste tempo que nos fez animais (COUTO, 1995, p. 242).

Referências BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini, José Pereira Júnior, Augusto Goes Júnior, Helena Spryndis Nazário, Homero Freitas de Andrade 2. ed. São Paulo: Unesp, 1990. _____. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. _____. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Tradução de Marcos Vinicius Mazzari. São Paulo: Duas Cidades; 34, 2002. COUTO, Mia. Terra sonâmbula: romance. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Tradução de Ricardo Correa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998. PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. QUEIRÓS, Eça de. Os Maias. Disponível em: <http://www. dominiopublico.gov.br/download/texto/ph000181.pdf>. Acesso em: 20/08/2008.



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Pareceristas

Antonio João Teixeira Daniel Oliveira Gomes Fabiano Dalla Bona Fernando de Moraes Gebra Frederico Augusto Garcia Fernandes Keli Cristina Pacheco Márcio Ricardo Coelho Muniz Marly Catarina Soares Miguel Sanches Neto Naira de Almeida Nascimento Rosana Apolonia Harmuch Sebastião Marques Cardoso



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[...] conforme Octavio Paz, “As fronteiras entre objeto e sujeito mostram-se particularmente indecisas. A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade, ou pelo menos, o único testemunho de nossa realidade.” (PAZ, 1982, p. 37)

• Citação indireta

[...] entre as advertências de Haroldo de Campos (1992), não há qualquer reivindicação de possíveis influências ou contágio, ao contrário, foi antes a poesia concreta que assumiu as conseqüências de certas linhas da poética drummoniana.

• Citação de vários autores

Sobre a questão, pode-se recorrer a vários poetas, teóricos e críticos da literatura (Pound, 1977; Eliot, 1991; Valéry, 1991; Borges, 1998; Campos, 1969)

• Citação de várias obras do mesmo autor

As construções metafóricas da linguagem; as indefinições; a presença da ironia e da sátira, evidenciando um confronto entre o sagrado e o profano; o enfoque das personagens


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em diálogo dúbio entre seus papéis principais e secundários são todos componentes de um caleidoscópio que põe em destaque o valor estético da obra de Saramago (1980, 1988, 1991, 1992) • Citação de citação e citação com mais de três linhas

Para servir de fundamento ao que se afirma, veja-se um trecho do capítulo XV da Arte Poética de Freire: Vê, [...] o nosso entendimento que a fantasia aprendera e formara em si muitas imagens de homens; que faz? Ajunta-as e, de tantas imagens particulares que recolhera a apreensiva inferior [fantasia], tira ele e forma uma imagem que antes não havia, concebendo que todo o homem tem potência de rir [...] (FREIRE, 1759, p. 87 apud TEIXEIRA, 1999, p. 148)

Alguns exemplos de Referências • Livro PERRONE-MOISÉS, Leyla. Vira e mexe, nacionalismo. Paradoxos do nacionalismo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. • Capítulo de livro BERND, Zilá. Perspectivas comparadas trans-americanas. In: JOBIM, José Luís et al. (Org.). Lugares dos discursos literários e culturais – o local, o regional, o nacional, o internacional, o planetário. Niterói: EdUFF, 2006. p.122-33. • Dissertação e tese PARMAGNANI, Claudia Pastore. O erotismo na produção poética de Paula Tavares e Olga Savary. São Paulo, 2004. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. • Artigo de periódico GOBBI, M. V. Z. Relações entre ficção e história: uma breve revisão teórica. Itinerários, Araraquara, n. 22, p. 37- 57, 2004.


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• Artigo de jornal TEIXEIRA, I. Gramática do louvor. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 abr. 2000. Jornal de Resenhas, p. 4. • Trabalho publicado em anais CARVALHAL, T. F. A intermediação da memória: Otto Maria Carpeaux. In: II CONGRESSO ABRALIC – Literatura e Memória Cultural, 1990. Anais... Belo Horizonte. p. 85-95. • Publicação on-line – Internet FINAZZI-AGRÒ, Ettore. O comum e o disperso: história (e geografia) literária na Itália contemporânea. Alea: Estudos Neolatinos, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid= S1517106X2008000100005&script=sci_arttext>. Acesso em: 6 fev. 2009. Observação Final: A desconsideração das normas implica a não aceitação do trabalho. Os artigos recusados não serão devolvidos ao(s) autor(es).


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