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ANÁLISE DE MERCADO

Por Felippe Serigati e Roberta Possamai

INFLAÇÃO DE ALIMENTOS TEMPORÁRIA E SEM DISSEMINAÇÃO (ATÉ O MOMENTO)

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Certamente, a inflação de alimentos foi um dos temas mais discutidos ao longo do segundo semestre. De fato, nos últimos 12 meses, enquanto a inflação geral medida pelo IPCA acumulou uma alta de 3.1%, os alimentos ficaram, na média, 11.8% mais caros. Há vários fatores que explicam essa forte elevação do preço dos alimentos, entre eles: • Demanda mais aquecida no mercado doméstico devido aos programas de transferência de renda, com especial destaque para o Auxílio Emergencial; • Elevação das cotações das commodities agrícolas no mercado internacional, resultado tanto do início do processo de recuperação da economia mundial quanto da recomposição dos estoques de alimentos em alguns países; • Exportações agropecuárias brasileiras mais aquecidas, pressionando os preços no mercado interno; • Dólar mais caro no mercado cambial brasileiro.

Sem dúvida, a elevação do preço dos alimentos é algo que pode trazer desconforto para os domicílios, porém, em geral, são choques temporários, ou seja, é uma inflação que deve se dissipar nos próximos meses e, até o momento, não deve mudar a atual política de juros do Banco Central.

MERCADO INTERNO DE ALIMENTOS AQUECIDO

No momento em que este artigo é escrito já é possível afirmar com segurança que a economia brasileira tecnicamente já saiu da recessão e que alguns setores já operam em nível superior àquele do período pré-pandemia. Os números do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) deixam claro que a economia brasileira tem crescido desde o mês de maio. É importante ter claro que, apesar dessa recuperação, a economia brasileira, como um todo, ainda opera em um nível bem inferior ao período pré-pandemia e deverá encerrar o ano menor do que era em 2019 - de acordo com a mediana das 8% 6% 4% -10%

Por trás desse processo de recuperação, merecem destaque as políticas de transferência de renda adotadas pelo Governo Federal, notadamente, o Auxílio Financeiro Emergencial. De acordo com a previsão orçamentária da Secretaria Especial de Fazenda, do Ministério da Economia, o volume de recursos alocados com medidas socioecômicas deve somar R$ 445.3 bilhões de reais até o final do ano. Desse montante, o Auxílio Emergencial deve responder sozinho por R$ 321.8 bilhões, atendendo mais de 65 milhões de pessoas.

Esse expressivo volume de recursos tem aquecido o mercado interno para alguns produtos, entre eles, os alimentos. De acordo com o Índice de Produção Agroindústrial (PIMAgro) do FGV Agro, a produção de Proprojeções da Pesquisa Focus do Banco Central, o PIB brasileiro deverá contrair em torno

ÍNDICE DE ATIVIDADE ECONÔMCA (IBC-BR):

VAR. MENSAL (% A.M.) COM AJUSTE SAZONAL

(% a.m.)

2% 0% -2% -4% -6% -8% de 5% em 2020.

Fonte: Banco Central 0,11%0,41% 5,33% 3,71%

Jan-20 Fev-20 -5,93%

Mar-20 -9,27%

Abr-20 Mai-20 Jun-20 Jul-20 Ago-20

1,68% 1,06% dutos Alimentícios já acumula uma alta de 5.8% em 2020 (entre janeiro e setembro). Ou seja, apesar da pandemia, a produção desse segmento da agroindústria deve registrar expansão robusta este ano.

DÓLAR ALTO, RECUPERAÇÃO ECONÔMICA MUNDIAL E RECOMPOSIÇÃO DOS ESTOQUES = EXPORTAÇÕES AQUECIDAS

De acordo com os números da pesquisa do Desempenho Comercial do Agronegócio, do FGV Agro, as exportações do universo agro brasileiro já acumulam uma alta de 5.8% em 2020 (entre janeiro e setembro). Considerando apenas os produtos agropecuários (ou seja, deixando de lado os produtos agroindustriais), essa expansão já supera 13.3%.

As exportações do agronegócio brasileiro estão aquecidas por diversos motivos: • Mesmo com todas as turbulências causadas pela pandemia, o universo agro nacional apresentou grande resiliência e conseguiu abastecer tanto o mercado interno quanto os compradores externos sem qualquer interrupção relevante. Enquanto alguns importantes países exportadores de alimentos tiveram problemas ao longo do seu processo produtivo ou decidiram reter exportações, o agro brasileiro operou normalmente, inclusive suprindo mercados que outros países deixaram de atender; • Os mercados de commodities agrícolas também foram pressionados pela decisão de alguns países - notadamente, no leste asiático e no Oriente Médio - de reforçar seus estoques de alimentos; • Essa decisão, combinada a recuperação econômica mundial, levou a um aumento da demanda por alimentos e, consequentemente, a uma elevação na média das cotações de commodities agrícolas em suas principais praças internacionais.

Por si só, esse mercado internacional mais aquecido já seria um ambiente favorável para as exportações agropecuárias brasileiras. Porém, essa conjuntura foi amplificada pela depreciação do real em relação ao dólar, por um lado, tornando as produtos nacionais mais competitivos no mercado internacional e, por outro, elevando o preço de diversos alimentos no mercado doméstico, adicionando fôlego à inflação de alimentos.

ATÉ O MOMENTO, A INFLAÇÃO DE ALIMENTO É UM FENÔMENO LOCALIZADO

Seguramente, uma inflação de alimentos pode gerar desconforto junto aos domicílios. Porém, em geral, a elevação dos preços de alimentos é um fenômeno temporário resultado de algum desequilíbrio de oferta e demanda ou consequência de um choque cambial. Ou seja, em alguns meses o preço dos

IPCA: INFLAÇÃO DE ALIMENTOS VS. NÚCLEO DA INFLAÇÃO

(VAR. ACUMULADA EM 12 MESES – % A.A.)

16% IPA - alimentação e bebidas 14% Meta (4,0%) 12% Teto (5,5%) Piso (2,5%) 11,8% 10% Núcleo da inflação 8% 6% 4% 2% 0% 1,2% -2% -4% Jan-15 Mar-15Mai-15Jul-15 Set-15 Nov-15 Jan-16 Mar-16 Mai-16 Jul-16 Set-16 Nov-16 Jan-17 Mar-17 Mai-17Jul-17 Set-17 Nov-17 Jan-18 Mar-18 Mai-18 Jul-18 Set-18 Nov-18 Jan-19 Mar-19Mai-19Jul-19 Set-19 Nov-19 Jan-20 Mar-20 Mai-10 Jul-20 Set-20 Fonte: Banco Central

alimentos deve ceder, como já foi visto várias vezes. Por exemplo, entre 2015 e 2016, a inflação de alimentos chegou a dois dígitos, cedendo em 2017 e operando em patamares negativos até a greve dos caminhoneiro em 2018. Além disso, vale ressaltar que, até o momento, a alta dos preços dos alimentos não contaminou o preço de outros setores; enquanto, nos últimos 12 meses, a inflação de alimentos já acumula uma alta de 8.8%, o núcleo da inflação medida pelo IPCA (isto é, a inflação sem alimentos e preços administrados) desacelera e acumula uma expansão de apenas 1.2%. Logo, se esse quadro se mantiver, não deverá haver qualquer alteração na política de juros do Banco Central.

FELIPPE SERIGATI

Doutor em Economia pela Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV), professor e pesquisador do Centro de Agronegócios da FGV (FGV Agro). felippe.serigati@fgv.br

ROBERTA POSSAMAI

Mestre em Economia Agrícola pela Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV) e pesquisadora do Centro de Agronegócios da FGV (FGV Agro). roberta.possamai@fgv.br

EXPORTAÇÃO EM SC Estabilidade nas aves e suínos em alta

Em posição de destaque no cenário brasileiro como produtor e exportador de carne suína e de frango, Estado deve ser beneficiado pela projeção de aumento das exportações na suinocultura e de manutenção dos patamares de 2019 na cadeia avícola.

As expectativas para Santa Catarina no segmento pecuário brasileiro são positivas, e o Estado deve encontrar importantes oportunidades a partir de sua posição relevante nas exportações de carnes suína e de frango, beneficiadas pela alta do dólar. É o que revela o Relatório Setorial Agro – Segmento de Proteína Animal publicado pela Bateleur com o objetivo de mapear os impactos econômicos da Covid-19 e as perspectivas para o futuro. O relatório analisa as três cadeias do segmento de carnes – avícola, bovina e suinícola – nos contextos do Brasil, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. A partir da avaliação dos mercados atendidos por essas cadeias – e das diferentes dinâmicas que as regem –, traça as principais perspectivas para o médio e longo prazo, além de elaborar estratégias a serem seguidas pelos empresários.

Em 2019, a pecuária catarinense registrou o melhor desempenho da história na exportação de carnes, com um faturamento de US$ 3,12 bilhões. Os embarques de carne suína bateram recorde, e os de frango tiveram o segundo melhor resultado dos últimos 22 anos, impulsionando todo o setor de proteína animal. De acordo com as projeções da Bateleur, feitas a partir da análise das séries históricas disponibilizadas pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), o volume de exportações do setor avícola deve se manter estável em 2020 na comparação com o ano passado. No entanto, o embarque de carne suína deve registrar aumento de 27,3% – cenário que beneficia a economia catarinense.

SUÍNOS

O Brasil é o quarto colocado entre os maiores produtores de carne suína no mundo (atrás de China, União Europeia e Estados Unidos) e ocupa essa mesma posição entre os maiores exportadores do produto. Para 2020, a Bateleur projeta um crescimento de 27,3%, com um total de 836,6 mil toneladas exportadas. "Para esse cenário de projeção, consideramos que, a partir de agosto, as exportações não sustentem as mesmas taxas de crescimento apresentados até agora, uma vez que entendemos que os volumes exportados no final de 2019 já foram bastante expressivos", explica Ernani Carvalho, sócio da Bateleur e especialista em agronegócio.

AVES

Maior exportador de carne de frango do mundo, o Brasil responde por 34,4% de todas as exportações mundiais do produto em 2019, com 4,2 milhões de toneladas. Em Santa Catarina, a carne de frango é o principal produto exportado, com um faturamento que passa de US$ 2,2 bilhões. Esse valor representou cerca de 30,5% das exportações nacionais em 2019, colocando o Estado como segundo maior exportador do Brasil, atrás apenas do Paraná. Para 2020, a Bateleur projeta um cenário de estabilidade no que refere ao comércio internacional, com 3,99 milhões de toneladas exportadas. Em um cenário mais otimista, pode haver crescimento de até 2,64% e, em um contexto mais pessimista, queda de 2,62% em relação ao volume de 2019.

Aumento de 27,3% Total: de 836,6 mil toneladas

Estabilidade Total: de 3,99 milhões de toneladas

Ernani Carvalho, especialista que assina o relatório da Bateleur, alerta para a necessidade de monitorar a relação comercial entre os EUA e a China, bem como a evolução da Peste Suína Africana e os efeitos que eventuais novas ondas de contaminação pela Covid-19

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO DO SEGMENTO

Ernani Carvalho, especialista que assina o relatório da Bateleur, chama a atenção para um aspecto que, cada vez mais, tem relevância: o crescimento da preocupação com saúde, segurança alimentar e origem dos alimentos. Essas tendências foram ainda mais aceleradas no momento pós-Covid, tornando necessária a adoção de estratégias por parte dos produtores e empresários do ramo alimentar para adequar não apenas seus processos produtivos, mas também a comunicação com os consumidores. "A busca por uma alimentação mais saudável e com menor impacto ambiental aumenta as exigências de controle sanitário em todas as etapas na produção de carnes, e oferece ao Brasil a possibilidade de ser protagonista no atendimento dessa demanda, saindo na frente em relação aos demais países fornecedores", defende.

A China, que já era um dos maiores importadores das três principais cadeias de proteínas brasileiras, passou a demandar volumes ainda maiores desde o início do ano. De janeiro a agosto de 2020, os embarques de aves, bovinos e suínos à China apresentaram crescimentos expressivos. Em relação ao mesmo período de 2019, a exportação de bovinos e suínos cresceu 145,4% e 136,0%, respectivamente, a despeito de todos os problemas logísticos causados pelo lockdown chinês. As exportações de aves, por sua vez, registraram um crescimento menor na mesma base de comparação, de 29,1%. Além disso, a forte desvalorização do Real frente ao Dólar também tornou as carnes brasileiras muito mais competitivas no mercado internacional.

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