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WASHINGTON DA SELVA
CONHEÇA A DELICADA E CONTUNDENTE OBRA DO ARTISTA WASHINGTON DA SELVA, UM DOS DOIS VENCEDORES DO PRÊMIO DASARTES 2021 PELO VOTO POPULAR
POR LEANDRO FAZOLLA
Em uma consulta ao dicionário, vemos que a palavra “origem” poderia designar o “ponto inicial de uma ação ou coisa que tem continuidade no tempo e/ou no espaço; ponto de partida; procedência”. Já na linguagem da matemática, uma sucessão de pontos é o que originaria uma linha reta. Quando me deparo com a poética de Washington da Selva, um dos dois vencedores do Prêmio Dasartes 2021 por voto popular, algo me faz retornar por diversas vezes às palavras origem e linha. No desfiar do trabalho do artista – que com uma simples troca de letras em seu sobrenome de batismo (da Silva) criou uma espécie de deslocamento ao forjar sua persona artística (da Selva) – parece que de alguma forma suas origens se fazem sempre presentes, sendo um dos pontos fulcrais de sua produção. Nascido na cidade do Carmo do Paranaíba, em Minas Gerais, filho de trabalhadores da terra (como ele gosta de chamar), Washington cresceu no modelo chamado de agricultura familiar, segundo o qual os próprios membros da família operam em diferentes funções da produção das terras. Arar, plantar, lavrar, colher, cultivar, ordenhar; todos esses verbosações eram pontos que se uniam na construção familiar de Washington. Esta origem no campo se reflete claramente na
Social jungle 1, 2019. Todas imagens: cortesia do artista.
Acima e à direita: Lastro, 2019.
série de trabalhos chamada , de 2019, composta por 30 comprovantes de registro de ponto que o artista acumulou em seu último emprego, com impressões de imagens de trabalhadores rurais exercendo algum tipo de trabalho braçal, colhidas no Acervo Digital do Museu da Imigração. O que poderia soar nostálgico em um primeiro momento, ganha também ares de reflexão sobre a precariedade do trabalho, as condições de emprego oferecidas a migrantes no Brasil, entre outras questões bastante pertinentes ao século 21. As formas de elaboração da poética do artista também acentuam esta densidade: não apenas os comprovantes já estão desgastados pelo tempo, como recebem impressões imperfeitas, com falhas, manchas que parecem contribuir no peso que tais objetos adquirem, em um limite tênue entre poesia, denúncia, memória e política.
Acima: Vick Rockets, (Vick Garaventa), 2011. À esquerda: The Shining, (Tom Inari), 2020.
Graduado no curso Interdisciplinar em Artes e Design e mestrando em Artes, Cultura e Linguagens na Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF, é importante refletir como Washington traz questões espinhosas a partir de uma visualidade tão delicada. Na série , transforma em bordados cenas obtidas pela câmera de segurança instalada na casa onde morava em sua cidade natal. Originalmente enviadas por sua mãe, as imagens ganham uma série de contrastes. Se por um lado, o bordado remete a uma tradição secular, que sobreviveu ao passar dos anos, Washington faz questão de emoldurar cada cena com o desenho de um celular, destacando personagens coloridas em uma paisagem prata e cinzenta do mundo contemporâneo. Se os registros trazem o cotidiano bucólico de uma cidade do interior, vale lembrar que tais imagens foram obtidas através de câmeras de segurança, o que traz de alguma forma um dado de violência iminente. Em meio à pandemia do novo coronavírus, que trancou a todos dentro das próprias casas, os bordados produzidos pelo artista se atualizam e remetem ainda a esse novo mundo impedido, onde o “fora” só
Á esquerda: Vendo lugares no vazio, 2018. Abaixo: Sonda nº 3 (queda), 2020.
nos chega mediado por telas. Entretanto, ao mesmo tempo em que tais telas parecem distanciar, são elas a costurar a distância entre esse núcleo familiar separado pelas normas de segurança em uma realidade pandêmica, a unir Juiz de Fora, onde atualmente mora e trabalha Washington, à Carmo do Paranaíba de sua infância. Tal qual na mitologia Teseu se embrenha por um labirinto tendo em mãos o fio de Ariadne que garantirá seu retorno, à medida em que avança em suas pesquisas, o artista e pesquisador aprofunda temas como trabalho, deslocamento e paisagem, desbrava novos caminhos (retos e sinuosos) em sua produção, sem, entretanto, nunca perder de vista os elementos que o ligam ao seu ponto de origem.
Leandro Fazolla é ator, historiador e produtor cultural. Mestre em Arte e Cultura Contemporânea, na linha de pesquisa História, Teoria e Crítica de Arte. Bacharel em História da Arte. Ator e produtor da Cia. Cerne, com a qual foi contemplado no edital Rumos Itaú Cultural.
Resenhas,
POR SYLVIA CAROLINNE
da mesma forma que vemos acontecer na rica proliferação de comunidades sertanejas, marcadas por sua unicidade. Bené Fonteles, artista com toque xamânico, apresenta ideias sucintas, com o uso da terra e frutos que a natureza nos oferece pousados sobre tela ou tecido. Suas obras trazem imagens claras de um homem ligado intrinsecamente à terra, seja por sobrevivência, seja por sua própria natureza. Por meio de esculturas bordadas em tecido, Lídia Lisboa busca nos transportar para lugares onde a noção entre comunidade e sobrevivência se misturam. Reprodução com livre associação aos cupinzeiros espalhados
A SUBSTÂNCIA DA TERRA: O SERTÃO OS DIFERENTES USOS DA TERRA
A exposição , com curadoria de Simon Watson, no Museu Nacional da República, em Brasília, traz a terra como elemento principal de ligação entre os artistas e seus trabalhos, não só no nome, mas também em seu eixo. Vindos de quatro diferentes regiões do Brasil, Bené Fonteles, Lídia Lisboa, Leandro Júnior e João Trevisan têm, nesta componente, o mote para explorarem cada um a seu modo uma cultura brasileira enraizada em um Brasil profundo, o sertão. Sertão esse ermo, apartado dos grandes centros urbanos, de beleza inóspita, onde a riqueza de detalhes escapa à sensibilidades acostumadas a entendê-lo como mero deserto. A terra, elemento mais imediato de reconhecimento visual da região, é usada como matéria-prima, inspiração, modelo ou memória, expondo o sertão em sua própria materialidade física. Utilizada de diferentes formas, revela ainda força do conceito de comunidade, da prática de um comum, que é essencial e primordial para os que lá vivem. A exposição, pensada em forma de representação típica de uma habitação do sertão, integra as peças desses artistas formando uma , sem perderem sua individualidade e seu conceito próprio,