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LIU XIAODONG

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RESENHAS

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LIU XIAODONG: BORDERS É A MAIS NOVA EXPOSIÇÃO DO PINTOR CHINÊS, FAMOSO POR OBRAS QUE REGISTRAM A DRAMÁTICA VIDA DAS PESSOAS COMUNS

POR ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA

". Liu Xiaodong

A ARESTAS DO MUNDO fronteiras, sussurrem-nos que repensar os espaços é Exibida no Dallas Contemporary (Texas), a mostra reúne pinturas, anotações de diário e vídeos desenvolvidos a partir de centenas de desenhos, fotografias e filmagens que o artista angariou em duas viagens de pesquisa por cidades da fronteira EUA-México, em 2019. A mostra traz ainda o documentário sobre a experiência dele na região, filmado pelo cineasta Yang Bo. Assim, o público da mostra compartilha de modo vívido as descobertas das viagens. Adepto da pintura figurativa na qual o espectro fotográfico domina, Xiaodong é um pintor da vida contemporânea. Ele caminha entre o artifício e a realidade; entre fato e ficção. Suas obras servem como

lJuarez At the Casa del Migrante in Juárez, 2019,(Detalhe) Ex. UniqueCourtesy the artist and Massimo De Carlo, Milan/London/Hong Kong

Chatting, 2020.

uma espécie de pintura histórica para o mundo emergente. Ele se preocupa com aqueles que foram deixados para trás pela modernização e globalização; ele está atento às arestas, às margens e aos ignorados. Seu compromisso de “ver as pessoas como elas realmente são” aponta para o legado do realismo socialista chinês; suas composições em grandes telas têm pinceladas soltas e camadas espessas de tinta a óleo que dão força e significado às cenas. E por que a escolha pela fronteira EUA-México? Talvez, Xiaodong tenha se motivado pela célebre frase de Porfírio Díaz: “pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos EUA”. Nada mais limítrofe do que as relações entre o centro do capitalismo, representado pelos EUA, e a periferia, evidenciada pelo México. Mas o nosso artista não está restrito às demandas econômicas ou às ideologias; ele segue atrás da complexidade dos lugares. Durante as viagens de pesquisa, Xiaodong se inseriu nas comunidades da região, residindo temporariamente em cidades, tais como, Eagle Pass, Piedras Negras, El Paso, Ciudad Juarez, Laredo, Nuova Laredo e Marfa – o que lhe interessa são as consequências das questões transnacionais sobre os cotidianos.

A Wall that Can Turn Around, 2019.

Não é de hoje que ele “vai a campo” para conhecer outras culturas e realidades –aqui a expressão não é de graça! Em muitos trabalhos, ele se instala ao ar livre, em um estúdio provisório, colocado em local improvisado, e permanece nessa residência algumas semanas ou meses. Foi assim que ele retratou a vida na China, Itália, Cuba, Japão, Coreia, Índia, Tailândia, Indonésia, Alemanha, Grã-Bretanha e Groenlândia. Em cada projeto, o pintor se confronta com a vida comum das populações locais e os efeitos dos fluxos globais, incluindo, nessa categoria, crises ambientais, turbulências econômicas e grandes intervenções urbanas. As impressões dele emergem em pinturas, diários e documentários. Em 2012, esse esforço do artista resultou, por exemplo, na série , com imagens sobre a região de mineração de jade da província de Xinjiang, além de obras que registraram as comunidades deslocadas pela Barragem das Três Gargantas no rio Yangtze, zonas de conflito israelense-palestinas, paisagens sul-africanas, os povos do Tibete, trabalhadores siderúrgicos de Bangladesh e o cotidiano de profissionais do sexo, órfãos e desabrigados. Nesse percurso, uma das pinturas mais conhecidas é 2010), que traz como tema central

sete mulheres jovens em uma paisagem de Sichuan, região atingida por um terremoto devastador dois anos antes, no qual 23 mil pessoas perderam as vidas. Com atenção à humanidade dessas mulheres, Xiaodong lhes atribui traços fortes, ao passo que, ao segundo plano, está a cambaleante e destruída paisagem. O desejo de revelar a história por traz da imagem pode ter vindo da origem de nosso pintor. Liu Xiaodong nasceu em 1963, em Jincheng, uma cidade industrial no norte da China, dependente da manufatura de papel e celulose – anos mais tarde, o artista voltou à cidade natal para retratar amigos e familiares em um lugar em decadência pelo fechamento da fábrica de papel. Voltando à biografia do pintor: na tentativa de um futuro diferente e mais promissor, os pais dele o enviaram, aos 17 anos, para morar com o tio, que havia se formado em pintura. Em Pequim, Xiaodong aprendeu a usar aquarelas para copiar os mestres britânicos e a tradicional escola de pintura russa. Em 1980, foi admitido na Escola Secundária afiliada ao Instituto Central e, posteriormente, frequentou a Academia Central de Belas-Artes, onde se formou em 1988. Durante o tempo na Academia, estudou pintura a óleo e foi então profundamente influenciado pela tradição do realismo socialista. Porém, o jovem pintor viveu a ruptura do chamado movimento de 1985, marcado pela influência da arte moderna ocidental. Somem-se às inovações estéticas as manifestações estudantis de 1989 e o massacre da Praça Tian An Men. De 1993 a 1994, Xiaodong passou vários meses pintando e viajando pelos EUA, onde se casou com o artista Yu Hong. Ao retornar à China, tornou-se professor do Departamento de Pintura a Óleo da Academia Central de Belas-Artes.

Out of Beichuan, 2010. Courtesy the artist and Massimo De Carlo, Milan/London/Hong Kong.

Asphalt Air and Hair, 2017, ARoS Triennial THE GARDEN, Dänemark © Katharina Grosse und VG Bild-Kunst, Bonn, 2019. Foto: Nic Tenwiggenhorn.

Policemen in the Park, 2019. Courtesy the artist and Massimo De Carlo, Milan/London/Hong Kong

Alguns críticos encontram nos trabalhos dele forte influência de Lucian Freud, pintor e desenhista, especializado em arte figurativa, conhecido como um dos principais retratistas do século 20. Os retratos de Freud são densamente empastados, muitas vezes inseridos em interiores e paisagens urbanas inquietantes – características que, talvez, sejam traços semelhantes entre os dois pintores. Porém, as obras de Freud são conhecidas pela penetração psicológica e sensação desconfortável entre artista e modelo. Ele era conhecido por pedir sessões extensas e punitivas aos seus retratados. Já Xiaodong faz o exercício da empatia entre pintor e modelo. Quando se instala em algum lugar, estabelece laços de amizade com os locais; ele escreve em seus diários todas as pequenas impressões sobre aquela realidade. Ele afirma que “o público vai olhar para minha arte e pensar em si mesmo”. Em algumas entrevistas, nosso pintor se diz inspirado por Paul Cézanne. Esse aspecto nos parece verossímil, quando observado o tratamento da paisagem em suas telas. Nelas, o

A MEXICAN Family, The MARTINEZ, 2019.Courtesy the artist and Massimo De Carlo, Milan/London/Hong Kong.

profundo estudo e os valores plásticos evocam “o pai de todos nós”, como diriam Picasso e Matisse. O trabalho ao “ar livre” também é outro indicativo herdado de Cézanne. Nós últimos cinco anos, Xiaodong tem colaborado com uma equipe de tecnologia para pintar remotamente com robôs. As explorações multidisciplinares dele não apenas chamam a atenção para a vida das pessoas comuns, mas também desafiam os limites da pintura tradicional. Assim, ele criou uma máquina de pintura automatizada. Em (2016), nosso pintor transformou um vídeo digital em fluxos e, depois, em pinceladas. Tudo isso em tempo real, formando, então, um novo corpo de pinturas. Nesse sentido, ele reavalia a pintura na era da e do algoritmo, invocando a condição presente, na qual humanos e outros objetos co-criam reciprocamente o mundo. Na exposição as telas de Xiaodong documentam os indivíduos e a sociedade contemporânea em curso nos dois lados do Rio Grande. Suas pinturas se tornam mensagens contra os estereótipos e contam histórias pessoais que ele testemunhou durante o tempo vivido na fronteira. Entre essas histórias, merece destaque o encontro com o xerife Tom Schmerber e família – mesmo discordando da política agressiva de fechamento à época, o xerife tinha como tarefa impedir a entrada de imigrantes no território norte-americano – essa dicotomia tão humana surge nos trabalhos de

Boundary River, 2019. Courtesy the artist and Massimo De Carlo, Milan/London/Hong Kong.

Xiaodong. Desse modo, o pintor descreve um lugar rico por sua diversidade, onde os valores familiares e coletivos formam a base da comunidade. Adjacente ao tema de , há os recentes episódios da história dos EUA: o emblemático muro entre as fronteiras, as políticas anti-imigração, o conflito entre policiais e imigrantes e, por fim, a saída da extrema direita da presidência – algo que pode mudar a atual situação fronteiriça. tem curadoria partilhada entre o artista e Peter Doroshenko, diretor executivo do Dallas Contemporary. Originalmente, estava programada para abril de 2020, porém, os acontecimentos decorrentes da pandemia ocasionada pelo coronavírus transferiram a abertura da mostra para 2021. Durante esse intervalo, Xiaodong e família não regressaram à China, passando uma temporada forçada em Nova York. Desse isolamento, novas obras surgiram, mas essas contam outra história.

Alecsandra Matias de Oliveira é doutora em Artes Visuais pela ECA USP (2008). Professora do CELACC ECA USP, membro da ABCA e pesquisadora do Centro Mario Schenberg de Documentação da Pesquisa em Artes. Autora do livro Schenberg: crítica e criação (EDUSP,

LIU XIADONG • BORDERS • DALLAS CONTEMPORARY ART • TEXAS • EUA • 30/1/21 A 30/5/21

In Marfa, 2019. Courtesy the artist and Massimo De Carlo, Milan/London/Hong Kong.

BRUCE

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