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Curinga é uma publicação da disciplina Laboratório Integrado II: Grande Reportagem. Revista produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da UFOP.
Professores responsáveis: Frederico Tavares - 11311/MG (Texto) Dayane do Carmo Barretos (Fotografia) Michele Tavares - 0001195/SE (Visual) Monitora: Thalia Gonçalves
Dezembro/2018
Editora de visual: Larissa Maiane
Editor de audiovisual: Celso Peixoto
Editor de fotografia: Felipe Cunha
Editora de sonora: Patrícia Consiente
Colaborador Foto Fabrício Santos
Visual ( Expediente ) Brener Mouroli
FOTÓGRAFOS DIAGRAMADORES
Amanda Egidio; Brener Mouroli; Carlos Romano; Deivid Oliveira; Domingos Gonzaga; Elis Cristina; Felipe Cunha; Guilherme Furutani; Isabely Pignonato; Júlia Militão; Juliana Carvalho; Juliana Folhadella; Karina Peres; Larissa Venâncio; Laryssa Gabellini; Lucas Mantovani; Luciana Gontijo; Maic Costa; Marcos Fileto; Patrícia Consciente; Rafaela Queiroz; Raphaela Cyrne; Renato Rinco; Suzane Pinheiro; Tuila Dias; Tulio Gariglio; Vinicius Magalães; VH Gonzaga.
Brener Mouroli; Bruno Campos; Carlos Romano; Deivid Oliveira; Domingos Gonzaga; Fábio Carvalho; Felipe Cunha; Georgyanne Sena; Guilherme Furutani; Isabely Pignonato; Júlia Militão; Juliana Carvalho; Juliana Folhadella; Larissa Venâncio; Laryssa Gabellini; Luana Maciel; Luciana Gontijo; Marcos Fileto; Patrícia Consciente; Patrick de Araújo; Pedro Freire; Rafaela de Queiroz; Ramon Santos; Suzane Pinheiro; Tati Marques; Tânia Scher; Vinicius Magalães, VH Gonzaga.
Brener Mouroli; Bruno Campos; Carlos Romano; Celso Peixoto; Deivid Oliveira; Domingos Gonzaga; Fábio Carvalho; Felipe Cunha; Guilherme Furutani; Isabely Pignonato; Juliana Carvalho; Juliana Folhadella; Larissa Venâncio; Laryssa Gabellini; Luciana Gontijo; Maic Costa; Marcos Fileto; Patrick de Araújo; Ramon Santos; Tuila Dias; Vinicius Magalães, VH Gonzaga.
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EXPEDIENTE
Editoras de multimída: Luciana Gontijo; Tati Marques
REPÓRTERES
Editoras de Texto: Laryssa Gabellini; Suzane Pinheiro.
EXPEDIENTE EXPEDIENTE
Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) Departamento de Jornalismo (DEJOR) Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Endereço Rua do Catete, 166 - Centro 35420-000, Mariana - MG Impressão MJR EDITORA GRÁFICA Rua Carlos Pinheiro Chagas, 138 Ressaca 32.113-460, Contagem - MG Telefone: (31) 3357-5777
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SUMÁRIO
SUMÁRIO SUMÁRIO
ENTREVISTA
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BENEDITA DA SILVA
A CARTA MAGNA
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CONSTITUICÃO, MOSTRA A SUA CARA
RELIGIÕES
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BRASIL, UM PAÍS AINDA LAICO
LIBERDADE
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ENSINO
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QUAL É O SEU LIMITE?
DESAFIOS EM CONSTRUÇÃO
SUS
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A CONCEPÇÃO DO DIREITO Ä SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL
TRABALHO
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DIREITO X EMPREGO: TENHO MESMO QUE ESCOLHER?
MORADIA
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A PROPRIEDADE ATENDERÁ Ã SUA FUNÇÃO SOCIAL?
IDENTIDADE
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AS FERIDAS DO RACISMO
GÊNERO
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AFINAL, O QUEREM AS MULHERES?
LGBTQI+
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IMAGINÁGIO CRU
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EDITORIAL
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o ano de 2018, comemoram-se os 30 anos da Constituição Federal (CF) brasileira. O movimento que deu origem à Carta Magna da nação foi marcado por decisões políticas, conquistas coletivas, garantias de direitos fundamentais e pela representatividade do povo. Desde a sua criação, a CF de 1988 foi elogiada por instituições de poder, como a Organização das Nações Unidas (ONU). O documento marcou um passo decisivo em direção à democracia social e trouxe esperança para um povo que passou longos anos sob uma Ditadura Civil-Militar, quando sofreu com uma pesada censura, tortura e silenciamento. Por isso, todo o processo de sua construção, que durou dois anos, reflete valores republicanos e democráticos que servem como pilares para seus artigos e incisos. Entretanto, após esse período de sua elaboração existe a necessidade de olhar se seus princípios estão sendo seguidos e se os direitos assegurados estão sendo efetivados. A 26o edição da Curinga nasce em um marcante ano de disputa eleitoral, com manifestações populares de muita força e um país dividido em pensamentos. Um momento politicamente conturbado, de opressão e medo para alguns. A partir dessas movimentações, surgiu a necessidade de propor questionamentos e analisar como os temas que permeiam os direitos previstos em nossa Constituição Federal estão hoje. Três décadas depois, reafirmar a importância do documento que protege nossa cidadania. Por isso, cada página deste dossiê nos convida a refletir sobre a atemporalidade de um documento que representa segurança civil, e a importância de fazer valer, de verdade, o que está promulgado em nossa Lei Suprema - como também é chamada. Trazemos em nossas reportagens especiais a capacidade de resistência das leis, em frente a inúmeras tentativas de quebras, principalmente em momentos de incertezas. Assim, a memória - de quem viveu os tempos de chumbo de uma Ditadura CivilMilitar, dos que ajudaram a construir e instituir o Estado Democrático de Direito como norte do nosso país, e dos que ainda lutam por um mínimo de garantia de direitos humanos - está sendo lembrada e reafirmada como consciência histórica. Liberdade, racismo, homofobia, misoginia, desigualdade, o significado do trabalho, a existência do Estado Laico, dentre outros necessários debates que dizem respeito à Constituição da República Federativa do Brasil, são abordados para ressaltar problemas que parecem ter sido esquecidos (ou nunca percebidos) por boa parcela da população. Dessa forma, voltamos nosso foco para as pessoas que representam a sociedade na qual nos enquadramos e que traduzem os significados de pensamentos diversos, tensões e propostas. Observamos esses sujeitos como atuantes dentro de um plano que os rege e dialogamos de forma dual sobre como os processos defendem indivíduos e como os cidadãos podem ser anulados por esses meios. Mesmo diante de um cenário ostensivo de violência, perda de direitos e ameaças à democracia, a nossa Constituição respira e luta por sua existência. C!
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Entrevista
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enedita da Silva me recebeu em um dia de trabalho na Câmara dos Deputados em Brasília. Eleita deputada constituinte, foi uma das 24 mulheres presentes na Assembleia que deu origem à Constituição de 1988. Antes da vida pública, Bené (seu conhecido apelido), vivia na comunidade Chapéu Mangueira, no Rio de Janeiro. Trabalhou desde cedo. Foi vendedora ambulante, empregada doméstica, enfermeira, professora em escola comunitária. Ainda assim, formou-se em Serviço Social. Iniciou a carreira política em 1982, como vereadora. Depois, além de deputada, foi também senadora e governadora, sendo a primeira mulher negra a assumir as duas últimas posições. Sua trajetória sempre esteve ligada à causa dos movimentos sociais e das minorias. Atualmente, Benedita reelegeu-se deputada federal e segue na defesa dos direitos das populações menos assistidas. Categórica, fala sobre o momento atual do país e a importância de aspectos democráticos da Constituição, como a garantia de direitos trabalhistas, questões raciais, igualdade social e direitos humanos.
Reportagem Laryssa Gabellini Suzane Pinheiro Tati Marques
Eu saí da Constituinte com a consciência do meu dever cumprido.” CURINGA | EDIÇÃO 26
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Benedita da Silva, ao centro, assina a promulgação da Constituição de 1988, ao lado de outros deputados.
Como deputada constituinte, qual a sua principal lembrança da Constituição? Benedita da Silva (BS): Olha, as lembranças são muitas, mas há aquela que eu considero marcante. Que foi exatamente conseguir introduzir as trabalhadoras domésticas na Constituição Brasileira. Aquilo foi um momento incrível porque a Constituinte foi um momento de grande emoção no Brasil. Nela encontram-se todos os segmentos, todas as raças, e os encontros foram assim, encontros fantásticos que deram oportunidade a pessoas lá do Quilombo, a trabalhadoras domésticas, aquela trabalhadora rural, aquela dona de casa simples. Todas elas tiveram voz e nós tivemos a oportunidade de poder defendê-las. Então, foi muito emocionante por causa das condições delas. Ai você me pergunta, quais? A maioria dos que estavam aqui eram seus empregadores. A Constituição marcou o primeiro passo para garantir direitos não apenas às domésticas, mas também a população menos assistida pelo Governo, na época. Como se deu esse processo de construção voltada para esse público? BS: Isso só aconteceu porque nós tínhamos antes uma militância. Eu não cheguei na Constituinte apenas porque estava eleita deputada. Vim militante dos movimentos dos meninos e meninas de rua, da favela, vim da militância do movimento negro, das mulheres, das comunidades, dos trabalhadores. Então nós acumulamos tudo isso. E por estar envolvida com esses processos também tinha comigo as questões raciais não apenas dos negros, mas também dos indígenas. Visitei muitas tribos, conversei com pessoas, entendi quais eram as necessidades, isso antes de chegar a construir a Constituinte. O simples fato de fazer uma Constituição me deu a oportunidade de sair pelo Brasil discutindo com essas bases. Então nós defendemos, na verdade, a cidadania, o direito
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dos trabalhadores e trabalhadoras, a importância dos Sindicatos. Nós trabalhamos em cima de tudo isso. Tudo isso juntando o fato de que eu estava ao lado de uma das maiores figuras de representação dos trabalhadores que era o Lula, também constituinte. O que fez com que eu ampliasse minha base de defesa de segmentos que mantinham essas pautas de luta e democracia. Como você mesmo disse, estavam em pauta as ideias de cidadania e garantia de direitos. O que significa ter a Constituição de 1988 após longos anos de ditadura? BS: Foi uma expectativa grande criada em torno do processo de construção, pela forma como ela foi feita. Por isso que a nossa Constituição, segundo o Ulysses Guimarães, foi classificada como “Constituição Cidadã. Ela ficou enorme porque todo mundo achava que todas aquelas demandas reprimidas tinham que estar inclusas para garantir direitos e evitar violências, assuntos como segurança, a questão das liberdades individuais e coletivas, foram muito ricos os debates feitos em torno desses temas. Então, criou-se uma expectativa muito alta. Depois de todo esse processo nós tivemos então uma dificuldade para regulamentar alguns artigos. Nós tínhamos artigos que foram autoaplicados, ou seja, desde que se promulgou a Constituição, eles já estavam valendo. Outros teríamos que buscar aprovação, como no caso da trabalhadora doméstica, questões do direito civil e dos crimes inafiançáveis na prática do racismo. Nós tivemos que fazer uma regulamentação. Então levou-se um tempo muito grande. Para você ter uma ideia, eu falo muito da categoria doméstica porque é uma categoria secular, que vem da Senzala e para que se entrasse em vigor essa decisão foram muitos anos. Eu estive afastada 20 anos do poder legislativo, estava no executivo, voltei e ainda estava aqui para regulamentar.
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Vim militante dos movimentos dos meninos e meninas de rua, da favela, vim da militância do movimento negro, das mulheres, das comunidades,
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dos trabalhadores.’’
Você acha que a Constituição ainda cumpre seu papel após 30 anos? BS: Não. Ela já não é aquela Constituição de 1988. Eu até digo que ela foi rasgada. Muitas de suas páginas foram atropeladas, principalmente quando falamos em democracia brasileira e Estado laico. Agora estamos vivendo um Estado de Exceção e a Constituição Brasileira está sendo modificada de forma totalmente contrária ao seu objetivo, que visava a garantia de direito dos trabalhadores, garantia dos direitos individuais e coletivos, de uma educação e da saúde como um dever do Estado. E hoje não, hoje se congelou por 20 anos aplicações nas áreas de educação, saúde e investimentos sociais. Ao longo desses 30 anos, em 2 (anos) apenas nós tivemos mais de 50% dessas políticas totalmente prejudicadas e estamos batalhando para que nesse processo eleitoral menos direitos sejam cortados, para evitar uma catástrofe maior do ponto de vista de políticas públicas e a quem atender nessas políticas. Esse Estado de Exceção que você diz que já estamos vivendo ele vai totalmente de encontro com o que é garantido e assegurado pela Constituição como Estado Democrático de Direito. Você acha que a culpa ou a possibilidade de estarmos vivendo tanto preconceito, tanta discriminação, vem também de como o poder executivo e judiciário tem atuado no nosso país? BS: Olha, vem do fato de que a Casa Grande, a gente sempre diz isso, surtou. Ela não suportou. Ela não suportou políticas públicas do filho do pobre na universidade, de oferecer ao pobre o direito de andar de avião, de ter uma habitação decente, de não passar mais fome, deles não os manipularem eleitoralmente. A partir disso, foram sendo criadas situações que levassem ao retrocesso às conquistas, de forma que o Estado
Democrático de Direito fosse ferido de morte, é isso que nós estamos vendo. Através desse clima, você presencia o golpe dado na nação brasileira. As instituições, eu digo, as instituições, sem medo de errar, e as concessões da comunicação e tudo mais, bolaram um projeto que não é uma coisa elaborada e formada por uma única cabeça brasileira. Possui reforço de fora, do exterior, e bolaram então o golpe da nação, com privatizações, perda de direitos e consciência política e essa conjuntura está sangrando o trabalhador. As consequências disso são os altos índices de desemprego, uma política econômica que eles não dão conta. Porque com esse golpe inviabilizaram qualquer prática do governo da Dilma para dar conta da crise econômica. Assim, não dá para o país respirar. E agora é trabalhado cada vez mais forte essa questão do fascismo, porque ele mexe em um único conceito de nação, raça, família e é para esse caminho que estamos indo. A senhora acha que com essa Reforma Trabalhista os direitos que antes eram garantidos pela Constituição e pela CLT estão sendo destruídos? BS: Mas claro. Essa Reforma Trabalhista foi um desastre, é uma volta ao trabalho escravo. Terceirizam não apenas o trabalho, mas também os direitos dos trabalhadores. Você não vai ter nem ao menos um salário mínimo garantido, como é que você vai pagar suas contas, sua previdência? Isso não vai acontecer. Não existe política de segurança, não existe política sobre o sistema previdenciário, não existe nada. Tudo o que a Constituição deixou arredondado, pronto. Agora Governantes, Legislativos, Judiciário, Supremo, devem trabalhar em cima disso e a tarefa está aí, colocada. Conseguimos fazer a maior Constituição que esse país já teve em direitos individuais, coletivos, interesse do Estado, desenvolvimento da economia. CURINGA | EDIÇÃO 26
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Falando um pouco de saúde agora. Com a Constituição de 1988 deu-se a criação do SUS, que atende atualmente boa parte da população. É possível dizer que esse foi um dos principais direitos básicos garantidos pela nossa constituição? BS: Sim, a saúde, a educação, o trabalho. A Constituição nos respaldou e muito. E esse Sistema é universal, que deu certo e possibilitou a todos ter o mínimo de garantias de assistência. Estão buscando esvaziar esse setor, para entregar também à iniciativa privada e a tendência é morrer mais gente. Assim como a PEC dos 20 anos, com o congelamento de investimento na saúde, educação e na assistência social, é exatamente para derrubar dois grandes sistemas, o Sistema Único de Saúde e o Sistema de Assistência Social. O que você busca representar para as mulheres diante da sua trajetória política e trabalhando por elas durante sua vida parlamentar? BS: Por elas e com elas. Esse ano nosso movimento Mulheres Negras deu um passinho” a mais. Nós não teremos só a Benedita negra ou mais uma, ou duas ou três, nós teremos muito mais mulheres nessa casa e também nas Assembleias Legislativas. Eu não vou dizer que me sinto contemplada e satisfeita pela demora, pelos anos para ter uma mulher nos espaços de direção e de poder, principalmente se ela for negra. Negra e pobre. Então nós temos trabalhado nisso, eu tenho me dedicado a mudar essa concepção e realidade. Eu gosto das mulheres e vejo as injustiças que acontecem. É preciso defender para que as leis que nos protegem e que já existem como do feminicídio, do aborto no caso de estupro, não sejam abaladas. Você encara o Brasil como um país misógino? BS: É misógino, é homofóbico, é racista. E agora nós estamos vivendo uma outra situação em que o fascismo não se esconde mais. Então, esse regime de opressão coloca claramente quais são os seus objetivos, em que nós sabemos quem é o inimigo. Porque isso é ser inimigo da nação, inimigo da população, então você já sabe. Eles estão eufóricos com a possibilidade, segundo eles, de governar o país para os ricos, os brancos, para a maioria. Você ainda é uma das poucas representantes da mulher dentro do Parlamento atual. Como você se sente dentro desse ambiente? BS: Isso é uma conquista. Mas, não uma conquista qualquer, eu Benedita sai e conquistei não. Isso é resultado da organização de um povo, dos segmentos, da organização de um partido comprometido com essa causa que gera uma identificação de luta e de representatividade da população. Essas políticas de inclusão de mulheres e negros nos espaços nós estamos ajudando, colaborando para construir. Fazemos esse trajeto ao mesmo tempo que temos que combater, porque nós estamos vivendo e convivendo com o machismo, com o racismo. No Brasil ainda prevalece o poder masculino, branco e rico. Essa é a cara do poder. Então nós estamos enfrentando tudo isso.
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Quer dizer, existe uma dívida enorme com a maioria da população brasileira, pobre, negra, mulher. Desde a Constituição de 1988 foi instituído o racismo como um crime inafiançável. Como você enxerga isso atualmente levando em consideração os inúmeros crimes cometidos contra negros? BS: Exatamente porque estamos vivendo essa barbárie do Estado de Exceção que não cumpre as leis e que nós estamos vendo essa situação de violência generalizada. Estamos matando cada dia mais a nossa juventude negra, as mulheres. A tortura está colocada. O que temos que pensar mediante a esse cenário é como fica a população. A maioria no Brasil é de mulheres e negros. Como essa população está sendo assistida e assegurada pelo seu direito de viver?
É misógino, é homofóbico, é racista. E agora nós estamos vivendo uma outra situação, em que o fascismo não se esconde mais.” Como foi para senhora representar dentro da Constituinte o grupo de Mulheres, Negros, Indígenas e Quilombolas? BS: Eu cheguei com o respaldo de uma maioria. Sabia o que estava falando e tinha o movimento na rua, dentro do partido político como apoio. Os movimentos estavam cada vez mais forçando a porta. É difícil o fato de você estar defendendo, por exemplo, LGBTQI+, porque você estava ali escrevendo uma Constituição para que as pessoas tivessem a garantia de seus direitos, de proteção, segurança, garantia do direito de ir e vir. Eu sim era uma minoria dentro daquele espaço. Evangélica, mulher, negra, porque fora da Constituinte eu era e representava uma maioria. E me construí defendendo valores contraditórios na concepção religiosa e que ia de frente com o que era garantido pelos direitos humanos. Eu não posso transformar o púlpito em tribuna e a tribuna em púlpito. Quando você é uma representante você é representante de um interesse, de um projeto, então você está ali para defender aquele projeto. Eu saí da Constituinte com a consciência do meu dever cumprido, defendi não o que eu quero, o que eu gosto ou o que eu penso, eu defendi o que era de direito. Você acha que a proposta de construção da Constituição está sendo rasgada? BS: É preciso revogar todas essas leis que rasgaram a Constituição e que estão impedindo um equilíbrio nesse país. Nós, de novo, estamos desiguais, e muito desiguais. Voltamos para o mapa da fome, há uma população enorme na rua, famílias inteiras sem ter um teto onde morar. Se você não investe na base da pirâmide, que é onde a maioria da população pobre está. Como que cresce um país, se desenvolve, como é que esse país pode ser
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inteligente criando-se um [projeto de lei] chamado Escola Sem Partido? Tirando sociologia, filosofia, matérias básicas que deixam de ensinar o aluno a contestar. Olhando para frente você ainda acha que é possível reconstruir o país resgatando os critérios democráticos que estão inclusos na CF de 1988? BS: É possível, a gente tem que ter esperança. E o Brasil é um país com mais de 200 milhões de pessoas, ou seja, ainda temos a população ao nosso lado. O Brasil ainda não é um país que foi explorado para atender ao seu mercado interno, a sua população. Nós temos ainda muita coisa a fazer. Por isso que retrocesso é horrível, porque é preciso avançar cada vez mais. Mas, esse país tem jeito, tanto tem jeito que eles - oposição - não gostaram do jeito que o país estava indo e deram um golpe para impedir que o país vá mais adiante. O que a Constituição representou em 1988 e o que ela representa agora? BS: Em 1988 ela era a esperança, o encontro do povo, a valorização dos direitos. E hoje, representa uma folha rasgada, uma perseguição declarada, um golpe dado na própria Constituição, um golpe dado ao povo brasileiro. Porque fizeram e ainda estão fazendo da Constituição brasileira aquilo que nós falamos com relação a uma bíblia. Que ela fechada não tem nenhum milagre, é um livro como outro qualquer. Agora aberta pensada e executada ela é muito importante. E estão agora fazendo exatamente isso com da Constituição, páginas viradas, páginas rasgadas e direitos abandonados. Para você ela tem que viver? BS: Ela tem que ter vida, e só há vida se a gente tiver soberania; que é garantido na nossa Constituição, e que nós estejamos em uma democracia plena, em uma Estado Democrático de Direito. C!
Benedita da Silva construiu sua vida pública nas lutas em favor das minorias.
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O MUNDO EM MIM
Texto Foto Visual
Patricia Consciente Felipe Cunha Larissa Maiane
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O mundo se apresenta. Reflete em mim e em meu lar. É um mundo de normas, crenças e expressões. É um mundo que se multiplica, que se potencializa, e que se divide. Interior de uma residência na ocupação Dandara, Belo Horizonte/MG
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Carta Magna
CONSTITUIÇÃO MOSTRA A SUA CARA
Reportagem
Amanda Egídio Laryssa Gabellini Luciana Gontijo Suzane Pinheiro
CONSTITUI
Reportagem
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A
comemoração dos 30 anos da Constituição Federal (CF) nos conduz ao movimento que deu origem à este importante documento, marcado por decisões políticas, conquistas coletivas, garantias de direitos fundamentais e representatividade. Denominada como “Constituição Cidadã”, a Carta Magna brasileira de 1988 marca um passo decisivo em direção a um modelo de democracia social. Todo o processo de sua construção reflete valores republicanos e democráticos que regem a nação há três décadas. A CF vigente foi idealizada em um período de expectativas que cercaram a redemocratização e as conquistas de direitos fundamentais para todos brasileiros que vivenciaram o período da Ditadura CivilMilitar (1964-1985). Através da Assembleia Constituinte realizada em 05 de outubro de 1988, composta por 559 congressistas entre deputados e senadores eleitos, a nova Lei Suprema foi votada e aprovada. O "documento cidadão", como é popularmente conhecido, tem em suas raízes a busca pela promoção da democracia e bem estar social, reafirmando seus fundamentos práticos. Isso significa que, de acordo com os seus princípios, o Estado é responsável pela prestação de serviços públicos de qualidade, com propostas que buscam garantir segurança, educação e saúde. Essa característica comunitária e agregadora, carrega uma parte do período em que foi desenvolvida. No Brasil, o autoritarismo durante governos ao longo da história política criou a necessidade de revisão de leis sempre após esses mandatos. O dano social causado devido à injustiças históricas institucionalizadas, gerou a demanda do suporte governamental para promover a busca pela igualdade de forma justa e condizente.
Dentro dos ideais igualitários, a CF de 1988 visou ser a proposta de retificação de falhas governamentais através de políticas públicas. De acordo com a professora de Direitos Humanos da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Natália Lisboa, a "Constituição Cidadã" é reconhecida por garantir a proteção daqueles que são considerados vulneráveis - crianças, adolescentes, idosos, indígenas, negros e mulheres. Todo esse caráter protetivo foi herdado da relação estabelecida entre a CF e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela ONU em dezembro de 1948. Com base na fundamentação orgânica entre o homem e a sociedade, a filósofa Hannah Arendt defende no livro "A Condição Humana", que a política faz parte de um todo fundamental para a composição dos sujeitos, juntamente às esferas da vida privada e social. Essa proposta envolve pontos do instinto natural e cultural, pensando na sociedade como composta por aspectos sociais e morais. Dessa forma, a presença de diferentes realidades agregadas é fundamental para que haja a pluralidade representativa e uma justiça que preza pela transparência. A DUDH completa 70 anos em 2018 e foi criada após as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial e desde então se tornou um instrumento para o combate à violência e a desigualdade social no mundo, com o intuito de proporcionar uma vida digna aos seres humanos. Tanto a Constituição, quanto a Declaração são papéis asseguradores dos direitos fundamentais de todos. Lisboa defende que a DUDH foi criada em decorrência dos abusos do Estado. “Os documentos servem como declarações protetivas e passíveis de ser exigido judicialmente e, em alguns casos, administrativamente, quando houver violação”, afirma a professora.
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A Filosofia da Linguagem, vertente que estuda o valor da significação atribuída comumente pela interação com o mundo, explica que a forma como o indivíduo percebe os acontecimentos reflete na escolha das palavras. A Semiótica Jurídica, através do estudo de signos linguísticos no Direito, busca contribuir no entendimento e aplicação das leis com eficiência. Por sua vez, para assegurar os direitos individuais, políticos e sociais, as decisões jurídicas devem seguir as normas constitucionais embasadas nos direitos humanos. O doutor em Ciências Jurídico-políticas, José Ricardo Alvarez Vianna, afirma em seu artigo Considerações Iniciais Sobre a Semiótica Jurídica, de 2011, que "da mesma forma que não há sociedade sem linguagem, não há Direito sem linguagem. O Direito vale-se da linguagem para prescrever condutas que devem ser observadas pelos homens em sociedade, a fim de propiciar o convívio social". Conhecer os próprios direitos permite aos cidadãos poder de decisão sobre o destino político de sua nação. Para além da política institucionalizada, os movimentos sociais são atores fundamentais na busca de garantias de direitos básicos como moradia digna, segurança, liberdade de expressão e tratamento humanizado. Acima de tudo, o direito de ser reconhecido legalmente como igual é base para o respeito à diversidade sociocultural. A luta por igualdade e garantias de direitos dentro dos documentos que regem o país demonstra uma história que marca a construção das Constituintes que antecederam a CF de 1988. O Brasil possui, no total, sete Constituições produzidas: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Cada uma delas demonstra um processo de amadurecimento na conquista do país como Estado democrático. Ao analisar todo esse processo, percebese que a atual CF valoriza mais que suas antecessoras a dignidade, a existência e a sobrevivência do ser humano. A análise do percurso de construção desde a primeira Constituição representa muito sobre o crescimento na garantia de direitos que a atual Carta Magna possui. Ao reconhecer as fissuras governamentais ao longo da história, especialmente no que se refere ao abuso de poder, a união entre o documento que representa a Lei Suprema, que rege nosso país com a proposta a Declaração Universal dos Direitos Humanos, reflete isso.
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Hora de acertar os ponteiros
é membro da Comissão da Verdade no Estado de Minas Um governo pode declarar Estado de Exceção, Gerais (Covemg). Ela relata que desde cedo se envolveu infringindo direitos constitucionalmente assegurados. O com projetos sociais. Enquanto estava na graduação em período político que ocorreu entre 1964 a 1985 no Brasil, Psicologia, integrou o Diretório Central de Estudantes passou por uma série de abusos feitos pelos próprios (DCE) e soube que os colegas estavam “caindo” - termo governos. Por isso, o marco do fim do regime autoritário usado para contar quando havia prisão. Como forma foi a renovação constitucional em 1988. de livrar pessoas perseguidas, Salazar ofereceu diversas O período ditatorial restringiu a liberdade de vezes sua casa como esconderijo. Entretanto, a professora expressão como tentativa para limitar a potência da acabou sendo presa por possuir o nome delatado em luta trabalhadora e estudantil. Indo contra os limites vários inquéritos. éticos e humanos traçados pela nova Constituição, a Durante a invasão em sua residência, conta ter repressão violenta atingiu diversos setores populacionais, ouvido batidas na porta e se deparado com um homem especialmente os movimentos partidários e sindicais. carregando um jovem desfigurado. Ele estava revirando Como parte da Justiça de Transição, a professora tudo. Foi aí que ela se deu conta que quem estava no Natália Lisboa coloca que “o direito à memória constitui imóvel era um agente do Departamento de Ordem Política um dos quatro pilares (memória, verdade, justiça e e Social (Dops). Salazar relata que, até então, acreditava reforma das instituições) que são definidos pela ONU na eficiência dos órgãos públicos. "Minha mãe começou como bases para a recomposição democrática de um a passar mal e eu falei 'calma, não preocupa. Eu vou lá país que tenha passado por um período ditatorial”. Ela explicar tudo e já volto’. Fiquei dois anos explicando. Eu ressalta que essa proteção jurídica surge a partir dos acreditava piamente nas instituições, que elas prendiam anseios sociais, questionando os métodos e a aplicação, apenas se a pessoa fizesse alguma coisa”, conta. atraindo o debate para o direito de saber sua própria Na data, foram confiscados livros de Dostoievski. cultura e história. No presídio para onde foi destinada, não era permitida A psicóloga e cofundadora do Núcleo de Apoio a entrada de livros, além da demora de três dias para Psicopedagógico aos Estudantes da Faculdade de Medicina trazer o jornal diário. Desse modo, Salazar acabou se Citaçãoaos aqui, nam quo irpara promover uma greve de da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Emely juntando companheiros Salazar, 70, é um exemplo de quem enfrentou o período fome e mobilizar agentes. Com a restrição alimentar, a obisin con eatur. Aque os vero et maximi, da ditatorial no Brasil. Além de educadora, Salazar também professora chegou a pesar 40Kg. cabo. Itatquunt, necaepu din
nosantio officient quo qui tem a maxin equia essi non reheni. Crédito
Minha mãe começou a passar mal falei 'calma, náo preocupa. Eu vou lá explicar tudo e já volto'. Fiquei dois anos explicando. Eu acreditava piamente nas instituições, e que eles prendiam apenas se a pessoa fizesse alguma coisa."
Emely Salazar, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e membro da Comissão da Verdade.
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Encontrando a verdade
Fotografia de Arquivo do Cememor - Centro de Memória da Faculdade de Medicina da UFMG
O sociólogo Ronald Rocha, 72, nomeado como um dos sete membros da frente mineira da Comissão e ativista de organizações partidárias há 52 anos, aponta que “o regime político é como o Estado: se organiza para exercer o poder político junto com a sociedade civil. Ele pode ser ditatorial ou democrático”, explica. A perseguição durante o período ditatorial, resultou na criação da Covemg, em 2011, com o lema: "para não se esquecer e nunca mais se acontecer". Com esta iniciativa, foi possível reunir e narrar as histórias de vítimas fatais no período da Ditadura Civil-Militar. Hoje é possível contabilizar as mortes e os desaparecimentos de mais de três mil pessoas apenas em Minas Gerais. Esse índice pode chegar a cinco mil, segundo o sociólogo Rocha. Os mineradores e trabalhadores de Nova Lima, são exemplos de cidadãos que viveram numa fase de resistência e luta por direitos. Estes tiveram um papel fundamental durante os Anos de Exceção, ao elaborar uma greve no dia 1° de abril de 1964, exatamente no dia que foi anunciado o Golpe. Mais de cem trabalhadores da Mina de Morro Velho foram detidos, perseguidos e
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tiveram a casa invadida por militares. Todos esses foram punidos e impedidos de se manifestar devido a Lei de Segurança Nacional, promulgada em 1935, que definia os crimes de ordem política-social. Nessa ordem, era vetada toda e qualquer manifestação contrária ao governo. As punições ocorriam na tentativa de eliminar grupos que faziam parte de movimentos políticos e culturais. Além disso, Ronald revela que presenciou a prisão de cerca de 800 representantes estudantis, que foram levados ao Dops para serem fichados durante o Congresso Estudantil de Ibiúna, no Rio de Janeiro, em 1968. Como o nome de Rocha constava na lista fluminense devido ao seu envolvimento com o DCE, ele declarou à polícia em interrogatório que era estudante de Minas. Em seguida, teve que fugir do ônibus com os companheiros que seriam levados à central da polícia mineira para uma triagem. Assim, começou a viver na clandestinidade e permaneceu por quatro anos. Quando voltou ao Rio de Janeiro, acabou preso e condenado pela Justiça Militar. Rocha relata que o Decreto 477 de 1969 resultou no seu afastamento de três anos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), isso valia para professores e alunos que estivessem envolvidos com o “processo
nosantio officient quo qui tem a maxin
Citação aqui, nam quo ir
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subversivo”, além de ter sido condenado em função da Lei de Segurança Nacional. Após esse momento, Ronald foi entregue ao Dops de São Paulo. Segundo o relatório final da Covemg, “visto à luz da experiência democrática mais recente, inaugurada pela Constituição de 1988, a violação aos direitos fundamentais abrange formas reconhecidas e consagradas no senso comum e até na sociedade política”. Rocha defende que é necessário uma frente popular e progressista para encarar o "cenário proto-fascista brasileiro", que pode se transformar dependendo das reações populares. Ademais, ele afirma que “tem que cumprir [o Estado] os atos internacionais que enquadram a tortura como um crime que não acaba, nunca prescreve. Esses pactos são normas constitucionais”, argumenta Ronald. Contar a história com uma angulação democrática, e progressista seria, na visão de Ronald, um dos passos para proporcionar a proximidade com o verídico. A forma de compor a narrativa é essencial para compreender os acontecimentos passados e presentes da política nacional, especialmente no momento atual, em que temos políticos aderindo a defesa de torturadores do regime militar, além de propor o fim de políticas públicas e ministérios.
A deslegitimação dos movimentos sociais, como o Movimento dos Sem-Terra, e minorias, é perigosa para as políticas igualitárias, consequente da expressão genérica de crime organizado. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 272/2016 visa ampliar o significado de terrorismo, provocando um enrijecimento da Lei Antiterrorismo no 13.260. A PLS foi representada pelo parlamentar Magno Malta (PR-ES) e culminaria na criminalização de mobilizações populares, arriscando todo o histórico de lutas para construir o que está protegido na Constituição, como direito à moradia e à vida digna. Para ressignificar a memória, o local em que ficava o Dops em Belo Horizonte se tornará um memorial sobre a Ditadura. A inauguração será em dezembro de 2018, quando se completam 50 anos do Ato Institucional Número Cinco (AI-5), outorgado durante o governo do General Costa e Silva. Compreender a realidade para transformá-la faz parte do que compõe a verdade, com a função de ser sempre revolucionária. “É preciso encontrar a verdade das coisas mesmo que ela desagrade. Se não for assim, não vamos entender a correlação de forças, nem as políticas adequadas. Vamos viver de ilusão”, aponta Rocha. C!
Ronald Rocha, sociólogo e membro da Covemg com os livros componentes do relatório final mineiro.
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Religiões
Reportagem Amanda Egidio Brener Mouroli Carlos Romano Marcos Fileto Vinicíus Magalhães
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AINDA
brasilUMPAÍS
LAICO E
m tempos conflituosos, fica difícil entendermos onde começam e onde acabam nossos direitos. Violências são cometidas pela cor da pele, orientação sexual, diferenças entre estratos sociais, por distintas crenças e até mesmo por divergências políticas que tangem o fascismo. Torna-se notória a certeza de que nossa existência está sendo ameaçada. Com a liberdade religiosa, de crença e de culto não é diferente. Diversos casos de violência contra religiões menos hegemônicas são cometidos em nome de um Deus único, conservador. Em um Estado laico - aquele que não recebe influências do clero ou de qualquer tipo de religião - a presença de símbolos sagrados em instituições e atos de governo pode levar a uma incerteza na vivência religiosa da população. Crucifixos em repartições públicas e ‘’Deus seja louvado’’ na nota do Real podem confundir os direitos sobre a laicidade na sociedade. Desde o início da República no Brasil, conforme estava previsto na Constituição Federal de 1891, o país passou a ser um Estado Laico. As decisões dos governantes foram afastadas, por lei, de qualquer tipo de interesse das cúpulas religiosas. Até a promulgação da chamada Constituição Cidadã, em 1988, passamos por períodos de exceção, como a conhecida Ditadura Vargas de 1937 a 1945 (Estado Novo) e a Ditadura Civil-Militar de 1964 a 1985. Nestes 127 anos, a laicidade do Estado brasileiro se manteve. Apesar de não aparecer escrito - “O Brasil, à partir desta data, se tornará um Estado Laico” - a atual Carta Magna garantiu a todos os brasileiros o direito à liberdade de credo e culto, independentemente de quais fossem. Rafael Dilly Patrus, professor vinculado ao Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Consultor Legislativo na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), afirma que o Brasil pode se considerar um Estado Laico. “A Constituição de 1988 estabelece a laicidade como norma (Art. 5º, VI, e Art. 19, I), o que já evidencia a perspectiva de uma sociedade política preocupada com a neutralidade do Estado. Há um limite claro, mas tal norma não é incompatível com as manifestações socioculturais e políticas de natureza ‘religiosa, marcantes na formação da identidade brasileira’”. Rafael também explica que a inexistência da palavra ‘laicidade’ no texto constitucional não significa que a ideia de Estado laico não seja explícita no documento. Conforme citado no Art. 5º, o Estado será laico quando garantir aos cidadãos o direito de crença e, ao mesmo tempo, coibir qualquer tipo de oficialização de uma religião. “O Estado brasileiro é, sem dúvida alguma, laico”, conclui. CURINGA | EDIÇÃO 26
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Neutralidade
protegendo a liberdade e a segurança das pessoas, bem como garantir a integridade dos símbolos e ritos, com vistas a prevenir, remediar e punir atos que atentem contra a liturgia da crença alheia”, afirma. Ao Poder Público, compete assegurar que no espaço coletivo não ocorra a imposição de dogmas religiosos de uma ou outra religião, o que acaba por refletir diretamente nas individualidades de cada pessoa. À lei e ao Estado Democrático de Direito cabe respeitar a livre vontade individual. “Ao reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, sem atentar contra dogmas religiosos individuais (que podem, como no catolicismo, rejeitar a possibilidade de tal
A laicidade estatal é um pressuposto constitucional que exige duas proteções. A primeira defende o espaço privado de possíveis intervenções arbitrárias do poder da polícia estatal, ou seja, garante que todo brasileiro em sua individualidade ou dentro de um templo seja protegido de qualquer ação de repressão estatal por conta de sua crença. A segunda define que nos espaços públicos existam neutralidade e pluralidade de identidades religiosas, para que estas possam ser expressadas de forma livre, seja social ou politicamente. O Art. 5º define que todos e todas possuam o direito de crer de forma livre, enquanto o Art. 19º proíbe qualquer
eles se manifestam em pensamentos, na fala, em gestos ou em ações concretas e discriminatórias” Rafaela Melo interação entre Estado e a participação de chefes religiosos em decisões políticas. A Constituição de 1988, que completou 30 anos em 2018, também fornece uma imunidade tributária aos templos. A razão disso é certificar, de todas as formas possíveis, a liberdade religiosa. A imunidade assegura que o Estado não irá prejudicar, através de cobranças excessivas de impostos, e nem beneficiará uma ou outra religião. Portanto, todas as crenças possuem os mesmos direitos e espaços para a sua manutenção. Como explica Rafael Dilly, diferente do que muitos pensam, não existe isenção de impostos como um benefício fiscal previsto em lei, proveniente de uma decisão política, para templos religiosos no Brasil. Um governante não pode isentar de impostos uma ou outra religião, como acontece com empresas privadas em diversos municípios, esclarece o professor. A imunidade acaba sendo praticada como isenção, ou seja, o Estado opta por não cobrar taxas e impostos para os templos religiosos. A medida rende polêmica, já que isso significa que cerca de 70 mil entidades sob a rubrica “organização religiosa ou filosófica”, cadastradas na Receita Federal de 2010 a 2017, não contribuíram com a arrecadação do país. Segundo Dilly, o Estado deve proteger os locais onde acontecem cultos religiosos, responsabilizando-se pela segurança das pessoas e da liberdade religiosa. Para ele, existem várias maneiras de proteger a laicidade estatal. “Primeiramente, o Estado deve salvaguardar os locais de culto,
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união), reafirma a primazia da neutralidade do Estado, exatamente em virtude de sua laicidade”, esclarece Dilly. Com isso, asseguram-se os direitos de quem não tem crença estabelecida e de dos que tem credos diferentes da maioria da população. Para ser laico, o país tem que ser neutro. Isso faz parte de suas responsabilidades, pois precisa proteger o espaço público e dar direito de crença a todas as pessoas, não podendo destacar determinada religião como oficial. Além de proteger os espaços privados, sem qualquer tipo de discriminação. No Brasil, existem em espaços públicos, símbolos religiosos – a maioria cristãos – devido a uma presença histórica dessa matriz religiosa na formação do país. A palavra Deus no preâmbulo da Constituição não viola a laicidade estatal pelo simples fato de que, o texto ali contido, é meramente orientativo das normas constitucionais. A laicidade é garantida pelo peso do próprio poder constituinte. Já em relação aos crucifixos nas repartições públicas, como tribunais, e “Deus seja Louvado” na nota do real, Rafael Dilly acredita que “a ideia de que símbolos manifestamente religiosos são compatíveis com a oficialidade estatal, pelo suposto fato de terem sido incorporados historicamente à cultura popular, é falsa, uma vez que, no meu entender, inexiste secularização baseada em simbologia distinguível culturalmente em razão do seu significado religioso. Em outras palavras, a manutenção de crucifixos nas salas de órgãos públicos ou da frase “Deus
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seja louvado” nas notas de Real não pode ser justificada a partir de um pretenso processo de “desreligiosização” do objeto definidor, já que a singularidade cultural de tais elementos está ancorada em seu caráter religioso. Quando ocorre a distinção oficializada de uma religião com hegemonia política em relação a discriminação de outras, ou seja, a consolidação do poder da maioria sobre as demais minorias religiosas, como nos exemplos listados, para Dilly isso fere levemente a laicidade estatal. Porém, este é um assunto complexo “muitos acreditam – conforme já decidiu o CNJ, no caso dos crucifixos nos tribunais – que esses símbolos são elementos de uma tradição historicamente assimilada pela cultura das instituições brasileiras, razão pela qual não haveria violação ao Estado laico”, enfatiza. Ainda segundo o advogado, não existe nada que impeça a formação de bancadas religiosas no Congresso Nacional. As religiões fazem parte da sociedade e faz parte do pluralismo democrático aceitar essas diferentes crenças. “A religião é tema de relevância para a sociedade. Por isso mesmo, bancadas parlamentares de base religiosa fazem parte da democracia. O Estado não pode impedir, nem esvaziar, a atuação de políticos ligados a religiões, pois tal ligação representa os interesses de segmentos sociais expressivos. A marca da religião é, portanto, um elemento do pluralismo que deveria constituir o Parlamento: a religião ocupa um lugar dentre os diversos vieses morais e ideológicos que formam e conformam o debate público. Isso não significa que, pela participação na discussão política, determinada religião possa se impor como oficial ou hegemônica. O limite da política é a Constituição”. Rafael Dilly Petrus explica que o fundamentalismo é um ponto perigoso e que pode trazer problemas a laicidade estatal, pois ele é vicioso, e as religiões hegemônicas podem afetar o direito de crença de outras pessoas. “A religião é um referencial importante na política brasileira. O fundamentalismo, contudo, é vicioso e alimenta o risco de que determinada visão religiosa, em razão da posição hegemônica que ocupa no seio social, se imponha como expectativa geral de conduta. Isso culminaria em violação ao Estado laico, com graves repercussões para os direitos e as liberdades previstas na Constituição. É importante que a laicidade seja recolocada, com clareza e entusiasmo, no debate público; é preciso que as pessoas tornem a reconhecer o valor de um espaço coletivo que se mantenha neutro, de modo a abarcar, com segurança, todas as crenças”. CURINGA | EDIÇÃO 26
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DE
DENÚNCIA
UMA
REGISTRA
BRASIL
INTOLERÂNCIA A CADA
RELIGIOSA
15 HORAS (Fonte: ESTADÃO,12 DE NOVEMBRO DE 2017)
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Violências A intolerância religiosa manifestada no Brasil afeta diretamente as religiões de matrizes culturais diferentes da cristã. Os discursos direcionados para tais grupos, sejam de forma direta ou indireta, fazem com que pessoas sofram preconceitos diários e que as agressões aumentem exponencialmente. O site Intolerância Religiosa Dossiê, ligado ao grupo Koinonia - organização fundada em 1994 por ex-participantes Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi) - monitora notícias divulgadas na mídia tradicional desde 2008. No ano de 2008, foram registrados dois casos de violências contra minorias religiosas não representadas no Brasil e, a partir deste momento, os números não pararam de crescer. Em 2017, a grande imprensa noticiou 36 agressões em todo o país. O Rio de Janeiro lidera o ranking estadual de ataques durante o período de 2008 a 2017, com um total de 51 ocorrências, seguido pela Bahia com 32 e do Distrito Federal com 15 ataques. O estado brasileiro com menos casos registrados foi o Tocantins, com um caso divulgado durante este período. Para a geógrafa e professora Cristiane Souza, o grande aumento dos casos de violência religiosa aos terreiros de Candomblé e Umbanda na cidade do Rio de Janeiro devem-se à posse da atual Prefeitura, que favorece religiões neopentecostais em detrimento de outras. Segundo ela “a redução de verbas para as escolas de samba e o jantar promovido pelo Prefeito para pastores evangélicos levantou a hipótese de privilégios a líderes religiosos como forma de angariar apoio na cidade. Infelizmente, as parcerias diretas entre líderes políticos e religiosos têm chancelado ações de intolerância e não muito raro, os templos e seguidores de religiões de matriz afro são o alvo principal”, afirmou a professora. O advogado Rafael Dilly afirma que o Estado Democrático de Direito tem a obrigação de assegurar os meios para que todas as pessoas vivam harmonicamente, respeitando as diferenças e se reconhecendo como iguais e livres. “A Constituição de 1988 assume como premissa o pluralismo, que se posiciona como concepção superior de justiça, sem exigir uma imparcialidade vazia, e busca como justa a coexistência do maior número possível de concepções distintas (e possivelmente conflitantes) de justiça”, explica o advogado. “Acho que o Estado laico, embora neutro, exige que tal neutralidade seja colocada acima de todas as concepções
individuais de mundo e justiça. E mais: a laicidade, como princípio constitucional, deve ser posta ao abrigo das maiorias sazonais. O crescimento da violência religiosa é, portanto, um sinal de que a sociedade brasileira ainda se posiciona com negligência face ao seu próprio projeto de Estado Democrático de Direito. Há muito o que construir”, conclui Rafael. Apesar da crescente violência contra minorias no Brasil, muitos dos que praticam religiões diferentes da cristã e suas desidências, se sentem seguros para continuar com a prática de seu credo e acreditam que o país realmente é laico, justamente por essa liberdade. Para Gamal Oumairi, muçulmano, quando questionado sobre a liberdade para a prática de suas atividades religiosas, sua resposta é enfática e conclusiva a respeito disso “não só acredito mas tenho a certeza absoluta. Existem em torno de 100 mesquitas espalhadas por todo o Brasil e todas elas estão funcionando normalmente onde aulas de língua árabe são ofertadas, cursos de religião islâmica e os cultos de sexta-feira acontecem semanalmente. Recebemos mais de 30.000 turistas em nossa mesquita e mais de 8.000 alunos de escolas e universidades.” Entretanto, quando questionado sobre a violência e o preconceito sobre sua religião, Gamal conta que por ser homem e não usar nenhum tipo de adorno, passa despercebido e não é alvo de ataques por parte de outras pessoas. “Mas frequentemente recebemos denúncias de mulheres muçulmanas que usam o seu véu e são discriminadas, não conseguindo trabalho ou ofendidas com palavras pejorativas como ‘olha a mulher bomba passando aí’ ou colocações ainda piores”, contrapõe Gamal. Para ele, o maior problema é a desinformação, que gera o preconceito. “Muitas vezes os muçulmanos são confundidos com extremistas ou radicais do grupo terrorista Estado Islâmico, o que expressa uma visão completamente errônea do verdadeiro islamismo. A partir do momento em que explicamos devidamente os princípios e as práticas do verdadeiro Islã, a forma de se enxergá-lo muda”, conclui. Os dados do Disque 100, criado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Governo Federal, apontam 697 casos de intolerância religiosa entre 2011 e dezembro de 2015, a maioria registrada nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. No Estado do Rio de Janeiro, o Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (Ceplir), criado em 2012, registrou 1.014 casos entre julho de 2012 e agosto de 2015, sendo 71% contra adeptos de religiões de matrizes africanas. Este número revela uma cicatriz relacionada diretamente
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ao racismo institucionalizado no Brasil, tendo em vista a discrepância no que se diz respeito aos números de pessoas violentadas que se assumem de outras religiões. Seguindo os dados registrados pela Ceplir, Marcelo Ramos relata já ter vivenciado algumas situações de discriminação por ser umbandista. Elas vão desde agressões como uma cusparada no rosto, até a tentativa de cerceamento das atividades ligadas às suas práticas religiosas. “Na questão da intolerância, teve uma vez, na nossa festa de reinado, que um padre se negou a celebrar a missa para nós e disse: ‘não vou celebrar missa para um bando de macumbeiro’. Já fecharam a porta da igreja na minha cara, na cara do congado, impedindo a gente de entrar”, relata. A jornalista Rafaela Melo, tornou-se espírita há cinco anos e sua fala caminha ao encontro da relatada por Gamal Oumairi, para ela o grande problema no preconceito relatado às religiões e/ou doutrinas diferentes das hegemônicas é a desinformação. “Somos muitas vezes taxados de “demônios”, “feiticeiros”. As pessoas julgam sem conhecer e entender o que realmente é o espiritismo. A doutrina espírita nos esclarece que, antes de sermos homens ou mulheres, brancos ou negros, americanos ou brasileiros, ricos ou pobres, somos espíritos, criados por Deus, simples e ignorantes e cuja missão é evoluir, aprendendo a usar o livre-arbítrio com inteligência e responsabilidade, além de desenvolver outros valores. A isto se dá o nome de reforma íntima”. Rafaela conclui que “a raiz do preconceito está na falsa crença de que somos melhores que os outros. Pensamos desta forma porque ainda somos movidos e envolvidos pelos dois cânceres morais da humanidade:
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o orgulho e o egoísmo. É só com o autoconhecimento e trabalho em prol dos outros que poderemos minimizar esses sentimentos tão pequenos. Por vezes, eles se manifestam em pensamentos, na fala, em gestos ou em ações concretas e discriminatórias”. Para Cristiane a maior dificuldade em difundir a liberdade de crença e expandir a diversidade religiosa no Brasil está diretamente ligada ao desenvolvimento ético-moral da população. “Ainda somos um país jovem, fruto de uma história de subjugação, exploração e segregação. Sem sombra de dúvidas a consciência é promovida pela combinação: exemplo familiar e práticas educacionais que promovam o respeito. O respeito é um desdobramento do conhecimento. Respeito e tolerância, virtudes difundidas por todas as vertentes religiosas, serão naturais na medida em que nos desenvolvermos enquanto seres humanos”, concluiu a professora. Apesar de falas que contrariam os números apresentados, o Brasil pode ser considerado um Estado Democrático de Direito Laico, já que a máquina estatal está legalmente desvinculada de decisões de cunho religioso, pelo menos até este momento da nossa breve história republicana. Os crimes de intolerância religiosa devem ser combatidos pelos termos da lei e os direitos individuais e coletivos para a prática de cultos devem ser preservados pela força do Estado brasileiro. E mesmo com um número crescente de casos que ferem a liberdade de cada indivíduo exercer sua religião, acredita-se verdadeiramente na laicidade do país e que os credos possuem espaço suficiente para serem realizados. C!
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raphaela cyrne
karina peres
guilherme furutani
Reportagem
georgyanne sena
Liberdade
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Qual e o seu limite? “Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil”. Essas foram as palavras de Ulysses Guimarães que sucederam a concretização da Constituição de 1988. Mas hoje, 30 anos após a promulgação da Constituição, o povo ainda se questiona: somos realmente livres?
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simples ideia de ter uma população constituída por um povo livre, que pense por si só, causa medo e coloca em jogo o poder político autoritário. E foi assim que, durante 21 anos, a Ditadura CivilMilitar tirou do povo seu direito à liberdade. Segundo Israel Quirino, professor de Direito Constitucional da Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac) as liberdades públicas, durante o regime militar eram bastante cerceadas. Mas, como uma luz, cercada por um sentimento de esperança, a Constituição de 1988 prometia a restituição da independência e autonomia da população. Desde então, o Brasil é composto por cidadãos livres. O direito às diversas liberdades proporcionaram um novo modo de ser e estar do brasileiro. A liberdade pode ser definida como a plena capacidade que o indivíduo tem de agir por si mesmo. Para a Filosofia, ela significa a expressão genuína da essência humana. No sentido ético, ela se mostra a partir do direito de escolha que cada um tem do seu modo de agir, independente de agentes externos. Mas, como pensar essa liberdade individual vivendo em uma sociedade, sendo o homem um animal coletivo? Desde os primórdios da história, os homens constroem relações sociais, reproduzem comportamentos dos seus semelhantes, adquirindo hábitos e normas comuns. Desse modo, para conseguir se relacionar nessa comunidade, a liberdade precisa ser limitada. O filósofo Immanuel Kant diz que a liberdade nada mais é do que uma doce ilusão. Se pensarmos na maneira como ela está posta na sociedade, vamos perceber que a plena autonomia é realmente uma utopia. Temos a sensação de que somos livres, mas ela está carregada de controvérsias. Segundo o professor Israel, para conseguir conviver com o próximo, os indivíduos negociam a sua liberdade, fazendo diversas concessões. Ele explica que “a minha liberdade vai até o momento em que
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ela começa a cessar a sua. Ai ela precisa ter limite. Eu preciso preservar a minha liberdade e ser um defensor intransigente da sua, porque senão não vamos conviver nunca. Quando eu penso na liberdade só para mim, eu me torno um ditador. O meu limite é o seu”. Talvez esse seja o maior limitante da liberdade. Essa demarcação é necessária para manter ordem em um país. Para isso, são acionadas várias instituições. Após a Ditadura Civil-Militar, a Constituição de 1988 veio para transformar o Estado de opressor para um defensor da liberdade. Para Israel, o governo estabelece um consenso com a população, uma espécie de contrato social, para que dessa forma ele permita que a liberdade aconteça sem se tornar uma anarquia. As leis funcionam como este ordenador, ao mesmo tempo em que limitam a liberdade de um indivíduo, protegem a do outro. Entre os seus 250 artigos, o Art.5º, que assegura ao povo a liberdade de expressão, foi um dos mais aclamados pelos constituintes durante o processo de elaboração da Constituição, que ocorreu entre 1986 e 1988. Isso porque seu texto dava para os brasileiros a liberdade de conhecer o pensamento do outro. Durante os “anos de chumbo”, o Brasil se viu estagnado intelectualmente. Além de ter sido negado o direito de expressar livremente os pensamentos, foi proibido também o direito de conhecer e ter acesso a informações de terceiros. De acordo com Israel Quirino, com a proibição da entrada de livros de outros países e a divulgação de qualquer tipo de ideia que fosse contra a ideologia do Estado, a população não produzia conhecimento. E quando o fazia, se via vetado pela censura do regime militar. Mas a Ditadura Civil-Militar ainda ecoa na liberdade do brasileiro. Em maio de 2012, o jornalista José Cristian Góes publicou em seu blog uma crônica ficcional intitulada “Eu, o coronel em mim”. O texto, que não traz nomes, lugares e nem datas, conta a história de um
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coronel autoritário que “manda e desmanda”. Apesar de o autor afirmar que a crônica é inteiramente fictícia, assim como no ditado popular, parece que a “carapuça serviu”. As palavras de Cristian incomodaram algumas pessoas. O Desembargador do Estado de Sergipe, Edson Ulisses de Melo, interpretou que o trecho da crônica “jagunço da lei”, estava na verdade, falando sobre ele. E o coronel, seria o então Governador do Estado de Sergipe, Marcelo Déda. O Desembargador decidiu acionar a justiça e moveu dois processos contra Cristian. Mesmo com o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux reconhecendo que houve uma violação do direito à liberdade e que aconteceu uma forma de censura, o jornalista acabou sendo condenado a sete meses e 16 dias de prisão. A primeira sentença foi convertida a prestação de serviços e na segunda, o veredito foi o pagamento de uma multa de R$55 mil como indenização. Além da dívida de R$11 mil em honorários advocatícios. O que ocorreu com Cristian foi uma grave violação ao direito de expressão previsto na Constituição, o exercício da profissão foi ferido e as relações entre Cristian e o jornalismo foram afetadas. A sua liberdade de expressão foi limitada justamente por um dos ordenadores do Estado: a lei. Ele foi julgado e condenado por colocar em prática um direito. Para Cristian, as leis carregam necessariamente limites e punições, “é um modo de dizer como deve ser; que define os limites da liberdade. Contrária à lei, usou da liberdade, pune-se. Mesmo regras que dizem garantir a liberdade estariam atravessadas por firmes estacas que objetivam exatamente o seu oposto, a censura”. No caso da crônica, pode-se pensar no primeiro limite que nos foi dado pelo professor Israel, o limite do outro. Mas, nesse caso em especial, como provar que a liberdade de expressão de um afetou o outro, sendo que as conclusões feitas por ambos foram todas embasadas em hipóteses e pensamentos subjetivos? “É impossível alguém dizer: você escreveu sobre mim. Bom, mas eu fui condenado e na sentença está lá: ‘para bom entendedor meia palavra basta’. Veja a loucura disso!”, afirma Cristian. Chegamos aqui em um novo ponto, onde é possível refletir se as liberdades foram postas na Constituição justamente para que elas pudessem ser domesticadas ou limitadas. A liberdade do cidadão comum é extremamente afetada por disputas de poderes. Cristian escreveu um texto que visivelmente desagradou forças maiores e sentiu as consequências disso. O jornalista afirma que “a lei é vontade das forças mais poderosas: eu quero, eu posso, eu
faço e a lei me garante, mesmo que não garanta”. Apesar dos muitos poréns que rodeiam a liberdade de expressão, o cidadão nunca deixou de lutar por esse direito e com Cristian não é diferente: “No dia em que não tiver mais coragem de escrever, no dia em que eu pensar duas vezes para escrever e publicar meus textos, não sirvo mais para nada. Não faz sentido nenhum passar por essa vida e deixar que os outros narrem você”, reflete. Para Christian, a defesa da democracia é um principio vital para a sociedade, tanto para os profissionais da comunicação, quanto para os cidadão. “A defesa da Democracia é um princípio ético vital para nós. Todavia, há um desconhecimento dessas exigências e obrigações. O segundo aspecto está rigorosamente ligado ao primeiro: a relativização dos princípios éticos e deontológicos. Ou seja, se desconheço, não conheço muito bem, e até conheço e não concordo, então faço o que quero, o que vem na minha cabeça, o que acho subjetivamente certo. Não é assim! Aqui há um equívoco profundo e que inviabiliza até a condição de ser jornalista. Veja, ser jornalista não é apenas ter o bônus atestado e garantido por um diploma de graduação. Essa é a parte festiva. Entretanto, isso tem um grande ônus para se ter essa condição de jornalista. A ética é que divide o jornalista e o não jornalista.”
Liberdade de imprensa A liberdade de imprensa é atravessada pelo direito da livre expressão. Mas, antes de tudo, a imprensa tem um compromisso com a sociedade, pois através das informações que ela divulga, muitos indivíduos pautam suas opiniões. Segundo Ana Paola Amorim, pesquisadora do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (CERBRAS), “a liberdade de expressão requer um direito de audiência, de mídias livres e de pluralidade de vozes”. Os meios de comunicação têm o papel de informar de forma livre, plural e transparente. O Brasil ocupa a 102° posição no ranking de países com mais liberdade de imprensa em uma lista com 180 países. Esses dados foram divulgados em 2018 pela organização Repórter Sem Fronteiras (RSF) e tratam de um cenário mundial sobre o assunto. A posição que o Brasil ocupa no ranking diz muito sobre o cenário em que a imprensa está inserida no nosso país. Assim como a liberdade de expressão é limitada por forças maiores que exercem poder sobre os cidadãos comuns, o mesmo acontece com
O meu limite é o seu, talvez esse seja o maior limitante da liberdade”. Israel Quirino
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a liberdade de imprensa. Existe uma disputa de poder que afeta massivamente a comunicação social. No Brasil, a grande mídia, que corresponde aos meios de comunicação que é consumida por um grande número de pessoas, é controlada e monopolizada por grupos que exercem poderes e regulam as informações. Dessa maneira a imprensa funciona como um instrumento de controle de massa. Essas redes de comunicação reverberam conteúdos que de alguma maneira são positivos para eles e que não desagradam a nenhum tipo de força maior. E mesmo hoje, com a gama de informações a que boa parte da população tem acesso e a pluralidade de meios comunicacionais que a internet nos proporciona, as grandes mídias ainda conseguem deter esse controle. De acordo com a Constituição Federal, no Art. 220, 5º parágrafo, “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. E isso vai muito além do oligopólio midiático. José Cristian Goés fala um pouco desse cenário: “no Brasil, histórica e constitutivamente, o que temos é liberdade de empresa. Nem nos períodos tidos como democráticos, que se revelaram como farsa democrática, tivemos liberdade de imprensa”. Essa soberania dada à grande mídia, pelos poderes, manipula, mesmo que de maneira velada, o posicionamento coletivo. Esse controle se dá através da ocultação de informação e no possível tendenciamento das matérias por financiamentos de empresas ou políticos. A sutil manipulação da mídia sobre a sociedade nos causa uma falsa sensação de liberdade. Por que a falsa sensação de liberdade? Porque a oligopolização nos tira o direito de pluralidade de informações, vozes e fontes. Para a pesquisadora Ana Paola “a nossa estrutura de mídia é concentrada, com predomínio de empresas que têm poder de comunicação muito maior que as outras, que sobrepõe a quaisquer informações. Existe prevalência do sistema comercial privado, pouquíssima coisa pública e estatal, logo sem variação de fontes”. A soberania que as grandes mídias têm sobre a população é gigantesca. E consegue corromper a opinião pública através das informações que os meios comunicacionais conduzem até a população. Esse sistema se equivale a opinião das classes dominantes, não representa a grande parte da população brasileira e não deveria ser levado como referência da mídia. Logo, todo esse poder da informação reflete nos mais diversos setores da sociedade e principalmente na liberdade de expressão do país. Na conjuntura histórica do Brasil, além do oligopólio das mídias, um outro fator atua como um limitante da liberdade de imprensa: as forças políticas. Os ataques aos profissionais da imprensa estão cada vez mais comuns, não só no Brasil, mas mundialmente. Ameaças, perseguições e medo estão se tornando rotina na vida dos profissionais da comunicação. Um exemplo disso são os jornalistas que atuavam na Record TV e acusaram a emissora de fazer pressão para que escrevessem matérias que beneficiassem o então candidato à presidência do Brasil, Jair Bolsonaro, na reta final do segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Segundo o grupo Mídia Dados, dedicado a realizar estudos abrangentes sobre mídias, em 2018, a Record TV se consolidou como o quarto maior veículo de comunicação da TV aberta na categoria cobertura geográfica por município, representando assim uma das grandes mídias que detém o poder de comunicação do país.
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E os exemplos não se limitam a este caso. No dia seguinte às eleições, uma jornalista argentina foi desrespeitada ao questionar o possível Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, sobre como seriam as relações do país com o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). O ataque foi justificado com a seguinte frase: “você está vendo que tem um estilo que combina com o do Presidente, a gente fala a verdade, a gente não está preocupado em te agradar”. O ataque desferido a ela foi direcionado à toda a classe de jornalistas do Brasil. Ainda durante o período eleitoral, o jornal Folha de S. Paulo divulgou uma matéria escrita e apurada por Patrícia Campos Mello. A reportagem trazia à tona um esquema de disparo de fake news pelo WhatsApp sobre o Partido dos Trabalhadores (PT), bancado por empresários que apoiaram o então candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL). O esquema com contratos de R$12 milhões revelava uma violação à lei de doação de campanha. Depois de publicar a matéria, Patrícia Campos Mello foi atacada pelos eleitores de Jair Bolsonaro (PSL) e o grupo Folha acusado pelo candidato de “ser a maior fake news do Brasil”. Paula Cesarino Costa é jornalista do grupo Folha de S. Paulo há 31 anos e atualmente ocupa o cargo de Ombudsman. Questionada sobre o fato, ela afirma que, “o bom jornalismo é provocativo, incômodo e desafiador do poder estabelecido. São naturais as reações em contrário, algumas fortes. Em sua história, a Folha sofreu ataques e ameaças diversas. Nos anos 1990, sofreu invasão da Polícia Federal e mais recentemente chegou a ter seu prédio alvejado por black blocs. No entanto, ao fim e ao cabo, os valores democráticos prevaleceram”.
O fenômenos das Fakes News Ataques como esses, revelam como as coberturas jornalísticas estão sendo extremamente afetadas e o jornalismo já não passa para o público a credibilidade de antes. Segundo o dado da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios Contínua (Pnad C), divulgada em fevereiro de 2018, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 63,3% da população possui acesso a internet em casa. Essas informações demonstram o grande alcance que as notícias transmitidas nessa rede possuem. Para Paula Cesarino, o que acontece é que os leitores estão perdendo o vínculo com o jornalismo: “há muitos sinais de que isso vem acontecendo nos mais diferentes canais de comunicação, os leitores têm de ver suas angústias e interesses espelhadas na cobertura da imprensa”. Ela ainda afirma que a instabilidade da autoridade do jornalismo é um chamado para mudanças: “não vejo como tema candente a perda de credibilidade. O que existe é uma crise de modelo de negócios jornalísticos frente a novos hábitos do consumo de notícia”. A Doutora em Comunicação e pesquisadora em Jornalismo Digital, Jan Alyne Prado, identifica que as mídias tradicionais vêm perdendo espaço para os novas maneiras com as quais o cidadão está buscando se informar: “parece-me que, a grosso modo, a Televisão por exemplo, vem perdendo a sua força como principal veículo de comunicação entre os candidatos e os eleitores”. Paula Cesarino vê essas mudanças como as mais desafiadoras da imprensa moderna. “A imprensa precisa reinventar formas de apuração, acompanhamento e cobertura. Os jornais não podem perder a conexão com o mundo desse eleitor, bombardeado por mensagens eletrônicas, nem sempre críveis, nem sempre acuradas, muitas vezes grosseiramente manipuladas”, reflete. A campanha eleitoral de Barack Obama em 2008 já dava os primeiros sinais de como a cobertura jornalística seria afetada pelos meios digitais. As suas iniciativas eram pautadas na tecnologia e o processo ficou conhecido como “revolução digital da campanha de Obama”. Na corrida eleitoral de 2016 dos Estados Unidos, o então candidato à presidência, e hoje presidente, Donald Trump, consagrou o poder do meios digitais. Mesmo
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com grandes veículos impressos e televisivos declarando apoio a Hillary Clinton, o jornalismo viu sua influência cair junto com a candidata. Esse declínio da autoridade dos meios tradicionais se deu pelo fato de que a rede social facebook, se tornou a fonte primária na qual os cidadãos procuravam se informar sobre as eleições. A eleição de 2018 no Brasil mostrou outra fonte primária como meio informativo: o WhatsApp. A rede foi utilizada como estratégia para alcançar mais eleitores. Segundo a pesquisadora Jan Prado, o uso dessa rede social nas campanhas foi perigoso e afetou drasticamente o resultado da corrida eleitoral de 2018. “Li alguns artigos especializados que atestam que a maior parte da comunicação na última eleição no Brasil circulou via whatsapp. Isso significa que não há um controle exato e claro sobre o que circula através desta plataforma”, conclui Jan. A falta de restrição ao que estava sendo circulado, deu sustentação ao fenômeno que se tornou as fakes news no Brasil. Correntes e mensagens com informações falsas, principalmente sobre o então candidato à presidência Fernando Haddad (PT), se espalharam por todo o país e se tornaram quase impossíveis de controlar. Paula Cesarino explica que o interesse político por trás do fenômeno é um dos principais agravantes, “o difícil é chegar à base zero dos propagadores de notícias falsas, porque são os manipuladores interessados em ganhos políticos e financeiros. Esse nível de repressão depende no fundo de ações da polícia, do Ministério Público e da Justiça”. Jan Prado afirma que uma população despreparada piora a situação: “o maior problema que a nossa sociedade enfrenta e que tende a se agravar se traduz na dificuldade de interpretação da realidade e na ausência de pensamento histórico. Claro que os regimes de verdade são apenas um aspecto da comunicação política. Mas sem educação, sem pensamento histórico, é provável que estas pessoas continuem manipuladas e se mantenham enganadas”. As fakes news vão além do poder dos profissionais de comunicação, mas afetam diretamente o exercício da profissão. Portanto, é necessário que cada vez mais os jornalistas tenham em mente os pilares do bom jornalismo. “A informação de qualidade, precisa e plural continua sendo o pilar essencial do bom jornalismo. É valor permanente. A longo prazo, esses valores se mostram mais fortes do que as manipulações por trás das notícias falsas”, conclui a jornalista Paula Cesarino.
Direito de ir e vir O direito de ir e vir é resguardado no Art. 5º da Constituição e trata da liberdade que o cidadão possui de se locomover por todo o território nacional, salvo em casos de guerra. Essa liberdade de locomoção só pode ser negada a um sujeito nas seguintes situações: no caso de estrangeiros que precisam de autorização
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prévia para entrar no país, quando o cidadão está em desajuste com a lei, e na esfera tributária, onde temos as cobranças de pedágios. Mas, como a utopia da plena liberdade continua a nos rodear, mais uma vez ela é limitada. No caminho para o Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), as ruas de Mariana se espremem, os carros vêm e vão, nas calçadas, os pedestres se apertam nos minúsculos espaços, em que muitas vezes mal cabe uma pessoa. E é nessas condições que Cintia Soares, 19 anos, exerce o seu direito de ir e vir, com um detalhe: em sua cadeira de rodas. A sua condição física nunca foi um empecilho para seguir seus sonhos, e ela encontrou no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) um lugar que a possibilita vivê-lo da maneira mais confortável possível. Graças ao Núcleo de Educação Inclusiva (NEI) que proporciona acessibilidade dentro do espaço da Instituição. Mas fora da Universidade é bem diferente. Cinthia enfrenta diversas dificuldades para se locomover na cidade histórica de Mariana: “acessibilidade aqui é bem precária, e nós, deficientes, enfrentamos um leão ao irmos em comércios e centro”, afirma. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 6,7 % da população do país se encontra na mesma situação que Cinthia. O número significativo deveria representar melhorias para esse grupo social, mas não é isso que acontece. Tarefas simples, como pegar um ônibus, se tornam custosas. Cinthia relembra: “o transporte escolar era bem precário na minha cidade, já tive vários ocorridos, como o ônibus parar no morro e o motorista me tirar carregada para não correr risco”. Situações como essa fazem com que a liberdade de ir e vir de Cintia seja limitada. O direito que lhe é assegurado pela Constituição acaba sendo ignorado pelo governo - que não cria políticas públicas capazes de atender as demandas de pessoas com deficiência. O Estado, por fim, não dá conta de assegurar esse direito para todos. A Constituição é o maior resguardador da liberdade. Pensar a liberdade pelos seus limites pode parecer contraditório, mas o fato é que quando se considera ela a partir desse ponto, percebe-se o real significado da palavra. Liberdade parece não combinar com limites, mas essa demarcação em certos casos, se torna necessária para uma ordem social, como por exemplo, o limite do outro. Vimos que essa autonomia pode funcionar como um instrumento de poder, estâncias de forças maiores são capazes de prejudicar a liberdade de cidadãos comuns, usando a lei a seu favor. Vimos também, como a censura à imprensa não é uma memória só dos anos de chumbo, ela ainda está presente nos dias atuais. E como o Estado, às vezes é tão falho que não consegue garantir o simples direito de ir onde se deseja. Os limites estão postos, em alguns cenários eles são necessários, em outros são meras ferramentas. Mas afinal, a pergunta continua, somos realmente livres?
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O mundo acolhe, ensina, exige e me transforma. O que me torno? Qualidade? Dignidade? Ou questionamento? Área externa de uma residência na ocupação Dandara, Belo Horizonte/MG
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Patricia Consciente Felipe Cunha Larissa Maiane
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Reportagem
Bruno Campos Pedro Otávio Renato Rinco Túlio Gariglio
Ensino
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DESAFIOS EM CONSTRUÇÃO
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om a criação da Carta Magna de 1988, em um período de redemocratização do país, após a Ditadura Civil-Militar, a educação passou a ser considerada um direito para todos os cidadãos, como consta no Art. 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. No quesito educação, a Constituição de 1988 apresentou grandes avanços, como: o ensino obrigatório e gratuito dos 4 aos 17 anos para todos os cidadãos; a garantia da Educação Infantil como um direito público; além dos recursos mínimos para a frequência do aluno à escola, como merenda escolar, transporte, livros didáticos e a garantia de um padrão de qualidade para a educação. Foi também a partir da Constituição que ocorreu um financiamento mais substancial da educação. O percentual de fundos reservado para o setor aumentou. Todo município e estado brasileiro passou a ser obrigado a destinar 25% dos seus impostos próprios à área, com o primeiro focando nos ensinos Básico e Fundamental, e o segundo no Ensino Médio. Além disso, a União também passa-se a ter o dever de resguardar 18% de seus impostos para o Ensino Superior e aos Institutos Federais. Porém, de acordo com a Subsecretaria de Planejamento e Orçamento do Ministério da Educação (MEC), desde 2014 o valor destinado às Universidades é menor do que o orçamento previsto. Na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), o valor investido em 2017 foi de R$58.594.228, mais de R$11 milhões a menos comparado com o ano de 2016. A Ufop conta com 13.144 alunos, uma média de quase R$ 4.458 por estudante, sendo que o custo por aluno da universidade em 2016 era de mais de 26 mil reais. Zara Figueiredo Tripodi é professora do Departamento de Educação da Ufop, possui doutorado em Educação (Políticas Públicas de Educação) pela Universidade de São Paulo (USP) e atualmente coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas de Educação da instituição. Ela ressalta que, mesmo sendo colocado como um direito do cidadão, a educação brasileira ainda está longe do ideal que deve ser alcançado, principalmente no Ensino Médio: “O Ensino Médio ainda é o nosso gargalo, pois a média de alunos, hoje, de 15 a 17 anos, que estão no Ensino Médio, é de 70%, ou seja, é desesperador. Isso é uma média de 13 a 15 milhões de alunos que estão fora de sala, e se colocar essa média por região, pode-se ver que existe muita desigualdade. No Nordeste, por exemplo, esse valor, que no Brasil é de 70%, é de 65%.”
Além do grande número de alunos que não estão matriculados no Ensino Médio, a qualidade do ensino desta etapa também não vem apresentando bons números. Em pesquisa do Ideb de 2017 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), divulgada pelo Ministério da Educação (MEC) em 2018, foi apresentado que nenhum estado brasileiro cumpriu a meta de qualidade no Ensino Médio. O Ideb do Ensino Médio geral do Brasil foi de 3,8, ficando abaixo da meta de 4,7 que havia sido fixada (a nota máxima que pode chegar o Ideb é 10). Ainda de acordo com a pesquisa, as regiões Norte e Nordeste apresentaram os menores Índices de desenvolvimento da Educação Básica, atingindo os números de 3,3 e 3,5 respectivamente. As regiões Sudeste e Centro - Oeste foram as que apresentaram os maiores índices, de 4,0. Em compensação, a mesma pesquisa mostrou que o Ideb dos anos iniciais do Ensino Fundamental no Brasil, que vai do sexto ao nono ano, são os melhores de toda a Educação Básica, alcançando o valor de 5,8, ultrapassando a meta prevista de 5,5. Outro fator importante que deve ser observado na Constituição de 1988 é o fornecimento de instrumentos jurídicos legais para que o cidadão possa exigir seu direito à educação caso ele seja negado. Mas o fato de algo estar prescrito em lei, não necessariamente faz com que seja colocado em prática sempre, pois muitos cidadãos brasileiros sequer sabem realmente os seus direitos. A partir disso, a professora Zara busca uma explicação histórica: “a interrupção da nossa democracia por governos totalitários em vários momentos fez com que a sociedade se desorganizasse e tivesse dificuldade em saber quais os seus direitos. Se uma plena democracia tivesse funcionado a todo momento, seria muito mais fácil para o cidadão saber seus direitos e exigi-los. No Brasil as pessoas desconhecem seus direitos e tem pouca capacidade de se organizar para exigir esses direitos”.
Direitos ameaçados Nos últimos anos, o Brasil passou por momentos políticos conturbados, que geraram enormes consequências para diversos setores do governo, dentre eles a educação. A partir do impeachment sofrido pela então presidenta Dilma Rousseff, que foi destituída do seu posto em 31 de agosto de 2016 e substituída pelo seu vice, Michel Temer, muitas polêmicas passaram a ocorrer no Congresso Nacional. Dentre as medidas adotadas pelo novo governo, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 ou PEC 55, CURINGA | EDIÇÃO 17
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que congela as despesas do Governo Federal, com cifras corrigidas pela inflação, por até 20 anos, foi muito criticada por colocar limites em gastos como saúde, educação, e políticas sociais. Além disso, segundo especialistas, a proposta coloca em risco medidas que já estão em vigor, como o Plano Nacional da Educação (PNE), aprovado em 2014, que tem metas de universalização da educação e cria um plano de carreira para professores da rede pública, categoria que está entre as mais mal pagas do país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quanto a essa questão específica, a professora Zara concorda com as críticas: “No Plano Nacional de Educação, na meta 20, o objetivo é aumentar o PIB da educação em 10%, mas isso não vai acontecer, devido aos cortes de gastos do governo Michel Temer”. Tal medida foi a saída defendida para tirar o país da crise econômica em que se encontrava, mas dividiu opiniões, gerando protestos de parte da população. Junto a isso, Temer sancionou no dia 16 de fevereiro de 2017 o Projeto de Lei da reforma do Ensino Médio, que promove diversas alterações na carga horária e estrutura curricular desta etapa do ensino. Tais mudanças são resultado de uma medida provisória enviada ao Congresso pelo Governo e aprovada em votação final pelo Senado no dia 8 de fevereiro de 2017. Dentre os principais pontos da Reforma, estão o aumento da carga horária dos estudantes em sala de aula, a alteração do currículo escolar, que passa a exigir apenas Matemática, Inglês e Português como disciplinas obrigatórias no Ensino Médio. O restante do currículo deverá ser definido 60% pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), contendo as disciplinas Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia. O texto não deixa claro se tais disciplinas serão obrigatórias durante todo o Ensino Médio ou apenas em uma parte da formação. Os outros 40% do currículo ficarão a critério de escolha do aluno, que poderá decidir, dentre as áreas de Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e formação técnica e profissional, a qual tem mais afinidade. Além disso, a mudança mais polêmica no âmbito dos educadores é o fato de que não será necessária a
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formação específica na área de atuação para lecionar no Ensino Técnico e Profissional. Profissionais que não tenham formação em licenciatura também darão aula no Ensino Médio, desde que façam uma complementação pedagógica, e os professores poderão ser formados em cursos de Licenciatura Plena feitos em qualquer Faculdade, e não mais em apenas Universidades e Institutos Superiores de Educação. A medida recebeu críticas de diversos setores da sociedade, que a acusam de ser inconstitucional e de promover retrocesso social. Para o professor de Filosofia e Sociologia do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), de Ouro Preto/MG, Luciano José Gonçalves Moreira, a possível exclusão das disciplinas Sociologia e Filosofia da grade curricular do ensino médio afetará de forma negativa o aprendizado dos alunos: ‘’A crítica deixa de fazer parte do cotidiano e, com isso, os estudantes perdem a possibilidade de aprenderem com o diferente, a respeitar as opiniões alheias e a se colocarem no mundo que os cerca.’’ Após essas duas medidas, especificamente, deuse início a uma das maiores mobilizações estudantis da história do país: As ocupações das escolas e universidades públicas de 2016, movimento também conhecido como “primavera secundarista”.
Resistência Com seu ponto alto ocorrido no ano de 2016, mais de mil escolas públicas e instituições de ensino superior foram ocupadas pelos estudantes em todos os estados do país e no Distrito Federal. O início do movimento se deu no estado de São Paulo, em setembro de 2015, quando estudantes secundaristas ocuparam escolas contra o plano de reorganização do ensino proposto pelo governo de Geraldo Alckmin e conseguiram que o estado anunciasse o recuo da decisão. Logo a mobilização se espalhou rapidamente por todos os estados do país, com os estudantes reivindicando seus direitos e protestando principalmente contra as propostas da reforma do ensino médio e a PEC 241, ou PEC 55. Suzane Martins, hoje com 18 anos, era estudante secundarista na época e foi uma das lideranças na ocupação do Colégio Estadual Dom Silvério, localizado
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na cidade de Mariana/MG. A ideia da ocupação veio depois de os estudantes ficarem sabendo do sucesso de ocupações em outros locais, e da vontade de protestar contra as emendas na Constituição propostas pelo governo. Foi feita uma reunião com todos os alunos da escola, e após mais da metade concordar, ocorreu a ocupação, que durou cerca de 20 dias e contou com a participação de aproximadamente 70 pessoas, entre alunos, professores e simpatizantes do movimento. Segundo Suzane, no início a ocupação enfrentou forte resistência dos pais dos alunos, que viam no movimento apenas um motivo encontrado pelos estudantes para não terem aulas. A partir disso, os organizadores do movimento decidiram marcar uma reunião com os responsáveis para mostrar o que de fato estava ocorrendo ali: “Convidamos todos os pais e explicamos o que estava acontecendo, os levamos nas salas da escola, nos lugares onde dormíamos, fazíamos comida, e eles vendo que estava organizado, que estava sendo produtivo, foram aceitando melhor. Até os pais que não permitiam que os filhos fossem para a ocupação passaram a incentiválos a ir.” A fala retrata como a organização interna desta ocupação em específico funcionou, o que levou os pais a entenderem e aceitarem o movimento. Durante a ocupação do colégio Dom Silvério, que comemorava 50 anos de fundação naquele ano, foi descoberto pelos alunos que a escola nunca havia passado por uma reforma em toda sua existência. Essa situação se repete em vários locais do Brasil. No Rio Grande do Sul por exemplo, mais de 90% das mais de 2500 escolas públicas precisam de reformas na parte elétrica, segundo dados atuais da Secretaria de Educação do Estado. No Distrito Federal, nove em cada dez escolas estaduais necessitam de reformas estruturais moderadas e avançadas. Essa falta de reformas no colégio Dom Silvério foi sentida na pele pelos estudantes durante uma noite em específico. Na ocasião várias salas ficaram inundadas por conta de uma forte chuva, o que também causou curto circuito em vários fios elétricos expostos precariamente. Diante disso, os estudantes enviaram três representantes, junto a um professor, para a Secretaria do Estado em Belo Horizonte, onde mostraram fotos da escola e explicaram a situação de precariedade estrutural em que ela se encontrava. A atitude não foi em vão, pois pouco tempo após a reunião deu-se início a uma obra completa na escola, reforma que está em andamento até hoje. Após muito aprendizado, dedicação e luta, Suzane ressalta a importância da ocupação para todos os envolvidos e também para as gerações futuras: “O que eu tenho para falar por fim é coragem, não deixar o egoísmo falar mais alto, porque quando você faz uma
coisa que é em prol de outras pessoas além de você, você vê que realmente a união faz a força. Porque quando tivemos a ideia da ocupação aquilo foi levado como chacota, autoridades da escola disseram que aquilo era só uma desculpa para não ir na aula, mas essa ideia de eu quero, eu posso, eu consigo, foi muito importante para a gente”.
Do direito à mercadoria O Art. 209 da Constituição de 1988 diz: “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo poder público”. Foi a partir desse documento que o ensino privado recebeu o direito de obter lucro no Brasil. Isso fez com que ocorresse um grande crescimento de grupos e instituições privadas, que passaram a ganhar muito dinheiro com a implantação de universidades e escolas em vários estados do país. A Kroton Educacional, nascida a partir do Colégio Pitágoras, situado em Belo Horizonte/MG, é uma empresa brasileira com 50 anos de atuação, considerada hoje um dos maiores grupos educacionais privados do mundo. A empresa conta com 110 unidades que reúne diversas marcas, além de mais de 900 polos de educação a distância credenciados. No total, são mais de um milhão de alunos matriculados nestas instituições, de acordo com dados
do próprio site do grupo. Ainda segundo divulgação da Kroton Educacional, o lucro líquido do grupo em 2017 foi de R$2,24 bilhões, resultado 12,9% maior que em 2016. Grande parte do lucro adquirido pela empresa se deve aos alunos matriculados pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). A modalidade de financiamento estudantil foi responsável por 38,6% das matrículas em faculdades geridas pela Kroton só em 2017, segundo dados da Controladoria Geral da União (CGU). Porém, essa relação entre Faculdades privadas e o programa vem sofrendo investigação. Segundo a CGU, os alunos vinculados às universidades privadas pelo Fies vem
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A PEC 55 coloca em risco medidas que já estão em vigor, como o Plano Nacional da Educação (PNE), aprovado em 2014, que tem metas de universalização da educação e cria um plano de carreira para professores da rede pública.
Em pesquisa do Ideb de 2017, divulgada pelo Ministério da Educação (MEC) em 2018, foi apresentado que nenhum estado brasileiro cumpriu a meta de qualidade no Ensino Médio.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, mais de 90% das mais de 2500 escolas públicas precisam de reformas na parte elétrica.
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As privatizações das escolas causam grande dano ao desenvolvimento educacional brasileiro, pois aquilo que vai ser ensinado acaba se rendendo ao capital” Luciano Moreira
pagando mensalidades mais caras do que pessoas que não entraram com o Programa estudantil. A auditoria foi feita entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro semestre de 2017 e mostrou que dos 29.789 contratos analisados, há uma discrepância de valores de mensalidades, com potencialidade de mais de R$ 73 milhões ao longo do primeiro ano de faculdade em relação ao arrecadado pelas mensalidades dos alunos não integrantes do Programa. Relatórios da CGU dizem ainda que a diferença média de preços das mensalidades foi de R$ 219,35 a mais para quem possuía o financiamento pelo governo. Recentemente, a empresa está buscando a expansão também para o setor básico da educação, sendo que uma das suas mais importantes aquisições foi a compra, em 2018, da Somos Educação, dona das redes Anglo, Ática, Saraiva e Scipione, que se considera o maior grupo de Educação Básica do país. O valor da compra foi de R$4,6 bilhões. Outro dado sobre a Educação Básica é que ela movimenta quase o dobro comparado a Educação Superior. São R$ 100 bilhões movimentados, enquanto o Ensino Superior movimenta R$ 57 bilhões, segundo reportagem da Revista Istoé de junho deste ano. Em 2017, a Kroton tentou a compra da sua maior concorrente no setor, o grupo Estácio. A transação foi barrada pelo Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que justificou a decisão com o fato de que tal fusão geraria um grande monopólio no setor. A Estácio é hoje também uma das maiores organizações privadas de Ensino Superior do país, atuando em 27 estados. Uma parcela de educadores não vê com bons olhos esta expansão do ensino privado no país. A principal crítica é ao fato de que tal expansão pode levar a uma grande padronização do ensino, principalmente no Ensino Básico, fazendo com que as instituições formem alunos com pouco senso crítico e com conhecimentos limitados. A sobreposição do lucro à qualidade de ensino também é um fator que preocupa os críticos, como evidencia o professor Luciano José Gonçalves Moreira do IFMG de Ouro Preto/MG: ‘’Acredito que as privatizações das escolas causam grande dano ao desenvolvimento
educacional brasileiro, pois com as escolas passando às mãos de empresas, aquilo que vai ser ensinado, e o modo como se dará a transmissão deste conhecimento, acaba se rendendo ao capital.’’ Dentre as possíveis consequências, está o fato de que esse novo modelo de ensino poderá fazer com que a educação abra mão de uma formação humana e intelectiva, passando a priorizar uma formação mascarada de inserção no mercado de trabalho Theresa Maria de Freitas Agrião é coordenadora da Seção Unicamp do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional (GREPPE), grupo que tem desenvolvido pesquisas interinstitucionais no campo da política educacional, em âmbito nacional e internacional, priorizando as relações contemporâneas entre os setores público e privado para oferta, a gestão, e o financiamento da educação básica e as consequências dessas relações para o direito à educação. De acordo com Theresa, o aumento na atuação do setor privado na Educação Básica é real: “Um estudo meu junto ao Danilo Augusto Kanno, estudante de graduação em matemática pela Unicamp e bolsista de iniciação científica do GREPPE, publicado em 2018 e financiado pelo CNPq e Fapesp, identificou um aumento das matrículas privadas em todas as regiões na pré-escola, ensino fundamental e ensino médio e a diminuição das matrículas públicas.” Theresa analisa as consequências que a privatização pode trazer para a educação: “Vários estudos nossos, e não apenas nacionais, indicam que os processos de repasses dos fundos públicos para os setores privados oferecerem vagas aumentam a desigualdade na oferta educacional. Outro problema é a dificuldade nos processos de acompanhamento e controle dos repasses dos fundos públicos. Poucos são os governos que disponibilizam o acesso aos mecanismos de contratualização do setor privado e quase não há accountability sobre os programas e políticas implementadas.” Procurados pela reportagem, os grupos Kroton e Estácio preferiram não dar declarações a respeito das suas atividades no setor privado. C!
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Saúde
SUS 30 ANOS: A concepção do direito à saúde pública no Brasil
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Celso Peixoto Júlia Militão Lucas Mantovani Patrick de Araújo
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o Brasil, se uma pessoa adquire alguma enfermidade, seja por um simples vírus ou por doenças mais complexas, como infecções sexualmente transmissíveis, por exemplo, ela tem direito a um tratamento adequado e acesso a um serviço gratuito por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, nem sempre foi assim. O SUS é resultado da luta popular e social na busca por maior igualdade em relação ao acesso à saúde. Antes da Constituição Federal de 1988, momento em que foi implementado o SUS, o Estado promovia um financiamento irrisório da saúde. De acordo com as pesquisas do médico e professor Luiz Fernando Nicz, em 1949 os gastos públicos com a assistência médica representavam apenas 7,3% do gasto com Previdência Social. Durante a Ditadura Civil-Militar (1964-1985), a qualidade em serviços à saúde piorou. A maior parte dos atendimentos eram realizados em hospitais particulares e não existiam campanhas de prevenção, além disso, não havia regulamentação do funcionamento do Setor Público. Em 1966, o governo militar criou o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), quando foi promulgada a Lei 3.807, denominada Lei Orgânica da Previdência Social. Esta lei estabeleceu a unificação do regime geral da previdência, destinado a abranger apenas os trabalhadores sujeitos à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Até os anos de 1980, então, perdurou no país um modelo de tríade no sustento do modelo de saúde disponível. Os recursos do INPS provinham das contribuições dos empregados, dos empregadores e da União. Esta última se encarregava dos gastos administrativos do órgão e contribuía diretamente nos casos em que era empregadora. Porém, só estavam inclusos dentro desta cobertura os trabalhadores que tinham a carteira assinada. A Professora da Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) especializada em Ciências Sociais e Saúde Coletiva, Adriana Maria de Figueiredo, afirma que não existia de fato um sistema de saúde que atendesse toda
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a população brasileira. Somente aqueles que possuíam maior poder aquisitivo teriam o acesso à saúde garantido. “As outras pessoas geralmente, eram assistidas por sociedades filantrópicas, mas que já estavam em situações difíceis. Além disso, havia a população rural inteira que também era desassistida. Poucos tinham um sistema de previdência paralelo ao sistema dos trabalhadores urbanos; a população rural também era bem alheia ao sistema de saúde”, explica. Dessa forma, profissionais informais, desempregados, trabalhadores rurais e todas as pessoas que não tinham a carteira assinada ficavam dependentes basicamente do atendimento de instituições filantrópicas. De acordo com a professora, várias movimentações ocorreram entre as décadas de 1970 e 1980 em favor de mudanças na saúde do país. Como os direitos humanos e a liberdade de expressão haviam sido retirados pelos militares, vários estudiosos, em conjunto com a sociedade civil, se organizaram em Conselhos para discutir melhorias na forma como o Estado organizava a saúde. Este movimento ficou conhecido como “Movimento Sanitarista Brasileiro”, que surgiu em resposta à Ditadura Civil-Militar imposta ao país, cobrando uma mudança radical na forma como se enxergava a saúde no Brasil. José Gomes Temporão, ex-Ministro da saúde (20072011), é um dos antigos membros do grupo. Ele aponta que as principais propostas do Movimento Sanitarista foram: a saúde como direito; a instituição de um sistema unificado, descentralizado, democrático e universal, que visava a redução das desigualdades e das iniquidades; a defesa da integralidade da atenção; o combate à privatização do sistema; defesa de uma redução gradual da oferta privada e de uma ampliação da oferta pública de serviços de bem-estar e do fortalecimento da capacidade nacional da produção de insumos estratégicos para a saúde. “Podemos dizer que, no fundo, a Reforma Sanitária é um movimento cultural de transformação da percepção da saúde por uma determinada sociedade, um modelo de desenvolvimento humano”, esclarece. Essas ideias que surgiam no Brasil somavam-se com o que estava sendo discutido no mundo e tinham como lema: “Saúde para todos nos anos 2000”. Esse movimento foi muito importante para a consolidação de um entendimento geral da saúde pública, do seu conceito e da evolução do direito à saúde no Brasil. A professora Adriana pontua, também, que tudo o que foi planejado e proposto por meio do Movimento Sanitarista foi levado para a reunião considerada a mais importante para a criação do SUS. A 8ª Conferência Nacional da Saúde, realizada em 1986, foi um evento decisivo para debater sobre os projetos de saúde no país e ficou para a história da formação e desenvolvimento da área, pois foi a partir dela que ficaram definidos os princípios fundamentais do SUS que, mais tarde, seriam incorporados na atual Constituição brasileira. A Constituição Federal de 1988 foi um marco na história dos direitos sociais no Brasil. A partir dela foram definidos direitos centrais e fundamentais para a população. Entre esses direitos está o acesso à saúde, de forma integral, universal e gratuita.
Dentro da Carta Magna brasileira existem dois artigos que regulam os parâmetros da sáude no Brasil. No Art. 196 está expresso que a saúde é um dever do Estado, garantido a todos a partir de políticas públicas e econômicas, promovendo um acesso universal e igualitário. O Art. 197 institui que é dever do Estado fiscalizar, regulamentar e controlar as questões relativas à saúde.
o SUS é fator central de justiça social, melhoria das condições de vida e um dos pilares de um modelo de desenvolvimento inclusivo voltado para a redução das desigualdades” José Gomes Temporão Para efetivar esse direito, a Carta criou um sistema de saúde unificado e descentralizado com o objetivo de atender todas as pessoas. Assim nasceu o SUS, uma verdadeira conquista em busca da democratização da saúde. Comemora-se, neste ano, os 30 anos da Constituição Federal e os 30 anos do Sistema Único de Saúde que foi instituído por meio dela e está sendo estruturado até hoje. “Nos anos 1970, durante a Ditadura Militar nosso lema era: Saúde é democracia e democracia é saúde. E isso, nos dias que correm, ganha cada vez mais sentido. Em um país tão desigual, com altíssima concentração de renda, onde praticamente 80% da população depende do SUS para todas as suas necessidades em saúde, o SUS é fator central de justiça social, melhoria das condições de vida e um dos pilares de um modelo de desenvolvimento inclusivo voltado para a redução das desigualdades”, afirma o ex-Ministro Temporão.
Como atua o SUS? A criação do Sistema Único de Saúde se deu a partir do entendimento de especialistas que passaram a perceber o verdadeiro sentido de saúde não apenas como a ausência de doenças, mas como o completo bem-estar físico, mental e social. Foram estabelecidos princípios fundamentais, que regem todas as ações do Sistema, independente do nível de complexidade, como a universalidade, a equidade e a integralização. Além dos princípios organizativos que são a hierarquização, a regionalização, a descentralização e a participação social. Tal qual aponta o Art. 196, a universalidade visa garantir que todas as pessoas tenham acesso à saúde, independente de raça, gênero ou classe social. Assim, aqueles que não têm condições de financiá-lo contariam com os mesmos direitos que qualquer outro cidadão e poderiam receber o mesmo atendimento - de serviços dos mais simples, como o atendimento laboratorial básico; até os mais complexos, como o transplante de órgãos. A equidade busca combater as desigualdades em relação ao acesso à saúde no Brasil, pois apesar de todos CURINGA | EDIÇÃO 26
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terem o direito previsto na Constituição, nem todo mundo têm as mesmas condições de acesso aos serviços ofertados. Um exemplo importante desse princípio é o caso de uma pessoa que tem o direito à saúde, mas não pode se locomover até o local de atendimento - seja por estar acamada ou por outro problema -, assim, o SUS promove atividades de atenção domiciliar para que todas essas pessoas tenham acesso ao serviço. A ideia é tratar de maneira assitida, os indivíduos que possuem necessidades especiais em atendimento, para que todos recebam a devida atenção. De acordo com dados do portal da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais divulgados em 2018, “o SUS é o único sistema de saúde pública do mundo que atende mais de 190 milhões de pessoas, sendo que 80% delas dependem exclusivamente dele para qualquer atendimento de saúde”. Já o princípio de integralidade compreende o usuário do SUS como um todo, entendendo a complexidade que está por trás de qualquer enfermidade. Neste sentido, promove um serviço que vai muito além do atendimento clínico e/ou hospitalar, com políticas de prevenção e promoção, recuperação e reabilitação da saúde. Por isso, as ações do Sistema são diversas e abrangem entre tantos outros serviços, o controle de qualidade da água potável; a fiscalização de alimentos através da Vigilância Sanitária; campanhas de vacinação, doação de sangue e de leite materno que acontecem anualmente;
O Programa de Saúde da Família (PSF) foi implementado em 1994 e atende cerca de 123 milhões de pessoas em quase todos os municípios. Foi eleito pela OMS como um dos 10 melhores do mundo, ao lado de programas norteamericanos, ingleses e japoneses.
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inspeção e controle da dengue nos bairros das cidades; regras de vendas de medicamentos genéricos. Além da implementação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), de 2006, que conta atualmente com cerca de 29 atividades envolvendo meditação, homeopatia, ioga, musicoterapia. Muitos procedimentos médicos de alta complexidade são realizados por meio do SUS que possui, inclusive, um programa de referência internacional de transplante de órgãos, quimioterapia e controle de HIV/Aids. Em 1991, foi criado o Programa dos Agentes Comunitários de Saúde. Os Agentes Comunitários são pessoas da própria comunidade que participam do cuidado à saúde e conectam os serviços promovidos pelo município à população. Eles são os responsáveis pelos cadastros das famílias e pelos diagnósticos realizados nos municípios a fim de possibilitar que os investimentos estejam focados nas áreas mais importantes. Neste mesmo ano, foi desenvolvida a Rede de Atenção Básica em Saúde, com os Postos de Saúde que contavam com médicos especialistas em algumas áreas como ginecologia, pediatria, clínica geral, o SAMU, a UPA. Hoje, no entanto, essas unidades são consideradas ultrapassadas e estão sendo substituídas pelas Unidades de Saúde da Família (USF), que representam uma nova forma de lidar com o bem-estar da população. Nela, os procedimentos fazem parte de uma atenção primária da casa da família, levando em conta o seu contexto cultural
O Programa Nacional de Imunização garante o acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela OMS desde 1973. O calendário inclui as vacinas infantis, que vão de BCG até rotavírus, além das campanhas voltadas aos adolescentes e aos idosos.
O Brasil atua não apenas na prevenção, como também custeia todo o tratamento por meio do SUS. Segundo o Ministério da Saúde, nos últimos 21 anos, a mortalidade de pessoas com HIV/Aids no país caiu 46%.
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e socioeconômico. As equipes da Saúde da Família contam com enfermeiro, médico de família, dentistas, técnicos de enfermagem e agentes comunitários que devem acompanhar todos os moradores. O Programa de Saúde da Família é um dos elementos fundamentais do SUS, considerado referência de saúde pública no mundo. Implementado em 1994, o programa atende cerca de 123 milhões de pessoas em quase todos os municípios, segundo o Ministério da Saúde. Inicialmente é realizada uma demarcação territorial em que cada Unidade de Saúde irá operar. Essa territorialização é orientada a partir de uma análise sobre a existência de riscos sociais e ambientais e a organização do trabalho pondera sobre o perfil de cada região - características como sexo, faixa etária, moradia e distribuição de renda são levadas em conta, além das principais ocorrências de doenças e as possíveis causas dos problemas. Por isso, é importante que essa delimitação regional não seja baseada apenas em um quantitativo populacional. Após essa demarcação, os Agentes Comunitários realizam o cadastramento das famílias e, neste processo, identifica-se as condições de moradia, saneamento básico, condições sociais em que essas famílias estão. É a partir daí que se inicia o vínculo da Equipe de Saúde com a comunidade local. Esse processo é importante para que a prevenção e promoção da saúde ocorram em de forma efetiva, a
partir do conhecimento geral da população local e das diversas gerações de uma mesma família. Neste sentido, um dos principais resultados da implementação do SUS e da criação das Unidades de Saúde da Família foi o desenvolvimento de um perfil epidemiológico das comunidades, que contribuiu para um levantamento das características sociais e demográficas das condições ambientais e o controle social. Outro ponto positivo foi a queda da mortalidade infantil no Brasil, que é utilizada como parâmetro para identificar o nível de desenvolvimento dos países. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já citou o SUS como referência de países em desenvolvimento nesse tipo de atenção, principalmente por causa de programas como o de Controle e Atenção do HIV/ Aids, do programa de Saúde da Mulher e Atenção da Saúde do Idoso, por exemplo. Para garantir que todos esses complexos de ações ocorram da melhor forma, foi pensada recentemente a descentralização do financiamento e da promoção da saúde. A Lei Complementar Nº 141, definida no dia 13 de janeiro de 2012, determina que os municípios devem destinar 15% de sua arrecadação de impostos em ações de saúde, enquanto nos governos estaduais e Distrito Federal é de 12%. Já o Governo Federal fica responsável por contabilizar o que foi gasto no ano anterior somado a uma variação do Produto Interno Bruto (PIB), a fim de definir qual será o valor da aplicação mínima no ano.
FONTE DOS DADOS: UOL
De acordo com o Ministério da Saúde, em 2017 o SUS realizou 26.329 transplantes a um custo de R$1 bilhão, apontando para um crescimento de 5,5% do serviço.
O Brasil é um dos únicos países que fornece medicamentos de alto custo e a distribuição de remédios pelo SUS foi, em geral, considerado o segundo serviço mais bem avaliado pelos brasileiros de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Houve uma queda de 36% de fumantes entre 2006 a 2017. A redução pode ser atribuída a quatro pontos: a taxação dos cigarros em 85%; restrições de uso em ambientes fechados; proibição das propagandas; o tratamento gratuito para quem deseja parar de fumar.
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Gestão e financiamento Diferente de outros países que têm Sistemas de Saúde universais ou semi-universais, como a Inglaterra ou a França, respectivamente, o Brasil é um país de abrangência continental, o que por si só dificulta a fiscalização, a efetividade do Sistema e o serviço de qualidade em todos os locais. Segundo levantamento realizado pela revista Exame, em 2013, feito com base no último Índice de Desempenho do Sistema Único de Saúde, datado de 2012, os 100 melhores municípios com saúde pública estão localizados em apenas seis estados da União, tendo São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais ocupando os dez primeiros locais. Completam a lista os estados de Santa Catarina, Paraná e Tocantins. Para a professora da Ufop, Adriana Maria de Figueiredo, este desequilíbrio de investimento reflete a desigualdade social latente na sociedade brasileira, reproduzindo o discurso de Centro e Periferia. “No Brasil, em questão de infraestrutura, os investimentos se concentraram onde está o capital. Por isso, nos estados onde há mais urbanização, industrialização e emprego, vai existir uma infraestrutura dando suporte e sendo financiada por esta população que vive e trabalha. O próprio sistema é organizado por venda de serviço”. Para o ex-Ministro Temporão, apenas políticas públicas de saúde não conseguirão resolver a desigualdade de acesso, sendo necessário o investimento econômico em diversos âmbitos. “As desigualdades regionais na oferta e no acesso à saúde expressam as desigualdades do modelo de desenvolvimento que o país trilhou ao longo de décadas. A saúde por si só não tem como enfrentar essa realidade. Apenas políticas transversais e intersetoriais que envolvam várias dimensões dos campos econômico e social serão potentes o suficiente para enfrentar de modo adequado essas desigualdades”. Soma-se ao contraste social evidente, o duro golpe dos cortes de gastos para entender a situação em que se encontra a saúde pública brasileira. Aprovada em 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95, congela em 20 anos os crescimentos de gastos e investimentos do governo. Isso significa que os gastos reais do país não aumentarão pelas próximas duas décadas, sendo limitados pela inflação. O aumento contínuo e generalizado de preços faz com que
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o Estado perca poder real de investimento em todas as áreas. Segundo o Doutor em Economia e professor do curso de Ciências Econômicas da Ufop, Francisco Horácio Pereira de Oliveira, a “Reforma dos Gastos”, do ponto de vista econômico e social, é um desastre total. “Por exemplo, supondo que a inflação seja de 2% no Brasil, significa que os gastos com saúde e educação vão aumentar em 2%, mas o poder aquisitivo desses gastos o que esses gastos vão consumir em termos de remédios, de salários de professores, em escola, em hospitais -, vai permanecer constante por 20 anos”.
Com certeza [o corte de gastos] vai impactar negativamente a oferta de saúde.Na prática, com este controle, inviabiliza-se a ampliação de oferta e de infraestrutura, para que haja melhor desenvolvimento em outras áreas.” Adriana Maria de Figueiredo Para a professora Adriana, desde a instituição do SUS, o financiamento repassado ao Sistema nunca foi condizente com os desafios propostos. Esta contradição fez com que o SUS não tivesse condições ideiais de implantação como foi pensado, deixando a desejar em termos de acesso. A EC 95 acaba por aprofundar as dificuldades do sistema. “Com certeza [o corte de gastos] vai impactar negativamente a oferta de saúde. Na prática, com este controle, inviabiliza-se a ampliação de oferta e de infraestrutura, para que haja melhor desenvolvimento em outras áreas. Os economistas da saúde já se mostraram contrários à proposta e vários estudos também mostraram que uma proposta restritiva de gastos não necessariamente melhora a situação econômica do país”. Todas essas questões desaguam no embate entre o público e o privado e, consequentemente, no projeto de Sistema de Saúde que existirá nos próximos anos. Para Adriana, a história brasileira é perpassada por este enfrentamento, tendo o Sistema Único de Saúde sido aprovado por um “milagre”. Segundo a professora, a
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proposta do SUS só foi vencedora porque à época não havia nenhuma outra proposta tão bem estruturada. Porém, existia uma massa de empresários do setor de saúde oferecendo serviços privados que se valiam da Previdência Social para manter sua fonte de renda, que consequentemente eram contrários a ideia de um sistema universal e gratuito. O professor de Economia, Francisco Horácio, adverte que a lógica implantada nos planos de negócios das empresas que oferecem a saúde como serviço não está ligada necessariamente à promoção da saúde. “As pessoas esquecem que o investimento privado tem uma característica nas economias capitalistas do mundo: ele tem que dar lucro”. Dados obtidos com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) mostram que 23% das reclamações recebidas em 2017 são relacionadas aos Planos de Saúde, a maior taxa entre os últimos três anos. Para a professora Adriana, os planos de saúde modificam a lógica de pensamento sobre a saúde, pois o setor privado trata as questões como mercadoria. “A saúde passou a ser um serviço. Existem estudos mostrando que um serviço completamente privado é muito caro, porque o controle de preço é feito pelo mercado. Recentemente, pudemos acompanhar a proposta de criação de planos de saúde populares, mas a conta não fecha. Se você pagar X reais, você vai receber uma assistência compatível com este dinheiro. Qual a empresa que vai ter de uma assistência em que ela não obtenha lucro? Isso não existe no mercado”. Uma pesquisa divulgada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) em conjunto com a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas em fevereiro de 2018 mostrou que quase 80% da população brasileira não tem acesso a planos de privados, chegando a 77% entre as classes C, D e E. Ao mesmo tempo, cada vez mais o SUS passa a ser desacreditado como um Sistema funcional. Segundo Izamara Bastos Machado, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), este discurso é perpassado pela cobertura feitas pelos veículos de comunicação, que simplificam todo o trabalho do Sistema como de atendimentos em hospitais, quando na realidade está presente em outras atividades.”Por exemplo, as ações
de vigilância sanitária são reconhecidas como uma das áreas mais antigas da Saúde Pública. O Programa de Imunização do Brasil faz parte do SUS. O SAMU faz parte do SUS. Ou seja, o SUS engloba desde a atenção básica, à média e alta complexidades, os serviços de urgência e emergência, a atenção hospitalar, as ações e serviços das vigilâncias epidemiológica, sanitária e ambiental e assistência farmacêutica. A partir daí, pergunto: com que frequência vemos essas informações sendo destacadas nas narrativas jornalísticas?”.
O que vem depois? O embate entre o público e o privado imbricado com o teto de gastos e investimentos do governo geram dúvidas sobre o futuro dos serviços públicos no país. Segundo pesquisa Datafolha divulgada em setembro de 2018, 4 em cada 10 brasileiros apontam a saúde como o campo prioritário para o próximo governo. Simultaneamente, acompanhamos diversos discursos que são favoráveis ao congelamento financeiro do governo. Para a professora da Ufop, Adriana Maria de Figueiredo, estas falas de austeridade ditas pela população são um reflexo do descontentamento popular com os vários escândalos de corrupção que surgiram nos últimos anos. “Parece que no imaginário popular há uma relação entre a situação atual que estamos vivendo com um modelo de política que foi até hoje trabalhado em nossa sociedade”. Para o ex-ministro da saúde, José Gomes Temporão, a saúde passa por uma encruzilhada e caberá à população decidir o futuro. “De um lado temos o projeto do SUS universal, integral, equitativo, financiado com recursos do orçamento fiscal, para todos sem qualquer distinção. De outro, o fortalecimento progressivo do setor de planos e seguros privados sustentado em políticas de subsídio ao mercado e de renúncia fiscal [..] que visa deixar a atenção aos mais pobres para o SUS. São duas visões que se chocam. Qual dos dois projetos prevalecerá? É isso que a sociedade brasileira terá que decidir nos próximos anos”, alertou o ex-Ministro. C! CURINGA | EDIÇÃO 26
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direito x emprego:
Reportagem Elis Cristina Fábio Carvalho Ramon Santos
TENHO MESMO QUE ESCOLHER?
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A Carta Magna chegou à sua fase balzaquiana sem alcançar objetivos estabelecidos no seu nascimento. O direito à igualdade, inclusive no trabalho, era uma importante garantia. Porém, nem o tempo e nem as leis foram suficientes para afastar a realidade das desigualdades trabalhistas no país.
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egundo o professor de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Alexandre Arbia, devemos tomar o termo “trabalho” como sendo o processo de construção do homem. Mas, esse método hoje não se aplica, pois o homem, historicamente, passou a ser “explorado” pelo avanço produtivo capitalista. Já na época da República Velha (1889-1930), o trabalho no Brasil era em sua grande parte rural, destinado à produção de alimentos e de outros bens de consumo. O labor também envolvia a mão de obra infantil. Não havia regulamentações, as jornadas eram extensas, cansativas e com péssimas condições de saúde e segurança. Era também o período de ascensão das indústrias fabris, com o impulso no processo de urbanização entre São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo o historiador Renan Magalhães, especialista em História Política do Brasil e Doutorando em História pela Ufop, grande parte da mão de obra operária dessas indústrias era, sobretudo, de europeus que saiam de seus países. Também considera-se nesse contingente, parte da população rural brasileira, entre homens e mulheres, que migravam para os grandes centros urbanos em busca de melhores condições de vida e de subsistência. “Essa população em sua grande maioria analfabeta era empregada pela indústria com baixos salários, pois havia grandes ofertas de mão de obra, eles eram destinados aos trabalhos manuais com pouca rentabilidade e pouca oportunidade de mobilidade social”, explica Renan. Por essa relação entre a busca de um trabalho melhor para sua subsistência, ou sobrevivência nas grandes metrópoles, a força de trabalho era “vendida” em troca do sustento. Nesse contexto, como conceituou o filósofo Karl Marx, ainda no século XIX, aparecem as novas figuras: o patrão (o que possuía o empreendimento) e os empregados (que tinham apenas sua força de trabalho como meio de garantir sua existência). Para Renan, no início do século XX, as relações brasileiras entre patrões e empregados eram ainda muito marcadas pela herança escravista, ou seja, uma relação severa, sem muito espaço para discussões. E é nesse sentido que surgem as ideias de lutas pelos direitos, como a “greve geral de 1917” que se iniciou em São Paulo e se espalhou por outras cidades. Esta mobilizaçãzo foi significativa pelo momento em que ela aconteceu. Segundo o professor, o movimento ocorreu quando praticamente não haviam leis trabalhistas, e os operários mostraram como podiam lutar e defender seus direitos de forma livre, e modificando a sociedade. Por esses e outros motivos, o grupo conquistou algumas melhorias, entre elas o aumento de salário. Como explica o historiador, todos os movimentos trabalhistas daquela época foram importantes para a conquista e a manutenção dos direitos da classe trabalhadora ao longo de sua existência (desde os de grandes proporções aos pequenos movimentos).
Porém, a Revolução de 1930 foi o estopim para o marco na história trabalhista no Brasil: surge o governo de Getúlio Vargas, denominado “Estado Novo”. A gestão de Vargas ocorreu entre 1930 e 1945 e foi um período que simbolizou uma das primeiras conquistas para a classe trabalhadora: a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
A era celetista No Estado Novo, buscou-se a legitimidade da figura de Getúlio como o “pai dos pobres”. Esse adjetivo, para o especialista Renan Magalhães, veio como uma propaganda política do governo, como um culto à personalidade de Vargas, pois foi durante o seu comando que pela primeira vez se regularizou os direitos trabalhistas no Brasil em prol da classe base da sociedade. Contudo, Renan ressalta que os direitos trabalhistas implementados no período não vieram da simples benevolência do “pai dos pobres”. Muitos dos direitos respondiam às pautas de reivindicações dos trabalhadores de décadas atrás, o que também mostra que o documento não foi uma mera doação, mas sobretudo uma conquista. A CLT foi sancionada em 1943, e essa norma, além de possuir muitos méritos, reuniu outras legislações que já existiam - como as regulamentações que implementaram a Carteira de Trabalho em 1932, o Salário Mínimo em 1938, e a criação da Justiça do Trabalho em 1941 - em uma única Lei Federal. Em função disso, a CLT se apresentou com muito mais autoridade para ser respeitada pelas organizações contratantes, como explica Magalhães. Segundo o professor de Direito do Trabalho da Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC) e também Advogado Trabalhista, Dimas de Abreu Mello, a CLT além de ser uma conquista, passou a proteger o trabalhador urbano e rural. Sua importância está na maneira com que se propôs a coibir as relações abusivas de trabalho entre empregado e empregador, que antes eram comuns. Assegurou parte das demandas dos trabalhadores impondo regras, a CLT defende condições mínimas de trabalho. A implementação da Carteira de Trabalho foi um dos grandes legados do governo Vargas. “A questão trabalhista significou um ideal de modernização do Brasil, que passaria necessariamente pela urbanização, crescimento econômico e industrial. O país deixaria de ser mero exportador de café, o cargo chefe da economia na época”, conclui Renan.
Do povo para o povo? Apesar de qualificações e ajustes nas décadas seguintes, as leis trabalhistas ganham novo fôlego a partir dos anos 1980. Em 05 de outubro de 1988, com a chegada da nova Constituição, a redemocratização pós Ditadura Civil-Militar refletiu também no contexto trabalhista. De acordo com o advogado Dimas, a atual Carta Magna se difere das anteriores, por ter como elemento principal os
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seres humanos. Seu foco não é mais a organização do Estado, mas na proteção dos indivíduos. Além disso, ela veio fortalecer os direitos trabalhistas, garantindo-os e reforçando-os. É em seu Art. 7º que está consagrada a igualdade entre os trabalhadores rurais e urbanos e também onde estão presentes uma série de direitos laborais previstos pela primeira vez em um plano constitucional. Estão relacionados direitos como: seguro desemprego; salário mínimo; piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; 13º salário; participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e 44 horas semanais, entre outros. Todavia, ainda que a Carta Magna reconheça a proteção aos direitos do trabalhador, na prática, a tensão entre trabalhadores e empregadores permaneceu diária e interminável. A Constituição de 1988 também estabeleceu que os direitos fundamentais podem e devem ser aplicados às relações de trabalho como: o direito à igualdade, a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho, a não-discriminação, a prevalência dos direitos humanos e a submissão da propriedade à sua função social, dentre outros. Contudo, o mercado de trabalho continuou marcado por significativas e persistentes desigualdades que desrespeitam esses princípios. Dados estatísticos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que em 2018, no grupo de países emergentes, do qual o Brasil faz parte, a desigualdade entre os gêneros é maior que a da média mundial. Entre os homens, 76,1% estão no mercado, contra o percentual de apenas 45,6% entre mulheres - diferença de 30,5 pontos percentuais. Vale lembrar que o número de mulheres no Brasil é superior ao de homens, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) de 2017, que mostra que a população brasileira é composta por 48,4% de homens e 51,6% de mulheres. Para o professor de Direito do Trabalho da Ufop, Amauri César Alves, no Brasil há vários tipos de injustiças
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no meio trabalhista e a principal delas é a de oportunidade, não só no quesito ingresso, mas também na ascensão profissional. Para ele, essa discrepância abrange outros tipos de desigualdades trabalhistas como a de gênero, raça, faixa etária, de direitos e de classes. No Brasil, as diferenças de gênero e raça são um dos eixos estruturantes da matriz das questões sociais no país. “As mulheres são preteridas, os negros são preteridos e as mulheres negras são as mais preteridas de todos”, explica o professor Amauri. De acordo com a OIT, o nível de desemprego no país também é maior entre as mulheres. No primeiro semestre de 2018, a taxa era de 13,2% para mulheres e 9,8% para homens. Outro contraste que persiste no meio trabalhista é o de raça. Para o professor Amauri, quando o patrão realiza uma promoção de cargo, ela diretamente é concebida ao homem branco, em seguida para a mulher branca e, em último caso, para os negros de ambos os sexos. Dados de uma pesquisa do Instituto Ethos, realizada em 2017, confirmam essa afirmativa: pessoas negras ocupam apenas 6,3% de cargos na gerência e 4,7% no quadro executivo. Dentro desse contexto, a presença de mulheres negras, em comparação aos homens, é ainda mais preocupante: elas compreendem apenas 1,6% das posições na gerência e 0,4% no quadro executivo. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que no segundo trimestre de 2018, a taxa de desocupação (pessoas que não trabalham), dos negros (15,0%) e a dos pardos (14,4%) ficaram acima da média nacional de 12,4%. Maria*, 32, resume bem essas estatísticas: “Tenho que mostrar que sou capaz com muito mais esforço que uma pessoa branca, pelo fato de ser mulher e negra. Nós mulheres temos que provar a todo o momento que somos boas no que fazemos para conseguirmos ter uma oportunidade de crescer dentro de uma empresa”, lamenta. Ela relata que já viveu alguns casos de discriminação, como queixas de não ter a capacidade para realizar determinadas tarefas, além de já ter sido excluída de atividades da empresa em que trabalha.
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Questionada se buscaria frente a gestão da empresa seus direitos, ela alega ter medo de perder o emprego e não conseguir outro meio de sustento. A igualdade está expressamente prevista em lei e visa a redução das desigualdades sociais incluindo a de gênero no Art. 5º da CF, o que parece ser algo “perfeito” para mulheres que lutam constantemente para conquistar garantias, assim como Maria. No entanto, a realidade, infelizmente, é diferente. O amplo leque de direitos previstos não é efetivado e, na prática, como vimos, demonstra o inverso: há discriminação e desrespeito às mulheres no mercado de trabalho. Outra faixa da população atingida pelo desalento são as pessoas mais velhas. Com 52 anos, Carmem*, uma mulher branca tenta se inserir novamente no mercado de trabalho. Há 25 anos trabalha como manicure, mas conta que desde nova, com apenas 11 anos, já trabalhava como babá de uma criança. Carmen fazia parte de uma triste estatística trabalhista brasileira: o trabalho infantil. De lá pra cá, Carmem conseguiu atualizar seu currículo realizando cursos profissionalizantes como o de Joalheria oferecido pelo Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e o de Técnico em Administração na Escola Estadual de Ouro Preto custeada pelo Governo de Minas Gerais, ambos na cidade de Ouro Preto. Em 2008, realizou um concurso para atendente de farmácia, mas
As mulheres são preteridas, os negros são preteridos e as mulheres negras são as mais preteridas de todos”. Amauri César Alves só foi selecionada e permaneceu no cargo por dois anos e meio. A farmácia em que ela trabalhava era uma parceria com o Governo e a Prefeitura da sua cidade, mas houve uma “quebra” nesse acordo e a farmácia fechou. Carmem teve que sair do estabelecimento. Atualmente, trabalha em um salão como manicure e conta que já entregou currículos em vários locais, e realizou entrevistas, mas sem sucesso. Em um dos casos mais marcantes de desigualdade, Carmen conta que em uma entrevista realizada para ocupar o cargo de atendente de farmácia, para o qual ela possui experiência, a farmacêutica em questão, ao invés de analisar seu currículo, entregue em mãos, e mediante a sua presença tirar suas dúvidas, disse a Carmem que não poderia deslocar um funcionário de suas funções para treiná-la, afirmando que esse deslocamento geraria prejuízos futuros. Carmen não entendeu essa afirmação pelo fato de já ter experiência e já saber como funcionava o trabalho. Além disso, ela conta que a farmacêutica ficava a indagando sobre uma outra pessoa, mais jovem e conhecida de Carmem, que havia trabalhado na mesma função [atendente] que ela em outro local: “essa pessoa (mulher) a qual ela me perguntava era mais nova que eu. Em um momento da entrevista ela chegou até a me perguntar se eu sabia se a fulana já estava trabalhando”, disse.
Nesse momento, Carmen percebeu que havia um certo problema, que ela só foi tomar consciência depois quando viu que o quadro de funcionárias do estabelecimento era apenas pessoas jovens, e que a dona desse local havia contratado outra “garota” para a vaga disponível. Dessa forma, o infortúnio de Carmen era, com toda certeza, a sua idade. Assim, especificamente os incisos I e IV do artigo 3º da CF, que garantem os ideais de justiça, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, “idade” e quaisquer outras formas de discriminação, a liberdade e solidariedade estão muito distantes das vivências cotidianas. Para Luiz Fernando*, 48, as conquistas que os trabalhadores adquiriram na Constituição Federal estão longe de serem executadas. Ele conta que na empresa terceirizada, na qual fazia parte do quadro de funcionários prestando serviço como motorista, já passou por diversas desigualdades e desumanidades. São anos de uma profissão que se misturam com histórias difíceis e injustas. Luiz Fernando perdeu a conta de quantas vezes teve que “abaixar a cabeça” para continuar ganhando seu salário. Entretanto, foi demitido de maneira injusta. O fato ocorreu em 2017, quando foi para uma capital em outro Estado, que fica à 400km de Ouro Preto. A viagem tinha como destino uma semana de estudos, para a qual alunos foram enviados. Nesses casos, de acordo com a Lei n°13.103/2015, é necessário a presença de dois motoristas por causa da distância, mas só Luiz Fernando foi dirigindo. Ao chegar pela primeira vez em uma cidade que não conhecia, apenas um GPS o orientava e indicava quais ruas seguir. Como o próprio motorista afirma “as ruas para um automóvel grande precisam ter espaço, e o GPS não sinaliza isso”. Aí, começaram um dos primeiros problemas: Luiz Fernando passou com o ônibus embaixo de um viaduto e o veículo ficou preso por alguns segundos, “foram os piores segundos da minha vida”, disse. Nesse momento ele pressentia que algo ia acontecer pelo dano causado ao ônibus. Chegando ao destino, enquanto os alunos se hospedaram em um hotel, Luiz teve que ficar dentro do ônibus por três dias, correndo perigo e passando noites em claro. Ele conta que durante as madrugadas mal dormidas, escutava barulhos de tiros próximo ao local em que estava. Tudo isso, fere os direitos previstos no Art. 7°, inciso XXII, que estabelece que deve haver a redução dos riscos inerentes ao trabalho incluindo a saúde e a segurança. De volta a Ouro Preto, ao chegar a seu local de trabalho, o motorista recebeu a notícia de que estava demitido, confirmando aquilo que temia. Luiz Fernando, então, não soube a princípio como iria ajudar a família, que contava com o seu salário. Além dos direitos sociais individuais dos trabalhadores, a Constituição de 1988 garante direitos a serem exercidos coletivamente ou no interesse de uma coletividade, como o direito de associação sindical previsto no Art. 8º. Questionado se buscou uma forma de garantir as devidas indenizações após a demissão, Luiz Fernando afirma que tem medo de ser prejudicado e que, portanto, não CURINGA | EDIÇÃO 26
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recorreu aos seus direitos. Nem o Sindicato foi procurado. Para o Diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviários de Ouro Preto (STTROP), Wanderson Epifânio da Silva, os movimentos sindicais compostos por trabalhadores de determinada classe atuam justamente na intervenção da busca de relações igualitárias do empregado perante seu empregador, quando por ventura surgem essas desigualdades. Wanderson afirma que “no Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviários com suas três sedes em Ouro Preto, Mariana e Itabirito, contribuímos bastante nessas intervenções pela buscas dos direitos igualitários, otimizando-os e neutralizando-os”. O dirigente alega que, para haver a busca das garantias, o trabalhador deve fazer sua reivindicação e levar aos Sindicatos (aquele que representa sua classe) as demandas, para que assim a associação possa analisá-las, entendê-las, apurá-las e dá início ao processo da busca pelos direitos. O STTROP representa, principalmente, todos os trabalhadores do sistema de transporte, e as demandas podem ser individuais ou coletivas. Mas em casos de acordo coletivo com o diretor, ocorrem assembleias com os grupos de trabalhadores, onde são levantadas as causas para que, assim, o Sindicato possa questionar os patrões. Historicamente, os Sindicatos buscaram batalhar por melhorias nas condições sociais e profissionais de seus representados, através de diálogo e ações legitimadas por lei. Se os Sindicatos não conseguem atingir patamares que eles considerem válidos em suas negociações com empregadores, eles possuem legitimidade para organizar greves e paralisações remuneradas, desde que estes movimentos cumpram os requisitos mínimos legais. Pelo menos é o que garante a Lei 7.783/89 e o Art. 9º da Constituição Federal de 1988.
O Retrocesso Social Conhecida como Reforma Trabalhista, a nova Lei 13.467/17, aprovada pelo Congresso Nacional em novembro de 2017, traz consideráveis alterações às relações de trabalho, dividindo opiniões entre empregados e empregadores. Ela veio, de acordo com os professores Amauri e Dimas, com a promessa de gerar mais empregos. Entretanto, além de isso não acontecer, os direitos dos trabalhadores ficaram ainda mais suprimidos. Nota-se que a reforma proposta gerou uma expectativa aos empregadores de reduzirem os encargos trabalhistas, aliada à esperança de uma melhoria, frente à crise econômica que o país vem atravessando. Na visão dos empregadores, a Reforma Trabalhista é sinônimo de modernização e progresso. Na prática, não é isso o que vem ocorrendo. Para Dimas, nos seus 33 anos de profissão é nesse atual cenário, desde meados de 2017, que se inserem as maiores desigualdades trabalhistas. Para ele, a Reforma, em grande parte, “fere” claramente os princípios da dignidade da pessoa humana previstos na CF, principalmente com a implementação do Trabalho Intermitente. Além de precarizar a situação do trabalhador, ela aumenta o abismo da desigualdade trabalhista no Brasil, argumenta o advogado.
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Essa nova modalidade faz parte das mudanças previstas na recente Lei. Nessa categoria, a pessoa trabalha por alguns dias ou algumas horas e recebe por elas, não havendo garantia de jornada ou remuneração mínima por mês. De acordo com o advogado, o trabalho com contrato intermitente afeta não apenas a CLT, mas os direitos e princípios de tratamento do ser humano citados no preâmbulo da CF: “com essa reforma a situação do trabalhador passou a ser ainda mais indigna”, afirma. Segundo Dimas, esse tipo de trabalho é cruel. O funcionário “fichado”, que possuía um emprego e comparecia vinte e seis dias na empresa, no final do mês recebia um valor referente a trinta dias prestados, o que consequentemente arcaria com suas despesas mínimas e vitais. Mas, com o Trabalho Intermitente, o funcionário prestará o serviço de forma descontinuada, com alternância entre períodos ativos e inativos, de acordo com o empregador. Isso precariza os direitos trabalhistas, legitimando a possibilidade do pagamento de valores inferiores ao mínimo nacional previsto no inciso IV da Carta Magna, insuficientes para que o trabalhador possa arcar com as despesas. Na visão de Dimas, os Sindicatos também foram impactados com a Reforma. O empregado brasileiro que contribui para o Sindicato no qual sua classe trabalhadora faz parte, agora, com a nova lei, passa a fazê-lo de forma facultativa, ou seja, é uma mera opção do trabalhador. Assim, uma das principais fontes de renda da manutenção do Sindicato pode deixar de existir. Para Wanderson, como diretor de um Sindicato, a reforma trabalhista “veio para exterminar os movimentos sindicais, em todos os seus aspectos, e em todas as suas representações”. Segundo ele, os custos de uma unidade sindical corresponde a um dia de trabalho do proletariado, e isso
afetará grande parte dos Sindicatos. Hoje o STTROP conta com três apartamentos no estado de Espírito Santo, onde fornece assistencialismo na área de lazer do sindicalista, além de três veículos para dar esse suporte. O lazer do trabalhador está previsto no Art. 7º da CF. Com o vigor da Reforma, o Sindicato não sabe até quando conseguirá manter essa estrutura, afirma Wanderson. Para ele, essa ainda não é a principal “atrocidade” da Reforma Trabalhista. Na sua opinião, a mudança expõe o trabalhador a outras violências. Gestantes poderão trabalhar em ambientes considerados insalubres, o que as deixa sem nenhuma assistência e proteção. Há ainda a integralização da terceirização, a divisão do período de férias entre outros retrocessos. A desigualdade no Brasil não é algo fortuito. A primeira coisa a se fazer, justamente por isso, é não aceitar a desqualificação do texto de 1988. Falta também ao cidadão um conhecimento de que a Constituição trata de direitos humanos, e uma das principais carências do país por esses motivos é a cultura constitucional. Trinta anos ainda é pouco tempo para a criação dessa consciência, compreendendo os objetivos de se construir uma sociedade livre, justa e solidária, sem qualquer tipo de diferença. A sociedade, em geral, não sabe o poder que tem politicamente. Na cobrança de direitos que são inalienáveis, como não sofrer a desigualdade. O que poderia reverter essa situação é a educação, a informação, a consciência de que há, legalmente, um instrumento que permita o resguardo das minorias sociais. Mas justamente onde ela é mais necessária, para quem precisa mais ter os direitos humanos garantidos, a educação não chega. C! *Nomes fictícios para preservar a identidade das fontes.
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Moradia
A propriedade atenderá Reportagem Felipe Cunha Luciana Gontijo Patrícia Consciente
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à sua função social? A moradia digna é um direito previsto na Constituição, mas muitas pessoas ainda precisam lutar por um lar de qualidade. Moradores da Dandara, ocupação habitacional de Belo Horizonte, MG, compartilham suas histórias e falam sobre os seus esforços nesse cenário.
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questão da moradia é um desafio a ser superado em todo o país. Segundo um levantamento realizado pela Fundação João Pinheiro em 2015, o Brasil apresenta um déficit habitacional que ultrapassa 6,3 milhões de residências. Desse total, mais de 575 mil habitações pertencem a Minas Gerais, o segundo estado com maior déficit no país, atrás apenas do estado de São Paulo. O déficit habitacional indica a deficiência no estoque de residências, incluindo casas que se encontram em condições precárias e o total de habitações que precisam ser construídas para solucionar outros problemas que interferem na qualidade da moradia. Entre essas questões, estão as dificuldades enfrentadas por pessoas de baixa renda para arcar com despesas de aluguel e a coabitação familiar, que ocorre quando várias famílias dividem a mesma moradia e têm a intenção e a necessidade de viverem separadamente. Enquanto isso, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), também de 2015, evidenciam que o Brasil possui 7,9 milhões de imóveis vagos, sendo que cerca de 730 mil se localizam na zona urbana de Minas Gerais.
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A habitação é considerada um direito social, garantido especialmente pela Emenda Constitucional nº 26/00, que acrescenta o termo “moradia” ao Art. 6º da Carta Magna de 1988. Outras passagens da Constituição Federal dizem respeito à questão da moradia, como o Art. 23, inciso IX, que afirma que “[É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:] promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”; e o Art. 5º, inciso XXIII, que evidencia que “a propriedade atenderá à sua função social”. No entanto, uma residência em condições adequadas não é uma realidade para diversas famílias no país. Para muitos brasileiros, conseguir uma moradia digna é uma luta diária. Buscando perceber a aplicação dos princípios constitucionais na moradia como direito social e de que as propriedades cumpram o seu papel de serem essencialmente produtivas à população, a equipe de reportagem visitou a Dandara, uma grande ocupação habitacional localizada no bairro Nova Pampulha, em Belo Horizonte.
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A Dandara No dia 9 de abril de 2009, três ônibus chegaram à Nova Pampulha. O destino era um amplo terreno que estava ocioso havia mais de 40 anos. Dentro dos veículos, estavam 120 famílias em busca de uma moradia própria e digna. Muitas dessas pessoas moravam em casas alugadas, residências de parentes ou mesmo na rua. No dia seguinte, o local já contava com quase 500 famílias que compartilhavam do mesmo objetivo. Os primeiros meses não foram fáceis. Sem água ou energia elétrica regulares, apenas uma parte do terreno estava ocupada e a demarcação do restante do local não podia despertar a atenção das autoridades. A divisão de 128 m² para cada família ocorreu em três madrugadas com uma lanterna fraca e o apoio de arquitetos e engenheiros da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A entrega dos lotes se iniciou em uma manhã, durante uma simulada e discreta procissão. Ao meio-dia, os 40 mil m² estavam completamente preenchidos por aqueles que seriam os primeiros moradores de Dandara. Após quase dez anos, a ocupação foi regularizada durante o mandato do prefeito Alexandre Kalil (PHS). Porém, isso não aconteceu sem que antes houvesse muita resistência diante das incontáveis ordens de despejo. A comunidade também contou com a união entre a população e as Brigadas Populares, com o suporte da igreja e, especialmente, com o protagonismo feminino. Assim como a esposa de Zumbi dos Palmares, as mulheres da Dandara sempre passaram a maior parte do tempo na comunidade, cuidando da organização e das principais demandas da ocupação.
Em sentido anti-horário, Leia Mendes (33) e Warley Tadeu (23), moradores da Dandara.
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Novos tempos Desde o final de 2017, a Dandara passa por um processo de regularização da água e da energia elétrica, com a chegada da Copasa e da Cemig. Após a conclusão dessas instalações, será realizado o asfaltamento em toda a ocupação. Hoje, a comunidade possui padaria, mercadinho, igrejas, centro de saúde e quase 8 mil moradores, cheios de histórias para contar. Entre esses moradores, está a Luzia Francisco da Costa, de 40 anos. Luzia tem três filhos que cresceram na ocupação, e viveu por alguns anos em uma lona até conseguir na Dandara a sua própria casa, cujas paredes ela mesma ajudou a erguer. Diante de um período em que as eleições estão recentes, Luzia apresenta um certo receio de que os novos políticos não apoiem iniciativas de ocupação como essa, quando outras pessoas precisarem. No entanto, ela afirma que está muito feliz com o grafite produzido sem nenhum custo na área externa da sua residência, e busca valorizar ao máximo a Dandara e tudo o que ela conquistou na ocupação. “Isso pra mim é tudo na vida. É uma pedra preciosa”, conta.
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Luzia é moradora da Dandara desde o início da ocupação.
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Mulher de Luta - Com licença, bom dia. Você sabe me dizer onde mora a Wagna? - A Waguinha? É ali! Pelas ruas da Dandara, todos conhecem a mulher que viu a comunidade nascer, crescer e se consolidar. Nascida no dia da Consciência Negra, Wagna Vieira Lima tem 47 anos e parece ter a militância escrita em seu destino. Ela morava na casa dos sogros no dia em que Sávio, um dos seus três filhos, chegou com a notícia de que o terreno na Nova Pampulha havia sido ocupado. Sávio, ainda adolescente em 2009, acreditou que aquela poderia ser uma oportunidade para que a sua mãe tivesse a sua própria moradia, e passou várias horas na ocupação. Quando Wagna foi buscá-lo, no final da tarde, a polícia chegou logo em seguida, impedindo a entrada e a saída de pessoas. Os dois passaram a noite na comunidade, e gradativamente, Wagna começou a participar de algumas atividades e da organização do local. Em pouco tempo, ela já era chamada para coordenar algumas dessas ações. Ao longo dos anos, Wagna integrou as lutas e as vitórias da Dandara. Ela participou das manifestações e da demarcação dos lotes, além de construir a sua própria casa da forma que desejava. A militante compreende a moradia como um direito pelo qual ela teve que lutar, e que os princípios da Carta Magna são garantidos apenas para pessoas mais favorecidas. “Constituição é só no papel. Todo mundo tem direito à moradia, saúde e educação, mas pra quem vale o direito?”, afirma. Enquanto a ocupação se fortalecia, Wagna viu a história da Dandara se misturar com a sua própria história. Emocionada, ela se mostra satisfeita com as conquistas e o crescimento da comunidade. Dandara se tornou, para ela, uma verdadeira família e um ambiente único de aprendizado. C!
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Dandara é um lugar de amor. São muitos amores em um espaço só. É Dandara. Tinha que ser Dandara. Tem que ser Dandara. Tem que permanecer Dandara.” Wagna Vieira Lima
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Sou o mundo. Estou no mundo. Sou o que sou. Existem pedras. Existem forças. Existem sonhos. Diante do mundo, meu caminho está aqui. Rua principal na ocupação Dandara, Belo Horizonte/MG.
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Patricia Consciente Felipe Cunha Larissa Maiane
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Reportagem Juliana Folhadella Luana Maciel Maic Costa VH Gonzaga
as feridas do racismo No aniversário de 30 anos da Constituição, a situação do negro no Brasil ainda é preocupante Curinga - Racismo.indd 2
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esde a sua independência, o Brasil contou com sete constituições, sendo a última, de 1988, chamada de “Constituição Cidadã”. A novidade de suas laudas atingem uma dada parte da população: o povo negro. Especialmente os incisos do art. 5º (LXI e LXII), que tratam o racismo como crime e pune atos discriminatórios. Durante muitos anos, o racismo tem sido tema constante em discussões nas diversas áreas da sociedade. Algumas pessoas insistem em afirmar que o preconceito contra o negro é um fato já solucionado e que não existe mais a necessidade de discuti-lo. Porém, o que é visto nas ruas, atentando-se aos discursos e ações contra a comunidade negra brasileira, mostra que o assunto segue urgente. O Racismo Institucional é uma uma realidade em nossa sociedade. Há uma dívida histórica com o negro, mas uma parcela da população não quer se convencer de que ela existe e merece ser discutida. Alguns acreditam que, por causa miscigenação (mistura de raças), o Brasil não é um país racista. Muitos questionamentos podem ajudar a repensar essa máxima. Por que existem cotas? Por que a população periférica e carcerária é esmagadoramente negra? Por que negros não são vistos em cargos públicos com frequência? Por que a escravidão é um tema pouco debatido no cotidiano? Dados, fatos e testemunhos servem como forma de conscientização e informação sobre essas questões.
ESCRAVIDÃO, UM CRIME HISTÓRICO Há mais de 500 anos, logo no início da colonização do Brasil pelos europeus, começou-se a produção de açúcar no nordeste brasileiro. Os colonos necessitavam de mão de obra para trabalhar nas lavouras e, desta forma, iniciou-se um tráfico desumano e crescente de pessoas escravizadas trazidas da África para o Brasil. O transporte destas pessoas acontecia em navios em condições insalubres e, devido à falta de cuidados, muitas pessoas, entre mulheres, homens e crianças, não sobreviviam à viagem. Estima-se que cerca de 660 mil negros tenham morrido no trajeto para o Brasil. Segundo o site Slave Voyages, que traz análises numéricas realizadas por um grupo de pesquisadores, propõe um número de aproximadamente 29 mil travessias transatlânticas no período colonial, transportando por volta de nove milhões de pessoas escravizadas. Os negros africanos, àquela época, eram retirados forçadamente de seus locais de origem, sem qualquer preocupação no que diz respeito à cultura, crenças, costumes, religião e etnia. Poucos sabem que dentre os milhares de negros vendidos, havia reis, rainhas, príncipes e princesas, que foram simplesmente “destronados” para serem obrigados a trabalhar desumanamente nas terras
brasileiras. Por pertencermos a um país extremamente miscigenado, corre em nossas veias, queiramos ou não, sangue deste povo que sofreu durante mais de 400 anos com este modelo cruel de domínio. Curiosamente, o primeiro país do mundo a decretar oficialmente a abolição da escravatura em seu território foi Portugal, em 1761. Tal provisão, por sua vez, foi validada apenas na Europa e nas terras colonizadas por Portugal nas Índias. O Brasil permaneceu ainda por mais 127 anos dentro do sistema escravocrata. O processo para a consolidação do fim da escravidão no território brasileiro foi longo. De todos os países existentes na América do Sul, o Brasil foi o último a aprovar a lei que libertava os prisioneiros de suas obrigações como servidores dos senhores. Antes da Lei Áurea, houve três importantes aprovações que auxiliaram no processo de libertação do povo negro: a Lei Eusébio de Queirós, aprovada em 1850, e que proibia o tráfico negreiro; e a Lei do Ventre Livre, de 1871, que garantia a liberdade de todos os filhos de pessoas escravizadas nascidos a partir desta data; e, em 1885, foi aprovada a Lei dos Sexagenários, que tornava livres os trabalhadores negros com mais de 60 anos.
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No ano de 1888, enfim, foi elaborada a lei que garante a liberdade de toda a população prejudicada durante tantos anos. O documento foi assinado pela Princesa Isabel, principal autoridade do Brasil à época, e libertava cerca de 700 mil pessoas. Em 1872, 16 anos antes, de aproximadamente 10 milhões de pessoas que habitavam o país, segundo pesquisa divulgada com incentivo da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) em 2017. Destes, 15 % da população estava escravizada. Para um país que completou 518 anos de existência - caso levemos a chegada dos portugueses em nossas terras, no ano de 1500, como marco inicial - em 2018, e, neste contexto, pensar que o negro é livre há apenas 130 anos, já seria uma preocupação. Porém, a abolição não garantiu a essa população uma liberdade de fato. Enquanto a Lei Áurea é considerada uma efeméride da história nacional, pouco se reflete sobre os efeitos que ela gerou na população negra. É claro que sua promulgação foi, não só um dever, mas também uma obrigação do, até então, império em favor das pessoas antes escravizadas. Porém, há de se refletir sobre o fato de que, durante os anos em que foi questionada e analisada a sua possibilidade de divulgação, não houve um pensamento sobre o que aconteceria com a população escravizada após sua libertação. “Assim como o Brasil abriu as portas para italianos no final do século XIX, com doações de terras e garantia de trabalho para os imigrantes, o país deveria ter criado uma forma de reparação após a promulgação da Lei Áurea. A maioria dos negros escravizados ficaram sem trabalhos, sem terras e sem nenhuma garantia de sobrevivência. Muitos deles continuaram sendo escravizados, pois não tinham outra opção”, diz a
Jornalista Thainá Cunha, que pesquisou sobre os temas racismo e escravidão em sua pesquisa de mestrado. O regime escravocrata, por si só, foi, de fato, extinto. Porém, as marcas de mais de quatro séculos de sofrimento permaneceram incrustadas no cotidiano da comunidade brasileira. O racismo é, talvez, a maior expressão dessa cicatriz histórica. “Para mim, se as mesmas oportunidades dadas aos imigrantes italianos fossem oferecidas a população negra, já teria sido o mínimo a ser feito, porém nem isso aconteceu. Daí vem a dívida histórica”, finaliza a jornalista.
RACISMO ESTRUTURAL Segundo a definição técnica, racismo é a discriminação social baseada no conceito de que existem diferentes raças humanas, e que uma é superior às outras. Baseado num preconceito étnico, o racismo tem base em diferentes motivações, em especial as características físicas e outros traços do comportamento humano, sustentando uma ideia pré-concebida e pejorativa a respeito de uma etnia ou grupo social. A existência do racismo pressupõe uma discriminação social que só é possível mediante o estabelecimento de relações de poder e diferenças hierárquicas. “O principal motivo da conscientização da população brasileira sobre o motivo da dívida histórica é justamente a necessidade de que a sociedade reconheça as estruturas sociais que regem o país e o quanto essas estruturas determinam posições sociais, estereótipos e a propagação do racismo em todas as suas camadas”, diz Thainá.
População em 2014
Pretos e pardos: 53,6% Brancos: 45,5%
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10% mais pobres em 2014
Pretos: 76% Outros: 24%
População carcerária
FONTES: IBGE (2014) E SISTEMA INTEGRADO DE PENITENCIÁRIAS (INFOPEN) (2017)
Embora estejam em maioria populacional, a situação atual do negro preocupa:
Pretos: 64% Outros: 46%
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O Racismo Institucional/Estrutural é definido, no Brasil, pelo Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI), implementado no país em 2005, como “o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica”. O professor da PUC Minas, Pablo Moreno Fernandes Viana, relata, com base nas ideias do pesquisador Luiz Augusto Campos, que “o racismo se manifesta em três dimensões: uma ideológica, uma prática e uma estrutural. Sendo assim, ele se manifesta nessas três formas e é impossível dissociá-las. Todas elas estão relacionadas a uma cultura que, no caso da nossa especificamente se relaciona a essa história colonizada, violenta, escravagista, de manutenção de privilégios, patriarcal e de negação do passado. Nesse contexto, creio na presença do racismo como cultura na sociedade brasileira, principalmente pelas suas nuances de manifestação, que não podem ser dissociadas de perspectivas interseccionais que considerem um viés de gênero e classe”. Para Pablo, “conforme passamos pelas camadas sociais, vemos manifestações muito específicas de racismo, que tendem a ser mais violentas quando se está nas camadas inferiores da pirâmide social (como as abordagens policiais nas
periferias) a formas mais sutis - porém silenciadoras e opressoras - quando nos aproximamos de camadas mais superiores (como discursos de desqualificação, piadas, reforço a padrões de beleza, entre outros”, conclui. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações. Algumas atitudes racistas do dia a dia, como dizer que o cabelo crespo é ruim ou segurar a bolsa mais forte se um negro se senta ao seu lado no transporte público, passam despercebidas e exemplificam bem o problema do racismo estrutural. O preconceito é tão enraizado, que é tomado como algo normal, mas as consequências psicossociais que ele pode trazer são graves. Problemas como transtorno de identidade, baixa auto-estima e depressão podem surgir por causa desse recorte social. Uma pesquisa realizada pelo periódico científico Addictive Behaviors, publicada pela Revista Exame, em 2014, entrevistou 4,5 mil pessoas que poderiam ter passado por alguma situação de discriminação. Do total dos participantes, 83% manifestaram que foram vítimas de algum tipo de preconceito, 50%, sofreram todos os tipos de racismo pautados e 14,7% afirmaram
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PRECONCEITO QUE PERDURA Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2014), 76% da população pobre brasileira é negra. Tal estatística comprova a má organização e suporte histórico promovido para garantir melhores condições de vida a este grupo. Foram necessários 130 anos, desde a abolição da escravatura, em 1888, para que fosse pensada alguma forma de incluir o povo negro e garantir seus direitos em meio à sociedade. Ainda há reflexos da exclusão da população negra em todos os campos. Diante dos diversos atos de preconceitos que acontecem diariamente, muitos tópicos são colocados em discussão. Uma delas é a objetificação e sexualização da mulher negra. Há diversos relatos sobre como as mulheres negras são vistas fora do Brasil. “A sociedade colocou na mente que mulheres negras tem a ‘cor do pecado’. Sendo assim, somos procuradas para coisas casuais, sem muita intenção de se expor e de assumir relação, por mais que haja sentimento”, diz Maria Luíza Caetano, 21, estudante do curso de Letras na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Historicamente, a população mundial foi ensinada a ver a mulher brasileira como a passista de escola de samba, reduzindo a população negra feminina a um objeto e no sofrimento que isso ocasiona. O preconceito não é apenas por parte dos homens brancos. Há o preconceito da mulher negra pelo homem negro, o que pode dificultar relações afetivas por parte das mulheres. “É muito normal
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ver homens negros ascendendo socialmente e escolhendo mulheres brancas para se relacionar, com o intuito de embranquecer suas próximas relações a fim de que os seus filhos e netos não passem por situações de racismo explícito”, afirma a estudante. O povo negro vem, cada vez mais, se reunido e lutando pelos seus direitos, expondo seus descontentos para o público e se organizando em movimentos que afrontam o racismo e preconceito. Questões como o empoderamento e auto aceitação são cruciais para entender sua história e se aceitar, de fato; entendendo e conhecendo suas origens. “Eu não consigo tirar minha cor, meus traços. Então, a aceitação que tenho há anos, acaba caindo por terra sendo que por mais que o reconhecimento e o empoderamento negro estejam crescendo, a raiva ao que estamos conquistando e ao amor por nós mesmos, tem sido objeto de ódio de outrem”, conclui Maria Luíza. A Constituição, no Art. 5º, trouxe consigo uma maneira de proteger e fazer com que a parcela brasileira das pessoas afrodescendentes fosse reconhecida, de fato, como cidadãos e cidadãs. Um dos pontos principais foi combater o racismo e ainda destacar que os salários sejam equivalentes, tanto para negros quanto para brancos. Também é destacado que não haja entre os critérios de escolha para que se assuma um determinado cargo, tratamento diferenciado no que diz respeito ao sexo, estado civil, raça e faixa etária.
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As novas lei proporcionam um auxílio, mas não garantiram igualdade de direitos e, mesmo representatividade. Ainda é visível a carência da população afro em assumir cargos de importância no Brasil. Não pela desqualificação, mas pelo preconceito incrustado diante de anos de repressão e violência. Conforme explicação do presidente do Núcleo de Pesquisas Clóvis Moura da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Tadeu Kaçula, a representatividade negra no parlamento, por exemplo, sofre com a falta de pessoas para cumprir e lutar por aqueles que necessitam. Dos 64.002 parlamentares atuantes em todo o Brasil no ano de 2018, há um número bastante pequeno de cadeiras ocupadas por pessoas negras. Vale comentar que, dos 81 senadores eleitos, três são negros; de 513 deputados federais, 24; de 5.570 prefeitos, 1.604; entre os 57.838 vereadores, 24.282 são negros. Atualmente, nenhum ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) é afrodescendente.
ACESSOS DESIGUAIS A população branca brasileira teve acesso à educação mais cedo do que a população negra. Este argumento já é um ponto importante, que coloca os brancos em uma situação histórica favorável em se comparando com a parcela do povo negro do Brasil. A educação pública brasileira, por si só, já apresenta deméritos em sua estrutura, tanto para brancos quanto para negros. Em meio à sociedade, há muitas críticas ao sistema de cotas raciais, que surgiram no Brasil nos anos 2000 e foram fortalecidas no ano de 2012, a partir da implementação da Lei nº 12.711, conhecida como Lei das Cotas. As cotas tentam, minimamente, garantir que uma parte das vagas disponibilizadas em concursos públicos possam ser destinadas a grupos de diferentes etnias. Existe também uma parte da população que insiste em criticar as ações afirmativas nas universidades públicas com o argumento de um suposto déficit na qualidade dos profissionais que serão formados. “A adoção da política de cotas no Ensino Superior vem demonstrando, a partir do desempenho dos estudantes cotistas, que a suposta perda de qualidade das universidades, a pretensa incapacidade dos negros de acompanhar as disciplinas e uma possível segregação entre cotistas e não cotistas não se tornou realidade”, diz a professora do curso de Serviço Social da Ufop, Isis Silva Roza. “A sociedade brasileira foi forjada no racismo, que é institucional e também estrutural, o que é indispensável
para compreendermos como que a sociedade brasileira, incluindo o estado, e a própria escola, através de ações e omissões, historicamente promoveu a manutenção de relações étnico raciais assimétricas, comprometidas com a hierarquização racial, que tem como centro discursos de neutralidade racial (democracia racial) e meritocracia. Práticas que buscam ocultar a presença da perspectiva branco-normativa na ambiência educacional”, finaliza a docente. A discussão sobre o racismo também permite pensar a situação do negro no mercado de trabalho. Basta olharmos à nossa volta e observar detalhes básicos do cotidiano. Se você está em uma universidade pública, quantos colegas negros estudam em sua sala? Quantos professores negros você tem, ou já teve na sua vida? No mercado das artes não é diferente. Quantos artistas negros são ou já foram protagonistas em telenovelas? Os personagens em que são elencados artistas negros, tanto homens, quanto mulheres, são, na maioria das vezes, estereotipados. O malandro, o bandido, o vilão e o dependente químico. Segundo pesquisa do IBGE realizada entre 2005 e 2015, houve um aumento de 5,5% para 12,8% no ingresso da população negra nas Universidades. O aumento porém, não reflete no que diz respeito à admissão de negros no mercado de trabalho. Em pesquisa do Instituto Ethos, realizada em 2016, apenas 6,3% da população negra ocupa cargos de gerência e 4,7% ocupam cargos executivos. Tais dados valorizam a existência do Racismo Institucional em que o Brasil está imerso. Diversas pessoas ignoram este fato e usam de diversas desculpas quando o assunto é contratar um funcionário ou funcionária negra. O preconceito já se inicia na entrevista de emprego. “Há estudos que apontam que uma mulher negra ganha cerca de 43% menos do que um homem branco, sendo ambos com graduação, já o homem negro graduado ganha 29% menos do que o homem branco. Atualmente, é possível notar em qualquer ambiente de trabalho as diferenças raciais nas ocupações de cargos. Quanto mais alto o cargo, menos chance de uma pessoa negra ocupá-lo,” relata a jornalista Thainá Cunha. Diversas situações de desrespeito e humilhações são vistas diariamente em diversos ambientes de trabalho. Desta forma, resta sempre dar voz e visibilidade a estas minorias que sofrem durante tanto tempo. “Todos nós sabemos que, hoje em dia, o lugar reservado para os negros no mercado de trabalho são aqueles da força de trabalho pesada, como a construção civil, no caso dos homens negros, e a limpeza e as cozinhas, no caso das mulheres negras. Por isso, vejo sim que há preconceito na contratação, na remuneração e na valorização do profissional negro”, encerra Thainá.
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CULTURA E RESISTÊNCIA Atendo-se para a população negra no Brasil, há de se pensar sobre como são ensinadas as culturas afrodescendentes para as crianças nas escolas. Não é difícil lembrar sobre como aprendemos sobre a história dos negros na grade escolar. Muitas delas contam apenas histórias das pessoas escravizadas. Isso tudo sem retratar como era a vida dessas pessoas antes de sofrerem nas mãos dos escravocratas europeus. “A gente (comunidade negra) nunca foi ensinado na escola sobre a nossa história”, diz o estudante de Jornalismo, Eduardo Viana, 21. Da mesma forma que é possível contestar a maneira de uma pessoa se vestir, no cenário musical também existem suas discussões. No rap, por exemplo, existe uma certa resistência quando se trata de um cantor branco. O crescimento do rap se deu nas periferias de Nova Iorque, mais especificamente no Bronx. Seus precursores eram artistas negros que cantavam sobre a sua realidade nas ruas e problemas enfrentados junto à sociedade. Diversos rappers negros atuam com certa resistência quanto à presença de artistas de rap brancos no cenário musical. A justificativa desta classe é que, em muitos momentos, artistas brancos acabam por ocupar o lugar que poderia ou deveria ser ocupado pelo artista negro. O mercado, deste modo, atua de forma preconceituosa, selecionando artistas que, no pensamento das gravadoras, seriam mais rentáveis. Esta mesma resistência é percebida no território brasileiro. Um exemplo claro é o fato de um dos maiores nomes do rap brasileiros a se destacar, na década de 1990, foi um homem branco, “Gabriel, O Pensador”. “Eu encaro tranquilamente, mas deixando claro que o rap veio dos negros, como o rock. Mas o rock, hoje, é considerado cultura do povo branco. Esqueceram do início da parada. E, no rap, não vamos deixar isso acontecer, mas nada contra brancos no rap, não. O rap não tem preconceito, a raiz é negra”, diz GuiGui, rapper ipatinguense, integrante do grupo “Bonde do Remédio”. FOTO: DIVULGAÇÃO
Rapper GuiGui é um dos novos nomes da cena mineira e em abril deste ano lançou o disco solo “Proibidão”.
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Pensando ainda no movimento artístico-cultural, podemos levar em consideração o universo das telenovelas e no cinema. Quantos papéis de protagonismo são dados a artistas negros? Nos últimos anos, têm crescido o movimento de manifestação artística contra produtoras que não escalam artistas negros para papéis de destaque na TV e cinema. Em 2017, houve, por parte de alguns artistas, um boicote no evento de maior prestígio do cinema mundial: o Oscar. Na ocasião, foi realizado um protesto em função de não haver atores e atrizes negros concorrendo à premiação. Outro exemplo sobre a falta de aceitação da entrada de negros em diversos cenários no Brasil está na intolerância religiosa. No Rio de Janeiro, por exemplo, os atos de violência entre 2012 e 2015 são contra pessoas de descendência africana. O número registra 1014 casos e, deste total, 70% são de cunho religioso, segundo dados da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR).
A gente (comunidade negra) nunca foi ensinado na escola sobre a nossa história.” Eduardo Viana A exclusão de manifestações da cultura negra parece ser ignorada quando o que se está em discussão favorece à classe não minoritária. A apropriação cultural é algo que tem sido pauta de constantes discussões em meio à sociedade. Em algumas ocasiões, pessoas brancas são questionadas ao serem vistas utilizando apetrechos que fazem parte da cultura negra. Muitas pessoas entendem o uso de determinada peça de roupa ou um acessório como uma homenagem, ou simplesmente não se preocupam com a possibilidade de estar ofendendo um certo grupo de pessoas. Diante desse impasse, a pergunta: a apropriação cultural é ou não desrespeitoso? Certas peças de roupas ou outros acessórios são usados para representar algo marcante de um determinado grupo. Serve, inclusive, como forma de resistência de um determinado povo foi marginalizado em um dado momento da história. “Apropriação Cultural é tomar posse de alguma coisa sem entender o que aquilo significa de verdade”, retoma Eduardo Viana. Na maioria das vezes, a questão estética é levada em consideração sem que antes se reflita sobre o que aquilo representa para determinada pessoa. “A gente, a comunidade negra, sempre foi muito explorada e, de um tempo para cá, a gente tá nessa onda de desconstruir e de entender a história do nosso povo”, finaliza.
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O NEGRO HOJE Quando pensamos em 2018 e voltamos 30 anos atrás, vemos um cenário - teoricamente - mais justo, pelo menos no papel. A partir da Constituição, houve a tentativa de excluir ou reduzir os preconceitos diante de uma sociedade que discrimina e historicamente rebaixa minorias. O documento veio para cumprir um papel importante. Porém, a maioria da população desempregada no Brasil é negra. O índice de analfabetos de pessoas pretas ou pardas também é significativo. Segundo dados do IBGE divulgados no ano de 2017, o número de pessoas negras sem acesso à educação é maior do que o dobro, quando comparado com a população branca. São dados simples e objetivos que ajudam a ponderar o quanto ainda é necessário pautar o tema de discriminação como objeto principal de análise e discussão no Brasil. “No que tange ao racismo, especificamente, o que percebemos é que, apesar de haver esses documentos que visam promover a igualdade racial e combater o preconceito, notamos que a tipificação do crime como tal depende das autoridades policiais e judiciárias, que fingem não ver crime nos casos em que o racismo acontece e ele muitas vezes é disfarçado de opinião, mal entendido e, quando muito, de injúria racial”, é o que diz Pablo Moreno.
Eduardo Viana, Mallu Caetano, Jahi Amani, Evelin Ramos e Amanna Nunes, militantes do movimento negro que contribuíram para a reportagem.
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É cômodo julgar ou estabelecer limites, além de criticar os ditos privilégios com os quais algumas pessoas são beneficiadas. Tais privilégios, entretanto, quando analisados e estudados, mostram que ainda há muito a se fazer. Foram mais de 400 anos de escravidão e subjugação de uma parcela da população. A Constituição é, de fato, ainda muito recente e a dívida com o povo negro ainda é muito grande. Não seria correto dizer que ela um dia vá acabar, pois a história do Brasil foi construída em cima de muito sangue de pessoas escravizadas. Pode-se dizer, porém que existe a dívida e ela sempre deverá ser lembrada nos livros de história, mas que sejam escritos mais capítulos enaltecendo a força do povo negro e a redenção de um país com uma população historicamente injustiçada. “Há um interesse do poder público em deixar que as leis que visem promover a igualdade do povo negro fiquem somente no papel e isso pode ser explicado, novamente, pelo argumento de que os governantes são - em sua absoluta maioria - brancos, os legisladores também, assim como os membros do poder judiciário. Sendo assim, as estruturas permanecem e o racismo perdura”, finaliza Pablo Moreno. C!
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Afinal, O que querem as mulheres? No Brasil, a busca das mulheres pela igualdade de direitos atravessa séculos e, apesar de alguns avanços, os índices de violência ainda apontam para uma realidade cruel: uma mulher morre a cada duas horas no país. A luta não é por privilégios, mas pela garantia de viver em segurança, ou, no mínimo, viver.
Reportagem Juliana Carvalho Rafaela Queiroz Tania Scher Tuila Dias
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o final do século XIX, durante a elaboração da Constituição brasileira de 1891, já se falava em tornar legal a participação feminina na vida pública por meio do voto, mas, somente em 1932, foi permitido o voto feminino e a candidatura de mulheres para cargos políticos, ainda que com restrições. Alguns anos mais tarde, em 1946, o voto se tornou obrigatório para todas as mulheres. A atuação política em cargos de representação, desde então, é lenta. Com o fim do Regime CivilMilitar, na década de 1980, e a possibilidade de eleger representantes mulheres por voto direto, houve um avanço significativo. Tal representação, entretanto, ainda é limitada e cerceada, entre outros fatores, por uma série de desigualdades impostas aos gêneros. Através da criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), em 1985, junto ao Ministério de Justiça, começaram a se desenvolver políticas públicas para melhorar a condição da mulher. O órgão lutava - e ainda luta - pela representatividade feminina na política e foi responsável por promover campanhas de adesão e participação de mulheres na vida legislativa durante a redemocratização do país. Com esse intuito, o Conselho lançou, um ano após sua criação, a campanha “Mulher e Constituinte”. Com o slogan “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”, o grupo deixou claro o motivo da mobilização: a participação direta das mulheres na elaboração da Constituição de 1988. A repercussão da campanha gerou resultados e, nas eleições de 1986, entre 166 candidatas, 26 mulheres foram eleitas para a Câmara dos Deputados, de 16 estados brasileiros. Embora poucas, elas foram cruciais no avanço da representação feminina no Parlamento. Naquele ano, de 1,9% foram para 5,3% do total de cadeiras ocupadas. A partir dessa mobilização social, surgiu também a “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”. No documento, estavam compiladas as principais demandas das mulheres brasileiras que serviram de base para a elaboração do novo texto constitucional. Era o início de inúmeras reivindicações, que agora eram representadas por uma bancada feminina. As 26 deputadas constituintes eram uma novidade na Câmara, um lugar até então dominado por homens.
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Além de despertar a curiosidade, as deputadas tinham suas capacidades políticas regularmente postas em cheque. Surgiu então o “Lobby do Batom”, um movimento em torno dos direitos das mulheres, cujo nome partiu de um deboche, usado de maneira depreciativa nos corredores do Congresso, reproduzindo uma lógica machista, ao questionar que mulheres pudessem debater e propor soluções para grandes temas de interesse nacional. O que era escárnio, passou a ser enfrentamento e a bancada feminina assumiu o nome. O “Lobby do Batom” era formado pela união do CNDM, por ativistas feministas (como Comba Marques Porto e Gilda Cabral), pelo movimento feminino (uma reunião de clubes de mães, associações de bairro e grupos de mulheres articulados em sindicatos, partidos políticos, entidades religiosas, dentre outras agremiações) e pelas 26 deputadas federais constituintes. Embora as deputadas não formassem um grupo homogêneo em suas orientações políticas, que iam da direita à esquerda, elas precisaram aprender a atuar de forma coesa para viabilizar suas reivindicações. “Em sua maioria, a bancada feminina demonstrou participação avançada e progressista, procurando entendimento além dos partidos políticos, numa demonstração de independência política”, explica Natália Lisbôa, doutora em Direitos Humanos e professora na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).
Nós somos metade da população, parimos a outra metade, mas ainda assim vivemos múltiplas opressões históricas que são difíceis de reverter”. Débora Queiroz Das três mil emendas propostas pelo lobby, 80% foram aprovadas. Ficaram de fora, por enfrentar resistências conservadoras, temas do campo dos direitos sexuais e reprodutivos, em particular a legalização do aborto. Com a promulgação do novo texto constitucional, em 1988, algumas demandas foram finalmente contempladas, como: a igualdade jurídica
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entre homens e mulheres; a ampliação dos direitos civis, sociais e econômicos; a igualdade de direitos e responsabilidades na família; a licença-maternidade de 120 dias; o direito à posse de terra ao homem e à mulher; a igualdade de direitos e de salários entre homem e mulher; os mecanismos para coibir a violência doméstica; a definição do princípio da não discriminação por sexo e raça-etnia; a proibição da discriminação da mulher no mercado de trabalho e o estabelecimento de direitos no campo da reprodução humana.
A violência persiste Três décadas após a constituinte, as mulheres ainda estão submetidas a suportar uma sociedade desigual, injusta e machista. Os dados de violência contra a mulher colocam em dúvida a efetivação das leis conquistadas nesses 30 anos. Mesmo com certo respaldo constitucional, a população feminina continua sendo alvo de ataques covardes em quaisquer ambientes, assim como assinala Débora Queiroz, presidente da União Brasileira de Mulheres Regional de Ouro Preto (UBM-OP): “Nós somos metade da população, parimos a outra metade, mas ainda assim vivemos múltiplas opressões históricas que são difíceis de reverter”. Luzia de Souza Moreira, 55, sofreu violência em sua própria casa, por cerca de 14 anos. Logo após o nascimento de sua primeira filha, Luzia começou a ser alvo de agressões físicas e psicológicas de seu esposo. Trabalhador em um açougue, o homem tinha diversas facas em casa, destinadas a cortar a carne de animais e a fazer ameaças à Luzia. “Ele pegava as ferramentas de trabalhar e colocava debaixo do travesseiro, para depois que eu dormisse, ele me matar”, conta. Depressiva, Luzia chegou a tomar remédio controlado e pesava 38 quilos. Sentia medo de denunciá-lo para a polícia, os vizinhos ou até mesmo a família. “Eu não queria que minha família ficasse sabendo, e nem queria também que a polícia fosse na minha casa, porque ele falava comigo que se a polícia prendesse ele, no dia seguinte, ou quando saísse da cadeia, ele me matava”. Um dia, o marido de Luzia foi embora para outra
cidade e, finalmente, a deixou em paz. Anos após, voltou à cidade onde ela mora, Teixeira de Freitas, no extremo sul da Bahia, e ameaçou, novamente, matála. Ele morreu há nove anos. “Eu sofro até hoje. Nesse tempo todo, eu não consegui ter mais ninguém na minha vida. Pra mim, eu sei que não é, mas no meu modo de pensar, todos os homens são iguais a ele”. Dona Luzia teve três filhas, pelas quais ela pede, em orações, que Deus não as deixe viverem o que ela viveu durante o casamento. Sua história não é a única no país em que, a cada duas horas, uma mulher é morta, sendo a maioria das mortes causadas por parceiros. Em 2017, foram 4539 mulheres vítimas de homicídio. Apesar de acreditar que a consciência da mulher tem se modificado positivamente em relação a reconhecerse vítima, Laura Muller, 31, aponta que o acolhimento à essas vítimas ainda é muito precário. Ela sofreu abuso sexual aos 9 anos e aos 15 foi estuprada de forma violenta por um completo desconhecido, em Santa Maria (RS). “O acolhimento às vítimas de violência, seja ela sexual ou não, ainda é muito precário e eu sofri essa violência já tem 15 anos. Eu trabalho, milito e sou ativista, com muito orgulho, no combate à violência contra a mulher, e aí você pode imaginar todas as violências possíveis. Há mais de dez anos eu vejo isso acontecer e, infelizmente, pouca coisa mudou.” Quando ela foi à delegacia denunciar o estupro, acompanhada de sua mãe e uma enfermeira, não foi culpabilizada, o que ela considera “um ponto fora da curva” pois, geralmente, a falta de preparo em delegacias civis acaba por constranger as vítimas através de perguntas duvidosas. Porém, Laura sentiu julgamentos vindo da equipe médica e de pessoas envolvidas nos processos jurídicos. Através do projeto Fênix, Laura, que foi candidata à deputada estadual em Minas Gerais no último pleito eleitoral, auxilia mulheres vítimas de violência através de conselhos e indicações aos caminhos legais de denúncia. Mas ela aponta que a “lei sozinha não adianta” e defende que o combate à violência de gênero não pode ser apenas através de punitivismo, e sim começar nas escolas, na educação das crianças, através de aulas de educação sexual e na desnaturalização das várias violências contra a mulher.
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Em 2017, foram feitos 221.238 registros de violência que se enquadram na Lei Maria da Penha (11.340/2006). Ela prevê que violências psicológicas, patrimoniais, físicas ou sexuais sejam criminalizadas.
Modelos
No mesmo ano, foram notificados 60.018 estupros. Metade das vítimas(50,9%)são meninas de até 13 anos, adolescentes entre 14 e 17 anos são 17% das vítimas e 32,1% são mulheres maiores de idade.
Sabrina Pereira Ellen Camargo Ana Paula Santana Ana Maria Freitas
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No total, 4.539 mulheres foram vítimas de homicídio. Segundo o IPEA isso significa 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres. Quando adicionados os dados de violência contra mulheres negras, os números aumentam para 5,2 mortes para cada 100 mil habitantes.
Cerca de 1.133 casos de feminicídios foram registrados. Os estados com maiores índices são Roraima (9,5 para cada 100 mil mulheres), Goiás (8,4) e Mato Grosso (7,0). Os com menores índices são: Santa Catarina (3,2 para cada 100 mil mulheres) e São Paulo (2,7). Em 2017, a Lei 13.104/15, conhecida como Lei do Feminicídio, completou dois anos desde a sua promulgação.
Fonte: IPEA, 2017
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“A baixa representação das mulheres na política tem a ver com os dados de violência de gênero”, destaca Laura. Mudar as estruturas de uma sociedade é um desafio, e por isso, os movimentos e organizações de mulheres são importantes para criar um diálogo e uma constante reivindicação de direitos, mesmo que básicos. Nesse sentido, a ampla participação da mulher na vida pública torna-se emergencial. Em 2019, as mulheres passarão de 51 para 77 deputadas federais no Brasil - o número representa 15% da Câmara, percentual ainda longe da proporção ideal, pensando que a mulher constitui a metade da população brasileira. Além disso, o que parece um avanço não significa tanto quando a maioria das mulheres eleitas pertence a partidos conservadores. “Mais mulheres na política, mas que mulheres são essas? Nós precisamos de mulheres de luta. Não adianta a gente montar uma bancada de mulheres conservadoras. Isso não vai mudar as violências de gênero”, argumenta Laura.
Conquistas e desafios atuais Além das dificuldades apontadas para combater a desigualdade de mulheres na política, no quadro atual em que o país se encontra, é ainda mais complicado levar as pautas das mulheres às instâncias legislativas. Com a negação de uma parcela conservadora da sociedade e do Parlamento, planos de governo que consideram a legalização do aborto, por exemplo, afastam uma boa parte do eleitorado do país. “O aumento do contingente de mulheres nas instâncias de representação pode não significar, de fato, representatividade de pautas feministas. Falta reconhecimento da condição de vulnerabilidade das próprias mulheres legisladoras e alteridade dos homens para reconhecer as lutas das mulheres e votar por elas”, pontua a professora da Ufop, Natália Lisbôa. Por outro lado, Débora Queiroz, presidente da UBM-OP, aponta a necessidade de saber formular estratégias, sobretudo nesse momento delicado que o Brasil atravessa. “A Constituição foi um pacto federativo em 1988. O golpe e tudo que veio depois, solapou com tudo o que a gente conquistou. Então, a preocupação agora tem que ser não regredir mais. É uma questão estratégica”. Isso significa, na prática, que o momento atual tem sido marcado por uma luta contra o regresso do que já foi conquistado. Desde a criação da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres (SNPM), em 2003, foi possível caminhar para preencher as lacunas deixadas pela Constituição. Logo após a aprovação da Lei Maria da Penha, em 2006, que criminaliza a violência doméstica e busca
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erradicá-la, foi estabelecido um Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, no ano seguinte. Tal acordo teve por objetivo incentivar a criação de programas e ações, visando combater a violência de gênero nos estados. Débora nota que esses avanços têm a ver com a mobilização das mulheres, mas também com um projeto de país que era receptivo a esse tipo de diálogo. “Se não fosse um governo, em 2003, que decidiu criar uma Secretaria para as mulheres, debater a pauta das mulheres, fazer quatro conferências de políticas para as mulheres, não teria Lei Maria da Penha, nem arcabouço legal e estrutural; teríamos parado lá na Constituição e pouca coisa teria sido efetivada.” Em 2013 foi lançado o programa do governo federal “Mulher, Viver sem Violência”, pela então SNPM, que, dentre as ações estabelecidas para coibir a violência contra a mulher, bem como receber as vítimas, criou a Casa da Mulher Brasileira. O espaço, que deveria ser instalado em diversas localidades do Brasil, recebe vítimas de agressão, dando-lhes proteção, atendimento psicológico e auxiliando no processo de denúncia. É uma forma de incentivar as mulheres a prestarem queixa dos agressores, geralmente companheiros, e terem um local seguro para fazê-lo. Porém, cinco anos após o anunciamento da construção das Casas, de 27 prometidas, apenas cinco foram construídas e somente duas estão em pleno funcionamento. Mesmo com os vários percalços enfrentados, desde os anos 2000, tem sido latente a preocupação em se estabelecer leis que coíbam a violência e os abusos. Como exemplo de avanços significativos, foi sancionada a Lei Carolina Dieckmann, em 2012, que visa coibir crimes virtuais como a divulgação de imagens e vídeos íntimos de qualquer pessoa; a Lei do Feminicídio, de 2016, que coloca o homicídio movido por ódio às mulheres como uma modalidade de homicídio qualificado; e, recentemente, em setembro de 2018, foi sancionada uma inédita lei de importunação sexual, que pune os assédios cometidos na rua, criminalizando qualquer forma de importunação desta natureza que, geralmente, ocorrem em transportes e vias públicas. Claro, os avanços também trazem novos desafios, como o despreparo de profissionais da segurança e da saúde pública para lidar com denúncias de estupro, assédio e agressão. Para Laura Muller, o punitivismo não vai acabar com os crimes, ele pode, inclusive, piorar. “A pessoa acaba revoltada com um sistema onde vai para cumprir uma pena, e sai de lá transtornada, pior do que entrou. Só essas leis não funcionam, mas repensar esse modo de punição. Precisa pensar em educação, ser uma coisa transdisciplinar, ultrapassar algumas barreiras”, conclui. C!
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Em ato #EleNão, mulheres em Ouro Preto protestam contra o então candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL).
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LGBTQI+
Reportagem DeividD Oeiivid liveira Reportagem Oliveira Domingos Gonzaga Domingos Gonzaga IsabelyIsabely Pignonato Pignonato LarissaLarissa Venâncio Venâncio
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Imaginario cru Esquecidos pela Constituição de 1988, corpos LGBTQI+ reivindicam suas próprias identidades. Apesar de representar a diversidade, o estereótipo colorido é incapaz de traduzir todo o histórico de lutas, marginalização e silenciamento que ronda a comunidade.
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O que seria necessário não é só a criminalização, mas a criação de medidas educacionais, de uma pedagogia das diferenças, de uma educação que combata a LGBTQIfobia.” Christian Gonzatti
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cada dia surge uma nova expressão de gênero e sexualidade na comunidade LGBTQI+. A sigla aumenta. Os corpos diminuem. São corpos não identificados jogados pelas calçadas, no chão das avenidas, arrastados por carros, queimados, eletrocutados, torturados. Depois do golpe surpresa da lâmpada, o tiro, a pedrada, a mutilação, o cuspe, a porrada torna a imagem desfigurada mais agradável aos olhos. São 40 anos de luta. Quatro décadas dando a cara pra bater, caminhando de joelhos. Pagando alto por vestir a pele de si mesmo. O não ser, o desviante da “norma”, parece não ter lugar no mundo. Não cabe mais nos armários. A falta de amor e respeito engole os sujeitos que estão à margem da sociedade. Antes disso, faz questão de machucar. Estraçalhar. Colorir a bandeira com o sangue de quem só quer existir. A Constituição Federal esquece essa realidade. Ela prevê genericamente a inclusão social, mas sua efetividade prática, há 30 anos, é incapaz de abraçar a todxs. Aí quem sente as dores no corpo são xs que não foram aceitxs pela sociedade. Depois da descaracterização, todxs viram estatística. 153 mortes causadas pelo preconceito somente nos cinco primeiros meses de 2018. Uma morte a cada 19 horas em 2017, configurando um recorde de que o país não tem motivos para se orgulhar. Hoje, o alfabeto da diversidade se reduz à gramática do medo.
Corpos LGBTQI+ estão na Constituição? O professor de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Alexandre Bahia, coloca a Constituição como um documento mantenedor da igualdade de todos os cidadãos, porém destaca a fragilidade do legislativo para avançar nas conquistas em prol dxs pertencentes à sigla LGBTQI+. Segundo ele, a Constituição proíbe a discriminação de qualquer caráter e se coloca como um documento aberto para incluir novas propostas. “A Constituição traz o piso dos direitos elementares, não o teto”, enfatiza. Dessa forma, a Carta Magna almeja colocar em um mesmo degrau todos os cidadãos e, nesse sentido, o Art. 5° do documento abrange o ideal inclusivo pregado subliminarmente ao estabelecer que “todo ser humano tem direito pleno ao respeito à sua integridade moral e física.” Entretanto, para agregar todas as pessoas é necessária uma leitura do documento de forma que contemple as pessoas LGBTQI+. Se observarmos os direitos conquistados ao longo de todos esses anos, como o direito ao casamento e união estável, observaremos que a maior parte das conquistas são demandas alcançadas
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através do jurídico, sem respaldo do legislativo. “Uma decisão do STF talvez seja mais fácil de mudar, enquanto uma lei aprovada gerasse maior estabilidade e segurança”, complementa Alexandre. Dentre todos os avanços obtidos, o mais básico e que atravessa a busca por direitos é o desejo de reconhecimento. Os sujeitos LGBTQI+ querem deixar de ser vistos como uma categoria descolada do resto da sociedade. Ou como portadores de uma patologia, desvio, DSTs ou transtorno sexual. A todo momento, os movimentos reivindicatórios buscam por inserção desses indivíduos no cerne social, de uma maneira concreta, palpável. De uma forma que desvincule qualquer associação negativa ou fantasiosa sobre o imaginário que ronda a comunidade. Na Constituinte do final da década de 1980, os debates sobre os direitos LGBTQI+, incorporados pela Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, reivindicavam essa inserção. O grupo carioca Triângulo Rosa regeu as convenções com o intuito de inserir no artigo 3, inciso 4 da Constituição o termo “orientação sexual”. A mudança no vocábulo era uma das reivindicações do então chamado Movimento de Liberação Sexual, que propunha o “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” A presença da expressão no texto seria uma das maneiras de desmistificar as formas de vivência dos sujeitos dessa comunidade como “fruto de uma escolha pessoal”. A utilização final do termo “opção sexual” não contemplou a sexualidade como um aspecto inerente dos sujeitos.
LGBTFobia, redes digitais e ativismo Em 1614, o índio Tibira, da tribo dos Tupinambás, foi condenado por ser homoafetivo. Seu corpo foi colocado em um canhão e despedaçado. Tibira foi a primeira vítima de LGBTQIobia registrada no Brasil. De lá pra cá, os registros seguem assustadores. Quando notificados, os casos apontam para a fragilidade em que vive a comunidade LGBTQI+. Apesar de possuírem circunstâncias jurídicas específicas, as histórias tendem a um caráter comum: a crueldade dos crimes. Matar parece não ser o bastante. É preciso antes desumanizar os sujeitos através da tortura. O Art. 5º, inciso XLI, da Constituição prevê que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. No entanto, a ausência de leis específicas que criminalizem a LGBTfobia atrapalham o mapeamento dos casos.
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O estado de Pernambuco criminalizou a homofobia em 2013. Entretanto, o projeto é pioneiro e não condiz com a realidade do resto do país. Segundo dados de 2017 do Consulado da França no Brasil, o cenário é outro em 43 países que tratam esses crimes com uma legislação própria. Em 2006, o Projeto de Lei da Câmara nº 122, protocolado pela ex-deputada federal, Iara Bernardi (PT), propunha a criminalização da homofobia, porém a proposta foi arquivada ao final da legislatura. De acordo com o site Huffpost Brasil, quatro projetos de lei sobre o tema tramitam atualmente. Ainda segundo o portal, a falta de uma tipologia específica atrapalha a resolução do problema. Isso significa que os crimes não são penalizados da forma como deveriam. E mais ainda, contribui para o abismo em relação ao levantamento de dados, o que torna a luta contra a LGBTQIfobia um conflito às escuras. Para o doutorando em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Christian Gonzatti, 25, a criação de uma lei que criminaliza a LGBTQIfobia é um passo, mas ele por si só não é efetivo. “O que seria necessário não é só a criminalização, mas a criação de medidas educacionais, de uma pedagogia das diferenças, de uma educação que combata a LGBTQIfobia”, explica. Christian estuda temas que envolvem o ativismo em plataformas digitais, gênero e homofobia em rede.
Ele conta que o desejo de anulação do outro atrelado à emergência de discursos de ódio cresce no país. “Amigos e amigas próximas estão recebendo ameaças. Eu já recebi um discurso ameaçador na rua.” Segundo ele, diante do atual contexto político, novas estratégias são necessárias para modificar o cenário de desigualdades, como a adesão de homens heteroafetivos no debate, a valorização de produções de mulheres, negros, LGBTs e a aproximação da academia com a população. A mediação feita pela internet legitima pensamentos discriminatórios devido à potência do ambiente digital. Christian propõe que as redes digitais, como o Whatsapp, corporificam ideias passadas que vão se adequando aos novos espaços de sociabilidade.“ O fascismo, os ideais de anulação do outro, o fechamento ao diálogo, o sexismo desenfreado, o machismo, racismo, LGBTfobia, a criação de um inimigo comum” encontraram no digital um meio para violentar os sujeitos. Se por um lado, a internet abriga movimentos com traços de origem fascista, por outro, ela evidencia o surgimento de grupos de resistência e mobilização. Um perfil criado no Instagram intitulado “Ele não vai nos matar” já soma mais de 100 mil seguidores. O objetivo da conta é denunciar os locais onde ocorreram agressões contra LGBTs. Além desta, há outras iniciativas em rede que buscam uma transformação mais cidadã do social, como eventos que se organizam para combater mentes odiosas.
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Movimento Corpo
Adoção: uma possibilidade de afeto
Há pessoas que desafiam a ordem vigente e fazem do corpo uma ferramenta de luta política. Ser corpo e não ser peso na sociedade é mais que bradar um sonoro “Eu existo e não quero ser estatística,” é resistir na trincheira do caos. O rompimento das noções de como os corpos devem se comportar é um fator presente nas causas LGBTQI+, que reivindicam, entre outras coisas, o direito de não corresponder a um molde de corpo e comportamento. Na linha das pessoas que utilizam a performatividade para romper os estigmas, está o cantor e ator Marcelo Veronez, 37. Para ele, a questão LGBTQI+ é mais que um movimento, é um corpo. Ele considera que o corpo sempre estará presente em sua arte. “Meu corpo se transforma nessa pessoa que se apresenta em público com esta bandeira”, enfatiza Marcelo. Além de existirem, esses corpos que desafiam o discurso vigente possuem rosto. O exercício de humanizá-los é para mostrar que eles também importam. Trazê-los para o debate é necessário para combater a falta de informação nas escolas e nas delegacias, já que o despreparo possibilita uma abordagem genérica sobre orientação sexual e identidade de gênero. Ambos aspectos essenciais para que as vítimas de agressões tenham atenção e respeito necessários. Tal como colocado por Marcelo: “A existência precisa vir antes da resistência, a gente está aqui pra existir e a gente resiste em alguns aspectos”. Outra agente de luta é a drag Eva D’Gênesis, personagem criada por Dinelli Félix, 27. O artista idealizou a personagem como possibilidade de quebrar estigmas. Para ele, “não é preciso estar em uma forma para ser aceito”, por isso ele optou por manter marcas de gênero, como a barba, enquanto performa sua Drag. Apesar de reforçar a necessidade de expressar-se, Dinelli demonstra os calafrios que o resultado das eleições de 2018 causou. O receio de sair na rua muitas vezes impede o artista de transitar tranquilamente nos espaços públicos caracterizado como Eva. Um ato que antes era corriqueiro se transformou em sinônimo de medo.
O processo de adoção por pessoas do mesmo sexo foi concedido após a regulamentação do casamento civil pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A possibilidade de adoção colocou todxs como portadores dos mesmos direitos e deveres. O casal Adélia Carvalho, 42, atriz e professora e Ana Jardim, 49, historiadora, tinham como sonho compartilhar o amor e ter filhos. Juntas desde 2001, elas decidiram se casar no civil após serem informadas que o processo de adoção poderia se tornar mais fácil. Como forma de simplificar o percurso, o casal realizou a união civil em dezembro de 2014. Instantaneamente, após verbalizar o desejo de se casar no cartório, foram atendidas. O casal ainda se surpreendeu com a rapidez do atendimento e ao vislumbrar nos campos de assinaturas do documento as inscrições “Cônjuge 1” e “Cônjuge 2”, não os moldes engessados feitos exclusivamente para casais heteroafetivos. Logo após a união, deram entrada no processo. A espera foi de aproximadamente sete meses. Cientes de seus privilégios sociais, elas relatam que por serem um casal de mulheres, o percurso foi menos desgastante. Um dos fatores evidenciados é a associação da figura feminina ao cuidado, uma visão sexista que estigmatiza as mulheres e, por outro lado, cria dificuldades para casais gays realizarem a adoção. Exigências de cor, raça, sexo são fatores que dificultam a adoção e fazem com que o período seja estendido. Como não fizeram exigências nesse sentido, as mães de Francisco e Miguel tiveram prioridade quando os gêmeos foram encaminhados para a adoção. Antes de iniciarem o processo, pensaram muito sobre barreiras que poderiam ter no caminho. Chegaram a se questionar “O que nós fizemos com eles?”. O receio hoje é de retrocesso.
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Uma ruptura no horizonte A liberdade pregada na Constituição não pode ser grafia esquecida em muros. A pauta LGBTQI+ precisa valer-se do documento como um fundamento, para legitimar como cidadãos os sujeitos que fazem parte da sigla. Estar na Constituição é algo de extrema importância, mas ter visibilidade, ser considerado sem necessidade de travar guerras para ter voz, é um caminho ainda a ser percorrido. Ser LGBTQI+ no Brasil representa resistir à “Operação Limpeza” realizada no centro de São Paulo, pelo delegado José Wilson Richetti, em junho de 1980, levando ao menos 1,5 mil pessoas à prisão. Ter olhos e ouvidos abertos para esbravejar contra o “Projeto de Cura Gay”, protocolado pelo deputado federal do PSDB de Goiás, João Campos, em 2011. É uma batalha constante pela aplicabilidade desta Constituição de uma forma que abranja a todxs.
E agora, mais do que nunca, é necessário apoiar-se na Constituição para que os próximos anos sejam de “solução pacífica dos conflitos, de repúdio ao terrorismo, de pluralismo político para construir uma sociedade livre, justa e solidária em que prevaleça os direitos humanos”, como proclama o próprio documento. A igualdade falaciosa presente em papéis legais não pode ser utilizada como exemplo aplicável no dia a dia. Dentro da própria sigla LGBTQI+ há pessoas que reivindicam sua identidade para não serem acomodadas em nenhum imaginário que rodeia a comunidade. A própria sigla não suporta mais as possibilidades que o corpo oferece. Todo o esforço de colocar os seres em categorias fixadas resultam em algum nível de exclusão. Segue-se almejando romper as formas de nomear os indivíduos, tentando não categorizá-los. Busca-se o cru.
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