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VIDA REAL
from Revista Cásper #33
O (NEM TÃO) DISCRETO CHARME DA MONARQUIA
Das várias séries de sucesso que integram a plataforma de streaming Netflix, certamente The Crown tem o seu lugar garantido. Criada em 2016 pelo argumentista e dramaturgo britânico Peter Morgan, a história concentra-se no reinado da rainha Elizabeth II (1952-2022) desde sua coroação até o início dos anos 2000.
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A série tem chamado atenção da crítica e do público por várias razões: a reconstrução histórica cuidadosa; a atuação primorosa do elenco; os diálogos afiados e delicadamente conduzidos pelo texto de Morgan, que conseguem revestir de elegância até os escândalos mais ásperos. Mas, existem outros motivos.
A quinta e atual temporada – a primeira desde a morte da Rainha em setembro último – tem despertado algumas críticas hostis por parte da realeza e também dos plebeus. É inegável que a série, de qualidade acima da média, aborda em sua última temporada eventos que ainda estão recentes na memória do público. Está tudo lá: a crise no casamento de Charles e Diana, a conversa íntima entre o príncipe e Camilla, a história de Dodi
Al Fayed e da fortuna de seu pai, a antipatia dos plebeus diante de uma monarquia cada vez mais vista como obsoleta. Há, também, um incômodo particular: mesmo se tratando de uma obra “baseada em fatos reais”, e não documental, The Crown não pode (e talvez nem queira) disfarçar as inúmeras rachaduras presentes na história da monarquia britânica – que vão desde as infidelidades de Charles até como o rei inglês George V decidiu de certa forma o destino de seu primo-irmão Nicolau II, czar da Rússia – o que gerou a fúria de muitos. A monarquia dos sonhos, pois bem, existe apenas nos sonhos de seus súditos.
E é por este motivo que The Crown afirma-se como um interessante trabalho, pois escapa dos maniqueísmos, rejeita os estereótipos e oferece personagens com alta carga dramática, cada um a seu modo. As frustrações, o senso de dever que implode os amores e gera ressentimentos, nos faz pensar na força da tradição como um nó cego, que abafa as individualidades e fragiliza, a longo prazo, os afetos.
Por fim, e me dirijo especialmente aos estudantes de comunicação, The Crown põe o dedo na ferida na imprensa britânica, notória pelo seu sensacionalismo. As práticas antiéticas utilizadas pelo jornalista da BBC para obter uma entrevista exclusiva com a princesa Diana nos mostram como a busca desenfreada pela noticia pode levar a consequências desastrosas. Nesse caso, a morte de Diana e Dodi em Paris, em 1997, em um acidente de carro. Público e privado: quem decide os limites entre os dois conceitos?
(Vanessa Bortulucce, professora de História Contemporânea)