Revista Curinga Ed. 21

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VII 2017 | Ano Julho de

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Expediente Curinga é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II. Revista produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social (DECSO). Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Professores Responsáveis Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem) André Luís Carvalho (Fotografia) Talita Aquino (Planejamento Visual)

Diagramadores

Amanda dos Santos Francisco Caio Franco Jéssica Avelar Lorena Lima Luccas Gabriel Mariana Viana Ticiane Alves Amanda Granado Ana Paula Bitencourt Fernanda Covalski Júlia Rocha Marina Lopes Matheus Gramigna Pedro Nigro

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Monitor: Alex Galeno Endereço: Rua do Catete, 166 - Centro 35420-000, Mariana - MG

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André Nascimento Carolina Carli Caroline Borges Eric Castro Frederico Alves Gabriela Vilhena Iara Campos Laís Stefani Luana Carvalho Matheus Santiago Paula Locher Priscila Santos Samuel Consentino

Fotógrafos

Redatores

Editora de Texto Mariana Brito Editora de Arte Deborah Alves Editor de Fotografia Daniel Tulher Editoras de Multimídia Gabriela Vilhena Luana Carvalho Revisores Carolina Carli Eric Castro

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30 13 IMPRESSÃO: MJR EDITORA GRÁFICA Rua Carlos Pinheiro Chagas, 138 - Ressaca CEP: 32.113-460 - Contagem - MG tel: (31) 3357-5777

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EDITORIAL Elas estão em todos os lugares e trazem sentido à nossa vida. Com as palavras podemos performar, buscar conhecimentos, traçar destinos e representar sensações. Quando decidimos que o tema desta edição da CURINGA seria “palavra”, muito se discutiu nas conversas de corredor se fora uma decisão sábia. Alguns de nós estávamos aficionados diante da imensidão de conceitos que poderia ser abordada a partir deste tema. Por outro lado, outros ficavam apreensivos pelo mesmo motivo, receosos pelo risco de um conteúdo inconsistente. A preocupação da CURINGA em tratar assuntos pontuais a partir de um tema sempre foi um compromisso com o público leitor e, constantemente, somos desafiados no processo de escolha das pautas. Selecionar e determinar o nível de relevância de uma matéria em detrimento de outra não é tarefa fácil, mas toda a equipe da CURINGA buscou nesta edição pelas ações que são geradas quando se tem a palavra como ponto de partida. A palavra, em si, possui um domínio muito grande. Na religião, ela é tida como verdade absoluta, nas leis, como ponto final de decisão. Mas o que significa uma palavra pra você, pode não significar a mesma coisa para outro leitor. Essa imensidão de mundos que são envolvidos por um pequeno conjunto de letras é o que torna interessante esse jogo de significados. Por falar em letras, aproveitamos o tema para renovar o desenho das nossas. Nesta edição, a fonte tipográfica Accent dá lugar a sua companheira Poiret One. é uma fonte moderna e sem serifa, como você verá nas capas internas e entenderá no infográfico da página 6. Buscamos nesta edição trazer o contexto das palavras de forma não literal, com assuntos que possam discutir o cenário atual do país, entrando no âmbito político, social e cultural. Da importância de seu uso para nos comunicar às maneiras de se expressar com elas explícitas ou não, vamos do nítido ao metafórico a fim de fazer com que nossos leitores reflitam sobre algo tão simples e ao mesmo tempo tão complexo. Daniel Tulher Deborah Alves Mariana Brito



Comum

Entre corpos e Texto: Mariana Brito Arte: Jéssica Avelar

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Times New Roman

Uma das fontes mais utilizadas para documentos e currículos online, a Times New Roman foi criada em 1932, pelo tipógrafo Stanley Morison, para o uso no jornal inglês “The Times of London”. Ao criá-la, Morison escreveu um documento de 38 páginas, onde explicava que o objetivo da fonte era parecer masculina, inglesa e direta.

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Helvética

Desenvolvida em 1957, pelos tipógrafos suíços Eduard Hoffman e Max Miedinger, a Helvética é considerada por muitos designers a fonte mais famosa do mundo. Foi criada com a intenção de ser de fácil entendimento e para ser usada em diferentes situações.

A presença da tipografia em nossas vidas antecede a invenção da imprensa. Antes dos livros e jornais já éramos capazes de nos comunicar por meio de símbolos. Através da tipografia é possível expressar palavras e ideias visualmente. Criada no século XII, a Blackletter foi a primeira fonte tipográfica do mundo, desde então, elas passaram por mudanças e hoje possuem infinitas formas. Para cada fonte tipográfica, inclusive, há uma família. O que corresponde ao conjunto formado pelas variações de seu uso no cotidiano, como os conhecidos estilos negrito e itálico.

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Elas estão em todos os espaços. Agora mesmo você está vendo uma. Cada letra possui uma história diferente. Seja em letreiros, logomarcas ou até mesmo em um documento, a escolha das fontes é de extrema importância para que a mensagem atinja o seu real objetivo. Na revista Curinga, por exemplo, a tipografia principal é a Museo, uma fonte serifada.

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Criada para a Microsoft, pelo designer Mathew Carter, a fonte Verdana é uma das fontes mais novas, sendo publicada somente em 1996. Desenvolvida com o intuito de ser lida apenas em telas, essa fonte foi baseada em tipografias mais humanistas e adaptase relativamente bem aos textos corridos.

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Verdana

Uma das fontes oficiais da ABNT, a Arial foi criada por Robin Nicholas e Patricia Saunders, em 1982, no Reino Unido. Criticada por ser considerada uma cópia inferior da Helvética, ela foi encomendada pela empresa IBM que queria se livrar dos altos custos do licenciamento da fonte Helvética.

Uma das fontes mais controversas, a Comic Sans foi criada em 1993, pelo tipógrafo Vincent Connare, para ser utilizada em revistas de quadrinhos, mas acabou sendo usada em situações inusitadas. Ela é tão odiada que até foi criada uma petição online para que esse tipo de fonte fosse banido.

Garamond Goudy Palatino

Aa Comic Sans

As serifas são prolongamentos ou pequenos traços que compõem as bordas das letras. De maneira geral, seu uso facilita a leitura, já que com elas as palavras aparentam uma “união” maior. Por isso são muito utilizadas em livros, jornais e revistas. Existem três tipos de fontes serifadas: as old style, de transição e as modernas. As Old Style possuem serifas espessas e um contraste menor entre seus traços mais finos e mais grossos. As de Transição possuem serifas balanceadas em relação às hastes. Já as Modernas possuem serifas bem finas e com um contraste extremamente relevante.

Baskerville Bulmer Caslon CURINGA | EDIÇÃO 21

Bodoni Fenice Walbaum

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T Ti Tij Tijo Tijolo Tijolos do concretismo

Texto: Frederico Alves Arte: Caio Franco

Compreender a poesia como imagem foi a inspiração para muitos artistas


Originada do Experimentalismo, a Poesia Concreta tem o objetivo de romper com modelos anteriores e criar novas formas de expressão literária. Busca valorizar a liberdade da palavra nos versos, a possibilidade de quebras nas estruturas dos poemas, e a exploração da visualidade da palavra para composições além de aspectos verbais. Augusto de Campos, Ferreira Gullar, Paulo Leminski, Décio Pignatari e Haroldo de Campos são alguns dos principais autores do movimento concretista no Brasil, criado na década de 1950. Para Maria Inês Duarte, professora de Jornalismo e Literatura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC - SP), na Poesia Concreta temos uma ruptura das fronteiras entre a poesia e as artes visuais. Neste tipo de movimento, a eliminação do verso e o aproveitamento do espaço em branco da página para disposição das palavras são características muito presentes. Através do Concretismo, há a exploração dos aspectos sonoros, visuais e semânticos dos vocábulos, uso de neologismo (palavras novas), termos estrangeiros e a possibilidade de múltiplas leituras. É a partir dessa estrutura diferenciada que a Poesia Concreta se tornou uma expressão artística de ruptura. A palavra dentro do contexto poético do Concretismo é experimental. Os poetas colocam na leitura a possibilidade de interpretação do leitor, uma arte visual através da palavra escrita na poesia, criando novos sentidos. Ferreira Gullar descreve o movimento como “um mausoléu, tijolos ao léu na construção do espanto. O espanto é a poesia construída. O mausoléu é a herança do Concretismo”. Da década de 1960 em diante, os artistas extrapolaram os limites do hermetismo constituído pelo próprio Concretismo. A Poesia-Práxis, a Poesia Social, o Tropicalismo, a Poesia Marginal, os prosoemas e os metapoemas são resultados

desse processo. Estes movimentos artisticos e literários independentes produziram novos formatos de expressão poética.

Do Concretismo à Aldravia Criador do Movimento Aldravista de Arte e Literatura, Gabriel Bicalho é um dos poetas que participa do Concretismo brasileiro atual. Doutor Honoris Causa pela Academia de Letras Brasileira, foi o ganhador do primeiro prêmio literário Fernando Chinaglia, há 45 anos, com o livro “Criânsia”. Escreve Aldravias, que exploram ao máximo o significado da palavra. Tratase de uma corrente literária, genuinamente nacional, que valoriza a liberdade de interpretação do leitor, provocando-o. Na poesia Aldravista, busca-se despertar a experiência de leitura aliada à própria experiência de vida do leitor. Para Bicalho, em uma poesia “cada sílaba adquire um significado dentro de uma palavra só. A palavra traz uma carga semântica a ser explorada”. Gabriel utiliza o elemento visual desde o início de sua produção literária, em 1972. Em suas criações, o poeta afirma produzir um jogo verbal, um “achado poético”. De acordo com o poeta, a palavra é experimental. Dialoga com os diferentes códigos de mensagem visual e verbal. Deve ser vista como aquela que ultrapassa fronteiras e explora áreas híbridas da linguagem. Segundo Bicalho, o maior legado do movimento concretista foi mostrar para todo poeta que a palavra pode figurar na página com sentido gráfico visual, a palavra cai na página e significa alguma coisa.

Para saber mais sobre o poeta Gabriel Bicalho e o Movimento Aldravista acesse: www.jornalaldrava.com.br

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Poesia, som e ritmo andam junto s em expressões de resistência na cid ade Texto: Matheus Santiago Foto: Matheus Gramigna Arte: Caio Franco

Samila discorre temas sociais cotidianos em sua poesia.

Faz frio. A luta está prestes a começar. O público espera atento o primeiro golpe poético. Dois atletas encontram-se concentrados em bancos opostos da praça. É a primeira vez deles como finalistas. A saga de quatro fases chega ao fim. Oito atletas ficaram para trás. O que parece um ringue de luta, na verdade é a uma roda de pessoas à espera do “I Slam Invasor”, realizado na Praça Gomes Freire, em Mariana. Slams são batalhas poéticas em que os participantes performam poesias para serem posteriormente avaliadas por um júri. O nome do esporte remete a onomatopeia de um golpe desferido em alguém. Essa modalidade teve início nos Estados Unidos na década de 1980. A primeira iniciativa brasileira começou em 2008, com o ZAP (Zona Autônoma da Palavra), idealizado pela poeta Roberta Estrela D’Alva, em São Paulo. Samila Mayrink, 17 anos, finalista e estudante secundarista, acredita que participar do slam é uma oportunidade de sair do anonimato e dar vazão às inquietações poéticas pessoais. Ela enxerga essa exposição como um fortalecimento da representatividade. “Estamos ocupando o centro burguês dessa cidade histórica cheia de resquício de racismo: dois pretos na final de uma competição de poesia, numa praça da primeira capital de Minas”. O “I Slam Invasor”, realizado no dia 30 de maio de 2017, teve empate técnico. A organização decidiu que os dois finalistas receberiam prêmios. Três pessoas do público compunham o júri que se renovou a cada fase do evento. O grupo era escolhido pela organização sempre no início de cada slam. A premiação consistia na gravação de um videopoema ou videoclipe para promover o trabalho dos poetas iniciantes. Raquel Satto, 22, uma das idealizadoras do projeto em Mariana, conta que o slam tem dois critérios básicos: letra e performance. As poesias performadas são sempre autorais e de cunho político.


Raquel acredita que o slam é um espaço de expressão para a juventude. “A gente parte do princípio de uma produção que não está alinhada com uma corrente clássica, ela vem no sentido da literatura marginal”. Guilherme Pimenta, 20, estudante de prévestibular, dividiu com Samila o prêmio. Ele conta que o contato com as palavras se deu desde os tempos de escola, lá foi encorajado a seguir pelo mundo da poesia. “Acho que a literatura é um modo de treinar a saída da realidade. As pessoas ficam muito presas ao mundo que elas vivem e só conseguem reproduzir o que o sistema impõe. A literatura liberta”. Para Luiz Fernando Campos, mestre em Ciên­ cias da Informação pela UFMG, ações como o slam ressignificam o espaço urbano. Em sua pesquisa sobre o Duelo de MC’s realizado no Viaduto Santa Tereza em Belo Horizonte, Campos conclui que, “ao produzir discursos dissonantes àqueles já instituídos, o Duelo de MCs reafirma o papel central que a prática política em espaços não usuais tem na contemporaneidade e contribui para a ampliação do espaço público e o deslocamento das relações de poder”.

está aprendendo pelo rap. Não é o professor sentado na sua frente falando. É uma frase, uma ideia que já toca você e te faz pensar na hora”. No documentário “Palavra (En)cantada” (2008), dirigido por Helena Solberg, há uma reflexão sobre a relação entre música e poesia no Brasil. Em depoimento ao filme, José Miguel Wisnik, livre-docente pela USP, ressalta a importância que a canção popular, incluindo o RAP, conquistou na nossa sociedade. ”Criouse uma situação que não existe praticamente em país nenhum. Uma canção popular fortíssima que ganhou a capacidade de cantar para auditórios imensos e levar para esses auditórios poesias de densa qualidade”.

Sonoridades urbanas O “Slam Invasor” não é a única movimentação cultural de rua em Mariana. A “Batalha das Gerais” é um duelo de RAP que ocorre quinzenalmente às sextas-feiras na Praça Gomes Freire. Pedro Mól, 21, organizador e rapper, tem colhido bons frutos depois de dois anos da criação do movimento. “Tem se consolidado, aberto espaço pra geral mostrar seu trampo. Mas também vejo um pouco do descaso do poder público que não procura a gente pra saber o que está acontecendo com a juventude da cidade”, afirma. O motor do RAP (abreviação do inglês rythm and poetry) foi o movimento hip-hop que nasceu como expressão cultural da juventude afro-americana na década de 1970. No Brasil, o RAP ganhou força no fim da década de 1980. O grupo paulista precursor, Racionais MC’s, eternizou em seus versos o orgulho negro e narrou a crua realidade dos jovens de periferia daquela época. TSIC, 21, rapper marianense, começou a rimar dentro da “Batalha das Gerais”. Atualmente dedida-se a seu trabalho solo. “Com o tempo eu vi que batalha não era meu forte. Essa parada de agredir o outro verbalmente sem nem conhecer. Sempre tentava levar pra um lado mais educativo, do que só atacar e atacar”. O artista lançou no início do ano sua primeira mixtape intitulada 1995, onde discute questões relacionadas ao modo como o ser humano se enxerga na sociedade e lida com suas pressões psicológicas. TSIC vê o RAP como um meio importante de aquisição de conhecimento. “Muita gente

Natural de Mariana, o rapper TSIC relata nas letras de sua mixtape, 1995, contos de sua vida, suas visões e percepções.

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Onde mora a leitura? As mudanรงas entre o novo e o velho jeito de se informar

Texto: Iara Campos e Samuel Consentino Foto: Amanda Granado Arte: Ticiane Alves


Segundo o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, 44% da população dos 190 milhões de habitantes não tem o hábito da leitura e 30% nunca comprou um livro. O fato de 8% dos brasileiros, com 15 anos ou mais, ser analfabeta (censo do IBGE de 2007/2015) ajuda a explicar essa pouca estima pelo papel impresso. Sendo a alfabetização o primeiro contato com o livro, a maneira como é feita é crucial para que se continue utilizando este meio de acesso à informação. As bibliotecas, antes sinônimo de livro e principal fonte de acesso da população a eles, sofrem com a concorrência de outros meios de informação (TV, smartphones, tablets). Os leitores consideram mais cômodo e satisfatório fazer uma pesquisa através de um aparelho eletrônico. Tuila Dias, 27 anos, aluna de Jornalismo, prefere o aparelho de leitura digital pela facilidade de acesso a livros clássicos, teóricos e, principalmente, lançamentos. Segundo afirma, nunca foi de comprar muitos livros, sempre foi leitora de biblioteca ou adquiria as obras por meio de empréstimos de amigos, porém, a partir do momento em que optou pela leitura digital, sua relação com a leitura melhorou, uma vez que suas opções aumentaram. Aponta também como incentivo maior para a utilização do leitor digital o fato de alguns livros físicos serem pesados e isso dificultar seu transporte.

smartphones em especial) cresce o acesso das pessoas aos livros, já que não precisa mais ir até um local físico para encontrar o que quer ler”.

A biblioteca resiste Hoje, o próprio conceito de biblioteca tende a ser repensado através de projetos, de ordem pública ou privada, para se tornar atrativo à população. Segundo Juliana Alves, Secretária de Educação da cidade de Mariana, MG, “os projetos aplicados nas escolas têm como principal objetivo estimular e fomentar o gosto pela leitura”. Nas creches e escolas de educação infantil, cada instituição desenvolve o seu projeto. No caso da creche os livros são entregues aos pais, para a leitura dos alunos em casa. Já na educação infantil é realizada diariamente nas próprias escolas, com a contagem de histórias para as crianças através dos livros. De acordo com Lúcia Zanetti Vinha, Coordenadora da Educação Infantil de Mariana, MG, “em todo início de ano, as ideias de incentivo a leitura são escritas e entregues às escolas, porém fica a critério delas a maneira como desenvolver isso.” Nas escolas de primeiro ao quinto ano, além do incentivo diário, uma vez por semana os alunos vão para as bibliotecas orientados por seus professores e, nas sextas-feiras, levam um livro para casa.

Avanço Digital Francisco de Assis Santos, bibliotecário, 67, trabalha na Casa de Cultura de Mariana, MG, há 31 anos. No local onde se encontra uma pequena biblioteca montada com livros de doações, essa mudança de hábito se torna clara: antes acostumado a ver a casa sempre cheia de leitores em busca de conhecimentos, hoje a encontra vazia e “desativada”. Santos comenta que o espaço virou o museu de um velho hábito. A troca de um livro por um aparelho eletrônico é o grande impasse atualmente. Com o advento da tecnologia, a leitura antes feita através das folhas de papéis foram substituídas pelas letras em uma tela de celular ou computador. O que torna preocupante nesse novo hábito é a qualidade do que se é transmitido e o tempo gasto para se absorver a informação. Para Marcos Eduardo de Sousa, 32, Auxiliar de Biblioteca do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS): “A substituição dos livros físicos por correlatos digitais tem se mostrado uma tendência, na qual é impossível ir contra. Com a ampliação da utilização de dispositivos móveis (tablet e

Distribuição das bibliotecas públicas pelo Brasil, 2015 São 6102 bibliotecas públicas, sendo: 503 na Região Norte 1.847 na Região Nordeste 501 na Região Centro-Oeste 1958 na Região Sudeste 1293 na Região Sul

Fonte: Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas

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Palavrão ou Xingamento? Dolores Gonçalves Costa, artista brasileira conhecida popularmente como Dercy Gonçalves, foi a atriz com o maior tempo de atuação do mundo, de acordo com o Guinness Book (86 anos de carreira) e talvez a que mais proferiu palavrões em público. Tornou seu uso uma forma de humor e quebra da moral. Uma senhora com uma “boca suja”, muito presente na mídia e ainda por cima não era censurada. “Aí [...] comecei a falar palavrão: puta que pariu, caralho, e todos riam. Então, é por aqui que vou ganhar. Ganhei dinheiro com palavrão pra caramba”, relatou para o jornal Folha de S. Paulo, em 2007. Dercy só parou de usá-los no ano seguinte, em 2008, quando uma complicação causada por pneumonia acarretou em sua morte, com 101 anos de vida e milhares de palavrões ditos. Demócrito Santos e Katia Costa, refletem sobre a nebulosidade que gira em torno do uso dessas palavras, se são grosseiras, insultos ou quase gírias na boca de todos. Em artigo publicado na revista Sociodialeto, em 2013, o professor especializado em Português e Linguística pela Faculdade Amadeus (FAMA) e a Doutora em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), professora na Faculdade Maurício de Nassau, na área de estudo dos signos linguísticos, explicam a negatividade ligada aos palavrões: “existem aquelas palavras que não são proferidas, e essas na sociedade laica atual são as que configuram o maior número de tabus, por serem simplesmente inadequadas aos padrões sociais de bom comportamento. São as palavras sexuais e de excreção”. O mestre em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), David Diniz Swingler, mapeou as atitudes relacionadas aos palavrões no Brasil e cita, em sua dissertação de Mestrado, pesquisas que estimam que dentre as 15 a 16 mil palavras ditas por um falante típico, 90 a 60 desse total são “palavrões”, mostrando que “o uso de palavrões é algo universal”.

Seriam as “palavras-tabus” essencialmente ofensivas ou insultos? José Benedito DonadonLeal, Doutor em Linguistica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor aposentado da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) explicita a diferença entre agressão verbal e um palavrão com o exemplo de regiões da Bahia onde o uso das palavras “porra” e “caralho” servem como conjunção na fala comum, portanto não são consideradas “palavrões”. Só que quando esse uso vai para um cenário de visibilidade, como a mídia, isso muda. “Especialmente em televisão, quando um falante comum da língua baiana vai falar, ele não pode utilizar isso para o cenário nacional, aí aparecem aqueles imbecis sons de PIs para encobrir o palavrão.” E concorda que o uso de palavrões independe da classe social. O que importa, segundo Donadon-Leal, é o contexto no qual as pessoas falam: se entre o falante e o ouvinte existe afinidade, se estão em local de trabalho e etc. Vitória Ivo, 20 anos, estudante de pedagogia na UFOP, apoia o que o professor diz: o contexto faz total diferença para que se use os tais “palavrões”, por exemplo, “mas, de preferência, longe dos meus pais”. Ela afirma que em cada 10 palavras ditas, quatro são as consideradas tabus. Opina que muitos dos palavrões possuem preconceitos: “o palavrão filho da puta tem uma boa parcela de machismo impregnado aí, já que vivemos no patriarcado”. Porém, salienta que o que faz uma palavra ser bem recebida ou não por ela e seus amigos é seu contexto e afinidade entre as pessoas. Como o bom ou ruim são uma construção social ligada aos preconceitos sociais e culturais de uma comunidade, certa frase de Dercy cai bem para resumir a discussão sobre o tabu em forma de palavra: “Não tenho medo de falar, porque tenho certeza de que não é palavrão. Palavrão, meu filho, é condomínio, palavrão é fome, palavrão é a maldade que estão fazendo com um colírio custando 40 mil réis, palavrão é não ter cama nos hospitais.”

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Imagem meramente ilustrativa

Ordem e palavra A democracia, hoje, é assunto fácil para os brasileiros. Mas sabemos realmente do que estamos falando? Texto: Caroline Borges Foto: Marina Lopes Arte: Mariana Viana Com a internet e a crescente interação nas mídias sociais, a liberdade de expressão ganhou uma nova dimensão. Todos têm acesso à inúmeras fontes de informação, assim como espaço para expor sua opinião sobre todo e qualquer assunto. No entanto, muitos dos discursos reproduzidos são vazios de significados, uma vez que não há uma busca pela essência e a real definição do que está sendo dito, a palavra em si. Desde o impeachment da ex-presidenta Dilma Roussef no ano passado, a palavra democracia ganhou espaço no discurso popular. Questiona-se o conceito do sistema político implantado pela Constituição de 1988 e qual o caminho que este segue diante das mudanças políticas e econômicas no país. O professor Antônio Marcelo Jackson F. da Silva, doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), resgata o significado da palavra “democracia”, desde a Grécia Antiga até um possível colapso do sistema democrático no mundo contemporâneo.

RC: O que é democracia? A: A democracia tem uma abrangência muito grande. Basicamente, significa governo do povo. Essa primeira definição pode ser encantadora. Mas o que é povo? O problema começa quando percebemos que “povo” não é sinônimo de população. A população de um país é o número total de pessoas que habitam aquele espaço, enquanto povo é a parte da população que efetivamente tem acesso aos debates, às escolhas e às definições da vida política, do poder que vai administrar essa sociedade. Em Atenas, que é de onde vem a origem da palavra democracia, o povo era composto por homens livres, acima de 25 anos e que tivessem nascido na cidade de Atenas. Calcula-se, em uma estimativa, que em seu apogeu a população de Atenas tenha chegado à 30 mil habitantes, e o povo não chegava à 2 mil pessoas. Nem 10% da população ateniense fazia parte do “povo”. A democracia possui um milhão de variações, sendo que em todas elas o que é definido como democrático ou não é efetivamente determinado em como o povo político participa das decisões.


RC: Como foi a construção da democracia no Brasil? A: Desde meados do século XIX temos vários pensadores dizendo que nossa sociedade é complicada. Ou rompemos com isso de uma maneira que só pode ser brutal, ou nunca vamos ter democracia. Primeiro problema da sociedade brasileira: é uma sociedade forjada a partir de relações escravistas, que nunca terá uma opinião pública. Temos o segundo problema, muito grave, que quase inviabiliza a democracia no Brasil: o racismo. Racismo e relações escravistas não são sinônimos. Relações escravistas são relações de poder, de hierarquia. Racismo é enraizado. Aí te pergunto, a democracia é possível no Brasil? Para responder vou citar Sérgio Buarque de Holanda, “a democracia no Brasil nunca passou de um lamentável mal entendido”. É impossível numa sociedade como a nossa ter uma democracia. Tavares Bastos, precursor do federalismo, escreve que nossa sociedade tem esse problema (a escravidão), que não têm opinião pública, e os deputados provinciais, que seriam os deputados federais hoje, teriam que tomar decisões, mas esses deputados são frutos dessa sociedade que não têm opinião. Tavares então questiona que a única solução para o Brasil é uma ditadura. Porque apenas ditatorialmente, apenas com uma imposição, você vai conseguir resolver o problema. Olha a dimensão do desastre. Se a sociedade funcionar espontaneamente, vai dar errado. A única maneira de corrigi-la seria através de meios tirânicos. E se há da tirania, está errado. RC: É possível falar de um colapso da democracia na atualidade? A: Se pararmos pra pensar, todos os conceitos sociais são construções históricas. Não existe uma ontologia em nenhum desses termos, ou seja, não há uma verdade previamente estabelecida. Se temos uma situação em que todos esses valores sociais são construções históricas, temos então essa coisa chamada democracia, ou pelo menos aquilo que entendemos como a democracia contemporânea. A definição de democracia contemporânea é uma definição moderna, do final do século XX pra cá, onde os valores individuais e grupos sociais são respeitados, assim como a ideia do direito das minorias. Essa ideia de democracia, mesmo a contemporânea, é muito nova. E por ser muito nova, significa que as barreiras que ela enfrenta são gigantescas. Essas barreiras são de valores que estão presentes, mais ou menos cristalizados, há muitos séculos na sociedade. Não sei se estamos num desmoronamento, numa fragilização da democracia, porque ela mal foi colocada em pauta no seu sentido mais amplo. A democracia ainda está tentando se consolidar.

RC: Pode-se dizer que a democracia no Brasil passa por uma crise? Por quê? A: A origem da nossa atual crise foi a mudança na distribuição de renda, o que alterou as relações de consumo. Com isso, há um furo na sociedade hierarquizada, aristocrática, proveniente das relações escravistas. Você não teve uma elite apoiando o golpe da Dilma, você teve um povão apoiando o impeachment. Isso é importante de ser lembrado. Não teve só classe média, rico, teve gente do povo. Mas por que o pobre apoia o golpe? Ele não sabe explicar. Na verdade ele não se sente bem com pobres mais pobres que ele consumindo as mesmas coisas. É muito legal as pessoas lutarem pelos seus direitos, até a hora em que a empregada que trabalha na sua casa começa a andar de avião. O escravo tá ficando igual a você, e isso não pode. O cara que é pobre anda de avião, ele conseguiu ter uma TV

Ou rompemos isso de uma maneira que só pode ser brutal, ou nunca vamos ter uma democracia por assinatura e de repente o cara que é mais pobre que ele conseguiu ter a mesma coisa. “Opa, como quem tem menos que eu pode ter acesso às mesmas coisas?” A hierarquia se quebra. Como admitir que um sujeito simplório, uma pessoa que mal tem o primeiro grau, possa se candidatar a alguma coisa? Isso é inadmissível em uma sociedade que se organiza em relações de poder em relação a ela mesma. Algo que muita gente critica: o próprio Lula. Por que se criticou tanto e se critica até hoje? Porque não se admite um sujeito que não tem o primeiro grau ter chegado a Presidência da República. Na cabeça de uma sociedade hierarquizada isso é um absurdo, quase um estupro. RC: Qual o papel das palavras de ordem dentro de um sistema democrático? A: Acho que a frase de Montesquieu [filósofo francês criador da teoria da separação dos três poderes] sempre vai ser a regra pra mim: “Quem tem o poder tende a abusar dele”. Se eu não tenho uma definição clara do que é democracia, e eu sei que existe uma série de problemas que podem surgir, essa é a frase chave. E sendo essa a chave frase, como transformo isso em uma bandeira, em uma palavra de ordem? Eu diria: sem vigilância plena de todos em relação a todos é impossível termos uma democracia. Estou falando de uma vigilância saudável, institucional, dos poderes se vigiarem, de todos aqueles que detém o poder. É a única forma da democracia sobreviver. CURINGA | EDIÇÃO 21

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Por trás da história

São os homens que fazem as palavras ou o contrário?

Opinião

Nossa sociedade se baseia num ciclo vivencial, no qual o homem faz a palavra, e a palavra faz o homem. No mundo contemporâneo, isso fica ainda mais evidente, principalmente com a facilidade de registrar mensagens em diversos meios ou memórias. Assim, pessoas se tornam figuras históricas através de seus discursos, mas muitas vezes não vamos além de suas palavras, e deixamos de lado fatos que vão na contramão da imagem criada por elas. Exemplo disso é Belchior, compositor de diversas canções eternizadas pela voz de Elis Regina e outros intérpretes. Sua figura sempre foi colocada à margem, correndo para o lado oposto da fama. As mensagens gravadas em suas músicas são pensamentos de resistência contrários ao mercado econômico, à alienação social e até à indústria cultural. Porém, ao longo do tempo Belchior sofreu uma mutação de marginal para desaparecido, talvez incoerente. Ele abandonou até mesmo a pensão alimentícia de seus filhos, ignorando as tarifas de hotéis, contas bancárias e vivendo hospedado em casas de fãs, juntamente a sua amada Edna. Outro personagem consagrado com uma crítica também voltada à exploração social é Gandhi. Ele foi responsável por motivar milhares de pessoas a abandonarem suas diferenças e sair pelas ruas da Índia em uma caminhada histórica, na busca de sua independência governamental.

Texto: Guilherme oliveira Arte: Mariana Viana

Pessoas se tornam referências históricas através de seus discursos, mas muitas vezes não vamos além de suas palavras

No entanto, essas figuras ganharam uma nova face com o decorrer da história. Em sua biografia escrita por Ashwin Desai e Goolam Vahed, lançada após 60 anos de sua morte, um novo lado de Gandhi foi mostrado, sendo encaixado no papel de agressor de mulheres no convívio com sua família e racista em sua passagem pela região sul da África. Atitudes que contradizem a sua filosofia de não-violência. Esses personagens estarão sempre no imaginário coletivo. Na maioria das vezes, serão lembrados por suas mensagens deixadas há um bom tempo. Mas há uma parte de suas biografias que não será lembrada por muitos, pois também, não somos tudo aquilo que dissemos. Há sempre algo bom ou ruim em nós que ultrapassa nossa imagem.


Travessia


Educação

O analfabetismo no Brasil não se restringe a índices sobre as habilidades de leitura e escrita da população. É também resultado de um processo histórico de discriminação socioeconômica e racial.


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Texto: André Nascimento e Laís Stefani Foto: Ana Paula Bitencourt Arte: Ticiane Alves

Educação é direito social garantido pelo artigo 205 da Constituição Federal de 1988, que se refere ao “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Em outras palavras, a Constituição deve assegurar o conhecimento sobre o mundo para que a condição de cidadão seja praticada. No entanto, um problema grave é enfrentado pelo Brasil desde o período colonial: o analfabetismo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, a taxa de brasileiros maiores de 15 anos não alfabetizados era de 8,7%. O índice diminuiu se comparado ao ano de 2000, quando a taxa chegava a 13,3%. Olhando apenas os dados percentuais parece uma mudança positiva, mas estamos falando de, aproximadamente, 13 milhões de brasileiros não alfabetizados. O analfabetismo não toca, apenas, no processo de leitura e escrita. Está relacionado diretamente ao desenvolvimento pessoal dos indivíduos e é reflexo de um histórico processo discriminatório. O analfabetismo tem cor. Seu índice alarmante é resultado do processo de segregação e desigualdade racial conhecido como escravidão e que, até hoje direciona o caminho do negro à marginalidade. Sheila Dias, 38 anos, sabe que é uma exceção à regra. Ela viu sua família de cinco irmãos e quatro primos adotados se separar para fugirem de uma vida de miséria e violências. Foi com um dos irmãos morar no Rio de Janeiro na casa de uma tia. “Eu, com 12 anos, analfabeta, comecei a trabalhar como empregada doméstica para poder ajudar a compor a renda”. E foi assim até os 16 anos de idade, quando participou de um projeto na igreja em que frequentava e teve a oportunidade de se alfabetizar.

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Efigênia não quer parar de estudar

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Mirian logo se formará em psicologia

Em seguida, iniciou o supletivo e não parou. “Eu tinha um objetivo que era o de encontrar e reunir a minha família novamente”. Ingressou na segunda turma de cotistas do curso de psicologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mas como o curso era diurno e ela não tinha a possibilidade de conciliá-lo com o trabalho, teve que abandonar. Os estudos continuaram na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no curso de Serviço Social. A graduação veio em 2009. Logo em seguida, a especialização e o mestrado. Hoje, rumo ao doutorado, carrega o sobrenome Dias com o orgulho da família de mulheres “raçudas” e de sua mãe, principal incentivadora na luta para que ela chegasse onde está: sentada em seu gabinete, professora do curso de Serviço Social da Universidade de Ouro Preto (Ufop). O Relatório Anual das Desigualdades (2009 – 2010), realizado pelo Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) do Departamento de Economia da UFRJ, é o estudo mais recente que se propõe a analisar as diferenças entre grupos de cor e de sexo no Brasil. Na educação, ele aponta os índices de analfabetismo entre os anos de 1998 a 2008. No primeiro ano, a população brasileira não alfabetizada correspondia a 18,9% e no último ano declinou para 10,0%. Fazendo um recorte racial nos dados, constata-se que a taxa de analfabetismo entre os brancos caiu de 12,1% no primeiro ano para 6,2% em 2008. Entre os pretos e pardos o índice caiu de 28,6% para 13,6%. Apesar das reduções, principalmente entre a população preta ou parda, mesmo com a introdução, na última década, de políticas públicas de ações afirmativas, é importante notar como os índices de 2008 para esta população ainda eram o dobro do que o expresso no contingente branco no mesmo ano. Pretos e pardos são os principais afetados pelo analfabetismo no Brasil. A professora do curso de Serviço Social da Ufop, Sheila Dias explica que os negros entraram tardiamente no processo de educação e ainda hoje são minoria nas universidades públicas. “A gente era proibido de frequentar as


Percentual de analfabetismo por raça, gênero e idade no Brasil Fonte: Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010

50%

Porcentagem

40% 30% 20% 10% 0% 15+

25+

40+

65+

Faixa etária Homens brancos Mulheres Brancas Homens pardos e pretos Mulheres pardas e pretas

escolas públicas e universidades. Só foi permitido negros e negras nestes espaços a partir da década de 1960. Estamos falando de ontem”.

Condições desiguais Não começar os estudos ou abandoná-los são também problemas que estão ligados às desigualdades sociais. Mesmo com a Constituição garantindo o direito à educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reforçando esse direto, e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) abrindo portas para a educação, essa realidade faz parte do cotidiano do nosso país. A Presidente do Movimento Negro de Ouro Preto, Efigênia dos Santos Gomes, – mais conhecida como Efigênia Carabina – foi uma dessas pessoas que, aos 14 anos, teve que largar os estudos para trabalhar e ajudar em casa. Ela que, desde os sete anos, trabalhava limpando a cozinha de uma vizinha para poder comprar o caderno e o lápis, teve que trocar a sala de aula pelo chão de uma fábrica de tecidos em Ouro Preto. “Eu pegava o serviço quatro e meia da manhã e largava uma e meia, outra hora pegava uma e meia e largava às dez, então não tinha como estudar”. Recentemente, Efigênia completou os estudos pelo Programa de Educação

de Jovens e Adultos (EJA). Na terceira vez em que seria conselheira tutelar na cidade de Ouro Preto, foi atingida por uma mudança no estatuto do Conselho Municipal que a impedia de exercer a função por falta dos estudos. “Então eu fui pro EJA, fiz o Ensino Fundamental, fiz o Ensino Médio e fiz joalheria na escola técnica”. Hoje, aos 70 anos, diz que está numa fase de descanso: “Quero estudar mais”. Para Daniela Guimarães, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um dos maiores desafios encontrados hoje no combate ao analfabetismo é despertar o interesse de jovens e adultos pela educação. Com o analfabetismo em pauta, programas como o EJA, o Brasil Alfabetizado e o Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa – PNAC – são responsáveis pela queda nos índices de analfabetismo. Mas estão longe de ser uma meta. “O desafio continua grande e é preciso que sejam desenvolvidos novos projetos governamentais nesse sentido”, afirma. Para a professora, é preciso mostrar que a alfabetização fará a diferença na vida desses jovens e adultos, uma vez que não é fácil encarar a realidade de trabalhar e estudar, comum à grande maioria deles. Além disso, ela ressalta a importância da leitura e escrita satisfatórias para o desenvolvimento do saber em outras áreas: CURINGA | EDIÇÃO 21

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“conteúdos escolares como ciências, história e geografia são, em sua maioria, transmitidos via leitura e escrita. Se o aluno não lê e interpreta bem, ele também acaba por ter dificuldades em outras áreas do conhecimento.” Os índices de analfabetismo são baseados em pessoas que não sabem ler e escrever. No entanto, mensurá-lo é uma tarefa mais complicada, pois a capacidade de interpretar textos é fundamental para a autonomia das pessoas no exercício diário de cidadania. O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) foi desenvolvido em 2001 pelo Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa. O último relatório do Instituto, publicado em 2016, revela que da totalidade de alfabetizados no país, apenas 8% são proficientes, ou seja, encontram-se no nível de excelência de alfabetização. E outros 27% são considerados analfabetos funcionais. O estudo atual classifica cinco tipos de alfabetismo no Brasil, buscando compreender as habilidades e práticas de leitura e escrita da população. Análises como essa sinalizam a necessidade de se proporcionar o desenvolvimento da alfabetização plena, que incluiria a possibilidade de refletir e questionar o mundo. “Sem o estudo não se chega a lugar nenhum”, é a conclusão da Faxineira, Georgia Pais, hoje em dia. Desmotivada, com dificuldades em algumas disciplinas, ela apostou no trabalho e abandonou a escola na sétima série, com 14 anos. Mais tarde percebeu que necessitava voltar aos estudos, compreende a importância e tenta passar para seus filhos. “A gente vai falando, mas parar de estudar, como eu parei, nenhum deles vai”. Em 2014, ela terminou os estudos pelo EJA, sonha em escrever e lançar um livro, mas perde as palavras só de lembrar da sensação do diploma na mão. “Depois de mais de 20 anos, foi muito bom, é ótimo”. Míriam Castro, vinte e três anos após abandonar os estudos, procurou pelo EJA para concluir o Ensino Médio. Desde criança teve dificuldades em estudar. Primeiro na infância, no município de Barra Longa, onde a escola era basicamente uma professora, que dava conta de todas as séries primárias. Depois, na adolescência, já em Mariana, por ter que conciliar os estudos com o trabalho de doméstica, o qual precisava manter para ajudar sua mãe. Concluiu o Ensino Fundamental e deixou a escola para cuidar dos filhos, pensando: “Deus me livre de estudar”. Os pensamentos mudaram quando sua filha começou a estudar e precisou de sua ajuda para realizar os deveres de casa. Hoje, com 49 anos, Míriam aguarda ansiosa pela colação de grau no curso de psicologia, que acontecerá em julho. “No dia do vestibular, quando cheguei na sala,

só tinha jovens e eu, que fiz o EJA. Pensei: ‘o que eu tô fazendo aqui?’. Comecei a rir sozinha.” O sorriso permanece no rosto, indicando o quanto valeu a pena enfrentar essa batalha.

Na contramão dos avanços O Presidente da República, Michel Temer, sancionou a medida provisória que reformula o Ensino Médio no dia 16 de fevereiro de 2017. A medida prevê uma flexibilização dos currículos. Definindo as disciplinas obrigatórias pela Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e aumentando a carga horária com matérias de aprofundamento em uma área de interesse. A proposta gerou polêmicas em todo o país porque desfavorece áreas do conhecimento que se relacionam com o desenvolvimento da consciência histórica e dos direitos. Ter acesso a conteúdos diversificados é positivo, pois completa a formação. Flexibilizar o contato com determinadas disciplinas é um caminho que aponta para um ensino mais técnico e menos crítico. Como aponta a professora Sheila Dias, “o estudante de baixa renda vai optar por disciplinas que dêem condições para ele se inserir no mercado de trabalho. Como se a gente vivesse numa fartura de empregos”. Ela ainda ressalta que no ensino privado essa flexibilização não acontecerá, o que torna desigual o tipo de acesso à educação. “Essa elite burguesa sabe que o conhecimento é libertador e que a gente passa a reivindicar a partir do momento que temos conhecimento sobre as coisas”, conclui.

Sheila, pro fe

ssora univer sitária da U fop


Acessibilidade... Texto: Carolina Carli e Paula Locher Foto: Pedro Nigro Arte: Amanda dos Santos Francisco

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...para quem? Transitar sem empecilhos, conversar, escrever. Essas são algumas ações que muitos cidadãos fazem todos os dias, mas que as pessoas com deficiência enfrentam grandes dificuldades para realizar. Em 2010, segundo o último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, havia 45 milhões de pessoas que declararam ter algum tipo de deficiência, ou seja, 23,9% da população brasileira. A lei nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015), no artigo 53, diz que “a acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social”, porém isso ainda é bastante negligenciado. Numa tentativa de promovê-la, aliando-se com as tecnologias assistivas, surgiram vários aplicativos para celular, mesas gráficas, tradutor de libras, audiobooks, entre outras ferramentas, que tentam deixar o mundo mais inclusivo. O universo da tecnologia assistiva, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo), já movimenta cerca de US$1,35 bilhões por ano, porém, o acesso a elas ainda é restrito. Estela Saleh, especialista em políticas públicas, afirma que apesar de contribuir para uma maior acessibilidade, as tecnologias assistivas, por si só, não rompem com o preconceito, a exclusão e a falta de espaço que as pessoas com deficiência tem dentro da sociedade. “Essas tecnologias promovem possibilidades? Não tenho dúvidas que sim, mas não rompem com o que é estrutural. Temos dificuldade de falar em acessibilidade em uma sociedade de exclusão”, defende.

Inclusão ou exclusão? Adriana Machado Laje, 44 anos, mãe de Raquel Machado Menezes, 26, e com deficiência auditiva, conta que, apesar de achar que a tecnologia possui seus prós, o grande problema é que as pessoas mais afetadas são as mais pobres. Natural da cidade histórica de Mariana, Minas Gerais, a mãe diz que “é preciso ter internet para você ter acesso aos aplicativos. Penso na questão das pessoas com deficiência que são empobrecidas. Como elas terão acesso a isso, sendo que só a internet custa em torno de 50 reais por mês?” Além da questão econômica ser um problema, há também dificuldades comunicacionais. Adriana evidencia que crianças com deficiência auditiva não aprendem Libras e se comunicam através de gestos.

É praticamente uma linguagem à parte e que só conhece quem convive com a pessoa. Isso acontece porque a maior parte das pessoas com deficiência auditiva são “medicadas”. Isso significa o aprendizado da língua oral através de processos que vão de encontro a realidade das pessoas com deficiência, como a implantação do aparelho auditivo. Também pela maior parte das pessoas com deficiência auditiva nascerem em famílias ouvintes. Para Adriana, a Libras deveria ser ensinada nas escolas como linguagem obrigatória, da mesma forma como acontece com o Inglês. Nesse ponto, “a tecnologia ajudaria muito”, afirma. Christian Catão, jornalista e mestrando em Educação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), enxerga as novas tecnologias como uma potencial ajuda para o desenvolvimento da aprendizagem da população. “Os dispositivos móveis podem ajudar a manter e melhorar as competências na alfabetização. Ao contrário do que muitos pensam, as pessoas estão lendo mais agora. Basta pensar no ‘Growing Communities of Readers’, um projeto da organização de fins não-lucrativos, focado no desenvolvimento de jovens leitores na África do Sul. O conteúdo é disponibilizado pelos celulares dos estudantes, como uma biblioteca no celular.” Porém, ele entende que as tecnologias não funcionam sozinhas e são necessárias ações paralelas para que não se tornem excludentes. “A desigualdade social no campo das comunicações não se expressa somente no acesso ao bem material, mas também na capacidade do usuário de retirar, a partir de sua capacitação intelectual ou profissional, o máximo proveito das potencialidades oferecidas por cada instrumento de comunicação e informação.” Catão lembra que as taxas mais altas de exclusão se encontram nos setores de baixa renda. Adriana levanta a questão da necessidade da mudança de alguns aplicativos. Por que, ao invés de nós aprendermos Libras para que seja possível nos comunicar com as pessoas com deficiência auditiva, dependemos de aplicativos que façam essa tradução? Ao invés da acessibilidade se originar para quem precisa, ela é criada para facilitar a comunicação das pessoas que não possuem deficiência. Ela conta que sua filha tem alguns aplicativos instalados em seu celular, mas diz que grande parte deles não é eficaz por ela não ter aprendido Libras. “Quando Raquel era criança, não existia nenhum professor de Libras na cidade de Mariana.” Como lembra, “isso dificultou ainda mais o aprendizado das pessoas com deficiência auditiva. Ao final, fica a dúvida: para quem esses aplicativos são desenvolvidos e até que ponto são inclusivos?


Língua que cala Texto: Priscila Santos Foto: Ana Paula Bitencourt Arte: Mariana Viana Casting: Julia Carvalho

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Consultar um dicionário pode ser algo doloroso e incômodo quando se é mulher. Um dos dicionários mais usados no Brasil, o Aurélio, traz um disparate entre os significados das palavras homem e mulher. Em sua versão eletrônica atual, a palavra homem significa “1. Qualquer indivíduo pertencente à espécie animal que apresenta o maior grau de complexidade na escala evolutiva; o ser humano. 2. A espécie humana; a humanidade. Já a palavra mulher traz o resultado semântico de “1. O ser humano do sexo feminino. 2. Esse mesmo ser humano considerado como parcela da humanidade”. Resumindo os exemplos que vimos, as relações que se estabelecem nas definições acima, são de silêncio e invisibilidade do gênero feminino. A mulher que é representada pelo dicionário, está sujeita à subordinação, dependência e deve dedicar-se à procriação de sua família. Sabe-se que não é uma língua que naturaliza a superioridade do gênero masculino. É a sociedade que define como, quando e onde ela será empregada. Na verdade, a língua oferece possibilidades suficientes para que possamos escolher como iremos falar e escrever de forma inclusiva para ambos gêneros. Seja de forma oral, verbal, escrito ou gestual, a linguagem deveria ser próxima de uma neutralidade e modelo que represente tanto mulheres quanto homens, evitando, assim, uma aplicação excludente. Entretanto, o que escrevemos, falamos e reproduzimos em nossa língua, impõe o masculino como norma padrão, referindo o feminino de formas masculinizadas, contribuindo para o apagamento social e cultural da mulher. Para Simone de Beauvoir, importante teórica do movimento feminista, falar é assumir poder, logo, é afirmar-se diante de uma sociedade e situação.

Assim, as mulheres devem se afirmar, revogando os instrumentos e estudos teóricos que as silenciam. No entanto, se ajustar às teorias e suas ferramentas não seria o bastante. É o que afirma a filósofa feminista americana, Andrea Ney, em seu livro Teorias Feministas e as Filosofias do Homem (1995). Para Andrea, ensinar as mulheres a utilizarem da neutralidade presente nas línguas que descendem do latim, é ensiná-las a serem vistas e ouvidas, mesmo que isso signifique subverter toda uma estrutura já padronizada para o uso da língua.

O silêncio que ninguém enxerga Na Língua Portuguesa, o que vemos é que na flexão dos substantivos no singular para o plural, prevalece o masculino. “Quando a gente pensa em ‘ser humano genérico’ no Brasil, a gente pensa no modelo masculino. Isso já começa com o idioma. No português, quando há 10 mulheres e um homem, você fala em ‘eles’ no plural. Quando você pensa em genérico não deveria ser normal pensar no homem, mas sim pensar nos dois”, disse a jornalista Nana Queiroz em entrevista para o Coletivo Nísia Floresta. Para a mestranda em Políticas Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Laura Ralola, a linguagem tem como papel principal, produzir e apresentar significados entre membros de um grupo. “Em teoria, entendo que o que escrevemos ou reproduzimos deve estar o mais próximo da neutralidade. Me questiono qual neutralidade é essa, pois é uma questão que a análise do discurso já quebrou. Não existe discurso neutro, a linguagem não é neutra. O contexto histórico, os conflitos e consensos, podem deslocar discurso, e é na perspectiva da resistência que temos que trabalhar para evitar a discriminação presente na linguagem”, disse Ralola. Assim como as pessoas, a linguagem está em constante mudança. É preciso que a sociedade busque afirmar essa evolução, valorizando os direitos da mulher de existir e de estar presente. Desnudar-se do cotidiano e da naturalização da língua é entendermos que se há mulheres e homens, precisamos representar na fala ou escrita, que há mulheres e homens - ou simplesmente pessoas, que é o que somos. As mulheres não são “eles”, são elas, e juntos, somos nós.

Tente não usar

Dê preferência

Há 2.000 anos o homem vivia da caça.

Há 2.000 anos se vivia da caça.

O trabalho do homem melhora sua vida

O trabalho da humanidade melhora a vida.

É benéfico para o homem.

É benéfico para a sociedade.

Os passageiros só precisam de mais linhas de ônibus.

As pessoas só precisam de mais linhas de ônibus.



Comum

Palavras que habitam o mundo


Texto: Gabriela Vilhena, Luana Carvalho e Paula Locher Foto: Júlia Rocha Arte: Luccas Gabriel

Imagine um mundo sem palavras. Sem letras, caracteres ou símbolos que nos orientem nas mais simples atividades do cotidiano. Pensar, por exemplo, em uma cidade sem palavras, que são as principais condutoras da vida, é uma tarefa difícil e nos leva a pensar onde e como dependemos delas. As palavras presentes em nosso cotidiano, não servem somente como forma de identificação ou diálogo. Placas de carro, trânsito ou até mesmo esse texto, elas estão também no rádio que escutamos no caminho para o trabalho, durante os estudos ou naquela mensagem avisando que chegaremos atrasados. Tudo depende de simples caracteres, que juntos fazem a diferença e dão distintas formas ao contexto. Doutora em Linguística e Professora do Departamento de Letras da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Kassandra Muniz, 39 anos, enxerga a Linguística como uma expressão eminentemente humana. A partir do momento em que o ser humano existe, a capacidade de comunicar surge: “se entendermos que desde o início tivemos essa aptidão, isso não necessariamente dependia do uso das palavras. Usamos também o corpo, gestos, olhares e desenhos para isso”, explica. Mesmo que toda forma de comunicação faça parte da natureza humana, para a professora “nós somos uma sociedade altamente centrada no verbo, nas línguas falada e escrita. Temos dificuldade de imaginar coexistir nos dias de hoje sem a possibilidade de falar ou escrever”, afirma. As diferentes formas de se comunicar através das palavras dão ao ser humano a capacidade de compreender o universo ao seu redor. O uso dessa linguagem, aprendida a partir da infância, nos leva a uma comunicação única. Os diálogos formados por palavras remetem a uma exclusividade que difere os humanos dos demais seres vivos.

Desenvolvendo a palavra A construção da relação humana com a palavra começa ainda na infância, quando se estabelece suas primeiras relações com a comunicação. De acordo com a psicóloga Lamir de Carvalho, a criança, antes do surgimento da linguagem falada, interage com a família, balbuciando como resposta, e assimila tudo que ouve, transformando em conhecimento. E aos poucos, com os sons que são emitidos, ela aprende a falar de uma forma compreensível. No processo de descobrimento da língua falada, a criança começa a se comunicar, apontando para o que ela deseja. A mãe, então, interpreta estes sinais e repete a palavra e nome das coisas, e, através da repetição, a criança aprende a identificar o que quer. Na linguagem escrita, a criança começa a aprender as letras, a juntá-las e a compor a palavra. Depois aprende a formar frases pequenas, aprendendendo a escrever. Apesar de já formar frases pequenas, a leitura desta frase vai acontecer de acordo com o amadurecimento cognitivo da criança que consegue escrever cursivamente.

PALAVRA: Unidade linguística com um significado, que pertence a uma classe gramatical, e corresponde na fala a um som ou conjunto de sons e na escrita a um sinal ou conjunto de sinais gráficos. Mensagem oral ou escrita. Afirmação ou manifestação verbal. Permissão de falar. Manifestação verbal de promessa ou compromisso. Doutrina, ensinamento. Capacidade para falar ou discursar. Dicionário Priberam

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Comum

Para as crianças, os signos e as palavras são um meio de contato social com outras pessoas. Segundo a psicóloga Angela Biaggio, na obra “Desenvolvimento e Personalidade da Criança” (2002), para adquirir pensamento em linguagem, o indivíduo deve passar por várias fases de desenvolvimento psicológico, partindo do individual para o social. A psicóloga Lamir diz que se recebermos um texto com as letras trocadas e com números, o cérebro é pré-ativado no início da leitura. O cérebro ativa o contexto de adivinhar, então não é preciso identificar cada palavra, porque a compreensão do contexto faz pular algumas palavras, e mesmo assim, entender a situação. Desta forma, as línguas contam com um processo de simbiose, relacionando o sinal com um determinado significado. As cidades, por exemplo, possuem importante papel como um dos primeiros estímulos visuais dos seres humanos, e isso transforma a interação que temos com as palavras e sua organização. O nosso cérebro, ao longo da vida, se acostuma às palavras. Mesmo que algumas estejam trocadas,

associadas a símbolos, ou fora da ordem usual, o cérebro humano as decifra e compreende.

Quando o urbano fala Para o arquiteto e mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rafael Lemieszek Pinheiro, as cidades só são possíveis por conta da comunicação verbal, que possibilitou socializar e negociar a produção e uso do espaço comum. “Quanto mais populosas as aglomerações urbanas, maior o número de desafios práticos que só a comunicação consegue resolver.” Pinheiro complementa que manifestações arquitetônicas e urbanísticas no espaço construído das cidades também são uma forma de comunicação. Algumas cidades têm sua marca no excesso de palavras. Tóquio, Nova York e até mesmo São Paulo são metrópoles famosas pela grande quantidade de letreiros luminosos e outdoors que são característicos. Só na cidade brasileira, de acordo com a Prefeitura de São Paulo, em 2006 havia cerca de 20 mil outdoors, sendo que 15 mil eram irregulares. Esses


lugares não têm as palavras apenas como informação ou necessidade, o seu perfil demanda que elas sejam peça fundamental na construção de identidade visual e, normalmente, é a primeira coisa que pensamos ao lembrarmos das metrópoles. Para o arquiteto Rafael, grandes cidades inseridas no mundo moderno criam suas identidades na substituição do subjetivo pela objetividade da carga visual publicitária: “a publicidade é a forma mais ostensiva de aplicação de palavras no espaço urbano. É também uma das únicas formas de converter bens comuns e públicos por natureza, como paisagens e espaços de convívio, em instrumentos de renda”. Segundo afirma, “a palavra tira a ambiguidade e a subjetividade do espaço: uma paisagem pode ter um sem número de valores, mas um painel de propaganda não é nada além disso”. Apesar de podermos nos comunicar através do corpo, gestos, olhares e símbolos, que são tão eficientes quanto a palavra escrita, segundo a professora Kassandra, é improvável para uma sociedade dependente da comunicação através das letras, pensar num mundo sem palavras.

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Habitar

não xingue nã bar nã

O Sim e Três letras, dois pequenos termos. Advérbios. Afirmação e negação. Pode. Não pode. É a partir de duas palavras que aprendemos sobre as permissões e proibições: Sim e Não. Parece simples, mas as afirmativas e negativas aprendidas na infância irão refletir e ter consequências durante toda a sua vida. A psicanalista Gervaci Matos, 60 anos, aponta que “de um modo geral, o sim e o não em demasia ou em falta traz muitas situações de insegurança, indecisão ou resultam em pessoas mimadas”. Os excessos são prejudiciais e, a longo prazo, atrapalham a pessoa a ter uma vida plena e saudável. Segundo Matos, a psicoterapia cita que a formação humana busca esse equilíbrio para enfrentar obstáculos, e que o domínio próprio deve ser uma procura do ser humano para enfrentar as situações da vida. Portanto, quando não há esse equilíbrio e a criança recebe muitas afirmações ou negações, isso vai influenciar no modo como tratará os demais e até mesmo como se enxerga dentro da sociedade. Para a psicanalista, desde a amamentação, o indivíduo já começa a formar sua personalidade. “Quando a mãe está amamentando um filho, a primeira coisa que o filho procura é o olhar da mãe,

o Não que tem uma ligação muito profunda e que passa segurança para a formação futura. Só que hoje em dia, as mães amamentam assistindo televisão, chamando atenção do outro filho, então, quando a criança não encontra o olhar da mãe, ela procura qualquer outro ponto para olhar”. Matos explica que a idade entre 0 a 7 anos seria o mesmo que uma página em branco, que será escrita pelos responsáveis enquanto estes ensinam a dizer sim e não. Após os 7 anos, quando a criança já começou a ser alfabetizada, ela vai saber dividir, a respeitar os mais velhos, ou seja, terá noção do que pode ou não fazer.

A falta de limites Esse seria o mundo ideal, porque não é o que vem acontecendo. Cada vez mais nos deparamos com notícias de jovens e adultos que reagem de forma desastrosa frente ao não ou que não sabem se impor, sendo inseguros.

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ão fale palavrão não vote não jogue não matar não trair nã ão passe não falte não esqueça não pense não peça não grit hor não reclame não grafite não atrase não pertube nã não mude não use não amole não corra não salvo não lig case não pare não olhe não veja não julgue não estacion na grama não bata não cobiçar não fume não da mude não vire não fale não beije não transe não não fale palavrão não vote não jogu tar não trair não roubar não passe n não esqueça não pense não grite não senhor n

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Des equilíbrio

Para a psicopedagoga Marcela Gaiotto, 29, a chave para não deixar que isso atrapalhe as relações interpessoais seriam os pais imporem limites aos filhos, mas isso acaba acontecendo tarde demais, o que resulta nos famosos conflitos entre as gerações. Marcela evidencia que até mesmo o jeito como dizemos o não deve ser cuidadosa, pois se falado de forma grosseira, pode formar adultos reprimidos e que terão medo de colocar em pauta sua opinião ou até mesmo de demonstrar afeto. “Deve ser de forma firme, porém, com amor”, diz. Júlia C., 20, estudante da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), alega ter sofrido com o excesso de nãos durante sua vida. Quando teve a oportunidade de sair de casa para estudar, deparou-se com as consequências que o exagero de nãos causou. “Eu era muito presa. Essa questão de ter que decidir minhas próprias coisas, não tinha essa liberdade. Tudo tinha que passar por eles (os pais). Até hoje tenho muita dificuldade de decidir as coisas. Preciso pedir opinião da minha mãe.” Apesar de reconhecer que em seu caso não houve consequências graves, já que percebeu que com o tempo ela conseguiria se remodelar, Júlia diz que por causa da educação que recebeu, sente dificuldades em se impor e mesmo quando quer, não sabe como agir. Para ela, é importante que haja autonomia e que a pessoa tenha seu espaço. A estudante ressalta que os pais deveriam deixar que seus filhos cometam erros de vez em quando, para que eles possam aprender e saber medir as consequências.

Já Natália B., 21, estudante da Universidade Federal de Lavras (Ufla), conviveu com os dois tipos de educação, a conservadora e a liberal. Como morou por 16 anos com seus avós e sua mãe, ela conta que a educação que teve foi a mesma que os seus avós receberam no século passado, uma educação que ela considerava machista, onde deveria aprender a costurar, cozinhar, arrumar a casa e se casar com um marido bem sucedido financeiramente. Natália não aceitou essa educação imposta por seus avós e passou a seguir suas próprias regras. Ela relata que sempre teve personalidade forte nesse aspecto e que recebeu o apoio da mãe quando resolveu adotar um estilo de vida mais liberal. Em ambos os casos, é notável que os princípios, valores e regras podem dialogar de formas e jeitos diferentes entre as gerações. O mais importante nesses conflitos é estar disposto a conversar e enfrentar as frustrações. “Pessoas que não sabem lidar com suas frustrações, sofrem perante um mundo em que recebemos o não muitas vezes em nosso dia a dia”, diz Marcela. Os efeitos decorrentes de uma vida em que o “sim” e o “não” não foram dosados são muitos. A saída que o campo medicinal aponta para superar esse conflito é o acompanhamento terapêutico com profissionais. Gervaci destaca que essa é uma das medidas para que a pessoa entenda que o seu “eu” está mal-formado e precisa de restauração. “É necessário que o racional e o emocional sejam filtrados, assim a pessoa vai descobrir o seu querer.”

Foto: Pedro Nigro Texto: Carolina Carli e Eric Castro Arte: Amanda dos Santos Francisco

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Sensação

O corpo sente, o corpo fala Foto: Fernanda Covalski Arte: Lorena Lima Casting: Bruno Andrade, Isadora Matricarde, Jaqueline Pinheiro


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Opinião

Texto: Laís Stefani Arte: Deborah Alves

Estava prestes a entrar no ônibus. Tinha ido para aquela cidade passar férias. Era minha primeira viagem sozinha e tinha sido a melhor que eu poderia ter feito. Não só por ele, mas por ter conhecido mais sobre a história do Brasil e também pelo tanto que todo mundo era acolhedor. Ele, que fez minha viagem ser tão mais especial, tinha nascido e crescido naquela cidade de interior, mas seu sonho era voar por todo o mundo e conhecer novas culturas. Ele estava me ajudando a carregar as malas, e depois de tê-las colocado no bagageiro, senti que meus olhos estavam marejados. Olhando-me fundo, beijou-me nos lábios e disse: “Sentirei saudades.” O que antes era apenas o começo de um choro, agora as lágrimas escorriam por toda a face. Apesar de todo o sentimento de perda e abandono, eu chorava mesmo por aquilo que eu havia escutado. Duas semanas antes daquele dia, conversamos sobre a tal da saudade. E confessandome, disse que nunca havia sentindo saudade de ninguém e que jamais havia falado essa palavra. O que ele sentia mesmo era falta. E entre sentir falta e sentir saudade há uma enorme distância. Não nos conhecíamos há muito tempo, e isso só prova que saudade não é sobre se conhecer ou não se ver por muito tempo. Sentada naquela poltrona, indo para um lugar tão distante dali, fiquei pensando no quanto a saudade poderia representar aquele um mês de sentimentos intensos. A dificuldade de se traduzir a palavra saudade, é a mesma em explicar o que vivemos naquele amor de férias. São sentimentos únicos, assim como essa palavra, que só existe para nós brasileiros. Desde que os portugueses desceram de suas caravelas aqui, deixando para trás família, amores, amigos e também a pátria, aquele sentimento angustiante, que nos faz lembrar do que vivemos de melhor, é chamado saudade. Enquanto o ônibus foi cada vez mais seguindo a sinuosa estrada, uma saudadezinha logo cresceu dentro de mim. É como está no dicionário: “Lembrança grata de pessoa ausente ou de alguma coisa de que alguém se vê privado.” Quanto mais nos distanciamos fisicamente, mais intensa é a sua presença, tornando tudo que vivemos nosso.

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CAÇA-PALAVRA Procure e marque, no diagrama de letras, as palavras em destaque do texto.

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