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Regina Parra

O gosto do vivo, 2023. © Regina

DIALOGANDO COM DIFERENTES CAMPOS

CRIATIVOS, A ARTISTA REGINA PARRA

TRANSFORMA A PINA ESTAÇÃO EM ESPAÇO

CÊNICOPARACONTARAHISTÓRIADEPAGÃ,UMA

MULHER QUE ABDICA DE UMA VIDA

SOCIALMENTECONFORTÁVELEINICIAUMRITUAL DE DESCOBERTA E TRANSFORMAÇÃO DE SI E DO

SEU CORPO. O PROJETO EXPERIMENTAL FALA

SOBRE O CORPO FEMININO, SEU PRAZER, LIBERDADE E INSUBORDINAÇÃO

Cortesia Millan.

POR REGINA PARRA

“A ideia de surgiu a partir de uma pesquisa em torno das tragédias gregas. Descobri que os gregos têm um vocabulário muito maior para expressar dor e lamento. Na maior parte das traduções, essas nuances e sutilezas de expressões se perdem, uma vez que não temos palavras para traduzir. No português, por exemplo, todas expressões de lamento acabam sendo traduzidas para “ai de mim”. E com isso perdemos a curva da personagem e suas nuances de sofrimento.

Tradutores e tradutoras contemporâneos estão se atentando a isso e, em vez de aplainar tudo para “ai de mim”, estão optando por manter o termo original em grego – que aparece quase um ruído no meio do texto. Apesar de não sabermos a tradução daquele termo, identificamos que é uma das muitas expressões de dor intraduzíveis e, como leitores, tentamos dar nossa própria versão ou tradução.

Fiquei fascinada por essas expressões e convidei o compositor norteamericano Ian Gottlieb para criar uma composição musical usando essas expressões gregas como partitura. O resultado é o dueto . Convidei então as performers Stephanie Lucchese e Luisa Alcantara para cantar esse dueto. E a estilista Marina Dalgalarrondo para criar o figurino.

A partir do fato de que a performance seria estática e cantada, com as intérpretes uma de frente para a outra, optamos por fazer sobressair a boca: tampando todas as extremidades e deixando apenas a boca aparecendo, destacando o trabalho vocal. Os dois figurinos foram inspirados em drapeados gregos que contornam os corpos de forma a não aparecer qualquer espaço de pele, deixando apenas a boca à mostra. Para dar ainda mais destaque a essa parte do corpo, o rosto foi inteiro pintado de branco, com boca e dentes em vermelho, como se o lamento saísse pela boca.”

Convidei o coreógrafo

Bruno Levorin, com quem eu já tinha trabalhado em outro projeto em2018, para me ajudar nessa pesquisa. A ideia era criar uma coreografia sutil e precisa que enfatizasse essa respiração ofegante, mas também trouxesse afeto e cuidado. A bailarina Maitê Lacerda e a atriz May Tuti se juntaram a nós e deram corpo a essas duas mulheres-cabras que se conectam pelo toque e pela troca de ar. Chamei mais uma vez a Marina Dalgalarrondo para o figurino. E, nesse caso, o desejo era fugir da premissa teatral e trazer elementos da moda. Marina criou peças com couro que foi rasgado, desgastado e pintado, e então remodelado, com cortes e aplicações, finalizado por uma grande capa nas costas dos figurinos, feito com o próprio pelo da cabra.”

“Essa grande pintura surgiu de um desejo antigo que pareceu propício à cena final da exposição . Há uns três anos, tenho trabalhado com pinturas que trazem versões de naturezas mortas. Digo versões porque enxergo e trato as frutas nas minhas pinturas como corpos, como entranhas. Em queria trazer a imagem desse grande gozo, um êxtase que acontece pelo corpo e não negando o corpo. A pintura tinha que ser grande o bastante para que o público pudesse mergulhar nela e participar desse delírio. Convidei Malka Bor, Luiza Rolla e May Tuti, três atrizes que toparam criar essa cena comigo. E a Thany Sanches me ajudou com as fotos e a produção. Eu queria fazer essa cena em um teatro porque a luz é sempre muito importante para mim. Levamos uma piscina inflável para o palco do Teatro do Centro da Terra e a enchemos com frutas e uma mistura de água e farinha, criando uma aparência leitosa. Escolhi as frutas mais moles, ou seja, que pudessem ser mais facilmente despedaçadas e mescladas. As atrizes entraram nessa piscina com as frutas e seguimos criando movimentos e interações que pudessem trazer essa imagem de sedução, êxtase e gozo.” nessas imagens em 2021, quando estava estudando o texto da Clarice Lispector e começando a desenhar a exposição da Pinacoteca. Queria trazer pinturas que pudessem ser lidas em sequência, como fragmentos de um ritual ou de uma iniciação. Também queria trazer uma natureza que não fosse óbvia e completamente familiar. Estava mais interessada nesse encontro/confronto com uma natureza misteriosa e ameaçadora. E encontrei isso na vegetação da região Norte do Maine (EUA). Para o figurino, escolhi uma saia de couro natural e grosso que parece não pertencer a época alguma ou tempo específico.

O processo de criação dessas pinturas é parecido com o de outras séries que tenho criado desde 2018. É como se as pinturas fossem a documentação de uma performance que aconteceu, mas que só pode ser vista por meio da pintura.

O processo dessa performance acontece da seguinte maneira: depois de eleger as intenções, escolher a locação, o figurino e também alguns elementos que podem ou não entrar nessa encenação, eu inicio um processo de experimentação/improvisação. Como uma tentativa de encontrar no corpo, gestos, movimentos e ações que podem traduzir o que estou buscando. Um ritual que entendo como “in-cenar, in-corporar, in-carnar”. Essa performance experimental geralmente dura entre três e quatro horas ininterruptas e uma câmera colocada em um tripé grava toda a cena. Eu costumo esperar ao menos alguns dias para assistir a essa gravação para tentar ter um olhar mais fresco diante de tudo. Depois de assistir, tento selecionar gestos, movimentos e ações que farão parte da composição da pintura.”

É preciso

REGINA PARRA: PAGÃ •

EDIFÍCIO PINA ESTAÇÃO • SÃO PAULO • 1/4 A 13/8/2023

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