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7. CURANDO COM

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DE OLHO NA PESQUISA

O TRANSTORNO AFETIVO EM MULHERES E A HOMEOPATIA: QUANDO O AMOR VIRA DOENÇA Silvana Elisabete M. Pinto Psicóloga

O objetivo deste artigo é compreender o transtorno de afetividade em mulheres, indicando como terapia coadjuvante a homeopatia. Inicialmente, vamos esclarecer o que é Transtorno de Afetividade, analisando se somente as mulheres o apresentam. Logo após, analisaremos três casos de consultório e faremos a indicação e o comentário das medicações homeopáticas utilizadas. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, combinada com o estudo de casos.

Existe uma cisão entre os especialistas a respeito do tema Transtorno de afetividade. Uma parte diz que o transtorno do afeto feminino – mulheres que amam demais, se encaixa no CID F31, estando dentro do transtorno bipolar, enquanto outros afirmam que é um transtorno tipo TPB – transtorno de personalidade borderline, ou seja, personalidades fronteiriças entre a “neurose comum nossa de dia a dia” e a psicopatia.

Resumidamente, personalidade borderline é aquela que sofre de uma hiperexcitação dos sentimentos, pois tudo nela é muito, é intenso. Vive assolada por sentimentos sem controle, que causam prejuízos a si mesma e ao meio social.

Pessoas com essa característica são capazes de atitudes que prejudicam muito a vida do ente supostamente amado, mas no fundo não é maldade e sim um fruto de “uma personalidade que vive o tempo todo no limite do desespero afetivo frente à possibilidade do abandono e da rejeição.” (SILVA)

É importante termos ciência de que o transtorno afetivo não é característica de gênero, pois encontramos em todos os gêneros distúrbios de afetividade, já que as origens dele independem da sexualidade ou da orientação sexual.

Quando o assunto é emoção, é extremamente comum vermos a mistura dos sentimentos, experiências e, portanto, do julgamento, por parte do profissional. Tenho relatos tristes e absurdos trazidos por pacientes que foram julgadas segundo as crenças religiosas dos profissionais com quem se tratavam, e, em vez de se encontrarem dentro do espaço seguro do setting terapêutico, sentiram-se desconfortavelmente enquadradas em pontos de vista pessoais. Portanto, é importante distinguirmos que, independentemente de sermos psicólogos ou terapeutas homeopatas, nós não julgamos, buscamos outros meios que efetivamente auxiliam o paciente.

Avaliar, pesquisar, compreender e fazer as intervenções necessárias é bem diferente de julgar. Julgar é colocar as opiniões pessoais dentro do contexto, é pensar que só existe uma forma de ação “correta”: a nossa. É acreditar no maniqueísmo, ou seja, buscar soluções do tipo certo/errado; bonito/feio; homem/mulher, esquecendo que, ao se tratar de seres humanos, existe um enorme caminho do meio entre qualquer extremo. Não podemos tentar consertar o mundo a partir de algum código de conduta, e por isso um dos atributos mais difíceis de se conquistar na profissão de terapeuta, é exatamente isso: não permitir que nossos vieses pessoais interfi ram na compreensão do inconsciente corporificado à nossa frente. Ou seja, não dá para enquadrarmos ninguém na nossa métrica pessoal. Analisar, compreender, pesquisar, questionar ao paciente se estamos conseguindo entender a partir da ótica dele, tudo isso é importante para nos aprofundarmos nos casos que atenderemos.

Sabemos também que uma visão machista independe do gênero do profissional, já que, muitas vezes, as ideologias pessoais deturpam a análise criteriosa e o acolhimento da mulher com transtorno afetivo. Esse transtorno vai exigir muito da nossa compreensão e empatia, pois, apenas pela racionalidade, muitos comportamentos são profundamente irracionais e incompreensíveis.

Julgamentos e rótulos são inúmeros, podendo o profissional realizar um atendimento que mais se parece com aconselhamento sócio/religioso em vez de uma entrevista clínica, o que confunde e prejudica ainda mais uma mulher com este quadro, cuja autoestima já está comprometida. Portanto, antes de mais nada, é condição sine qua nom, que o profissional alije de seus argumentos a ironia velada, a incompreensão, e intolerância. Por mais que o profissional não consiga abarcar a profundidade do sofrimento daquela mulher muitas vezes chamada de histérica, submissa, sem amor próprio, é necessária uma vontade maior de se aprofundar no porquê de tanta incoerência.

Para entender melhor, pensemos em algumas situações. Quando uma mulher com transtorno de afetividade chega no consultório, ela se sente destruída. Seus relacionamentos estão em frangalhos, sua voz alterna entre extremos, pode ser uma fala infantilizada, ou então mostrando uma superioridade que não esconde um grande medo de solidão.

O que leva uma mulher a suportar um relacionamento onde precisa se contentar com migalhas? Ela sabe que a relação só existe porque ela está doando sua própria carne para que alguém se alimente e permaneça só um pouquinho mais ao lado dela? Ela não percebe que é apenas o instrumento de satisfação narcísica do parceiro/a?

Muitas vezes em alguns momentos de mais equilíbrio ela percebe, mas não consegue mudar sozinha. E não podemos esquecer que o borderline vive permanentemente no extremo da emoção, à beira do abismo emocional. Também existem casos onde o/a parceirx é uma pessoa envolvida e fazendo sua parte para o casal estar em harmonia. Mas se ela não estiver preparada para a harmonia, como suportá-la? Se o lar primário foi de caos e a mulher teve seu papel social, seu espaço definido para administrar o caos, a harmonia significará que ela perdeu sua função. Este caso pode ou não ser enquadrado como Personalidade Borderline, a depender de um diagnóstico preciso.

Mas, qual o sentimento básico mulher que ama demais ? E de que forma o terapeuta homeopata pode auxiliá-la?

Primeiramente, esta história muitas vezes começou na própria gestação. Sabe aquele filho que tem por tarefa segurar um casamento já falido? Pois é… Muitos destes filhos estão até hoje, anos mais tarde, tentando cumprir sua missão, só que agora com seu próprio relacionamento. As mãozinhas pequenas, em um diálogo destituído de palavras, foram incumbidas de segurar algo que elas nem sabiam direito o que era, e, portanto, falharam. Hoje essas mãos cresceram e estão ocupadas em suplicar, aprisionar e não permitir que, de novo, haja uma falha/rompimento em relações doentias.

Outras mulheres têm história de abandono. Seja porque os pais estavam ocupados demais, ou porque não queriam filhos e foram “presenteados” por esse serzinho (daí vemos a reedição da história da mãe que tentou agarrar um amor). Seja porque ser pai/mãe cortou algum sonho e não consegue amar aquela que significa algema, responsabilidade, quando tudo que ele/ela queria era um momento descomplicado de prazer.

Concordo que, para um homem/mulher que se envolve em um relacionamento puramente sexual, ser obrigado a assumir um filho não é nada divertido. Mas para isso inventaram a camisinha, contraceptivos e, em alguns casos previstos em lei, a vasectomia. Portanto precisamos pensar com todas as cabeças de que dispomos antes de unir espermatozoides e óvulos.

Chegou até mim, um caso de um jovem pai segurando sua filha de alguns meses no canguru, e a menina não parava de chorar. Ele se vira para quem o acompanhava e disse : “Esta FDP não para de chorar.” Ou esse moço revê seus valores, e assume a paternidade desta criança, ou existe uma forte chance de termos mais uma mulher correndo atrás de amores impossíveis e fazendo de tudo para provar que ela não é uma FDP e é digna de ser amada.

Esse é o foco das mulheres que amam demais. Elas não se sentem dignas de um amor real, já que podem ter recebido mensagens de desamor desde a gestação, e não se permitem vivenciar relações saudáveis, pois as desconhecem. Sempre se engajam em relações turbulentas e que deem sustento aquilo que está no inconsciente delas: abandono, desprezo, falta. Isso não é claro para elas, não é uma escolha autônoma. É uma força muito maior.

Dessa forma, o terapeuta precisa ter uma percepção sagaz para decodifi car as mensagens passadas entre as paredes da família. Portanto, elas não precisam ouvir de seus terapeutas homeopatas “Mas por que você não procura alguém que te ame?” porque simplesmente elas não conseguem. É algo irracional. E, para que elas consigam desobedecer as mensagens caóticas de seus inconscientes e saírem destas relações vampirescas, serão necessárias muitos investimentos emocionais, muitas histórias precisarão ser criadas, e muitas verdades precisarão ser assumidas e trabalhadas.

Fica então a pergunta maior: como auxiliá-las? Certamente, a decodifi cação deste inconsciente terá que ser feita em conjunto com um psicólogo experiente, pois ela precisa se preparar para a perda e lutos simbólicos. Encarar sua infância, as mensagens recebidas durante a própria gestação, seus vazios internos, suas fantasias. E esse mergulho não pode ser precipitado, com o risco de haver uma crise de arrependimento, e essa mulher vai acusar a todos, porque seu amor idealizado foi embora, haverá impropérios e acusações e ela simplesmente irá repetir a maldição interna. Portanto esse é um terreno delicado, e precisamos ampliar a consciência da mulher que ama demais, utilizando como coadjuvante a força da Homeopatia.

A HOMEOPATIA NOS TRANSTORNOS DE AFETIVIDADE: Rhus, Ana-

cardium e Ignatia.

Tive uma paciente que aprendeu desde cedo que era responsável pela felicidade da família. Ela era a menina mais velha, filha de um pai amoroso e alcoólatra, e de uma mãe que a rejeitava. Neste caso, havia o transtorno de afetividade, mas não a personalidade borderline.

Desde os 5 anos de idade, ela ia a noite buscar o pai no bar, com os perigos de andar sozinha pelos arredores de uma cidade de roça. Quando aos 6 anos ela foi estuprada pelo primo sob o olhar atento do irmão mais velho, ela não teve a quem recorrer. E segurou o choro e a história para só revivê-la em meu consultório 40 anos depois.

Ela, que foi gerada com a missão de manter o casamento dos pais, se imola a partir deste crime bárbaro, não divide com a família para não causar mais sofrimento e se torna uma mulher dura, altamente responsável, que toma a frente de qualquer situação, e que é capaz de suportar toda dor e cansaço, sem nunca descansar. Casa-se com um alcoólatra, óbvio. Tenta fazer por ele o que não conseguiu com o pai, mas separa-se. Luta sozinha alguns anos e se envolve com outro homem, extremamente narcisista e infantilizado cuja relação foi marcada por uma sucessão de fugas dele para a casa da própria mãe diante das cobranças da vida adulta e de retornos arrependidos.

Interessante como ela simboliza nestes relacionamentos sua luta com a infantilidade. Ela, que teve sua infância sequestrada aos seis anos, convivia com a mamadeira e com a imaturidade dos Homens pseudo-adultos a sua volta. E assim reafirmava que era ela quem realmente tinha que “segurar tudo nas costas”. Rhus toxicodendrum trouxe a esta mulher uma dimensão de equilíbrio entre sua força real e sua necessidade de sacrifício.

Tenho tido também sucesso com Anacardium orientalis, ou, como disse uma paciente que se valeu dele ,e que sentiu mudanças rápidas - Poção de Harrry Potter. Essa mulher, muito bonita e sedutora, oscilava entre a profissional bem sucedida e a que fugia de toda responsabilidade, deixando seus clientes do escritório de contabilidade atônitos, com tanta incoerência.

Também ela sofria de transtornos de afetividade. Envolvia-se em relacionamentos com parceiros de personalidade psicopática, ou narcisistas, ou homens casados, ou bem mais jovens e também com transtornos. Sua história era igualmente marcada pelo alcoolismo paterno, a mãe sedutora e infeliz no casamento. Minha paciente foi

gerada em uma relação extraconjugal. Esses segredos de família que fazem sofrer as crianças que não entendem o porquê sofrerem rejeição pela parte traída. Com o tempo, consegue se fazer amar pelo pai não biológico. E descobre assim que para ser amada é preciso ser sedutora.

Essa situação traz a ela uma angústia existencial, uma tristeza por estar sempre dividida: a herança epigenética da mãe dividida entre o marido e o amante; e a divisão dela mesma entre o que precisa ser e o que realmente é.

Busca uma profissão que a tire da miséria onde nasceu e se torna empresária no ramo da Contabilidade. Isso satisfaz seu bolso, mas não sua alma. Mantém um escritório pequeno na cidade onde nasceu, porque assim consegue ajudar os pequenos comerciantes e produtores rurais, e isso a agrada. As grandes empresas de onde tira seu faturamento majoritário só a estressam. Dualidade, dualidade, dualidade...na vida afetiva e na vida profissional, drenando sua energia emocional mais e mais.

Resolvo começar por Anacardium orientalis, por que ele tem essa assinatura: unir o que está separado. Isso trouxe clareza mental, e minha paciente passou a gostar mais de sua própria companhia. Começou Yoga, e está fazendo novos amigos. Sozinha, mas neste momento vivendo um lado desconhecido e bom desta solidão, prazeroso e integrativo.

Outra paciente, uma mulher 62 anos, me procura com forte dor moral por ter arriscado seu segundo casamento de 13 anos, e ter ido atrás de um namorado de internet. Após ter sido chamada de louca por todas as amigas do grupo religioso, ela decide buscar ajuda profissional. O marido, 10 anos mais velho, estava decidido a “perdoar” o deslize e manterem o casamento, como se nada tivesse acontecido.

Ela chega ao consultório cheia de culpa, relatando que tinha medo de tudo, que não entende o porquê de justo ela, que não pega ônibus sozinha, se lançar em uma viagem para outro estado, e passar 3 dias internada em um sitio com o namorado vivendo uma vida de glamour, de paixão, algo até então totalmente desconhecido para ela.

O que temos aqui não é mulher doente. Doente ela foi a vida toda. Doente de medo, doente de auto-controle, buscando suprimir uma sexualidade intensa por trás do manto do pecado. Alguém que sempre se negou, suprimiu sua afetividade, e já na terceira idade, resolve viver uma única vez aquilo que as novelas, filmes, WhatApps proclamam.

Mas a realidade chamou e, ao voltar para sua cidade, sem saber o que iria acontecer dali por diante, um rasgo de sanidade a fez testar o cavaleiro de capa e espada: ela liga da rodoviária e diz que o marido descobriu e não a aceita mais em casa. Pergunta se ele estaria disposto a manter uma relação séria.

A resposta, como era de se esperar, é não, seguida de uma série de explicações.

Neste caso, precisei revelar a Grande Busca que esta paciente estava fazendo, e dar apoio a ela com a homeopatia. Ela precisava de um espaço emocional onde pudesse se tornar mais autônoma, menos dependente de um homem para poder existir. E o medicamento que nos apoiou no primeiro momento foi Ignatia Amara. Ela retoma este casamento, e começa a se preparar para encontrar atividades onde possa encontrar pedaços de sua personalidade que deixara pelo caminho.

É claro que só o profissional sabe as características de personalidade de seu paciente, e são elas que nos norteiam na escolha do medicamento mais apropriado. Toda homeopatia trará equilíbrio, e vou deixar aqui algumas sugestões de medicamentos para o profissional se aprofundar nelas, enquanto busca o mais adequado para aquela individualidade que está a sua frente.

A revista digital homeopática https:// www.britishhomeopathic.org/charity/how-we-can-help/articles/conditions/e/love-hate-jealousy/?link_ list=5752933, traz uma série de medicamentos que podem ser usados em transtornos afetivos, de acordo com a similitude paciente/transtorno.

Aurum, calcarea phosphorica, capsicum, causticum , cimicifuga, hyosciamus. Hellianthus, natrum muriaticum, lachesis, lycopodium, Pulsatilla...

São tantos casos e tantas opções de medicamentos! Mas, mais do que casos, são tantas histórias, tantas verdades! E precisamos oferecer a cada uma a ajuda adequada, em sua própria linguagem. Cada paciente é um templo que precisamos adentrar com respeito, e a Homeopatia nos traz isso. Essa capacidade de entender a Pessoa à nossa frente, perceber que o rótulo DOENÇA é, na verdade, um grito de alma enclausurada em uma história onde as primeiras páginas não foram escritas por essa Pessoa. Mas nós, profissionais sensíveis e de escuta atenta, podemos auxiliá-las a escrever as próximas, de uma forma mais harmoniosa e mais feliz.

Para saber mais

- Mentes que amam demais, o jeito borderline de ser- Ana Beatriz Barbosa Silva, ed. Principium. - Criança interrompida, adulto borderline – Taty Ades; Eduardo Santos – Ed Isis. - Mulheres que amam demais – Robin Norwood; ed. Rooco. - Prática Homeopática em Psicopatologia – Jacqueline Barbancey – vol 1 e 2 Ed. Andrei.

As mulheres com distúrbios afetivos perpassam toda a história humana, mostrando diferentes formas de sofrer esses problemas, que indicam implicação cultural, histórica e psicológica. A mitologia mostra diferentes modelos de comportamento feminino frente à força da dor de amar e não ser correspondida, dois dos quais referenciamos aqui.

Ninfa Eco: transformou-se em pedra, impossibilitada de comunicar seu amor a Narciso.

Icamiabas: guerreiras da região amazónica conhecidas como “mulheres sem homens, mulheres sem marido ou mulheres escondidas dos homens”. Na Grécia, existe o mesmo mito, e as mulheres guerreiras viviam em terras separadas, governadas por Hipólita.

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