Revista Curinga Ed. 22

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Setembro de 2017 | Ano VII

Revista Laboratรณrio | Jornalismo | UFOP

22


Expediente Curinga é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II. Revista produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social (DECSO). Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Professores Responsáveis Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem) André Luís Carvalho (Fotografia) Talita Aquino (Planejamento Visual)

Redatores

Amanda Granado Amanda dos Santos Francisco Ana Paula Bitencourt Caio Franco Eric Costa Gabriela Vilhena Lorena Lima Luana Carvalho Priscila Santos

Diagramadores

André Nascimento Carolina Carli Deborah Alves Fernanda Covalski Júlia Rocha Marina Lopes Matheus Gramigna

Fotógrafos

Editor de Texto Matheus Santiago Editora de Arte Mariana Viana Editor de Fotografia Samuel Consentino Editores de Multimídia Guilherme Oliveira Pedro Nigro Revisores Caroline Borges Ticiane Alves

Daniel Tulher Iara Campos Jéssica Avelar Laís Stefani Luccas Gabriel Mariana Brito Paula Locher

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como s tempos de p

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Monitor: Alex Galeno Endereço: Rua do Catete, 166 - Centro 35420-000, Mariana - MG

GOLP

g Setembro/2017


PE DE MERCADO

32

34 29

inconfidencia

28

24

REFORMA TRABALHISTA

fake news

26

cronologia dos glopes

22

comendo pelas beiradas

sobreviver em polarização?

Por que Dilma?

golpe de AMOR

18 14

trambiques

12

golpe de imagem

8

10 6

golpe de sorte

jeitinho brasileiro


Editorial

Foi a partir da ideia do imponderável que nossas pautas surgiram. O próprio mote da edição foi uma surpresa, proposto pelos professores, diferente do que era praticado antes, com temáticas vindas apenas pelas sugestões dos alunos. “Acontecimento repentino que deixa marcas”, definição genérica que pode ser atribuída a palavra golpe, tema desta edição da Curinga. As reportagens iniciais tratam de aspectos “miúdos”, mas substanciais. Será o Brasil a terra do homem cordial, dos Macunaímas? A pergunta nos conduz a reflexão sobre as artimanhas utilizadas por nós na lida diária - jeitinhos, trambiques, gambiarras - que recaem sobre aspectos éticos da nossa sociedade. Temos (ou somos) a solução? Pensar no tema golpe foi um desafio, na medida em que também procuramos tratar de assuntos que fugissem da literalidade atribuída à palavra. Nesse sentido, temos a matéria sobre como o amor nos capta e de que maneira ele pode se transformar num processo, muitas vezes, doloroso. Também trazemos uma reflexão do que é entendido por sorte, seja pelo viés mais científico ou religioso. Há também discussões contemporâneas mais latentes, referentes aos rumos da política e economia. Refletimos sobre os processos que temos assistido no Brasil com o intuito de entender o papel de cada peça no tabuleiro político nacional. Além disso, trouxemos um manual de sobrevivência bem humorado que pudesse sinalizar caminhos de saída em tempos de polarizações e mal entendidos cada vez mais constantes. Um ponto latente na construção da revista foi o questionamento sobre quem são os verdadeiros golpeados. No andar dos rumos escusos do poder político atual, afirmações do tipo foi golpe” ou “não foi golpe” inundam as timelines e matérias da imprensa, mas pouco se fala sobre quem sempre saiu solapado. Ao fim da edição, em ensaio fotográfico, trazemos os golpes diários sofridos pelos brasileiros, que não conseguem enxergar a sociedade como um ambiente de pleno exercício da cidadania, onde direitos básicos deveriam ser resguardados. No tempo acelerado em que vivemos, buscamos deixar nas páginas da Curinga um espaço de reflexão. Quem vai pagar realmente o pato? O que está em jogo? A presente crise no país é o momento propício para buscar novas visões do que parece ser um problema antigo.


Eu no Mundo


Identidade

Jeitinho Nosso Criatividade e malandragem como ícones nacionais Texto: Eric Castro Foto: Jéssica Avelar e Mariana Brito Arte: Matheus Gramigna

O Brasil é conhecido como o “país do jeito”. Na nossa cultura, para todos os problemas existem possibilidades de se contornar e resolver situações adversas. Essa destreza em superar as dificuldades da vida se mostra benéfica quando caminha pela espera do favor, em prestar ajuda ao outro ou ser ajudado. E isso se deve a inventividade do brasileiro, que consegue encontrar saídas criativas mesmo em meio a circunstâncias desfavoráveis. Por outro lado, esse subterfúgio pode estar relacionado a tomar vantagem ou a uma estratégia desonesta para conseguir o que se deseja. Pensando nisso, vem a mente a imagem do malandro, o sujeito que utiliza de uma série de artimanhas para se dar bem, e que com sua lábia e carisma consegue, por vezes, manipular pessoas e resultados. A figura do malandro foi representada através de diversos personagens na literatura e cinema,

como o famoso Zé Carioca. Criação de Walt Disney, do início da década de 1940, “Zé” fazia uma ode à imagem do malandro carioca, na figura de um papagaio bem-humorado que vivia de pequenas espertezas. Embora um tanto romântica e caricatural, essa imagem aproxima-se do lado negativo do “jeitinho”, pautado pela ilegalidade e corrupção. No livro “Dando um jeito no jeitinho” (2000), o autor e especialista em ética, Lourenço Stelio Rega, explica que quando se fala em jeitinho brasileiro, logo se pensa em esperteza, em ludibriar alguém, pagar suborno e assim por diante. Para o autor, isto é uma espécie de jogo que demonstra a liberdade que o homem quer ter, não se prendendo às malhas da lei, mostrando-se, portanto, superior à própria norma. Essa flexibilidade de consciência, segundo ele, faz com que a pessoa que deseja dar um jeito não se preocupe com as leis ou regras.


Raíz histórica

Dilema Ético

O professor de Sociologia da SEE-MG (Secretaria de Educação de Minas Gerais), Rodrigo Furtado Costa, explica que esse traço marcante do comportamento do brasileiro é histórico. Desde a colonização do Brasil por Portugal, tinha-se idéia que por essas terras, de alguma forma, alguém tentaria levar vantagem ou “roubar”, especialmente no que diz respeito a impostos. Tanto que a própria Derrama - imposto cobrado para complementar os débitos que os mineradores acumulavam junto à Coroa Portuguesa -, que tinha em torno de si a dureza da lei, previa quase por “intuição” que alguém não pagaria o imposto previsto. Outro exemplo lembrado pelo professor é a forma como se entende e vive os valores sociais: “Uma pessoa nos Estados Unidos ou Europa teria como palavra final um NÃO ou um SIM de um policial e isso seria suficiente para a maioria entender que a regra deve ser respeitada. Já entre nós, a percepção que se construiu nesse sentido é que a lei é lei mas pode ser descumprida”. “Somos um povo que gosta muito de relativizar e questionar, inclusive protocolos e regras”, sintetiza Costa. O questionamento do brasileiro em relação às regras, explica o professor, se dá sobretudo quando elas não o beneficiam diretamente. Rodrigo cita o que o historiador Sérgio Buarque de Holanda nomeou como o “homem cordial”. “Essa cordialidade não tem a ver com ser amável ou simpático, mas com a passionalidade. O mesmo homem dito honesto e trabalhador pode matar em uma situação de estresse em trânsito”, afirma. Ou, num ato passional, “descumprir regras que coloquem a todos em segurança, para se livrar de uma adversidade ou problema”, complementa. O especialista em ética, Lourenço Rega, propõe a existência de um círculo vicioso para o qual o brasileiro comum é empurrado. Ele diz que, em primeiro lugar, há um generalizado descaso das autoridades públicas em relação às necessidades do povo. Esse descaso alimenta o jeito, que é induzido pelo espírito livre e pela consciência “elástica”. O povo sente-se no direito de transgredir as normas, já que “os impostos são pagos e o governo faz pouco caso disso”. Depois, para não ser punido por causa da transgressão, novamente o brasileiro dá um jeito na situação - paga suborno. É o ato da corrupção. Por um lado, esse procedimento protege o transgressor, mas de outro, estimula o corrupto a continuar no erro, explica Lourenço. O pagamento do suborno gera a impunidade, fechando o ciclo com a continuidade do descaso e assim sucessivamente.

De fato, os artifícios do “jeitinho” estão inseridos na estrutura cultural do nosso povo. Mas é possível sobreviver a essa sociedade afeita ao jeito? Lourenço responde que sim. Segundo o autor, para subverter essa situação é necessário ter “decisão e caráter” diante das situações que provoquem alternativas dúbias. Seria essa conscientização moral que capacitaria o brasileiro comum a superar o dilema ético sobre escolher entre o fácil e o correto. O professor Rodrigo pontua: “Embora pareça uma estratégia de sobrevivência inofensiva, o ‘jeitinho’ na verdade satisfaz os desejos pessoais em detrimento da maioria”. Questão a se pensar. Na terra onde para tudo há uma improvisação, o que está em jogo é a cidadania.

Da criatividade à malandragem o povo brasileiro utiliza o seu jeitnho para transformar a realidade.

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Habitar

Texto: Priscila Santos Foto: Jéssica Avelar Arte: Matheus Gramigna Qual imagem desejamos projetar de nós mesmos? Sou o que realmente aparento? Faço o que realmente desejo? Em tempos de internet, “textão” no Facebook e vídeos no Youtube, vivenciamos uma espécie de frenesi coletivo de culto à adoração da imagem. Nesta sociedade repleta de exigências, existem padrões de comportamento na vida real e online para estabelecermos nossas relações com o mundo. Pensando estritamente em nossos discursos na web, acabamos por projetar personagens para além de nossas identidades. A Psicologia chama esse fenômeno de “golpe da imagem” - pois, em muitos casos, uma imagem bem sucedida significa exercer um tipo de poder e status sobre outras pessoas. Para a psicóloga Carolina Ziviani, 32, vivemos em grupos desde o nascimento. Dessa forma, tudo o que aprendemos com outras pessoas, compõe nosso repertório de normas e padrões de convívio. “As regras morais são comportamentos validados pela sociedade, que nos ensina o que é certo ou errado. Porém, são modificadas ao longo do tempo e nem sempre são benéficas a todos”, afirma Ziviani. Para ela, precisamos ser críticos com relação a comportamentos padronizados, pois, muitas vezes, essa normatização nos leva a tentar ser ou aceitar algo que não somos. Assim, existem experiências (mesmo que negativas) nesse emaranhado de vivências que são cruciais para a construção de quem somos. A maneira com a qual iremos experienciar nossa existência, bem como o modo que iremos nos afetar diante dela, dependerá da individualidade de cada um. Maria Silva*, 28, apaixonou-se pelo professor de Física, na época cinco anos mais velho que ela. Inteligente, fã de Beatles e do diretor de cinema espanhol Pedro Almodóvar, ele parecia ser tudo aquilo que ela havia sonhado para si. Parecia. Em dois anos de relacionamento, Maria* vivenciou momentos de subjugação e violência, terminando a relação com uma ordem judicial de restrição. “Hoje, depois de muita terapia, tenho uma vida amorosa estável, mas tenho plena consciência de que nem tudo que reluz é ouro”, afirma Maria*. Ainda que experiências hostis possam se tornar traumas, algumas pessoas conseguem superar essas vivências negativas. Foi o que aconteceu com o fotógrafo Flávio Charchar, 31. Sua imagem pessoal era algo inimaginável. Durante a infância e adolescência, foi submetido a situações de vulnerabilidade e bullying pelos colegas de escola. Restrito a pou-

Quem você pensa que é?


cos amigos e a diversos estereótipos como o de nerd e esquisito, conseguiu encontrar uma saída em seu processo de sociabilização. “Acredito que quando sofremos bullying, criamos um certo antagonismo ao grupo opressor. Assim, procurei me apoiar em pessoas parecidas comigo e fui formando e reafirmando minhas opiniões e gostos. Foi dessa forma que subverti meu sofrimento, me tornando quem hoje eu sou”, reflete Charchar.

Imagem e influências

É preciso refletir cada vez mais sobre nossa imagem pessoal e seus desdobramentos positivos e negativos na sociedade

O termo “influenciadores digitais” é utilizado para designar pessoas que trabalham sua imagem online em busca de fama, dinheiro ou reconhecimento de seus discursos. Com isso, muitos internautas têm como fontes de consumo de informações, blogueiras e youtubers. Marcas e eventos investem diretamente na imagem dessas pessoas, trocando alguns posts com menções em redes sociais por dinheiro ou produtos. Em julho de 2017, o canal de TV por assinatura, GNT, realizou um encontro chamado TEIA. A proposta do evento foi promover uma reflexão sobre novas perspectivas de vida em um mundo que está em constantes mudanças. Assim, webcelebridades, blogueiras, cantores, ativistas, jornalistas, vlogueiros e personagens da web, reuniram-se em São Paulo. O youtuber Cauê Moura possui mais de cinco milhões de inscritos em seu canal e participou dessa última edição. Moura fala abertamente que, em seu vlog, quem se apresenta é a sua persona, e os discursos ali colocados fazem parte apenas da personalidade do personagem. “O caos é o meu negócio. As maiores repercussões do que eu faço se propagam muito mais quando os assuntos são polêmicos ou controversos”, afirma Cauê durante uma entrevista ao canal de TV. Para Beatriz Polivanov, doutora em Estudos Culturais e Mídia e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), existem padrões estéticos de imagens que são propagados pela mídia (TV, Internet, revistas, jornais impressos e rádio), bem como pela publicidade e redes sociais mais pessoais, como Facebook e Instagram. Ela afirma que os influenciadores digitais são pouco questionados, já que o ato de assumir a opinião de outras pessoas sempre existiu. Além disso, pouco se sabe sobre essa “prática profissional”, pois muitas vezes a ideia de digital está ligada a construção de narrativas sem um grande suporte midiático por trás. Segundo Polivanov, é preciso refletir criticamente sobre o amadorismo característico dos canais de youtubers e blogueiros, que podem divulgar conteúdos de maneira simplista com valores questionáveis.

*O nome foi modificado para proteger a identidade da personagem.

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Comum

Golpe de sorte Texto: Luana Carvalho Foto: Iara Campos Arte: Fernanda Covalski

A linha tênue entre acaso e eventualidade é definida pela interpretação de cada pessoa. Seria um jogo de variáveis ou uma mera questão de escolhas?

Para os que acreditam, a sorte é como receber um presente inesperado e de grande valor. O filósofo Jonas de Oliveira afirma que, Aristóteles, já na Antiguidade, falava que a sorte é uma causa acidental das coisas. Tudo quanto se deve à sorte, se deve também à causalidade. Para Jonas, a sua concepção está ligada na crença de que algo afortunado nos foi oferecido como dádiva do destino ou dos deuses, como recompensa ou prêmio. Segundo Cleanil Bastos, monitora do Centro Espírita Cuiabá, nós estamos sujeitos às leis universais criadas por Deus e, quando as infringimos, temos que nos reajustar com elas. Assim, a sorte é o resultado de nossas escolhas e esforços e não existe acaso nas leis universais. Os efeitos do nosso livre arbítrio, contrários ou não à Lei Divina, são o que a religião chama de sorte ou azar. Apesar de não ver a fé como sorte, Jonathas Assis, 22, diagnosticado com câncer na região mediastinal do tórax há cinco anos, foi agraciado por sua devoção. Ele conta que quando descobriu a doença não se abalou e sabia que seria curado. “Eu e minha família tínhamos muita fé na cura. Claro que a situação é difícil e no início tudo é muito obscuro e duvidoso. Mas eu nunca fiquei pensando que iria morrer. Então eu acredito que me segurei mais na fé do que na sorte”, afirma. Jonathas ainda diz que a sorte é supor que o destino pode ser alterado de

A sorte e o azar andam juntos e estão ligados ao mundo material. Jonathas Assis


Com muito estudo e sorte, Bruno investe todos os dias na bolsa de valores.

acordo com os acontecimentos aleatórios que ocorrem nas nossas vidas: “para mim, a sorte e o azar andam juntos e estão ligadas ao mundo material. A fé é a crença em algo muito maior que uma invenção humana”. Hoje, Jonathas está curado.

Estudando a sorte Na sabedoria popular, quem ganha muito dinheiro de forma inesperada pode se considerar sortudo. Segundo o Doutor em Estatística pela Universidade de Harvard, Ivair Silva, a sorte para a ciência, até certo ponto, é uma questão matemática. Eventos como o sorteio da Mega-sena, que mobilizam a sorte, podem ser tão prováveis de ganho quanto quaisquer outros eventos sob condições aleatórias. A probabilidade daquele número ganhador ser sorteado é igual a probabilidade de qualquer outra sequência. No site “Dicas MegaSena”, o matemático Munir Niss relata que ganhou prêmios de loteria 50 vezes, além da Mega-Sena. Niss conta que notou a existência de alguns padrões de resultado e sequências que costumavam sair mais nos sorteios. Com isso, começou a criar materiais ensinando como fazer um jogo da na Mega-Sena, tornando maiores as possibilidades de ganhar. Ele afirma, por isso, que se tivesse ganho apenas uma vez, seria sorte, mas foram 50. O estatístico Ivair confirma o raciocínio de que existem modelos de probabilidade, como as suposições de aleatoriedade e independência. “Elas podem ser úteis para mensurar se determinadas ocorrências são tão esperadas quanto outras possíveis realizações do mesmo fenômeno aleatório, ou se são atípicas”, complementa. Como o matemático Munir, o estudante de Direito Bruno Alvarenga, aos 19 anos, conseguiu obter lucros, investindo na Bolsa de Valores através do estudo. Ele conta que o aprendizado das estatísticas é fundamental para lucrar ou não levar prejuízo em um investimento, a fim de depender menos da sorte. Bruno conta que o estudo é uma segurança para operar no mercado sem crer em apostas, sem depender do acaso, servindo para maximizar o que ela pode te trazer e minimizar as perdas. Apenas quando se lucra além do esperado é sorte. ”Existem variáveis que são

imprevisíveis, como se o executivo da empresa que você investiu morrer, e logo depois a empresa falir, você perde todo seu dinheiro”, completa. Para ele, a sorte é a interação entre nós e o acaso. Bruno, porém, considera-se sortudo por outras razões. Após sofrer um acidente de carro, no qual todos os passageiros se salvaram, sentiu-se grato por isso. “A falta de sorte que tira a saúde de alguém é uma falta bem pior do que de alguém que perdeu dinheiro”, afirma o investidor. Para ele, a sorte se tornou algo imensurável e, logo depois, começou a dar mais valor a coisas incalculáveis do que ao patrimônio. O estatístico Ivair explica que mesmo nas ocasiões atípicas como um acidente de carro, que fogem das explicações matemáticas, não se pode afirmar nada sobre a existência ou essência da sorte. “O oculto, o indisponível para avaliação, medição e replicação, está, por hipótese, ausente nos cálculos estatísticos”, conclui. A sorte, portanto, não é uma questão de probabilidade - mas há quem diga que ela tem suas razões.

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Sensação

Encontros e desencontros “Quem inventou o amor? Me explica por favor…” cantava Renato Russo em 1997. Até hoje estamos procurando uma explicação para entender como se dá esse sentimento que se reinventa, se modifica e ultrapassa o tempo. Entre tantas crises, ainda somos capazes de amar? No mesmo ano em que Renato Russo cantava aquela canção, o psicólogo social Arthur Aron, da Universidade Estadual de Nova Iorque, publicou um estudo que tinha como tese ser possível fazer com que duas pessoas desconhecidas se apaixonassem depois de responder a 36 perguntas. Na época, o teste foi submetido a um casal de desconhecidos, seis meses depois, eles se casaram. Teria o psicólogo Aron inventado o amor? Segundo ele, suas conclusões estavam longe desse sentimento, o que ele provara era apenas paixão fugaz. Em busca de um amor de verão, foliões fogem anualmente de suas rotinas para caminhar rumo ao carnaval. As cidades lotam de pessoas que esperam o ano inteiro para ter cinco dias de puro lazer. A cidade histórica de Diamantina, interior de Minas Gerais, famosa pelos carnavais nas ladeiras íngremes, foi palco da história de amor da Ana Paula del Bisogno e Leandro Franciscani Silveira, em 2009. Ana Paula, 27, viajou com mais três amigas para curtir o carnaval com a pretensão de se divertir e fazer amigos. Ao conhecer Leandro, 29, que por coincidência se hospedava na mesma casa que ela, enxergou uma potencial grande amizade. Leandro,

por outro lado, já queria algo mais. E não foi Platão quem disse que o amor nasce da amizade? Não foi nos becos de Diamantina que essa história se concretizou. Porém, por outra coincidência do acaso, ou do amor, os dois moravam na mesma cidade, Belo Horizonte, e foi lá que eles se conheceram melhor e começaram a namorar. Em 2012, terminaram e seguiram caminhos diferentes. Mas o destino, ou a sorte, novamente pregou uma peça de amor no casal. Sete meses depois, houve o reencontro, novo namoro por mais um ano, até o noivado. Este que rendeu o casamento em agosto de 2016, um processo de aprendizado e carinho, segundo ela.

Eterno enquanto dure Porém o amor nem sempre se manifesta como primavera. Em alguns momentos, projeções românticas e a realidade se chocam. Quando não há mais saída, o desgaste toma conta das relações e o que era amor vira outra coisa. Bernardo Amorim, professor de Literatura da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) explica que a literatura, a partir da fase renascentista, contribuiu para constituir os valores e ideais em busca de um sentimento puro e verdadeiro. Romances avassaladores como os de


Texto: Amanda Santos e Marina Lopes Foto: Paula Locher Arte: Marina Lopes

“Romeu e Julieta” e “Tristão e Isolda” fizeram parte da construção da imagem do amor romântico. Segundo Bernardo, fomos influenciados pela cultura judaico-cristã que associou o amor ao casamento para nos livrar do pecado. Assim, para a Igreja Católica, homem e mulher deveriam constituir uma família e ser um par para vida eterna. Esse modelo foi perpetuado até ultrapassar o tempo e atingir mulheres como Rosa*, 36. Quando criança sonhava em se casar e seguir em busca de um final feliz para se sentir completa. Na primeira tentativa não teve sorte, o namorado a abandonou após saber que ela estava grávida. Porém, Rosa* ainda tinha esperanças. No segundo relacionamento o seu sonho se realizou, se casou e recebeu as bênçãos da Igreja. A partir daí, Rosa* pensou que a sua felicidade estaria garantida e que conseguiria viver a história de uma família feliz. Ela engravidou, mas logo em seguida sofreu aborto

espontâneo. Depois disso, seu médico disse que ela não poderia mais ter filhos. Jurandir Freire Costa, psicanalista, explica em seu livro, “Sem Fraude Nem Favor”, de 1998, que quando a projeção que temos não se realiza na realidade, a tendência é de um parceiro culpar o outro por não corresponder às suas expectativas. Ele explica que “quando não realizamos o ideal imaginário do amor, buscamos explicar a impossibilidade culpando a nós mesmos, aos outros ou ao mundo, mas nunca contestando as regras comportamentais, sentimentais ou cognitivas, que interiorizamos quando aprendemos a amar.” Assim se comportou o marido de Rosa*, desolado por não poder ter um filho, a trocou por outra e ela foi abandonada mais uma vez. Depois de se sentir traída, não contestou e nem teve tempo de culpar ninguém. Após a separação, descobriu que estava grávida, esperando uma menina, a quem decidiu amar. *O nome foi modificado para proteger a identidade da personagem.

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Habitar

Trambique nosso de cada dia

Desde pequenas trapaรงas a grandes esquemas de fraude, o ato de ludibriar estรก mais entranhado na nossa cultura do que imaginamos.


Texto: Caroline Borges e Lorena Lima Foto: Mariana Brito e Daniel Tulher Arte: Marina Lopes

A história do Brasil é marcada por diversas situações nas quais alguém tenta levar vantagem sobre outra pessoa. Até mesmo o tipo de colonização contribuiu para que as pequenas trapaças do dia a dia fossem aderidas à nossa cultura. De acordo com o historiador Alessandro Augusto, em situações de exploração, a busca por soluções fáceis pode ser considerada uma fuga da realidade. Nesses casos, é retirado das pessoas aquilo que elas têm de melhor, sem se oferecer nada em troca. “É um processo tenso no Brasil, é preocupante, porque sinalizamos o brasileiro como aquele que sempre quer levar vantagem. Temos que tomar cuidado”, afirma Alessandro. Para a cientista social Giovanna Zandonade, a corrupção no nível macro, como na esfera política, é percebida com mais facilidade que a micro, muitas vezes desconsiderada. “Esse comportamento está disseminado igualmente nas atitudes individuais. Nem todos conseguem enxergar as suas decisões rotineiras como corrupção. A pessoa fura fila e se vangloria, pega o troco a mais e deixa o caixa pagar por isso”, explica. A cientista social defende, todavia, que essa conduta é cultural. “A cultura é modificada e construída o tempo inteiro”, explica Giovanna, mas também pode ser reproduzida a cada vez que um ato é praticado. Um exemplo são as confusões de Chicó e João Grilo na obra de Ariano Suassuna, o Auto da Compadecida. A dupla vive arranjando problemas enquanto tenta, a todo custo, melhorar suas condições de vida. Na maioria das vezes, são desonestos, como quando eles tentam lucrar com o enterro de uma cachorro no cemitério da Igreja ou vendendo uma gaita que faz qualquer um “desmorrer”. De qualquer forma, uma coisa fica clara ao longo das trambicagens dos personagens: nem todo trapaceiro faz o que faz por mal. No caso de Chicó e João Grilo, é apenas a forma que encontraram para driblar a fome e a pobreza. Em estudo sobre honestidade e violação de regras nas sociedades, publicado em 2016, o professor de Psicologia da Economia na Universidade de Nottingham, Simon Gächter, e o economista Jonathan F. Schulz, perceberam que indivíduos que residem em países com altos níveis de corrupção são mais propensos a atitudes desonestas do que as que convivem em um ambiente no qual a maioria dos indivíduos preza pelo cumprimento das normas.

As pessoas consideram sua desonestidade justificada pela extensão da desonestidade que eles vêem em seu ambiente social Gächter e Schulz

Os pesquisadores analisaram pessoas e contextos em 23 países com diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico. Na avaliação, foram considerados alguns parâmetros como as leis vigentes, níveis de criminalidade e fraudes políticas. “As pessoas consideram sua desonestidade justificada pela extensão da desonestidade que eles vêem em seu ambiente social”, concluem Gächter e Schulz.

Quando a pimenta é no seu olho Há também aqueles que se apropriam da trambicagem e fazem dela um golpe de publicidade. Como é o caso de Arlindo Luiz Paiva, o Capelão, dono do bar Capelão em Viçosa (MG), que usa da grosseria e dos abusos de preços como forma de marketing. Um dos casos que contribuiu para sua fama aconteceu na noite em que a lei que proíbe qualquer estabelecimento de funcionar após as duas da manhã em Viçosa entrou em vigor. O comerciante fechou o bar na hora imposta, porém, poucos minutos depois, tornou a abrir as portas, alegando que o seu expediente iniciava a partir daquele horário. O que era apenas uma brincadeira com a polícia local ganhou destaque especialmente nas redes sociais. Apesar de não ter sido uma estratégia premeditada, o comerciante que trata a clientela como “um bando de inseto que gosta de ser explorado”, beneficiou-se da popularidade em sua página no

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Facebook, na qual ele é seguido por mais de 90 mil pessoas. “Apenas comecei a agir dentro do bar da forma que agia no dia a dia. A fama veio como consequência. Não foi nada planejado”, conta. Infelizmente, nem toda situação pode ser vista pelo humor e pelas sátiras. Em levantamento feito pela Delegacia de Estelionato, em 2016, com registros de ocorrências na Polícia Civil Judiciária do Estado do Mato Grosso, os golpes mais aplicados por estelionatários são o falso sequestro, compra e venda de objetos em sites na internet, o bilhete premiado e gincana de programas de TV. O geólogo Sérgio Yngor, 28, quase caiu no golpe do sequestro em 2014. O trote é passado pelo telefone e o estelionatário espera a vítima fornecer informações para que possa prosseguir. “Era um dia normal quando o telefone tocou depois do almoço. O código da ligação era 21 e minha irmã, Iara, tinha ido ao Rio de Janeiro no dia anterior. A ligação estava ruim e na linha estava uma mulher chorando, então logo chamei pela Iara”, conta Sérgio. Assim que o mineiro chamou a irmã pelo nome, o golpista desligou e passou a ligar

várias vezes com instruções, como enviar determinada quantia de dinheiro. O geólogo já estava pronto para enviar a quantia quando sua esposa conseguiu falar com Iara. Segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, o crime de estelionato, art. 171, consiste em atentado contra o patrimônio e exige quatro requisitos para sua caracterização: obtenção de vantagem ilícita; causar prejuízo a outra pessoa;​ ​uso​ de​ ​artimanha;​ ​enganar alguém ou levá-lo ao erro. De acordo com Luiz Henrique Manoel da Costa, especialista em Direito Penal e Promotor de Justiça do MPMG, dificilmente alguém irá preso por causa desse crime, que é considerado de “médio potencial ofensivo”. “Sendo réu primário, o acusado tem direito de suspensão condicional do processo, desde que aceite condições,​​como​​ reparar​​o​​dano​​causado​​à​​vítima,”​​afirma. O caso do mineiro Guilherme Tardin evidencia essa brecha na lei brasileira. Guilherme mudouse para Belém, no Pará, em 2016. Devido ao aluguel superfaturado da cidade, decidiu colocar um anúncio na internet divulgando uma vaga em seu apartamento. “Um cara entrou em contato comigo, me contou uma história sobre ele, e mudou pra minha casa. No primeiro mês que dividimos o apartamento, paguei o aluguel e ele ficou de pagar as outras contas. Ele me enviou diversos comprovantes que logo se provaram falsos”, relata. Guilherme chegou a verificar com a síndica o que estava acontecendo, mas ela se confundiu dizendo que as contas estavam pagas. Ao descobrir que os comprovantes eram realmente frios, tudo na casa já estava para ser cortado. “Quando percebi o que estava acontecendo de fato, mandei o cara embora. Pouco tempo depois descobri que quatro pessoas já haviam feito B.O. contra ele, por roubo”, relembra. No caso de Guilherme, e de muitos outros brasileiros que sofreram o golpe do estelionato, não houve qualquer tipo de ressarcimento. Os índices de crimes de estelionato crescem a cada ano. De acordo com a estatística do Instituto de Segurança Pública (ISP), no Rio de Janeiro, apenas nos primeiros cinco meses de 2017, foram registrados 10.115 casos de estelionato pela Polícia Civil. O número equivale à totalidade de casos registrados em todo o ano de 2003. O historiador Alessandro Augusto ressalta que uma possível solução para os desvios de conduta seria a reeducação da sociedade. “Seria necessário uma mudança estrutural enorme e não seriam ações com resultado imediato”.


Travessia

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Primavera Interrompida O impeachment de Dilma Rousseff impôs uma crise na democracia do país, invalidou os votos da maioria da população brasileira e inverteu questões constitucionais.

Texto: Am anda G ranado Foto: Mari e Ana P aula Bit ana Bri encourt to Arte: Fern anda C o v a ls ki Ilustração : Janaína O liveira


“Por Deus, pelos meus filhos, pela minha família, pelos militares de 1964 e os de agora”. Com esses porquês, a Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, em abril de 2016. Motivos que representavam desejos pessoais como forma de culpabilizar quem não compactuava com os seus ideais. Escolher Dilma para exercer esse papel significa entender os contextos aos quais o Brasil e sua primeira presidenta se submeteram. Para o cientista político e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Antônio Ferreira da Silva, os cenários políticos e econômicos são cruciais para entender o processo deste impeachment. Um detalhe percebido por ele é que Dilma possuía uma imagem considerada intransigente pelos parlamentares, ou seja, havia uma dificuldade em negociar com ela. “O que faz a Dilma Rousseff perder o poder é que ela não teve uma base parlamentar”, argumenta o cientista político. Essa falta de apoio à presidenta eleita em 2014, começa quatro anos antes. No seu primeiro mandato, ela já era conhecida por se opor a esquemas de corrupção. Dilma iniciou seu segundo governo à frente de uma crise política, criada por uma oposição apoiada pela maioria do congresso. Em um país onde vigora o “presidencialismo de coalizão”, um arranjo político-institucional baseado em acordos entre partidos políticos que visam objetivos específicos, perder apoio é sinônimo de perder a governabilidade. A insatisfação parlamentar era tanta que, em 2014, no dia do anúncio de sua vitória para um segundo mandato, o PSDB e suas coligações já deixavam claro que não a deixariam governar. Um “mero detalhe” que também explica a força que esse tipo de presidencialismo possui, é que Dilma foi acusada de cometer um crime de responsabilidade por acionar um ato comum na presidência. As pedaladas fiscais, praticadas também por Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, só se tornaram impróprias quando Rousseff as realizou. Logo após o impeachment voltaram a ser permitidas, tanto que atualmente, Temer as reali-

za. “O mesmo Congresso que aprovou os créditos da Dilma também fomentou a ideia de que era um crime, isso que é o mais interessante”, afirma Alexandre Melo Bahia, professor de Direito da Ufop. Segundo Bahia, as pedaladas fiscais acontecem para garantir o cumprimento de determinados programas sociais. Elas ocorrem em um momento que não há caixa para pagar as contas. Para não atrasar esses pagamentos, como quem paga esses benefícios são a Caixa Econômica Federal ou o Banco do Brasil, os bancos públicos adiantam o dinheiro, pagam a dívida e depois o governo cobre os gastos. Ele explica também que o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão que autoriza todos esses gastos, aprovou todas as despesas relacionadas ao governo Dilma e ao atual governo Temer. Porém, naquele momento em que a ideia de impedimento estava sendo instaurada, o TCU mudou a lei como forma de legitimar o pedido de impeachment. O grande problema desse processo foi de caracterização da pedalada fiscal, pois, segundo o professor Alexandre, não há encaixes neste procedimento que caracterizem crimes de responsabilidade fiscal. “Eles fizeram uma coisa que, no Direito, se chama analogia. Pegaram uma hipótese prevista e uma não prevista e fizeram uma comparação”, afirmando ser ilegítimo. Como se não bastasse criar uma crise política, a crise econômica vem por consequência como forma de desestabilizar o governo Dilma. Na medida em que havia essa instabilidade, as empresas e o capital estrangeiro retiraram os investimentos no Brasil. “Ninguém investe em um país de crise de política”, complementa o professor Antônio da Silva.

O golpe Coloca-se, então, uma questão: se não houve crime, o que significa retirar da Presidência da República alguém que teve 54,5 milhões de votos em um processo eleitoral transparente e legítimo? Para a professora de Jornalismo Econômico e Político da Ufop, Hila Rodrigues, “embora o processo do impeachment tenha sido aparentemente legal, foi

O mesmo Congresso que aprovou os créditos da Dilma também fomentou a ideia de que era um crime, isso é que é o mais interessante Alexandre Melo Bahia

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ção, mas certamente não seria tão agressivo. “Se certamente sustentado por ações que se desviaram a gente for observar a subida da Dilma no poder, das regras legais do país – e foi isso que comprodesde o primeiro até o último dia, o processo foi meteu completamente o funcionamento do regime muito violento. Como exemplo, temos a polêmica democrático”. As pedaladas fiscais foram utilizadas de quando ela disse que queria ser chamada de precomo forma de explicar o impeachment mas validasidenta, foi uma repercussão tamanha.” ram algo não previsto legalmente. Quando o Senado votou a admissibilidade do Chamar o processo de impeachment de golpe não impeachment, Dilma, torturada na ditadura, pasé um erro. O professor Alexandre o caracteriza, no sou 15 horas em frente a defensores de militares âmbito jurídico, como um golpe parlamentar. “Ele é e da “boa família”, sofrendo outra “tortura”: foi um golpe em uma forma moderna de falar. A única sabatinada por acusações destemperadas, em sua razão pelo impeachment ter acontecido é o fato de a maioria de homens que pareciam não aceitar uma então presidente ter perdido o apoio do Congresso”. mulher no poder. “A questão de gênero também foi Apesar de áudios de Michel Temer, que comprovam decisiva, em especial porque a sociedade brasileira atos passíveis de investigação, terem sido veicula– além da herança escrados na mídia e o seu ínvocrata e oligárquica que dice de reprovação ser de A questão de gênero [...] foi carrega – é extremamente 95%, conforme pesquisa decisiva [...] porque a sociedade brasileira machista”, afirma Hila. publicada pelo Vox Populi A imagem da presidenem 2017, nenhum dos oito é extremamente machista ta foi difundida pelo país processos de impeachment Hila Rodrigues como a mulher histérica contra Temer foi acatado que não sabia governar. Na capa da revista ISTOÉ, pelo Congresso. Em contraposição, quando Dilma publicada em abril de 2016, Dilma aparece gritanfoi impedida de governar, seu índice de reprovação do. A foto original correspondia a um momento de era de 65%, de acordo com o Instituto de Pesquieuforia da presidenta eleita durante jogo da seleção sas Datafolha. “Ouçam bem: eles pensam que nos brasileira de futebol na Copa do Mundo de 2014. venceram, mas estão enganados. Sei que todos vaMas a revista transformou-a em sinônimo de fúria, mos lutar. Haverá contra eles a mais firme, incandeturpando contextos, o que ilustra bem o preconsável e enérgica oposição que um governo golpista ceito de gênero nesse processo. “É uma capa sexispode ter”, disse Dilma no discurso proferido após ta, que só faz comprovar que o machismo é a regra sua destituição, em agosto de 2016. para aqueles que querem as mulheres fora da política”, esclarece a professora de jornalismo. PresidentA Estereotipar a mulher como alguém que só A falta de apoio parlamentar foi um dos prindetém poder dentro de casa e possui tendência à cipais motivos para a saída de Dilma, mas outras masculinidade, quando é autoritária, é um dos questões, como a de gênero, tiveram seus pesos nesexemplos que confirmam o machismo presente se processo. Dilma, a primeira presidenta do Brasil, neste episódio da história do Brasil. Dilma também sofreu diversos tipos de agressões pelo simples fato foi estampada com as pernas abertas, em adesivos de ser mulher e estar no poder. Por um lado, secolados no reservatório de combustível de carros, gundo Daniela Borges, professora especializada em quando o preço da gasolina aumentou, em julho de Gênero e Políticas Sociais da Ufop, “a questão de 2015. Dois anos depois, novo aumento de preços gênero influenciou em grande parte a opinião púaconteceu no governo Temer, mas nada foi feito. blica, a sociedade brasileira, mas também não foi o A comparação feita entre Marcela Temer e Dilsuficiente para explicar o impeachment .” Para ela, o ma é outro caso. A primeira é chamada pela reprocesso poderia ter acontecido com um homem, vista Veja de “Bela, Recatada e do Lar”, em uma porque o impeachment é admissível pela Constitui-


mistura de personalidade e forma de agir. A segunda, é por vezes considerada machona e histérica, que não sabia falar em público ou articular perante os congressistas. “A Marcela é boa, do lar, da casa, ela é uma representação boa da mulher. A imagem dela não pode ser violentada, porque ela não ousa sair daquele lugar que a sociedade separou para ela. A outra não, a outra ousou sair”, complementa a professora Daniela. Outra leitura de como a mídia foi crucial para estabelecer essa relação misógina foi a expressão nacionalmente conhecida por “tchau, querida”. Apesar da expressão possuir uma entonação amigável, neste caso ela foi utilizada em tom pejorativo. Segundo Daniela, “todo mundo que a chamou de querida não a tratava como uma pessoa querida, não era essa a mensagem verdadeira. A mensagem verdadeira era um tchau a mulher no poder e um viva aos interesses da elite.” A professora Hila acrescenta que a palavra pronunciada pelos deputados soou como deboche: “na boca deles, tinha esse sentido de atribuir à figura da Dilma a incompetência e inadequação para o cargo que ocupava. Não acredito que diriam “tchau, querido” para um homem, fosse ele o Lula, o Fernando Henrique, o Fernando Collor ou o José Sarney – só para citar alguns dos homens que já ocuparam a cadeira presidencial antes dela”, enfatiza.

Forças desiguais Falar de impeachment significa falar da influência que os meios de comunicação tiveram na reprodução de notícias que envolviam o governo Dilma e como isso interferiu na formação de opinião pública. Apesar do contexto existente, os veículos de comunicação nacionais corroboraram a imagem de crise e instabilidade. Além de insatisfação, isso provocou no público a ideia de que Dilma era culpada por todos os problemas que o Brasil passava. Como aponta a professora Hila, o comportamento da mídia convencional brasileira foi decisivo para a queda de Dilma Rousseff. “Os meios de comunicação mais tradicionais – a Rede Globo e as demais emissoras de TV aberta, assim como os jornais Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, as revistas ISTOÉ, Veja, Época e Exame, entre outros meios de

comunicação (muitos deles, aliás, pertencentes a um mesmo grupo empresarial) – apoiaram claramente todo esse processo de sucateamento do Estado”. Embora atualmente a mídia impressa e eletrônica estejam enfrentando uma crise de credibilidade, ainda é muito expressivo o número de pessoas que se informam pela televisão. Segundo pesquisa sobre hábitos de consumo de mídia no Brasil, realizada pelo Ibope em 2016, mais de 60% dos brasileiros ainda preferem se informar pela TV quando querem acompanhar o que está acontecendo no país. Para a professora Hila, se tivéssemos uma mídia democrática, com diversidade e pluralidade de informações, teríamos uma opinião pública autônoma e talvez a ex-presidenta Dilma Rousseff “não teria sido derrotada pelas forças obscuras que atualmente conduzem o país”. Além disso, outra análise que esclarece o poder midiático perante a população é a pesquisa publicada em dezembro de 2016, coordenada pelo professor Nemézio Amaral Filho, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Nela, comprova-se que os veículos O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo contribuíram para a instauração do processo de impeachment. Foram verificadas 143 matérias, considerando se eram neutras, contra ou favor do então governo. O resultado mostrou que as notícias foram majoritariamente contra: O Globo com 77%; Folha de S. Paulo, 61%; e Estado de S. Paulo, 78%. A mídia se fez uma das grandes forças de desestabilização política e econômica, junto às manifestações conservadoras nas ruas que tiveram comandos midiáticos ativos na intenção de criar um ambiente para legitimar o impeachment. Como exemplificado pela pesquisa, do mesmo modo que a mídia “derrubou” Dilma e deu força ao impeachment, ela também age de forma aliada ao governo vigente. Manifestações contra Michel Temer não são disseminadas, ao contrário do que acontecia na outra gestão. Um exemplo são os panelaços, protestos que grupos anti-Dilma organizavam para dar estímulo à queda da presidenta eleita. Na atual conjuntura política do país, com todos os cortes na educação, saúde e programas sociais, além das reformas que prejudicam o trabalhador, as panelas estão mudas e as flores murcharam.


Comendo pelas beiradas De​​grão​e​ m​​grão​, ​a​raposa​​encheu​​o papo.​​ O​​político​​retratado​​neste​​perfil​​que​​o​​diga.

Sorrateiro, entrou na vida de todos, a contragosto de muitos. Considera-se cidadão de bem. Há quem diga que use do poder para conquistar benefícios próprios. Há quem lhe dê a tarefa de um messias, que veio para salvar a população dos tropeços causados por seus colegas de ofício. Quando precisa se expressar por meio da escrita, opta por protocolos, documentos e pelo português elegante, ao menos no entendimento dele. Em 2015, escreveu uma carta com a seguinte previsão para o futuro do Brasil: “passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o país terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais”. Era o gatilho, juntamente com outras revelações políticas, para o golpe à democracia vivido atualmente. Recapitulando esse episódio de grande burburinho midiático, vê-se que os rumos pensados são outros. Mais legalista que legal, assumiu ilegítimo papel de destaque. Elaborou discursos prolixos. Alçou um importante posto por meio de recursos não muito éticos. Com cautela, fez promessas às elites. Trouxe à tona, com seu protagonismo, opiniões conservadoras. Alinhado com nomes poderosos e controversos, gosta de conversas de bastidores, noturnas. No dia 27 de junho de 2017, reuniu-se na casa de Gilmar Mendes, junto com os amigos Moreira Franco e Eliseu Padilha. A ocasião foi tratada com desconfiança, pois a reunião não estava em sua agenda oficial. A lista das 60 pessoas mais poderosas do Brasil, eleitas pelo portal Último Segundo em 2013, o define como “protocolar, litúrgico, e um dos poucos políticos que, em vez da voz alta, usa os ouvidos para tomar decisões”. Os adjetivos usados para caracterizá-lo seguem sempre a ideia de que se trata de um homem comedido.

Passado à limpo Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) em 1963, seguiu os estudos até concluir o doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1974, instituição na qual ministrou aulas de Direito Constitucional e coordenou pós-graduações na área jurídica. De sua formação surtiram alguns frutos: livros. O primeiro deles é de 1982, sobre Direito Constitucional, e colaborou para torná-lo uma referência bibliográfica. Escreveu outra obra em 2006 sobre política e democracia, e recentemente, em 2012, um livro sobre poesias. Ironicamente, obteve sucesso enquanto jurista há 35 anos e atualmente sua literatura vive às sombras de poesias transformadas em piadas. Exerceu o ofício da advocacia por sete anos e foi também Procurador do Estado de São Paulo – cargo esse que conseguiu por indicação do então governador Franco Montoro - entre 1983 e 1984. Na esteira das nomeações foi responsável pela segurança do estado paulista de 1984 a 1986. Defendeu posições conservadoras, dentre elas o aumento da estrutura da Polícia Militar e a legalização das empresas de segurança privada. À época, o estado enfrentava uma onda de violência. Em 1993, voltou à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Nesta época ocorreu o Massacre do Carandiru, resultando em um grave dilema ético após 111 presos terem sido assassinados em uma rebelião com a Tropa de Choque da Polícia Militar. O então Secretário buscou dialogar com órgãos dos direitos humanos, e como medida para a situação, exigiu que os policiais envolvidos no caso buscassem tratamentos psiquiátricos. Em 1992, ocupou o cargo de Procurador do Estado tendo se licenciado da reeleição como Depu-


tado Federal após dois dias de mandato para isso. Esteve à frente de outras Secretarias também. Ocupou o cargo de Deputado Federal em 1987 como suplente, participando da Assembleia Constituinte. Votou contra a pena de morte, a favor da legalização do aborto e a favor do presidencialismo. Posições isoladas, perdidas no tempo. Sua história hoje evidencia que é de seu agrado misturar mercado, política e moral cristã. Um discurso do ano de 2016, deixa isso claro: “Peço a Deus que nos abençoe a todos. A mim, aos congressistas, aos membros do Poder Judiciário e ao povo brasileiro para estarmos sempre à altura dos desafios. E aos brasileiros, para que em breve tempo, possamos agradecer a Ele pelo trabalho que, a partir de agora, será feito”.

Texto: Caio Franco Foto: Samuel Consentino Arte: Júlia Rocha

Ilustre impopular Durante dois anos comandou a Presidência da Câmara, fase em que procurou benefícios para o grupo partidário ao qual pertencia. Era 1997. Foi eleito para presidir a cadeira novamente em 1999. Nesse mandato negou o impeachment de Fernando Henrique Cardoso. Entre 2009 e 2010, voltou a assumir o cargo. Tornou-se próximo do governo petista, do qual se afastou ao perceber que seus interesses não eram acatados, como informou na carta mencionada no início deste texto: “Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”. O destaque que afirma ter alcançado perante a sociedade pode ser questionado. Afinal, justo quando chegou ao momento de maior visibilidade, sua popularidade caiu. De acordo com pesquisa divulgada em julho de 2017 pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), apenas 5% da população aprova as decisões que tem tomado junto à sua equipe. Segundo a BBC Brasil , “aos 75 anos, o paulista de Tietê teve uma trajetória discreta, mesmo acumulando, até pouco tempo atrás, quase 15 anos no comando do PMDB”. É coerente afirmar que conseguiu fama como autor de um dos livros mais estudados sobre direito constitucional. Porém, seus predicados acadêmicos e profissionais não podem ser endeusados, já que defende reformas trabalhistas e previdenciárias não democráticas. Mais ainda, é intrigante saber que um dos livros sobre Direito mais estudados no país seja de autoria de alguém que toma posições consideradas inconstitucionais. Instável como o Brasil, o personagem retratado neste perfil tem procurado de todas as maneiras continuar onde está, mesmo que o custo das manipulações feitas em nome do poder seja sua impopularidade e a ruptura de direitos adquiridos pela sociedade. Temê-lo? Não! É preciso buscar soluções enquanto as conquistas sociais vão se esvaindo. CURINGA | EDIÇÃO 22

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como sobreviver em tempos de polarização A Curinga resolveu listar algumas dicas bem humoradas e de eficácia duvidosa para lidar com as tretas ideológicas do cotidiano. Se sua família é completamente inadequada a seus princípios crie a seguinte regra: “esses assuntos não serão falados na minha presença, é uma questão de respeito”.

ATENçÃO O ambiente de trabalho, por si só, já é complexo. Várias pessoas, queridas, não queridas. Em épocas de turbulência política, a tendência é que isso interfira, especialmente quinta-feira, naquele happy hour. Entre uma cerveja e outra os ânimos ficam exaltados, tudo propício para descontar a raiva que se tem de um colega e dizer que é por conta das opiniões dele. Atenção: não caia nessa! Sabe por quê? A discussão tem hora para acabar, a raiva não.

Entra presidente, sai presidenta. Na escola, um aluno amigo seu comentou: “gente de esquerda é vagabundo”. Você ficou com raiva. Mas, entenda, a melhor saída é ignorar. Não é interessante brigar com os amigos.

Se no dia a dia já é complicado, imagine em data especial. Sim, é no natal, no aniversário do filho da prima da avó, na festa de batizado que mora o maior perigo dessas épocas de polarização. É amigo da família, é primo homofóbico, é tia-avó que veio especialmente para a ocasião e que há vinte anos não aparecia. Olha, para esses casos, a dica é: focar na comida, na bebida e se a festa for sua, nos presentes!

Texto: Caio Franco Foto: Luccas Gabriel Arte: Júlia Rocha

Essa dica vale para todas as ocasiões da sua vida online: caso você seja um pouco estressado e tenha vontade de brigar muito na internet, escrever “textão”, fazer comentário na página alheia, bloquear familiar de rede social, repense esse desejo. As polêmicas da internet têm sucesso curto e, pouco depois, tudo vai sumir entre os algoritmos.

Caso você se sinta muito politizado e pense que é seu dever conscientizar as outras pessoas, saiba que, às vezes, não vale a pena a briga. Não é todo mundo que está disposto a entender opiniões alheias e nem sempre o correto está só de um lado da discussão.

Não acredite em todas as informações. É importante pesquisar os fatos. Crie sua própria opinião, mas estude! História, inclusive. Os boatos estão por aí.


O Mundo em Mim


Comum

democracia sem memória Texto: Matheus Santiago e Pedro Nigro Arte: Deborah Alves Desde a sua independência, o Brasil vive momentos de instabilidade, que culminam em reviravoltas no campo político. O cenário social instável não é exclusividade nossa. Países latinoamericanos também experimentaram momentos de crise e consequentes golpes de estado. Uma realidade une essas nações: a desigualdade social. André Freixo, doutor em História Social pela UFRJ, afirma que a democracia, considerada como regra, se fez exceção na história brasileira. O professor explica que as decisões políticas estiveram nas mãos de grupos reduzidos, que se revezaram no poder nacional. Assim, os projetos para o Estado tendiam a ser motivados por pontos que não se referiam necessariamente à vontade democrática. Ele explica: “O Brasil figura entre essas sociedades democraticamente inseguras, incipientes. As questões que ficam para nós hoje são ainda as análogas, não direi idênticas às que emergiam na fundação da República”. O conceito de golpe de Estado é impreciso e se modificou com o tempo, conforme novos regimes políticos surgiram. André explica: “em geral, golpes são conduzidos em nome de um projeto ou plano de governo alternativo ou diametralmente oposto ao que está no poder; para o qual a ideia de uma ‘transição’ política, tutelada, é necessária”. O professor comenta que muitas vezes são aplicadas medidas impopulares como “suspensão de leis ou direitos básicos dos cidadãos em nome de uma reorganização política e econômica”. Porém, não há nenhuma qualidade intrínseca a golpes de estado a que podemos afirmar serem somente progressistas ou conservadoras. É preciso analisar o contexto em que eles são aplicados. Acompanhe agora alguns momentos de inconstância política dos quais o Brasil passou em sua história recente, comentados pelo professor:

1840| Golpe da Maioridade Os primeiros anos de nossa República são marcados pela instabilidade política. Desde que D. Pedro I abdicou do cargo, o país se viu sem um comandante do Império. Anos se passaram, até os oligarcas da época, preocupados com as revoltas em diversos locais do país, colocarem o Príncipe Regente Pedro II, ainda menino, no cargo de Imperador.

“A preocupação máxima dos Regentes era manter ‘a ordem’, sufocando as revoltas populares (como a da Cabanagem, no Pará; a Farroupilha, no Rio Grande do Sul; Revolta dos Malês, na Bahia; entre outras) e mantendo um mínimo consenso na administração”.

1889 | Proclamação da república Outro golpe deu fim ao segundo Reinado. A insatisfação de setores do exército brasileiro culminou com medidas propostas pelo Visconde de Ouro Preto, então Ministro do Império, que iam de encontro ao prestígio dos militares. A Coroa não apresentou qualquer resistência à investida militar, tendo se exilado em Portugal depois da tomada do poder.

“O cientificismo e o positivismo foram balizas fundamentais na construção de um sentimento de superioridade moral e identificação entre os jovens da ‘mocidade militar’ já bastante avançada em termos de ideais republicanos”.


1930| Vargas O período em que o Presidente gaúcho esteve no poder foi marcado por instabilidade. Em 1930, Vargas e aliados denunciaram o sistema de oligarquias, que tinha como prática instituída a compra de votos. A partir daí a Velha República eclodiu. Em 1935, o presidente foi forçado a convocar uma nova constituição frente a uma iminente “ameaça comunista” que pairava pelo país. Em 1937, deu-se início à ditadura do Estado Novo, com a ajuda de militares. Por fim, em 1945, seu poder teve fim com a perda do apoio dos exaliados militares que o destituíram.

“Derrotado nas urnas, Vargas e os opositores a Júlio Prestes conduziram uma campanha conspiratória que denun­­ciava a fraude eleitoral”.

1964| Golpe civil-militar Na volta da jovem democracia, a renúncia de Jânio Quadros trouxe novamente o tema crise ao país. Conspirações e a Guerra Fria deixaram em xeque a posse do vice João Goulart, que estava na China. A classe política buscou sobrevida no parlamentarismo comandado por Tancredo Neves, e um plebiscito selou a volta de Jango ao poder. O suficiente para a alta elite política, militar e intelectual apoiar de forma massiva o golpe contra o presidente.

“Interesses de uma nova burguesia, vinculada ao capital multinacional impulsionou tantos outros segmentos da sociedade civil a apoiar a tomada do poder”.

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Comum

Modernização para quem? Após aprovação de novas legislações trabalhistas, o futuro do trabalhador brasileiro é incerto.

Texto: Priscila Santos e Ticiane Alves Foto: Paula Locher Arte: Fred Alves


B* trabalha como funcionário terceirizado há mais de 10 anos para empresas que prestam serviços à Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Segundo ele, é comum que essas empresas decretem falência, deixando os funcionários sem receber seus direitos. B* sente-se prejudicado por não ter estabilidade em seu trabalho, por não possuir diálogo direto com a empresa e por trabalhar em condições precarizadas, sem equipamentos adequados. Além disso, conta que em sua última contratação teve seu cargo rebaixado, diminuindo, assim, o seu salário. “Me mudaram de cargo, meu salário caiu. Falaram que se eu quisesse continuar ia ser assim, porque tem muita gente lá fora para pegar minha vaga”. A doula Laura Muller se viu obrigada a pedir demissão de uma empresa no sul do Brasil, na qual trabalhou por quatro anos, após a instituição não concordar em flexibilizar os horários dela quando voltou da licença maternidade. Laura precisava ficar com o filho e não podia trabalhar em horários noturnos, nos quais não havia funcionamento de creches, direito que lhe foi vetado usufruir. Essas são situações que todo mundo conhece. Desde o impeachment que afastou a presidenta eleita Dilma Rousseff, em 2016, algumas medidas controversas foram aprovadas pelo Congresso Nacional, danificando direitos e legalizando práticas já muito presentes no nosso cotidiano, que beneficiam os patrões e, consequentemente, prejudicam o trabalhador. As perspectivas de trabalho dos brasileiros sofreram grandes mudanças em 2017 com a aprovação da Lei da Terceirização e do Projeto de Lei da Câmara da Reforma Trabalhista, em março e julho respectivamente. As informações disponibilizadas na página do Planalto mostram que as modificações proporcionadas por essas reformas mexem com pontos históricos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) referentes à contratos, férias, horas de trabalho, e criam medidas para regulamentar as atividades dos trabalhadores terceirizados. Antes, as empresas só podiam terceirizar as funções que não representassem as principais atividades da instituição, de acordo com a lei brasileira. Agora todas as atividades de uma empresa privada e algumas atividades do setor público poderão ser terceirizadas. O 10º. artigo da lei determina que “qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário”. Portanto, a previsão é que uma enorme parcela dos trabalhadores perca o vínculo empregatício direto e passe a exercer suas funções sob um novo regime sem estabilidade. Os parágrafos desse artigo explicam que os contratos de trabalho temporário com um mesmo empregador poderão ser estabelecidos pelo prazo de 180 dias,

com possibilidade de renovação, substituindo o limite de 90 dias da lei anterior. A condição de inexistência de vínculo empregatício entre a empresa tomadora de serviço e o empregado terceirizado colocará este em situação de vulnerabilidade quanto às responsabilidades trabalhistas do contratante. A aprovação da Reforma Trabalhista seguiu discursos que defendem a modernização da CLT, bem como a garantia de seguridade jurídica para os empregadores. Órgãos como a Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN) e Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) criaram cartilhas e notas oficias nomeando a Reforma de “modernização trabalhista”. O advogado da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), Gustavo Lemos, acredita nisso: “Nós temos a posição de que ela é muito positiva, esperada e necessária, porque as relações trabalhistas já vêm engessadas há muitos anos. A CLT é de 1943, de uma época em que os trabalhadores eram de âmbito rural e hoje isso mudou”. O advogado acredita, também, que existia a necessidade de tornar as relações de trabalho benéficas para as duas partes, além de fazer com que os empresários se interessem mais em investir: “As relações não podem ser boas só para um lado. Hoje não tem mais isso de empregado que não sabe das leis, patrões que massacram os empregados. A lei trabalhista antiga é muito rígida e não flexibiliza nada. Essa flexibilização vai estimular empresas a quererem investir aqui, consequentemente haverá empregos. Hoje o empresariado tem medo de investir na economia brasileira”, ele afirma. Uma das críticas feitas a todas essas mudanças na legislação trabalhista brasileira é a falta de diálogo com a população. Na consulta pública realizada na página oficial do Senado, o PL da Reforma foi rejeitado por mais de 172.168 brasileiros, contra 16.791 que disseram sim a ele. A Lei da Terceirização foi aprovada pelo congresso, mesmo tendo obtido apenas 8.894 votos populares a favor, contra 49.621 que votaram não.

Me mudaram de cargo, meu salário caiu. Falaram que se eu quisesse continuar ia ser assim porque tem muita gente lá fora para pegar minha vaga. B*

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O que muda para o trabalhador Durante uma reunião convocada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 26 de abril de 2017, mais de vinte instituições e órgãos do trabalho identificaram diversas inconstitucionalidades na Reforma aprovada. Exemplo disso é a compensação de jornada de trabalho sem negociação coletiva, prevista no Artigo 58-A, 5º parágrafo da CLT. Os patrões agora contarão com a possibilidade de decidir junto ao seu empregado sobre o banco de horas. Antes, esse banco deveria ser ajustado pelo sindicato. Agora o patrão passará a decidir sobre isso, podendo descontar as horas extras de trabalho de sua carga horária em um prazo máximo de seis meses. Outra mudança é a possibilidade da jornada de 12h de trabalho (previsto do Artigo 59-A da CLT), com 36 horas de descanso. Isso já acontecia em categorias como vigilantes, profissionais de saúde, entre outros, sob negociação sindical coletiva. Com a Reforma, não é preciso uma mediação do sindicato, e pode ser aplicada a qualquer profissional. O Conselho Federal da OAB aponta que essa medida viola o artigo 7º, XIII, da Constituição Federal, que prevê “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. O Ministério Público do Trabalho destaca que os trabalhadores autônomos e a figura do freelancer entram na reforma por meio dos contratos intermitentes. A proposta (prevista no artigo 442-B) pretende assegurar que esse grupo tenha maior liberdade de atuação, podendo prestar serviços para duas ou mais empresas com carteira assinada, porém com salário e carga horária zero. Em nota de 26 de junho de 2017, o Procurador-Geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, prevê que o trabalho intermitente incentivaria a fraude à relação de emprego pelo

desvirtuamento do trabalho autônomo, com severos prejuízos aos trabalhadores, que serão excluídos de todo o sistema de proteção trabalhista, e à Previdência Social, em razão da ausência de recolhimento das devidas contribuições . A Lei também prevê, ainda, o recibo de quitação anual, que será um documento expedido pelos sindicatos, com o consentimento do empregado, declarando que o patrão está em dia com os direitos trabalhistas. Para o Conselho Federal da OAB, o documento vem como tentativa de diminuir ações trabalhistas, pois uma vez assinado esse termo, o trabalhador enfrentará dificuldades em buscar seus direitos junto à Justiça do Trabalho. Outras duas questões muito importantes destacadas pelas duas entidades são a redução do tempo da hora de almoço e o parcelamento das férias. O que antes era estipulado em até 1h, em 8h diárias de trabalho, agora poderá ser negociado com o patrão e ser de apenas 30 minutos, em jornadas de até 12h. As férias poderão ser parceladas em até três períodos. Um dos períodos não pode ser inferior a 14 dias. Os outros dois períodos não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, sob o critério do que empregador combinar com seu empregado. Gustavo Lemos, advogado da FIEMG, acredita que o parcelamento de férias dá mais liberdade ao trabalhador. Além disso, ele destaca que a nova Lei prevê que este período não pode anteceder feriados ou folgas semanais, o que não acontecia na regulamentação trabalhista anterior. Um ponto que atinge especificamente as mulheres é o fato de que, após a sanção da Reforma, gestante ou lactantes poderão trabalhar em atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo. Elas necessitarão de um atestado médico para poderem se afastar de suas atividades por tempo determinado. Laura Muller acredita que a medida prejudicará muitas mulheres, pois poderá criar um conflito entre o patrão e a futura empregada, gerando discriminação em processos de contratação de mulheres, em benefício da contratação de homens. “Sempre que se revoga um tipo de direito, as primeiras atingidas são as mulheres, porque com as leis a gente já sofre um ônus, imagina sem elas. Na entrevista de emprego, ninguém pergunta para o homem com quem ficará o filho dele “, ela alerta. *O nome foi modificado para proteger a identidade da personagem.

Enquanto discursos políticos deformam leis, as carteiras de trabalho são esquecidas nas gavetas.


Entrevista com Amauri César Alves, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto e Doutor em Direito do Trabalho. RC: Como o senhor avalia o conjunto de reformas trabalhistas propostas pelo governo Temer? A: No conjunto, o que há é prejuízo, porque a Reforma Trabalhista foi feita pelos patrões. A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) apresentou um documento em 2013 para a presidente Dilma, propondo vários pontos que estão na Reforma. A Presidente, obviamente, não acatou nada. E vários desses pontos estão hoje na lei. A Reforma precarizou demais as relações de trabalho. RC: Por que o governo quer fazer uma Reforma Trabalhista? A: Porque viu o momento de uma ruptura do espaço democrático. A Reforma veio nesse momento de aproveitamento da situação política e da inércia, infelizmente, da maioria da população que não consegue se organizar para impor sua vontade. Está todo mundo atordoado. Temer quer fazer uma Reforma Trabalhista para privilegiar os patrões, pois foram eles que deram o golpe. O governo está pagando a conta. Esse governo não tem compromisso com a população. Qualquer outro governo compromissado com a população não faria isso.

das, se ele não tem o emprego dele garantido, como é que ele vai gastar? Se ele não gastar, a economia não se desenvolve. Se a economia não se desenvolve, não gera lucro, e aí o patrão não ganha. Historicamente, no Brasil, quando se retirou direitos não se gerou empregos, e no mundo todo é assim.

RC: Qual o perfil do trabalhador que mais deve ser prejudicado com a Reforma? Por quê? A: Todos serão prejudicados, uns mais, outros menos. Esse trabalho intermitente destrói o sonho do trabalhador de ter uma casa, viajar no final do ano, ter um carro e estudar os filhos. Se eu tenho um salário padronizado, mês a mês, eu faço as minhas contas, mas se eu não tiver a menor ideia do quanto eu vou ganhar é um absurdo. Quem escreveu essa regra nunca pensou no que é passar dificuldade. Quem ganha salário mínimo, consegue saber até onde vai. Se ele parte do zero, com jornada zero e salário zero, sem saber se vai ser chamado para trabalhar ou não, não consegue saber até onde pode ir. Imagine, por exemplo, as Pousadas de Ouro Preto, se elas tiverem reservas numa semana, chamarão

RC: A lei fala em modernização da CLT, entretanto, vários órgãos e frentes de resistência falam em perda de direitos. Qual é a sua opinião a respeito? A: A CLT é de 1943, mas ela vem sendo atualizada e modernizada desde então. Contudo, os temas que necessitavam ser efetivamente modernizados, questões técnicas, não foram. Então, a Reforma não é de modernização, é de precarização, pois ela atinge aquilo que o patrão quer atingir. Não é para modernizar no sentido de melhorar a técnica ou aspectos conceituais que evoluíram ao longo do tempo, eles se preocuparam com pontos que vão resultar em dinheiro para o empregador. O que se tem é uma facilitação da precarização, que gera lucro. Até a Reforma, havia mudanças pequenas. RC: Que consequências essa perda de direitos pode trazer para o Brasil? A: Empobrecimento. É o resultado de quem já fez isso, como, por exemplo, a Espanha, a Grécia e a Itália. Alguns pontos da Reforma são pontos malfeitos inspirados em outros países, que têm sistemas trabalhistas mais protetivos do que o nosso. Os países em que essas propostas foram aplicadas empobreceram a população. Quando se empobrece a população, quem sente, em um segundo momento, também é o patrão. Essa reforma em um médio prazo é ruim para os dois lados, porque, se o trabalhador não tem dinheiro para comprar, para quem o patrão vai vender? Se o sujeito não tem salário digno, se trabalha 12h por dia, se tem as férias parcela-

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os funcionários para trabalhar, se não tiver reservas, não chamarão. “Se eu tiver turista na semana que vem, eu te chamo”. É como se o trabalhador fosse objeto. Eu pego aquele objeto e uso, se eu não tenho mais utilidade para ele, eu não o contrato. RC: O que você destacaria como um dos pontos mais prejudiciais na nova Lei? A: Na regra anterior, por exemplo, a mulher grávida não poderia trabalhar em ambiente insalubre. Se no ambiente de trabalho houvesse insalubridade, o empregador tinha que arcar com os custos e deixála em casa. Com a Reforma, se a insalubridade for mínima, ela pode mostrar um laudo dizendo que poderá ficar naquele lugar. Se o potencial agressivo for grande, a trabalhadora deverá ser afastada pela Previdência, que passará a arcar com os custos do afastamento. Essa regra, que era protetiva, vai servir de discriminação da contratação, porque o empregador pode agir preconceituosamente e não contratar mulheres. Além de ser uma regra de precarização, pode acarretar em preconceito. Estão dizendo que a Previdência precisa de uma reforma, mas estão dando mais ônus para este Seguro Social. RC: O que você acha dos Acordos Coletivos previsto na Reforma? A: Sempre foi possível fazer acordo coletivo, mesmo com a CLT, sem muitas restrições. As restrições eram referentes à saúde, à segurança do trabalhador e ao que a gente chama de patamar civilizatório mínimo, que significa ter carteira assinada, fundo de garantia, INSS, férias e décimo terceiro. O discurso é de privilegiar acordos coletivos, mas eles não podem ser feitos sem limites. O sindicato não pode ser um instrumento de precarização dos direitos, senão ele perde o sentido. O sindicato não pode criar regras em prejuízo do representado. Se isso acontecer, tem que haver atuação do poder judiciário. Mas o sindicato perde sua força agora que o patrão pode fazer acordos diretos com o empregado. O discurso foi de fortalecimento, mas na prática foi de enfraquecimento do sindicato, por exemplo, na prática da negociação individual em vários temas, mas não em todos. Alguns ainda estão restritos a negociação coletiva. Alguns estão postos para a negociação individual. São eles: banco de horas (12h por 36h), trocar de contrato presencial para o teletrabalho, que é o home office, parcelamento das féria em três períodos. Esses temas, que não são muitos, podem ser negociados individualmente. Os que trazem impactos coletivos ficam sujeitos a negociações coletivas. RC: Como fica o trabalhador rural depois dessa reconfiguração dos direitos trabalhistas? A: Vai vir ainda uma Reforma trabalhista Rural. Esses trabalhadores têm uma lei própria que não

é a CLT. Tramita na Câmara um Projeto de Lei para tratar especificamente de uma Reforma para o trabalho rural. Hoje, do jeito que está, as modificações já se aplicam a esse trabalhador. Mas, segundo parte da bancada ruralista, é necessária outra. Há uma proposta de um deputado que autorizaria, por exemplo, a possibilidade do trabalhador rural trabalhar em troca de comida e moradia. Além de ser inconstitucional, essa possibilidade demandaria uma reforma trabalhista rural específica. RC: Por que há forte resistência das centrais sindicais? A: Por princípio e por ver o que acontece no resto no mundo, o imposto sindical acabou prejudicando o sindicalismo brasileiro, pois o dinheiro que vem fácil para o cofre do sindicato o deixou acomodado. Num universo de mais ou menos 15 mil sindicatos, conseguimos nomear uns poucos que são bons, a maioria vive de impostos e representa mal o povo. Com o fim do imposto, talvez haja uma melhora na qualidade da representação. Quem vive do sindicalismo para se aproveitar do dinheiro será afastado. As boas centrais vão resistir contra a Reforma. RC: Você acredita que essa reforma pretende atrair empresas estrangeiras, devido o seu caráter de benefício para os patrões? A: Pode atrair mais empresas, mas o ambiente de incertezas que essa legislação vai trazer vai desincentivar. Estamos com uma lei nova que vai entrar em novembro e que precisa ser primeiramente interpretada pelo empregador, pelos seus advogados, pelo trabalhador, pelo sindicato e pelo Juiz do Trabalho. Dependendo do Juiz, a Lei vai ser interpretada de um jeito. Isso vai para o Tribunal Regional do Trabalho. Para consolidar um entendimento dessa matéria, vai demorar uns três anos, no mínimo. Depois, no Tribunal Superior do Trabalho, vai demorar uns cinco anos para isso. Eu sempre vou interpretar a lei a favor do trabalhador. A CNI vai interpretar a favor dela. Haverá um choque de interpretação. O judiciário vai determinar quem tem razão. Vão ser dez anos de incertezas. Os investidores não querem viver sob esses riscos. Como você atrai uma empresa estrangeira para um país empobrecido? Só se ela vier para explorar mão-de-obra, sem se preocupar em vender no mercado interno. RC: O que pode ser feito para conter essa onda de retrocessos? A: Espero que haja eleições em 2018. O Presidente terá que mandar um Projeto de Lei para o Congresso Nacional, revendo ou excluindo o que foi feito. O nosso Congresso sempre foi a cara da elite branca e masculina do Brasil. Agora é evangélica e ruralista também. Se não mudarmos ele, não adianta mudar o Presidente.


Opinião

Traição premiada No século XVIII, a chamada Inconfidência Mineira teve como objetivo a libertação dos abusos políticos e econômicos feitos por Portugal ao Brasil. Sua história se assemelha muito aos tempos atuais que vivemos no nosso país. Segundo o diretor do Museu da In­con­ fidência de Ouro Preto, Rui Mourão, os Inconfidentes eram pessoas do alto escalão da sociedade, como padres, advogados e militares, e que apenas entraram no movimento porque, com a liberta­ ção do Brasil, deixariam de pagar impostos à matriz portuguesa. Além disso, estes principais arti­culadores eram alguns dos maiores devedores da Coroa portuguesa e com essa separação teriam dívidas canceladas.

Como explica o diretor, Tiradentes era o mediador entre a elite e os pobres de Minas Gerais, e foi até o Rio de Janeiro para encontrar adeptos para o movimento. Mas ao chegar lá, foi preso. Segundo ele: “Tiradentes não acreditava na conspiração, ele achava que precisava levantar o povo e fazer uma revolução verdadeira, implantar a independência” Na história, um dos integrantes dos Inconfidentes delatou o movimento, em troca do perdão da sua dívida. A partir disso, outras denúncias e delações foram feitas. Os delatores queriam salvar a própria pele. O historiador e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Francisco Andrade, afirma que quando há interesse político, conflitos e lutas de classe, sempre haverá delações. ”O momento que vivemos hoje é um espelho envolvendo toda a história que moveu o Brasil”, diz o historiador. Numa primeira sentença, Portugal condenou 11 pessoas à forca, todas de alto escalão. No dia seguinte, apareceu outra sentença, que revogava a anterior, levando os 11 condenados para o exílio na África. No dia 21 de abril de 1792, o único levado à forca foi Tiradentes, tendo partes do seu corpo expostas no caminho para o Rio de Janeiro.

O momento que vivemos hoje é um espelho envolvendo toda a história que moveu o Brasil Francisco Andrade

Segundo Francisco, o fato destes Inconfidentes estarem ligados a elite, e alguns terem estudado magistério na Universidade de Coimbra, possuindo laços diretos com Portugal, foi possível terem as penas mais brandas. Já Tiradentes não possuía esses laços de apadrinhamento. No Brasil de 2017, há também delações, agora ex­ plicitamente premiadas. Os que possuem poder saem ilesos, exilados em seus próprios domicílios. A conspi­ ração é iniciada por uma elite e os delatores são vistos como heróis. Já sabemos quem será o enforcado.

Texto: Luana Carvalho Foto: Jéssica Avelar Arte: Deborah Alves

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Comum

Paraíso de

Papel

Ambicionados com a possibilidade de enriquecer, muitas pessoas caem em golpes com promessas de lucro que seriam muito vantajosos... Se fossem verdade... Uma empresa. Dois irmãos. Um império em ascensão que inicia sua ruína. Essa é a história que os empresários Wesley e Joesley Batista começaram a escrever na fatídica data de 17 de maio de 2017. Neste dia, implodiu na mídia a divulgação de uma fita onde os donos da JBS revelavam o enorme esquema de corrupção do qual participavam. As gravações entregues ao Ministério Público Federal (MPF) registravam ainda pedidos de propina do Presidente da República, Michel Temer, e do então Presidente do PSDB, Aécio Neves, licenciado do cargo logo após os registros. O resultado dessas investigações já é de conhecimento de todos. No entanto, um novo processo contra a empresa ainda se arrasta. Os irmãos Batista seguem, até a presente edição dessa revista, investigados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) - órgão que regula o mercado de capitais - por terem se aproveitado de informações privilegiadas da delação para se beneficiarem do impacto na economia do mercado. A jornalista financeira Carolina Sandler explica: “Os executivos da JBS foram informados que o acordo de delação premiada e os áudios com o Presidente da República seriam vazados para a imprensa com antecedência. Eles buscaram se aproveitar da informação privilegiada e compraram dólares antes do terremoto que abalou os mercados financeiros”. A cotação do dólar disparou e a JBS conseguiu lucrar com a operação. “Antes da divulgação, o dólar havia fechado a R$ 3,13 na venda e chegou a superar o patamar de R$ 3,40 no dia seguinte - uma alta de mais de 8%”, esclarece.

O golpe feito com uso de informações privilegiadas tem o nome de insider trading e, segundo a CVM, ocorre quando alguém faz uso de dados relevantes que ainda não tenham sidos levados em conta, com o fim de obter, para si ou para outro, vantagens na negociação de valores mobiliários. “O papel da CVM é de disciplinar e fiscalizar o mercado. Entre outras prioridades, busca garantir que a compra e venda de ações com base em insider trading seja punida”, acrescenta Sandler.

Quando a esmola é grande A advogada Gabrielle Delmutti explica que existem outros tipos do que consideramos como “golpes de mercado”. Exemplo são as pirâmides financeiras, esquemas previsivelmente não sustentáveis que prometem ganhos milagrosos e dependem de uma contínua inserção de novos membros. Segundo a advogada, o que caracteriza um investimento ilegitimo é a obscuridade na forma de como são distribuídos os lucros. “Esse recrutamento incessante de novos adeptos é a base do negócio das pirâmides financeiras”. O esquema de pirâmide é considerado crime contra a economia popular, pela Lei 1.521/51 da Constituição, com pena de 6 meses a 2 anos de detenção, além de multa. Delmutti ressalta também a importância de verificar anteriormente a empresa ou produto no qual se pretende investir. “Uma breve pesquisa pode dar um novo panorama ao possível investidor sobre a legalidade ou não desse investimento”. Ela conclui: “Desconfie, não existe dinheiro fácil”.


Texto: Eric Castro e Lorena Lima Foto: Iara Campos Arte: Carolina Carli

Clube BR

Fazenda boi gordo

A corretora de câmbio passou a vender em 2006 clubes de investimento sem o registro da CVM. Comandada por Túlio Vinícius Vertullo, a empresa prometia um lucro mínimo de 5% ao mês com a aplicação em clubes virtuais. Apesar da CVM ter emitido uma nota oficial contra as ações da corretora, ela continuou funcionando até 2009 quando foi interceptada pelo Banco Central. Cerca de três mil pessoas foram prejudicadas. Elas teriam perdido a p r ox i m a d a m e n t e cem milhões de reais.

Considerado o maior golpe de pirâmide financeira no Brasil, a Fazendas Reunidas Boi Gordo prometia aos investidores um lucro mínimo de 42% em um ano e meio com a engorda de bois e criação de bezerros. A empresa emitia falsos certificados das transações. Logo ficou claro o esquema de pirâmide no qual os investidores mais antigos eram pagos com a inserção de novos investidores. A empresa faliu em 2004, deixando em prejuízo mais de 37 mil pessoas.

Wall Street O maior esquema de pirâmide já visto foi arquitetado por Bernard Madoff. Condenado a 150 anos de prisão, ele era considerado um dos melhores gerentes de investimento de Nova Iorque. A boa fama aliada à proposta de lucro de 1% ao mês garantia a inserção de novos clientes. Madoff controlava os fundos de 16 mil vítimas, desde instituições financeiras à tubarões do mercado. Ele foi condenado em 2008 por onze crimes entre eles, lavagem de dinheiro e fraude.

Avestruz Master A empresa de Goiânia lidava com a venda e abate de filhotes de avestruz, prometendo aos investidores lucro de 10% com a exportação das aves. A Avestruz Master teria vendido mais de seiscentos mil animais, porém só possuíam trinta e oito mil. A empresa ruiu em 2005 e foi condenada pela Justiça Federal de Goiás a indenizar os afetados em cem milhões de reais. Entretanto, os prejuízos dos investidores estão estipulados na casa de um bilhão.

Esquema de Ponzi Charles Ponzi fez sucesso no Estados Unidos, em 1920, ao garantir rentabilidade de 50% em 45 dias na compra de cartões postais estrangeiros e trocá-los por um preço mais alto. O problema é que os prazos de entrega e taxas de conversão de moeda acabaram com qualquer possibilidade de ganho extra. Ao fim do esquema, descobriu-se que para manter qualquer possibilidade de lucro eram necessários 160 milhões de postais, mas só haviam 27 mil disponíveis em circulação.

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A verdade sobre mentiras

Comum

Texto: Amanda Santos e Gabriela Vilhena Foto: Daniel Tulher Arte: Carolina Carli


A propagação de notícias falsas tem aumentado de forma proporcional ao ritmo acelerado da internet. Nesse ambiente, a atenção do leitor para não cair em armadilhas deve ser redobrada. Segundo o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), a circulação dos cinco maiores jornais impressos do país diminuiu entre 8 e 15%, de janeiro de 2015 ao mesmo mês do ano seguinte. E se antes a produção tinha um dia inteiro para acontecer, agora a corrida é para entregar a manchete mesmo com pouca apuração. As versões online dos veículos jornalísticos se adequam à nova maneira de informar e aceleram o rendimento, com pouca checagem de informação. De acordo com o gerente de marketing da empresa Usemobile, Matheus Guerra, (26) “o fato de haver a possibilidade de postar informações anonimamente colabora muito [para a propagação de falsas informações], ​tanto para que pessoas mal intencionadas façam isso, quanto para que pessoas possam publicar ou compartilhar esse tipo de notícia sem prejudicar sua ‘reputação’.” Nos meios impressos e nos digitas, as fake news [notícias falsas] têm forte impacto sobre os envolvidos, pela dificuldade de retratação. Segundo estudo produzido pela empresa americana Socialflow, apresentado em Harvard em 2017, a correção não tem o mesmo efeito da notícia falsa sobre os usuários. Durante a análise, eles acompanharam a audiência de um tweet errado da rede NBC e em seguida uma publicação do mesmo gênero e veículo que corrigia a informação passada anteriormente. Ao fim, concluiu-se que o post que desmente a notícia falsa tende a alcançar cerca de seis vezes menos pessoas que a primeira notícia publicada. Com a expansão das redes sociais, as fake news ultrapassam os limites jornalísticos e se tornam também posts diários e instantâneos na internet. Segundo o gerente Matheus, o que reforça a propagação desse tipo de notícia é a necessidade de sustentar determinado ponto de vista pessoal. Quando a notícia expõe algo em que a pessoa acredita, ela compartilha sem o fact-checking para ratificar seu pensamento. “As pessoas não gostam de estar erradas e, muitas vezes, não conseguem aceitar opiniões diferentes [...] No Brasil atual, com toda a polarização que está acontecendo, principalmente na política, isso se acentua ainda mais.”

Para saber mais sobre como identificar e não repassar uma notícia falsa, acesse: www.jornalismo.ufop.br/revistacuringa

Um conceito atual A Universidade de Oxford acrescentou em seu dicionário anual, em 2015, o conceito de pós-verdade, o qual representa a desvalorização dos fatos objetivos. O leitor passa a moldar a sua opinião através do apelo emocional e das crenças pessoais. Como ocorreu com a falsa notícia de que o Papa Francisco estaria apoiando a candidatura a presidência de Donald Trump. Ainda que desmentida, a manchete se espalhou nas redes sociais e serviu para alcançar eleitores cristãos e associar a imagem de Trump aos valores do Papa. A palavra “pós-verdade” foi eleita, pelo mesmo Dicionário Oxford, a mais importante do ano de 2016, indicando seu uso comum e frequente na sociedade. Apesar de ser um conceito, ela se destacou no ano passado por descrever de maneira mais próxima o momento atual. Devido à inversão de valores sobre o que deve ser relevante, quando algum veículo se retrata, a maior parte dos usuários que compartilharam a primeira notícia falsa tem uma tendência a não compartilhar a correção que poderia descredibilizar determinado ponto de vista. Com o conceito da pós-verdade tão presente, estes boatos se tornam parcialmente reais, já que no imaginário popular adquirem credibilidade. Aqui no Brasil, a Câmara dos Deputados tramita uma proposta de lei que prevê a criminalização de quem divulga e compartilha notícias falsas ou “prejudicialmente incompletas”. A pena estipulada é de 2 a 8 meses, porque, segundo o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB), “Esses atos causam sérios prejuízos, muitas vezes irreparáveis, tanto para pessoas físicas ou jurídicas, as quais não têm garantido o direito de defesa sobre os fatos falsamente divulgados”. No entanto, há quem não concorde com a lei em votação, por se tratar de uma medida genérica e, em alguns casos, pouco efetiva. A contraproposta é educar a população e os usuários assíduos da internet, para que a propagação destas notícias através das redes sociais diminua. Uma ideia é que o governo realize campanhas contra sites especializados em fake news, já que esses normalmente não desmentem os boatos por falta de vigilância. O segundo projeto pode prejudicar determinadas ações políticas, de maneira que a primeira pode ser manejada de acordo com os interesses de certos grupos. A contraproposta prevê disseminar todas as formas de fake news possíveis. CURINGA | EDIÇÃO 22

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Habitar

Todo dia Fotos: Laís Stefani e Luccas Gabriel Arte: André Nascimento Texto: André Nascimento e Laís Stefani


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Levantar às quatro da manhã e pegar um ônibus lotado. Golpe! Sair à procura de um mísero trabalho pelas ruas esburacadas. Golpe! Nas calçadas, o lixo que atrapalha o caminhar. Golpe! O trânsito perde sua sinalização, faixas de pedestre somem com a falta de estrutura. Golpe! O desemprego impede o sono tranquilo de muitos e o chão das ruas se torna a casa de outros. Golpe! Não estão sendo dias bons. Todos os dias, um golpe diferente. Os golpes estão na democracia inoperante, na justiça seletiva, nas desigualdades que sustentam violências, misérias e mortes. Não há direitos, tampouco avanços. O que se vive é o atual movimento desta nação desenfreada que continua esmurrando pontas de facas, gritando em silêncio seus ais e trabalhando, trabalhando... sempre tratada como entulho pelos seus representantes. Eis que a tinta no muro quebra o vazio das vozes e diz aquilo que é vontade de muitos, não houvesse tantos medos. É chegada a hora de explodir e pôr para fora – à força – os temores. Se o que sustenta o Brasil são os golpes, que estes venham do povo. Unido em sua diferença, armado de sofrimento, força. E atinja toda herança colonial que condiciona as cabeças baixas, as bocas fechadas.

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