Revista Laboratรณrio | Jornalismo | UFOP
Fevereiro de 2018 | Ano VIII
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Expediente Curinga é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II. Revista produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social (DECSO). Professores Responsáveis Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem) Flávio Valle (Fotografia) Michele Tavares - 0001195/SE (Planejamento Visual)
REPÓRTERES
Carlos Paranhos Elmo de Oliveira Gabriel Conbê Glenda Louise Isabela Resende Íris Jesus Jasmine Jacyara Letícia Conde Lui Pereira Mariana Morais Nathalya Saiki Rafaela Rissoli
FOTÓGRAFOS
Amanda dos Santos Francisco Carmem Guimarães Evelin Ramos Fábio Souza Letícia Caldeira Luiza Boareto Mariani Barbosa Marianna França Melissa Reis Pedro Menegheti
DIAGRAMADORES
Editora de Texto Francielle de Souza Editora de Arte Lígia Caires Editora de Fotografia Joyce Fonseca Editores de Multimídia Mayara Portugal Mayron Brito Revisores Luiz Loureiro Mariana Storto
Bruno Andrade Caroline Borges Guilherme Oliveira Igor Mattos Ingrid Mitsue João Vitor Nunes Octávio Zumerle Rhaquel Rocha Thiago Henrique Wigde Arcangelo
Monitoras Ana Paula Bitencourt Júlia Rocha Endereço da Curinga: ICSA / UFOP Rua do Catete, 166 - Centro 35420-000, Mariana - MG revistacuringa@icsa.ufop.br
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Impressão: MIJR EDITORA GRÁFICA Rua Carlos Pinheiro Chagas, 138 Ressaca, CEP 32.113-460 - Contagem/MG Tel.: (31) 3557-5777
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Conhecimento maior que a vida
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Narrativa em Cores
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Percepção Urbana
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Pigmentocracia
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Representatividade Importa
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A cor na linguagem
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TODAS é a tendência
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Corpo de Nuvens
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A cor do gênero
Sumário
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Amarelo Deserto A cor-pura do teu corpo
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Editorial paginas FINAIS.indd 4
Os olhos de um jornalista não descansam, não piscam, não adormecem. Percorrem o mundo atrás da novidade. Extraem do cotidiano o peculiar. Procuram o novo no que já é velho. Lançam luz naquilo que a visão rotineira deixa turvo. Diante da onda de informações que circulam sem parar e em todo lugar, o jornalista antenado sabe: boas pautas moram nos detalhes. Atenta às minúcias do cotidiano, a revista Curinga lança-se à empreitada de usar metaforicamente uma lupa, já que o tema desta edição é microscópico. Aqui, o pigmento, mote escolhido para ser a espinha dorsal das narrativas, amplia-se e faz surgir 44 páginas de histórias. O tema nos induz a uma problemática: sabemos que os pigmentos estão aplicados em nosso cotidiano, mas pouco refletimos sobre as construções sociais atreladas a eles. Como pautar, então, algo que na prática é tão palpável mas, ao ser submetido a um aprofundamento, parece tão desconhecido e tão revelador de nossos hábitos culturais e sociais? A edição 24 se insere nessa lacuna. Do potencial narrativo que surgiu daí, trazemos nas páginas seguintes algumas facetas da pigmentação no dia a dia, buscando tensionar as consequências dos usos que fazemos dela. A editoria “Eu no Mundo” aborda o que é visível: o pigmento sob uma perspectiva histórica; as cores atribuídas ao binarismo de gênero; o ofício de quem põe cor nas folhas que lemos e nas ruas em que andamos. A “Travessia” reflete sobre o papel central da melanina na sociedade brasileira, que estabelece posições de privilégios sociais e estrutura a cultura nacional. A editoria “Mundo em mim” procura desvelar situações em que pigmentar é subverter. São histórias nas quais o pigmento (ou a ausência dele) se tornou motivo de resistência, afirmação de identidade e luta. Ao fim, o que apresentamos nas páginas da Curinga é apenas uma amostra do nosso microscópio, da nossa lupa, do nosso olhar. Ao leitor delegamos a tarefa mais importante: a de colorir, pigmentar e interpretar essa edição como melhor lhe convier.
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Eu no mundo paginas FINAIS.indd 5
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Sensação
Conhecimento maior que a vida O saber humano e a manipulação de pigmentos é fundamental para a integração das ciências e das artes no nosso mundo.
Texto: Lui Pereira e Elmo O. Alves Foto: Luíza Boareto Arte: Guilherme Oliveira
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Os pigmentos de origem natural são substâncias presentes no cotidiano do ser humano desde a préhistória. Os hábitos e costumes dos homens pré-históricos só puderam ser estudados a partir do descobrimento de registros feitos com minerais, como o óxido de ferro, ou de vegetais, como o urucum, o carvão ou o jenipapo. O professor de física Clayton Antonio Pereira Pires, em sua dissertação de mestrado, explica: “pigmento é um material que muda a cor da luz transmitida ou refletida como resultado de uma absorção seletiva em um dado comprimento de onda”, ou seja, são substâncias capazes de modificar a luz visível de um material. Na alimentação, os pigmentos servem tanto para dar cor quanto para dar sabor à comida, além de serem muito importantes para a saúde do nosso corpo. Para a nutricionista esportiva e funcional, Dra. Daniela Pala, vale a regra: quanto mais colorido, mais saudável ele é. Ainda de acordo a nutricionista, os pigmentos de alguns vegetais podem previnir doenças como diabetes, pressão alta e câncer. A alcina, que confere a cor branca ao alho, protege o coração e melhora os níveis de colesterol. Já as antocianinas, presentes nos alimentos vermelhos e roxos, combatem o envelhecimento e doenças articulares. Essas substâncias e suas várias cores servem também para identificar plantas ou animais e nos alertar sobre quais são comestíveis ou venenosos. Sobre alguns anfíbios, o professor e especialista em microbiologia e parasitologia, Erich Espinelo, nos ensina: “A coloração dos sapos, rãs e pererecas são indícios de que são venenosos. Quanto mais brilhante, vibrante a cor, maior será sua toxicidade para os outros animais e para nós seres humanos. Na verdade, é uma forma de defesa contra predadores, ou seja, sua cor forte já demonstra que se for comido o predador terá problemas sérios”. No campo militar, nem sempre foram utilizadas camuflagens e cores neutras para cada tipo de combate. O Dr. Paulo Morais Alexandre, especialista em História da Arte (Universidade de Coimbra), afirma em seu artigo “A Moda e o Traje Militar”, que cores vibrantes, como o vermelho e azul, eram utilizadas no início, mas, como eram chamativas,expunham os soldados aos inimigos. Desde os tempos mais remotos, os pigmentos são utilizados também como elemento decorativo e artístico. Talvez tenha sido nesse segmento que os seres humanos mais manipularam e descobriram infinitas possibilidades de cores capazes de serem extraídas da natureza para criar pinturas e objetos feitos tanto para uso cotidiano quanto para a contemplação ou fruição. De acordo com Lilian Panachuk, doutoranda em antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), algumas das cerâmicas mais antigas encontradas no baixo Amazonas datam de oito mil anos. Foram encontrados os pigmentos tabatinga e argila branca para a cor branca, já o pigmento óxido de ferro, a partir de diferentes graus de oxidação, foi relacionado às cores vermelho, amarelo e preto. A antropóloga ainda nos esclarece que foram feitas poucos estudos dos objetos encontrados, mas os resultados obtidos a partir das análises químicas de cerâmicas das populações pré coloniais dessa região apontam que as substâncias encontradas como pigmentos eram de origem mineral. CURINGA | EDIÇÃO 24
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Resgate de uma tradição Cachoeira do Brumado, distrito de Mariana (MG), onde a tapeçaria de sisal, feita de fibras extraídas das folhas de Agave sisalana, é a principal fonte de renda da população, vivia uma situação preocupante nas últimas décadas com relação às práticas de produção. A tapeçaria de fibras sisal é considerada uma tradição secular, mas com o passar do tempo, os artesãos substituíram o uso de corantes naturais por anilinas sintéticas no tingimento das fibras. Um projeto coordenado pela professora Maria Cristina Teixeira Braga Messias, do Departamento de Biologia da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), foi realizado em conjunto com artesãos locais para solucionar o problema. “A disposição dos rejeitos originados pelo processo de tingimento era descartado diretamente nos rios e córregos do distrito, gerando impactos ao ambiente”, esclarece. Sendo assim, o projeto “Aspectos etnobotânicos do artesanato em sisal em Cachoeira do Brumado” resgatou o uso de corantes naturais para tingir as fibras de sisal. Segundo a docente, o objetivo foi investigar junto à população o conhecimento sobre plantas corantes disponíveis na região. A existência de várias dessas plantas possibilitou seu uso, produzindo, inclusive, cores inexistentes no repertório dos corantes artificiais. A partir do projeto, foram resgatadas tecnologias ecologicamente corretas, agregando valor ao produto.
Pigmentos nas artes Jacques Rodrigues é poeta, escritor e artista plástico. Autodidata, contou com a mentoria do também artista Ayrton Pyrtz que o incentivou a dar seus primeiros passos nas artes visuais e lhe ensinou, entre outras coisas, a linguagem do concretismo brasileiro e o minimalismo da poesia Haikai. O artista utiliza essencialmente terras coloridas, café, folhas e cascas de frutas para criar suas obras. Segundo Jacques, a diversidade de cores e as tonalidades únicas encontradas nos minerais e vegetais trazem uma maior originalidade às suas obras. Outro aspecto importante para o artista é sua ligação espiritual com o mundo e o fato das tintas produzidas a partir de elementos naturais não serem tóxicas, o que o auxilia a ter uma maior integração com os elementos da natureza. Presente na alimentação e nos saberes humanos, os pigmentos naturais fizeram e ainda fazem parte do nosso cotidiano como elemento de união entre as ciências, as artes e a natureza.
Preto: Carvão Mineral Branco: Tabatinga Verde: Folhas Amarelo: Açafrão Vermelho: Urucum
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Comum
A cor do gênero
Texto: Letícia Conde Foto: Carmem Guimarães Arte: Rhaquel Rocha Casting: Laura Souza Lourenço, Bryan Azevedo de Melo e Lis Silva Marchi
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“Azul é uma cor para meninos e rosa para meninas” é uma convenção que está presente em nossas vidas antes mesmo do nosso nascimento. No entanto, essa concepção nem sempre foi assim. Até o século XIX, recém-nascidos e crianças pequenas utilizavam peças brancas. Os processos de lavagem eram manuais e a tintura das roupas tinha alto custo. Na virada para o século XX, como explica a historiadora Jo Paoletti no livro Pink and Blue: Telling the Boys from the Girls in America (Rosa e Azul: diferenciando meninas de meninos na América), redes de lojas e revistas sugeriam que o rosa era cor de menino, por ser “mais decidido e forte”, e o azul cor de menina, por ser “mais delicado e amável”. Além disso, é nessa época que os tons pastéis começaram a ser utilizados nos produtos infantis. Depois da II Guerra Mundial o rosa começou a ser associado com o gênero feminino e o azul com
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Occullup tatur, sunt. Ucium aliquas per
o masculino, embora a consolidação desse conceito tenha ocorrido somente na década de 1980, conforme diz Paoletti. Ellem Souza, 27, é mãe da Laura, 10 meses, e conta que antes de descobrir o sexo do bebê não tinha comprado nada. Porém, quando começou a montar o enxoval de sua filha, teve certeza de que o rosa estaria na lista. “Além da gente ter essa ideia de que o rosa é cor de menina e o azul de menino, as lojas te dão muita influência sobre isso. As opções de enxoval para meninas são, em sua maioria rosa, e para meninos, azul”. Paula Viegas, graduada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e mestra em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), explica que a mídia influencia na construção de rótulos em relação aos gêneros e a publicidade colabora na consolidação dessa convenção,
atuando principalmente através da repetição e persuasão com o intenso uso de formas e cores. A publicitária também afirma que a indústria da maternidade - responsável por criar produtos que, supostamente, proporcionam uma maternidade livre de dificuldades - determina quais cores são adequadas para cada gênero. “Por ser um momento único na vida de uma família, o nascimento de uma criança gera consumo, o que em grande escala movimenta a indústria. A descoberta do sexo do bebê também é um momento de bastante comoção. Assim, a oferta de produtos nessa fase é gigante. Com isso, normalmente há um reforço de produtos separados por gênero, como carrinhos para meninos e bonecas para meninas”.
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Padrões e rupturas A descoberta do sexo do bebê é uma etapa de grande expectativa para os pais e, como forma de ritualizar esse momento, há um fenômeno novo: os “chás de revelação”. Nessa comemoração, a decoração faz referência a ambos os sexos, que, na maioria das vezes, são representados pelas cores rosa e azul. Durante a festa, os pais, familiares e demais convidados descobrem o gênero do bebê de acordo com a cor do bolo. Paolla Mello já havia descoberto que ganharia uma menina. No entanto, resolveu fazer uma celebração para revelar o sexo do bebê à família. “São os primeiros netos dos meus pais, pois sou filha única, e meus sogros só tinham netos meninos, então foi criada uma expectativa muito grande sobre o sexo do meu bebê. Queríamos contar a eles de uma maneira especial e escolhemos esta”. Embora extremamente atraentes e pensados de maneira carinhosa pelos pais, os chás de revelação, os ensaios newborn, isto é, um álbum de fotos realizado quando o bebê tem de 5 a 12 dias de vida, os mesversários, que são as comemorações de cada mês completado pelos bebês, e as fotografias durante o parto revelam também formas de criar novos mercados e necessidades de consumo. Segundo a professora e pesquisadora Karina Gomes Barbosa, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em momento algum devemos descredibilizar a mãe por realizar esses rituais, porém é preciso entender o que existe por trás de todo esse mercado. Conforme explica Karina, esses eventos são “uma oportunidade de criar novas ‘necessidades’ de consumo que alimentam a roda econômica do capitalismo contemporâneo”. Para além da questão econômica, essas práticas revelam que a indústria quer vender uma imagem de maternidade: “É preciso mostrar às mães que a maternidade é atraente e esconder a depressão pós-parto, o cansaço, a birra, o choro, a cólica infantil, a dor da amamentação”. Há algumas mães e pais que buscam quebrar esse padrão, como é o caso de Juliana Rodrigues de Almeida, jornalista, e de Caio Rodrigues do Vale, professor. O casal escolheu descobrir o sexo do bebê no instante do parto. “Ambos escolhemos isso por algumas razões. Uma delas é porque para nós não faz diferença se é menino ou menina e a gente queria viver essa emoção como antigamente se vivia, de descobrir o sexo do bebê quando ele nasce. Ter essa emoção completa do momento do nascimento”. Além disso, a grande diversidade de itens que a indústria de produtos para bebês oferece, criando assim um consumo excessivo, também levou Juliana Rodrigues a optar por descobrir o sexo do bebê durante o nascimento. “Quando você não conhece o sexo, você acaba comprando o básico, não ficando tentada a comprar. Por exemplo, quando você sabe que é menina, vestido, lacinho ou se você sabe que é menino, boné e camisa quadriculada. A gente é que constrói as necessidades de consumo do bebê”. Juliana também relata que “essas construções de gênero começam muito cedo e são constituições que os pais impõem, pois as crianças não nascem aprendendo que rosa é de menina e azul de menino, ou que boneca é para menina e carrinho para menino”. CURINGA EDIÇÃO24 17 CURINGA | EDIÇÃO
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Alternativa
a v i t a r r na s e r o c m e
Texto: Íris Jesus Foto: Marianna França Arte: João Vitor Nunes
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O mercado de histórias em quadrinhos (HQs) no Brasil tem crescido gradualmente desde 1990, como afirma o Sebrae em relatório divulgado em 2014. Em consequência desse processo, profissionais como desenhistas, roteiristas, coloristas e arte-finalistas que atuam nesse nicho já conseguem atingir o reconhecimento de seus trabalhos. exemplo disso é a notoriedade que a carreira dos coloristas vem ganhando. Um dos nomes de referência dessa carreira é o de Marcelo Maiolo. Natural de Piracicaba, interior de São Paulo, e publicitário de formação, atua como colorista desde 2005. Ao longo de sua carreira, Maiolo já coloriu títulos de grandes empresas internacionais, como da Marvel e da DC. Entre seus trabalhos estão o Arqueiro Verde, Old Man Logan e Green Lantern Corps. Apesar de parecer algo simples, o trabalho de colorir HQs é complexo e exige empenho dos artistas.
C. - Considerando o mercado de HQs no Brasil, Curinga - Como você iniciou sua carreira de colorista?
Marcelo Maiolo - Fui convidado por dois amigos para participar de um projeto de HQ para o roteiro, e os dois iam desenhar e finalizar. Como íamos publicar online, resolvi aprender a colorir só para não ser publicado em branco e preto. Acabei pegando gosto pela coisa e comecei a estudar com afinco até enviar meu portfólio para agências que cuidam da carreira de artistas no mercado internacional. C. - o colorista é o profissional que põe cor (e, às vezes, texturas) nos desenhos das HQ’s. em uma perspectiva mais pessoal, como você descreveria o trabalho de um colorista?
M.M. - O mais importante na colorização, para mim, é ajudar na narrativa. Tudo tem que funcionar em prol da mídia, nesse caso as HQs, e a cor é um elemento muito importante para isso. Além disso, criar emoção para as cenas. Todo o resto é técnica para chegar nisso.
C. - em 2017, o Premio Jabuti passou a ter uma categoria direcionada às HQs, o que
com todas as mudanças que ele vem passando no comércio de revistas impressas, como você avaliaria a carreira de um colorista profissional hoje?
M.M. - Eu acredito que não existe ainda um mercado profissional de quadrinhos no Brasil, pois dificilmente o artista pode viver da venda de seus gibis. Geralmente trabalham com publicidade e outras coisas para se manter. Um mercado profissional para mim é isso. Analisando por esse lado e pelos valores pagos aqui, um colorista que vivesse apenas de quadrinhos brasileiros dificilmente teria um salário satisfatório no final do mês, uma vez que o processo de colorização é um processo pesado e geralmente de prazos curtos.
C. - Na maioria das vezes, coloristas trabalham a partir de contratos individuais firmados a cada obra. Você considera isso
mostra uma notoriedade crescente nessas
um ponto positivo na carreira (uma vez que dá maior autonomia
obras. Apesar de toda a polêmica sobre as
para o profissional), ou acha que é algo que ainda pode melhorar
HQs serem ou não literatura, você acha que prêmios como o Jabuti possam fortalecer carreiras como as dos coloristas?
M.M. - Eu não tenho muita certeza, afinal eu acredito que nesse ramo de artes visuais conta muito mais o portfólio do que o curriculum. Prêmio agrega no curriculum, mas não melhora a qualidade do seu trabalho. Sempre prefiro minha parte em dinheiro, não me importo com os prêmios.
com o fortalecimento e reconhecimento da profissão?
M.M. - Isso é muito pessoal. Tem artistas que gostariam de um contrato de exclusividade para ter uma garantia maior, mas eu acredito que ninguém tem garantia nenhuma em lugar nenhum, por isso, prefiro sempre a possibilidade de ter as empresas como clientes e não como patrões. Dessa forma, eu posso me dedicar a vários tipos de trabalhos e projetos. C. - Para as pessoas que estão começando agora na carreira, você daria alguma dica ou sugestão?
M.M. - Primeiro de tudo: aprenda inglês. Com isso você terá acessos a cursos e material didático do mundo todo e não ficará refém só do que é publicado aqui. Além disso, poderá comprar livros de arte por um terço do valor. E segundo: estude, estude e estude. Camarão que dorme a onda leva. CURINGA | |EDIÇÃO EDIÇÃO2424 CURINGA
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Habitar
Texto: Nathalya Saiki Foto: Letícia Caldeira Arte: Octávio Abrão Artistas: Bruno Miné e Iolanda Leiko
Percepção
A paisagem histórica e interiorana das cidades mineiras de Mariana e Ouro Preto é marcada pelo charme das construções coloniais e por monumentos de mestres como Aleijadinho e Ataíde, cercados por belas montanhas. Porém, além dos centros históricos, das ruas de pedra sabão e das obras barrocas, há também uma paisagem urbana, simples e muitas vezes ignorada. São nesses locais “esquecidos” que artistas criam espaços de resistência, esperança e transformação. Quem se encarrega de dar beleza e significado a essas áreas afastadas são os grafiteiros, que usam de traços e cores para passar mensagens, provocar sensações e, além de se expressar, incentivar outros a fazerem o mesmo. Iolanda Leiko é estudante de Museologia na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e grafita há cinco anos. Como estuda Cromoterapia (prática pseudocientífica de utilizar cores na cura de doenças), ela conta que costuma usar as cores no grafite pensando nas sensações e sentimentos que quer despertar nas pessoas. Em seus trabalhos, Leiko busca destacar a importância do autoconhecimento e da interiorização: “Meu grafite tem o intuito de tentar fazer as pessoas olharem pra dentro e verem que fazem parte de uma coisa maior”. Para difundir essa mensagem, ela geralmente utiliza cores como rosa e azul, que emitem a sensação de harmonia e equilíbrio, e o laranja, que desperta concentração e criatividade. Durante o movimento estudantil de ocupação da UFOP, realizado em 2016, do qual Iolanda participou, a grafiteira fez diversos trabalhos no Campus do Morro do Cruzeiro. Os grafites realizados tinham o objetivo tanto de melhorar o ambiente universitário e o clima entre os estudantes que o ocupavam quanto de registrar a resistência dos universitários.
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Urbana Diversidade de estilos Diferente de Iolanda, que é de Mogi das Cruzes (SP), o artista Dinho Bento é natural de Ouro Preto e começou sua trajetória na FAOP (Fundação de Arte de Ouro Preto). Hoje, com trabalhos espalhados por todo Brasil, e em diversos outros países, ele aborda os mais variados temas em seu trabalho, que tendem a dialogar com o meio rural ou com o local e o propósito de cada obra. Em muitos de seus grafites, as cores possuem um significado especial, ligado à arte e ao mote específico de cada trabalho. Alguns exemplos retratam crimes contra a humanidade ou ambientais e usam o vermelho como simbolismo do sangue ou oferecem uma paisagem sem cores vivas para remeter a um cenário pós-apocalíptico. Um dos trabalhos citados por Dinho é o mural “Verde - lama” pintado em Fortaleza, em homenagem às vítimas do rompimento da barragem de Fundão da mineradora Samarco, em Minas Gerais. “Eu batizei de ‘Verde-Lama’, mas não utilizei nenhum tom verde no trabalho. Da mesma forma que existem diversos tons de verde (como verde limão, verde folha, verde mar...) a Samarco criou o verde lama, transformando áreas onde era o verde da natureza em tons de lama”, esclarece o artista. O grafiteiro Felipe de Souza valoriza o uso das cores, porém considera a legibilidade do grafite como ponto mais importante. Além disso, ele destaca um fator que dificulta a combinação de cores: o orçamento. Segundo Felipe, as latas de spray são caras, por isso, infelizmente, nem sempre é possível usar uma grande variedade ou as cores desejadas, porém o artista conta que busca diferentes técnicas para suprir esses problemas, como o uso de tinta comum para o fundo.
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Meu grafite tem o intuito de tentar fazer as pessoas olharem para dentro Nos trabalhos do grafiteiro Bruno Miné, as paletas de cores costumam ser bem diferenciadas. “Isso me remete um pouco da alegria de pintar”, diz Bruno. Apesar de buscar intrigar as pessoas com o uso de diferentes tonalidades, ele acredita que a obra e suas cores têm leituras diferentes para o artista e para o público. Bruno enxerga nessa diferença um ponto positivo, pois acredita que a obra não pertence ao artista a partir do momento em que as pessoas passam a interpretá-la.
Outros olhares As entrevistas realizadas com os artistas revelam o poder transformador, tanto visual quanto ideológico da arte urbana. Porém, em cidades onde uma boa parte do espaço de circulação é formado por patrimônio histórico material, a limitação do espaço é um obstáculo para atividade dos grafiteiros. No âmbito jurídico, a lei nacional nº 12.408/2011, que proíbe grafitar em local público ou privado sem autorização, prejudica a busca dos grafiteiros por locais onde expressar sua arte. Além disso, a lei 312/2010, instituída pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), regulamenta as intervenções no Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Ouro Preto, e a lei 1.728/2003 da Prefeitura Municipal de Mariana que visa também a preservação do patrimônio histórico material e imaterial da cidade, deixam as opções ainda mais escassas. Felipe conta que, mesmo nos locais fora do Centro Histórico de Ouro Preto, tem dificuldade em achar espaço para pintar, e afirma que a população da cidade não gosta do grafite devido ao seu conservadorismo e, por isso, dificilmente consegue permissão dos moradores.
e verem que fazem parte de uma coisa maior. Iolanda Leiko Já o artista Bruno Miné relata que, por ser uma arte diferente, em Mariana, moradores de locais afastados ficam curiosos e têm boa receptividade. Sobre a população ouropretana, ele acredita que as pessoas têm medo de sofrer alguma sanção social ao autorizarem o grafite em suas casas. Dinho sempre busca locais diferentes para pintar, como o campo e os distritos. Ele diz que não se importa com a visibilidade que o trabalho terá nesses lugares, mas sim com o diálogo e a poesia que ele pode construir. O recém-formado arquiteto e urbanista Breno dos Santos está no universo da arte urbana há 8 anos, e, para ele, a arquitetura e o grafite se complementam, já que um oferece o espaço planejado para a arte e vice-versa. Breno afirma que muitos arquitetos têm uma espécie de rejeição ao grafite por serem adeptos de um estilo erudito de arquitetura. Diz também que a junção dos dois conceitos de forma planejada é algo único, a partir da sua experiência em projetos do gênero. “O grafite feito por um arquiteto, assim como a arquitetura, pode transformar espaços e trazer sensações às pessoas”. Durante o curso de Arquitetura e Urbanismo, o artista fez estudo das cores e de como o uso delas influencia as sensações e percepções de cada pessoa, por isso julga as cores usadas no grafite como os principais elementos causadores do impacto artístico nos ambientes onde ele é empregado. Mesmo limitante para alguns, a restrição do grafite a áreas mais periféricas das cidades tem um lado positivo: contempla alguns moradores desses locais, especialmente os jovens, com uma arte que é mais próxima de sua realidade, não só ao reconhecê-la no grafite, mas também por se inspirarem a realizar esse mesmo trabalho.
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A estudante Iolanda ressalta que quem não tem muita proximidade com a cultura erudita dificilmente se enxergará fazendo esse tipo de arte, mas ao ver o grafite se identificaria. Isso aconteceu com Bruno Miné, que se apaixonou pelo grafite aos 12 anos ao presenciar Thiago Alvim, um dos artistas mais famosos na região de Ouro Preto e Mariana, grafitando. Miné, que já tinha interesse no universo hip hop, conta que ficou fascinado e começou a treinar em casa, onde até hoje olha com carinho para os primeiros grafites. O estilo barroco e colonial retratado nos centros históricos das duas cidades, especialmente Ouro Preto, não representa os indivíduos que moram afastados dos monumentos e museus, construções voltadas aos turistas, e não à população local. Aos que moram nos morros e bairros com paisagens e cotidianos bem diferentes do elitizado, a Arte Urbana oferece o sentimento de pertencimento, que é reforçado com o uso das cores, carregadas de significado e esperança para futuros artistas e seus respectivos apreciadores.
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Pigmentocracia O preconceito racial atinge os diferentes tons da pele negra. Superar essa exclusão exige uma luta só. Texto: Glenda Louise e Jasmine Jacyara Foto: Evelin Ramos Arte: Ingrid Mitsue Casting: Jahi Amani, Júlia Rocha, Raphael Rogrigues e Uriel Silva Desde a década de 1990, a personagem Globeleza estampa as telas da Rede Globo durante o período de carnaval. Seminua, a mulher negra é apresentada de modo atraente ao público. O que de início pode parecer positivo, visto que a conquista de espaço na mídia é uma luta ainda vigente dos movimentos sociais em defesa dos negros, tem efeito contrário, já que reforça estereótipos e naturaliza o preconceito. Em 2014, ao ser selecionada para atuar como Globeleza, a modelo e atriz Nayara Justino foi alvo de ofensas diretas do público. Um dos comentários mais frequentes foi que ela era “negra demais”. Após o ocorrido, o contrato com a emissora não foi renovado e a modelo foi substituída por uma negra de pele mais clara. O episódio deixou explícito como, no Brasil, os estereótipos variam de acordo com o tom de pele. Quanto mais escuro for o indivíduo, mais intenso é o racismo sofrido por ele. Um problema histórico. A negra de pele clara tem aval para ser desejada, enquanto Nayara, por ser negra de pele escura, é rejeitada nessa posição. Essa diferença de aceitação é nomeada como colorismo. Um fenômeno já conhecido pelos movimentos sociais, mas ainda pouco discutido no restante da sociedade. O conceito foi usado pela primeira vez em 1982, quando a escritora estadunidense Alice Walker, conhecida por defender os direitos dos negros e das mulheres, publicou um livro de ensaios chamado “In Search of Our Mother’s Gardens” (Em busca dos jardins da nossa mãe). Na publicação, Alice introduz o termo ao questionar a hierarquização das mulheres negras em dois fenótipos: negra de pele mais clara, que era vista como objeto sexual, e negra de pele escura que serviria apenas para trabalhar, evidenciando assim níveis de exclusão dentro de um grupo já marginalizado. Alessandra Devulsky, advogada e doutora em Direito Econômico e Financeiro, explica que o estudo vem da Antropologia e da Sociologia, além de estar relacionado às práticas do racismo: “De uma forma ou de outra, o colorismo cria estruturas de hierarquização entre as pessoas por conta do fenótipo que elas apresentam. Então, entender o colorismo é entender que as discriminações não ocorrem da mesma forma”. No Brasil, apesar de ser um conceito que se orienta apenas pela cor da pele, as características fenotípicas, ou seja, características físicas, também são usados como forma de hierarquizar o negro. Assim, Alessandra explica que “existem
tonalidades que são consideradas belas, positivas e humanas e existem as características pejorativas, relacionadas à ideia de uma animalização do sujeito”. Nesse sentido, o colorismo surge com o intuito de derrubar a ideia de que o Brasil é uma nação livre de preconceitos, por ser um país miscigenado. A mistura de raças, portanto, não cria uma barreira no racismo, mas sim uma hierarquização social. “Os chamados negros na verdade vêm de múltiplos povos de várias regiões do território africano. A miscigenação não elimina essas diferenças, ela multiplica”, é o que diz o sociólogo Ronaldo Sales, professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Busca pelo embranquecimento De acordo com Djamila Ribeiro, feminista negra e mestre em Filosofia, ainda que a maioria da população brasileira seja negra, os negros não são vistos em determinados espaços. Para a advogada Alessandra Devulsky, que atualmente escreve um livro sobre colorismo, entender a história do Brasil ajuda a contextualizar atuais pensamentos racistas. De acordo com a autora, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, a eugenia voltou a ser uma prática no país: “portarias e decretos administrativos vedavam a entrada de pessoas oriundas do continente africano. O objetivo era embranquecer a sociedade com imigrantes europeus, pois entendia-se que dessa forma a raça brasileira melhoraria”. Atualmente, os vestígios da busca pelo embranquecimento podem ser identificados pelos processos de alisamentos capilares e cirurgias para a afinação do nariz. Para a advogada, os negros de pele clara têm a possibilidade de serem associados em menor escala à negritude. “O fenótipo ajuda na medida em que eu sou capaz de me aproximar dessa linha normalizante, isto é, das características europeias”, explica. A autora diz que seu interesse pelo o assunto vem da percepção de ser um tema pouco abordado fora dos coletivos negros, além de sua vivência pessoal instigá-la a minimizar as diferenças: “Meu lugar é de enfrentamento e luta contra o racismo. Cabe a nós, mulheres negras de pele clara, não só reconhecer o privilégio que a gente tem, mas dar lugar em muitas circunstâncias a mulheres negras de pele escura que são invisibilizadas e silenciadas historicamente”.
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Afroconveniência e autodeclaração Em dezembro de 2017, a Universidade de Brasília (UnB) analisava 100 casos de estudantes que supostamente haviam fraudado o sistema de cotas para negros. A investigação repercutiu em todo o país e uma pergunta passou a circular na sociedade: em que momento a identificação como negro se diferencia de uma afroconveniência? Adilson Pereira dos Santos, pedagogo e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), define a afroconveniência como “o ato de uma pessoa se declarar negra, mesmo não sendo, pela conveniência de ser reconhecido assim em determinada situação.” Como exemplo, cita o fato de pessoas não-negras se declararem assim para obter benefício de uma política de ação afirmativa. Mesmo criticando o atual sistema de autodeclaração, o pedagogo, que luta pelo fim da sub-representação do negro dentro das universidades desde 1999, se declara totalmente a favor do uso de cotas. Adilson explica que o objetivo das ações afirmativas, de acordo com a lei nº 12.711/2012, é destinar 50% das vagas aos estudantes oriundos de escola pública; negros, pardos e indígenas; pessoas portadoras de necessidades especiais e pessoas com baixa renda. Entretanto, o que tem se revelado desde a aplicação da lei em 2013, de acordo com o coordenador do NEABI, é a recorrência de estudantes que não fazem parte do núcleo de pessoas a quem as vagas se destinam, se matriculando apenas com a autodeclaração. “A condição imposta na lei, não leva em consideração o genótipo ou o fenótipo. Ela simplesmente pede ao sujeito que se autodeclare. Um alemão pode se autodeclarar como negro”, explica. Segundo Raphael Amaral, gerente da agência do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de Ouro Preto, se um informante, pessoa que responde aos questionários, identifica-se como negro, ainda que não possua características afrodescendentes, a autodeclaração será computada. “O IBGE não atesta a cor”, afirma. Mas, para auxiliar na identificação, o entrevistador é orientado a explicar as cinco categorias existentes: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Raphael conta que existem casos em que a autodeclaração gera distorções. Um dos motivos é o fato do informante acreditar que sua resposta para o IBGE cria algum tipo de atestado de negritude, possibilitando assim a inserção a um grupo ao qual não pertence. Dessa forma, o atestado gerado serviria como justificativa para a entrada no sistema cotista, por exemplo. É importante ressaltar, no entanto, que as informações identitárias coletadas pelo instituto são sigilosas, ou seja, não produzem nenhum atestado.
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Para a estudante Raquel Satto, sua própria identificação racial foi mais complicada do que as cinco categorias citadas. Negra de pele clara e olhos puxados, ela conta que durante a infância ouvia comentários do tipo: “olha, uma é branca e a outra é meio encardida”, quando se referiam a ela e à irmã. Atualmente, Raquel faz parte do coletivo Braima Mané, que foi criado por alunos da UFOP com o intuito de aumentar a visibilidade do negro dentro da instituição de ensino. A militante entende que dispõe de algumas concessões por ter a pele mais clara, apesar de não possuir os mesmos privilégios de uma pessoa branca. Embora entenda o processo de autodeclaração e sinta que faz parte da comunidade negra, Raquel admite não ter convicção sobre a maneira correta de se autodeclarar: “Eu tenho muitos dilemas porque, pelo fenótipo, meu grupo específico é afro, asiático e indígena”. Para o coletivo, no entanto, a autodeclaração vem acompanhada de outras características além do fenótipo de cada um. “A gente entende que, para se autodeclarar, é necessário levar em consideração características físicas, ancestralidade, experiência de vida e a forma como indivíduo é lido pelos outros”. Apesar da existência dos coletivos, que ajudam nas discussões sobre a autodeclaração, serem cada vez mais frequentes na sociedade e principalmente nas universidades, o número de estudantes negros que ingressam no ensino superior ainda é baixo. O último censo demográfico divulgado pelo IBGE, em 2010, mostrou que no grupo de pessoas de 15 a 24 anos que frequentavam o nível de educação superior, 31,1% dos estudantes eram brancos, enquanto apenas 12,8% eram negros. Para Adilson, a solução para diminuir essa diferença entre o número de negros e brancos nas instituições de ensino superior é a obrigatoriedade do sistema de cotas, junto com o trabalho de uma comissão que valide a autodeclaração do candidato cotista. “Devemos combinar os dois mecanismos. A autodeclaração é o ponto de partida, é o primeiro documento que o estudante vai apresentar no momento de sua matrícula. Em seguida, o comparecimento à comissão de validação. No meu entendimento, quando você tiver esses dois mecanismos aliados, a tendência vai ser de que o sujeito reflita um pouco mais”, justifica. Conforme o coletivo negro Braima Mané explica, a afirmação racial reflete no fortalecimento da comunidade negra. “É importante se autodeclarar negro, mesmo que de pele clara, porque o colorismo é uma das formas de separar as pessoas que são negras e a ideia do coletivo é unificar as forças em combate ao racismo”.
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A indústria cultural - que produz conteúdos televisivos, musicais, publicações, etc. - elenca grupos sociais brancos para representar uma publicidade nada compatível com a realidade etnográfica do nosso país, no qual 54% das pessoas autodeclaram-se pardas ou negras. Como consequência, milhares de brasileiros não se sentem representados ao acessarem esses produtos. Liv Sovik, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que esse embranquecimento propicia uma ideia errônea de “projeto de nação”, na qual todos nós devemos seguir certos padrões. Dados sobre raça na indústria cultural brasileira, coletados em listas divulgadas ao final de 2017, revelam a discrepância entre a participação de artistas negros e artistas brancos em diversos cenários artísticos.
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Texto: Carlos Paranhos Foto: Amanda Santos Arte: Wigde Arcangelo
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Sentido Encarnado Ainda que a escravidão tenha sido abolida há 130 anos, o racismo não deixou de ser uma realidade
Texto: Isabela Resende e Rafaela Rissoli Foto: Fábio Souza Arte: Thiago Henrique Casting: Gabriela Telésforo e Luiz Gustavo Rose A história do Brasil é feita de heranças e continuidades. Mesmo diante dos avanços políticos e sociais, o país ainda é refém de problemas criados há muito tempo. É o que acontece com o racismo, produto de uma ordem hierárquica desenvolvida na sociedade escravocrata e que deu o tom da formação da nação por quase quatro séculos. Durante o período colonial, via tráfico negreiro, o Brasil foi o país que mais recebeu africanos para serem escravos, e um dos últimos a abolir a escravidão. Assim, a segregação racial se implantou como instrumento de manutenção de diferenças, manifestadas ainda hoje no preconceito de cor e na valorização do embranquecimento. Como explica o antropólogo e professor brasileirocongolês Kabengele Munanga, casos cotidianos de racismo passam despercebidos pelas pessoas porque o subconsciente identifica que a raça negra é um grupo social com traços culturais, linguísticos e religiosos inferiores a outro grupo: ‘’essa tendência consiste em considerar que as particularidades intelectuais e morais de um dado grupo são consequências diretas de suas características físicas ou biológicas’’. A discriminação de cor possui consequências. Quando manifestada de maneira explícita, envolve, por exemplo, episódios de conflitos diretos. Em 2012, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia
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e Estatística (IBGE), o número de assassinatos de jovens negros periféricos foi um exemplo disso, ultrapassando os 70% dos homicídios de pessoas entre 15 e 29 anos. Já a discriminação velada faz com que conflitos raciais sejam minimizados como um “mero mal-entendido”. O fato deste tipo de racismo ter força na sociedade brasileira torna difícil conseguir evitar alguns processos que impactam concretamente a vida das vítimas de preconceito. Claro, ninguém quer assumir o título de preconceituoso. A expressão “racismo” parece remeter a algo obsoleto quando, na verdade, está longe de sê-lo. É importante nos atentarmos a isso, pois em uma sociedade racista, aqueles que carregam melanina são os mesmos que convivem com uma dor antiga, sem receber nenhum tipo de apoio. A lógica de desvalorização do negro está incrustada também nas palavras e expressões da nossa linguagem. Durante o período escravocrata brasileiro, vigorava um ditado popular segundo o qual “mulher branca é para casar, mulata é para fornicar, negra é para trabalhar”. Cento e trinta anos depois da abolição da escravatura, esse ditado ainda está vivo no imaginário social e exemplifica como o preconceito se perpetua em nossas falas mais cotidianas.
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Preconceito falado Falamos o tempo todo de “inveja branca” (quando é positiva) e “inveja negra” (quando se deseja o mal a alguém). Outra expressão problemática e repetida à exaustão é “não sou tuas negas”, também de referência histórica, já que “negas” remete às escravas, que sofriam abusos e maus-tratos de seus senhores brancos. No dito “a coisa está preta”, há o uso do termo “preto” como valor negativo, uma associação pejorativa do preto como algo ruim. O mesmo acontece com “mercado negro”, com um agravante histórico: a origem do termo é ligada ao mercado ilegal de escravos, que passou a vigorar no Brasil após a proibição do tráfico, em 1850. Sinônimo de tornar negro, o verbo “denegrir” significa “deturpar, destruir, fazer mal”, preconceito que se revela nos próprios dicionários. Não é difícil constatar que, até nos mecanismos tradicionais de formação do léxico, estão arraigadas essas conotações. As diversidades negativas atribuídas aos termos preto e negro, revelam esses significados: sombrio, infeliz, triste, fúnebre e perigoso.
Resistência letrada Na pesquisa O Branco no Preto: As Negras Expressões de Racismo na Literatura Brasileira, desenvolvida pelo professor de Língua Portuguesa da Universidade de Fortaleza (Unifor), José Lemos Monteiro, investiga o uso de alguns desses termos por grandes escritores brasileiros. Nas conclusões do trabalho, o autor revela que jamais imaginaria quão desvalorizado o negro pudesse ser, expresso na linguagem de forma tão intensa e cruel. Pelos dados apresentados, o termo “negro”, na função de adjetivo, se associa geralmente a nomes que encerram algum significado pejorativo. Se funciona como substantivo, refere-se a aspectos que depreciam o negro, evidenciando um preconceito fortemente arraigado em nossa cultura. José Lemos chama a atenção sobre a importância de dimensionar o problema do preconceito racial na linguagem, já que se fala tanto em igualdade de direitos: ‘’Um esforço de conscientização, a partir da revelação desses sintomas, pode desencadear novas atitudes que, ao fim, se refletirão por via de consequência nas formas de expressão linguística”.
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Entre os nomes dos autores citados no estudo de José Lemos Monteiro, um possui destaque: o escritor que fez uma ruptura pioneira no teor romantizado da palavra negro, Lima Barreto. No início do século XX, pouco tempo depois do fim da escravidão, esse autor soube retratar sua cor a partir de uma crítica aguda ao que negros e negras eram submetidos durante o período escravocrata: “negros, negras, negros flexíveis, pardos, pardas, pardos claros, escuros, morenos, morenas, caboclos, caboclas, mestiços, crioulos, azeitonas, morenos pálidos, morenos fortes, negra suja, velha preta, criada preta, moça pobre mulata”. Dessa forma, seus romances fazem-se densos a partir de “uma miríade de cores para dar conta desse vocabulário brasileiro que acomoda origem, hierarquia, sexualidade, região, geração e classe social”, como ressalta a historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, autora de importantes obras que retratam o negro. Apesar de acharmos que o jeito de agir e falar entre nós é harmônico e cordial, na verdade isso apenas mostra uma vocação quase explícita de não se criar conflito direto. Tudo o que é problemático é tratado de maneira velada, escondida. Tal comportamento explica as especificidades do “racismo à brasileira”, que produz desigualdades visíveis nos dados, mas se reproduz com força quase inabalável em processos culturais e silenciosos de opressão. Apesar de 54% dos brasileiros serem negros, segundo dados disponibilizados pelo IBGE em 2015, a rejeição simbólica do negro e do africano ainda é persistente no Brasil. Uma informação relevante dentre tantas outras acerca dos desafios que cabem à luta pela igualdade racial. Segundo José Monteiro, ‘’qualquer tentativa de mudança não deve centrar-se na preocupação exclusiva com o uso da língua. Esta, sendo espelho ou reflexo da sociedade, apenas sugere sintomas do comportamento social’’. É hora de tirar o racismo do seu vocabulário, porque preconceito não precisa ter voz.
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A éa TODAS ê tendência Sentir-se bela parte de dentro para fora e vice-versa. A diversidade estética brasileira e global é imensa e construtora de inúmeras realidades de boniteza. Pensando nos cosméticos e sua relação com o ser bonita, a maquiagem é uma dessas vertentes. Mulheres e homens buscam na maquiagem um modo de exaltar e promover novos conceitos de beleza. Essa indústria, que por tempos foi fragmentada atendendo apenas a um perfil de consumidora, se vê obrigada a expandir seu catálogo de peças, por conta da tensão de suas consumidoras que não se identificam com o padrão acolhido. É o caso da Fenty Beauty, marca criada pela artista Rihanna. Riri, como é carinhosamente apelidada pelas fãs, é nascida em Barbados (Caribe) - um país, de acordo com o site institucional do Colégio São Francisco, composto por uma população 90% negra. Essa realidade pode ter tido grande influência na escolha dela e de sua firma em lançar recentemente uma linha de maquiagem que carrega o slogan de um produto "para todas". Tal ação inclusiva diferencia a marca de Rihanna das concorrentes ao promover a comercialização de mais de 40 tonalidades de bases faciais. Fenty Beauty foi avaliada, no mês de lançamento, em 72 milhões de dólares. Na premiação Beauty Innovator Awards (evento anual que premia artistas e empreendedores da beleza por inovações no setor dos cosméticos), venceu em três categorias: “Melhor Base para Cobertura”, “Melhor Campanha” e “Empresa Inovadora do Ano”. A revista TIME nomeou a novidade como uma das melhores criações de 2017. A publicação destacou que as marcas L’Oréal e Make Up For Ever, após o sucesso de Fenty, produziram linhas com maior abrangência de tonalidades. De acordo com o site oficial, as bases de nuances escuras se esgotaram em sua primeira semana de venda, o que revela uma demanda antes ignorada.
Black inclusão A discriminação mercadológica combatida por Fenty Beauty não se esgota na maquiagem. O cuidado com os cabelos cacheados e crespos também faz parte dessa realidade. Apenas nas últimas décadas, rompeuse a padronização dos cabelos, na qual o liso era enxergado e cultivado como elegante. A comercialização e utilização dessas mercadorias tiveram uma alta exuberante; diversas linhas específicas foram lançadas e sua exigência por parte das clientes fez com que salões mudassem seu menu de produtos. Solange Faustino, 40, é proprietária do Salão H.E.S e atua em Mariana (MG) há 23 anos. Especialista em cabelo afro, tornou-se profissional aos 17 anos, mas comenta que desde os oito já estava envolvida com atividades capilares. Começou realizando tranças indianas, tranças raiz e as tranças brox braids (Rastafari), mas devido as exigências de sua clientela, buscou aperfeiçoamento para trabalhar com cabelos crespos e cacheados. “No começo era trança, uma febre surgindo. Agora que o povo está assumindo a naturalidade, assumindo o cabelo afro”, diz ela.
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Texto: Gabriel Conbê Foto: Mariani Barbosa Arte: Bruno Andrade Casting: Carol Rooke, Hannah Carvalho, Jahi Amani
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Atualmente, sua clientela é composta por 98% de pessoas negras, das quais 90% são mulheres e 10%, homens. Para Solange, realizar o processo de transição capilar em suas clientes hoje é uma facilidade, por conta dos produtos voltados para o cabelo afro. Ela afirma que isso faz com que as pessoas desfilem pelas ruas com seus blacks (um estilo de penteado): “Antigamente as pessoas achavam que o cabelo tinha que ser liso. Então acho que quebrou o tabu. Porque o cabelo afro não cresce para baixo, né; ele cresce para cima. As pessoas, a maioria, tinha vergonha de assumir. Eu acho que quebrou isso. As pessoas estão se amando, se respeitando mais". Exemplo desta nova modelagem, Karol Conká, 31, é símbolo de empoderamento e representação. Atualmente a rapper curitibana é a apresentadora do programa "Superbonita", do canal de TV por assinatura GNT, um show de variedades que discursa sobre o universo da beleza "de fora e de dentro". Em 17 anos de exibição, o programa contou com sete apresentadoras, apenas duas negras. A primeira delas foi a renomada atriz Taís Araújo, de 2006 a 2009, que detém uma trajetória construída pela grande mídia. O inverso de Conká, que debutou pela cena underground e foi conquistando visibilidade. “Agora à frente do 'Superbonita', Karol mostra toda sua versatilidade e despojamento nesse novo passo em sua já brilhante carreira”, uma das frases que o site do programa utiliza para descrevê-la. Quando a cantora foi anunciada como a comandante do programa, no ano de 2017, ela chegou a dar diversas entrevistas sobre ser a nova cara do show. Em entrevista ao jornal Extra, a artista explica a rejeição que as consumidoras negras enfrentavam pelas marcas de cosméticos: “Eu tinha dificuldade de encontrar produtos de beleza. Quando eu abria o catálogo e comprava o que estava no rosto da modelo, não ficava legal porque eu esquecia que era negra e que a menina tinha o tom da pele mais claro do que meu. Mas ainda bem que a indústria está abrindo os olhos. Sabe que tem gente que vai comprar e que tem um povo com voz ativa para cobrar."
2012”, afirma a empresa GP Investments (companhia líder em investimentos alternativos na América Latina), através do comunicado oficial publicado em 2013, após adquirir um terço da empresa. Hoje os cachos movimentam milhões. E é pensando também no perfil econômico desta coletividade consumidora, que em 2016 a marca Negra Rosa surgiu. Délia das Graças, 38, é revendedora da Negra Rosa há quase um ano. “Queria [vender] uma maquiagem específica para pele negra e com preço acessível”. Ela explicita que seu público está crescendo a cada dia e comenta sua escolha por representar a marca: “A maioria [das clientes] reclamava das bases terem sempre tons claros demais, deixando o rosto carregado por terem que usar um pó mais escuro. Demorou muito para o mercado voltar a atenção para a pele negra". Essa potencialidade e representação da comunidade negra, com a criação de produtos étnicos, defende a identidade, direitos e valores de uma coletividade que há pouco tempo era rejeitada por suas características físicas. A (re)ação da indústria da estética repentinamente em promover uma gama de produtos destinado às características das pessoas negras é também uma conquista de diversos movimentos sociais, que resistem a antigos preconceitos e estereótipos que, lamentavelmente, são associados às negras. “O cabelo do negro, visto como 'ruim', é expressão do racismo e da desigualdade racial que recai sobre esse sujeito. Ver o cabelo do negro como 'ruim' e do branco como 'bom' expressa um conflito”, afirma a pedagoga Nilma Gomes, autora da pesquisa Corpo e cabelo como ícones de
construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte (2002). Que os tempos são outros, não podemos negar. Mesmo diante do aumento de representatividade da negra e do avanço socioeconômico, não se trata verdadeiramente de um progresso. Afinal, a inclusão por parte do capital é focada em ser lucrativa, não transformadora.
Bonita Rebelião A resposta do mercado relatada por Conká não aconteceu espontaneamente. Uma matéria publicada pela Agence France-Presse (AFP), em 2013, indica que a renda da população negra foi a que mais cresceu no Brasil entre 2001 e 2009, cerca de 45%, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A marca nacional O Boticário lançou em 2008 a linha Intense, buscando atender uma clientela diversa. Em 2011, a marca apresentou uma nova coleção, incluindo o kit voltado as mulheres de pele negra. A Indústria Cor Brasil, lançada em 2004, criou produtos específicos para os cabelos cacheados. Tais mercadorias foram desenvolvidas para serem usadas nos salões de beleza do Instituto Beleza Natural (1993). Resultante da ausência de produtos com qualidade destinados às consumidoras negras, Beleza Natural - que antes era um salão de garagem, tornou-se em uma das maiores redes especializadas em cabelos cacheados e crespos. “O Beleza Natural é uma rede de institutos de beleza com foco na Classe C. Atualmente opera através de 13 lojas em três estados diferentes (Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia) e alcançou um faturamento de aproximadamente R$140 milhões em
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Brilhemos intensamente como um diamante. Nós somos belos como os diamantes no céu. Rihanna
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Corpo de Nuvens A designer Bruna Sanches, autora do Blog “Minha segunda pele”, convive com o vitiligo há 13 anos. Desenhista de seu próprio corpo, aceita hoje os desenhos que só ela tem. texto:
Mariana Morais Foto: Melissa Reis Arte: Caroline Borges Casting: Débora Madeira
Era um dia como qualquer outro em 2005, quando Bruna se levantou para fazer sua rotina matinal antes do trabalho. O espelho estava embaçado com o vapor da água, e quando passou as mãos querendo desembaça-lo para se maquiar, notou uma manchinha muito branca e bem pequena no canto da boca. Ela tinha ido dormir com a pele perfeita, e acordou assim, manchada. O desespero foi instantâneo. Bruna estava com uma anomalia de pele caracterizada pela despigmentação do maior órgão do corpo humano. A casa onde habita sua alma, e ela não queria mais morar ali. Não com aquelas manchas. Tinha 18 anos, se achava bonita, tinha uma vida profissional no design gráfico e o sonho de se casar. Nessa vida planejada não existia uma Bruna manchada. No reflexo do espelho, as manchas brancas, confundidas com a cor natural da pele, tinham nome. Os médicos foram duros: “é vitiligo”. Para Bruna Sanches é mais que isso: as marcas são desenhos que ilustram sua história há treze anos.
Tempo chuvoso Seu primeiro contato com a anomalia foi quando ainda era pequena. Parece até ironia do destino, ou coincidência demais, já que um de seus maiores medos era ter vitiligo, desde que viu um primo de seu pai que tinha a doença. Ela sentia pena dele e imaginava como sua vida era ruim por ter a pele toda manchada. Foi ao dermatologista, e saiu de lá mais sem chão do que quando chegou. A notícia foi curta e sem empatia. Segundo o médico a causa era ansiedade. Bruna sentiu que estava se machucando, que a culpa era sua. Isso só piorou o processo de aceitação da doença. Estava com vitiligo e não queria estar.
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Depois da notícia, a família não sabia o que fazer. Bruna tinha medo de nunca mais ser amada e sua insegurança falou mais alto. A sensação era de ter perdido o controle de si mesma. Não conseguia dormir tranquila, porque sabia que ao acordar podia olhar para o seu corpo e encontrar novas manchas. Tentou vários tratamentos, de laser, remédios a pomadas e uma série de regras que eram difíceis demais para seguir. O processo era sofrido e a machucava. Na mesma época, em 2011, veio o término de um namoro e o falecimento do avô. Sua autoestima chegou ao fundo do poço. A tristeza bateu à porta sem pedir licença e se transformou em depressão. O choro era rotina e a doença aumentou. Sua pele começou a se despigmentar cada vez mais. As manchas aumentavam, assim como sua raiva por elas. Em meio a toda turbulência, Bruna precisou enfrentar também o preconceito. Caras de nojo, olhares maldosos, inúmeras opiniões e invasões oferecendo tratamento para o que julgavam uma anormalidade. Buscou se recuperar de alguma forma. Fotografava constantemente sua pele para acompanhamento médico. Tinha vergonha das fotos, mas paixão pela fotografia. E o gatilho para sua aceitação veio do olhar para a poesia que ela via em sua própria pele.
Tempo nublado Bruna costuma chamar as pessoas que a ajudaram de “boias salva vidas”. Uma delas é o Fernando. Eles se conheceram em um show, onde trabalhou como fotógrafa. Depois de um ano conversando nas redes sociais, marcaram de se ver novamente. Bruna ainda vivia para o vitiligo e sentia necessidade de falar rápido sobre a doença, torná-la uma verdade. Com o Fernando foi assim, no início da conversa, já tirou as mãos que estavam escondidas de baixo da mesa e
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Identidade Habitar
de uma forma dramática mostrou o seu vitiligo. E, quando ouviu as palavras saindo da boca de Fernando, se assustou. Ele já tinha reparado suas manchinhas e as achado lindas. Não eram manchas, e sim desenhos únicos que só ela tinha. Foi a primeira vez que Bruna ouvia alguém fora do âmbito familiar falar do vitiligo com doçura. Com um sentimento de renovação, correu para compartilhar com sua mãe o que tinha ouvido. Chegando em casa perguntou como ela via suas manchas. Recordando uma cena do filme Amelie Poulain, onde a personagem olhava para o céu buscando desenhos, a mãe comparou sua pele com o céu e suas manchas com as nuvens. Bruna logo pegou uma caneta e começou a circular suas manchas buscando seus desenhos. Encontraram o Pluto, fantasminhas, corações e isso foi incrível. Foi a primeira manifestação espontânea de sua mãe em relação a doença. Os conceitos começaram a mudar. O que antes parecia terrível, já não era tão ruim. A designer ainda se escondia, andando com as mãos no bolso, maquiando suas manchas. Estava rodeada de pessoas que a motivaram a aceitar o seu vitiligo e enxergar que ela é linda e que suas manchinhas são sua marca. Em 2015, Bruna já estava mais madura e acostumada com sua condição. Morava com o namorado, trabalhava e levava uma vida normal. Mas a anomalia ainda a incomodava. Ouviu de sua mãe sobre um novo procedimento que poderia acabar com o seu vitiligo. Uma cirurgia de enxerto, na qual ela poderia remover uma parte da pele de suas costas e implantar em sua mão. Marcou a cirurgia, porém ainda se sentia insegura. Lembrou dos mais de 50 dermatologistas que consultou sem resultado. Sua doença é muito rara e muitos médicos se assustaram, enquanto outros queriam testar tratamentos. Era muito perigoso. Dois dias antes da cirurgia, seu ex-namorado a fez repensar, mostrando como
suas manchas eram características dela. Além de bonitas, eram sua marca, e ela não deveria se machucar novamente. Recorreu a seu pai, que sempre acompanhou seu processo. Depois de ouvir seus conselhos, Bruna desmarcou a cirurgia. Naquele dia, deparou-se com o que até então não tinha vivido: ela havia se aceitado.
Tempo ensolarado A necessidade de compartilhar isso com outras pessoas apareceu. Bruna selecionou sua melhor foto, colocou no Facebook e escreveu que não iria mais se machucar. As reações foram muito positivas. O que era um horror estava se tornando uma missão de vida. O seu primeiro projeto foi a criação de um perfil no Instagram, o Minha Segunda Pele. Em agosto de 2016, criou seu blog e começou a compartilhar sua história com outros leitores. Em dezembro de 2017, recebeu um convite para participar de uma campanha nacional de uma empresa de cosméticos. Em janeiro de 2018, Bruna tirou mais um projeto do papel e criou seu canal no YouTube. O que antes era motivo de sofrimento, hoje, com quase 31 anos, é motivo de gratidão e inspiração. Pois foi graças ao vitiligo que ela se reconstruiu, renovou sua auto estima e se tornou uma mulher forte e inspiradora. Hoje, aceita o seu céu cheio de nuvens, um céu que só ela tem e que sabe que precisa cuidar. O seu lado místico faz com que veja isso de uma forma bela: a ressignificação do corpo como o céu e das manchas como nuvens. Quando está muito triste, é como se o seu céu estivesse nublado, novas manchas aparecem e mais nuvens surgem. Mas quando está sol e Bruna está feliz, as nuvens ficam mais bonitas.
O que era um horror estava se tornando uma missão de vida. O seu primeiro projeto foi a criação de um perfil no Instagram, o Minha segunda Pele. Em agosto de 2016, criou seu blog e começou a compartilhar sua historia com outros leitores.
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AMARELO DESERTO Texto: Rafaela Rissoli Arte: João Vitor Nunes
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Opinião
- Mãe. - Que foi, Maria Júlia? - Nada não. - Fala logo, menina! - Não, deixa pra lá... - Mas olha, você sabe que não gosto de drama. - É que eu esqueci o que eu ia falar. É claro que eu não havia esquecido coisa alguma. Se há algo que eu não fiz foi esquecer. Demorei para memorizar o nome de M. C. Escher, mas as escadas e as luzes e as sombras e as meias sombras e o reflexo de sombras eu nunca, nunca esqueci. Quem já viu deve saber do que eu estou falando. Aqueles quadros tentam criar uma lógica ao caos. Nem sei se é isso que o tal de Escher quis fazer, mas foi isso que eu vi. “Onde já se viu ordenar um caos?”, era o que eu pensava enquanto descia aquelas escadas, enquanto subia, enquanto os degraus embaralhavam na minha mente. “É, isso não faz sentido”. Mas que fazia sentido fazia, nunca vi uma exposição que fizesse tanto sentido. - Mas quanta tolice, garota! Já lavou a louça? - Já vou, mãe. - Eu tô falando pra ir agora, não tem essa de “já vou”! Comecei a pensar em criar minha própria exposição com louças sujas. A ideia parecia perfeita, uma aquarela inteira de imundície. Até sorri. - Vocês já pensaram em levar Maju ao psicólogo? Talvez seja depressão. Eu estava muito ocupada para ficar atrás da porta ouvindo minha mãe e minha tia conversarem. E também, pudera, um amontoado de coisa-de-gente-grande. Sempre disse que meu quarto era feito de quatro paredes e meia. Tinha uma quina no vértice da porta, não sei explicar muito bem, mas acontece que quando eu estava ali, era tudo parede. Negligenciei a maçaneta e comecei o trabalho. Minha exposição tinha hora marcada e eu precisava agir. As vozes familiares que estavam além do trinco já me soavam como algo inanimado. Ouvi breve algo sobre “isso é doença de rico”, mas não fiz disso um evento. Até porque, mamãe sempre disse que as coisas são muito relativas, então sei lá se existe alguém que saiba de verdade alguma coisa nesse mundo. Vai ver ela também conhecia os quadros de Escher, mãe deve saber o que fala. O primeiro splash de tinta parecia mais uma poça depois de uma forte chuva. Eu estava satisfeita. “Vou ficar famosa”, pensei. Começaram a surgir vários ladrilhos. A princípio eram dourados, depois as cores foram se confundindo com preto e cinza, cinza, mais cinza. Pronto. Faltava só mais um detalhe. Craccc! Mãe e tia saíram correndo pra ver o que eu tinha aprontado desta vez. Juntei alguns cacos do espelho para compor a obra. Uma, duas batidas na porta. A arte não pode esperar. Aquilo era a primeira coisa que me fazia feliz desde que me entendia por gente. Não tinha perfume, era tudo cor de sujo. “Não, mãe, Maju não quer viver mais”, foi o que eu disse antes de ver o vermelho da minha garganta colorir as paredes que eu chamo de “Belvedere da Maju”.
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Sensação
A cor-pura do teu corpo Foto: Pedro Meneghetti Arte: Igor Mattos Texto: Igor Mattos e Pedro Meneghetti Casting: Indie Odara e Lanara Odara
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Composto de melanina, o corpo nasce nu, liso e vazio de gênero. É um quadro a se fabricar na progressão dos dias e nas despedidas das noites. Na dança da vida, constroem-se laços ao som das vozes. O gênero transforma, a cor abraça. A drag é o embate do que foi ensinado a ver no espelho.
O íntimo entra em contato com o exterior. Pigmentos, sons, tecidos, cabelos, anéis, pincéis, batons, colares, cílios começam a preencher essa tela e fazer o que chamamos de humano. Parafraseando Simone de Beauvoir, “o corpo é uma situação”, somos o que nós pintamos e representamos .
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