Revista Ecológico - Edição 107

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ANO 10 - NO 107 - 29 DE ABRIL DE 2018 - R$ 12,50

EDIÇÃO: TODA LUA CHEIA




EXPEDIENTE

FOTO: LEONARDO MERÇON

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Pica-pau-do-campo Colaptes campestris Instituto Terra - Aimorés (MG)

Em toda lua cheia, uma publicação dedicada à memória de Hugo Werneck

DIRETOR-GERAL E EDITOR Hiram Firmino hiram@souecologico.com

REPORTAGEM Fernanda Mann e Luciana Morais

DIRETORA DE GESTÃO Eloah Rodrigues eloah@souecologico.com

MÍDIAS DIGITAIS Bruno Frade

EDITOR-EXECUTIVO Luciano Lopes luciano@souecologico.com DIRETOR DE ARTE Sanakan Firmino sanakan@souecologico.com CONSELHO EDITORIAL Fernando Gabeira, José Cláudio Junqueira, José Fernando Coura, Maria Dalce Ricas, Mario Mantovani, Nestor Sant'Anna, Patrícia Boson, Paulo Maciel, Ronaldo Gusmão e Sérgio Myssior CONSELHO CONSULTIVO Angelo Machado, Célio Valle, Evandro Xavier, Fabio Feldmann, José Carlos Carvalho, Roberto Messias Franco, Vitor Feitosa e Willer Pos

EDITORIA DE ARTE André Firmino COLUNISTAS (*) Marcos Guião, Maria Dalce Ricas e Roberto Souza REVISÃO Gustavo Abreu CAPA Arte: Sanakan DEPARTAMENTO COMERCIAL Sarah Caldeira sarah@souecologico.com MARKETING Janaína De Simone janaina@souecologico.com ASSINATURA

Ana Paula Borges anapaula@souecologico.com IMPRESSÃO Log & Print Gráfica e Logística S/A PROJETO GRÁFICO-EDITORIAL Ecológico Comunicação em Meio Ambiente Ltda. REDAÇÃO Rua Dr. Jacques Luciano, 276 Sagrada Família - Belo Horizonte - MG CEP 31030-320 Tel.: (31) 3481-7755 redacao@revistaecologico.com.br EDIÇÃO DIGITAL www.revistaecologico.com.br (*) Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião da revista.

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Nos últimos quatro anos, a gente instalou mais de

17 mil quilômetros de rede nas áreas rurais. É muita coisa. Cladston Santana

Engenheiro da Cemig em Belo Horizonte

TRABALHO E INVESTIMENTOS É assim que estamos construindo uma nova Cemig. De 2015 a 2018, a Cemig investiu R$ 800 milhões em eletrificação rural. Milhares de famílias do campo agora têm acesso aos benefícios que a energia elétrica proporciona. Com investimentos de R$ 2,7 bilhões, a Cemig entregou 32 mil obras que estavam atrasadas, beneficiando a população de todas as regiões do estado.

cemig.com.br

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ÍNDICE

CAPA

NA SÉRIE ESPECIAL QUE INICIAMOS NESTA EDIÇÃO, O AMBIENTALISTA NEYLOR AARÃO REVISITA CRIMES E IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS QUE MARCARAM O BRASIL E AINDA SEGUEM SEM SOLUÇÃO.

Pág.

26 20 PÁGINAS VERDES MARÍLIA MELO, DIRETORAGERAL DO IGAM, FALA À ECOLÓGICO SOBRE MATERNIDADE, A QUALIDADE DAS ÁGUAS DE MINAS E ESCASSEZ HÍDRICA

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ECOLOGIA INTERIOR FILME “MARIA MADALENA”, DE GARTH DAVIS, TRAZ UM NOVO OLHAR SOBRE A “APÓSTOLA DOS APÓSTOLOS” DE CRISTO

E mais... IMAGEM DO MÊS 08 CARTAS DOS LEITORES 10 CARTA DO EDITOR 12 ECONECTADO 14 GENTE ECOLÓGICA 16 ESTADO DE ALERTA 18 GESTÃO & TI 33 POLÍTICA AMBIENTAL 36 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS (55) 47

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O VIÉS MÉDICO DE GUIMARÃES ROSA NA TERCEIRA PARTE DA SÉRIE, OS RELATOS DO MESTRE MINEIRO SOBRE O AVANÇO DA MALÁRIA NO INTERIOR MINEIRO

ENSAIO FOTOGRÁFICO 58 MEMÓRIA ILUMINADA 62 NATUREZA MEDICINAL 66


VOCÊ ACREDITA EM TUDO O QUE LÊ? REVIsTAs

Eu acredito!

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As pessoas estão confusas por receberem grande quantidade de notícias falsas. Sejam impressas, online, no celular ou em vídeo, as informações divulgadas pelas revistas são reais e baseadas em pesquisa e investigação jornalística. Leitores de revistas são mais envolvidos e propensos a recomendar suas matérias nas redes sociais. AssociAção NAcioNAl de editores de revistAs #revistAeuAcredito i www.ANer.org.br

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1 IMAGEM DO MÊS VISTA GERAL da mineração Empabra/Biogold no dorso leste da Serra do Curral: conflito retomado

FOTO: ARTHUR NICOLATO

MINERAÇÃO EM XEQUE Após denúncia feita pelo médico e cidadão Arthur Nicolato, que mora no bairro Taquaril, próximo à vertente leste da Serra do Curral, cartão-postal da capital mineira, o conflito mineração versus preservação ambiental voltou à tona. Técnicos do Instituto Estadual de Florestas (IEF), do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e vereadores de BH, acompanhados de ambientalistas, estiveram novamente na Mina Corumi, da Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra/Biogold). O objetivo da visita é apurar se a discutida continuidade da operação extrativa naquela delicada região estaria ameaçando os limites de proteção natural dos parques Estadual da Baleia e Municipal das Mangabeiras, incluindo o Pico de BH. Uma audiência pública será marcada em maio, na Câmara Municipal, onde a empresa, que nega qualquer irregularidade, dará esclarecimentos sobre o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que lhe permite a extração e a comercialização de 1,5 milhão de toneladas de minério de ferro por ano. Ou seja, concomitantemente à recuperação da paisagem natural das áreas já exploradas. Para o cidadão comum, o que se vê de várias partes da capital, ao contrário de reabilitação ecológica, é o avanço do desmonte mineral rumo ao que ainda resta da serra original.


VOCÊ JÁ COMPARTILHOU NOTíCIA FALSA? ReVISTAS

Eu acredito!

Você sabe de onde vêm as notícias que recebe? Checa as informações? Antes de compartilhar notícias você consulta se foram publicadas em uma mídia clássica? Disfarçadas, com linguagem alarmante e sem apuração jornalística, elas estão influenciando leitores que não conseguem identificar o que é verdadeiro e o que é falso. Não compartilhe informações sem checar a fonte! Com conteúdo comprovadamente consistente, as revistas produzem reportagens seguras e confiáveis, seja na versão impressa, on-line, no celular ou em vídeo. AssociAção NAcioNAl de editores de revistAs #revistAeuAcredito i www.ANer.org.br

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CARTAS DOS LEITORES

Por motivo de clareza ou espaço, as cartas poderão ser editadas.

EDIÇÃO: TO

ANO 10 - N

O

106

O DE - 31 DE MARÇ

2018 - R$

DA LUA CH

EIA

12,50

l FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA (2) - MORRENDO DE ÁGUA PODRE “Se a maioria da humanidade não faz nada ou quase nada para preservar a água, não é tragédia, é crime. Heróis são os que fazem algo. Apenas doar dinheiro nunca irá resolver. A prioridade do ser humano é comprar celular de mais de R$ 2.000 reais e reclamar do que tem.” Alexandre Fortes, via Google+

“É falta de vontade política, de quem está no topo. Quem preside os países que passam por essa situação de escassez não sofrem do mesmo mal.” Manuel Oliveira, via e-mail l CUMPRIMENTOS “A edição 106 ficou maravilhosa, um show de edição. Parabéns! Meus cumprimentos a toda a equipe. Ficou belíssima!” Andrea Zenóbio, jornalista, psicoterapeuta e especialista em Mindfulness, via e-mail

l FÓRUM MUNDIAL DA ÁGUA (1) - TRAGÉDIA DE MARIANA “Se esse acontecimento em Mariana tivesse ocorrido em um país de autoridades, a Justiça seria severa. Colocaria na cadeia os irresponsáveis da Samarco e os agentes negligentes desses órgãos de fiscalização corruptos. A tragédia 'arrebentou' com Bento Rodrigues e as comunidades ribeirinhas. A devastação de lama sujou o Rio Doce pelos próximos 50 anos. Agora pergunto para os responsáveis pelo acidente: quantos bilhões mais serão precisos para reparar tais danos?" Eder Romulo, via Google+

“A força-tarefa deveria ter começado assim que as águas baixaram. Aliás, os rios já deveriam ter diques em seu percurso para prever assoreamentos de qualquer ordem, sempre que eles forem modificados com alguma nova estrutura (artificial). Tirar as pedras de suas encostas e as matas ciliares, e nada fazer, é uma irresponsabilidade administrativa dos governantes.” Iene Angele, via Google+ “A impunidade e o descaso com a sociedade imperam. Justiça seja feita!” Angela Fonseca, via Google+

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l ENCARTE ESPECIAL (2) - GUIMARÃES ROSA “A Ecológico está prestando um serviço social e cultural importante para Minas Gerais e o Brasil com a publicação da série sobre este grande mestre da nossa literatura e da medicina tupiniquim. Parabéns!” Laura Nunes Oliveira, por e-mail

EU LEIO “Possibilitar a todas as pessoas o conhecimento contínuo sobre sustentabilidade e meio ambiente. É assim que analiso a Revista Ecológico. Temas interessantes, especialistas renomados e consequentemente histórias que ajudam a preservar o meio ambiente. Fico feliz a cada edição por ser transportada para o mundo infinito de tantas belezas e principalmente do olhar jornalístico sobre como as nossas atitudes podem transformar o amanhã.” FOTO: ARQUIVO PESSOAL

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FA L E C O N O S C O

Envie sua sugestão, opinião ou crítica para cartas@revistaecologico.com.br

Daniela Alves, Relações Públicas


VOCÊ JÁ FOI ENGANADO POR UM CONTEÚDO FALSO? REVISTAS

Eu acredito!

Os jovens estão preocupados em buscar informações confiáveis, revela a pesquisa Trust in News, realizada em 2017 pelo Kantar Ibope Media. E 72% dos entrevistados confiam mais em revistas que em outras mídias. As revistas impressas, online, no celular ou em vídeo, fornecem conteúdo relevante, investigativo e em um ambiente seguro. AssociAção NAcioNAl de editores de revistAs #revistAeuAcredito i www.ANer.org.br

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CARTA DO EDITOR

HIRAM FIRMINO | hiram@souecologico.com

O AMBIENTALISTA QUE

DEVERÍAMOS SER A

s principais degradações contra a natureza e o próprio desenvolvimento sustentável ainda impunes no Brasil, vistas pelo olhar das pessoas afetadas, das empresas e autoridades envolvidas. É essa a pegada da série documental O Ambientalista, que a Revista Ecológico publica, em parceria com a Guerrilha Filmes, a partir deste número. Inspirada no estilo da investigação científica, a série é pautada não somente em denúncias das populações atingidas, mas também de especialistas da área, representantes de ONGs e do Ministério Público. Os documentários elencam alguns dos maiores conflitos socioambientais da atualidade, em cinco estados brasileiros (leia-se a ainda tragédia não resolvida de Mariana) e no Distrito Federal que, até o mês de janeiro, ainda mantinha o maior lixão em atividade na América Latina e o segundo no mundo. Nada mais apropriado, portanto, que o título de O Ambientalista. Aliás, é isto o que cada um de nós, cidadãos, munidos com celulares, também deveríamos fazer. Sermos todos ambientalistas. Fotografar, dirigir recados e informar à opinião pública, em tempo real, quem são os degradadores de plantão. As empresas, políticos e cidadãos sem consciência de mundo, que teimam em destruir a natureza do único planeta com vida que conhecemos. É ignorante e dolorida demais, justamente por falta O AMBIENTALISTA Neylor Aarão (à esq.) em ação no interior da Bahia: ele denuncia crimes e impactos ambientais na perspectiva das pessoas afetadas

de informação e agir ambiental, a permanência desta aposta no lado sombrio de nós mesmos. Por isso, para balancear a disputa, a escalação de outras matérias, entrevistas e exemplos positivos que trazemos nesta edição da Ecológico. A começar pela entrevistada em “Páginas Verdes”, a ambientalista politicamente empoderada Marília Carvalho de Melo, diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Sua bandeira inclui a luta contra a privatização da água e do saneamento no Brasil, defendida erroneamente pelo governo Temer. E você vai saber mais. Vai entender como uma espécie de rolinha em extinção, chamada do “planalto” (Columbina cyanopis), é capaz de comover até o governo de Minas a criar um parque – para ela chamar de seu – na Serra do Espinhaço. E ainda o que levou 39 mulheres e um homem a assistirem ao polêmico filme Maria Madalena, de Garth Davis, e tomarem providência contra o bíblico “atirem pedras nela!”. Por fim, a “Memória Iluminada” atual do escritor e jornalista Mia Couto, que nasceu na Cidade de Beira, em Moçambique, e hoje arrasta multidões por onde passa, na busca das nossas memórias e histórias perdidas. Boa leitura! Até a próxima lua cheia de maio, chamada não por acaso de “A lua de Buda”, tamanha a intensidade de sua luz. 


RevistaEcológico.pdf 1 26/03/2018 16:25:30

Congresso Ambiental VIEX O grande encontro de líderes do setor de meio ambiente

19, 20 E 21 DE JUNHO BLUE TREE PREMIUM MORUMBI, SÃO PAULO - SP

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Alexandre Sion, Sócio, Sion Advogados · Alexandre Waltrick Rates, Presidente, FATMA - Fundação do Meio Ambiente · Aljan Machado, Diretor de Meio Ambiente, CTG Brasil · Ana Cristina Pasini da Costa, Diretoria de Avaliação de Impacto Ambiental, CETESB · Ana Maria de Oliveira Nusdeo, Presidente, Instituto O Direito por um Planeta Verde · Andrea Hafner, Gerente de Meio Ambiente, Vale · Claudio Klemz, Especialista em Políticas Públicas da Equipe de Àgua, TNC · Daniel Smolentzov, Procurador do Estado de São Paulo Chefe, MP SP · Evandro Mateus Moretto, Presidente, Associação Brasileira de Avaliação de Impacto · Flavia ResendeCoordenadora de Projetos em Práticas Empresariais e Políticas Públicas, Instituto Ethos · Isabel Peter · José Gouvêa, Gerente, CSN - Companhia Siderúrgica Nacional · Larissa Amorim, Diretora de Licenciamento Ambiental, IBAMA · Marcelo Sodré, Margarete Schimidt, Margarete Schimidt, Coordenadora do GT Carreiras Sustentáveis, ABRAPS · Marina Freire, Siqueira Castro Advogados · Patricia Iglecias, Superintendente de Gestão Ambiental, USP · Rafael Feldmann, Mattos Filho Advogados · Ricardo Ribeiro Rodrigues, ESALQ/USP · Roberto Stanchi, Coordenador da Coordenação Nacional de Licenciamento, IPHAN · Rodrigo Cury Bicalho, Advogado, Secovi-SP · Rogério Menezes, Presidente, ANAMMA · Simone Nogueira, Sócia, Siqueira Castro Advogados · Thomaz Toledo, Diretor Institucional, Ambientare · Walter José Senise, WSENISE Advocacia · Werner Grau Neto, Pinheiro Neto Advogados

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ECONECTADO

FOTOS: DIVULGAÇÃO

TWITTANDO

“Para curar o sentimento é preciso que antes seja curado o pensamento. As emoções são geradas e alimentadas pelo que pensamos. É necessário recrutar a lucidez. É ela que comanda o pensar que modifica o sentir. A reflexão é o divã que esclarece o coração.”

FOTO: JOSÉ GOULÃO

@pefabiodemelo Padre Fábio de Melo

“Salve e obrigada às energias da natureza, que tudo nos dá! Da água ao oxigênio, do tecido ao alimento! Salve os elementos de Deus!” @vanessadamata - Vanessa da Mata, cantora

“Quem agride jornalistas odeia a democracia. É quem quer trocar a imprensa livre por órgãos de propaganda. Quem agride outra pessoa, jornalista ou não, comete ato criminoso e injustificável.” @SoniaBridi Sonia Bridi, jornalista 14  ECOLÓGICO | ABRIL DE 2018

ECO LINKS CATAKI Diariamente, a população brasileira gera 200 mil toneladas de lixo (só 2% deste total é reaproveitado). Mais da metade delas vai parar nos aterros sanitários, poluindo o solo, a água e o ar. Para contribuir com a mudança dessa realidade, a ONG Pimp My Carroça criou o app “Cataki” para tirar os catadores de recicláveis da invisibilidade e promover a reciclagem. Funciona assim: se você quer dar um destino correto para seus resíduos, sejam eletrônicos, óleo, plástico, restos de podas ou vidro, entre outros, é só se cadastrar no aplicativo e procurar o catador mais próximo de sua região. Na sequência, você negocia com ele o valor do serviço e pronto! Os resíduos vão para o lugar certo e, de quebra, você fortalece o trabalho dos catadores. O app está disponível nas plataformas IOS (goo.gl/dcVo13) e Android (goo.gl/DFmNdt). LEAFSNAP Uma das contribuições que a tecnologia trouxe para o ser humano é proporcionar conhecimento por meio de um simples toque no celular. É o que acontece com quem usa o aplicativo Leafsnap, que identifica espécies de plantas em tempo real. Funciona assim: é só fotografar a planta em questão e o app indica qual é a espécie. Para que o aplicativo funcione de forma mais assertiva, a imagem precisa ter fundo claro (a sugestão é colocar papel branco atrás da folha da planta). Com um clique, você se informa e também se diverte! O app foi desenvolvido pelas universidades Columbia e Maryland e pelo Instituto Smithsonian, dos Estados Unidos, e está disponível para iOS: goo.gl/FYRPae.

MAIS ACESSADA "O ciclo infinito do vidro" foi a matéria mais lida por nossos leitores em nosso site no mês de março. O texto foi publicado na seção "Ecológico nas Escolas" e abordou a reciclagem do material no Brasil, a importância da qualidade da limpeza urbana e a destinação adequada de resíduos. Para ler a matéria na íntegra, acesse: goo.gl/hqRtHr.


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GENTE ECOLÓGICA

FOTO: LEANDRO FRANCO

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“A melhor maneira que o homem dispõe para se aperfeiçoar é aproximar-se de Deus.” PITÁGORAS, filósofo grego

MARTIN LUTHER KING, ativista político norte-americano

“Escrever é soprar as brasas do passado. Você tem a ilusão de que tudo está adormecido, mas quando escreve, essas brasas se acendem e não é fácil.” LEILA FERREIRA, jornalista e escritora mineira, que recentemente lançou o livro "O amor que sinto agora"

“Desde pequeno, sou ligado na natureza. Estrelas, lua, céus, árvores e pássaros sempre inspiraram meus poemas.” “A humanidade não se divide em heróis e tiranos. As suas paixões, boas e más, foram-lhe dadas pela sociedade, não pela natureza.” CHARLES CHAPLIN, ator 16  ECOLÓGICO | ABRIL DE 2018

PAULINHO PEDRA AZUL, cantor e compositor

FOTO: REPRODUÇÃO YOUTUBE

“Aprendemos a voar como os pássaros e a nadar como os peixes. Mas não aprendemos a conviver como irmãos.”


LETÍCIA SABATELLA, atriz e ativista ambiental

“Eu não deixei a juventude. A juventude é que me deixou.” CARLOS CAVALCANTI, empresário do setor imobiliário

O atual titular da pasta verde municipal de Nova Lima (MG) tem nas mãos um trunfo hídrico incalculável. Trata-se de um estudo técnico-ambiental que mapeou a situação real das mais de 800 nascentes ainda protegidas no município e responsáveis por 60% das águas que caem no Rio das Velhas e abastecem parte da Região Metropolitana de BH. Detalhe: o “Plano de Revitalização das Águas de Nova Lima-Fase Diagnóstico” foi patrocinado pelas mineradoras Vale e AngloGold, proprietárias de 67% do território novalimense. Mais a Copasa, que também tem ali a sua principal captação de água. São justamente elas que o secretário está convidando para ajudar a prefeitura a implantar a fase "Prognóstico” do plano, para salvar, de fato, todas essas nascentes. Além de nobre, a causa é urgente: afinal, há 129 anos consecutivos, segundo outro estudo, suas vazões vêm diminuindo.

MINGUANDO

FOTO: REPRODUÇÃO YOUTUBE

GUSTTAVO LIMA

“Nossa vocação é cuidar das pessoas.” SAMUEL FLAM, diretor-presidente reeleito da Unimed-BH, à Revista Viver Brasil

A Polícia Civil de Goiás indiciou o cantor, o administrador Jorge Pedro Kunzler e a arquiteta Alessandra Lobo pelo crime de construção ou ampliação de obras potencialmente poluidoras sem autorização dos órgãos competentes. Segundo a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente (Dema), o artista aumentou a represa (que possui três hectares) de sua fazenda sem autorização. ABRIL DE 2018 | ECOLÓGICO  17

FOTO: FERNANDO VIVAS / AG. A TARDE

DUNGA, ex-técnico de futebol da Seleção Brasileira

“Desde criança eu tinha uma coisa de gostar muito da natureza, cuidar dos bichos... Tive uma educação humanista.”

DANILO VIEIRA JR.

FOTO: JANICE DRUMOND/ASCOM SISEMA

FOTO: EDSON LOPES JR. - GESP

FOTOS: DIVULGAÇÃO

FOTO: LEONARDO FRANCO

“A natureza é muito sábia. A água sempre acha uma forma – seja pelo lado ou por cima – para ultrapassar seus obstáculos. E nós temos que ser assim.”

CRESCENDO


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ESTADO DE ALERTA MARIA DALCE RICAS (*) redacao@revistaecologico.com.br

O SACI QUE NOS PROTEJA!

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ecentemente, a 12ª Vara Federal Cível e Agrária de Minas Gerais considerou improcedentes todos os pedidos do Ministério Público Federal para a redução dos limites do Parque Nacional da Serra do Cipó e sua recategorização de proteção integral para unidade de uso sustentável. O MPF quer que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) permita atividades econômicas para aqueles moradores que ainda estão dentro da área do parque, por entender que eles exercem atividades de subsistência. O argumento, porém, foi contestado pela Advocacia-Geral da União (AGU), pelo fato de que as glebas particulares incluídas nos limites do parque foram devidamente desapropriadas na época de sua criação. A instituição lembrou ainda que os moradores não podem ser considerados como povos tradicionais para fins de enquadramento na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. A tentativa do MPF não é isolada. Seus procuradores têm posição semelhante em relação aos parques Nacional das Sempre Vivas e Estadual do Rio Preto, ambos na região de Diamantina (MG), alegando que a restrição de coleta de sempre-vivas prejudica as comunidades quilombolas. O Rio Preto tem apenas 12 mil hectares. Mesmo assim, os representantes do MPF querem tomar 4.000 hectares dele, justamente na chapada que abriga as nascentes do Rio Preto, o mais importante afluente do castigado Jequitinhonha. Um absurdo, se lembrarmos que Minas tem cerca de apenas 1,9% de seu território protegido como unidades de conservação de proteção integral. Uma merreca, considerando a imensidão territorial do Estado. Ou seja, não faltam terras para as verdadeiras populações tradicionais. Não há motivo, portanto, nem justificativa para o MPF avançar contra os nossos poucos parques que protegem populações de animais, nascentes, paisagens e ambientes naturais.

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Falar em populações tradicionais virou moda no país. O tema, sem qualquer dúvida, é importante do ponto de vista social. Mas é preciso termos muito cuidado com os exageros. População tradicional não significa santidade. Sua bandeira de luta e inserção geopolítica corre o risco de ser utilizada por outras instituições e pessoas em benefício não social, privilegiando interesses particulares ou promoção política. A coleta de sempre-vivas é predatória, por ser associada comumente à morte de animais silvestres e incêndios. E também, em termos econômicos, pouco significativa. Se comprovadamente há pessoas que dela dependem, a solução não é estimular a coleta predatória, mesmo fora dos parques. Mas, sim, definir e implantar políticas como cultivo sustentável. Vale a pena sempre lembrarmos que, se degradação ambiental resolvesse problemas sociais, não os teríamos. Esta nova ameaça, portanto, soma-se a outras tentativas cujo objetivo escuso é mesmo redefinir os limites atuais das Unidades de Conservação (UCs) para permitir atividades econômicas. Isto é, aproveitando-se da ausência de regularização fundiária por parte do Estado, o que irrita os proprietários e serve como argumento para projetos de lei oportunistas e contrários ao interesse verdadeiramente público. Exemplo nominal disso é o deputado Toninho Pinheiro (PP-MG) que, proprietário de terras vizinhas ao Parque Estadual do Rola Moça, em Ibirité, na Grande BH, insiste em propor retalhar literalmente as áreas verdes que foram duramente criadas e preservadas, como os parques da Serra do Cabral, Serra Negra, Biribiri, Sempre Vivas e Grande Sertão Veredas, verdadeiros oásis de biodiversidade igualmente ameaçados na porta do sertão mineiro. Que todos os deuses - saci-pererê, curupira, caboclos, mães-d’água, mula-sem-cabeça - se unam para salvar nossos parques, estações ecológicas e monumentos naturais. A internet e as redes sociais nos permitem exercer cidadania sem levantar da cadeira.  (*) Superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente.


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Quando o sítio é ecológico, em se plantando, dá.

/STAFF-BH

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PÁGINAS VERDES

A mulher hídrica Hiram Firmino e Luciano Lopes redacao@revistaecologico.com.br

FOTO: SANAKAN

De qual região de Minas é sua família? Minha mãe, Ciomara, é de Nepomuceno, Sul de Minas, de onde saiu aos 15 anos para estudar em Belo Horizonte. Formou-se em engenharia química e trabalhou no Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) até se aposentar. Meu pai, Marcos Túlio, é engenheiro civil como eu. E sempre teve grande sensibilidade em relação à questão ambiental, apesar de nunca ter trabalhado na área. Do casamento de minha mãe com meu pai sou filha única. Nasci em BH e tenho seis irmãos. Somos quatro filhos engenheiros. Meus pais contam que, desde pequena, já dizia que seria engenheira. A primeira palavra que falei, ainda bebê, foi “água”. A MULHER POLÍTICA: “Sou contra a privatização da água e do saneamento. Meu partido é o meio ambiente"

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eminiana com ascendente em escorpião, Marília Carvalho de Melo é uma mulher de fibra. Aos 39 anos, casada e mãe de três filhos, aprendeu a equilibrar maternidade e profissão sem perder o olhar romântico sobre a vida e o trabalho. Obstinada, de fala firme, politizada e onipresente nos eventos que tratam a questão da água - seja representando o Governo do Estado seja ouvindo o homem simples do campo e as comunidades atingidas por tragédias como a de Mariana -, seu rosto enigmático lembra a famosa “Monalisa”, de Leonardo Da Vinci. São unânimes a admiração e o respeito 20  ECOLÓGICO | ABRIL DE 2018

que Marília tem de seus pares. Nesta entrevista à Revista Ecológico, a atual diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) defende que a responsabilidade pela preservação da água não é só do Estado, mas também das empresas e da sociedade. E é totalmente contra a privatização da água e do saneamento. “O acesso à água deve ser garantido a todos, independentemente da condição social”, ressalta ela, que também já foi subsecretária de Monitoramento e Fiscalização Ambiental do Igam e secretária-adjunta da Semad. Que mistérios tem Marília? Confira:

Como se deu o ingresso na área ambiental, mais precisamente na gestão hídrica? Quando entrei nessa área estava no quinto período de engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e acreditava que iria trabalhar com obras. Depois de um estágio, vi que não era o que eu queria. Naquela época, Willer Pos [ex-presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e ex-diretor do Igam] estava voltando dos Estados Unidos, depois de um doutorado, e começou a trabalhar na UFMG. Lá, ficou sabendo de um processo seletivo para estudantes, por meio de bolsa científica, para trabalhar no Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental.


M A R Í L I A M E LO

Diretora-geral do Igam

Como foi a sua trajetória profissional? Minha mãe sempre trabalhou com meio ambiente no Cetec, pois coordenava o Laboratório de Medições Ambientais. Ela e o Willer tiveram papel determinante na minha trajetória profissional. Foi ele quem me convidou, em 2002, para trabalhar no Igam, na época em que era o diretor-geral. Logo depois, fui aprovada em concurso público. Quando entrei, fui trabalhar na área de Outorga. Depois de um ano, comecei a fazer mestrado em Recursos Hídricos, com foco em qualidade da água. Defendi meu mestrado em 2006 e, no ano seguinte, o então secretário estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, José Carlos Carvalho, me convidou para assumir a diretoria de Monitoramento e Fiscalização Ambiental do Igam. Que lembranças guarda dessa época? Foi um momento muito bom para o Igam. Zé Carlos foi inspirador para todos nós, uma pessoa que sempre geriu aquela secretaria com o coração. Era a causa dele, assim como a do José Cláudio Junqueira, que assumiu a Feam. Eu me apaixonei pela área ambiental, que passou a ser minha causa também. Não dá para trabalhar com algo que você não ama ou não acredita. Você teve seu primeiro filho em 2006. Como concilia trabalho e maternidade? Trabalhava tanto que me pergun-

FOTO: EVANDRO RODNEY

E sugeriu à minha mãe, de quem era amigo, que eu me inscrevesse. Participei da seleção e fui aprovada. Foi assim que tudo começou. Lá se vão mais de 16 anos trabalhando com água.

"Como mulher, sou pragmática em muitas coisas. Mas não consigo ter um olhar que não seja romântico com a questão hídrica." tava se teria ou não filhos. Ser mãe é algo que exige muita dedicação. Mas sempre tive vontade de viver a maternidade e hoje tenho três filhos. A minha história com o primeiro, Vitor, é muito interessante. Logo depois que ele nasceu, o Adriano Magalhães foi nomeado para a Semad. Na posse dele, eu estava de férias com meu marido e minha família em Itaúnas (ES). No meu segundo dia lá, o Adriano me ligou, pedindo para que eu voltasse e assumisse a Subsecretaria de Fiscalização, que estava sendo criada e trazia um grande desafio: organizar a fiscalização integrada (Igam, Feam e IEF) no Estado. Qual era a proposta? Estruturar uma nova forma de fiscalizar. O que me incomodava era o fato de termos uma fiscalização sem base técnica para direcionar o trabalho. Implementamos uma metodologia que é usada até hoje, na qual reunimos todos os dados gerados pelo Sisema (monitoramento da quali-

dade da água, cobertura vegetal, inventário de áreas degradadas, monitoramento de poluição do ar, etc.) e identificamos as áreas que requerem atenção urgente. E o Vitor, ele te acompanhava nas viagens de trabalho? O pediatra dele falava que eu era uma “mãe-caracol”, que levava a casa nas costas. Quando viajava, ia acompanhada da babá dele e de um monte de malas. Gosto muito da minha profissão, mas queria tanto viver a maternidade que o Vitor teve de me acompanhar durante um ano e oito meses em viagens de trabalho, porque eu o amamentava. Ele conheceu o Brasil comigo. Nessa época também assumi a coordenação da Câmara Técnica de Outorga do Conselho Nacional dos Recursos Hídricos e tinha muita viagem fora. E o Vitor sempre comigo. Foi meu companheirinho. Recebeu algum conselho especial antes de assumir a diretoria do Igam?

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PÁGINAS VERDES Meu padrasto, Jorge, sempre me alertou que eu não deveria ser burocrata de estado, ficar só batendo carimbo. Disse que eu tinha de continuar estudando, pensando diferente. E eu me obrigo a isso. Em 2010, comecei meu doutorado. Quando assumi o Igam, em 2013, percebi que eu precisava de formação gerencial e fui fazer especialização na Fundação Dom Cabral. Também sou professora e já lecionei na UFMG, PUC e Kennedy. Atualmente coordeno um mestrado profissional em Recursos Hídricos na UninCor. Quando estava grávida de seu segundo filho, Jorge, você foi nomeada secretária-adjunta de Meio Ambiente na gestão de Sávio Souza Cruz (2015). Quanto tempo ficou no cargo? Quase um ano. Fui nomeada em março, acumulando também o cargo de diretora-geral do Igam. Quando recebi o convite, avisei ao novo secretário que estava grávida, prevendo o empecilho que seria ter de me afastar do trabalho quando ele mais precisaria de mim. Fiquei surpresa com sua reação: ‘Qual o problema disso?’. Agradeço a ele essa sensibilidade e respeito por um momento que era importante para mim. Meu filho Jorge [que recebeu este nome em homenagem ao padrasto dela] nasceu em 05 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente. Como estava em licença-maternidade, consegui concluir meu doutorado no fim do ano. E o terceiro filho? Nasceu em 2017. Foi o Vitor quem escolheu o nome: Rafael. Fui ler sobre o seu significado e descobri que, segundo está na Bíblia, Rafael foi o único anjo que veio para a Terra como ser humano. Quando ele se materializou, chamou-se Azarias. E Vitor tem o mesmo

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QUEM É ELA

Formada em engenharia civil, Marília Carvalho de Melo é mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG e doutora em Recursos Hídricos pela Coppe/ UFRJ. Presidente da Câmara Técnica de Integração de Procedimentos de Outorga e Ações Reguladoras do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, trabalha no Igam há 16 anos. nome do meu avô materno, Vitor Azarias de Carvalho. Coincidências da vida? Ele também teve de acompanhála nas viagens a trabalho? Eu estava em nova licença-maternidade quando o nosso atual secretário, Germano Vieira, me convidou para reassumir a diretoria-geral do Igam, no início deste ano, pois tinha voltado para a subsecretaria de Fiscalização e Controle Ambiental no final da gestão do Sávio. A “mãe-caracol” voltou novamente (risos). Levei Rafael e a babá para Brasília (DF), onde participei do Fórum Mundial da Água. Foi a primeira viagem dele. Como você lida com os gargalos de trabalhar no setor público? Meu pai me ensinou que nem sempre as coisas caminham na velocidade que a gente quer e que nem sempre vamos chegar ao objetivo que queremos. Mas se conseguirmos dar passos importantes rumo ao que acreditamos - um meio ambiente ecologicamente equilibrado - já é compensador. O meu partido é o meio ambiente, é a água. Passei do governo do PSDB para o do PT em cargos que já ocupava. Tenho

minhas bases ideológicas independentemente de qualquer partido político. Acredito na gestão de recursos hídricos, na gestão ambiental, na prestação de um serviço público de qualidade, de responder à sociedade com o que ela espera da gente. Geralmente temos a tendência de achar que a nossa causa é mais importante que a dos outros, mas meio ambiente e recursos hídricos ainda não são entendidos nos governos, de maneira geral, como prioridade. E sim como final de linha de política pública, quando deveria ser começo. Se você investe R$ 1 em saneamento básico, por exemplo, isso retorna quatro vezes mais para a área de saúde. O avanço é lento, mas sem retrocessos? Em alguns momentos, a gente dá dois passos para trás para poder dar três para frente. Governar, às vezes, é isso. São forças contraditórias que precisam ser administradas com muito planejamento. O ex-secretário José Carlos Carvalho dizia que bom gestor é aquele que faz alguma coisa independentemente das dificuldades. Qual a situação da qualidade das águas em Minas Gerais hoje? Lançamos recentemente o “Mapa de Qualidade da Água” e inovamos na avaliação dos dados: fizemos uma análise estatística que apontou onde há tendências de melhora, piora ou manutenção. Atualmente monitoramos aproximadamente 600 pontos no estado. As bacias hidrográficas mais críticas (Velhas e Paraopeba) são aquelas onde há maior concentração populacional. A bacia do Verde Grande, no entorno de Montes Claros, Norte de Minas, e a do Mucuri, no Leste, infelizmente também vivem essa situação. Já os rios Paranaí-


M A R Í L I A M E LO

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

Diretora-geral do Igam

A MÃE-CARACOL: Marília com Vitor durante viagem a Corumbá (MS), e com Rafael, recentemente em Brasília (DF), durante o "8º Fórum Mundial da Água": trabalhar com a questão hídrica não a impediu de exercer a maternidade

ba e Jequitinhonha, por exemplo, apresentaram qualidade de água melhor. Na maioria dos pontos monitorados, a tendência é de manutenção da qualidade de água, o que é bom. Dos 115 pontos que apresentaram tendência definitiva, 74 indicaram melhora da qualidade do recurso hídrico. Como Minas pode reverter o cenário de piora? Apesar da riqueza ambiental que ainda temos, não podemos deixar a degradação avançar. É preciso recuperar as áreas degradadas, investir em saneamento e ações efetivas de fortalecimento do binômio floresta-água. Belo Horizonte é a única região metropolitana do país que ainda se abastece de águas do seu próprio território. Isso é um privilégio. Ainda temos uma grande oportunidade, pois temos áreas muito preservadas no entorno da capital e no Quadrilátero Ferrífero que são importantes produtoras de água. Algo que Rio e São Paulo

não têm, e cada dia vão mais longe para captar água. Minas está preparada para enfrentar a crise hídrica? Estamos vivendo uma mudança no comportamento hidrológico. Não me sinto à vontade para falar em mudanças climáticas, porque não sou especialista nisso. Mas a alteração no ciclo hídrico, na dinâmica do clima e no regime pluvial está trazendo uma série de impactos para a natureza e a sociedade. Desde 2011 há um declínio do índice de chuvas no estado, que repercute na vazão dos rios. Esse é um fator de escassez hídrica, mas não é o único. A culpa da dificuldade da gestão de água que vivemos é histórica. A escassez começa com o processo de degradação da qualidade da água. Uma vez poluída, ela não está disponível para uso. E a água limpa disponível que temos não está em quantidade necessária para nos atender. Estamos potencializando essa escassez hídrica por causa da superexplotação de

água subterrânea. Ela diminui a vazão dos rios e rebaixa o nível do lençol freático. Então é preciso repensar o atual modelo de gestão de água? Sim. A água, como toda a natureza, tem uma capacidade fenomenal de se reestruturar e autorregular. Se você fechar todos os poços tubulares que estão explotando água, independentemente do local, logo depois o nível do lençol freático e de vazão dos rios se restabelece. A quantidade de água no planeta é a mesma desde que o mundo é mundo. O que provoca a diminuição de sua quantidade é o excesso, muitas vezes desnecessário, de uso. Por que as pessoas ainda não entendem efetivamente a importância da conservação da água em suas vidas? É preciso compreender que a água traz um histórico, é uma radiografia do território por onde ela passa. É um dos maiores indicadores da qualidade ambien-

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M A R Í L I A M E LO

PÁGINAS VERDES

tal de uma região. Quando se afirma que há mais ferro na água do Quadrilátero Ferrífero do que aqui é porque isso é uma condição natural de lá. Você pode dar um exemplo de município mineiro que se destaca no enfrentamento da escassez hídrica? Extrema, que fica no sudoeste de Minas. Acompanho a experiência da cidade com a produção e cuidado com suas águas desde 2002. A disponibilidade hídrica e a qualidade do recurso aumentaram muito lá. E eles fizeram isso basicamente por meio da restauração florestal, plantando árvores e cercando nascentes e mananciais. É contra a privatização da água? Sim, e do saneamento também. O acesso à água deve ser garantido a todos, independentemente da condição social. Vários países que privatizaram o saneamento estão voltando atrás. No Brasil já existe uma marginalização desses serviços. E, com isso, a situação pode piorar ainda mais. Em relação ao Rio Doce, como está o acompanhamento da recuperação do rio? A Bacia do Doce é hoje a mais monitorada no estado, em razão do acidente de 2015 e da necessidade de se acompanhar a sua recuperação. O Igam está atuando muito nessa linha de monitoramento e avaliação de qualidade da água. A Semad está tratando a questão da recuperação de maneira mais ampla. O impacto sobre a qualidade da água é inegável, mesmo já apresentando em alguns locais índices próximos aos de antes do acidente e levantando em consideração 24  ECOLÓGICO | ABRIL DE 2018

Diretora-geral do Igam

"A primeira palavra que falei, ainda bebê, foi água... Meu segundo filho, Jorge, nasceu em 05 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente." que a bacia já estava degradada. O nosso monitoramento é físico-químico e já identificamos que a turbidez diminuiu. Qual é a sua visão sobre o trabalho que está sendo feito pela Fundação Renova? De que há muitas ações em curso, mas a velocidade que elas acontecem deveria ser maior. A Fundação tem orçamento garantido. A responsabilidade dela de recuperação da Bacia do Doce é triplicada, principalmente porque têm todas as condições para fazer o trabalho. Em termos de resultados práticos, nesses dois anos, temos pouca coisa ainda. A instituição está em um momento de organização de planejamento de execução, e o Igam estará atuando mais forte nas ações de recuperação da bacia. O saneamento faz parte desse pacote? Faz e está avançando. O governo, inclusive, anunciou um repasse de R$ 390 milhões, por meio de recursos a serem disponibilizados pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), para municípios da região do Rio Doce afetados pelo rompimento da barragem

da Samarco. O dinheiro será utilizado para aplicação em saneamento e destinação final de resíduos sólidos. A água também é uma fonte de ensinamento. Qual a principal lição que você aprendeu trabalhando com a questão hídrica? Primeiro, que a água tem a capacidade de se reestruturar. Isso é lindo. Outra coisa é o respeito. A água tem seu caminho. Não adianta querermos interrompê-lo. Não adianta construir uma cidade no caminho de um rio e achar que o problema é dele. A água é um elemento muito forte. Você tem esperança em uma mudança de atitude do ser humano em relação ao cuidado com a água? Tenho esperança sim. Mas, infelizmente, na nossa história moderna, as pessoas só se mobilizam no caos, na dor. Temos 75% de água no corpo, ela é parte de nossas emoções. E os problemas hídricos só serão resolvidos se a busca pelas soluções for movida pelo coração, e não pela razão. É preciso vermos a água não como mercadoria, mas como algo sagrado. Como mulher, sou pragmática em muitas coisas, mas não consigo ter um olhar que não seja romântico com a questão hídrica. A partir do momento que traduzirmos para a sociedade que meio ambiente é tão importante quanto saúde e segurança pública, e que é preciso romper com o modelo de desenvolvimento que vivemos, aí estaremos evoluindo para um padrão de vida realmente melhor. 

SAIBA MAIS

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (1)

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CRIMES SEM

CASTIGO A REVISTA ECOLÓGICO PUBLICA, A PARTIR DESTA EDIÇÃO, DENÚNCIAS BASEADAS NA SÉRIE “O AMBIENTALISTA”, PRODUZIDA PELA GUERRILHA FILMES, DE BH, E EXIBIDA PELO CANAL CINEBRASILTV

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FOTOS: REPRODUÇÃO

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le visitou cinco estados e o Distrito Federal. Conversou com ribeirinhos, pescadores, ambientalistas e promotores de Justiça. Em diferentes episódios, entristeceu-se e se emocionou. Mas, sobretudo, denunciou. Denunciou crimes e impactos ambientais mais antigos e conhecidos, como as vítimas do vazamento de urânio na maior planta desse mineral na América Latina, localizada em Caetité (BA). E feridas ainda latejantes, como as deixadas pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG). Ele é o ativista ambiental Neylor Aarão, condutor e apresentador da série O Ambientalista. Com DNA genuinamente mineiro, as filmagens foram idealizadas e produzidas ano passado, pela Guerrilha Filmes, produtora independente sediada em Belo Horizonte, sob a direção de Marcello Marques. Com imagens e falas contundentes, os documentários de O Ambientalista escancaram impactos socioambientais causados por diversos tipos de atividades: da mineração ao uso abusivo de agrotóxicos, cujas consequências repercutem não somente na natureza, com sua rica biodiversidade, mas também na vida de comunidades, em diferentes regiões do país. Segundo Aarão, que tem MBA em direito, impacto e recuperação ambiental pela Fundação Gorceix, Ouro Preto (MG), são crimes ambientais sem punição. “Impactos sociais negligenciados e devastação da natureza escancarada Brasil afora. Procuramos identificar e mostrar como os vários impactos e crimes ambientais mostrados na série afetaram e ainda afetam drasticamente a vida das pessoas.

NEYLOR AARÃO: pé na estrada para denunciar tragédias ainda impunes no país

Nosso objetivo é jogar luz sobre esses problemas e fazer com que a voz dessas comunidades ecoe de alguma maneira, alcançando o maior número de pessoas possível”, pontua Aarão. Os 10 episódios foram produzidos com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). “É um projeto de documentário investigativo-autoral, apartidário e com total autonomia de conteúdo. Não está vinculado a nenhuma organização da sociedade civil ou empresa privada.” TEMAS UNIVERSAIS As filmagens dos episódios, com duração de 26 minutos cada, são todas inéditas e feitas in loco. A equipe contou com o apoio de órgãos e instituições como Mi-

ENTENDA MELHOR

l A série tem como estilo a

investigação científica de crimes (CSI), pautada em denúncias da população local, do Ministério Público, de especialistas da área, de organizações não governamentais (ONGs) e em investigações pessoais feitas por Neylor Aarão, que é atuante na área de direito ambiental e tem ampla experiência no tema.

l Segundo seus idealizadores,

tem grande potencial de transformação social, pois se trata de uma série investigativa que aborda casos de agressões cotidianas ao povo e ao meio ambiente brasileiros.

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (1)

cações de terras indígenas e os conflitos entre pecuária, agricultura e preservação ambiental na Amazônia. “Buscamos ouvir integrantes das comunidades atingidas, especialistas, representantes de órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização e, óbvio, os acusados pelos impactos causados. É uma série documental atemporal e de

alcance internacional, pois trata de temas universais. Além disso, como aborda questões relevantes para a sociedade brasileira, formar uma rede de apoiadores e divulgadores de O Ambientalista é um importante instrumento em prol da mudança das realidades mostradas”, ressalta Aarão. Confira, a seguir, o primeiro episódio da série: FOTOS: REPRODUÇÃO

O DIRETOR

MARCELLO MARQUES

É sócio da Guerrilha Filmes. Atua como diretor de fotografia há 18 anos em cinema e publicidade e foi premiado no festival “Los Angeles Web Fest 2013” – Melhor Fotografia, com o webseriado “Heróis”. Pósgraduado em cinema pela PUC Minas, foi professor de graduação e pós-graduação nos últimos 10 anos.

nistério Público Federal, Ibama, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Imazon, Instituto Socioambiental e universidades, entre outros. Aarão percorreu o país atrás de desastres socioambientais como o conhecido Lixão da Estrutural, fechado recentemente, e que abrigava nada menos que 2 mil catadores, a meros 15 km de distância da Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF). Outros destaques são a secular promessa das demar28  ECOLÓGICO | ABRIL DE 2018

REGISTRO de imagens próximo a um dos poços artesianos da região de Caetité: águas em risco na Bahia


VISTA GERAL da entrada do município, onde o letreiro em placa destaca: "Caetité, cidade feliz"

A cidade radioativa Exploração de urânio e aumento dos casos de câncer em Caetité, na Bahia, alimenta o medo e a revolta da população. A INB, empresa responsável pela atividade, ainda não é transparente

Senhoras e senhores, sejam bem-vindos a Salvador. São 9h40, horário local. Crimes ambientais movimentam bilhões de dólares todos os anos segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). E o Brasil é o país que mais mata defensores do meio ambiente no mundo. Eu, Neylor Aarão, vou percorrer o país de norte a Sul, mostrando crimes e impactos ambientais e como eles nos afetam. Estamos em Caetité, no sertão baiano, a cerca de 650 km de Salvador, sede da Indústrias Nuclea-

res do Brasil (INB), única mineração de urânio em atividade no país. A região passou a figurar no mapa de conflitos socioambientais por causa da contaminação de suas águas. E a cidade abriga uma das maiores reservas de urânio do território brasileiro. Na região de Lagoa Real, há vários relatos sobre contaminação de água e inúmeros poços foram interditados. A exposição à radiação pode provocar alguns tipos de câncer. Eu queria comprovar se ali havia alguma água contaminada por urânio.

Estamos aqui bem próximos de um poço. “Este foi o último poço interditado na região?” Quem nos responde é o representante da Comissão Pastoral da Terra da Bahia, Gilmar Teixeira. “Que a gente tem conhecimento, sim. Foi feito um estudo, uma análise da água desse poço. E, em outubro de 2014, foi constatado alto teor de contaminação por material radioativo. Porém, esse resultado não foi divulgado para a sociedade. Nós só tivemos conhecimento dele em março de

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (1)

FOTO: REPRODUÇÃO

2015, em uma sessão da Câmara de Vereadores de Lagoa Real. Lá foi explanado esse fato, da contaminação desse poço.” Queria saber também se a falta de informação era algo pontual. Então, decidi ir a outro local, a cerca de 50 metros, que também tinha um poço de água lacrado. Seu Nilo, aposentado e dono do poço, conta: “Uma vez, chegou até um pessoal aqui, coletando a água. Eu falei: ‘Ô, gente, eu não vou pegar água não, já cansei de tanto carregar. Aí a mulher falou: ‘Não, mas o nosso resultado é imediato, dá resultado ligeiro’. Eu respondi: se for assim, então vamos. Pegamos a água e essa mulher levou. Acho que deve fazer uns três anos. Nunca mais eu vi a mulher. A gente pode até tá usando água contaminada, né?” A professora Gilmara Mendes questiona: “Por que que não sai, na verdade, nada sobre isso, como foi questionado na reunião, quando estavam lá o prefeito e o pessoal de Caetité? Pra poderem se defender? Porque em todos os laudos, as pessoas não morrem no município vizinho de Livramento. Morrem

PADRE OSVALDINO foi perseguido e transferido para outra paróquia 30  ECOLÓGICO | ABRIL DE 2018

em Barreto, em Salvador. Então, não vem para a estatística de Livramento que o pessoal daqui está morrendo de câncer.” POEIRA CANCERÍGENA Para entender como a população local estava sendo afetada pela extração de urânio, fui até aos arredores da mina da INB. Gilmar Teixeira, da Pastoral da Terra, é quem nos explica novamente. “A mina fica logo aqui, na parte de baixo. De onde dá para ter uma visão geral da planta. Logo ali estão os taludes, onde ficam os rejeitos, o bota-fora. E à nossa direita estão as casas da comunidade de Gameleira, que fica a uns 300 metros da mina.” O relato de Teixeira continua: “Quando acontece detonação, a poeira sobe todinha e cai diretamente no telhado dessas casas.” - O desmanche deles é todo com explosivos? – pergunto. “Sim, o urânio daqui está associado ao gás radônio. E o radônio é cancerígeno. Então, à medida que você provoca a desagregação das rochas, esse gás é liberado e vai para a atmosfera. Isso é impactante para toda a comunidade. Eles respiram diariamente esse pó.” Especialista em urânio pela Universidade Federal da Bahia, a professora Simone Cruz explica que se trata da maior província monominerálica da América Latina. “É uma das maiores do mundo. É necessário que se faça um estudo, chamado alogia médica, para que se possa avaliar a saúde das pessoas daquela região, nas áreas que são mais enriquecidas comparando-as com as mais carentes. E, assim, obter um diagnóstico de doenças que possam ter como causa o urânio.” Há também relatos sobre o re-

gistro de altos índices de radioatividade em residências próximas à mina. “Em algumas casas, quando se entrava com o contador Geiger, o ponteiro disparava”, explica o coordenador de Monitoramento do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema), Eduardo Topázio. Muitas vezes, a INB também perfurava poços artesianos nos terrenos das pessoas, sem que elas soubessem e sem ter qualquer tipo de outorga ou autorização dos órgãos fiscalizadores. “Eu não sei se é o caso de vocês, mas muitas pessoas vêm aqui na cidade e não tomam nem água, porque têm medo da contaminação. Imagina a gente vivendo aqui, constantemente, tendo que beber dessa água todos os dias. Não posso afirmar que tem a ver com a exploração de urânio, mas posso dizer que o número, por exemplo, de doenças vem crescendo muito”, aponta a agente de Saúde Elenilde Cardoso. PADRE PERSEGUIDO O padre Osvaldino, que fez um levantamento dos casos de câncer na região de Caetité, foi perseguido e transferido de paróquia. “Houve uma luta forte da população, reivindicando um hospital de oncologia. A sensação que a gente tem é que não se monta o hospital, apesar das promessas, para esconder os casos de oncologia, porque o índice é alto. Todos são tratados fora daqui”, ele garante. Procurei várias pessoas para falar sobre o assunto, mas ninguém aceitava. Parecia um assunto proibido. As autoridades se esquivavam. A INB procura manter uma imagem boa na cidade. Apoia alguns programas


FOTO: GREENPEACE

sociais e mantém o Espaço INB. Mas a face que ela mostra para a comunidade rural é outra. “Se você circular aqui pela comunidade vai ver que não tem nada trazido pela prefeitura e muito menos pela INB. A maioria das pessoas vive da aposentadoria”, frisa Elenilde Cardoso. Para Zoraide Vilasboas, do Movimento Paulo Jackson, Ética, Justiça e Cidadania, o trabalho de monitoramento que a INB faz não interessa ao movimento. “O que estamos pedindo, o tempo inteiro, é um monitoramento independente. A empresa se automonitora e esse automonitoramento é que serve de base para as avaliações que são feitas pelo Ibama.” Durante um longo período, tentei diversos contatos com a empresa. Mas ela sempre se esquivava. O único local em que consegui acesso a algumas informações foi no Espaço INB. Responsável pelo local, Aloísio

PROTESTO DO Greenpeace em frente à sede da INB, em outubro de 2012, quando cerca de 100 kg de urânio vazaram por uma falha na operação

ENTENDA MELHOR l Ciclo do combustível nuclear é o nome que se dá ao conjunto de processos industriais que transformam o minério urânio no combustível que gera energia nos reatores nucleares. Com o urânio enriquecido sob a forma de pó, são fabricadas pastilhas com cerca de um centímetro de diâmetro. Elas são colocadas dentro de varetas de uma liga de aço especial – o zircaloy. Em seguida, as varetas são organizadas em feixes, formando uma estrutura firme de até 5 metros de altura – o combustível nuclear. l No Brasil, a empresa responsável pela extração de urânio é a INB e sua atividade é fiscalizada por entidades como Ibama e Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEM). Como envolve atividade nuclear, há um risco natural de contaminação por irradiação.

Gomes afirma que várias equipes de reportagem estiveram na cidade, colheram informações e manipularam o conteúdo final. “Temos sofrido muito. Eu não sei se vocês vão deixar gravado o que vou falar, porque costumam cortar. Você está me perguntando se a exposição ao urânio, mesmo em um nível baixo, mas

constante e num período longo, tem alguma influência negativa no ser humano, nos animais, nas vegetações, em tudo o que está no entorno. Vou te falar por mim. Eu acho que não.” Aloísio conta que a mulher dele trabalhou cinco anos na empresa. “A sala do gerente fica de frente para a pilha de urânio.

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“As pessoas tomam água de barreiro, com coliforme fecal. Eu diria que o urânio é o filet mignon, ajuda a fazer bem.” ARNALDO MEZRAHI, coordenador-geral da CNEN

A INB tem um estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro. Não vou me aprofundar nele, mas você pode solicitar acesso a ele. Basta solicitar que a empresa fornece todos os dados. Ela é obrigada a fornecer. Afinal, temos a lei de acesso à informação.” Diante da falta de informação por parte da INB, fui até o Rio de Janeiro conversar com a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). “Quando se fala em urânio, as pessoas morrem de medo. Mas o transporte não tem riscos, em termos de malefício. Você não deve manipular um yellow cake [concentrado de urânio, resultado da primeira etapa do ciclo do combustível]. Mas claro que ele é seguro”, garante Arnaldo Mezrahi, coordenador-geral das Instalações Nucleares (CNEN). Segundo ele, o dinheiro investido até agora, em estudos epidemiológicos – sobre a relação dos casos de câncer com a extração de urânio – deveria ser destinado a outras frentes. “Como especialista na área nuclear e nordestino, acredito que seria muito melhor investir em tratamento e fornecimento de água. As pessoas tomam água de barreiro, que contém coliforme fecal... Eu diria que o urânio é o

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filet mignon, ajuda a fazer bem.” Representante da Fiocruz, Marcelo Firpo esclarece que o estudo foi feito por um grupo de pesquisadores ligados à instituição. “Se vocês entrevistarem os pesquisadores, nenhum deles vai ter coragem de afirmar que o relatório estabelece qualquer associação [entre câncer e a exploração de urânio].” De acordo com Firpo, em Caetité, a taxa de morte por câncer se assemelha à de populações que vivem longe da mineração de urânio. Isso teria servido de argumentação para a INB divulgar que sua atividade não leva ao desenvolvimento da doença. “Mas se olharmos as comunidades ao redor da mina, em várias delas há um padrão de taxas elevadas de câncer.” “Aqui estamos produzindo urânio e transportando pela estrada. Há um descompromisso com a população brasileira. Isso é estarrecedor”, pondera Sandra Cureau, subprocuradora-geral da República. De acordo com ela, a Defensoria Pública seria o órgão com maior legitimidade para ingressar com ações em juízo, em favor das pessoas atingidas, requerendo tratamento e indenização por danos materiais e morais. “Questão penal é um crime de perigo abstrato. Ou seja, se houver risco de algum dano à saúde humana ou à saúde animal não é preciso que se comprove efetivamente esse dano. O simples fato de haver essa possibilidade já é suficiente para configurar o crime. É importante esclarecer isso.” Depois de ouvir autoridades e a população local, ficou claro o descaso do poder público com os problemas vividos pela

FOTO: REPRODUÇÃO

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (1)

SANDRA CUREAU, subprocuradorageral, lamenta o descompromisso com a população brasileira

população de Caetité e região. Falta também transparência nas atividades da INB. Não parece demais pedir que uma empresa que expõe moradores a diversos riscos aja com mais clareza e faça estudos sérios sobre os efeitos da exploração de urânio nos habitantes da região. E, ainda, preste assistência aos afetados pelas suas atividades.  Aguarde: na próxima edição, a denúncia sobre o maior lixão da América Latina e segundo maior do mundo, o Lixão da Estrutural, em Brasília (DF).

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GESTÃO & TI

ROBERTO FRANCISCO DE SOUZA (*) redacao@revistaecologico.com.br

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ra assim. Quem duvidar que leia essa belezura de frase do livro do Eclesiastes. É ler e refletir. É refletir e abotoar as ideias. Com tanta tecnologia nova, que tempo teremos debaixo do sol? Não há paz nesse assunto, só guerra. A tecnologia esticou os dias, fez eles parecerem beeeeeeemmmmmm compridos, feito “Hora do Brasil” que nunca termina antes do jogo do meu Galo. Eu, que defendi o direito de todo mundo ter o “Valterzap”, o odeio de paixão. Olhe o que ele faz com a gente, transformando em maldição a nossa chance da conexão! Mas vai ser diferente. Feito a Cássia Eller, eu ando por aí querendo encontrar o jeito que vai ser cada dia com tecnologia. No aeroporto, já não tem leão de chácara escaneando minha alma. Agora é máquina. No banco, já nem tenho agência e o gerente, coitado, me informa que atende até vinte e duas horas sem consternação e com conexão. No supermercado, a Amazon informa irônica que os dias dos caixas estão contados - eles que achavam que o código de barras era seu pior satanás. Na escola, todo mundo diz que ela é lifelong learning. Olha que tudo! E eu sou aluno, professor e trabalhador, cada e toda hora de um jeito. Vamos ter mais tempo e outros propósitos debaixo do sol. Não teremos moedas e as pessoas serão curadas por um tostão de gene alterado e pronto. Toca prever, convém prevenir... Pode ser que ninguém seja burro, nem preguiçoso, nem feio talvez. Pode ser que outro dia mesmo já tenha acontecido de os mamutes extintos terem ressurgido na terra, aqueles grandalhões que iam ressurgir só em 2030. Passa boi, passa boiada, que propósito hei de ter debaixo do sol? Eu vou ler. Mas para quê, se de um tapa eu já li, implantado na conexão do smartphone que nem será mais isso (vai ser um chip)? Eu vou plantar árvore. Mas um robô vai plantar melhor! Eu vou comer, porque o tal livro lindo diz que “todo o trabalho do homem é para sua boca e, contudo, nunca se satisfaz seu apetite (Eclesiastes, 6, 17)”. Eu vou compor lindas canções, mas já já as máquinas também comporão. E quem sou eu, então? Eu sou homem! Eu sou aquele que não é, que não existe sem precisar de esperança e sem contemplar.

FOTO: CHAKRIPIXMAKER

EU, A TECNOLOGIA E O ECLESIASTES

“Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.” Eclesiastes, 3, 1

Eu sou o criador de obras feitas para a glória de Deus e, confessemos, para a minha glória mesmo! Convém cuidado ao criarmos a técnica. Fico me perguntado “por que razão se iraria Deus contra a tua voz, e destruiria a obra das tuas mãos? (Eclesiastes, 5,6)”. Há uma! Eu creio - se Ele perceber que não contemplamos mais, que não nos encantamos mais com o que se criou para nós e com o que criamos para Ele - que desistirá de nós e não creio que nos destrua. Apenas nos abandonará, silenciosamente, e nos deixará em uma estranha paz na companhia da nossa imensa obra de tecnologia. 

TECH NOTES l 1. Revisite o Eclesiastes

goo.gl/KUnSU1

l 2. É verdade: os mamutes vão voltar

goo.gl/bnF92L

l 3. Entenda o que é Lifelong Learning

goo.gl/HGhGd8

(*) CEO & Evangelist da Kukac Plansis, fundador do Arbórea Instituto. ABRIL DE 2018 | ECOLÓGICO  33


UM FI L ME DA CO N S E R VA

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FOTO: PEDRO DEVELEY-SAVE BRASIL

1 POLÍTICA AMBIENTAL

A CRIAÇÃO da UC em Botumirim abrange desde cachoeiras a trilhas naturais ainda 100% preservadas: o que uma espécie de rolinha em extinção não faz?

MINAS MAIS PROTEGIDA Propostas de novas Unidades de Conservação anunciadas pelo Governo de Minas irão garantir a proteção integral de quase 56 mil hectares de matas do Estado

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FOTO: FERNANDA MANN

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m tempos de crise hídrica e mudanças climáticas, adotar e desenvolver iniciativas que garantam a preservação do meio ambiente é essencial para garantir um futuro mais sustentável para o ser humano e o planeta. Foi o que aconteceu às vésperas do “Dia Mundial da Água”, durante encontro com ambientalistas e conselheiros da Revista Ecológico, quando o governador Fernando Pimentel pré-anunciou e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad-MG) agora comprovou: a proposta em andamento de criação de seis Unidades de Conservação (UCs) em regiões de Minas Gerais onde a devastação e a falta d’água são mais críticas. As unidades somam 55.962

FERNANDO PIMENTEL e Germano Vieira: promessa em cumprimento hectares, uma área equivalente a 52 mil campos de futebol, e estão localizadas na Região Metropolitana da BH, Zona da Mata, Norte de Minas, Alto Paranaíba e Quadrilátero Ferrífero. A proposta de criação de uma das primeiras UCs – o Parque Es-

tadual do Botumirim –, no Norte do Estado, foi debatida junto à população dos municípios de Botumirim e Bocaiúva nos dias 13 e 14 deste mês. Mais de 200 pessoas, incluindo moradores, autoridades e representantes de entidades de classe, participaram


das reuniões de consulta pública. Na ocasião, técnicos do Instituto Estadual de Florestas (IEF) apresentaram detalhes sobre a área demarcada para a criação da UC. “Será criado um grupo de trabalho, com integrantes do IEF e moradores das duas cidades, para tratar de aspectos da regularização fundiária da área e a revisão dos limites do parque”, afirmou Paulo Fernandes Scheid, gerente de criação de Unidades de Conservação do IEF. O local é composto, em sua maioria, por campos rupestres, e tem fauna e flora riquíssima. Segundo Scheid, o IEF agora irá avaliar as sugestões e críticas da comunidade e o material será incorporado aos estudos técnicos feitos pela equipe do instituto. Na sequência, o documento final será encaminhado ao governador para posterior publicação oficial, consolidando a criação da UC, que tem área proposta de 36.188 hectares e preserva um rico patrimônio arqueológico histórico e pré-histórico, com destaque para os grafismos rupestres. O parque (leia mais a seguir) guarda ainda nascentes de importantes rios da região do Vale do Jequitinhonha, fundamentais para o abastecimento hídrico da população e das práticas agropecuárias de subsistência. E abriga uma ave raríssima e altamente vulnerável, a rolinha-do-planalto (Columbina cyanopis) (foto superior à esquerda). Dada como extinta pela ciência, ela foi avistada recentemente na região, fato que reforça ainda mais a necessidade de criação da UC. A seguir, a Ecológico apresenta com exclusividade quais são e onde estão localizadas as áreas verdes propostas pelo governo estadual: (*) Com informações de Emerson Gomes/Ascom/Sisema.

1. Parque Estadual de Botumirim Região: Norte de Minas/Serra do Espinhaço Área: 36.188 hectares  Campos rupestres com flora riquíssima, endêmica (Drosera graminifolia e Drosera tomentosa) e com a presença de espécies ameaçadas de extinção (Richterago hatschbachii e Pitcairnia bradei), consideradas de grande relevância para conservação;

Destaca-se a ocorrência de Schefflera botumirensis, espécie arbustiva endêmica do Estado de Minas Gerais e de ocorrência restrita à região da Serra da Canastra em Botumirim;

A ocorrência de pequizeiros, árvores que possuem status especial na legislação ambiental mineira, devido a sua importância ecológica e econômica, do ponto de vista de utilização por populações extrativistas; 

 Há o registro de duas espécies endêmicas e consideradas raras de aves, o capacetinho-oco-de-pau (Poospiza cinerea), e a bandoleta (Cysnagra hirundinacea), além da ocorrência da espécie Conopophaga lineata (chupa-dente), considerada em perigo de extinção, conforme os critérios da IUC;  Botumirim foi considerada em 2006 pela SAVE Brasil/BirdLife como uma das áreas importantes para conservação de aves no mundo, sendo denominada IBA – MG 07;  De acordo com a DN COPAM nº 147/2010, estão na categoria de ameaça algumas espécies da mastofauna que possuem ocorrência na área proposta para criação da UC, como o loboguará, o catitu e a lontra;

As áreas de interesse à incorporação ao Parque Estadual de Botumirim estão inseridas em região estratégica de conectividade com outras áreas de interesse ambiental, fazendo parte do planejamento de ordenamento territorial para fins de criação de corredores ecológicos; 

 O potencial espeleológico pela ocorrência de cavidades naturais, as quais carecem de aprofundamento de estudos científicos em relação às suas características cársticas e bioespeleológicas.

2. Parque Estadual de Rio Manso Região: Região Metropolitana BH (Colar Metropolitano) Área: 8.962 hectares  A área de conservação possui grande parte de sua extensão coberta pela vegetação natural da região, com pouca ou quase nenhuma modificação antrópica;

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1 POLÍTICA AMBIENTAL Presença de espécies raras, endêmicas ou ameaçadas de extinção. Essas espécies são possivelmente as que desapareceriam primeiro caso as modificações em seus hábitats continuassem. Assim, elas devem ser consideradas como prioritárias para a conservação; 

Representatividade da região ecológica natural;

 Complementaridade ao atual Sistema Nacional de Unidades de Conservação. A unidade de conservação proposta contribuirá para a conservação de ecossistemas/paisagens ainda não protegidas dentro da região ecológica natural;

Diversidade de ecossistemas e de espécies ocorrentes; 

 Área consolidada e disponível para implantação de uma unidade de conservação;

MAIS DE quatro mil hectares serão preservados com a criação do Parque Estadual Serra Negra da Mantiqueira

 Elevado grau das pressões humanas sobre a área, principalmente da mineração e agricultura;

Grande biodiversidade, presença de espécies endêmicas, raras e ameaçadas de extinção, sendo essa uma área constituída de uns dos principais remanescentes da região. 

3. Refúgio de Vida Silvestre Alto Araguari Região: Alto Paranaíba Área: 6.037 hectares

 Favorecer a proteção da Zona de Amortecimento do Parque Nacional da Serra da Canastra, considerado uma área prioritária de extrema importância biológica em Minas Gerais;  Proteger mais de 600 hectares de vegetação ciliar que seriam inundados por sete PCHs, em uma região cuja cobertura vegetal já foi fortemente alterada;  Formar um corredor de biodiversidade envolvendo o PARNA Serra da Canastra e o REVIS Alto Araguari aqui proposto;

Ampliar a representatividade dos ecossistemas de água doce no Sistema Estadual de Unidades de Conservação; 

Presença de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade do Cerrado e do Pantanal, indicadas na 2ª avaliação (MMA, 2014); 

 Proteger um trecho do Rio Araguari como rio de fluxo livre, em uma região de alta susceptibilidade à erosão, reduzindo os riscos à qualidade da água;

Manter a fisiografia de um trecho do rio Araguari, essencial para espécies de peixes migradoras, reofílicas e ameaçadas de extinção;

 Estimular a revitalização do distrito de Desemboque, importante marco da história e cultura da região.

Proteger pelo menos 11 territórios comprovados do pato-mergulhão, ou 9% da população global da espécie considerada criticamente em perigo de extinção em Minas Gerais; 

Proteger as matas ciliares e de galeria, essenciais para nidificação e refúgio para o pato-mergulhão;

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4. Parque Estadual Fazenda Boa Esperança Região: Região Metropolitana BH (Colar Metropolitano) Área: 318 hectares


e a qualidade das fontes de captação de água superficial nesse local; É importante manancial para o abastecimento público de Ouro Preto; 

Os fragmentos de Floresta Estacional Semidecidual possuem um bom estado de conservação.

6. Parque Estadual Serra Negra da Mantiqueira

FOTO: MÁRCIO LUCINDA

Região: Zona da Mata Área: 4.285 hectares

 O estudo técnico encontra-se em fase de elaboração, visando levantar as características da área e apresentar as justificativas para criação da Unidade de Conservação.

 A região está entre as áreas prioritárias para conservação da biodiversidade, tanto na avaliação Nacional quanto na Estadual;

Possui papel importante na produção de água, uma vez que faz parte do complexo serrano da Mantiqueira; 

 A área contribuirá para a manutenção da variabilidade genética da fauna/flora dos ecossistemas da região;

Contenção das degradações e ameaças pela mineração, monoculturas e turismo desordenado;

5. Monumento Natural Jardim Botânico de Ouro Preto Região: Quadrilátero Ferrífero Área: 172 hectares A região tem sítios arqueológicos de grande potencial turístico; 

Os aspectos ambientais, arqueológicos, históricos e culturais viabilizam a inserção da UC Jardim Botânico no roteiro turístico da cidade; 

A área do Jardim Botânico possui capacidade de atuar como um corredor ecológico, consolidando a conectividade entre as unidades de conservação circunvizinhas; 

Potencializar o fluxo gênico e a movimentação da biota, fortalecendo a conservação da flora e fauna regional e protegendo espécies ameaçadas de extinção; 

A região do Jardim Botânico possui um grande potencial hídrico, garantindo a continuidade 

Guarda o maior remanescente de fragmento da floresta atlântica (mata úmida de altitude) continua da região do Circuito Serras de Ibitipoca;

 Ocorrência de espécies raras, endêmicas, novas e ameaçadas de extinção;  Possibilidade de aumentar a geração de emprego e renda através do turismo ecológico sustentável, uma vez que esta atividade vem sendo desenvolvida na área sem nenhum controle e sem os estudos de impacto;

Criar alternativa de expansão turística no circuito Serras do Ibitipoca; 

 Quase inexistência de moradores no perímetro proposto para instituição da UC;

Atração e promoção de eventos culturais, sociais e ambientais; 

 Planejamento da expansão urbana sobre áreas rurais. 

SAIBA MAIS

www.meioambiente.mg.gov.br www.ief.mg.gov.br

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ECOLOGIA INTERIOR

ROONEY Mara, no papel de Maria Madalena, no filme homônimo lançado este ano: gentileza e força ao retratar a "apóstola de Cristo"

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DENTRO DE CADA MULHER HÁ UMA

MADALENA Foi o que confirmaram 39 mulheres do interior de Minas após assistirem ao polêmico filme “Maria Madalena”, de Garth Davis Déa Januzzi

redacao@revistaecologico.com.br

FOTO: DIVULGAÇÃO

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om direito a pipoca, caixa de chocolate língua de gato, a companhia e os comentários de Magdala Ferreira Guedes (você verá que o nome dela não é mera coincidência), assisti ao filme “Maria Madalena”, de Garth Davis, que vem balançando as estruturas do catolicismo tradicional. No caminho para ver o longa-metragem no cinema, pensava nas aulas de religião dos colégios católicos da minha infância, onde Madalena, considerada prostituta, só não foi apedrejada porque Jesus Cristo interferiu e disse: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra”. Mais do que a história de violência contra uma mulher tida como pecadora, jamais me esqueci desta frase que me seguiu na infância, adolescência, passando pela vida adulta e até hoje, no crepúsculo da existência. A Maria Madalena de antigamente era pecadora, mas sempre corri para resgatar, em mim e nas mulheres em geral, a outra imagem. Uma Madalena revolucionária, companheira de Cristo, uma mulher simples e gentil, mas forte, que não seguia as ordens estabelecidas da época. Aquela que também levou a mensagem de Cristo pelo mundo, foi testemunha da sua crucificação e ressurreição. Antes de ver o filme que liberta Maria Madalena das feridas ancestrais, do pecado, da culpa e da tirania do mundo masculino, conheci Magui – como Magdala Guedes é chamada – e desde 2005 reúne mulheres em busca da cura dessas feridas históricas, desses preconceitos e dos grilhões da religião. Isso acontece em meio à natureza preservada do Sítio Sertãozinho, em Moeda (MG), a 45 km de Belo Horizonte. É onde elas dançam, cantam, conversam e se restauram. Magui sabia que Maria Madalena, assim como todas as mulheres, carregava o peso da cruz sozinha, banida da bíblia e de sua verdadeira história, que era preciso resgatar a imagem de Maria Madalena e buscar o sagrado que há no feminino. E, claro, também no masculino até então inflexível. Enquanto seguia para o cinema, lembrei-me de um tempo em

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FOTO: ARQUIVO PESSOAL

ECOLOGIA INTERIOR

AS MADALENAS e o panô, com as imagens de Nossa Senhora: revelando e fortalecendo o sagrado feminino

que fazia acupuntura com a terapeuta Josefina, indicada por Magui. Após meses de sessões e de cura, ela me perguntou por que eu, como mulher, não era tão gentil e poética como os meus textos. Paralisei com o questionamento e descobri que, na época, para entrar no mundo do trabalho, tive que simbolicamente me transformar em um soldado, com botas e coturnos, para me impor, para lutar por um lugar igualitário com os homens. Na minha infância sequer poderia mastigar a hóstia na hora da comunhão. Tinha medo que ela sangrasse. Era um horror. Parei de ir à missa. Encontrei-me com Magui na porta do cinema. Ela ia assistir ao filme pela terceira vez. Era como se fosse coautora da película, como se dirigisse a própria vida. Estudiosa de ervas medicinais, Magui vive em comunhão com a sua natureza de mulher, esposa e mãe, no seu refúgio rural e terapêutico. É conhecida também 44  ECOLÓGICO | ABRIL DE 2018

FOTO: BETO NOVAES

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MAGUI: "Madalena representa a coragem sustentada pela fé"

pelo Ritual do Pão, que ela realiza há mais de 20 anos, colocando intenções na massa. Mas a jornada “De volta para casa” com as Madalenas começou no seu aniversário de 60 anos, em Israel, onde

foi visitar o filho mais velho que então morava lá. Hoje, aos 67, ela conta que, ao entrar numa loja para comprar um livro chamou sua atenção um de capa vermelha, escrito em letras douradas “A vida de Maria Madalena”. Em quatro dias, ela leu o livro de 700 páginas, onde estava escrito “Dentro de cada mulher vive uma Madalena”. A partir daí, Magui começou a convidar as mulheres que conhecia para uma jornada de cura do feminino marginalizado. Foram 70 mulheres que viveram na pele de Madalena por quase 12 anos, e hoje estão em paz consigo mesmas, unidas por uma nova aliança. Magui me chama a atenção antes para uma passagem do filme: “A gentileza, a cumplicidade, a comunicação de Maria Madalena com Jesus por meio de olhares. A coragem sustentada pela fé”. A cena de Maria, mãe de Jesus, que se encontra com Madalena, também é de arrepiar: “Você ama meu filho? O que Deus te pediu?


FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Ele deve ter pedido muito. Se você ama meu filho deve estar preparada para perdê-lo como eu”. Uma cena real nos chama a atenção. Uma senhora de cabelos brancos se retira do cinema no meio da sessão. Não aguentou a nova imagem mostrada de Maria Madalena. Acostumou-se com a Madalena endemoniada da Bíblia. Magui se entristece com a retirada da senhora. Sabe que até o Papa Francisco a redimiu e a colocou num lugar de honra, chamando-a de “a apóstola dos apóstolos”. E foi em homenagem ao Papa Francisco que 39 mulheres – e um homem, o economista Sérgio da Luz Moreira – resolveram bordar um panô, que será entregue a Francisco e cuja mensageira será uma freira. Ela entregará o pano decorativo, com 2,20 metros de largura por 1,30 de comprimento nas mãos do Papa, no Vaticano. Junto vai uma carta que foi traduzida para o espanhol, língua de origem de Francisco.

FOTO: DIVULGAÇÃO

O GRUPO na sessão de cinema, com mantos e capuzes em homenagem a Maria Madalena

O FILME empodera uma personagem até então obscura da Bíblia

Quem coordenou o panô foi Cláudia Martins, de 53 anos, uma das 70 Madalenas que fez a jornada “De volta para Casa”. Ela é do primeiro grupo de Magui, de 2005, e exímia bordadeira.

Por mais de um ano, ela conduziu os bordados com capricho e devoção. Antes, selecionou as várias faces e nomes de Nossa Senhora para o sorteio entre os participantes. E cada um bordou a sua santa. Cláudia tirou Nossa Senhora Aparecida. “O bordado mudou a minha vida. Tenho que falar em antes e depois dele. Ao alinhavar o bordado, ia conversando com Nossa Senhora Aparecida. Era uma oração e a paz ia fluindo dentro de mim.” Ela esteve presente também na estreia do filme de Maria Madalena, numa sessão especial junto com as outras “madalenas”. Conforme combinado, compareceram em peso, com seus mantos e capuzes. E também com direito a flores de cor rosa, símbolo do cuidado essencial e de cura. O filme termina e pressinto que sempre levei Madalena na alma. Uma frase me sopra aos ouvidos: “Por mais Madalenas no mundo”.

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ECOLOGIA INTERIOR

A Carta das Madalenas de Minas para Francisco Perdoe-nos, Francisco, por chegar assim agradecer a um papa que parou de excomuntão de repente, sem cerimônia, chamando-te gar as mulheres que praticaram aborto em alpelo nome. Não dá para te nomear de Sumo gum momento difícil de suas vidas. Um papa Pontífice ou Sua Santidade. Pois és o Papa do que fala coisas assim: “A mulher é que dá harséculo XXI, um revolucionário como Jesus. monia ao lar. Não está aqui para lavar louças”. Perdoe-nos por te comparar a Jesus. Mas tu, Tu és muito mais a Igreja de Maria Madalena Papa Francisco, também chegaste com sim- do que a de Pedro. Tu és a Igreja do cuidado plicidade, compaixão, ternura e gentileza para essencial, que não guerreia, mas acolhe, coredimir as mulheres de todas as culpas cató- munga e compartilha. A Igreja sem penitênlicas, que foram pregadas na cruz de suas vi- cias e martírios desnecessários, sem os pesadas. Para rever o rastro de machismo que con- dos grilhões de dogmas ultrapassados. Sem o taminou a Igreja. Tu és o papa da alegria, da peso da Inquisição. fraternidade, do perdão Tu és a Igreja dos dias e da esperança. Vens atuais, mais leve e livre. curando todas as nosA Igreja do coletivo e sas feridas ancestrais não do individualismo. abertas por um mundo Uma igreja sem pecamasculino autoritário e dos cometidos, sem inflexível, que diminuiu, culpa, sem demônios e baniu, pisoteou, ensem o fogo do inferno, clausurou, incendiou, pois só tu sabes que o excluiu, maltratou e ininferno é aqui, como fernizou o feminino. tens sentenciado aos Tu és o papa que dequatro cantos. volveste o poder às Foi pensando em ti, mulheres, assim como Papa Francisco, que fizeste com Maria Ma39 mulheres mineiras dalena, elevando-a ao bordaram um manto posto de “a apóstola dos em sua homenagem. apóstolos”. Dando um A jornada de cura deslugar de honra à Madasas mulheres foi longa lena e às mulheres nescomo a de Maria Mada"Tu és o exemplo de como devemos te mundo atual, tão caólena, em busca do autorespeitar a Mãe Terra e também a tico. Tu és o mensageiro cuidado, da delicadeza, natureza interior de cada mulher" de um novo mundo, sem mas sem vacilo, sem distinção de gênero, de raça, ou entre pobres e medo, com a ousadia que só as mulheres têm. ricos. Tu és o exemplo de como devemos res- Guiadas pela espiritualidade de Magdala Guepeitar a Mãe Terra e também a natureza inte- des, sob a inspiração de Maria Madalena, elas rior de cada mulher. bordaram o manto que agora chega em tuas Aqui, deste front feminino, que fica em Moe- mãos com as linhas e cores do feminino resda, Minas Gerais, Brasil, 39 mulheres encon- suscitado por tu. traram um jeito especial de mostrar gratidão Um presente bordado com as cicatrizes da a um papa que aboliu preconceitos e absolveu alma feminina, para anunciar o amanhecer de as mães solteiras declarando: “Mãe não é es- um novo tempo. Unidas, essas mulheres lhe tado civil. Mãe é mãe e pronto”. Um jeito de dão graças: “Bendito Francisco!” 

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1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS

BIODIVERSIDADE EM RISCO

Invasões biológicas podem ser intensificadas em razão das mudanças climáticas. No Brasil, caramujo-gigante-africano, javali e mosquito Aedes aegypti estão entre as espécies exóticas invasoras mais conhecidas Luciana Morais

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FOTO: REPRODUÇÃO

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iodiversidade é o conjunto de formas de vida da Terra, compreendendo todos os seres que fazem parte de um ecossistema, de plantas e animais a microorganismos, assim como as interações entre eles e sua variabilidade genética. Um de seus sinônimos é diversidade biológica, contemplando tanto a variabilidade encontrada nos ecossistemas naturais quanto naqueles com interferência humana, ou seja, antrópicos. E quando o assunto é a biodiversidade, o Brasil tem lugar de destaque. Afinal, detém aproximadamente 20% das espécies existentes no planeta. Mas tanto aqui quanto no mundo afora se alastra há tempos uma ameaça silenciosa e ainda pouco discutida junto à sociedade, em especial ao cidadão comum: a invasão de espécies exóticas. Conforme especialistas, há espécies exóticas invasoras de todos os grandes grupos taxonômicos, incluindo desde vírus, fungos, algas, briófitas, pteridófitas e plantas superiores, até invertebrados, peixes, anfíbios, répteis, pássaros e mamíferos. Seu potencial em alterar sistemas naturais é tão elevado que, atualmente, espécies exóticas invasoras são a segunda maior causa de extinção de espécies em escala global. Elas ficam atrás apenas da destruição de hábitats pela exploração humana, por meio da conversão de ambientes naturais para dar lugar a pastagens, lavouras,

redacao@revistaecologico.com.br

O Aedes aegypti, que significa “odioso do Egito”, em latim, é exemplo de espécie exótica invasora: vetor da dengue, chikungunya e zika

abertura de estradas, instalação de indústrias etc. As mudanças climáticas e o aquecimento global estão intrinsecamente ligados à facilitação de invasões por espécies exóticas. Assim como a globalização, caracterizada pela rapidez e facilidade de acesso a diferentes meios de transporte, viagens de turismo e comércio. CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS A invasão biológica, processo de ocupação de um ecossistema por uma espécie exótica, se dá quando qualquer espécie não natural é ali introduzida e se estabelece, passando a se dispersar e a alterar esse ecossistema. As consequências ecológicas negativas da ação de espécies invasoras são contundentes. Entre elas

estão a eliminação de espécies nativas por competição ou predação, alterações em ciclos ecológicos – como o de produção de água – e na frequência/intensidade de incêndios naturais. Elas também acarretam alterações de características químicas dos solos e da dinâmica dos processos de polinização e de dispersão de sementes. De modo geral, na natureza a maior parte dos ‘problemas’ ambientais é absorvida e seus impactos são amenizados com o tempo. Esta máxima, no entanto, não prevalece nos processos de invasão. Pelo contrário. Eles costumam se agravar à medida que as espécies exóticas ocupam o espaço das nativas. As consequências, além das já mencionadas acima, incluem ainda alteração fisionômica da


FOTO: EWEN ROBERTS

FIQUE POR DENTRO l Para cada espécie naturalmente

existente há outras que interagem com ela ou dependem dela para que o ecossistema funcione de maneira harmônica.

l O conjunto de seres vivos em

FOTO: REPRODUÇÃO

cada local se regula, equilibrando o ambiente. Com a chegada de uma espécie exótica, o controle natural pode não ocorrer, pois os inimigos naturais que fazem o controle da espécie não vêm junto com ela.

NATIVO da América do Norte, o pínus ou pinheiro-americano foi introduzido no Brasil para fins de reflorestamento

paisagem natural e elevados prejuízos à economia mundial. Diante de tantos impactos e ameaças, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou, em 1997, o Programa Global de Espécies Invasoras (GISP). Os quatro primeiros anos de trabalho foram dedicados à elaboração de diagnósticos e diretrizes. Com a colaboração de centenas de países, inclusive do Brasil, o programa apontou algumas linhas de OY ação prioritárias. SK OV LT O As principais OTO: B F delas foram a definição de estratégias nacionais e regionais nesse campo, ainda pouco estudado na maioria dos países, a capacitação técnica e humana para o controle e a erradicação de plantas invasoras e a construção de sistemas de informação de acesso geral. INFORME NACIONAL Mas como as invasões biológicas afetam o dia a dia das populações e os ecossistemas naturais? Em diferentes países, a presença

de espécies invasoras ocasiona grandes perdas econômicas e severos desequilíbrios ambientais. Estimativas globais giram em torno de US$ 1,4 trilhão em prejuízos anuais, o equivalente a 5% da economia mundial. Isso sem contar os chamados danos não mensuráveis ou valorados, como os serviços ambientais prestados por inúmeras espécies. Segundo dados da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), desde 1600 as espécies exóticas invasoras levaram ao desaparecimento de 39% das espécies de animais extintas por causas conhecidas. No cômputo mundial, acredita-se que cerca de 480 mil espécies exóticas já tenham sido introduzidas nos diversos ecossistemas da Terra. No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente realizou um diagnóstico, que resultou no Informe Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, iniciado em 2003 e RP HA destinado a sistematizar JS ES RL A H e divulgar informa:C TO FO ções sobre a dis-

l Quando a espécie exótica se torna invasora, a consequência é a propagação descontrolada e o desequilíbrio ambiental. Como as introduções de espécies estão ligadas a interesses da sociedade, cabe também ao ser humano evitar a introdução de espécies ou escolher as melhores e mais adequadas espécies a introduzir, bem como arcar com a responsabilidade no que se refere às medidas de prevenção e controle. l A disseminação global de um conjunto de espécies de alta capacidade de adaptação e invasão tende a levar à homogeneização da flora e da fauna em países com condições ambientais similares. Isso significa que ocorre gradativa redução da diversidade natural de espécies e da relação entre os diferentes seres vivos e os serviços ambientais provenientes dessas interações. l Sem a adoção contínua de medidas de prevenção e de manejo para a conservação da biodiversidade, as espécies exóticas tendem a ganhar cada vez mais espaço e a interferir na sustentabilidade dos processos naturais.

tribuição dessas espécies e a capacidade instalada no país para tratar o problema. Na ocasião, foram identificadas 543 espécies de organismos que afetam o ambiente terrestre (fauna, flora, microrganismos); o ambiente marinho (fauna,

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1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS

LAGOA DA CONCEIÇÃO O Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental mantém uma base de dados nacional, atualmente com 444 espécies exóticas invasoras. São 1.103 colaboradores registrados e mais de 2.500 referências bibliográficas, graças a um trabalho que vem sendo realizado há 15 anos, em articulação com ministérios do Meio Ambiente em mais de 20 países, na América Latina e no Caribe. Alguns casos de desequilíbrio ecológico provocados pela presença de espécies invasoras são emblemáticos e envolvem medidas que, em princípio, especialmente para leigos, podem parecer extremas, como o corte de árvo-

A introdução de plantas ou animais que não fazem parte de uma determinada região afeta consideravalmente todo o ciclo de interação entre os seres vivos locais res. É o que vem acontecendo, por exemplo, no Parque Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, em Florianópolis (SC). Já foram suprimidos mais de 300 mil pínus (Pinus elliottii e Pinus taeda) que invadem o parque e ameaçam espécies nativas e endêmicas, ou seja, que ocorrem apenas naquela região. Quem explica a iniciativa é a engenheira florestal Sílvia Ziller, fundadora e diretora-executiva do Instituto Hórus e integrante da Rede de Es-

EM VEZ de predar ratos, o teiú (em destaque) se alimenta de ovos de aves e tartarugas marinhas em Fernando de Noronha: impacto ambiental

74  ECOLÓGICO | MARÇO DE 2018

FOTO: DIVULGAÇÃO

flora, microrganismos), as águas continentais (fauna, flora, microrganismos); os sistemas de produção (agricultura, pecuária e silvicultura) e a saúde humana.

pecialistas em Espécies Invasoras da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). “Ao contrário do que muitos pensam, em determinados casos, para conservar o meio ambiente é preciso retirar plantas já estabelecidas que desequilibram ambientes naturais e comprometem o funcionamento dos ecossistemas.” Nativo da América do Norte, o pínus ou pinheiro-americano, introduzido no Brasil para fins de reflorestamento, representa um problema ambiental porque elimina, gradativamente, as plantas nativas em função de sombreamento, mudança nas características químicas do solo e consumo da água disponível no subsolo. Cada ecossistema tem suas características, seu processo de evolução natural, adaptadas às diversas espécies que compõem determinada região. A introdução de plantas ou animais que não fazem parte dessa cadeia afeta consideravelmente todo o ciclo de interações entre os seres vivos. “A invasão por pínus na restinga da Lagoa da Conceição e em outras unidades de conservação do Sul e Sudeste leva à redução de populações de plantas nativas, entre outros efeitos menos evidentes”, frisa a especialista. O controle da espécie é feito por voluntários e vem sendo desenvolvido desde 2010, sob a coordenação da bióloga e doutora em ecologia Michele Dechoum. Atualmente, os esforços estão concentrados na divulgação e na solicitação de ajuda da população residente na região para que também elimine as árvores de pínus de seus quintais, uma vez que funcionam como fonte de sementes para a invasão no parque. FONTES/PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Elat/Inpe, Cemig e PUC Minas/Tempo Clima.


FOTO: CHARLESJSHARP

Impactos e prejuízos Teiú (Salvator merianae)

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Caramujo-gigante-africano (Achatina fulica)

Mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei)

Javali-europeu (Sus Scrofa)

l São inúmeros os exemplos de

invasão de ambientes naturais brasileiros por espécies exóticas. Há animais de água doce, de ecossistemas marinho-costeiro e terrestre, arbustos, árvores, ervas e trepadeiras. Por motivos econômicos, o caramujo-giganteafricano (Achatina fulica) foi introduzido no país, causando impacto ambiental, econômico e à saúde humana. l O javali-europeu (Sus scrofa), introduzido ilegalmente para fins de caça e criação, invade a metade sul do país e causa enormes prejuízos à agricultura, além de impactar espécies nativas de porcos-domato. O mosquito-da-dengue, Aedes aegypti (“odioso do Egito”, na tradução do latim) é outro exemplo bastante conhecido, também vetor da chikungunya e da zika, doenças que

Espécie nativa:

é aquela que se encontra na área de distribuição geográfica onde evoluiu e faz parte de uma comunidade biótica em equilíbrio.

Espécie exótica:

é aquela que se encontra fora de sua área de distribuição natural, passada ou presente.

acarretam mortes e elevados custos à saúde pública. l Outro caso conhecido envolve o teiú

(Salvator merianae). Essa espécie de lagarto foi levada do continente para o arquipélago de Fernando de Noronha (PE), na década de 1950, com a intenção de que pudessem controlar ratos, o que nunca aconteceu. Hoje, a população estimada do animal chega a 8 mil exemplares e, em vez de predar ratos, houve impacto ambiental, porque se alimentam de ovos de aves e tartarugas marinhas. l Vale citar ainda o mexilhão-dourado

Espécie exótica invasora: espécie exótica que ameaça hábitats, ecossistemas ou outras espécies.

(Limnoperna fortunei), espécie que tem provocado alterações ecológicas significativas em rios e reservatórios, além de impactos econômicos significativos em hidrelétricas e sistemas de saneamento, obstruindo e aumentando a corrosão de tubulações.

FONTES/PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Colaboração Patricia Puechagut - Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras, Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio, Ecodebate e Governo de SP.

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QUATRO PERGUNTAS PARA...

PATRICIA PUECHAGUT

Bióloga, doutora em ciências biológicas e presidente do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental

CONSCIENTIZAÇÃO E AVANÇOS A ausência de informações e de conscientização pública leva à introdução de muitas espécies exóticas invasoras. Como o Brasil tem atuado e/ou precisa agir para evitar que isso continue ocorrendo? Há várias espécies exóticas invasoras no país e, sem dúvida, a falta de informação favorece tanto a introdução involuntária como a voluntária sem os estudos necessários para avaliar as potenciais consequências. É de enorme importância a divulgação do problema tanto nas escolas quanto na mídia. Atualmente, a temática das espécies exóticas invasoras não aparece nos Parâmetros Curriculares Nacionais, mas muitos livros didáticos e professores perceberam a importância de levar o tema às escolas. Citaria algum avanço em relação à legislação brasileira? Alguns avanços vêm sendo observados na legislação, em especial a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), que condena a disseminação de espécies exóticas invasoras (Artigo 61), a Instrução Normativa Ibama 141/2006, que permite o controle de fauna exótica invasora e a Lei 9.985/2000, que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e proíbe a presença de espécies exóticas invasoras. O site do Instituto Hórus (www.institutohorus.org.br) contém uma base de dados nacional, o conjunto da legislação sobre o assunto no Brasil e marcos internacionais relevantes, assim como outras informações destinadas ao público em geral e à imprensa, incluindo material didático para professores. Há, em nível federal, recursos financeiros bem como técnicos suficientes para ações efetivas de prevenção

Nós apoiamos essa ideia!

e controle de espécies exóticas invasoras? Atualmente, está em revisão pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) a Estratégia Nacional de Espécies Exóticas Invasoras. Ela conta com um plano de implementação elaborado por inúmeras instituições de governo, academia, setor privado e sociedade civil. São necessárias medidas efetivas focadas em ações práticas de gestão, prevenção e controle, assim como a divulgação e a educação sobre o tema. A partir deste ano, o MMA destinará recursos à implementação da Estratégia Nacional, em conjunto com colaboradores já identificados. É preciso capacitar e fomentar o manejo de espécies exóticas invasoras em unidades de conservação em nível federal, estadual e municipal para salvaguardar a diversidade biológica que essas áreas visam proteger. E do ponto de vista das pesquisas: que aspectos destaca nos últimos anos? Desde a realização do primeiro Simpósio Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, em 2005, houve grandes avanços na publicação de pesquisas científicas a respeito do tema no Brasil, bem como um aumento na mobilização de ONGs e grupos de pesquisa dentro de instituições acadêmicas e governamentais. Como resultado, foram publicados mais de 65 marcos legais sobre espécies exóticas invasoras em níveis municipais, estaduais e federais, e uma Estratégia Nacional. Sem dúvida é preciso avançar mais, em especial no manejo de áreas naturais, mas as conquistas dos últimos anos são de vital importância para a conservação da diversidade biológica. 

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ENCARTE ESPECIAL (III)


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ENCARTE ESPECIAL (III)

A malária Eugênio Goulart

redacao@revistaecologico.com.br

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malária é uma doença causada por protozo- após deixar Itaguara, porém publicado somente em ários do gênero Plasmodium, sendo trans- 1997, é interessante observar a citação de um frequenmitida pelo mosquito Anopheles. Provoca te efeito colateral do quinino, que eram os zumbidos. no organismo humano uma infecção aguda e crôTodo o enredo do conto Sarapalha, do livro Sagaranica, em surtos, resultando em febre intermitente, na, gira em torno da malária. Aliás, Sezão foi o primeianemia e aumento do baço. Recebe também os ro nome do conto, antes da denominação definitiva nomes de maleita, sezão, impaludismo e febre pa- de Sarapalha. Várias informações sobre a doença são lustre. No período do Brasil Colônia era conhecida apresentadas de forma bastante original: O mosquito também por “carneirada”. Foi a febre que matou o fêmea não ferroa de dia; está dormindo com a tromba bandeirante Fernão Dias, na região central de Mi- repleta de maldades [...]. nas Gerais, em 1681, quando voltava para São PauO interessante é que no primeiro texto, quanlo, após sete anos perambulando pelo sertão em do o livro ainda se chamava Contos, estava escrito busca das esmeraldas. “tromba repleta de esporozoítos”, mas na versão fiO tratamento, desde tempos antigos, era com a nal de Sagarana o nome técnico foi substituído por droga quinino, retirada da casca “maldades”. Guimarães Rosa da árvore conhecida como cinrevia várias vezes seus textos, chona. Todavia, os parasitas pro"Em Itaguara, na década até considerá-los como definigressivamente foram adquirindo tivos; esse exemplo mostra seu de 1930, a malária resistência; mais recentemente, cuidado em tornar o livro de grassava por toda a são utilizados medicamentos sinleitura mais fácil para o leigo. téticos mais eficientes, como a Um detalhe científico também região rural. Muitas cloroquina e a primaquina. importante, referido antes, é o fazendas foram Atualmente a malária é um séfato de que somente a fêmea do rio problema de saúde pública no abandonadas à medida Anopheles é hematófaga, sendo mundo, em especial na África; no que o macho se alimenta da seique a epidemia Brasil, ainda está fora de controle va de plantas. se alastrava." na região amazônica. Ainda no conto Sarapalha, surEm Itaguara, na década de 1930, gem informações sobre outras a malária grassava por toda a região rural. Muitas características do agente transmissor da malária e fazendas foram abandonadas à medida que a epi- seu hábito predominantemente noturno: demia se alastrava. O doutor João atendia muitos Mas ambos escutaram o mosquito a noite inteira. pacientes, e na parte final do poema Maleita, do E o anofelino é o passarinho que canta mais bonito, livro Magma, descreve um diálogo entre dois com- na terra bonita onde mora a maleita. [...] E uma a padres, ambos acometidos pelo acesso febril: uma, aquelas [fêmeas de mosquito] já fartas de san- “Que frio!... que fri-í-io!... Que mosquitada brava!... gue, abrem recitativo, esvoaçantes, uma oitava mais Estou com a sezão dos três dias... baixo, em meia voz de descante, na orgia crepuscular. Ei, Compadre, vamos quentar sol naquela pedra?...” O conto Sarapalha, que é uma recriação em pro- “Volta pra casa, Compadre, deixa de bater queixo, sa do poema “Maleita”, do livro Magma, prossegue vai cortar a febre com cachaça com limão...” com a descrição dos personagens principais, os pri- “Você também está tremendo?!... mos Argemiro e Ribeiro: Que frio!... Tudo treme!... Manhãzinha fria. Quando os dois velhos - que Olha os pernilongos não são velhos - falam, sai-lhes da boca uma bafozunindo nos meus ouvidos!... rada branca, como se estivessem pitando. Mas eles Olha o quinino zunindo ainda não tremem: frio mesmo frio vai ser d’aqui a dentro dos meus ouvidos!... pouco.[...] O sol cresce, amadurece. Mas eles estão Que frio! [...]” esperando é a febre, mais o tremor. Primo Ribeiro Nesse poema, escrito por Rosa em 1933, um ano parece um defunto - sarro de amarelo na cara chu54  ECOLÓGICO | ABRIL DE 2018


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A DOENÇA, também conhecida por "maleita", "sezão", "impaludismo" e "febre palustre", é causada por um protozoário do gênero Plasmodium

pada, olhos sujos, desbrilhados, e as mãos pendulando, compondo o equilíbrio, sempre a escorar dos lados a bambeza do corpo. O quadro clínico da malária se caracteriza por períodos intermitentes de febre, acompanhada de calafrios, náuseas e cefaleia, resultando na debilitação progressiva do paciente. No parágrafo citado anteriormente, Guimarães Rosa refere-se à cor amarela da face dos dois primos: “sarro de amarelo na cara chupada”. É a icterícia, causada pela grande destruição de hemácias provocada pelos parasitas na circulação sanguínea. O ciclo de reprodução do Plasmodium no organismo humano se dá geralmente de 48 em 48 horas (malária ternária), ou de 72 em 72 horas (malária quaternária), quando ocorrem os acessos paroxísticos de febre. Muitas vezes o paciente apresenta quadros febris mais frequentes, devido ao intenso parasitismo: Mas ele tem no baço duas colméias de bichinhos maldosos, que não se misturam, soltando enxames no sangue em dias alternados. E assim nunca precisa de passar um dia sem tremer. Rosa faz referência ao acometimento do baço; de fato, o aumento desse órgão, ou seja, a esplenomegalia, faz parte do quadro clínico da malária. Algumas vezes o tamanho do baço chega a fazer protuberância no abdome do paciente. Mesmo atualmente, a mortalidade provocada pela malária ainda é uma realidade nas áreas endêmicas. De certa forma, quem lida hoje com o problema sofre também das mesmas angústias que acometiam o jovem médico: - Talvez que para o ano ela não volte, vá s’embora... Ficou. Quem foi s’embora foram os moradores: os primeiros para o cemitério, os outros por aí afora, por este mundo de Deus.

O diálogo seguinte, também no conto Sarapalha, tem tudo a ver com a vivência do visionário doutor João em Itaguara, a enfrentar um incontrolável surto de malária que invadia todo o redor do município: - Primo Ribeiro, o senhor gosta daqui?... - Que pergunta! Tanto faz... É bom, p’ra se acabar mais ligeiro... O doutor deu prazo de um ano... Você lembra? - Lembro! Doutor apessoado, engraçado... Vivia atrás dos mosquitos, conhecia as raças lá deles, de olhos fechados, só pela toada da cantiga... Disse que não era das frutas e nem da água... Que era o mosquito que punha um bichinho amaldiçoado no sangue da gente... Ninguém não acreditou... Nem no arraial. Eu estive lá, com ele... - Primo Argemiro, o que adianta... - ... E então ele ficou bravo, pois não foi? Comeu goiaba, comeu melancia da beira do rio, bebeu água do Pará, e não teve nada... - Primo Argemiro... - ... Depois dormiu sem cortinado, com janela aberta... Apanhou a intermitente, mas o povo ficou acreditando... A descrença da população em relação à transmissão pelo mosquito era comum. Há séculos, a d o ença era considerada como proveniente de “maus ares”, binômio que deu origem ao nome malária. Era a antiga teoria dos miasmas, que incriminava as emanações de charcos pestilentos como causa de muitas doenças. No diálogo anterior, o doutor até “bebeu água do Pará”, na tentativa de provar que ela não era a causa do mal. O Pará aqui se refere ao Rio Pará, situado próximo a Itaguara, que fica em sua bacia hidrográfica.

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ENCARTE ESPECIAL (III) Ainda no conto Sarapalha, encontra-se talvez um relato da partida de Guimarães Rosa de Itaguara, o doutor João encerrando uma etapa de sua vida. Como confessou posteriormente, não conseguia aceitar qualquer tipo de fracasso na sua profissão médica. E a malária, em toda a região, era então imbatível. Teria sido uma decisão tranquila? No texto adiante, deve-se atentar para a frase “Estava muito triste...”: - Escuta Primo Ribeiro: se alembra de quando o doutor deu a despedida p’ra o povo do povoado? Foi de manhã cedo, assim como agora... O pessoal estava todo sentado nas portas das casas, batendo queixo. Ele ajuntou a gente... Estava muito triste... Falou: - “Não adianta tomar remédio, porque o mosquito torna a picar... Todos têm de se mudar daqui... Mas andem depressa, pelo amor de Deus!”... No final do conto Sarapalha, um sentimento derrotista. É como se a malária tivesse mesmo vencido e tomado conta de tudo, inclusive de toda a natureza: Estremecem, amarelas, as folhas de aroeira. Há um frêmito nos caules rosados da erva-de-sapo. A erva-de-anum crispa as folhas [...] Trepidam, sacudindo as suas estrelinhas alaranjadas, os ramos da vassourinha. Tirita a mamona [...] É o mato, todo enfeitado, tremendo também com a sezão. A palavra “frêmito”, que significa vibração, é um termo muito utilizado na prática médica, como, por exemplo, para descrever um sopro cardíaco de tal intensidade que provoca um frêmito perceptível na palpação da parede do tórax. No livro Grande Sertão: Veredas (foto acima) são várias as referências à malária. O enredo se desenrola no Norte de Minas Gerais, por volta do início dos anos de 1900. Naquela época, a doença era endêmica em toda a região: [...] esses buracões precipícios - grotão onde cabe o mar, e com tantos enormes degraus de florestas, o rio passa lá no mais meio, oculto no fundo do fundo, só sob o bolo de árvores pretas de tão velhas, que formam mato muito matagal. Isto é um vão. E num vão desses o senhor fuja de ir descer e ir ver, ainda que não faltem as boas trilhas de descida, no barranco matoso escalavrado, entre as moitarias de xaxim. Ao certo que lá embaixo dá onças - que elas vão parir e amamentar filhos ÇÃO FOTO: DIVULGA

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nas sorocas; e anta velhusca moradora, livre de arma de caçador. Mas o que eu falo é por causa da maleita, da pior: febre, ali no oco, é coisa, é grossa, mesma. Terçã maligna, pega o senhor; a terçã brava, que pode matar perfeito o senhor, antes do prazo de uma semana. A “terçã maligna” é provocada pelo Plasmodium falciparum e de fato apresenta maior gravidade. Sem tratamento, com frequência evolui para o óbito. Os médicos ainda a chamam de malária maligna. No Norte de Minas grassava, além da malária, a varíola, popularmente conhecida também como “bexiga brava”. No texto adiante há uma breve referência a essa doença, mas Riobaldo fala mesmo é da “intermitente”. A palavra “sezonático” significa uma região onde certamente se pegava malária: Refiro ao senhor que, da bexiga-brava, não. Mas de outras enfermidades. Febres. Em algum trecho, por falta de sinal, a gente devia de ter arranchado no sezonático. Agora, a maior parte dos companheiros tremiam em prazos, com a intermitente. Remédio que valesse, de todo faltava. Aquilo afracava, no diário; os homens perdiam a natureza. E um andaço de defluxo, que também me baqueou. Novamente o uso da expressão “um andaço de defluxo”, para significar estado gripal com coriza. E mais uma vez a teoria dos miasmas, ainda no Grande Sertão: Veredas, quando Riobaldo cria mais um neologismo: [...] que ali miasmava braba maleita [...]. No mesmo livro existem mais algumas citações à malária: Daí, mais para adiante, dei para tremer com uma febre. Terçã. Por último, mesmo em textos mais recentes, Guimarães Rosa recorda-se de seus tempos de médico da roça. No livro Tutaméia, publicado em 1967, o conto Arroio-das-Antas faz a seguinte referência à malária: Aonde - o despovoado, o povoadozinho palustre, em feio o mau sertão - onde podia haver assombros?  Na próxima edição, o autor destaca trechos de obras onde Guimarães Rosa conta sobre a epidemia de tuberculose no sertão mineiro.

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1 ENSAIO FOTOGRÁFICO

RIO DOCE em Governador Valadares: "vigiado" pelo Pico do Ibituruna e presença constante na vida dos moradores

NA TRILHA DO DOCE Livro da Lucca Cultura e Tecnologia resgata manifestações culturais das populações ribeirinhas e a beleza natural do rio após a tragédia de Mariana J. Sabiá Fotos de José Israel Abrantes e Guilherme Bergamini

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O LIVRO: legado de saber e mineiridade

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s cores e a música que embalam o Batuque de Roda, em Santa Maria de Itabira, e o Congado de Nossa Senhora do Rosário, em Ipatinga (MG). O queijo e o requeijão produzidos em Antônio Dias, no Vale do Aço. A goiabada de Ponte Nova, na Zona da Mata. O artesanato, o crochê, a fé, o sorriso do povo simples. E, como cenário, as paisagens naturais do Rio Doce e seus afluentes depois do rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco, em 2015. Todas essas riquezas mineiras estão registradas no livro “Na Tri-

lha do Rio”, projeto idealizado em 2013 e realizado pela Lucca Editora e pelo Ministério da Cultura, com apoio do Instituto BioAtlântica e patrocínio da Copasa e da Cenibra. Quinze cidades da Bacia do Rio Doce (Ponte Nova, Nova Era, Antônio Dias, Timóteo, Coronel Fabriciano, Ipatinga, Ipaba, Belo Oriente, Naque, Periquito, Governador Valadares, Tumiritinga, Conselheiro Pena, Resplendor e Aimorés) foram visitadas pelos organizadores do livro para identificar e registrar produções artísticas, gastronô-


GRUPO Folclórico Congado de São Sebastião, em Timóteo

micas, manifestações religiosas e costumes das populações ribeirinhas. “A lama da barragem levou sonhos, vidas, álbuns de retratos, histórias e a alegria de muitos. E o que permanece, apesar da dor, da perda, da incerteza? Na Trilha do Rio Doce foi buscar respostas. Decidimos acreditar no projeto e sair pelo rio em busca do que ainda existe e sempre existirá”, afirmou a editora Silvana Terenzi, que também é publicitária e especialista em Gestão Cultural. O principal critério que permeou o trabalho, aponta Silvana, foi a escolha de alguns dos municípios que margeiam o Rio Doce e seus afluentes. Seguindo as águas, eles encontraram muito mais: a tradição mineira que resiste. “Doces, hóstias, carros de boi, fogueira de São João, batuque, violão, coroação e também teatro, música, dança, emoção. Trilha percorrida em busca da valorização, permanência, preservação e continuidade desses saberes. Tudo continua dentro de cada um. Esse é o legado.” Na Trilha do Rio, que tem textos de Maria Alice Braga, é um livro que todo mineiro deveria ler. Ele mostra que a nossa cultura transcende o tempo, assim como o nosso respeito e cuidado com o meio ambiente. Confira: PRODUÇÃO de doces em Tumiritinga

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1 ENSAIO FOTOGRÁFICO

GASTRONOMIA mineira: culinária reconhecida internacionalmente

O ENCONTRO das águas dos rios Piranga e do Carmo forma o Rio Doce, na cidade de mesmo nome

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FIQUE POR DENTRO

A Lucca Cultura e Tecnologia é uma empresa sintonizada com a arte, a cultura e com os avanços da tecnologia. Há 17 anos no mercado, atua no desenvolvimento e na coordenação de propostas para empresas interessadas em manter uma política cultural condizente com seus objetivos de comunicação. Além de formatar projetos culturais junto às leis de incentivo, a Lucca também tem expertise na produção e desenvolvimento de produtos editoriais.

SAIBA MAIS

CONGADO de Nossa Senhora do Rosário, em Nova Era

luccacom.com.br

SEU QUIQUITO e os cestos de taquara, em Antônio Dias

BATUQUE de Roda, em Santa Maria de Itabira ABRIL DE 2018 | ECOLÓGICO  61


MEMÓRIA ILUMINADA - MIA COUTO

ENTRE MEMÓRIAS E

HISTÓRIAS Bruno Frade

redacao@revistaecologico.com.br

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FOTOS: DIVULGAÇÃO

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ia Couto nasceu em 1955, na Cidade de Beira, em Moçambique. É biólogo, jornalista e autor de mais de 30 livros relacionados a prosa e poesia. Recebeu uma série de prêmios literários, entre eles, Camões (2013), o mais importante da língua portuguesa, e o Neustadt Prize (2014). Filho de portugueses exilados, aprendeu desde cedo o simples ato de ouvir, exercício raro em tempos de correria e excesso de aparatos tecnológicos. “A África onde eu vivo é uma sociedade de escuta. As pessoas ouvem os outros e na conversa há uma distribuição dos tempos. Tempo da fala e o tempo da escuta. Esse exercício começou em minha casa.” As primeiras grandes viagens do autor foram por meio da escuta dessas histórias e muitos de seus livros fazem uma ponte entre vozes, tempos e pessoas. “Eu vivia em um ambiente de narrativas. Meus irmãos falavam e, nas conversas, percebia que havia uma espécie de repartição das funções. As minhas histórias nascem das conversas e também da capacidade de escutar os outros. É um exercício que faço desde menino.” Sobre o tema Políticas da Memória no Tempo Presente, Mia conversou com o público na Casa Fiat de Cultura, na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, num encontro promovido em parceria com a Fundação Torino. No bate-papo ele citou a “embriaguez” sucedida das conquistas da moderna tecnologia e apresentou seu mais recente livro: O Bebedor de Horizontes. O volume encerra a trilogia histórica As Areias do Imperador, ao lado de Mulheres de Cinza (2015) e A Espada e Azagaia (2016). A Ecológico destaca, a seguir, algumas das memórias e histórias desse moçambicano que coleciona fãs e reconhecimentos mundo afora. Embarque em suas viagens literárias, escute as vozes dos personagens e conheça contos incríveis:

O JORNALISTA Mia Couto: “Quando os anjos e demônios estão juntos, não há vencidos nem vencedores"


FOTO: CAROL REIS

l VIAGENS LITERÁRIAS “Contar histórias é algo que parte do não saber. É uma ignorância intencional. A história me torna disponível para escutar as vozes dos personagens.” “Com a minha literatura faço uma espécie de projeção de tudo aquilo que pretendo ser e vivo dentro de mim; é como se fosse uma espécie de duplo eu.” l UM RIO CHAMADO TEMPO, UMA CASA CHAMADA TERRA

“Nesse livro, o avô parece ter morrido, mas não sabe exatamente se está ou não morto. É um suposto autor de cartas que o jovem tem de registrar. Eu só descobri mais tarde que, com ele, estava a falar da minha própria infância, do meu avô que nunca conheci.” “Foi um episódio muito importante para mim. Eu me lembro que, neste dia, vi meu pai chorar pela primeira vez. Eu tinha sete anos e nunca tinha visto o meu pai chorar. Chegou uma carta de Portugal, informando que meu avô havia morrido.” “Todas as noites e até hoje escuto os passos desse avô. Foram esses passos que me conduziram na construção dessa história. Do menino que atravessa o rio em busca dessa família e do sentimento de que todos nós precisamos.” l EXÍLIO “Os meus pais vieram de Portugal muito jovens e foram obrigados a se exilarem por motivos políticos. Assim como todos os imigrantes, faziam pontes com suas memórias, contando histórias nas cabeceiras de nossas camas. Esse foi o momento em que comecei a ser escritor. Não me lembro muito dessas histórias, mas não me esqueço da magia e da paixão a que se entregavam na fabricação delas.” “Meu pai e minha mãe viram sua terra ser tomada pela ditadura. O exílio impôs a eles viverem como os nômades do Tibet. Eu cresci em tendas feitas de histórias. Aquela foi a minha primeira nação.

“No momento que escrevo eu me embriago, eu não bebo, mas fico em estado de levitação.” Nelas habitavam minha pequena família, o meu avô e outros parentes que não conheci.” l LUTA ARMADA “Aos 17 anos, já havia publicado poemas em jornais e revistas. A essa altura estava ingressando na universidade e comprometido com a luta pela independência, uma luta armada, apesar de nunca ter pego em uma arma.” “Em certo momento, fui levado para um local desconhecido. Era uma sala escura, com mais de 40 pessoas. Eu era o único jovem, branco e universitário. Comecei a escutar essas gravações e percebi que aquela gente tinha sofrido torturas e sido presa, e não tinha nenhum sofrimento para apresentar.” “Era curioso, porque o tamanho do sofrimento de cada um era uma espécie de passaporte. As pessoas eram habilitadas a pertencer ao movimento diante de suas provas de sofrimento. Eu fui o último e escutei o seguinte: “Você é o responsável pelos poemas do jornal? Disse: sou. Então, pode entrar, que precisamos de ti.” “Esse episódio me faz lembrar que a poesia, às vezes, abre portas e também que o sofrimento constrói pontes.”

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MEMÓRIA ILUMINADA - MIA COUTO l O OUTRO PÉ DA SEREIA “Para escrever este livro, fiz pesquisas, tive conversas sobre escravos e fui ao norte de Moçambique. Ninguém podia falar sobre esse assunto. Um dia, depois de muita insistência, um chefe religioso tradicional bateu em minha porta e disse: 'É melhor que vás embora, volte para casa. Você está trazendo grande tormento para nossa comunidade. Não venha reabrir feridas. Acabamos de sair de uma guerra. Não queremos mais violência'.” l GUERRA CIVIL “Foi um martírio que durou 16 anos. Moçambique viveu uma guerra que deixou um milhão de mortos e destruiu a sociedade, do ponto de vista psicossocial e econômico. Mesmo depois de tantos anos, até hoje não sei como falar dessa guerra.” “Durante todo esse tempo morei em Matuto e era impossível sair da cidade. Vivíamos cercados pela guerra e de nossas casas escutávamos os barulhos das explosões e dos tiros. E observávamos a chegada dos feridos e mortos.” “Era jornalista e perdi amigos que foram assassinados. Tenho que falar de um colega que era chefe da redação do jornal. Ele dizia que precisava cobrir a guerra por ser negro, africano e ter de honrar os seus antepassados. Pensou que não poderia ser capturado, mas foi pego na estrada e morto, junto com a esposa e os filhos.” l O NOVO AMANHÃ “Em 4 de outubro de 1962, foi assinado o acordo de paz. Passados alguns dias, eu e meu irmão mais velho tivemos de sair da região. Quando chegamos ao limite da cidade, era como se não soubéssemos olhar para o novo, para aquela paisagem infinita que se abria. Vou confessar: começamos a chorar.” “Ouvi meu irmão baixar a cabeça sob o volante

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e murmurar: ‘eu não consigo’. Voltamos para trás incapazes de vencer aquela invisível fronteira. A guerra havia tomado conta de nós. Do mesmo modo que as paredes passam a existir por dentro das cadeias.” “Essa estrada foi uma espécie de metáfora daquilo que é a capacidade de se manter vivo, de voltar a sonhar.” l O BEBEDOR DE HORIZONTES “Há uma fala que me recorda muito o sentimento que herdei dos anos da guerra. A imperadora irmã fala para uma das personagens: ‘Minha rainha, a senhora apagou-me o idioma que aprendi na escola, arrancou uma das minhas antigas raízes. Não me apagou, contudo, a arte de ler e escrever em português. Pois agora, sou eu que lhe peço: leve-me também esses dons. Não quero mais papel, não quero mais tinta, não quero mais caneta. A escrita dói-me, e eu desejo destatuar a minha alma. Talvez a senhora nem saiba, mas as palavras, quando grafadas, amarram o tempo. Se não posso rever o meu filho, não quero mais o tempo, não quero nenhuma lembrança. Por isso, imploro-lhe: rasgue todas as folhas antes de estarem escritas e converta em água toda a gota de tinta. Quero-me vazia. E quando não houver em mim nenhum idioma, peço-lhe me apague a língua dos sonhos. Porque me basta a noite dos bichos: um tempo para simplesmente nascer e morrer.” FOTOS: DIVULGAÇÃO

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l MESMA ALDEIA “Vivemos hoje em um mundo global e estamos todos na mesma aldeia. Parece que estamos todos ligados por uma via reflexiva da internet e do Facebook, mas não é verdade. É ilusão, não vivemos todos no mesmo mundo, até porque nem toda a humanidade tem acesso à internet.” l RECOMEÇO “Precisava curar essa doença que era a guerra em


FOTO: UNHCR / BRIAN SOKOL

“Quem visita Moçambique hoje percebe que essa guerra civil não é lembrada. Todos querem esquecer. Como se nada tivesse existido. Essa amnésia coletiva foi resultado de um consenso.” volta das pessoas. Eu só tinha uma saída: a poesia. Era mais que lembrar um lugar; eu queria construir um lugar fora do mundo.” “Essa estrada que inventei foi uma espécie de encontro comigo mesmo. A possibilidade de haver um tempo para mim.” “Éramos todos nós, de um lado e do outro, vítimas e culpados. Homens vencidos e vencedores. Parece que a história seria escrita pelos vencedores, mas na nossa guerra não houve quem pudesse escrever essa história. Anjos e demônios estavam juntos nela.” “A literatura foi um convite para visitar esse tempo e mostrar que esse esquecimento é falso.” l ESQUECIMENTO COLETIVO “Todos sabemos o que aconteceu em 11 de setembro de 2011, nos Estados Unidos. A dimensão trágica do que ocorreu criou uma linha divisória no tempo. O antes e o depois. Morreram

pessoas inocentes e esse crime não pode ser esquecido. Mas eu pergunto: quem entre nós se recorda dos dias 6 e 9 de agosto de 1945? Foram os dias em que a Força Aérea dos EUA bombardeou as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão. Lá morreram milhares de pessoas. Por que esse evento não é descrito com a mesma importância na linha divisória da história quanto o 11 de setembro? Afinal, não nos esquecemos apenas do que aconteceu, mas desse crime absurdo, dessas duas bombas. Nos esquecemos que elas foram lançadas em nome de Deus.” “O esquecimento é uma fabricação intencional. Ele tem dono. É assim que esquecemos os genocídios, o tráfico de escravos, os anos de ditatura. O que tivemos em Moçambique, vocês tiveram no Brasil.”  SAIBA MAIS

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NATUREZA MEDICINAL

MARCOS GUIÃO (*) redacao@revistaecologico.com.br

POEJO

O

FOTO: MARCOS GUIÃO

sol já tava estralando no alto quando Maria do Céu apontou nos forros do espigão de pedras. Num era a primeira vez que tava dando sentido daquela cena, mas eu sempre ficava encantado com a coisa do pano de chita floreada cobrindo o corpo franzino e vigoroso, dando mistura com as muitas nuances verdecentes esparramadas pelos campos. Sua figura esguia caminhava com suavidade e segurança. E dessa vez ela trazia alguma coisa nos braços, que custei a identificar como sendo um balaio pendulando. Sua chegada como sempre era uma festa de abraços e risadas abertas, acalorada pela perguntação dos amigos e parentes que num tavam por

POEJO

Mentha pulegium

ali. Depois dessa resenha do começo, curioso, assuntei o balaio coberto por um alvíssimo pano de saco bordado com delicadas flores. Ela deu reparo e sem cerimônia arretirou o pano, deixando à vista um tufo de pequenas folhas verdes enfeitadas com cachos de miúdas flores rosadas. Num gastou ela bulir muito pro cheiro do poejo (Mentha pulegium) assaltar minhas narinas, trazendo memórias que num primeiro momento não consegui acomodar com a realidade. - Tô vindo dum proseio lá na casa de cumadre Benta de Astolfo, donde a gente foi no quintal pra buscá umas flor de enfeite da mesa da conzinha. Pois lá se dei com essa moita de poejo, pranta que perdi de vista aqui em casa na úrtima seca. Ela é deveras melindrosa, se perde num átimo na farta de água, né mesmo? Daí trouxe essa mudinha pra esparramá por aí. Ela continuou: Mas cumadre Benta me contô um caso, arrepara só, dos mais esquisitos. Marilena, sua filha, ganhou neném inda há poco e ela tá toda feliz com a chegada da neta, que já tá de seis mês. Tro dia brotou uma tosse na menina e cumadre correu pra fazer um xarope de poejo, mas a fia dela na tenção de cuidá muito de premero filho, passou no posto e levô no dotô. Pois ele se avexô muito com o xarope caseiro e deu uma tanteira de remédio de farmácia pra bichinha tumá. Disse que poejo é brabo, criança num pode tumá... Duvido que a mãe desse dotô num deu ele esse mermo xarope quando ele ainda tava nas fralda! Num pode é o desajero, num é? Aqueles remédio brabo de farmácia pode, mas poejo não... Vê onde tamo chegano. Dizendo isso, Maria do Céu foi adentrando pela cozinha e vazou pro quintal pra plantar suas mudas, enquanto ainda discorria sobre outras utilidades da planta. - Poejo é bão tamém pra dor de cólica, tanto de menino homem como de menina muié. Tem serventia quando a digestão tá arruinada ou a muié tá com as regras atrasadas. Remédio bão é remédio manso e na dose certa... Inté a próxima lua!  (*) Jornalista e consultor em plantas medicinais.


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