Revista Ecológico - Edição 109

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ANO 10 - NO 109 - 05 DE JUNHO DE 2018 - R$ 12,50

EDIÇÃO: TODA LUA CHEIA




EXPEDIENTE

FOTO: LEONARDO MERÇON

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Papagaio-chauá Amazona rhodocorytha Instituto Terra

Em toda lua cheia, uma publicação dedicada à memória de Hugo Werneck

DIRETOR-GERAL E EDITOR Hiram Firmino hiram@souecologico.com

REPORTAGEM Fernanda Mann e Luciana Morais

ASSINATURA Ana Paula Borges anapaula@souecologico.com

DIRETORA DE GESTÃO Eloah Rodrigues eloah@souecologico.com

MÍDIAS DIGITAIS Bruno Frade

IMPRESSÃO Log & Print Gráfica e Logística S/A

EDITORIA DE ARTE André Firmino

PROJETO GRÁFICO-EDITORIAL Ecológico Comunicação em Meio Ambiente Ltda.

EDITOR-EXECUTIVO Luciano Lopes luciano@souecologico.com DIRETOR DE ARTE Sanakan Firmino sanakan@souecologico.com CONSELHO EDITORIAL Fernando Gabeira, José Cláudio Junqueira, José Fernando Coura, Maria Dalce Ricas, Mario Mantovani, Nestor Sant'Anna, Patrícia Boson, Paulo Maciel, Ronaldo Gusmão e Sérgio Myssior CONSELHO CONSULTIVO Angelo Machado, Célio Valle, Evandro Xavier, Fabio Feldmann, José Carlos Carvalho, Roberto Messias Franco, Vitor Feitosa e Willer Pos

COLUNISTAS (*) Marcos Guião, Maria Dalce Ricas e Roberto Souza REVISÃO Gustavo Abreu CAPA Foto: Ittipon / Marcus Desimoni / Luciano Soares DEPARTAMENTO COMERCIAL Sarah Caldeira sarah@souecologico.com MARKETING Janaína De Simone janaina@souecologico.com

REDAÇÃO Rua Dr. Jacques Luciano, 276 Sagrada Família - Belo Horizonte - MG CEP 31030-320 Tel.: (31) 3481-7755 redacao@revistaecologico.com.br EDIÇÃO DIGITAL www.revistaecologico.com.br (*) Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião da revista.

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A Cemig investiu

R$ 160 milhões de reais na construção de 15 novas subestações. O que garante um melhor fornecimento de energia para os mineiros. Eduardo Alberto Júnior Técnico da Cemig em Juiz de Fora

TRABALHO E INVESTIMENTOS

É assim que estamos construindo uma nova Cemig. Nos últimos anos, a Cemig investiu R$ 4 bilhões na melhoria do seu sistema elétrico. Com isso, a população ganha uma rede mais eficiente e com menos riscos de piques e desligamentos acidentais. Com investimentos de R$ 2,7 bilhões, a Cemig entregou 32 mil obras que estavam atrasadas, beneficiando a população de todas as regiões do estado.

cemig.com.br


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ÍNDICE

CAPA INVESTIGAÇÃO SOBRE A CORRELAÇÃO DE MORTES COM O USO DE AGROTÓXICOS NO CAMPO COLOCA A CIDADE DE VENÂNCIO AIRES (RS) NO EPICENTRO DOS AUTOEXTERMÍNIOS NO PAÍS.

Pág.

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PÁGINAS VERDES

RUBEN FERNANDES, PRESIDENTE DA ANGLO AMERICAN BRASIL, FALA À ECOLÓGICO SOBRE A REPARAÇÃO RECORDE DO MINERODUTO DA EMPRESA APÓS OS DOIS INCIDENTES

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ECOLÓGICO NAS ESCOLAS ENTENDA MAIS SOBRE OS ICEBERGS E COMO ELES SÃO IMPORTANTES PARA A MANUTENÇÃO DO CLIMA GLOBAL

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E mais... CARTAS DOS LEITORES 08 IMAGEM DO MÊS 09 CARTA DO EDITOR 12 ECONECTADO 14 GENTE ECOLÓGICA 16 SOU ECOLÓGICO 18 MINERAÇÃO 26 OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (3) 28 INDÚSTRIA 33 AGRONEGÓCIO 36 EMPRESA & MEIO AMBIENTE 40

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MEMÓRIA ILUMINADA EM SEU NOVO LIVRO, O ESCRITOR DEMÓSTENES ROMANO FILHO ALERTA PARA A NECESSIDADE DE UM OLHAR MAIS CUIDADOSO COM A ÁGUA

RECONHECIMENTO 44 GESTÃO & TI 48 O VIÉS MÉDICO NA LITERATURA DE GUIMARÃES ROSA (V) 55 NATUREZA MEDICINAL 66



CARTAS DOS LEITORES

Por motivo de clareza ou espaço, as cartas poderão ser editadas.

e sensibilidade, com uma carreira de sucesso na literatura e na televisão, não esteja no ar. Falta justamente à programação de vocês o que ela sempre trouxe aos telespectadores: leveza e alegria.” Luana Moraes, por e-mail O O PLÁSTICO NOS OCEANOS “O problema está diante de nós, mas temos dificuldade de enxergar. A ONU já alertou que, se nada for feito, em pouco mais de 30 anos teremos mais plástico do que peixes nos mares do mundo. Mesmo assim, o assunto parece não incomodar as pessoas. Parece que não temos responsabilidade sobre isso. Participei de um recente debate em painel sobre Economia Circular na Cúpula Mundial dos Oceanos, realizada no México. O evento contou com a participação de presidentes e autoridades de países que realmente se preocupam com a poluição que jogam nos seus mares, além de acadêmicos, representantes do setor produtivo e da sociedade civil. Portugal, que tem 943 quilômetros de litoral, enviou sua ministra do Mar para o evento! No Brasil, com seus 7.367 quilômetros de costa, nada foi divulgado sobre o evento na mídia nacional. Estamos realmente preocupados com o assunto? A proposta que a Abralatas apresentou no Encontro foi a criação de políticas públicas que estimulem o consumo e a produção de bens e serviços que causem menos impacto ao meio ambiente, por meio de estímulo tributário. Hoje há, na verdade, um estímulo ao consumo e à produção de PET, na medida em que os preços desses materiais não incluem os custos dos seus danos ambientais. Boa parte do que é produzido acaba sendo levada aos oceanos pela inviabilidade financeira de sua reciclagem. É isso que queremos? Segundo a ONU Meio Ambiente, em 1950 a produção mundial de plástico era de 1,5 milhão de toneladas. Em 2015, o volume total foi de 300 milhões de toneladas. E, em 2050, se nada for feito, chegará a 33 bilhões (bilhões!) de toneladas. Já passou da hora de tomarmos uma providência.” Renault Castro (foto acima), presidente-executivo da Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade (Abralatas) FOTO: DIEGO BRESANI

O PÁGINAS VERDES – ANDRÉ TOLEDO “A entrevista com o professor e doutor em Direito André Toledo me levou a refletir muito sobre a questão do plástico. Praticamente todas as embalagens que vêm do supermercado são embaladas ou revestidas pelo material.” Daniela Souza, por e-mail O ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - HIDROPONIA “A técnica da hidroponia contribui muito para o uso sustentável de água. Que o agronegócio possa se espelhar nela.” Otônio Oliveira Cruz, por e-mail O LITERATURA – LEILA FERREIRA “Atenção, emissoras de TV de Belo Horizonte e do Brasil! Tragam Leila Ferreira de volta. É um absurdo que alguém, com tanto profissionalismo EU LEIO “Muitas revistas são só marketing. Já a Ecológico vai além. Ela tem conteúdo jornalístico e crítico de qualidade. Foi isso que me conquistou como leitor, desde que a conheci. Faço coleção e quero adotá-la também para as crianças e os jovens aqui no nosso futuro centro de educação ambiental.” Marcelo Polesca Teixeira, também conhecido por “Marcelinho Madeira de Lei”, 55 anos, ambientalista, técnico em agropecuária e sitiante em Santo Antônio do Grama (MG)

08 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

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FA L E C O N O S C O Envie sua sugestão, opinião ou crítica para cartas@revistaecologico.com.br

O EDIÇÃO 105 “A Ecológico está um primor de revista. A reportagem de capa explora magistralmente uma das facetas marcantes da vida de Guimarães Rosa.” Cesar Vanucci, jornalista, via carta


1 IMAGEM DO MÊS

FOTO: DIVULGAÇÃO / SEBRAE MINAS

RECICLAGEM NO Em homenagem ao Dia Mundial do Meio Ambiente, a Galeria do Sebrae Minas apresentará, até 20 de junho, a exposição “Clube da Esquina”. Ela é assinada pelo artista plástico Leo Piló (foto ao lado), conhecido nacionalmente por seus trabalhos feitos de materiais descartados, em um claro apelo à consciência ambiental. Uma homenagem à banda mineira que marcou o cenário musical brasileiro a partir da década de 1970, a exposição é composta por quatro figuras, representando as músicas “Gênio Televisor”, “Rainha de Maio”, “Amizade” e “Feira Moderna”. Piló é autodidata, coordenador da oficina da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare) e realizador do projeto Eco-comendas. As fantasias expostas foram, inclusive, usadas pela Comissão de Frente da Escola de Samba Cidade Jardim, no “Carnaval Lixo Zero” da capital mineira deste ano.

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

CLUBE DA ESQUINA

JUNHO DE 2018 | ECOLÓGICO O 09


Itabirito PROGRAMA ÁGUAS INTEGRADAS Projeto de Educação Ambiental

VENCEDOR DO 6º PRÊMIO FECOMERCIO DE SUSTENTABILIDADE SP - CATEGORIA ÓRGÃO PÚBLICO Uma conquista que reflete a união e o esforço de todo um município para preservar o seu patrimônio ambiental natural.


ParabĂŠns ao poder pĂşblico, comunidade e iniciativa privada - juntos pela melhoria da qualidade de vida da nossa cidade. Uma homenagem das empresas que se orgulham de fazer parte desta comunidade


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CARTA DO EDITOR HIRAM FIRMINO | hiram@souecologico.com

QUE ROSA NOS PROTEJA!

A

cada edição, seja falando de hanseníase ou malária, tuberculose ou picada de cobra, a série sobre O Viés Médico na Literatura de Guimarães Rosa vem confirmando que o sertão da nossa saúde pública ou da prevenção médico-social também é do tamanho do mundo. É sem lugar. Acontece dentro da gente. E pode salvar vidas. É o que abordamos nesta edição, sobre o aumento dos casos de autoextermínio no campo, principalmente de jovens em idade produtiva e amorosa, querendo casar e criar filhos, cujas mortes poderiam ser evitadas. O sinônimo disso, tão difícil de ser pronunciado, para não induzir um efeito em cascata em pessoas vulneráveis, é suicídio. E, no meio rural, está associado ao uso indiscriminado de agrotóxicos. Quanto ao país onde esta tragédia mais ocorre, é o nosso Brasil mesmo. E podemos chamá-lo de “campeão mundial no consumo de agrotóxicos”. Mais precisamente em Venâncio

12 O ECOLÓGICO | MARÇO DE 2018

Aires, no Rio Grande do Sul, que, não à toa, é o município “campeão nacional do suicídio” no campo. É o que você, caro leitor, vai conferir na página 28, em mais um capítulo da série “O Ambientalista”, produzida pela Guerrilha Filmes, sobre os maiores crimes ambientais ainda sem castigo na história brasileira. Tem mais, nesta Edição Especial da sua Ecológico, comemorativa a mais um Dia Mundial do Meio Ambiente. Temos uma entrevista franca, em “Páginas Verdes”, com o presidente da Anglo American Brasil, Ruben Fernandes, sobre os dois vazamentos de seu mineroduto em Santo Antônio do Grama (MG), que fizeram lembrar erroneamente a tragédia de Mariana. Uma matéria sobre o documento Visão 2030: o Futuro da Agricultura Brasileira, recém-lançado pelo presidente da Embrapa, Maurício Lopes, no 80 Fórum Mundial da Água, entre os festejos de 45 anos de atuação da empresa em busca da sustentabilidade tecnológica do setor. A pequena Itabirito, localizada no sul do quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, vencendo o “Prêmio FecomercioSP de Sustentabilidade 2018”, na capital paulista, por educar ambientalmente sua população rural e urbana e incentivar a preservação dos recursos hídricos. O exemplo da Cemig na luta ecológica contra os exóticos mexilhões-dourados que invadiram o país. E a memória iluminada do jornalista e escritor Demóstenes Romano Filho, autor do subversivo livro “Salve, Água!”. E não, perceba o detalhe, “Salve a Água”. O quê, em sua opinião, explica tudo o que de ruim tanto os governos quanto a população mundial continuam fazendo com o bem natural mais precioso e cada vez mais fugidio na superfície em degradação do planeta. Tal como a última campanha da Conservation International, ambos estão certos, a ONG e o jornalista: “A natureza não precisa de nós. Nós é que precisamos da natureza”. Que haja, em todos nós, humildade e sabedoria para entendermos isso. O que também explica o fato de ainda termos um único Dia Mundial do Meio Ambiente para comemorar essa esperança de evolução. Quando deveriam ser solares todos os dias que a natureza nos revela e abriga. Sem agrotóxico e outros venenos na mesa e no coração. Boa leitura! Até 28 de junho, próxima lua cheia. O


VOCÊ JÁ COMPARTILHOU NOTíCIA FALSA? REVISTAS

Eu acredito!

Você sabe de onde vêm as notícias que recebe? Checa as informações? Antes de compartilhar notícias você consulta se foram publicadas em uma mídia clássica? Disfarçadas, com linguagem alarmante e sem apuração jornalística, elas estão influenciando leitores que não conseguem identificar o que é verdadeiro e o que é falso. Não compartilhe informações sem checar a fonte! Com conteúdo comprovadamente consistente, as revistas produzem reportagens seguras e confiáveis, seja na versão impressa, on-line, no celular ou em vídeo. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE EDITORES DE REVISTAS #REVISTAEUACREDITO I WWW.ANER.ORG.BR


ECONECTADO

TWITTANDO

“Árvores centenárias de Salvador (BA) estão sendo arrancadas para a construção do BRT da capital baiana. São árvores imensas, de raízes profundas e que fazem parte da história não apenas de Salvador, mas do nosso país. Junte sua voz à nossa!”

FOTO: VALTER CAMPANATO / ABR

@CamilaPitanga Camila Pitanga, atriz

“Em carta a Temer, ex-ministros do Meio Ambiente se manifestam contrários à indicação de nome alheio à gestão socioambiental à presidência do ICMBio. Face à ofensiva contra os parques, isso é grave ameaça à biodiversidade e ao clima.” @carlosminc - Carlos Minc, deputado estadual (PSB-RJ)

ECO LINKS EDUKATU Uma rede de aprendizagem para troca de conhecimentos e práticas sobre consumo consciente entre professores e alunos do Ensino Fundamental de todo o Brasil. Estamos falando da Edukatu, plataforma desenvolvida pelo Instituto Akatu, que atua em todo o Brasil com campanhas de comunicação e projetos de educação em empresas, escolas e comunidades. A rede amplia os valores e as práticas de consumo consciente relacionados à sustentabilidade. Além de reunir informações e materiais de referência sobre o tema, convida os participantes a realizarem atividades por meio de circuitos de aprendizagem e se tornarem porta-vozes do que aprenderam, ampliando de forma colaborativa e, consequentemente, interferindo sustentavelmente no cotidiano de todos. Para participar é simples: acesse www.edukatu.org.br e crie o seu perfil!

FOTOS: DIVULGAÇÃO

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COUCHSURFING TRAVEL O aplicativo é uma ótima alternativa para encontrar hospedagens e fazer novos amigos durante as viagens. Já são mais de 12 milhões de usuários em mais de 230 mil cidades em todo o mundo. Com o app é possível gerenciar as solicitações de chegada e saída, adicionar fotos para documentar as viagens e também verificar quais os seus amigos do Facebook também têm uma conta no Couchsurfing Travel. Para saber mais sobre essa experiência, faça o download pelo Google Play (goo.gl/4bpTZa) ou AppStore (goo.gl/yzsTpj) e planeje o seu próximo destino!

“Querem aprovar a PL do Veneno (6.299/2002). A proposta libera o uso amplo de agrotóxicos resultando em mais veneno na nossa comida, mais prejuízo para a nossa saúde e o meio ambiente. Diga não à PL do Veneno (e sim a nossa saúde) assinando a petição!” @giseleofficial Gisele Bündchen, modelo 14 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

FOTO: FERNANDA MANN

A matéria sobre a proposta de criação de novas Unidades de Conservação anunciadas pelo Governo de Minas, que irão garantir a proteção integral de quase 56 mil hectares de matas do Estado, foi o texto mais lido, curtido e compartilhado no site e nas redes sociais da Ecológico em maio. Também foram apresentadas com exclusividade pela Revista Ecológico quais são e onde estão localizadas essas áreas verdes. Para ler o texto na íntegra, acesse: goo.gl/4CQjq5

FOTO: MÁRCIO LUCINDA

MAIS ACESSADA


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GENTE ECOLÓGICA

FOTOS: DIVULGAÇÃO

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“A Terra produziria sempre o necessário, se o homem soubesse contentar-se com o necessário.” ALLAN KARDEC, decodificador da Doutrina Espírita

CORA CORALINA, escritora

ISIS VALVERDE, atriz

“Somos predadores há milhões de anos. Destruímos quase tudo. As últimas porções de floresta virgem representativas no planeta estão na Amazônia. Dependendo das opções que escolhermos hoje, em 50 anos seremos alienígenas em nosso planeta.” SEBASTIÃO SALGADO, fotógrafo

“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.” GEORGE ORWELL, jornalista e escritor britânico 16 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

FOTO: STEVE JURVETSON

“Se temos de esperar, que seja para colher a semente boa que lançamos hoje no solo da vida. Se for para semear, então que seja para produzir milhões de sorrisos.”

“Ter fé não é rezar até Deus te ouvir. É você rezar até ouvir Deus. A minha fé está na conexão com esse algo maior, com o planeta, com a natureza toda.”


FELIX FINKBEINER

ROGÉRIO FLAUSINO, vocalista da banda Jota Quest, na música "Daqui só se leva o amor"

FOTO: TOMAZ SILVA - AGÊNCIA BRASIL

“O que me preocupa é o destino de nossa casa comum, o planeta Terra. Onde houver movimentos ou ajuntamento de pessoas preocupadas com as gerações futuras, que queiram fazer valer a democracia e a ética, quero estar entre elas.” OSMAR PRADO, ator

CRESCENDO

O alemão de 20 anos, fundador da ONG Plant for the Planet, alcançou um feito inédito: por meio dos “Embaixadores da Justiça Climática”, crianças e jovens formados pela organização, mais de 15 bilhões de árvores já foram plantadas em 130 países. A expectativa é chegar a um trilhão de árvores até 2020. Ano passado, a convite da Fundação Renova, Finkbeiner esteve em Mariana (MG) para ministrar a 2ª Academia da ONG: a meta é plantar um milhão de mudas ao longo do Rio Doce.

MINGUANDO

ANTÔNIO MARQUES DE ARAÚJO

“Se você achar que é obrigação tudo o que o seu pai e sua mãe fazem por você, nunca vai encontrar mérito na dedicação deles. O amor tem que ser desobrigado.”

“Precisamos aprender a conjugar o verbo esperançar, para que o Rio Doce e tantos outros pelo Brasil afora tenham um melhor volume de água e maior qualidade de vida.”

FABRÍCIO CARPINEJAR, escritor, que lançou recentemente em BH seu novo livro “Cuide dos pais antes que seja tarde”

HENRIQUE LOBO, ambientalista e conselheiro do Instituto Terra

Sua indicação política pelo Governo Temer, através do Partido Republicano da Ordem Social (Pros), ao cargo de novo presidente do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vem causando estragos. Revoltados por causa do que chamam de “loteamento político”, os servidores fecharam os parques nacionais da Tijuca, Iguaçu, Serra dos Órgãos, Brasília, Itatiaia e Fernando de Noronha durante uma hora. Eles ressaltam que essa é a primeira vez que um nome sem ligação com a área ambiental é indicado para a gestão da entidade. Com a palavra, o novo ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte. JUNHO DE 2018 | ECOLÓGICO O 17

FOTO: DAVID BOLLEY / PLANT FOR THE PLANET FLICKR

FOTO: RUDY HUHOLD

“Vamos amar no presente. Vamos cuidar mais da gente. Vamos pensar diferente. Porque daqui só se leva o amor.”


SOU ECOLÓGICO FOTO: REPRODUÇÃO SITE

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A ARENA DO GALO ocupará um terreno de 192 mil metros quadrados e terá capacidade para 47 mil torcedores

O DESAMOR SOCIAL

RONDA O ATLÉTICO se tivesse descido do céu e se fixado num terreno “Se houver uma camisa preta e branca pendurada doado pela MRV Engenharia. no varal durante uma tempestade, o atleticano Onde? Eis aí a questão para a qual só o torce contra o vento”, já dizia, com propriedade, amor alvinegro pode protagonizar um placar meu ex-colega de trabalho, o jornalista e escritor compensatoriamente justo. A sua construção, Roberto Drummond. Esse espírito forte e vingador fez bater esquisito e triste, noite dessas, meu coração cujo processo de licenciamento ambiental ainda está em discussão no Conselho Municipal de Meio atleticano. Foi quando participei, como torcedor e Ambiente (Comam), está prevista em uma área observador anônimo, da última audiência pública realizada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente verde no Bairro Califórnia, vizinho do Camargos, na Região Oeste de BH. de Belo Horizonte (SMMA) sobre o projeto da futura Fica a menos de um quilômetro da Arena do Galo, na capital mineira. Estação Eldorado do Metrô, como exige Minha alegria, em preto e branco, o protocolo da Fifa. E entre três grandes compareceu primeiro. E se encantou. corredores de tráfego: a Via Expressa O projeto, em termos arquitetônicos, assinado pela Farkasvölgyi Arquitetura, Leste-Oeste, o Anel Rodoviário e a BR-040, como exige o bom senso, para não dizer é maravilhoso. Moderno, ousado e solução, caso Prefeitura, Estado e MRV futurista. Na medida certa para a grande massa atleticana chamá-lo construam alças de acesso. Tanto para não atrapalhar mais ainda o trânsito ali caótico, orgulhosamente de seu e, a partir de 2020, reconhecendo-o como sua como para permitir que populações nova sede social. vizinhas à arena, hoje já divididas e ilhadas ROBERTO Drummond, por essas vias, não fiquem ainda mais Por tudo isso, é claro, a sua o poeta alvinegro apartadas. Deixando, paradoxalmente, concepção não recebeu uma só crítica como vizinhas e torcedoras mais próximas, das poucas pessoas representantes de usufruir do novo espaço. das comunidades da futura arena ali presentes. Obteve só elogios, inclusive de quem é contra a sua - Vocês vão incluir a construção dessas alças para localização. O projeto prevê a edificação de uma a gente também frequentar a arena? - Vamos ter também o posto de saúde pública que, arena multiúso, lembrando um disco voador, como 18 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018


Acesse o blog do Hiram:

hiramfirmino.blogspot.com há anos, reivindicamos aqui para a região? - Vão implantar um parque ao redor, para proteger as nascentes do nosso Córrego Morcego? - E as áreas verdes (35% de área do terreno) vão ter só árvores plantadas em meio ao asfalto e ao cimento? - O Atlético vai pensar e incluir tudo isso no projeto, antes de ele voltar ao Comam? Foi o que vozes majoritárias, brancas e pretas, mais perguntaram, na maioria dos casos em tom baixinho, de tanta humildade, ao microfone. Dúvidas e esperanças que encheram o recinto de perguntas pertinentes, mesmo ouvindo, várias vezes, representantes da própria SMMA desanimar os moradores, cortando seus sonhos e direitos: “Informamos a todos os presentes que a audiência pública de hoje não tem caráter deliberativo”. Então, para que ouvir a comunidade, se ela, oficialmente, não terá voz – nem vez? Foi o que meu coração começou a se perguntar também. E quando um ambientalista da região foi agredido verbalmente por um dos moradores, seu vizinho, envolto na bandeira do meu Atlético, aí é que doeu demasiadamente. Comprovou o encaminhamento errático e desigual da audiência, algo equivalente ao embate entre David e Golias, tornando inimigos aqueles torcedores que vestem a camisa da sustentabilidade. Mostrou que, na prática, a julgar pelo correr da carruagem política, o licenciamento ambiental já está concedido. E não irá contemplar esses pedidos sociais e legítimos de ambos os bairros, cujos moradores serão impactados pela presença de até 47 mil pessoas, a cada dia de jogo ou eventos de massa na nossa futura arena.

GOL DE PLACA Nada garantido, enfim, de alças rodoviárias, nem nascentes protegidas, parque ou posto de saúde. A menos que, de mãos dadas e espontaneamente, o nosso glorioso Clube Atlético Mineiro e a MRV, a maior e mais sustentável construtora do país, que já doou o terreno, num gesto louvável, façam isso por amor ao mesmo clube que amamos. E incluam, por vontade própria, todas essas condicionantes naturais e óbvias, num projeto maior. E aí, sim, autodeliberativo, ele se transforme em um presente ecologicamente completo a Belo Horizonte, muito além do que apenas à torcida do Galo. Seria um verdadeiro gol de placa, também chamado de amor social. Um amor maior, enfim, que Roberto Drummond também certamente aplaudiria. Incluir tudo aquilo que, mesmo por força de lei, nem a prefeitura nem o Estado, nem os órgãos oficiais, muito menos o atual modelo ultrapassado de licenciamento ambiental irá fazer por aquelas pessoas tão simples, sem prestígio nem apoio político presentes na audiência. Que a diretoria do nosso querido Atlético estique um outro varal, no qual a camisa branca e preta do amor torça contra o vento do desamor. E que você, caro Roberto Drummond, esteja conosco, em espírito, quando da inauguração da ambiental e socialmente mais amorosa Arena do Galo.

EM TEMPO: A Ecológico tentou falar com a SMMA e a Farkasvölgi Arquitetura, mas não obteve retorno. SAIBA MAIS mrvarena.com.br


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PÁGINAS VERDES

“O MINAS-RIO SEGUE VIVO” Hiram Firmino e Bia Fonte Nova

FOTO: MARCUS DESIMONI

redacao@revistaecologico.com.br

RUBEN FERNANDES: “Jamais vamos desistir de mostrar o nosso valor à sociedade” 20 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

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m nove anos de presença da Anglo American em Minas Gerais, o engenheiro belo-horizontino Ruben Fernandes é o oitavo executivo a ocupar a presidência da mineradora. Seu rosto – com expressão abatida, cabelos mais grisalhos e alguns quilos a menos – esteve entre os mais vistos em diferentes veículos de imprensa do Brasil entre meados de março e o começo de abril. O motivo da exposição foi a ocorrência de dois vazamentos de minério de ferro no município de Santo Antônio do Grama, na Zona da Mata Mineira. O produto, carro-chefe da empresa, é transportado ao longo de um mineroduto de 529 km, que liga a mina, em Conceição do Mato Dentro, na Região Central do Estado, a São João da Barra, no Rio de Janeiro. No primeiro incidente, em 12 de março, 318 toneladas de minério atingiram o Ribeirão Santo Antônio do Grama, na cidade de mesmo nome, e outras 895

toneladas foram contidas num barramento da companhia. No segundo, 17 dias depois, o mesmo ribeirão foi novamente atingido, desta vez por 174 toneladas de material, enquanto outras 473 toneladas se espalharam por duas propriedades rurais vizinhas à tubulação. Dias antes do início da inspeção interna de toda a extensão do mineroduto, Fernandes recebeu a reportagem da Ecológico em seu escritório, em Belo Horizonte. Reconheceu o gigantesco desafio que não apenas a Anglo, mas todo o setor mineral enfrenta no país, em questionamentos que envolvem sua credibilidade, segurança operacional e, sobretudo, imagem perante a opinião pública. Resignado, ele defendeu a importância da mineração para a sociedade, em especial no Brasil, líder na exportação de nióbio e o terceiro entre os maiores exportadores de minério do mundo. É o que você confere, a seguir:

Em grandes corporações, é comum altos executivos serem destituídos de seus cargos em momentos de turbulência ou situações de crise. Como você tem lidado com esse e outros desafios desde os incidentes de março? A crise é momentânea e procuramos lidar com ela de forma aberta, transparente e fazendo o que é certo. Desde o início, nossa postura foi mostrar a toda a sociedade o que realmente aconteceu. E, em relação à nossa matriz, em Londres, agimos da mesma forma. Informamos de imediato o ocorrido, nas duas situações, detalhando impactos e a real dimensão do problema. Isso foi decisivo para obtermos apoio e os recursos necessários às ações de reparação, além, ainda, de mantermos nossa credibilidade interna perante a corporação.


RUBEN FERNANDES Presidente da Anglo American Brasil

O que se apurou, até agora, em relação às causas dos dois incidentes? Estudos preliminares indicam que o vazamento do dia 29 de março decorreu do surgimento de uma trinca na solda longitudinal, originada no processo de fabricação do tubo no fornecedor. Acreditamos que esse mesmo problema tenha ocorrido no tubo que vazou no dia 12 de março. Não houve falha de construção, nem de conexão entre os tubos nem na operação. O diagnóstico exato só será confirmado após a conclusão das análises que estão sendo conduzidas por especialistas do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os dois tubos (das duas ocorrências) são do mesmo lote. Além de impacto ambiental e sobre o fornecimento de água, os vazamentos também levaram à suspensão da operação. Que receita será perdida até o retorno à ativa? Quando esperam recuperar o prejuízo? O primeiro ponto a se destacar é o nosso alívio pelo fato de os dois incidentes não terem afetado pessoas, além de terem causado impacto ambiental localizado. Apesar de o impacto financeiro estimado ser bastante relevante – algo em torno de 400 milhões de dólares –, vale ressaltar que nossa meta é demissão zero. Os investimentos sociais na região também continuarão. Ao contrário de especulações que sempre surgem por aí, o Minas-Rio segue vivo, ativo; não esteve nem está à venda. A crença no negócio continua, então? Com certeza. Temos plena consciência de que se trata de um projeto complexo, do ponto de

"Temos laudos externos comprovando que a polpa de minério de ferro não é tóxica. Rejeito é o que fica retido na barragem e também não é tóxico. O que vazou é o produto final que vai para os nossos clientes, ou seja, o minério de ferro puro." vista operacional, mas altamente competitivo e estratégico para a Anglo, porque temos um produto de excelente qualidade e com grande demanda no mercado internacional. Sem contar o potencial do Minas-Rio em termos de benefícios sociais e de transformação positiva da região. Felizmente, de 2015 para 2017, nossa saúde financeira melhorou bastante. Ano passado, geramos um caixa positivo de R$ 435 milhões, com uma produção de 17 milhões de toneladas de minério. Seguimos com as atenções focadas no Step 3, que é a terceira fase do empreendimento. A meta de atingir, a partir de 2020, a plena capacidade de produção, com 26,5 milhões de toneladas de minério/ano, se mantém? Sim. Mas, é claro que os resultados também dependerão do preço do minério no mercado. De toda forma, o Minas-Rio tem mostrado a que veio, inclusive na diferença que já fez e ainda pode fazer pela mineração sustentável no estado. Em que aspectos? Afinal,

realidades à parte, a tragédia de Mariana segue latejando na memória de todos... Com certeza. Apesar do impacto ambiental dos dois incidentes ter sido pequeno e concentrado – o minério que vazou é equivalente à capacidade de um caminhão fora de estrada e meio–, eles não têm menor importância. Pelo contrário: nosso foco sempre será trabalhar para que elas não ocorram e, muito menos, se repitam. Temos plena consciência do delicado momento vivido pelo setor de mineração. No entanto, reafirmamos nossa confiança no Minas-Rio. Como expliquei, nosso resultado de 2017 equivale a cerca R$ 1 bilhão, grande parte revertida em impostos para a região onde atuamos. Isso tem reflexo direto, por exemplo, na melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que, só em Conceição do Mato Dentro, aumentou 40% entre 2012 e 2016. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o salto foi de 16%. A alta direção da Anglo American compartilha desse mesmo sentimento/convicção? Não só compartilha como, sobretudo, nos apoia e assegura todos os recursos necessários para sempre sermos exemplo e fazermos o melhor. Em momento algum perdemos de vista o fato de o Minas-Rio ser um projeto complexo. Foi o que escutei do nosso CEO Global, Mark Cutifani, que tem 40 anos de experiência profissional, dez a mais do que eu. Ele conhece como poucos a dinâmica e os desafios da mineração em escala mundial e, assim como nós, que estamos aqui, na linha de frente das providências, quer reparar tudo o que for possível e também entender a causa exata dos incidentes. Estamos convic-

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JUNHO DE 2018 | ECOLÓGICO O 21


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PÁGINAS VERDES

tos de que vamos superar esse atual momento com dedicação, competência técnica e diálogo permanente com as comunidades e administrações municipais da nossa região de influência. A paralisação das atividades ao longo de 90 dias terá algum reflexo nos investimentos sociais feitos pela empresa? Não. Temos vários protocolos de intenção de investimentos já assinados, com foco em diferentes projetos e ações socioambientais, culturais etc. Só na área da saúde serão investidos cerca de R$ 10 milhões, em parceria com as prefeituras mineiras de Dom Joaquim, Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro. Mesmo com a operação paralisada e todos os nossos funcionários em férias coletivas, a região está fervilhando. As obras da fase 3 do Minas-Rio seguem a todo vapor. Também segue ativa a mobilização das nossas equipes envolvidas nos trabalhos de recuperação ambiental em Santo Antônio do Grama. Onde você estava e qual foi sua reação ao ser informado sobre o primeiro vazamento de minério? Estava chegando ao escritório e meu primeiro pensamento foi: “Felizmente, ninguém se feriu ou foi atingido”. Depois, começamos a buscar respostas sobre o porquê de uma estrutura tão nova como o nosso mineroduto apresentar algum tipo de falha. Não é comum isso ocorrer num período tão curto de operação (o primeiro embarque de minério foi feito em outubro de 2014). Minerodutos têm vida útil estimada em décadas, o que corrobora a hipótese de que a causa seja uma falha na solda do tubo, ocorrida no processo de produção do fornecedor. 22 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

"Nossa meta é demissão zero e os investimentos sociais na região também continuam." E quanto a possíveis falhas de operação e/ou sobrecarga de fluxo? Isso pode ter ocorrido? Absolutamente não. Até porque o mineroduto já está dimensionado para a etapa em que atingiremos 100% de nossa capacidade nominal de produção (26,5 milhões de toneladas/ano). Em 2017, fechamos o ano com 17 milhões de toneladas. E agora, em 2018, a previsão era produzirmos 13 milhões de toneladas, porque o minério da fase 2 já está praticamente no fim [a licença ambiental para acesso à fase 3 do Minas-Rio foi obtida em janeiro deste ano]. Ou seja, estávamos operando bem abaixo da nossa capacidade projetada. Quanto abaixo, em termos percentuais? Quarenta e nove por cento abaixo. E, portanto, sem qualquer possibilidade de sobrecarga ou falha de operação. Vocês estão divulgando o nome da empresa fornecedora dos tubos? As peças repostas após os incidentes foram compradas da mesma empresa ou de outro fornecedor? Ainda não podemos divulgar nada a respeito. Trata-se de uma informação sensível e precisamos ter tudo muito bem apurado antes. Os tubos repostos são de outro fornecedor. E como você reagiu diante da notícia do segundo incidente?

Com surpresa. E alívio, porque mais uma vez, repito, ninguém foi atingido ou se feriu. Isso nos tranquiliza bastante, mas em momento algum faz com que nos acomodemos ou trabalhemos menos para que incidentes desse tipo não se repitam. Toda crise traz consigo a chance de aprendizado, de aperfeiçoamento e da busca por inovação nos processos. É importante ainda ressaltar que só voltamos a operar, após o primeiro vazamento, porque todo o protocolo de segurança e operação já havia sido testado e cumprido. Por que não se cogitou fazer uma inspeção mais minuciosa no mineroduto logo após o primeiro vazamento? O protocolo não é este. Além de a vida útil do mineroduto ser estimada em várias décadas e também pelo fato de que estávamos operando bem abaixo da nossa capacidade nominal de produção, nós fazemos vários outros tipos de inspeções rotineiras em toda a extensão dos dutos. Isso incluiu o monitoramento de uma série de parâmetros, tais como vazão e pressão de água, etc., em tempo real. Mas, em termos práticos, tudo indica que isso não foi suficiente... Quer uma comparação prática? Nenhum médico decide operar e já leva direto para a mesa de cirurgia um paciente que chega ao seu consultório se queixando de uma dor abdominal, por exemplo. Primeiro ele examina, medica, pede exames, etc. No caso do mineroduto, a lógica é praticamente a mesma. Tanto que logo após o segundo vazamento, antes mesmo de sermos notificados pelos órgãos responsáveis, decidimos paralisar toda


RUBEN FERNANDES

FOTO:MARCUS DESIMONI

FOTOS: TUTANO FILMES

Presidente da Anglo American Brasil

Acima, colaboradores da empresa iniciam a inspeção do mineroduto. O processo começa com a passagem dos PIGs de limpeza e prossegue com outras três variações do equipamento (geométrico, magnético e ultrassom). Após a conclusão dos trabalhos, os dados serão analisados por empresa independente a nossa produção e iniciar uma investigação minuciosa em toda a extensão do mineroduto. Está se referindo ao uso do equipamento chamado PIG? Exatamente. Na vistoria, serão usados PIGs (sigla em inglês para Ferramenta de Investigação de Dutos) fabricados sob medida. Eles têm sensores capazes de indicar, com precisão, indícios de amassamentos, corrosão ou fissuras na tubulação. O processo começa com a passagem dos PIGs de limpeza e prossegue com outras três variações do equipamento (PIGs geométrico, magnético e ultrassom). Eles são transportados na tubulação através do bombeamento de água e a inspeção deve se estender até agosto. Quais serão os próximos passos desse trabalho? Os dados coletados serão anali-

sados por empresa independente, gerando gráficos que indicarão os parâmetros de segurança operacional do mineroduto. Essas informações servirão de referência para eventuais medidas a serem tomadas pela empresa. Também serão enviadas aos órgãos públicos competentes com o objetivo de embasar a autorização para o retorno das atividades da companhia. A opção por minerodutos é bastante questionada, sobretudo em razão da grande quantidade de água que demandam. E em termos de segurança operacional, o que os incidentes ocorridos podem trazer de contribuição no que se refere ao aumento da confiabilidade dessas estruturas? Críticas à parte, o mineroduto é uma tecnologia mundialmente consolidada. Também se justifi-

ca do ponto de vista ambiental e financeiro, sendo a opção menos poluente e mais barata do que outros modais, tais como o transporte por caminhão (inviável para longas distâncias) ou trem. Para se ter uma ideia, só na Europa há mais 800 mil km de dutos em operação. No Brasil, o total não chega a 5 mil km, a maioria oleodutos da Petrobras. E quanto às características físico-químicas do material que vazou: é tóxico ou não? O Ibama multou a Anglo por atentado à saúde humana... Não há elementos ou dados técnicos que embasem tal afirmação. Vamos discutir isso diretamente com os órgãos responsáveis. Temos laudos externos comprovando que a polpa de minério de ferro não é tóxica. Rejeito é o que fica retido na barragem e também não é tóxico. O que vazou é o produto fi-

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PÁGINAS VERDES nal que vai para os nossos clientes, ou seja, minério de ferro puro. A Anglo beneficia um material que, no solo, tem teor de ferro oscilando entre 35% a 40%, concentração que elevamos a 68%. Em várias regiões brasileiras essa concentração de ferro é encontrada in natura. Foram coletadas amostras no local dos incidentes? Sim. Desde o primeiro dia, equipes do Ibama e do Núcleo de Emergência Ambiental (NEA), da Feam/Semad (MG) estão acompanhando os trabalhos. Fizeram vistorias de campo, coletaram amostras e repassaram orientações sobre como gostariam que os trabalhos de recuperação fossem conduzidos. Os técnicos, inclusive, elogiaram a evolução e ficaram satisfeitos com as ações de reparação ambiental que continuam em curso e com a postura transparente da Anglo diante do ocorrido. E em relação ao valor das multas aplicadas: R$ 72,6 milhões pelo Ibama, e R$ 125 milhões pelo governo de Minas? Em vários setores da indústria a cultura é recorrer e protelar ao máximo o pagamento... Não fugiremos de cumprir qualquer responsabilidade ou dever

RUBEN FERNANDES Presidente da Anglo American Brasil

legal. Mas temos o direito de conhecer e entender os critérios técnicos para questionar qualquer multa. Isso está previsto na própria legislação ambiental. É o que vamos fazer, de forma absolutamente transparente e dentro da legalidade. Entendimento e diálogo técnico são nossa prioridade na condução dessas questões. O senhor acredita ser possível superar os ruídos de comunicação entre o setor e a sociedade, a fim de recuperar a imagem e a credibilidade do setor? Sigo confiando em tudo o que fazemos de correto e de bom para a sociedade. Exatamente por isso, não podemos nos abater. Pelo contrário. Temos de nos manter serenos, perseverantes e incansáveis na busca das melhores tecnologias e processos, bem como no diálogo coletivo, que é premissa na Anglo. Somos uma empresa sólida, comprometida e que busca olhar para frente, ciente de que unanimidade é algo utópico quando se trata de imagem pública e amplo entendimento da importância do setor. Nossa realidade é crua: de um lado, a mineração causa impacto agudo e intenso. De outro, seus benefícios são importantíssimos. Mas dis-

FIQUE POR DENTRO

"O QUE ÀS VEZES A GENTE NÃO VÊ, A CRISE MOSTRA” Este é o título do discurso, em forma de prosa, que Ruben Fernandes iria fazer em São Paulo caso os dois incidentes em Santo Antônio do Grama não tivessem acontecido. Ele iria ler o texto, escrito de próprio punho, na abertura do evento “Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis (ODSs)", da Rede Brasil para o Pacto Global, do qual era convidado. Mas, em cima da hora, por causa da imagem pública então arranhada da mineradora, Ruben foi “desconvidado”. Confira o discurso na íntegra no site www.revistaecologico.com.br. persos e difíceis de serem percebidos, mensurados. No entanto, erra quem pensa que comentários negativos, críticas e cobranças não nos fazem refletir. Fazem, sim. E muito. O SAIBA MAIS brasil.angloamerican.com



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MEMÓRIA E ESPERANÇA A prometida recuperação ambiental do Ribeirão Santo Antônio do Grama, cujos acidentes recentes fizeram lembrar, erroneamente, a tragédia de Mariana

novo, mais seguro e sustentável distrito para morar.

FOTO: REPRODUÇÃO

05 DE NOVEMBRO DE 2015 Data do rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco, em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana. Um mar de lama, com 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, causou a morte de 19 pessoas, desagregando o viver bucólico e pacato de mais de 300 moradores locais. Também devastou a vegetação nativa e poluiu o Rio Doce e seus afluentes até a sua foz, 670 quilômetros depois, contaminando também o mar no estado do Espírito Santo. E, até hoje, quase três anos depois, as famílias sobreviventes do maior crime socioambiental da história do Brasil ainda não têm, através da Fundação Renova, um outro

04 DE DEZEMBRO DE 2017 Os quase cinco mil habitantes de Santo Antônio do Grama, na Zona da Mata, são surpreendidos com um dos maiores temporais da história do município. Casas, escolas, cinema e até o prédio da prefeitura, construído a partir de um andar acima do chão, ficaram submersos com a enchente do ribeirão de mesmo nome na cidade. Moradores recentes, os cerca de 100 funcionários da Anglo American que hoje vivem e trabalham ali, operando a estação local de bombas do Sistema Minas-Rio, se colocaram à disposição da população e lideraram, com seus equipamentos, junto à prefeitura municipal, os esforços de recuperação após os estragos causados pela “tromba d’água”. 12 DE MARÇO DE 2018 Às 7h30 da manhã, aconteceu o primeiro rompimento do mineroduto da Anglo American, a poucos metros da mesma estação de bombeamento de polpa de minério de ferro. Segundo a empresa, 493 m3 de polpa de minério (água 30% e minério 70%), equivalentes à carga de um caminhão fora de estrada e meio, atingiram o ribeirão, interrompendo o abastecimento de água do município. Outros 1.400 m3 foram

O SEGUNDO vazamento não atingiu o Ribeirão Santo Antônio do Grama

contidos, naturalmente, dentro da barragem da empresa. Dois dias depois do incidente, a Anglo American construiu e entregou uma nova e alternativa estação de captação e distribuição de água potável para a população. Nesse período, a empresa assegurou o fornecimento aos moradores por meio de galões de água mineral e caminhões-pipa. E outros 300 funcionários da empresa, fixos e temporários, incluindo preferencialmente a mão-de-obra existente na cidade, foram convocados e mobilizados para ajudar a equipe local. 29 DE MARÇO DE 2018 Data do segundo vazamento do mineroduto, a poucos metros do primeiro. Dessa vez, dos 250 m3 de polpa de minério vazados, mais da metade não caiu no córrego. Mas em um morro de pastagem, sem floresta, já devastado pela pecuária. Usando uma mangueira d’água gigante, os funcionários da empresa “lavaram” o morro, reabilitaram o solo e transportaram todo o material inerte recolhido. O restante da polpa de minério caiu e foi carreado pelo ribeirão até oito quilômetros abaixo. Por precaução, sua área de limpeza foi estendida em mais dois quilômetros, incluindo a restituição das margens naturais, além da calha do curso d’água. Ambos os derramamentos não atingiram, felizmente, o curso do Rio Casca, nem o Rio Doce, como se temeu e chegou a ser divulgado na época.


FOTOS: ECOLÓGICO

NAS FOTOS acima, vê-se parte do morro desmatado para pastagem, que foi atingido pelo segundo lançamento de polpa de minério. E também o estado histórico do curso d'água: assoreado, sem vegetação ciliar nem tratamento de esgoto, tal como acontece o longo da Bacia Hidrográfica do Rio Doce

25 DE MAIO DE 2018 A Revista Ecológico foi até Santo Antônio do Grama, que até hoje, a exemplo de Mariana, lança todo o seu esgoto in natura no ribeirão de mesmo nome. E confirmou um cenário ambiental muito comum em toda a Bacia Hidrográfica do Rio Doce, antes da tragédia da Samarco: de perto, a situação do ribeirão que dá nome ao município é outra. Tanto no local atingido por ambos os vazamentos da Anglo American, quanto suas margens a montante e a jusante. Faz dó ver a situação histórica desse seu curso d’água. Trata-se de um ribeirão hoje bastante assoreado, sem verde natural às suas margens, em razão da devastação de suas matas ciliares. Segundo moradores da cidade, elas foram desmatadas no passado pelos próprios fazendeiros e lavradores. E, tal como a Ecológico já reportou ao longo de 100 quilômetros de margens do Rio Doce e seus afluentes, pós-tragédia de Mariana, praticamente não há mais arbustos e

árvores ao longo do Ribeirão do Grama, para alimentar sua fauna aquática. Só a invasão induzida de diversos e agressivos tipos de capim, para o gado se alimentar. Por isso mesmo, quase todas as margens e o próprio leito do ribeirão em processo acelerado de recuperação ambiental pela Anglo American na região são arenosos. Eles resultam do assoreamento proveniente dos morros pelados, cujas matas foram cortadas para dar lugar à pata do boi. Pelo acordo com o Ibama e o Ministério Público, a mineradora propôs e está fazendo a requalificação ecologicamente correta de toda a natureza do ribeirão, como o replantio planejado das matas ciliares que já existiram ali. Soma-se a isso a reintrodução programada de espécies frutíferas de árvores e a não retificação do seu curso atual, tal como acontece na natureza, para diminuir a velocidade de suas águas. Também está em curso um programa de educação ambiental para os moradores vizinhos e crianças matriculadas nas es-

colas locais. A proposta maior é que os proprietários e moradores às margens do ribeirão atingido adotem, junto com os funcionários da Anglo American, uma proteção hídrica compartilhada que também seja boa para todos. Sem autorização expressa deles, não há como entrar nas propriedades e fazer qualquer coisa, mesmo que seja sustentavelmente benéfica. Todo este trabalho já em execução está sendo previsto pela mineradora ao longo de 10 quilômetros do ribeirão, dois a mais do que foi impactado. “Se a obrigação legal e ambiental é entregarmos o trecho agredido do ribeirão plenamente recuperado, nós vamos além. Vamos entregar um plano mais robusto e extenso, que inclua também a recuperação das áreas contíguas do rio que já estavam degradadas ao longo de anos, desmatadas e sem vegetação ciliar. Isso irá resultar na criação e manutenção de novas áreas verdes para o município”, afirmou Ruben Fernandes, presidente da Anglo American Brasil. O JUNHO DE 2018 | ECOLÓGICO O 27


OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (3)

O BRASIL é campeão mundial em uso de agrotóxicos, muitos deles já proibidos em outros países

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A MORTE NO

NO CAMPO A CIDADE DE VENÂNCIO AIRES, NO RIO GRANDE DO SUL, OSTENTA O TRISTE TÍTULO DE “CAPITAL NACIONAL” DO AUTOEXTERMÍNIO HUMANO. INVESTIGAÇÃO SOBRE A CORRELAÇÃO DE MORTES COM O USO DE AGROTÓXICOS NA PRODUÇÃO DE FUMO DIVIDE OPINIÕES, MAS SETOR SEGUE INCÓLUME PELA FORÇA DA ARRECADAÇÃO DE IMPOSTOS 28 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

FOTOS: REPRODUÇÃO

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Neylor Aarão redacao@revistaecologico.com.br

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enâncio Aires fica a cerca de 240 quilômetros de Porto Alegre (RS). É um município que se destaca internacionalmente pela produção de tabaco. Mas, infelizmente, exatamente em razão do cultivo local de fumo – considerado um dos melhores do mundo – tem sido palco de investigações sobre a correlação entre o uso de agrotóxicos e a ocorrência de mortes por suicídio ao redor de suas lavouras. O Brasil é campeão mundial no consumo de agrotóxicos. De acordo com pesquisas da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e do Ministério da Saúde (Fundação Oswaldo Cruz), o brasileiro consome, em média, 7,3 litros de defensivos por ano. Em alguns estados, esse volume chega a quase 9 litros/ano. Os glifosatos e os organofosforados são os dois tipos de pesticidas mais consumidos no país, sobretudo na indústria do tabaco, apesar de já terem sido banidos em diversos outros países. O consumo de agrotóxicos está ligado à ocorrência de diversas doenças, tais como problemas neurológicos, motores e mentais, distúrbios de comportamento, problemas na produção de hormônios sexuais, infertilidade, puberdade precoce, má formação fetal, aborto, Parkinson, endometriose, atrofia de testículos e cânceres. O fumicultor Régis Heinen explica que, 15 dias após o plantio, é colocada a primeira dose de salitre em cada novo pezinho que surge. Entre 30 e 40 dias depois, NEYLOR AARÃO (à dir.) no cemitério de Vênancio Aires: 80% dos suicídios ocorrem no meio rural

é aplicada a segunda dose, fase em que a planta atinge cerca de meio metro de altura. A floração ocorre em torno de 70 dias após o plantio, etapa em que é preciso tirar a flor e aplicar o agrotóxico. “Cada folha produz um broto. A gente corta bem em cima do botão inicial e aplica o agrotóxico (líquido) pé por pé, para não crescer a brotação. Logo em seguida, vem a colheita, quando vamos fazendo as apanhadas das folhas, em etapas, conforme o fumo vai ficando maduro”, explica. PLANTA MÍSTICA O engenheiro agrônomo e florestal Sebastião Pinheiro lembra que o cultivo do fumo é uma das mais intrigantes e instigantes colheitas desenvolvidas pela humanidade. É uma planta mística, usada pelos indígenas para introspecção e conexão com os deuses.

“Com a descoberta da América, por Cristóvão Colombo, as sementes do fumo ganharam o mundo”. No Brasil, essa lavoura começou a se desenvolver a partir da Bahia. Não por acaso, todas as armas [brasões/ símbolos nacionais] têm um ramo de fumo florido, expressão do progresso e da riqueza do país. “O tabaco produzido em Venâncio Aires é o melhor do mundo. Mas há interesses de que a região pare de produzir, por causa da concorrência com o fumo de países como China e Estados Unidos, que não são tão bons quanto o nosso”, alerta a vereadora Ana Cláudia Teixeira. O fumicultor Romeu Heinen conta que planta fumo desde os 8 anos de idade. Os filhos ajudarem os pais na lavoura é uma tradição antiga. “Naquele tempo, era diferente e as crianças podiam ajudar. De manhã eu ia para a escola e, à tarde, pegava no serviço. A gente fazia de 10 a 15 arrobas, conforme o clima e o ritmo da produção”, relembra.

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (3)

FOTOS: REPRODUÇÃO

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"O agrotóxico faz parte do pacote tecnológico. O produtor é obrigado a comprar e usar. Na maioria dos casos, a produção é feita em minifúndios, aproveitando terrenos em volta das casas dos agricultores. As pessoas convivem com esses insumos químicos o tempo inteiro.” MARILISE MESQUITA, professora da UFRGS

MORTE “CASADA” Presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), Iro Schünke dá alguns números relativos à safra 2015, cuja produção totalizou 60 mil toneladas nos três estados do Sul: Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. “Ela rendeu pouco mais de US$ 5 bilhões aos 156 mil produtores que temos no campo.” O produtor é quem assume todos os riscos, inclusive o da colheita. A classificação da qualidade do tabaco produzido é feita pela [indústria] fumageira e, nessa relação, o produtor geralmente sai perdendo. Em toda a região de Venâncio Aires é fácil perceber a desarticulação dos produtores. Tudo funciona na base do cada um por si. “Alguns países preferem o fumo que é mais forte. Nesse caso, a firma já tem uma semente de acordo para atender. Hoje em dia não tem como a gente fazer a semente, como antigamente. Ela 30 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

é muito cara, um kit de semente custa muito dinheiro”, explica o fumicultor Inácio Frey. Rogério Heinen, também fumicultor, completa: “O Sebastião Pinheiro já tinha dito que íamos ver um pacotinho de semente ser comercializado a peso de ouro, mas a gente não acreditava. Como? Se bastava ir ali na roça e tirar a semente? Essa ideia de comprar semente não passava pela nossa cabeça. Mas hoje isso é real, estamos pagando por ela.” A prática de “venda casada” também é comum na região. Geralmente, a mesma empresa que compra o fumo vende a semente e o agrotóxico ao produtor, por meio de financiamento. “A gente não é obrigado a vender o produto para eles, mas a preferência é levar na mesma empresa. Alguns conseguem pagar os insumos antecipadamente, mas são poucos.” “O fumo daqui é um monopólio de grandes empresas. Elas monopolizam o crédito via Banco

do Brasil. Não é o agricultor que pede o crédito, é a fumageira. O crédito sai no nome da empresa e ela repassa ao agricultor, que só pode usar adubo e agrotóxico vendido por ela. E o que a empresa faz? Compra num atacado, na Alemanha, vende no varejo aqui e fica com a margem de lucro. Essa é a realidade”, aponta o engenheiro Sebastião Pinheiro. Ainda segundo ele, o uso de uma molécula química como “arma” se deu pela primeira vez na Bélgica, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), pelos alemães. “Terminada a guerra, eles desviaram a arma química para uso do agricultor. É algo absurdo.” Para muitos, o que realmente sustenta a indústria do agrotóxico, não apenas em Venâncio Aires, mas em milhares de cidades Brasil afora, são as políticas públicas e de interesse econômico. Atualmente, de 50 agrotóxicos proibidos na Europa, 22 são consumidos livremente no Brasil, movimentando mais de R$ 30 bilhões por ano. Marilise Mesquita, professora em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) dá uma dimensão da pressão exercida pelas empresas fumageiras sobre os produtores da região de Venâncio Aires. Segundo ela, não é uma escolha do produtor usar agrotóxico somente diante da ocorrência de pragas. “O agrotóxico faz parte do pacote tecnológico. O produtor é obrigado a comprar e usar. Na maioria dos casos, a produção é feita em minifúndios, aproveitando terrenos em volta das casas dos agricultores. As pessoas convivem com esses insumos químicos o tempo inteiro.”


TRISTE CONEXÃO Conforme dados do Ministério da Saúde, das 20 cidades com maior número de suicídios no país, dez são gaúchas. Venâncio Aires lidera a lista, com cerca de 40 casos para cada 100 mil habitantes. Esse índice é bem superior à média nacional, estimada em quatro casos para cada 100 mil habitantes. A conexão entre suicídio e plantadores de fumo é apontada em diversos estudos científicos. Um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul registrava, em 1996, que 80% dos suicídios ocorridos em Venâncio Aires, a maior produtora de tabaco do estado, eram cometidos por agricultores. Esse mesmo estudo indicava aumento nos casos de suicídios, quando o uso de agrotóxicos era intensificado. Segundo pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), o uso de agrotóxicos, como os organofosforados, aumenta as chances de depressão dos agricultores, por atingir o sistema

RICARDO NOGUEIRA: "Secantes usados no fumo deprimem o sistema nervoso central"

Atualmente, de 50 agrotóxicos proibidos na Europa, 22 são consumidos livremente no Brasil, movimentando mais de R$ 30 bilhões por ano nervoso central via inalação. Em 2014, 20% de 100 fumicultores entrevistados sofriam de depressão. O quadro depressivo por exposição aos venenos, somado a fatores sociais e culturais, pode evoluir, levando muitos deles ao suicídio. “Quando você trabalha como agricultor e usa uma série de inseticidas que afetam o hipotálamo (cérebro), você já tem propensão à depressão. O efeito pode tardar por até 20, 30 anos e deixa sequelas. Então, um produtor que trabalha e se vê diante de negociações em que o preço do fumo cai muito, já volta para casa deprimido e busca um jeito de se matar”, afirma Sebastião Pinheiro.

SEBASTIÃO PINHEIRO: "O endividamento também leva produtores à depressão e à morte"

“Sei de pelo menos três casos de morte por enforcamento. O pior é que era gente conhecida: antigos colegas de aula, de jogo de futebol... Isso mexeu muito com a gente”, relata o fumicultor Rogério Heinen. A vereadora Ana Cláudia Teixeira diz se sentir chocada cada vez que se lembra de casos de suicídios ocorridos em Venâncio Aires. “Eu me lembro de fotografia de pessoas enforcadas que tinham os joelhos dobrados numa altura em que poderiam colocar os pés no chão a qualquer momento, ou seja, a decisão de se matar era algo forte demais.” Para o psiquiatra Ricardo Nogueira, uma das possíveis explicações para a elevada ocorrência de suicídios em Venâncio Aires é o fato de os produtores de fumo não usarem equipamentos de proteção individual (EPIs), tais como luvas e óculos, durante a aplicação de agrotóxicos. “Os organofosforados, usados como secantes do fumo, são depressores do sistema nervoso central e levam ao suicídio.” ÁGUA CONTAMINADA A correlação entre o uso de agrotóxicos e suicídios, no entanto, é contestada pelo presidente do SindiTabaco, Iro Schünke. “Hoje não se usa mais agrotóxicos que ficam depositados no solo”, diz. Questionado sobre o risco de contaminação de água e solo, Schünke afirma: “Eu diria que é muito difícil isso ocorrer. A menos que dê uma chuvarada bem na hora da aplicação. O período de tempo que o agrotóxico fica perigoso é de um dia. Aí, não é permitida a reentrada na cultura. Tanto que é posta uma plaquinha para ninguém entrar no dia da

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (3)

aplicação, só no outro dia.” Constatações feitas em campo, no entanto, pelo professor Fernando Mainardi, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, contradizem a fala de Schünke. “Há presença de agrotóxico na lavoura e em volta das casas e na água subterrânea de poços.” O mesmo acontece nos rios. “Mesmo com vazão baixa, em época mais seca e depois que o fumo já havia sido colhido foi constatada a concentração de agrotóxicos. Ou seja, o produto não tinha sido aplicado tão recentemente assim”, avalia. “Vale salientar que, em uma das propriedades, amostras de água coletadas num poço que abastecia a família continham traços de quatro tipos de agrotóxico. Em outros dois poços foi constada a presença de pelo menos um tipo de defensivo”, ressalta a professora Marilise Mesquita, que ainda completa:

AGROTÓXICO é vendido como parte do "pacote" pelas empresas fumageiras e produtores são obrigados a usá-lo

“Pessoas de todas as faixas etárias – de crianças a adultos idosos – ingerem agrotóxico a todo tempo, no chimarrão, na comida... Não é um produto que se degrada com facilidade, ele permanece.” SITUAÇÃO DIFÍCIL De acordo com a vereadora Ana Cláudia Teixeira, todos os estudos feitos pelas empresas da indústria de tabaco revelam que houve aumento tanto da fiscalização nas lavouras quanto do uso de EPIs. “Como é, então, que o número de suicídios aumentou?”, questiona ela, afirmando não ter conhecimento sobre iniciativas ou estudos, por parte das empresas fumageiras, voltados para a redução do uso de agrotóxicos nos cultivos da região. Mas tudo indica que a solução efetiva desse dilema envolve questões econômicas, sobretudo no que se refere aos imposFOTO: REPRODUÇÃO

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tos arrecadados pelo município de Venâncio Aires. Para a vereadora, essa é, sem dúvida, uma questão que ainda paira no ar. “Talvez tenham medo de mexer com essa indústria... Não é brincadeira. É muito difícil falar sobre isso aqui.” Outros subterfúgios para não constar o problema, de fato, também são apontados pelo psiquiatra Ricardo Nogueira. “Há um boicote”, garante. Segundo o médico, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) coordenou um projeto chamado Estudo da Síndrome da Depressão Rural. Tudo corria bem até que os recursos destinados ao projeto serem cortados, assim que a pesquisa começou a comprovar a correlação entre agrotóxicos versus suicídios no campo. Depois de tudo o que vi e ouvi em Venâncio Aires concluí que, quando falamos de falamos de depressão, estamos falando de um problema de saúde. Mas pode haver prevenção e há tratamento. Precisamos combater o uso exagerado de agrotóxicos que, na realidade, é a causa disso tudo. O NA PRÓXIMA EDIÇÃO, confira o quarto episódio da série sobre o desmatamento na Amazônia.

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1 INDÚSTRIA

FLÁVIO ROSCOE VALIDA O

MINAS SUSTENTÁVEL

“O

desenvolvimento sustentável será a marca da Fiemg e da nossa atuação à frente dos 139 sindicatos de indústrias que integramos. A conscientização ambiental por parte dos empresários evoluiu muito. Mas, precisamos avançar ainda mais”. Foi o que declarou o novo presidente Flávio Roscoe, na abertura da Semana de Produção e Consumo Sustentáveis 2018, na sede da instituição, durante as comemorações da Semana Mundial do Meio Ambiente, na capital mineira. Em clima de afeto e descontração, Roscoe foi além, protagonizando algo incomum nas mudanças de comando, seja na área empresarial, seja na política. Não só reconheceu e manteve o trabalho continuado da equipe da Gerência de Meio Ambiente, do qual afirmou ser testemunha. Como também elogiou a condução “eficiente e exemplar” de Wagner Soares Costa, à frente do programa Minas Sustentável desde 2010. O convidado de honra da solenidade foi o secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Germano Vieira, que também brincou com Roscoe sobre quem teria mais cabelos brancos ou os perderia de vez, diante dos desafios em comum, desde o “destravamento” do licenciamento ambiental à crise hídrica que se agrava. “Este 2018 será o ano hídrico da Semad”, disse Germano, lembrando que nem tudo está per33 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

FOTO: SEBASTIÃO JACINTO JR.

Novo presidente da Fiemg garante continuidade do programa que promove a sustentabilidade no meio empresarial há oito anos

ROSCOE: "Precisamos avançar ainda mais"

dido. Pelo contrário, apontou, tal como defende a bandeira do Greenpeace, “onde tem água, tem verde. E vice-versa”. Segundo ele, Minas registra hoje, conforme dados da Fundação SOS Mata Atlântica, o menor índice de devastação deste bioma em 32 anos de pesquisas e vigilância por parte dos ambientalistas, dos órgãos oficiais e da sociedade organizada: “Conseguimos reduzir em 58% as áreas desmatadas em 2016 e 2017, na comparação com o período 2015-16”, frisou o secretário. A cerimônia terminou com a fala também esperançosa do novo presidente do Conselho de Empresários para o Meio Ambiente da Fiemg, Mário Campos,

à frente do Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool do Estado de Minas Gerais (Siamig). Campos também reconheceu e demonstrou, em números, os avanços registrados pelo Minas Sustentável. Entre as conquistas, destacou a redução de 30% da água hoje consumida e recirculada internamente pela indústria. E o reconhecimento obtido pelo programa, vencedor do “Prêmio Hugo Werneck de Sustentabilidade & Amor à Natureza 2014”, promovido pela Revista Ecológico, na Categoria Melhor Empresa. O

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1 INFORME PUBLICITĂ RIO

A CSUL vem realizando diversos estudos e monitoramentos que confirmam a viabilidade do empreendimento, que serĂĄ instalado na regiĂŁo da Lagoa dos Ingleses

CENTRALIDADE AVANÇA Semad autoriza segunda etapa de projeto inÊdito de recursos hídricos no Vetor Sul da Grande BH

S

empre priorizando a preservação do meio ambiente onde estão inseridos, têm se tornado tendência nas grandes metrópoles espaços urbanos capazes de reunir em um só lugar infraestrutura para se viver, morar, trabalhar, ter acesso à cultura e integração com a natureza. São espaços que proporcionam qualidade e conforto no desempenho das atividades da vida cotidiana. Baseada nessa diretriz de sustentabilidade, a CSul Desenvolvimento Urbano realiza um dos maiores projetos de centralidade urbana do país, no Vetor Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Para comprovar a viabilidade da Centralidade Sul proposta pelo Es-

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tado por meio do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH, a CSul vem realizando diversos estudos e monitoramentos TXH GHPRQVWUDP D HĂ€ FiFLD GHVVH GH senvolvimento regional. Um deles jĂĄ estĂĄ sendo realizado na regiĂŁo: ĂŠ a 2a etapa do Projeto de Monitoramento e Pesquisa HidrogeolĂłgica. Trata-se de uma iniciativa inĂŠdita para projetos de parcelamento do solo, tornando a CSul Desenvolvimento Urbano precursora na aplicação dessa metodologia para o segmento. Esse importante passo para a anĂĄlise da disponibilidade hĂ­drica do Vetor Sul da RMBH, frente ao desenvolvimento urbano que jĂĄ acontece naquela regiĂŁo, foi dado com a au-

torização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento SustentĂĄvel (SEMAD). A CSul jĂĄ concluiu a primeira etapa do detalhado estudo de monitoramento e pesquisa hidrogeolĂłgica dos recursos hĂ­dricos no Vetor Sul e acaba de divulgar resultados positivos. Com a autorização para inĂ­cio da segunda etapa do projeto de monitoramento hĂ­drico, os investimentos serĂŁo da ordem de R$ 14 milhĂľes. DEFINIĂ‡ĂƒO DA Ă REA A primeira etapa do Projeto de Recursos HĂ­dricos da CSul consistiu na GHĂ€ QLomR GD iUHD GH HVWXGR TXH YDL alĂŠm dos limites territoriais da empresa. Nesses locais foi realizado o


FOTO: ARQUIVO CSUL

WRGD iJXD VXEWHUUkQHD DUPD]HQDGD no aquĂ­fero ĂŠ renovada anualmente graças Ă recarga durante o perĂ­odo chuvoso. Ă€ medida que tiramos ĂĄgua, a capacidade de armazenamento do aquĂ­fero ou reservatĂłrio VXEWHUUkQHR DXPHQWDÂľ ILQDOL]D

SEGUNDA ETAPA A segunda fase do Projeto de Monitoramento e Pesquisa HidrogeolĂłgica da CSul Desenvolvimento Urbano, autorizada pela Semad, acaba de ser iniciada. Ela corresponde Ă autorização para perfuração de quatro poços tubulares profundos para pesquisa hidrogeolĂłgica no Vetor Sul da RMBH. Neste momento a CSul se prepara para o inĂ­cio das perfuraçþes dos quatro poços para pesquisa hidrogeolĂłgica e oito piezĂ´metros que integrarĂŁo a rede de monitoramento hĂ­drica VXEWHUUkQHD SDVVDQGR HQWmR SDUD pontos de monitoramento, entre suSHUILFLDLV H VXEWHUUkQHRV ApĂłs a perfuração, serĂĄ realizado um ensaio de bombeamento procadastramento de pontos de ĂĄgua prĂłximos ciclos hidrolĂłgicos ĂŠ que longado, junto com o acompanhae implantação da rede de monito- as mĂŠdias pluviomĂŠtricas mante- mento do nĂ­vel de ĂĄgua e das vazĂľes UDPHQWR VXSHUĂ€FLDO H VXEWHUUkQHD nham-se ou passem por aumentos dos pontos de monitoramento, para para levantamento da evolução das considerĂĄveis, relacionados a ciclos determinar as caracterĂ­sticas hisĂŠries histĂłricas da regiĂŁo. De acor- hidrolĂłgicos mais chuvosos, como GURGLQkPLFDV GR DTXtIHUR HVWXGDGR do com o hidrogeĂłlogo da MDGEO indicou o diretor de meio ambien- (Sistema AquĂ­fero CauĂŞ). FinalizaHidrogeologia e Meio Ambiente que te e monitoramento da MDGEO, da essa etapa, a consultoria de recursos hĂ­dricos da CSul, MDGEO acompanha a pesquisa, AntĂ´nio Car- Mauricio Bertachini. Hidrogeologia e Meio Ambiente, los Bertachini, ĂŠ a primeira vez que Ele ressalta ainda que o monitoo Instituto Mineiro de GestĂŁo das ramento de dois anos hidrolĂłgicos atualizarĂĄ o modelo matemĂĄtico hiĂ guas (Igam) aplica a metodologia anteriores Ă explotação de ĂĄgua drogeolĂłgico com todos os dados para um empreendimento imobiliĂĄ- VXEWHUUkQHD D VHU LQLFLDGD DSyV D monitorados e farĂĄ as anĂĄlises do comportamento hĂ­drico da regiĂŁo rio. “O resultado do monitoramento conclusĂŁo da pesquisa hidrogeolĂł- estudada, por meio da simulação de pluviomĂŠtrico da regiĂŁo, iniciado em gica, permitirĂĄ, com segurança, a cenĂĄrios futuros para consumo de agosto de 2016 pela CSul, aponta anĂĄlise tĂŠcnica sobre a sustentabi- iJXD VXEWHUUkQHD XP DXPHQWR VLJQLĂ€FDWLYR GD SOXYLRlidade do uso futuro desse recurOs resultados dessas anĂĄlises semetria local quando comparado aos VR KtGULFR VXEWHUUkQHR SRLV D VH- rĂŁo enviados ao ĂłrgĂŁo ambiental Ăşltimos quatro anos hidrolĂłgicos.â€? A anĂĄlise do Ă­ndice pluviomĂŠtrico gunda etapa da pesquisa consiste para exame das fases subsequentes local, quando comparado aos pe- na perfuração dos poços tubulares do licenciamento, principalmente rĂ­odos chuvosos (outubro a mar- (recentemente autorizada pela SE- para orientar o ĂłrgĂŁo licenciador ço) de 2014/15, 2015/16, 2016/17 MAD). Eles serĂŁo utilizados para no momento de concessĂŁo das e 2017/2018, indica que o perĂ­o- testes de bombeamento e simula- outorgas das diversas fases do emdo chuvoso de 2017/18 atingiu as çþes de cenĂĄrios hĂ­dricos futuros: preendimento. O maiores mĂŠdias desse perĂ­odo. Ou â€œĂ‰ compreensĂ­vel que a comunidaseja, na contramĂŁo dos Ăşltimos cin- de tenha receios de que o uso da SAIBA MAIS co anos de redução da disponibili- iJXD VXEWHUUkQHD SRVVD SURYRFDU R www.csullagoadosingleses.com.br dade hĂ­drica, a tendĂŞncia para os fim do recurso. Mas, ao contrĂĄrio,

JUNHO DE 2018 | ECOLĂ“GICO O 35


1 AGRONEGÓCIO

O FUTURO SUSTENTÁVEL DA

AGRICULTURA BRASILEIRA Documento lançado pela Embrapa apresenta tendências e perspectivas do setor para 2030 baseadas em análises tecnológicas, científicas, socioeconômicas e ambientais

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ontinua repercutindo em meio aos órgãos oficiais e seus parceiros estratégicos o documento Visão 2030: o Futuro da Agricultura Brasileira, lançado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) durante o 8º Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília (DF), para comemorar os 45 anos de atuação da entidade. Trata-se uma robusta e completa análise do setor, coassinada por mais de 400 colaboradores 36 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

da entidade e de instituições parceiras. Realizada ao longo de 18 meses, a publicação identifica todos os sinais e tendências globais e nacionais, sobre as principais transformações na agricultura incluindo questões científicas, tecnológicas, sociais, econômicas e ambientais, além de seus potenciais impactos. Disponível nas versões digital e impressa, Visão 2030 oferece bases para o planejamento estratégico das organizações públicas e priva-

das de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e aponta perspectivas e desafios para a sustentabilidade na agricultura nacional. Um dos destaques do documento é a identificação de sete megatendências: mudanças socioeconômicas e espaciais na agricultura; intensificação e sustentabilidade dos sistemas de produção agrícolas; mudança do clima; riscos na agricultura; agregação de valor nas cadeias produtivas agrícolas; protagonismo dos consumidores;


FIQUE POR DENTRO

Desafios dos sistemas de produção agrícola O Melhorar a genética e o manejo animal para elevar a capacidade de conversão alimentar. O Ampliar o uso de sistemas integrados e sustentáveis de produção agrícola, reduzindo riscos sociais, ambientais e econômicos. O Otimizar o uso de recursos hídricos na agricultura irrigada. O Recuperar áreas degradadas para uso agrícola ou para fins de conservação ambiental, por meio do desenvolvimento de tecnologias e de políticas públicas. O Desenvolver indicadores e protocolos de certificação socioambientais de propriedade rurais, produtos e serviços. O Fomentar pesquisa e aprimorar o desenvolvimento e o uso de ferramentas gerenciais dos sistemas de produção agrícola.

e convergência tecnológica e de conhecimentos na agricultura. A publicação explora aspectos relacionados a cada uma das megatendências e sugere desafios (conheça alguns deles no box ao lado) e oportunidades.

FOTO: ANDREA TAGLIABUE

O Implementar

PROJEÇÕES O Sistema Agropensa da Embrapa trabalha há anos com a análise e a projeção de cenários sobre a MAURÍCIO LOPES: “O Brasil evolução e o futuro da agropecuária no Brasil e no mundo. Tendo tem potencial de produzir alimentos em vista os Objetivos de Desen- únicos, mais nutritivos e alinhados com as demandas dos mercados volvimento Sustentável (ODS) mais exigentes” propostos pelas Nações Unidas, o documento dá continuidade da Agricultura Brasileira” (2014), às análises e prospecções futuras consolidadas em duas outras pu- e “Cenários exploratórios para o blicações anteriores: “O Futuro desenvolvimento tecnológico da do Desenvolvimento Tecnológico agricultura brasileira” (2016).

políticas públicas e programas que promovam a adoção de boas práticas agrícolas e o pagamento por serviços ambientais. O Melhorar o manejo de irrigação de precisão, por meio do uso eficiente e sustentável de água e fertilizantes. O Ampliar a participação de biocombustíveis sustentáveis e de outras fontes de energia renováveis na matriz energética brasileira. O Otimizar o aproveitamento de resíduos agrícolas e o desenvolvimento de novos processos de manejo e de utilização de dejetos de produção animal. O Reduzir perdas e desperdício de alimentos por meio do desenvolvimento de novas embalagens, técnicas de armazenamento, manuseio, transporte, marco regulatório, campanhas de conscientização, banco de alimentos e outras estratégias.

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JUNHO DE 2018 | ECOLÓGICO O 37


1 AGRONEGÓCIO

A agricultura é responsável pela ocupação de 12,2% da superfície terrestre e pelo consumo de cerca de 7% das águas que fluem por rios e lagos do mundo (70% da água consumida) No primeiro estudo, foram indicados os cinco eixos de impacto para orientar a atuação futura da Embrapa. No segundo, identificou-se quatro possíveis cenários para a evolução da agricultura do Brasil a médio e a longo prazo. Segundo Edson Bolfe, coordenador do Sistema de Inteligência Estratégica da Embrapa, as megatendências identificadas na publicação de 2018 são “indicadores de forças que se formam de maneira lenta, mas geram consequências que perduram por um longo prazo na agricultura”. Ele completa: “Nosso objetivo é que as análises geradas contribuam

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para a tomada de decisões estratégicas tanto por parte da Embrapa quanto pelos parceiros públicos e privados rumo ao desenvolvimento sustentável do país”. CONTRIBUIÇÕES DA CIÊNCIA A Embrapa já vem atuando para superar alguns dos desafios apontados pelo estudo. O Sistema de Inteligência Territorial Estratégica da Macrologística Agropecuária Brasileira, lançado em março, atende, por exemplo, o desafio de ampliar o uso da inteligência territorial estratégica em ações de governança e gestão pública e privada das cadeias

produtivas da agricultura. Sistemas de produção intensivos e sustentáveis, soluções resultantes da pesquisa e técnicas que dispensam o uso de insumos químicos integram o conjunto de soluções frente a desafios impostos pela megatendência “Intensificação e sustentabilidade dos sistemas de produção agrícolas”. Um dos principais exemplos de sistemas de produção intensivos e sustentáveis é o de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), implantado atualmente em mais de 11 milhões de hectares no Brasil. Com o audacioso objetivo de chegar a


um milhão de hectares em 2030, a Rede ILPF, constituída em 2012 pela Embrapa e quatro parceiros (Cocamar, John Deere, Soesp, Syngenta), foi transformada desde março último em associação. Tal mudança de status foi marcada pela adesão de dois novos integrantes: a Fundação SOS Mata Atlântica e o Banco Bradesco. Com foco na internacionalização, na agregação de valor por meio da certificação e na inovação, a agora Associação Rede ILPF continuará o trabalho de transferência de tecnologia, capacitação de assistência técnica e de comunicação, buscando aperfeiçoá-lo. Com foco na mitigação dos efeitos da mudança do clima, uma ferramenta criada pela Embrapa é a Plataforma ABC, que

tem como missão articular ações multi-institucionais de monitoramento da redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) dos setores da agropecuária brasileira, sobretudo as reduções derivadas das ações previstas e em execução pelo Plano ABC - Agricultura de Baixa Emissão de Carbono. Entre as soluções resultantes da pesquisa, uma das mais recentes é o processo de inoculação de braquiária com a bactéria Azospirillum que, entre outras vantagens, também traz benefícios ambientais ao favorecer o sequestro de carbono da atmosfera e eliminar a necessidade de aplicação de insumos químicos à lavoura. Segundo Maurício Antônio Lopes, presidente da Embrapa,

o sucesso competitivo e sustentável da agricultura alcançado nas últimas décadas precisa ser intensificado para que o país permaneça aproveitando suas vantagens comparativas e consiga assumir o papel de líder mundial no fornecimento de alimentos, fibras e energia. “A diversidade, pluralidade e heterogeneidade cultural, socioeconômica e ambiental do país é uma grande força competitiva e importante diferencial para irmos muito além da produção de commodities. O Brasil tem potencial de produzir alimentos únicos, mais nutritivos e alinhados com as demandas dos mercados mais exigentes”, pondera Lopes. O SAIBA MAIS www.embrapa.br

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1 EMPRESA & MEIO AMBIENTE

MEXILHÃO-DOURADO (Limnoperna fortunei)

UMA LUTA DE

LONGO PRAZO Há cerca de duas décadas, Cemig tenta controlar o mexilhão-dourado, espécie exótica invasora que causa inúmeros prejuízos ao país. Em parceria com a UFOP, empresa anuncia novos investimentos para pesquisa e inovação Cristiana Andrade redacao@revistaecologico.com.br

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esquisas científicas conduzidas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) para a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) prometem minimizar ainda mais a ação de uma espécie exótica invasora que há pelo menos duas décadas se tornou uma das maiores inimigas de usinas hidrelétricas, pequenas centrais elétricas e reservatórios para abastecimento humano: o mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei). Em seu mais recente edital de financiamento de pesquisas, lançado em 2017, a Cemig se comprometeu a investir R$ 7,3 milhões na segunda fase de um estudo 40 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

a ser conduzido pela UFOP, nos próximos quatro anos, na área de bioengenharia. E também no desenvolvimento de novos materiais para aplicação em ecossistemas e usinas hidrelétricas no combate ao mexilhão-dourado. Segundo a coordenadora do Núcleo de Qualidade de Águas da Cemig, Marcela David, o projeto é a continuidade de uma linha de pesquisa associada ao conhecimento do mexilhão-dourado. E dá sequência a 20 anos de estudos feitos em parceria com inúmeras instituições de pesquisa sobre essa espécie. Superada a etapa de conhecimento básico do mexilhão e sua

interação com o meio ambiente, onde se instalou nos cursos de água, estão sendo desenvolvidos novos arranjos científicos com o uso da nanotecnologia. “O objetivo é desenvolver novas formas de controle específicas para a espécie, trabalhando a genética do organismo para entender sua ação e interação no ambiente. E como isso interfere na ecologia da população e a forma com que se relaciona com os diferentes materiais e estruturas onde se instala”, explica. Além disso, o projeto visa, com os novos conhecimentos gerados, contribuir com o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto


FOTO: TULIO NOGUEIRA

FIQUE POR DENTRO

O Originário da Ásia, o mexilhãodourado chegou às águas do Brasil pelo Sul do país. O primeiro registro ocorreu em 1998, no Rio Grande do Sul, e desde então foi se dispersando pelas principais bacias hidrográficas.

Em apenas 10 anos, espalhouse por quase toda a bacia dos rios Paranaíba, Paraná e Paraguai, além da região do Pantanal, no Rio Grande (divisa de Minas, com São Paulo e Goiás), e também no Alto Rio São Francisco. O

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), que gerenciam o Plano de Combate e Controle do Mexilhão-Dourado no país. “A captação de água para irrigação e abastecimento público, a produção de energia e várias outros segmentos econômicos ficam comprometidos com a presença do mexilhão-dourado, que se fixa em diversos tipos de estruturas e materiais, entupindo tubulações e impedindo as atividades”, explica o superintendente de Gestão Ambiental da Geração e Transmissão da Cemig, Enio Fonseca. Ele acrescenta que, além de parar operações complexas nas usinas hidrelétricas, a presença do mexilhão exige uma completa reprogramação de manutenção em diversos tipos de reservatórios. “O mexilhão entope tudo. Ele já parou operações de captação de água para abastecimento em dezenas de cidades, impactou a operação de usinas hidrelétricas situadas na bacia do rio Paraná e prejudicou atividades de irrigação. Além do setor elétrico, sua presença prejudica tanques de peixamentos e diversas outras atividades”, ressalta Fonseca. BIOENGENHARIA De acordo com Antonio Vala-

A Cemig vai investir R$ 7,3 milhões na segunda fase de um projeto da UFOP para desenvolver novas soluções a fim de combater o avanço do mexilhão-dourado dão, professor no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Materiais da UFOP/Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg)/Rede Temática em Engenharia de Materiais (Redemat), na primeira etapa do projeto foi possível avançar muito na investigação do “corpo” do mexilhão por meio de várias técnicas de microscopia de força atômica (AFM, em inglês), para conhecer os mecanismos de adesão da espécie. Outro foco da pesquisa foi a concha do mexilhão e sua micro (e nano) arquitetura, aponta Valadão. “Avançamos bastante no estudo da biomineralização e publicamos um livro em português e inglês, disponível online (www.bio-mineral.org), em que fazemos uma conexão, ainda inicial, entre a Teoria da Evolução de Charles Darwin e as teorias

O Mais recentemente, foi detectado no Rio Paranaíba, na divisa de Minas Gerais com Goiás. É encontrado ao longo dos rios e também em reservatórios dessas bacias. O principal desafio é o controle do mexilhão no ambiente natural (reservatórios, rios, lagos etc.), pois o tratamento usado em área industrial não se aplica a essas regiões.

de ciência dos materiais. Todos esses estudos sobre o mexilhãodourado só foram possíveis devido à criação do Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras de Hidrelétricas (CBEIH) [leia mais a seguir], financiado pela Cemig e apoiado pela Redemat”, afirma. Na segunda fase da parceria de desenvolvimento científico entre Cemig e UFOP, os pesquisadores vão se debruçar sobre a aplicação da bioengenharia – que une princípios da biologia à engenharia – para criar novos materiais e mecanismos, por meio de agentes biológicos, na tentativa de impedir que o mexilhão-dourado se fixe nas estruturas das usinas hidrelétricas. O combate químico da espécie é regulamentado por normas do Ibama e da Agência Nacional de

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FOTO: HELEN MOTA

1 EMPRESA & MEIO AMBIENTE

Curiosidades Água de lastro

EXEMPLARES de mexilhões encontrados no Rio Paranaíba: sem inimigos naturais, eles se espalham pelos rios

Vigilância Sanitária (Anvisa). Há apenas dois produtos licenciados no país com essa finalidade: o dicloro isocianurato de sódio e o MXD-100. Este último foi desenvolvido a partir das pesquisas elaboradas nos primeiros projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) desenvolvidos pela Cemig. “Acompanhar questões que envolvem espécies invasoras nos meios aquáticos com impacto nas usinas, na produção de pescados, no abastecimento público e nas comunidades onde atuamos é ponto importante na política ambiental da Cemig. Por isso, os estudos e investimentos em PD&I com a academia são essenciais para produzirmos informação de qualidade para toda a sociedade, inclusive para os gestores das águas”, complementa o superintendente Enio Fonseca. SEM PREDADORES NATURAIS A periculosidade do mexilhão-dourado está associada justamente à sua capacidade de se fixar em praticamente qualquer material. E também de se adaptar ao ambiente local, com rápida taxa de crescimento e grande força reprodutiva. 42 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

É o líquido recolhido aos porões dos navios na origem e despejado no destino para dar estabilidade, propulsão e permitir o gerenciamento de manobras dos barcos. É considerada o principal veículo de disseminação de trilhões de minúsculas espécies invasoras, tornando-se um sério problema em escala mundial. Por ano, mais de 40 mil embarcações passam pelo Brasil, levando e trazendo intrusos em mais de 10 bilhões de toneladas de água de lastro, com cerca de 3 mil espécies exóticas invasoras de todo o mundo.

Impactos econômicos e socioambientais Os mexilhões usam a própria natureza para se dar bem: agarram-se às raízes das matas ciliares, onde ocorrem as desovas de peixes nativos, matando os berçários. Assim, não apenas garantem sua presença no local como eliminam o risco de predadores. Eles filtram a água para retirar o fitoplâncton, organismos que flutuam e representam o primeiro elo da cadeia alimentar: aquele que fornece nutrientes para todo o ecossistema. Com isso, o zooplâncton, composto por animais

Sem predadores naturais, sua presença nos ecossistemas aquáticos brasileiros vem causando sérios danos ambientais e econômicos a diferentes setores produtivos que usam a água em seu estado bruto. O número de moluscos nativos vem sendo im-

de diversos tamanhos, como crustáceos e algas, fica prejudicado, pois a água fica sem nutrientes: pobre e doente. O impacto ambiental com a perda de biodiversidade é incalculável. Na economia, o mexilhão-dourado gera prejuízos com os altos gastos de manutenção de equipamentos por prefeituras, companhias de abastecimento de água e esgoto, empresas geradoras e fornecedoras de energia elétrica; bem como na potabilidade da água e no tratamento de doenças decorrentes da contaminação.

Reprodução O mexilhão-dourado tem reprodução externa, ou seja: óvulos e espermatozoides são liberados e se encontram na água. Forma larvas com pouco mais de 2mm que, nadando, se agarram a qualquer substrato no leito dos rios e lagos, como rochas, troncos, redes, plásticos, pedaços de tijolos, tubos, entre outros. Consegue formar colônias com densidade de até 180 mil indivíduos por metro quadrado.

Fonte: “A invasão perigosa do mexilhão-dourado e de outras pragas”, Dorinha Aguiar.

pactado pela rápida dispersão do mexilhão-dourado, além de haver forte redução em diversidade e número de espécies. Por ser um espécime filtrador, ele também pode alterar a transparência da água nos reservatórios, além de estar relacionado ao apareci-


FOTO: TULIO NOGUEIRA

Organismo bivalve (tem duas conchas), o mexilhão-dourado obstrui e entope canos, turbinas e tubulações de sistemas de hidrelétricas e reservatórios de abastecimento de água mento de macrófitas submersas, em razão da diminuição da transparência da água. E, consequentemente, do aumento da penetração de luz, o que favorece a proliferação dessas plantas, que podem causar outras consequências (como a restrição à navegabilidade de pequenas embarcações). CONTROLE EFETIVO E INTEGRADO A Cemig, em parceria com a Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec), investiu em novos projetos por meio do Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras de Hidrelétricas (CBEIH). Esse centro foi criado a partir do P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), grupo de trabalho de controle do mexilhão-dourado: bioengenharia e novos materiais para aplicações em ecossistemas e usinas hidrelétricas. A fim de otimizar os processos de detecção e manejo

de espécies invasoras aquáticas, o CBEIH desenvolveu o Programa de Detecção Rápida e Resposta Imediata (DRRI), compartilhado com diferentes setores da sociedade, incluindo órgãos ambientais de controle interessados nesse tema. O conhecimento gerado pelas pesquisas dos projetos de PD&I já realizados permitiram o desenvolvimento de um robusto programa de educação ambiental realizado junto às comunidades lindeiras aos cursos de água e reservatórios. Graças a esse trabalho, a Cemig retardou a chegada do mexilhão-dourado aos rios de Minas Gerais em cerca de 10 anos. De acordo com Marcela David, o conhecimento da biologia avançada da espécie, associado aos aspectos ecológicos dos ambientes invadidos, é essencial para o desenvolvimento de técnicas de prevenção, detecção, monitoramento e con-

trole do invasor. “Essas pesquisas de base são ainda essenciais para o desenvolvimento de modelos ambientais preditivos que, apoiados em ferramentas computacionais, possam indicar áreas mais suscetíveis à invasão, direcionando esforços e otimizando os custos para prevenção e contenção da invasão em ambientes tropicais.” De acordo com a Cemig, para o efetivo controle do mexilhão-dourado é essencial, ainda, a integração de órgãos de fiscalização do governo, prefeituras, empresas de abastecimento de água e saneamento, bem como centros de pesquisa, universidades, indústria e empresas de energia, por meio de ações de educação ambiental, prevenção, monitoramento e controle da dispersão da espécie. O SAIBA MAIS www.cemig.com.br

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FOTO: SANDERSON PEREIRA

1 RECONHECIMENTO

CACHOEIRA DO CASCALHO, um dos pontos ecoturísticos mais visitados da região: vocação hídrica

ITABIRITO PREMIADA Projeto desenvolvido pela Prefeitura Municipal é um dos vencedores da sexta edição do Prêmio FecomercioSP de Sustentabilidade J. Sabiá e Bruno Frade redacao@revistaecologico.com.br


FOTO: SEMAM ITABIRITO

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UMA DAS ações do projeto premiado é a recuperação da cobertura vegetal por meio do plantio de mudas, envolvendo estudantes de escolas rurais

Educadores ambientais da Secretaria de Meio Ambiente estão visitando todos os domicílios da zona rural itabiritense para levar orientações sobre a preservação do meio ambiente. E o mais importante: mostram como cada cidadão é valioso para conservar os recursos naturais e garanFOTO: RUBENS CHIRI

izem que é na cidade de Itabirito que realmente se vive Minas Gerais em sua totalidade. E há motivos que explicam isso. Com seus 50 mil habitantes, o município tem tudo o que faz um mineiro se sentir integralmente em casa: a religiosidade marcante, o respeito à própria história, a gastronomia reconhecida, a cultura e a arte que cativam... E, claro, a natureza exuberante. Afinal, quem não conhece as famosas cachoeiras e trilhas ecológicas da cidade, protegidas pelas suas montanhas ainda verdes? O nome Itabirito vem do tupi-guarani e significa “pedra que risca vermelho”, em homenagem ao minério de ferro abundante na região. O principal curso d’água também leva o mesmo nome: Rio Itabirito, que nasce, atravessa seu território e deságua no Rio das Velhas. A cidade encontra nas águas a sua “menina dos olhos”. E o reconhecimento maior de todo o trabalho que vem sendo desenvolvido para melhorar a qualidade dos recursos hídricos da cidade e da região se deu no início de maio, quando uma das iniciativas do Programa de Águas Integradas (PAI) - desenvolvido pela Prefeitura Municipal por meio das secretarias de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Agricultura, Pecuária e Abastecimento-, foi um dos vencedores da sexta edição do “Prêmio FecomercioSP de Sustentabilidade” na categoria “Órgão Público”. Trata-se do Projeto de Educação Ambiental nas Áreas Rurais de Itabirito, que visa promover a consciência ambiental de moradores e estudantes da rede municipal da zona rural. Iniciado em 2013, o projeto atende direta e indiretamente mais de 1,8 mil pessoas por meio de ações que incluem capacitação de produtores, cercamento e preservação de áreas verdes e atividades pedagógicas nas instituições rurais de ensino.

EMERSON KAPAZ, fundador da Abrinq, entrega o prêmio a Antônio Marcos Generoso, secretário de Meio Ambiente de Itabirito: comemoração ecológica

tir um futuro mais sustentável e equilibrado para todos. Também é disponibilizada à população uma cartilha com orientações sobre economia de água, reciclagem e compostagem de resíduos, além de soluções sustentáveis de tratamento de esgoto no campo, como as fossas sépticas. “O prêmio é um reconhecimento ao trabalho sério e profissional de toda a nossa equipe em prol da preservação dos recursos hídricos da cidade. Além disso, é uma oportunidade de destacar Itabirito no cenário nacional por sua preocupação com a natureza”, ressaltou Antônio Marcos Generoso, secretário municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, ao receber a estatueta durante solenidade na sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), na capital paulista. A sexta edição do prêmio, na qual o Projeto de Educação Ambiental se destacou, teve cerca de 800 projetos inscritos. O concurso objetiva fomentar e reconhecer boas ideias e práticas sustentáveis em diversos setores JUNHO DE 2018 | ECOLÓGICO O 45


1 RECONHECIMENTO que estimulam a sociedade brasileira nas ações voltadas para o equilíbrio do planeta, levando em consideração a inovação e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU). ÁGUAS INTEGRADAS O Projeto de Educação Ambiental nas Áreas Rurais de Itabirito é um dos pilares do Programa de Águas Integradas (PAI), que é mais abrangente. Consolidado pelo prefeito Alex Salvador por meio do Decreto nº 11763, de 2017, o programa nasceu a partir de um mapeamento detalhado da bacia hidrográfica do Rio Itabirito. O estudo foi financiado pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Velhas), por intermédio da Agência de Bacia Peixe Vivo. “O programa é importante para controlar as pressões, os impac-

O projeto beneficia 1,8 mil pessoas da zona rural, incentivando o cercamento e a preservação de áreas verdes tos ambientais locais e delimitar as áreas prioritárias para conservação e recuperação da biodiversidade na bacia. Nosso objetivo é melhorar cada vez mais a qualidade das águas e consolidar a política pública de reestruturação hídrica do município”, afirma Antônio Generoso. A meta do programa é ousada: beneficiar todos os 50 mil habitantes das zonas urbana e rural de Itabirito. Além do Projeto de Educação Ambiental, o PAI é dividido em sete outras frentes: cercamento de áreas protegidas;

recuperação da cobertura vegetal; controle e recuperação de erosão; medidas individuais de saneamento rural; capacitação de produtores rurais; pagamento por serviços ambientais; e desassoreamento dos rios. Segundo o secretário, as ações desenvolvidas pelo programa já rendem resultados positivos para a cidade. “Eles incluem a melhoria da qualidade e da quantidade de água no Rio Itabirito durante todo o ano e a redução do impacto de enchentes na cidade. Mesmo com quantitativo similar de chuvas, desde 2013 reduzimos o consumo de água. Implantamos barraginhas, adequamos estradas rurais e 20 hectares de áreas degradadas receberão plantio de mudas nativas. Além disso, estamos trabalhando para atingir 90% de tratamento de esgoto”, completa Antônio. O êxito do PAI também pode

DESASSOREAMENTO do Rio Itabirito

FOTO: DIVULGAÇÃO

MOBILIZAÇÃO social por meio da orientação de educadores ambientais

FOTO: SEMAPA ITABIRITO

FOTO: SEMAM ITABIRITO

PROGRAMA DE ÁREAS INTEGRADAS (PAI) DE ITABIRITO em imagens

ADEQUAÇÃO de estradas rurais

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FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

ODILON DE LIMA (destaque) e sua propriedade de 300 hectares: plantio de mudas nativas, tratamento de esgoto e nascente protegida

ser medido pela adesão crescente de proprietários rurais, que têm importância fundamental para o avanço do programa. Odilon de Lima é um deles. Em sua propriedade, de 300 hectares, ele mostra que é possível produzir com respeito à natureza: além de cavalos, cria peixes como pintado e tilápia, que são alimentados com restos de comida e cascas de frutas. “Tenho uma nascente aqui na propriedade que é cercada pela mata e está toda protegida.

Até fiz uma barraginha na parte mais alta. Também implantei uma estação de tratamento de esgoto. Todos os dejetos da fazenda vão para lá. Uma vez por mês, recolhemos e colocamos lá 20 litros de fezes de vacas. As bactérias ali presentes promovem o tratamento, que é biológico. No fim do processo, esses dejetos viram um líquido com nutrientes ricos em hidrogênio, que usamos para a plantação de mudas”, diz Odilon, que ainda tem uma horta e um viveiro de plantas no local. A quantidade de árvores na propriedade impressiona. E transformou o lugar em um refúgio de aves, que incluem maritacas e araras. “Pedi a Deus para viver só 103 anos (risos). E, na hora em que for embora, quero que meus filhos digam: ‘Nossa! Ele deixou 300 hectares de mata verde, não dá para fazer nada mais aqui!’. Não podemos depredar a natureza. Apesar de ela saber cuidar de si mesma, temos de ajudá-la também.” O SAIBA MAIS www.itabirito.mg.gov.br

FIQUE POR DENTRO

Objetivos do Programa de Águas Integradas (PAI) de Itabirito O Aumentar a oferta de água na Bacia do Rio Itabirito por meio da adequada alimentação do lençol freático. O Melhorar a qualidade e a quantidade de água.

Reduzir enchentes e prevenir desastres. O

O Conservar e recuperar as faixas marginais de proteção. O Incentivar a adoção de práticas conservacionistas de solo. O Promover o reflorestamento e aumentar a cobertura vegetal do município. O Reduzir os níveis de poluição difusa rural decorrentes dos processos de erosão e sedimentação. O Conservar, recuperar a biodiversidade e incentivar a conservação dos ecossistemas, entendida como sua manutenção e uso sustentável. O Promover a regularização legal das propriedades rurais.

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GESTÃO & TI ROBERTO FRANCISCO DE SOUZA (*) redacao@revistaecologico.com.br

QUALIA

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m 1979 começou o meu namoro. Um livro pequeno e frágil assumiu a liderança em meu campeonato secreto dos melhores que já lera. O nome? Caminhada. O autor? Hermann Hesse. Não havia explicação fácil na escolha. O único jurado era Euzinho de Souza – só eu mesmo. Se critérios havia? Acho que não. Deponho que o texto era de uma elegância encantadora. Lembro-me de imaginar cada lugar descrito como se eu lá estivesse, andando, lado a lado, com Hermann, para quem, anos mais tarde, escrevi uma carta póstuma que nunca foi postada e ainda guardo com carinho. Mas não deve ter sido por isso. Enquanto escrevo, tenho o objeto de meu namoro em mãos. Fora o cheiro de livro antigo que ativa uma rinite tão antiga quanto ele, encontra-se em bom estado. Olho-o, como se fosse mesmo a namorada perdida e há tanto tempo não vista, e procuro uma razão para ter amado. Meus feromônios cansados logo se atiçam só de olhar a capa. Há nela, e em todo o livro, um encanto único, virgem a ser desvendado. São gravuras de Hermann. Nunca soube mesmo explicar o motivo de minha paixão. Mas acho que eram elas. Simples, delicadas, instigantes, fugidias. Sua delicadeza, ao mesmo tempo sua força, convidando-me a praticar... Qualia! Qualia é pessoal. Qualia é sentimento e sensação. E sensação é tempo e lugar. Naquele dia, em 1979, minha Qualia viu o que não sei e não me interessa se outros viram. Isso aconteceu de novo poucas vezes. Anos depois, sem trair Hesse, apaixonei-me por A Sabedoria e o Destino, de Maeterlinck, e passei a viver com eles um romance a três, denso e desafiador. Eis que a fronteira da arte pode ser quebrada pelas máquinas. E se for? Quando um algoritmo compõe, escreve ou tinge de tons um quadro em branco é como se nos eviscerasse, pondo à mostra o que resta de humano em nós, pisados em nossa com-

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petência subjugada, inúteis em nossa existência. Que pintem os robôs, que escrevam, que cantem até... Pero ¡No Pasarán! Que tenham Qualia, mas não será a minha Qualia. E esta será minha vitória! Considere assim, que se conduza um Teste de Turing (que verifica a capacidade de uma máquina ter comportamento equivalente ao de um ser humano) para investigar se um algoritmo produziu arte. Ponham Bach tocando suas mais sublimes notas e ponham a máquina com suas belíssimas peças. Uma plateia leiga, que tenha Qualia e não crítica, estará presente. Precisa ser encantada por um ou por outro. Precisa confundir-se entre neurônios e fios, tonta em decifrar o autor humano. Tudo inútil. Os escrutinadores procurarão nos votos a resposta e ela estará dada. Alguns se apaixonarão por Bach, outros não. Sem culpa alguma dirão que foram encantados pela máquina, como fui aos 18 anos pelas aquarelas de Hesse. Continuarão fiéis à raça humana porque, afinal, o segredo de ser humano é se encantar. O

TECH NOTES O que é Qualia goo.gl/E7UYpG

O 1.

Máquinas podem possuir Qualia? goo.gl/8ot1GU

O 2.

Conheça Caminhada, de Hermann Hesse goo.gl/vj2EjM

O 3.

(*) CEO & Evangelist da Kukac Plansis, fundador do Arbórea Instituto.


No 57


1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - ICEBERGS

Luciana Morais redacao@revistaecologico.com.br

BELEZA AZULADA: camadas coloridas surgem em icebergs quando falhas no gelo são preenchidas por água

Impelidos pelas correntes marítimas, os icebergs flutuam nas águas oceânicas e são foco de monitoramento constante, a fim de evitar colisões com embarcações Luciana Morais redacao@revistaecologico.com.br

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o inglês ice (gelo) e do sueco berg (montanha), o iceberg é uma grande massa de gelo flutuante, ou encalhada, desprendida de uma geleira e formada pela acumulação de neve. Por definição, deve ter mais de cinco metros acima do nível do mar. Tema de inúmeros estudos e pesquisas, esses gigantes gelados povoam o imaginário das pessoas em diferentes países, marcando presença inclusive no cinema, em um dos filmes mais assistidos no mundo, o emblemático Titanic. Dirigida por James Cameron, a produção foi inspirada no transatlântico – de

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271 metros de comprimento, 27 metros de largura e 40 metros de altura – que naufragou, em abril de 1912, após se chocar com um iceberg, causando a morte de mais de 1.500 pessoas. Impelidos pelas correntes marítimas, os icebergs flutuam nas águas oceânicas e, por isso, são foco de acompanhamentos permanentes, a fim de evitar colisões com embarcações. Um exemplo é a Patrulha Internacional do Gelo (IIP, na sigla em inglês), vinculada à Guarda Costeira dos Estados Unidos. Criada após o naufrágio do Titanic, a IIP é responsável pela vigilância de uma área de mais de

1,7 milhão de km², no noroeste do Oceano Atlântico, em especial da região conhecida como “corredor de icebergs”, situada perto da província canadense de Terra Nova e formada por massas de gelo que se desprenderam da Groenlândia. Para evitar acidentes e naufrágios, a IIP chegou a pintar icebergs de vermelho, mas a cor não se manteve neles. Tentou, ainda, fixar radioemissores e até mesmo bombardeá-los, tudo sem sucesso. Felizmente, desde 1959 não há registro de acidentes fatais envolvendo icebergs na região. Atualmente, as equipes da IIP concentram suas atividades em


FIQUE POR DENTRO

Idade glacial: intervalo de tempo na história geológica, de alguns milhões de anos de duração, marcado pelo esfriamento generalizado e múltiplos avanços (glaciais) e retrações (interglaciais) da glaciação sobre a terra emersa e oceanos.

Glaciação: modificação da superfície terrestre pela ação das massas de gelo. Do ponto de vista glaciológico e do clima atual, refere-se à sequência de glaciais-interglaciais iniciada há cerca de três milhões de anos.

ações de prevenção e alerta, com base em dados de satélites, de aviões-radares e informações repassadas por navios que singram aquela porção de mar. FAMOSA EXPRESSÃO Os icebergs são mais comuns no Oceano Atlântico e na Groenlândia, ao norte, e na Antártica, ao sul do planeta. Os com mais de 2 km de extensão são geralmente encontrados no Oceano Austral. Ocasionalmente também ocorre o desprendimento de icebergs gigantes a partir das plataformas de gelo antárticas, alguns deles ultrapassando 5 mil km2 de área. Ao contrário do que muitos pensam, os icebergs são formados de água doce, variando em sua forma e tamanho. Podem pesar milhões de toneladas e atingir altura equivalente à de prédios de 20 andares (acima da

superfície da água). Os riscos de navegação associados a essas massas de gelo flutuantes se devem, principalmente, ao fato de não ficarem visíveis em sua totalidade. Na maioria dos casos, cerca de 90% de sua massa fica submersa. Daí o surgimento daquela conhecida expressão: “Isso é apenas a ponta do iceberg”, em alusão a problemas ou situações nos quais não se tem noção do todo ou da profundidade/complexidade de uma questão. Quanto ao formato, os icebergs podem ser tabulares (com topo plano), mais comuns na Antártica, ou não tabulares, quando adquirem formas variadas (pontiagudos/achatados), à medida que ocorre o seu derretimento. Conforme especialistas, é válido ainda ressaltar a diferença entre iceberg e banquisa, termo que

O O maior iceberg já detectado tinha 90 x 210 km (18.900 km2) e se separou da plataforma de gelo Filchner-Ronn, na Antártica, em 1986. Um pedaço desse iceberg chegou à costa do Uruguai, em 1992. O Em julho do ano passado, uma massa de gelo equivalente ao tamanho do Distrito Federal se desprendeu da Antártica. Batizado de A-68, esse iceberg de mais de 5 mil km2 integrava a Larsen C, uma das maiores plataformas de gelo flutuante, que totaliza 50 mil km². O Cientistas acreditam que a liberação do A-68 pode desencadear um efeito cascata e acelerar o colapso da Larsen C, conduzindo-a ao mesmo destino das Larsen A e B, que se desintegraram em 1995 e 2002, respectivamente. A previsão é que desapareçam por completo até o fim desta década. O De acordo com o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU, as regiões polares têm sido as mais afetadas pelo aquecimento global. As temperaturas no Ártico têm se elevado mais rapidamente e a tendência é que a espessura da camada de gelo nas zonas polares seja substancialmente reduzida até 2100.

designa qualquer área de gelo marinho (ou seja, o mar congelado), com exceção do gelo fixo à costa, não importando sua forma ou disposição. A maior parte da água que ocupa cerca de 70% da superfície terrestre é salgada: 97%. As geleiras constituem 2% da água do planeta. Só 1% do total de água está acessível ao uso humano em rios e lagos.

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1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - ICEBERGS

AS GELEIRAS constituem 2% da água do planeta

Fique por dentro O A dinâmica de formação de um iceberg O A flutuação do iceberg também pode ser é simples: as geleiras fluem do explicada pelo Princípio de Arquimedes, continente para o mar. Ao chegar segundo o qual um corpo imerso à costa, ficam sujeitas ao em líquido irá flutuar, afundar VOCÊ SABIA? movimento das ondas e das ou ficar neutro, de acordo com Que icebergs podem apresentar marés e o calor também pode o peso do líquido deslocado camadas coloridas, em formato de derreter água, fragilizando o por este mesmo corpo. Em estrias ou manchas? Isso ocorre quando gelo. Tudo isso faz com que outras palavras, significa as falhas no gelo são preenchidas por um iceberg se separe da que o peso de todo o líquido água, que se congela rapidamente sem geleira. Ou seja, icebergs que um iceberg desloca formar bolhas. Quando a consolidação ocorre nas partes inferiores, onde há são fragmentos de geleiras. é maior do que seu peso, maior presença de algas, podem surgir fazendo com que ele flutue. O Mesmo enorme e pesado, manchas esverdeadas nos icebergs. Outras cores também podem ser O O tempo para um o iceberg flutua porque a agregadas a eles devido à ação de densidade do gelo é menor do iceberg derreter ou evaporar sedimentos carreados pela água. que a da água no estado líquido completamente pode se que o cerca. Essa, aliás, é uma estender por mais de décadas, característica do gelo: sua densidade dependendo da incidência dos raios (ou seja, massa dividida pelo volume que solares, da temperatura da água e da ocupa) é menor do que a da água. dinâmica das correntes marítimas.

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FONTES/PESQUISA BIBLIOGRÁFICA UFRGS/Inctcriosfera, BBC Brasil, Ciência Hoje, Unisinos, Todo Estudo, Galileu.


FOTO: ARQUIVO PESSOAL

TRÊS PERGUNTAS PARA...

JEFFERSON CARDIA SIMÕES Glaciólogo, vice-presidente do Comitê Científico Sobre Pesquisa Antártica (SCAR), professor do Instituto de Geociências da UFRGS e professor visitante do Climate Change Institute da Universidade do Maine (EUA)

Apreciação e respeito O senhor já participou de mais de 22 expedições e liderou a missão que instalou, em 2012, o primeiro módulo científico brasileiro no interior da Antártica. Qual a importância das pesquisas feitas naquele continente para o Brasil? As regiões polares são tão importantes quanto os trópicos no sistema ambiental global. A região Antártica tem papel essencial na circulação atmosférica e oceânica e no sistema climático terrestre. É uma das regiões mais sensíveis às variações climáticas, estando interligada com processos que ocorrem em latitudes menores, em especial com a atmosfera sul-americana e os oceanos circundantes. As massas de ar frias geradas sobre o Oceano Austral avançam sobre a América do Sul subtropical, produzindo eventos de baixa temperatura e geadas nos estados do sul do Brasil (as frentes frias que podem chegar até o sul da Amazônia). A sensibilidade da região às mudanças ambientais é enfatizada, por exemplo, pela carência planetária de ozônio estratosférico (o “buraco de ozônio”) que ainda atinge recordes sobre a Antártica; além disso, pequenas variações no volume do manto de gelo antártico (onde está 90% do gelo da Terra) afetam diretamente o nível do mar nas nossas praias.

Nós apoiamos essa ideia!

Como colaborador do IPCC, qual a sua opinião sobre a correlação entre aquecimento global, derretimento de geleiras e aumento do nível do mar? A ciência que eu faço, dos testemunhos de gelo – que tem a habilidade de reconstruir a história do clima e da química atmosférica em alto grau de detalhe –, mostra claramente o impacto do homem após a Revolução Industrial no sistema ambiental e como isso se intensificou nas últimas cinco décadas. Ainda hoje temos um rico acervo de monitoramento de geleiras, de mais de 130 anos, mostrando o rápido descongelamento concomitante ao aumento da temperatura atmosférica e mudanças na química dessa mesma atmosfera. Para mim e para 98% da comunidade científica, o componente antrópico é indubitável no aquecimento global. Em 2004, o senhor se tornou o primeiro brasileiro a atravessar, por via terrestre, o manto de gelo da Antártica até o Polo Sul. O encantamento diante dos mistérios e belezas dos ambientes gelados supera o medo do imprevisto, a exposição às baixas temperaturas e o isolamento? Que sensações guarda de suas experiências em campo? Apreciação e respeito à natureza: da experiência bela de poder viver neste planeta, da passagem momentânea do viver e, principalmente, da brevidade e da insignificância do nosso tempo aqui. A Antártica o torna humilde! O

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ESTADO DE ALERTA MARIA DALCE RICAS (*) redacao@revistaecologico.com.br

AMEAÇA NO VETOR SUL

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megaempreendimento CSul, que prevê im- dos grandes condomínios da região, como o Alphaplantar uma cidade com cerca de 220 mil ha- ville. Cabe perguntar: se a prefeitura nunca impediu bitantes no Vetor Sul de Belo Horizonte, até crescimento desordenado no município, por que agora passou despercebido da imprensa e da maior mudaria sua postura agora? parte da sociedade. No entanto, seu potencial de É desanimador lembrar que o licenciamento amimpactos ambientais pode ser muito maior do que biental continue sendo feito de forma pontual, sem os causados pela ruptura da barragem da Samarco. considerar efeitos radiais, proteção de ambientes Mas nunca gerará imagens feias e chocantes como a naturais e disponibilidade de água, que já no prelama derramada na Bacia do Rio Doce. Serão grada- sente é problema. E num cenário futuro de demantivos e aparentemente pouco perceptíveis. da por mais alguns milhares de pessoas e aumento Começarão pela supressão de grandes áreas de da degradação dos aquíferos, é óbvio que não havepreciosos e raros ecossistemas associados à Mata rá água para todos. Atlântica, especialmente de campos ferruginosos. Ignora-se também o potencial de impactos sobre Depois, começarão as construções. E quanto mais unidades de conservação existentes na região: Paravançar a ocupação, mais pesque Rola-Moça, monumentos soas serão atraídas para a região naturais das Serras da Calçada “É desanimador lembrar em busca de oportunidades. e da Moeda, estações ecológique o licenciamento O empreendedor alega que cas de Fechos e Aredes, e diisso não acontecerá porque a civersas RPPNs, conectadas por ambiental continue sendo dade terá área para moradias de áreas naturais, não protegidas feito de forma pontual, baixa renda. Prefeitura e Estado legalmente e sujeitas à ocupasem considerar argumentam que o propósito ção e à destruição. Se ficarem do empreendimento é ordenar isoladas umas das outras, não efeitos radiais, proteção o crescimento do município. Os resistirão aos impactos. de ambientes naturais e argumentos chegam a ser ridíE acredite quem quiser: ouvidisponibilidade de água.” culos e desprovidos de realidade. mos mais de uma vez que sem A CSul atrairá pessoas em busca a CSul a região será ocupada de de emprego, que não irão morar forma desordenada. Como se o dentro da cidade, e não há um exemplo neste país poder público não tivesse obrigação de impedir isso. que o poder público tenha controlado a ocupação Fico em dúvida entre ameaça e ironia. do solo em torno de empreendimentos com este Há resistência ao empreendimento por parte potencial de atração. de vários setores da sociedade e comunidades do Não é preciso ir longe para conferir isso. Há dois segmento sul da RMBH e até por parte da iniciacasos bem perto: a fábrica da Coca-Cola, implanta- tiva privada. Mas parece claro que a Prefeitura da em 2011. Neste ano, havia cerca de 266 moradias de Nova Lima quer o empreendimento de qualem torno da Lagoa de Água Limpa. Em 2016, qua- quer jeito e tem apoio do governo estadual, que se 2.500. Governo do Estado e prefeituras de Nova classificou o empreendimento como prioritário. Lima e Itabirito nada fizeram e hoje a situação beira A prioridade mais uma vez é econômica, pois se à insolubilidade. assim não fosse, esse licenciamento seria apenas O outro é o bairro Jardim Canadá, erguido sobre parte do planejamento e de ações executadas uma imensa dolina, gigantesca recarga de aquífe- para uso correto do solo e proteção dos valiosos ro, onde, na época de chuva, formavam-se imensas ativos ambientais (água, fauna, flora e paisagem) lagoas pelo afloramento dos lençóis freáticos, po- do Vetor Sul de BH. O voadas por aves migratórias. Ela foi soterrada, com estímulo da prefeitura de Nova Lima e silêncio do (*) Superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente. governo do Estado. O bairro formou-se no rastro

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ENCARTE ESPECIAL (V)


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ENCARTE ESPECIAL (V)

Varíola Eugênio Goulart

redacao@revistaecologico.com.br

em animais dóceis, que formassem uma grande massa muscular em poucos anos, cujas fêmeas, no período de lactação, produzissem leite em boa quantidade e que fossem bem aceitos pelo paladar humano. Em contrapartida, ficamos expostos a um vírus que provocava quadro febril agudo, com pústulas recobrindo todo o corpo, principalmente a face; e nos casos mais graves, lesões hemorrágicas, justificando, portanto, o nome de “bexiga negra”. Em caso de sobrevida, o paciente ficava com o corpo marcado por cicatrizes. Sua letalidade era tamanha que foi usada intencionalmente pelo colonizador branco para dizimar as tribos americanas a partir dos anos de 1500. Brindes infectados foram fartamente distribuídos entre os índios, em uma guerra biológica devastadora para os nativos, que por não terem qualquer imunidade prévia, por não domesticarem bois e vacas, apresentavam níveis de mortalidade muito superiores aos dos europeus.

A VARÍOLA é causada pelo vírus Orthopoxvirus variolae

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FOTOS: DIVULGAÇÃO

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oença virótica altamente contagiosa, a varíola foi considerada oficialmente erradicada da face da Terra em 1979. Os últimos casos endêmicos foram registrados em 1977 na Somália, África. Espera-se que no ano de 1978 tenha morrido o último ser humano a contrair a varíola, uma jovem fotógrafa inglesa que se contaminou em laboratório. A doença era conhecida popularmente como “bexiga negra”, em sua forma mais grave, e alastrim, em sua forma mais benigna. Dizimou boa parte da população da Europa durante a Idade Média, antes de migrar para as Américas. Cerca de um terço das pessoas acometidas pela doença evoluíam para o óbito. Assim como a tuberculose, a varíola foi adquirida a partir de um vírus que acometia o auroque domesticado. Em dez mil anos, obtivemos progressivamente os nossos bois e vacas por meio de cruzamentos selecionados intencionalmente, de forma a resultar


A primeira vacina aplicada cientificamente em seCom mais detalhe ainda, no Grande Sertão: Veres humanos foi a da varíola, desenvolvida em 1796 redas, os jagunços se deparam com uma epidemia pelo médico inglês Edward Jenner. Partiu da observa- de varíola em uma pequena vila, o Sucruiú, perdição da população rural: os ordenhadores adquiriam da no então despovoado vale do Rio Paracatu, no das vacas uma forma mais branda da varíola, que noroeste de Minas Gerais. Comandados por Zé Beos protegia dos quadros mais graves. Jenner propôs belo, seus homens se defrontaram com um grupo então provocar uma infecção em indivíduos sadios de catrumanos, armados de arcaicas espingardas, a partir do material coletado nessas pessoas e con- tentando impedir a passagem. Catrumano é um seguiu assim que obtivessem uma resistência parcial antigo termo regional, bastante valorizado por ao vírus. A palavra “vacina” tem origem no vocábu- Rosa, que é empregado no sertão para designar os lo latino vacca, uma referência às vacas acometidas moradores dos locais isolados. Segue-se o relato do diálogo entre os catrumanos, em seu quase dialeto, pela varíola que haviam sido estudadas por Jenner. No interior de Minas Gerais, até a década de 1950, e o bando de jagunços: a vacina contra a varíola não era disponível para to- “O senhor uturje, mestre... Não temos costume... dos, e havia, então, o hábito da vacinação indireta. Era uma prática comum escarificar a pele de um in- Não temos costume... Que estamos resguardando esdivíduo sadio com o pus recolhido da lesão do braço sas estradas... De não vir ninguém daquela banda: de outro indivíduo que fora vacinado. E isso se fazia povo do Sucruiú, que estão com a doença, que pega necessário, pois, até essa época, o vírus ainda circu- em todos... Ossenhor é grande chefe, dando sua placença. Ossenhor é Vossensenhoria? Peste de bexiga lava pelo sertão mineiro. No conto Minha Gente, do livro Sagarana, Gui- preta [...] O povo de Sucruiú - estão dizendo -: nem não estão enterrando mais marães Rosa faz referência os defuntos deles... Pode "Quando a febre amainou, na a essa grave infecção, chaquerer vir algum, com recamando a atenção para a melhora pré-agônica, ele do, trazendo a doença, e esta febre intermitente, para a conheceu que ia morrer, e é a razão [...]”. necessidade de isolamenDonde um deles, o montaimplorou que o enterrassem to do doente para evitar o do no jegue, ainda gritou um contágio, para a imunidade bem à beira da estrada, onde o conselho: que a gente então adquirida por pacientes que principiasse volta, no buripovo passasse, onde houvesse sobreviveram à doença e tizal duma lagoazinha, da ainda para a falsa sensação sempre a passar... Lugar banda da mão direita - por de melhora no período que assombrado!" via de se evitar de passar por antecede a morte, ou seja, a dentro do Sucruiú - e que, fase “pré-agônica”: retomada a estrada, no queConto Minha Gente, do livro Sagarana brar da mão esquerda, num Mas, havia uma cruz, e vau perto da mata virgem, José Malvino contou: era só se andar as sete léguas, num sítio se chegava, - Aqui foi que enterraram o bexiguento... Isto já faz de um tal seo Abrão, que era hospitaleiro [...] Mas Zé muito, não é do meu tempo... Bebelo, descrendo de temer o que eles anunciavam, do O varioloso tinha caído com febre, muito mal, arraial onde estava alastrando a varíola reinante, deu quando passava por aqui. Ia para uma qualquer par- ordem de seguirmos, em reto em diante em frente. te, vindo depressa para casa, de volta do sertão. LevaEra típico do polêmico chefe Zé Bebelo criar norram-no para uma cafua, lá embaixo, num rabo-de- mas próprias, que tirava da cabeça num repente, e -grota. Só uma mulher velha, que já tivera a doença não seguir conselhos de quem quer que e pois estava imunizada, era quem cuidava dele. E o fosse. Porém, dessa vez, temeu não ter tohomem sofria e delirava, e tinha medo, tinha horror mado a decisão correta, pois sua sempre de ficar sozinho. Pedia, chorando, que queria ver gen- valentia ficou comprometida, como te, outras pessoas, muita gente junta, ainda que fos- pode ser constatado no decorrer do sem estranhos. enredo do Grande Sertão: Veredas. SeE então, quando a febre amainou, na melhora pré- gue a descrição da passagem do ban-agônica, ele conheceu que ia morrer, e implorou que do de jagunços pelo Sucruiú, na fala o enterrassem bem à beira da estrada, onde o povo de Riobaldo: passasse, onde houvesse sempre gente a passar... - Lugar assombrado! - concluiu José Malvino. Algum dia, depois de hoje, hei de

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ENCARTE ESPECIAL (V) esquecer aquilo. Arruado que era até bem largo, mas tantos tão de repente amontoadamente mortos, as mal se enxergavam aquelas casas. Ao demais rezan- caras com apostemas e buracos. Disso, temi ficar loudo, ao real vendo - eu vim. Casas - coisa humana. co. Dito que temia já o fétido de meu bafo. Em frente delas todas, o que estavam era queimando pilhas de bosta seca de vaca. O que subia, enchia, Por fim, ainda em Tutaméia, e no mesmo conto a fumaça acinzentada e esverdeada, no vagaroso. Rebimba o Bom, mais uma citação sobre a varíola, E a poeira que demos fez corpo com aquele fume- com referência à grande mortandade e a metáfora gar levantante, tanto tapava, nos soturnos. Aí tossi, “varejou”, para bem definir a propagação da infeccuspi, no entrecho de minhas rezas. Voz nem choro ção: Porque, eu era moço, restei sem pai e mãe, só não se ouviu, nem outro rumor nenhum, feito fosse entre os poucos mal perdoados estranhos, quando decreto de todas as pessoas mortas, e até os cachor- varejou minha terra a bexiga-preta, acabando com ros, cada morador. Mas pessoas mor que houvesse: as pessoas e as palavras. De de-pressas lágrimas, por trás da poeira, para lá da me entendo. "Onde os mortos? fumaça verdolenga se vislumbravam os vultos, e as tristes Uma curiosidade atual soOs mortos ficavam sendo caras deles, que branqueavam, bre a varíola é que ainda existe os maus, que condenavam. o vírus selvagem em dois latantas máscaras. Aos homens e mulheres, apartados tão esboratórios militares, um nos A reza reganhei, com tranhos, caladamente seriam Estados Unidos e outro na um fervor. Aquela os que estavam jogando todo Rússia, sob severa vigilância travessia durou só um o tempo mais rodelas de bosda Organização das Nações ta seca nas fogueiras - isso que Unidas (ONU). Acredita-se instantezinho enorme." deviam de ter por todo reméque todas as demais amostras dio. Nem davam fé de nossa já foram incineradas e que é Grande Sertão: Veredas vinda, e seus lugares não saímuito remoto o risco de bioam, não saudavam. Do perigo terrorismo. Está planejada mesmo que estava maldito na grande doença, eles a destruição desses últimos vírus e, assim, seria a sabiam ter alguma cláusula. Sofriam a esperança primeira vez que a humanidade intencionalmente de não morrer. Soubesse eu onde era que estavam extinguiria uma espécie da Terra. Todavia, muitas gemendo os enfermos. Onde os mortos? Os mortos dúvidas de ordem ecológica e médica persistem. ficavam sendo os maus, que condenavam. A reza Sentiremos falta no futuro de um código genético reganhei, com um fervor. Aquela travessia durou só destruído para sempre? um instantezinho enorme. Ele poderia ser útil para a confecção de vacinas mais eficazes, em caso de uma epidemia de varíoRosa fala do antigo costume de se queimar ester- la, possibilidade bastante improvável, mas que não co seco de gado para afugentar o mal, uma práti- pode ser totalmente descartada? O debate, interca que remonta à teoria dos miasmas como causa mediado pela Organização Mundial da Saúde, perdas doenças. Além disso, outro remédio não havia siste de forma acalorada, e a destruição das últimas para o povo do Sucruiú! Faz ainda referência a “al- cepas do vírus da varíola, sabiamente, tem sido guma cláusula”, no sentido de punição divina para constantemente adiada. O algum malfeito anteriormente cometido, uma maldição que carregavam: “Os mortos ficavam PRÓXIMA EDIÇÃO: a visão médica e literária de Guimarães sendo os maus”. Rosa sobre os casos de ofidismo – envenenamento Também em Tutaméia (Terceiras estórias), livro por picada de cobras – no sertão mineiro. bem mais recente, surgem outras citações à varíola. No conto Rebimba o Bom, Guimarães Rosa especifica o caráter epidêmico da enfermidade e escreve sobre as lesões características, usando a palavra APOIO CULTURAL: apostema, como sinônimo de pústula, e a palavra buraco, para as cicatrizes, que tipicamente são as depressões que permanecem definitivamente na pele depois da convalescença: Da bexiga-preta,

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Bem-estar e equilĂ­brio

Aura Soma

Avaliação energÊtica

Organização de espaço

Qual o propĂłsito de sua alma aqui na Terra? Quais os seus talentos? Por meio da terapia inglesa Aura-Soma, vocĂŞ encontra respostas para essas perguntas. Elas surgem por meio da leitura de frascos coloridos, que revelam sua verdadeira essĂŞncia no mundo.

Por meio da radiestesia, Ê possível um diagnóstico das energias física, mental, emocional e espiritual e ainda verificar como os centros energÊticos (chacras) estão funcionando. Após a avaliação são dadas indicaçþes para se traballhar a situação atual.

Seu ambiente de trabalho e sua casa devem estar em equiĂ­brio, espelhando organização e harmonia. Desapegando-se daquilo que nĂŁo precisa mais, reciclando, traga o ŜŽÇ€Ĺ˝Í• Ä?Ĺ˝ĆŒÄžĆ? Äž Ĺ‡Ĺ˝ĆŒÄžĆ? Ć‰Ä‚ĆŒÄ‚ Ć?ƾà ǀĹ?ĚĂ͘ Consultoria para organização de espaços usando a cromoterapia e a radiestesia.

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MEMÓRIA ILUMINADA – DEMÓSTENES ROMANO FILHO

Águas

A EVOLUÇÃO PELAS

Luciana Morais

redacao@revistaecologico.com.br

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FOTO: ALFEU TRANCOSO

FOTO: LUCIANO SOARES

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osto dele desde o nosso primeiro encontro, ocorrido em meados dos anos 1990. É um profissional de mão-cheia, culto, sereno e, o melhor de tudo, generoso. Sabe ouvir, ensinar e segue com sede de aprender, de entender o mundo e a forma como nos relacionamos com tudo o que nos cerca. É assim que vejo – e admiro – o jornalista mineiro Demóstenes Romano Filho. Em fins de março agora, nos reencontramos em Brasília (DF), momentos antes do embarque para Belo Horizonte, vindos do 8º Fórum Mundial da Água. Ele também havia estado lá a trabalho, lançando mais um livro: Salve, Água! – Contraponto à cultura do salvacionismo e do consumo sem produção, pela Editora Ramalhete. Juntos, relembramos o tempo em que fui estagiária no pioneiro Cidadania pelas Águas. Articulado por Demóstenes, esse movimento foi altamente significativo na sua simplicidade e empenho em aproximar cidadãos comuns do tema água, sustentado na descentralização e na disseminação de ações e informações. De leitura fácil, permeado por dados e constatações desconcertantes – diante da insistência de muitos em achar que a água precisa ser salva (não, ela não depende de nós; é o contrário) –, este seu novo livro é muito mais do que uma saudação a esse ancestral elemento da vida. Passeia com desenvoltura pelas teorias de origem da água no planeta, por conclusões de pesquisas científicas e traz opiniões inovadoras. Nas mãos generosas e didáticas de Demóstenes esses e outros temas fluem feito água limpa de riacho. Sem embaraço.

DEMÓSTENES Romano em seu canteiro de plantas medicinais: acalento e aromas em meio ao verde

“É uma modesta contribuição para um novo olhar sobre a água. Temos de superar essa cultura predatória, sem o menor respeito por ela. Aponto caminhos e alerto para a necessidade de mudarmos nosso relacionamento com a água. Nossa vida é nossa oportunidade de evolução”, afirma. A intimidade do autor com o tema é naturalmente orgânica. Demóstenes foi criado no universo da roça, pescando com o pai em lagoas povoadas de traíras e se encantando com as nascentes cristalinas e puras que jorravam nas terras de seu avô materno. Em sua Fazenda Boi Parido, em Oliveira, no Centro-Oeste mineiro, ele hoje zela pela nascente do Rio Jacaré, produzindo água, protegendo o solo e se acalenta com o perfume das plantas medicinais que cultiva. Nada melhor, então, do que beber dessa sua rica fonte, sorvendo conhecimento e ideias para um agir mais consciente – e sintonizado com o compromisso de transformar a realidade hídrica, ambiental e social que nos rodeia. Confira, a seguir, algumas de suas reflexões e crenças:

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MEMÓRIA ILUMINADA – DEMÓSTENES ROMANO FILHO O CANIBALISMO “Os poços artesianos vampirizam águas subterrâneas e canibalizam nascentes.” O FIM “A água não vai acabar no planeta Terra; o corpo humano é que já nasce a caminho do seu fim.” O ENXURRADAS “As águas oceânicas estão aumentando, subindo de nível. Parte delas são águas de chuvas que deveriam estar armazenadas como águas subterrâneas, nos subsolos, em lençóis freáticos e aquíferos. E não desperdiçadas em enxurradas.” O GESTÃO “Em gestão de águas, desperdiçar é demoníaco, economizar é humano e produzir é divino.” “Precisamos muito, muito mesmo, de emoção na gestão de águas, em complementariedade ao excesso de racionalismo e de mesmice.” “Uma das formas de cometermos menos equívocos em gestão de águas é pensar com a própria cabeça, ver com os próprios olhos, ouvir com os próprios ouvidos e estarmos sempre abertos à diversidade, à novidade e ao diferente, porque o universo cósmico é um mundo de possibilidades.” “A gestão de águas dará um salto quântico quando se fundamentar em princípios que busquem harmonia e equilíbrio, simplicidade e naturalidade, respeito e paz, prosperidade e abundância, razão e emoção. Enfim, resultados e mudanças como fatores de sucesso na geração de um desenvolvimento sustentável, no qual a evolução da raça humana se fortaleça e se suporte na evolução de todas as outras espécies e no respeito a todas as outras riquezas cósmicas do planeta Terra.” O TRANSFORMAÇÃO “Quem quer fazer arranja um jeito; quem não quer, uma explicação. Raramente são os novos paradigmas que nos despertam para transformações. A crença em transformação, a vontade de transformar e o compromisso ético, existencial e espontâneo de sermos transformadores é que nos levam a buscar novos paradigmas.” O DESAFIO “Não queremos nos perder num emaranhado de desassossegos e de conflitos. Ao contrário, quere62 O ECOLÓGICO | JUNHO DE 2018

mos cuidar de evolução, superação e transcendência, na convicção de que assegurar adequado relacionamento do ser humano com a água não é apenas uma questão administrativa, ecológica, legal, religiosa. É também uma questão existencial, filosófica, de cada um de nós, pela oportunidade de fazermos bem feito, de sermos positivos neste desafio pessoal, planetário e cósmico.” O AMOR “Para amar, respeitar e revitalizar o Rio São Francisco ou possibilitar a evolução de pessoas, eu preciso entender primeiramente de amor, de respeito e de vida, antes de entender de química, de física e de engenharia.” “Sem um jeito diferente de ver, sentir e cuidar da água, estaremos cada vez mais longe de conhecê-la e de tê-la mais perto de nós. Louvada seja a crise hídrica se ela nos levar a uma visão diferente no relacionamento com a água. Criatura essa tão especial, considerando-a um ancestral elemento cósmico, antes de tratá-la apenas como bem de consumo. Afinal, quem ama cuida.”


QUEM É

“Em gestão de águas, desperdiçar é demoníaco, economizar é humano e produzir é divino.”

ELE

Nascido em Morro do Ferro, distrito de Oliveira (MG), em junho de 1941, Demóstenes Romano Filho fez carreira no jornalismo, com passagem por diferentes veículos: jornais Estado de Minas e do Brasil; revistas Veja, Exame e Placar; e TVs Bandeirantes e Globo. Atuou, ainda, nas secretarias estaduais de Fazenda, Cultura e Planejamento, e em empresas como Vale e Andrade Gutierrez. Na PUC Minas, foi aluno e professor do Departamento de Comunicação. Articulou e participou do Pacto de Minas pela Educação e dos projetos Cidadãos para o Século XXI, Meu Quarteirão no Mundo e o Mundo no Meu Quarteirão. É autor de Gente Cuidando das Águas (2002).

O VONTADE “Não existe receita pronta... Melhor ter menos foco em caminhos e mais foco em jeitos de caminhar: a vontade de caminhar é do aprendiz, não do orientador.” O CUIDADO “Certamente podemos cuidar melhor da água se passarmos a vê-la com emoção e a senti-la além dos serviços que ela nos presta nas torneiras, nos vasos sanitários, nos chuveiros, em instalações industriais e nos campos de irrigação.” O CONSISTÊNCIA “Espectadores das factuais previsões meteorológicas divulgadas cotidianamente, costumamos nos colocar como impotentes clientes de um caprichoso provedor de conforto ou desconforto nosso nas próximas horas. Como se o tempo cósmico tivesse a mesma natureza do tempo social, convencionado pela raça humana.” “Se chove ou não, nós só podemos constatar, passivamente. Mas, ao receber e conviver com as águas das chuvas, podemos e devemos ser ativos, consistentes e consequentes.” O EMOÇÃO “A emoção move, a razão organiza (apenas organiza e, às vezes, até imobiliza). Onde anda a emoção na gestão de águas? Provavelmente aí esteja uma pista para explicar porque efetivos resultados em gestão ambiental costumam não ser proporcionais aos muitos e variados recursos aplicados, principalmente nos cuidados com a água.”

O MOBILIZAÇÃO “Se o aparato institucional não consegue ser moderno, atualizado, transformador e eficaz, os eleitores e contribuintes devem tomar a iniciativa de mobilização. A começar por pessoas e organizações não governamentais em seus próprios ambientes, com suas lógicas, crenças e motivações.” O IGNORÂNCIA “Quase todos os povos primitivos tinham uma relação de respeito ancestral e de sacralidade pela água, a quem homenageavam como fonte materna e berço da vida. Hoje, a maior parte da raça humana vê isso como bizarro, como folclórico, associando sacralidade a rituais de ignorância.” O SUPERIORIDADE “Quanto mais entendermos a superioridade física, química, planetária e cósmica da água sobre o ser humano, mais entenderemos que ela não precisa

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MEMÓRIA ILUMINADA – DEMÓSTENES ROMANO FILHO FOTO: OLÍMPIA MAIROS / RR

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“Louvada seja a crise hídrica se ela nos levar a uma visão diferente no relacionamento com a água.”

nem pode ser salva por nós. O homem, sim, precisa cuidar de seu corpo físico e de suas energias sutis, contidas e reveladas em estados mentais, emocionais e espirituais dependentes de água.” O OCUPAÇÃO “Temos de deixar de perder tempo, emoção e recursos materiais com o que é muitíssimo maior do que nós, com o que não conseguimos alterar. É trocar preocupação por ocupação. É deixar ilusórias encenações de superpoderes, de defensores do planeta por ações de resultados cotidianos, simples e efetivos, ao alcance de pessoas normais em seus próprios ambientes. Por exemplo: usar produtos biodegradáveis em casa e no trabalho, para não sermos agressores tão da natureza nem tão genocidas com milhares de outros seres que vivem nas águas.” O COMPULSÃO “Na desvairada necessidade de afirmação, de competição, de exibicionismo e de hegemonia, a raça humana virou refém de seu próprio antropocentrismo. Isso por uma quase irrefreável compulsão de trocar o que é natural pelo que é artificial. Ou de destruir o que é natural para fazer valer sua capacidade de ser criador, de parecer Deus, de brincar de Deus.” O SEMELHANTES “Entre todos os seres vivos, o homem é um dos ani-

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mais que mais agridem e eliminam os elementos de sua própria espécie: fisicamente (matando), economicamente (explorando, dominando) e emocionalmente (maltratando, desqualificando, injustiçando, excluindo, rejeitando, ignorando). Se tratamos assim nossos semelhantes, isso tem influência direta na falta de cuidado nosso com outros seres, com a água e a natureza.” O SENTIMENTO PLANETÁRIO “Devemos conviver com água e outros seres vivos pela unicidade cósmica e pela oportunidade de nossa evolução pessoal, existencial e espiritual, com fraternidade, respeito e sentimento planetário. E não só por razões intelectuais, sociais, legais, governamentais, menores.” O EMPATIA “A verdade nua e crua é que a maioria absoluta da raça humana não tem a mínima empatia com a água. Nossa relação com ela é equivocadamente antropocêntrica, porque o ser humano está no centro, com cerca de 70% de água e depende dela para sobreviver. Ela também está no centro, nos precedendo e nos sucedendo no universo. Quando chegamos ao planeta Terra, ela já estava aqui. E, quando sairmos, ela continuará.” O SAIBA MAIS demostenesromano@yahoo.com.br


O SUL DE MINAS ABRIGA MUITAS HISTÓRIAS! CONHEÇA UMA DELAS, A CAVALO! Localizada no sul de Minas, Cruzília pertence ao Caminho Velho da Estrada Real. É conhecida por ser o berço da raça dos cavalos Mangalarga Marchador, suas fazendas centenárias e pelas famosas fábricas de queijos e móveis.

FAZENDA DA ROSETA A CRUZÍLIA- O BERÇO DA RAÇA MANGALARGA MARCHADOR Um passeio suave, no compasso ágil de marchas batida ou picada na companhia dos cavalos. Em 1812, iniciou-se uma raça com personalidade doce, suave, porém forte. Vidas que se encontraram e se cruzaram dando origem aos cavalos Mangalarga Marchador. Fato que se deu na Fazenda Campo Alegre em Cruzília, cujo proprietário era Gabriel Francisco Junqueira, o Barão de Alfenas, responsável pela formação da raça. Para ilustrar com primor esta passagem da história, uma apeada e café com prosa no Museu Nacional do Cavalo Mangalarga Marchador, situado em Cruzília. Nesta viagem não há um lugar ou destino prá se chegar. Há mais que isso! Um acontecimento, um encontro às origens de uma Paixão cujo nome é: Mangalarga Marchador!

FOTO: RICARDO MELO

Uma paixão que nos move e nos faz cavalgar em tempo, como nos velhos tempos.

Informações detalhadas e programação: www.fazendadaroseta.com.br (35) 9 9709 6696


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NATUREZA MEDICINAL MARCOS GUIÃO (*) redacao@revistaecologico.com.br

CONTA-DE-LÁGRIMA

Coix lacryma-jobi L. FOTO: MARCOS GUIÃO

LÁGRIMA-DE-NOSSA-SENHORA

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urante viagem à região do Norte de Minas, reencontrei um casal de amigos agricultores e raizeiros dos mais bão. Valdeir é miúdo, tem pele e olhos claros, mãos calejadas e uma fé inquebrantável no Criador e na ação das plantas. Toca sua vida num rincão nas berolas do Rio São Lamberto arrodeado pelos filhos e netos ao lado da Cléo, sua companheira tamém miudica e dotada de uma paciência construída nas lidas da vida, além de grande conhecedora das raizadas. Os dois juntos formam um par dos mais graciosos de se ver e conviver. No proseio de nosso reencontro, acabou por sair um convite pra experimentar o tempero da Cléo lá na roça. Num me fiz de rogado e na hora marcada tomei rumo já sentindo um oco na barriga, mas antes de sentar na mesa tive de cumprir um longo ritual. O quintal deles tem de um... tudo. Galinhas correm soltas cabriolando umas atrás das outras ao redor de um tanque criatório de peixe, além de algumas poucas vaquinhas cederem o leite pra feitura de requeijão afamado na feira de sábado. Saindo dos bichos e entrando na horta, enormes pés de alface convivem com a hortelã, a sete-dores e mais uma infinidade de plantas medicinais, numa miscelânea alimentar e curativa. Mas dei reparo mesmo foi numa touceira disposta na berola da cerca e arrodeando: distingui que era conta-de-lágrima (Coix lacryma-jobi L.), também conheci-

da como lágrima-de-Nossa-Senhora, planta que anda sumida dos roçados. Esse nome é derivado da prática popular de usar as sementes na fazeção de rosários, terços e até de instrumentos musicais. As folhas têm serventia no tratamento de inchaço das pernas, queimação de urina e infecção urinária. A conversa se esticou mais um tiquim, mas a fome montada acabou fazendo a gente voltar pra casa e devorar quitutes e delícias que só se esbarra na roça. Ao final do dia voltei pra cidade um tanto letárgico pela comilança e a conversa amistosa do encontro, mas eu ainda tava encafifado com a conta-de-lágrima. Fui escarafunchar e se dei com revelações deveras importantes nesses tempos atuais de busca de novas opções alimentares, as tais Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs). Ela tem parentesco afastado com o milho e, nos antigamente, os povos andinos faziam farinha de suas sementes para produção de pães, mingau, biscoitos e bolos. Principalmente os idosos e doentes em convalescência podem se beneficiar do grande valor nutritivo dessa farinha, pois é rica em proteínas e gorduras. Ainda pasmado com a descoberta, agora em diante fico aqui pensando em como processar de maneira artesanal essa farinhada, qual seria o ponto de coleta dos frutos e por aí vai. Alguém aí já fez isso? Se souber, avise. Inté a próxima lua! O (*) Jornalista e consultor em plantas medicinais.

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SEBRAE com os pequenos negocios, quando eles mais precisam.

Se você perguntar em Paracatu onde é a Casa de Carnes do Seu Enedino, todo mundo dá notícia. Vendo a loja cheia, ninguém imagina que ele quase fechou as portas. Até que o Sebrae entrou na história. “O Sebrae me ensinou a fazer conta, a inovar, até a expor o produto na prateleira”, diz o empresário. São muitas histórias como a do Seu Enedino. Empresas que, com o apoio do Sebrae, crescem e fazem o país crescer.

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