Revista Ecológico - Edição 111

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ISSN 1984-316X

ANO 10 - NO 111 - JULHO/AGOSTO DE 2018 - R$ 12,50

EDIÇÃO: TODA LUA CHEIA




FOTO: LEONARDO MERÇON

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EXPEDIENTE

Besourinho-de-bico-vermelho Chlorostilbon lucidus Instituto Terra

Em toda lua cheia, uma publicação dedicada à memória de Hugo Werneck

DIRETOR-GERAL E EDITOR Hiram Firmino hiram@souecologico.com

REPORTAGEM Fernanda Mann e Luciana Morais

ASSINATURA Ana Paula Borges anapaula@souecologico.com

DIRETORA DE GESTÃO Eloah Rodrigues eloah@souecologico.com

MÍDIAS DIGITAIS Bruno Frade

IMPRESSÃO Log & Print Gráfica e Logística S/A

EDITORIA DE ARTE André Firmino

PROJETO GRÁFICO-EDITORIAL Ecológico Comunicação em Meio Ambiente Ltda.

DIRETOR DE ARTE Sanakan Firmino sanakan@souecologico.com CONSELHO EDITORIAL Fernando Gabeira, José Cláudio Junqueira, José Fernando Coura, Maria Dalce Ricas, Mario Mantovani, Nestor Sant'Anna, Patrícia Boson, Paulo Maciel, Ronaldo Gusmão e Sérgio Myssior CONSELHO CONSULTIVO Angelo Machado, Célio Valle, Evandro Xavier, Fabio Feldmann, José Carlos Carvalho, Roberto Messias Franco, Vitor Feitosa e Willer Pos

COLUNISTAS (*) Marcos Guião, Maria Dalce Ricas e Roberto Souza REVISÃO Gustavo Abreu

REDAÇÃO Rua Dr. Jacques Luciano, 276 Sagrada Família - Belo Horizonte - MG CEP 31030-320 Tel.: (31) 3481-7755 redacao@revistaecologico.com.br

CAPA Arte: Sanakan

EDIÇÃO DIGITAL www.revistaecologico.com.br

DEPARTAMENTO COMERCIAL Sarah Caldeira sarah@souecologico.com

(*) Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião da revista.

MARKETING Janaína De Simone janaina@souecologico.com

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souecologico ecologico

/revistaecologico EMISSÕES CONTABILIZADAS

EDITOR-EXECUTIVO Luciano Lopes luciano@souecologico.com

2,24 tCO2e Maio de 2018


Contribuição para melhor esclarecimento sobre o assunto

Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool no Estado de MG Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de MG


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ÍNDICE

Capa

Nesta edição, a Ecológico mostra como a proposta da nova lei dos agrotóxicos e a devastação da Floresta Amazônica podem levar o Brasil a não cumprir o Acordo de Paris contra o aquecimento global.

Pág.

24 18 PÁGINAS VERDES MAURÍCIO LOPES, PRESIDENTE DA EMBRAPA, FALA SOBRE SISTEMAS DE PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL NA AGRICULTURA

40 OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (5) QUINTO EPISÓDIO DA SÉRIE “O AMBIENTALISTA” ABORDA A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS E A RELAÇÃO TENSA ENTRE ÍNDIOS E BRANCOS

49 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS SAIBA MAIS SOBRE LIXO ESPACIAL E COMO O BRASIL CONTRIBUI PARA MONITORAR OS DETRITOS

E mais...

CARTAS DOS LEITORES 08 IMAGEM DO MÊS 10 CARTA DO EDITOR 12 ECONECTADO 14 GENTE ECOLÓGICA 16 ESTADO DE ALERTA 23 POLÍTICA AMBIENTAL 30 BIODIVERSIDADE 46 GESTÃO & TI 48 O VIÉS MÉDICO NA LITERATURA DE GUIMARÃES ROSA (VII) 55 MEMÓRIA ILUMINADA 60 NATUREZA MEDICINAL 66


Mito

Verdade

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Verdade

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O etanol hidratado só é viável quando seu preço é de 70% do preço da gasolina ou inferior a esse percentual Isto é apenas uma convenção do mercado. O mais importante é que o próprio motorista faça a conta do rendimento do próprio veículo com etanol hidratado e gasolina, a fim de verificar qual a real relação de consumo entre os dois combustíveis. Exemplo: se com um litro de etanol o veículo roda, em média, 7,2 km, e com um litro de gasolina roda 10 km, a relação é de 72%. Ou seja, ao dividir 7,2 por 10, encontra-se uma relação de 0,72. Nesse sentido, é mais econômico abastecer com etanol. Cada carro tem uma relação própria.

Mito O uso do etanol faz com que o carro perca potência Com o uso do etanol hidratado, o veículo apresenta melhor performance devido à maior octanagem em relação à gasolina, gerando maior potência e torque. Basta que o motorista confira as características dos motores fornecidas pelos seus fabricantes com cada combustível para se verificar essa afirmação. A octanagem de um combustível se expressa pelo Índice Antidetonante (IAD), enquanto o etanol tem mais de 100 IAD, a gasolina comum e aditivada tem um mínimo de 87 IAD.

Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool no Estado de MG Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de MG


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FA L E C O N O S C O Envie sua sugestão, opinião ou crítica para cartas@revistaecologico.com.br

CARTAS DOS LEITORES

Por motivo de clareza ou espaço, as cartas poderão ser editadas.

dinheiro, depois que não sobrar mais nenhuma árvore? Para brigar pelas gotas d’água? Para chorar pelos rios secos, pela terra ácida, pelo alimento que não mais teremos? A verdade é que a maioria das pessoas se deixa levar pelos encantos da teoria e faz vista grossa na prática.” Lucielly Vieira, por e-mail O MEMÓRIA ILUMINADA - ELIEZER BATISTA Matéria aborda a vida e as frases marcantes do empresário (foto) e fundador da Vale

O ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - DINOSSAUROS BRASILEIROS “Estamos imersos numa crise similar àquela que dizimou os dinossauros há 67 milhões de anos e cujos sinais hoje são as extinções de espécies e as mudanças climáticas.” Maurício Andrés, ambientalista e escritor O PÁGINAS VERDES – MARIA LUCIA FATORELLI

“A dívida ambiental que temos com o planeta é muito maior do que pensamos. Como vamos pagar pela destruição que, negligente e conscientemente, provocamos diariamente à natureza? Estão todos preparados para comer

08 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

Caminhada até o Pico de BH reacende o movimento ambientalista contra a atividade predatória na Serra do Curral, cartão-postal da capital mineira

“O povo está acordando para a gravidade dos danos ao ecossistema da nossa Serra do Curral. Parabéns a todos os manifestantes!” Pedro Fonseca, por e-mail FOTO: ARQUIVO PESSOAL

EU LEIO

Bárbara Reis, publicitária

O DEBATE - NEM TODA MINERAÇÃO SERÁ PERMITIDA

“Mais um grito de alerta que o governo de Minas e a Prefeitura de BH demoraram para escutar. A destruição atrás da serra poderia ter sido evitada. Foram poucos os representantes do povo que ouviram o pedido dos ambientalistas e escutaram a comunidade, que abraçou a Serra pedindo justiça.” Lucílio Morato, por e-mail

Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida fala sobre o conceito de dívida ecológica

“A Revista Ecológico apresenta, ao longo dos anos, temas interessantes e sempre atualizados sobre meio ambiente e sustentabilidade. A cada edição, analiso os desafios constantes da publicação em retratar pautas de grande relevância que extrapolam os muros ecológicos da nossa nação. Esse processo de educação ambiental realizado por vocês é uma forma de aumentar a nossa participação efetiva na construção de um mundo melhor!”

“Muito boa a matéria sobre a vida de Eliezer Batista. A Ecológico soube retratar as peculiaridades de sua vida voltada para a sustentabilidade evidente. Pena que o filho dele não soube acompanhar esses ensinamentos tão profundos sobre a vida.” Carlos Orsini, consultor ambiental

O AGRONEGÓCIO “V Seminário Ambiental” da Faemg aponta a urgência da agropecuária sustentável

“Vejo que há um movimento ainda muito tímido deste setor na preservação do meio ambiente. Eles parecem estar despertando agora para isso, ainda que um pouco tarde. Quanto ao agronegócio afirmar que sofre agressões infundadas, discordo plenamente. Prova disso é que ele anda a passos de tartaruga para recuperar os milhões de hectares de pastos degradados que existem no país, e que estão inutilizados. Sei da importância do segmento para trazer alimento à nossa mesa, mas o que ele faz para preservar a natureza ainda é pouco.” Olavo Rodrigues Villaça, por e-mail O


Verdade

03

Verdade

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Mito O etanol provoca desgaste do motor e do sistema de escapamento de gases Como a gasolina tem enxofre na sua composição, substância que provoca corrosão, o etanol é praticamente isento desse elemento químico e por isso não pode ser o culpado por um possível desgaste das peças. O pequeno percentual de água no etanol hidratado também não causa problema nas peças devido ao seu revestimento antioxidante.

Mito Não se pode usar misturas (etanol+gasolina) no carro flex Os veículos flex são projetados para operar adequadamente com qualquer quantidade de mistura de etanol e gasolina. A maior presença de etanol em mistura com a gasolina no tanque do veículo é benéfica, pois reduz a concentração de enxofre presente na gasolina e aumenta a vida do motor e de outros componentes. O etanol também não precisa de aditivos, uma vez que suas características fazem com que o motor do carro fique limpo de possíveis resíduos.

Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool no Estado de MG Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de MG


1 IMAGEM DO MÊS

FOTO: EDÉSIO FERREIRA / EM / D.A PRESS

EU FÍCUS! Devido ao protesto de moradores do Bairro Coração Eucarístico, na região Noroeste de BH, um Ficus benjamina de mais de 60 anos deixou de ser suprimido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Durante a vistoria técnica, os moradores vizinhos, que a consideram um “patrimônio natural” da região, deram um abraço simbólico e festivo ao seu redor. Resultado: em vez de morte súbita, ela foi apenas podada para evitar danos às redes elétrica e telefônica. Mas continuará sendo monitorada. Árvore gigante e com raízes profundas, nativa do sul e sudeste da Ásia e pertencente à família das moráceas - a mesma da amora, figo e fruta-pão -, verdade ecológica seja dita, essa sexagenária senhora foi plantada em local inadequado. Mas não tem culpa. Venceu o democrático caminho do meio. O JUNHO DE 2018 | ECOLÓGICO

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Mito

Verdade

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Por ser originário da cana-de-açudar, o etanol deixa resíduos (açúcar, bagaço entre outros) no motor do carro A produção de etanol envolve vários processos para eliminação de qualquer tipo de impureza ou contaminantes, como o peneiramento, a decantação e a esterilização, não sendo possível a presença de qualquer resíduo no produto, que é fabricado de acordo com normas da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Mito

Verdade

06

O etanol tem uma pequena diferença em relação à gasolina em termos de poluição ambiental Trabalhos científicos já publicados demonstram que o etanol tem uma grande vantagem ambiental em relação à gasolina, emitindo menos 90% de gases do efeito estufa em todo seu ciclo de vida (da produção ao consumo), especialmente o gás carbônico, conhecido como dióxido de carbono, considerado o principal causador do aquecimento global. O etanol apresenta também uma redução substancial de outros poluentes como óxidos de enxofre e partículas, bem como tem menor toxidez nas emissões de compostos orgânicos voláteis.

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Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool no Estado de MG Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de MG

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CARTA DO EDITOR HIRAM FIRMINO | hiram@souecologico.com

A INSATISFAÇÃO HUMANA

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everia, primeiro, ser o amor à natureza. “Lei do Veneno”. Maggi, não à toa, é considerado o Reverência e gratidão ao planeta que nos inimigo número um dos ambientalistas. dá a vida. E, na sequência, amor e respeiAmbos, nas trevas de seus desgovernos, são resto a nós mesmos. Seres extremamente egoístas, ponsáveis pelo risco de o Brasil não conseguir cumperdidos e infelizes que ainda somos, agindo com prir o Acordo de Paris. E vão piorar, cada vez mais, o uma violência nunca vista com o meio ambiente. clima e a saúde do planeta. A queda, enfim, da quaTal como cantam os Rolling Stones na canção (I lidade de vida de cada brasileiro, da casa terráquea Can’t Get No) Satisfaction. E assim como está des- que habitamos e protestamos tão pouco a seu favor. crito no final do livro “Sapiens – Uma breve histó- Não reagimos. Só fazemos “cara de paisagem”, destiria da humanidade”, de Yuval Noah Harari: tuídos do amor maior. “Somos mais poderosos do que nunca, mas teÉ o fim antecipado da vida na Terra? mos pouca ideia do que fazer Não. Marcianos que já fomos com todo esse poder. O que um dia, é mais amoroso e espe“Estamos destruindo ainda é pior, os humanos parançoso, de outro lado, ouvirmos recem mais irresponsáveis do também, nesta edição, o recado os outros animais e o que nunca. Deuses por mérisubversivo do engenheiro agrôecossistema à nossa volta, nomo Maurício Lopes, presito próprio, contando apenas com as leis da física para nos visando a não muito mais do dente da Embrapa, empresa vinfazer companhia, não presà pasta de Blairo Maggi. que nosso próprio conforto culada tamos contas a ninguém. Em Segundo Lopes, o Brasil não e divertimento, mas jamais precisa mais derrubar florestas consequência, estamos destruindo os outros animais e para expandir a agropecuária encontrando satisfação. o ecossistema à nossa volta, sustentável. Existe solo degradaExiste algo mais perigoso visando a não muito mais do do demais na terra brasilis para que nosso próprio conforto do que deuses insatisfeitos ser recuperado, florescer e gerar e divertimento, mas jamais alimentos para a humanidade. e irresponsáveis que não encontrando satisfação. ExisLopes não está sozinho. Sesabem o que querem?” te algo mais perigoso do que gundo o escritor e jornalista deuses insatisfeitos e irresgaúcho Fabrício Carpinejar, Yuval Noah, no livro "Sapiens ponsáveis que não sabem o autor do livro “Cuide dos pais Uma breve história da humanidade" que querem?” antes que seja tarde”, todos nós No caso do Brasil, como estamos envelhecendo como o você, caro (a) leitor (a) vai planeta. Melhor amá-lo, atraconfirmar nesta edição, a resposta é desamoro- vés do cuidado, tanto humano quanto ecológico. sa. Ela se nomina Michel Temer, presidente-re- Melhor isso a “desamá-lo”, como Temer e Maggi fafém da bancada ruralista no Congresso Nacional, zem em despedida tardia, vide as próximas eleições, o que explica a barganha politiqueira de cargos quando e após outubro vier incondicionalmente já na área ambiental. Seu governo desmascara o florido pela primavera. desmatamento recorde e ainda covarde não soAfinal, enquanto a natureza não estiver em primeiro mente da Amazônia, mas do Cerrado brasileiro lugar não conseguiremos ter satisfaction. Muito menos também. A resposta se denomina, igualmente, descontar nela a nossa frustração e desumanidade. de Blairo Maggi, atual ministro da agricultura e Boa leitura, ao som dos Rolling Stones! autor do Projeto de Lei 6.299/02 - a já chamada Até a próxima lua cheia! O

12 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018



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ECONECTADO

ECO LINKS

NA REDE

“Para muitas meninas indígenas no Brasil, a jornada para a escola é quase maior do que o próprio dia letivo. E enfrentar a discriminação dificulta ainda mais a permanência na escola.” @malalafund Malala Yousafzai, ativista paquistanesa

“Sobre ‘A Pata do Boi’, um doc que revela como opera a cadeia da pecuária na Amazônia: uma excelente fonte de informação para repensar os hábitos alimentares e principalmente o consumo e a produção de carne no Brasil. O primeiro passo para uma alimentação mais consciente e em harmonia com a natureza é a informação. Assistam!” @elainewelteroth Elaine Welteroth, jornalista e escritora 14 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

IMPACTWALA Cada vez mais as pessoas buscam informações sobre as marcas baseando-se nos seus impactos sociais e ambientais. Por outro lado, é difícil ter acesso às informações quanto ao processo de produção, uma vez que a maioria de nós não consegue saber quais os perigos de um produto, já que nem sempre estão disponíveis. Pensando nisso, a Impactwala, uma organização sem fins lucrativos, criou um espaço para informar os perigos causados e incentivar os consumidores a fazerem escolhas mais conscientes. A proposta começou na Índia e por meio de uma plataforma colaborativa recolhe dados e fornece por meio do impactwala.org a classificação para cada produto e marca. Também disponibiliza os rótulos ecológicos que são obrigatórios ou essenciais, contribuindo para diferenciar os verdadeiros de algumas estratégias ambientais adotadas pelo ramo empresarial. Vamos aumentar esse movimento? Torne-se um Impactwala e contribua positivamente para todo o planeta!

BIODIVERSIDADE & NUTRIÇÃO De acordo com o Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr), o país abriga a maior biodiversidade do planeta, em torno de 15 a 20%. Apesar disso, essa riqueza não é utilizada de maneira correta, pois grande parte das atividades no campo tem como base espécies exóticas. Visando ampliar o acesso do público às plantas locais, a ferramenta Biodiversidade & Nutrição possui um acervo (composição de alimentos e de receitas) das espécies da flora brasileira e disponibiliza dados sobre mais de 150 alimentos e 70 plantas nativas. A página é constantemente atualizada de forma a tornar cada vez mais completa e acessível a todos, auxiliando a prática da sustentabilidade na alimentação. Veja mais em goo.gl/vY1hmx.

MAIS ACESSADA FOTOS: DIVULGAÇÃO

A saga amazônica do desmatamento foi o texto mais lido no mês de julho no site da Ecológico. A reportagem abordou o quarto episódio da série “O Ambientalista”, mostrando o papel dos índios como olheiros da maior floresta tropical do planeta, cujo desmate gera mais gás carbônico que o total de carros em circulação no Brasil. Para ler o conteúdo na íntegra, acesse: goo.gl/KAwthN.


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FOTOS: DIVULGAÇÃO

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GENTE ECOLÓGICA

“O tempo não me desanima. Quanto mais envelheço, mais verde eu fico.” TONHÃO, presidente da ONG Movimento Verde de Paracatu e vencedor do Prêmio Hugo Werneck 2013, na categoria "Melhor Exemplo em Mobilização Social"

“Quando as pessoas se unem à natureza, seja cuidando de uma horta ou revitalizando as plantas do espaço público, ambas saem ganhando. O contato com a natureza melhora a vida das pessoas. E as pessoas que cuidam do verde revitalizam a cidade.” MAÍRA LEMOS, jornalista e contadora de histórias

FOTO: ARQUIDIOCESE DE BH

“Precisamos de amor para sobreviver às calamidades. Não adianta estar rodeados de computadores, que sabem o que há em Marte ou Júpiter, e vivermos aqui sedentos de carinho, morrendo à míngua de assistência espiritual.” CHICO XAVIER, médium espírita

“Há gente boa no mundo. Mesmo que os jornais anunciem tantos ladrões, eles ainda são poucos. Não vamos cair na bobagem de pensar que nada presta.” MONJA COHEN ROSHI 16 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

“Levantar a voz em defesa da vida é uma obrigação moral e cidadã de todos.” DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte


ISABELLA SANTONI, atriz

DALCE RICAS

“Há 40 anos ajudamos a construir a história da luta ambiental em Minas e no Brasil. Venha comemorar conosco!” É o texto do convite da AMDA - Associação Mineira de Defesa do Ambiente, personalizada na imagem e atuação de sua fundadora e principal ativista. Dia 31 de agosto, às 19h30, na sede do Crea-MG, onde tudo começou. Parabéns ecológico!

AMÉRICA

“Não importa o tamanho nem a fase da lua. O importante é contemplá-la, e ser feliz.” EDUARDO BANDEIRA, diretor-executivo da Rede Catedral de Comunicação Católica

“Vou pingar umas gotas de lua nos meus olhos.” ALFEU TRANCOSO, filósofo e fotógrafo, informando o que iria fazer na Serra do Cipó, na última lua cheia

O time mineiro fechou parceria com a ONG SaveCerrado para ser o primeiro clube Carbono Neutro do Brasil. O América, que também participou da campanha "Times Unidos pelo planeta", idealizada pela Revista Ecológico, realizará um conjunto de iniciativas sustentáveis para compensar o CO2 emitido durante as partidas. Além de apoiar a causa do Cerrado, o time tem ainda o ambicioso desafio "Aterro Zero", para destinar 100% dos resíduos produzidos no CT Lanna Drumond para a reciclagem e a reutilização.

JULHO/AGOSTO DE 2018 | ECOLÓGICO O 17

FOTO: DÉBORA FREITAS

CRESCENDO

FOTO: MOURÃO PANDA

“A Gisele Bündchen é minha grande musa. E não apenas por ser uma modelo incrível, mas por sua forte conexão com a natureza, o que valorizo muito. Estou construindo minha primeira casa, e na medida do possível, tudo será sustentável: energia, lixo, alimentação.”


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PÁGINAS VERDES

“O Brasil não precisa mais derrubar florestas para a agropecuária” Hiram Firmino

FOTO: VICTOR SCHAWNER / DIVULGAÇÃO FAEMG

redacao@revistaecologico.com.br

MAURÍCIO LOPES: “Estamos buscando uma agenda de superação” 18 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

atural de Bom Despacho, região do Alto São Francisco, e leonino, o agrônomo Maurício Antônio Lopes tem um grande desafio à frente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), entidade vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa): consolidar um modelo de agricultura e pecuária sustentáveis, respeitando o meio ambiente, para superar as barreiras que limitam a produção de alimentos, fibras e energia no nosso país. Para isso, ele defende a adoção e a disseminação de sistemas integrados, que possibilitam o aumento da eficiência na utilização dos recursos naturais, reduzindo impactos à natureza, garantindo a estabilidade da produção e mais renda para o produtor. “Migrar para esses sistemas é um caminho para fortalecer nossas atividades do ponto de vista de resiliência e susten-

N

tabilidade”, ressalta Lopes, que recentemente esteve na capital mineira para receber a “Medalha do Mérito Rural”, concedida pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg). Nesta entrevista à Ecológico, ele fala também sobre a comunicação transparente e aberta entre o agronegócio e a sociedade, traduzida em maior confiabilidade ao setor, e sobre o polêmico “PL do Veneno” (Projeto de Lei 6.299), de autoria do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, eleito em 2011 para o Senado. Segundo Maurício, a instituição vem participando ativamente do processo, mas “não entrará no debate das dimensões ideológicas”. E destacou que o Brasil ainda precisa “aprimorar seus procedimentos e regulamentos para lidar com uma questão tão importante e sensível quanto a dos pesticidas”. Confira:

É preciso desmatar mais florestas para se criar gado no país? Não há necessidade de o Brasil seguir derrubando florestas para expandir sua agropecuária. Estima-se que já temos entre 50 e 60 milhões de hectares de pastagens degradadas. Essas áreas foram abertas há muito tempo – duas, três décadas atrás – e foram utilizadas para pecuária extensiva. Isso levou à degradação

do solo. Se você viajar pelo Brasil, facilmente encontrará essas pastagens. São aquelas que possuem uma grande quantidade de cupins e são muito baixas, um sinal de que o solo está degradado, com pH baixo e muita acidez. Temos tecnologia para recuperar essas áreas degradadas? Sim. E, inclusive, para aumentar a eficiência delas. Essas áreas têm capacidade de suporte mui-


M A U R Í C I O LO P E S

QUEM É

ELE

Mineiro de Bom Despacho, Maurício Lopes é graduado em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa (MG), fez mestrado em Genética pela Purdue University (EUA), doutorado em Genética Molecular pela University of Arizona (EUA) e pós-doutorado pelo Departamento de Agricultura da FAO-ONU (Roma-Itália). Atuou como pesquisador da Epamig e, desde 1989, integra o quadro da Embrapa. Antes de assumir a presidência da empresa, foi coordenador e pesquisador do Labex Coreia; ocupou as chefias-adjuntas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Embrapa Milho e Sorgo e da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, além da do Departamento de P&D e da Diretoria-Executiva de P&D.

tas vezes inferior a uma cabeça de bovino por hectare. Com as tecnologias adequadas, pode-se multiplicar essa capacidade para até seis animais por hectare, aumentando a eficiência da pecuária e também liberando parte das áreas recuperadas para a expansão de lavouras. O Brasil tem uma fronteira enorme para expansão de uma agropecuária de alto desempenho considerando apenas a possibilidade de recuperação de pastos degradados que temos diante de nós. Em um artigo recente sobre a integração lavoura-pecuáriafloresta, o senhor mencionou que esse conceito já foi implantado em 11 milhões de hectares. Na verdade, esse número foi levantado em uma pesquisa que fizemos em 2015 e 2016. Hoje, provavelmente, nós já temos uma área muito maior: entre

FOTO: BRENO LOBATO

Presidente da Embrapa

SISTEMA ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta) implantado na Fazenda Santa Brígida, em Ipameri (GO)

13 e 14 milhões de hectares de sistemas mistos integrados (lavoura-pecuária, lavoura-pecuária-floresta, pecuária-floresta). Eles são muito vantajosos e permitem fazer uma agricultura de baixa emissão de carbono. Quando você integra sistemas, a quantidade de carbono emitida é menor do que a incorporada. E as árvores são essenciais nesse processo, porque elas fixam o carbono do ar na forma de matéria orgânica. Então, os sistemas integrados são o próximo paradigma de produção sustentável? Estamos certos disso. Principalmente para as regiões tropicais, onde há temperatura, luminosidade e distribuição de chuvas adequadas. Migrar para esses sistemas é um caminho para fortalecer nossas atividades do ponto de vista de resiliência e sustentabilidade.

Qual a sua opinião sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR)? Temos feito um trabalho na Embrapa de avaliar o impacto do CAR. O Brasil tem uma política pública que é inédita (Código Florestal). E ela torna obrigatória a conservação da biodiversidade, de floresta nativa, nas propriedades privadas, possibilitando aos produtores rurais protegerem suas nascentes, leitos de rios e manterem suas Reservas Legais (RL). Além de todos os parques nacionais e reservas públicas, temos uma área muito grande de espaços preservados nas propriedades rurais. Com isso, o Brasil tem hoje apenas 7,6% de seu território composto de lavouras, aproximadamente 64 milhões de hectares. Esse dado foi confirmado pela Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), que recentemente fez um grande levantamento global

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JULHO/AGOSTO DE 2018 | ECOLÓGICO O 19


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PÁGINAS VERDES

e chegou a um número aproximado do nosso [7,8%, sendo que o percentual de 0,2% se dá em razão da diferença de metodologia aplicada]. O Brasil é um país que se destaca muito na preservação de sua biodiversidade, apesar do que a imprensa internacional publica, afirmando que a agricultura brasileira é predatória e não sustentável. Não há país como o nosso, com uma quantidade tão significativa de áreas cobertas de floresta nativa (unidades de conservação nacionais, estaduais e municipais, áreas indígenas e propriedades privadas). São nada menos que 66,3% de todo o nosso território. Boa parte das grandes nascentes das regiões de mata nativa está em propriedades rurais, sob a proteção dos agricultores. Desses 66,3%, quantos se referem a essas áreas particulares? Em torno de 20,5%. As Unidades de Conservação ficam com 13,1%. Já as terras indígenas, 13,8%. Nas áreas ocupadas por cidades e infraestrutura, como estradas, 3,5%. Outros 18,9% são de vegetação nativa em áreas não cadastradas no CAR, que não são próprias para agricultura, como as de mineração, etc. Sem dúvida, o agricultor brasileiro é muito consciente da necessidade de se preservar os recursos naturais. O Brasil já apanhou muito em função disso. Recentemente, tivemos toda essa discussão relativa à Amazônia e ao Cerrado, mas o país foi corajoso ao criar uma política pública para obrigar a conservação em áreas privadas, uma vez que o agricultor não é recompensado por isso. Em outros países, isso é diferente? 20 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

“Não há país como o nosso, com uma quantidade tão significativa de áreas ainda cobertas de florestas nativas. São nada menos que 66,3% de todo o nosso território.” Nos Estados Unidos, por exemplo, é o contrário. Quase 70% do seu território está aberto, sem vegetação nativa, disponível para agricultura e outras atividades econômicas. O Brasil vem fazendo o seu dever de casa e cumprindo bem o seu papel de preservar a natureza e responder aos critérios definidos em termos de cuidado com as florestas e a água. Tenho certeza de que avançaremos ainda mais com a incorporação dos sistemas integrados, que são modelos de produção capazes de ajudar ainda mais o Brasil a garantir a sustentabilidade de sua pecuária. O setor de mineração enfrenta dificuldades históricas para se comunicar com a sociedade. Qual é a “receita” que vocês, do agronegócio, vêm utilizando para formar e informar o cidadão sobre a importância do setor, desde que sustentável, para o país? Estamos trabalhando com transparência e informações qualificadas. Vivemos um momento complicado, do ponto de vista da comunicação. Veja o caso dos defensivos agrícolas, por exemplo. A quantidade de informação distorcida, absurda, que vem saindo na imprensa é grande. Por isso, é preciso sempre bus-

carmos aprimorar a narrativa de como chegar aos corações e mentes da sociedade, principalmente a urbana. Ela ainda precisa compreender melhor a importância da produção de alimentos, de um setor que ajuda o Brasil a crescer. Se nessa última crise não tivéssemos um agronegócio consolidado, o país teria passado uma dificuldade muito maior. Reforço que comunicar bem é um imperativo e é essencial trabalhar bem isso. A mineração também é um segmento bastante combatido, criticado, e que tem de mostrar ainda mais seu o lado positivo, seu esforço de superar limitações e passivos. E, assim, avançar. O que o senhor tem a dizer sobre o “PL do Veneno”? A Embrapa participou ativamente dessa discussão. A nossa posição [leia mais na página 22] é técnica, científica. Não entramos no debate das dimensões ideológicas, de uma reação pouco sustentada em conhecimento e ciência. O país precisa aprimorar seus procedimentos, regulamentos para lidar com uma questão tão importante e sensível quanto a dos pesticidas. Recentemente, o senhor ressaltou em uma palestra que a pesquisa pública está seriamente ameaçada no país. Em que sentido? Estamos passando por um momento de dificuldade, com recursos escassos. Há passivos grandes no Brasil, como de segurança pública, educação e infraestrutura. Quanto há uma situação de crise, a ciência costuma não ser prioritária e perde apoio. Isso é fatal para um país que vive um momento assim, pois ela é um motor do desenvolvimento. Países que não mantêm financiamento


M A U R Í C I O LO P E S

FOTO: JORGE DUARTE

Presidente da Embrapa

“Quando há uma situação de crise, a ciência costuma não ser prioritária e perde apoio. Isso é fatal para um país que vive um momento assim, pois ela é um motor do desenvolvimento.”

e apoio continuado a instituições de pesquisa e inovação não conseguirão se adequar ou resistir à realidade do mundo complexo e competitivo que vem emergindo. Por isso, a pesquisa pública é importante e a agropecuária é um exemplo. O Brasil soube desenvolver um modelo forte e cientificamente embasado, com investimento feito no âmbito público, nas universidades e organizações estaduais de pesquisa. Sem ciência o futuro fica comprometido? Sim. É a pesquisa pública que abraça os desafios de longo prazo e alto risco que normalmente o setor privado não enfrenta. Precisa-se ter uma relação harmoniosa entre a pesquisa pública e a privada. Preocupa-nos o fato de que a pública vem perdendo apoio e a sociedade ainda não compreende a importância dela para seu futuro e da sua própria sustentabilidade. Em que aspectos? Os países desenvolvidos só conquistaram esse status porque acreditaram no conhecimento,

na ciência e têm suas pesquisas pública e privada fortalecidas. Não podemos perder isso de vista no Brasil, principalmente porque os negócios vêm mudando com rapidez e quem está à frente vai avançar no mesmo ritmo. Quem ficar para atrás, lá ficará. Recuperar o tempo perdido é muito caro. O Brasil não pode descuidar de seu desenvolvimento científico e tecnológico, do fortalecimento de suas universidades e instituições de pesquisa. Nem dos estímulos para que o setor privado siga fazendo a sua parte, investindo mais em ciência e inovação. A humanidade terá tempo de se salvar e salvar o planeta? Sou otimista. É só olharmos o passado para nos conscientizar. Max Roser, professor da Universidade de Oxford (Reino Unido), mantém um site na internet que se chama Our World In Data (“Nosso Mundo em Dados”), em que mostra os avanços extraordinários que a sociedade moderna alcançou. Há 140 anos, tínhamos uma mortalidade infantil assustadora e a idade média das pes-

soas era inferior à de hoje. Há 30 anos, a pobreza extrema era muito maior. Em todas as métricas que você buscar no site, perceberá que a humanidade avançou. Que mundo vislumbra para o futuro? Olhando para frente, quando vemos por exemplo os “17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável” da Organização das Nações Unidas (ONU), percebemos que temos uma agenda de sustentabilidade para o futuro. Muitas vezes as notícias ruins prevalecem e prendem a atenção das pessoas. Mas é preciso ver a trajetória humana em uma lógica de médio e longo prazos, voltando 100 anos no tempo. Voltar ao início de quando nascemos, quando tudo era mais precário, como saúde e educação. Apesar de o presente nos mostrar muitos desafios e produzir alguma perplexidade, sou otimista e acredito que o mundo vai seguir uma boa direção, em que prevalecerá a educação, a inclusão e o bom senso. O que estamos buscando é uma agenda de superação.

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JULHO/AGOSTO DE 2018 | ECOLÓGICO O 21


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PÁGINAS VERDES

M A U R Í C I O LO P E S Presidente da Embrapa

POSICIONAMENTO SOBRE O PL 6.299 Em 21 de maio, a Embrapa divulgou uma nota técnica se posicionando sobre o Projeto de Lei nº 6.299, que trata da Política de Defensivos Fitossanitários e de Produtos de Controle Ambiental. Confira, a seguir, alguns trechos do documento: O “A agricultura brasileira apresenta uma dinâmica intensa, muitas vezes não observada em outros países, que exige um constante desenvolvimento tecnológico, principalmente no que se refere aos aspectos fitossanitários. É fato notório que o processo de registro de agrotóxicos no Brasil é extremamente moroso e precisa de maior celeridade.” O “Tão importante quanto evitar ou até proibir tecnologias que podem causar danos ou trazer riscos, é permitir o acesso rápido a tecnologias que, à luz do melhor conhecimento disponível, sejam consideradas úteis e seguras.” O “O sistema regulatório de agrotóxicos deve ser ágil, funcional e cientificamente embasado para que a agricultura se desenvolva de modo sustentável e preserve sua competitividade internacional e seu papel social no país.” O “A primeira constatação da proposta é a substituição do termo agrotóxico pelo termo produto fitossanitário, o que representa uma mudança positiva, uma vez que o uso do termo agrotóxico é bastante questionável do ponto de vista toxicológico.” O “É mportante salientar que a atuação dos órgãos de saúde e de meio ambiente no processo regulatório é essencial para garantir a segurança do uso desses produtos para a saúde humana e o meio ambiente. Assim, é importante que se busque um equilíbrio institucional visando ao mesmo tempo maior eficiência processual, que pode ser alcançada com a coordenação do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). E também assegurando que todos os aspectos toxicológicos e ambientais sejam considerados ao integrar de forma

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adequada o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a esta nova estrutura proposta no projeto de lei.” O “A proposta também apresenta avanços quando propõe a adoção da metodologia da análise de risco em substituição à análise de perigo, atualmente utilizada nas avaliações regulatórias. A análise de risco, utilizada pela maioria dos países desenvolvidos, caracteriza-se por considerar também a exposição ao pesticida e não somente suas características intrínsecas. Cabe aqui destacar, entretanto, que nesta proposta de PL elimina-se qualquer critério baseado no perigo, como a carcinogenecidade e mutagenicidade. Este é um ponto fundamental da proposta e que merece ser debatido em profundidade, haja vista que não há um consenso mundial sobre o tema.” O “O Brasil dispõe de uma rede estruturada de empresas privadas de tecnologia voltadas a atender as demandas para geração de informações toxicológicas, ambientais e físicoquímicas de pesticidas e suas formulações para fins regulatórios. Também tem universidades e instituições de pesquisa públicas e privadas com estrutura e capacitação suficientes para a prestação de serviços com tais propósitos.” O “Observa-se que no PL não são estabelecidos prazos de reavaliação dos produtos fitossanitários registrados. Esta é uma medida que vem sendo utilizada pela maioria dos países desenvolvidos e que tem um robusto sistema regulatório. Com esta medida, busca-se trazer maior segurança à saúde humana e ao meio ambiente, pois revisa periodicamente as informações toxicológicas e ambientais geradas após o registro do pesticida.” O EM TEMPO: para ler o documento na íntegra, acesse goo.gl/zNCFFf SAIBA MAIS www.embrapa.br


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ESTADO DE ALERTA MARIA DALCE RICAS (*) redacao@revistaecologico.com.br

A LUTA CONTINUA!

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m audiência pública realizada em 04 de julho na Câmara dos Deputados sobre o Projeto de Lei 6.286/16 (que libera a caça no Brasil), de autoria do “consagrado” deputado ruralista e um dos líderes do “PL do Veneno” Valdir Colatto (PMDB-SC), o professor Rômulo Ribon, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), declarou-se publicamente, mais uma vez, favorável à liberação. Ele considera que os animais silvestres são propriedade dos donos da terra. Imaginem: uma onça está em uma propriedade e “pertence” a seu “dono”, que quer matá-la. Ela foge e entra em outra cujo proprietário a respeita e protege. Pelo PL 6.286, o primeiro teria direito de matá-la na propriedade do outro. Perguntei ao professor se é constitucional uma lei que autorize a invasão de minha propriedade, cujos ambientes naturais foram preservados, para matar animais por diversão ou porque estão prejudicando atividades agropecuárias do meu vizinho. Ribon disse que há uma visão idílica da natureza por parte de muita gente (certamente me incluiu), que desvaloriza e desestimula a pesquisa científica, criminaliza o proprietário rural que quer usar “sua fauna”, destrói possibilidades de emprego, desestimula criação de áreas de conservação por particulares, o que prejudica a proteção da fauna. Chegou ao cúmulo de insinuar que a degradação das bacias dos rios Doce e São Francisco seria também reflexo da proibição da caça. A abordagem é pontual, ignora inúmeros outros fatores envolvidos no assunto, é desprovida de argumentos aceitáveis, mas tem sido brandida por Valdir Colatto como base técnica para seu projeto fascista.

A promotora Vânia Tugler, de São Paulo, em excelente palestra alertou que uma das propostas de Colatto é mudar a lei vigente que declara os animais como da União, para serem de “domínio público”, transformando-os em coisas, à mercê de qualquer um. O diretor de fiscalização do Ibama, Roberto Cabral, afirmou que realmente existe caça no Brasil, assim como roubo e assassinato. E legalizar os dois últimos não é solução. Lembrou que sustentar caça comercial no país é impossível, pois temos grande diversidade, mas baixas populações, que diminuem cada vez mais por causa do atropelamento, do fogo e do envenenamento. Disse ainda que o lucro do agronegócio é muito maior, além de o setor ser o principal indutor do desmatamento. Os defensores do PL fingiram não ouvir. Em relação ao artigo que prevê a morte de animais que estejam prejudicando atividades agropecuárias, ele perguntou quem na Amazônia, cujas florestas estão sendo derrubadas pelos ruralistas, madeireiros e assentados, está sendo prejudicado: os animais que lá vivem ou os seres humanos que estão destruindo seus hábitats. O deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP) desafiou Colatto e seus amigos, afirmando que se fosse feita pesquisa sobre o assunto, o PL seria rejeitado por ampla maioria. Ele nem mudou a cara para dizer que acredita nisso, porque a maioria da população vive em cidades. Só faltou dizer que por isso não tem direito a opinar. Não adianta dizer que matar por esporte (incluindo crianças que aprenderão também a se “divertir” assim) é inadmissível em todos os sentidos. Que a venda de armas irá disparar no país. Que o PL não tem qualquer base técnica. Que legaliza a invasão de propriedade (princípio tão sagrado para ruralistas quando lhes interessa). Como disse um amigo que trabalha na Câmara dos Deputados, há duas realidades no Brasil: uma fora da instituição e outra dentro. A de fora não interessa à maioria dos “nobres” deputados. Mas a luta continua! O (*) Superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente.


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O DESACORDO

BRASILEIRO DE PARIS No apagar das trevas do seu desgoverno ambiental, Temer acelera e barganha o desmatamento da Amazônia e do Cerrado brasileiros em troca de apoio político da bancada ruralista

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esquisadores brasileiros lançaram um alerta em uma das revistas científicas mais importantes do mundo, a Nature Climate Change. Se o avanço do desmatamento na Amazônia e no Cerrado não for 24 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

freado, o Brasil não terá como cumprir o compromisso assumido no Acordo de Paris, contra o aquecimento global, firmado por 190 países em 2015. Os pesquisadores responsáveis pelo estudo começam o tex-

to afirmando que “em troca de apoio político, o governo brasileiro está sinalizando que proprietários de terra podem aumentar o desmatamento”. Prova retumbante disso é o presidente Michel Temer ter assinado medidas


provisórias e decretos reduzindo as exigências de licenciamento ambiental, suspendendo as demarcações de terras indígenas e diminuindo o tamanho de áreas protegidas. Tudo ao mesmo tempo e jamais registrado na história política do único país que tem nome de árvore. Na prática, esclarecem os pesquisadores, essas e outras medidas aceleraram a destruição das florestas, entre 2012 e 2017, revertendo a tendência de redução do desmatamento registrada na década anterior. O estudo também aponta o novo Código Florestal, aprovado no governo Dilma e parcialmente implementado no

governo Temer, como o ponto de partida para a triste e quase irreversível expansão do desmatamento no país. GASTO EM DOBRO O ciclo de geração de carbono nas florestas funciona assim: toda árvore, para crescer, retira dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Esse gás vira carbono e fica estocado nas raízes, troncos, galhos e folhas, o que faz das florestas imensos reservatórios de carbono. Assim, quando se destrói uma área verde através das queimadas, por exemplo, esse gás é devolvido para a atmosfera. Por isso, conter desmatamentos é a forma mais barata de reduzir as emissões de

gases de efeito estufa. De acordo com o estudo, publicado em 9 de julho, há outras tecnologias capazes de reduzir emissão de gases de efeito estufa, mas elas são mais complexas. “Ônibus a hidrogênio ou elétricos e o uso de biomassa como combustível de aviação são alguns exemplos. Neste momento, entretanto, “essas ainda são tecnologias muito mais caras e que colocariam um peso muito grande na economia brasileira”, avalia o professor Roberto Schaeffer, um dos coautores da pesquisa. Ainda conforme os cientistas, se o desmatamento continuar no ritmo dos últimos cinco anos, o Brasil terá de gastar quase o JULHO/AGOSTO DE 2018 | ECOLÓGICO O 25

FOTO: GREENPEACE / DANIEL BELTRÁ

Se o avanço do desmatamento na Amazônia e no Cerrado não for freado, o Brasil não terá como cumprir o compromisso assumido na COP-21, em Paris


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FOTO: INTERNATIONAL SCIENCE COUNCIL

dobro do que investe hoje para cumprir seu compromisso firmado no Acordo do Clima de Paris. Esse custo poderia chegar a US$ 2 trilhões até 2050. “Isso pode impor um sobrecusto excessivo na economia brasileira, economia essa que já padece de falta de investimentos em outros setores, tais como saúde e educação. Ou seja, seria necessário desviar recursos importantes para o setor energético, para ele pagar uma conta que vai ser muito mais alta do que se controlássemos o desmatamento”, completa Schaeffer que, desde 1998, colabora com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), da ONU. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) divulgou números que mostram uma queda do desmatamento na Amazônia ano passado, em relação a 2016. No entanto, as taxas de desflorestamento registradas nesses dois anos ainda são as mais altas desde 2010. O MMA declarou, ainda, que não houve flexibilização das políticas de controle do desmatamento ilegal, mas sim um “aprofundamento” delas.

PARA Roberto Schaeffer, o setor energético poderá pagar uma conta que vai ser muito mais alta do que o controle do desmatamento

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ENTENDA MELHOR

O O artigo “A ameaça da barganha política para a mitigação climática no Brasil” é assinado pelos professores Roberto Schaeffer, Alexandre Szklo e André Lucena, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/ UFRJ), além dos pesquisadores Pedro Rochedo, Alexandre Koberle e Regis Rathmann, também da Coppe/UFRJ; pelo professor de Ciência Política Eduardo Viola, da Universidade de Brasília (UNB), e pelos professores Britaldo Soares-Filho, Raoni Rajão e pela pesquisadora Juliana Leroy Davis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O Os especialistas avaliam os impactos do retrocesso na política ambiental brasileira para o cumprimento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), assumidas pelo Brasil para o atingimento do objetivo acordado por mais de 190 países, em Paris, em 2015, destinado a limitar o aquecimento global. O Entre 2005 e 2012, o Brasil reduziu suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 54%, sobretudo pela redução do desmatamento em 78%. De acordo com os autores, a aprovação do novo Código Florestal, em 2012, provocou um retrocesso gradual na governança ambiental, agravada a partir de 2016 com a “barganha” política promovida pela chamada bancada ruralista, para a aprovação de projetos de interesse do governo federal. O Em troca de apoio político, o presidente Michel Temer

assinou medidas provisórias e decretos que diminuíram as exigências para o licenciamento ambiental, suspendeu a demarcação de terras indígenas, facilitando que grileiros se beneficiem dos recursos de áreas desmatadas ilegalmente. Isso pode comprometer a bemsucedida política de redução das emissões de CO2 pelo controle de desmatamento, promovida na última década. O Com base em Modelos de Avaliação Integrada (IAMs, na sigla em inglês), desenvolvidos no Brasil, dois deles criados na Coppe (Coffee e Blues) e o outro na UFMG (Otimizagro), os autores traçam cenários para estimar o esforço necessário para cumprir as metas do Acordo de Paris e limitar o aquecimento global em 2ºC. Avaliam, ainda, como compensar o enfraquecimento da governança ambiental, a qual tem impacto direto nas emissões por mudanças no uso do solo. O Esses três modelos são complementares. Com o modelo Coffee, focado em energia e meio ambiente, os pesquisadores traçaram o cenário macro de emissões globais de CO2. Com o Blues, estimam o modelo de otimização para energia e uso do solo. Ambos foram criados por pesquisadores do Cenergia, laboratório da Coppe coordenado pelos professores Roberto Schaeffer, Alexandre Szklo e André Lucena. A UFMG, por sua vez, conta com o modelo de uso da terra, espacialmente explícito e batizado de Otimizagro.


Governança em declínio to pode resultar numa taxa de desmatamento anual de 15 mil km², no Cerrado, e 17 mil km² na Amazônia, até 2030. Isso equivaleria à emissão de 16,3 gigatoneladas (Gt) de CO2 para o período 2010-2030. Segundo o pesquisador Pedro Rochedo, as políticas ambientais, embora vigentes, se degradariam por influência política. “Manda-se um sinal para os setores

produtivos de que vale a pena desmatar, pois as regras seriam descumpridas sem a fiscalização e punição adequadas. Um incentivo velado ao desmatamento.” O cenário de forte governança ambiental pressupõe a expansão das políticas de preservação ambiental e total apoio político à agenda ambiental assumida pelo país. Esse prognóstico levaria à redução anual do des-

CERRADO AINDA AMEAÇADO O desmatamento no bioma, na fronteira com a Amazônia, tem aumentado e metade de sua cobertura vegetal foi suprimida

Desmatamento (km2)

De acordo com os autores do estudo, a governança ambiental brasileira se divide em três períodos: pré-2005, de governança fraca e altas taxas de desmatamento. De 2005 a 2011, período de aprimoramentos na governança e resultados efetivos na redução do desmatamento. E de 2012 a 2017, quando a governança foi gradualmente erodida pela anistia concedida ao desmatamento ilegal, no bojo da revisão do novo Código Florestal. Considerando esse histórico, os autores definiram três cenários de governança ambiental: fraco, intermediário e forte. O primeiro implicaria abandono do controle do desmatamento e o incentivo à agropecuária predatória. Nesse cenário, todos os ganhos obtidos desde 2005 seriam anulados. O cenário intermediário, por sua vez, implicaria uma contradição: a manutenção das políticas de controle do desmatamento concomitantemente ao apoio às práticas predatórias. Seria a manutenção do cenário atual, cujo ritmo de desmatamen-

O CERRADO ocupa 22% do território nacional. Desse total, apenas 8,21% são protegidos por Unidades de Conservação, ficando o restante à mercê da devastação ambiental


1 POLÍTICA AMBIENTAL

A META do Acordo de Paris é limitar o aquecimento global a 2ºC

matamento no Cerrado e na Amazônia, de cerca de 8 mil e 9,5 mil km², respectivamente, para menos de 4 mil km² em cada um dos biomas. “Um mundo de baixo carbono pode levar ao aumento dos preços dos derivados de petróleo. Isso tem impacto no emprego setorial, nos gastos das famílias, no PIB. Há um impacto sistêmico e complexo, que só um modelo econômico pode abordar”, frisa Rochedo. OPÇÃO MAIS BARATA O cenário fraco acarretaria um impacto financeiro de US$ 5 trilhões ao Brasil até 2050, quando comparado ao cenário forte. De acordo com Rochedo, esse cálculo leva em conta o que os pesquisadores chamam de “orçamento de carbono”. Segundo esse orçamento, o Brasil teria direito a emitir cerca de 24 Gt de CO2, de 2010 a 2050. “Chegamos a esse custo pelo preço médio de carbono da literatura – atualmente, cada tonelada de CO2 é precificada entre US$ 10 a US$ 20 dólares, e a pro28 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

jeção é que o preço da tonelada chegue a US$ 370 dólares em 2050 –, ou seja, é uma espécie de multa ou compra de certificados para compensar o excesso de emissões. Quando se excede esse orçamento de carbono, o país paga para que outra nação faça o que ele não fez. Seja uma troca de certificados ou outro mecanismo. É o mercado de carbono”, explica o pesquisador. A conclusão dos autores é categórica: as NDCs assumidas pelo Brasil estão em risco devido à crise política atual, na medida em que o governo desfaz políticas ambientais exitosas, levando ao aumento do desmatamento. Paradoxalmente, para lidar com o aumento das emissões de CO2, o Brasil teria de investir pesadamente em tecnologias avançadas, que não estão maduras o suficiente e têm elevado custo de capital. “Em função de uma política do século 19, o governo obriga setores da economia a usarem tecnologia do século 21 para neutralizar os efeitos da política do baixo clero no Congresso”, critica o professor Roberto Schaeffer.

FIQUE POR DENTRO

O Brasil é o único país em desenvolvimento a ter um modelo de análise integrada global (IAM), o que lhe permite traçar cenários integrados, em escala global, de ações de mitigação no combate ao aquecimento global. Batizado de Coffee, esse modelo criado na Coppe tem como diferencial a possibilidade de o papel do país poder ser analisado em um contexto mundial, de acordo com metas estabelecidas para conter o aquecimento do planeta.

Segundo ele, a adoção desse conjunto de tecnologias de vanguarda implicaria custo econômico muito elevado, tornando improvável que o país honre os compromissos assumidos para ajudar o mundo a cumprir o Acordo de Paris. “Reduzir o desmatamento seria, de longe, a opção mais barata para o Brasil alcançar suas metas nacionais e os objetivos de Paris”, pondera Schaeffer. O (Com informações do G1 e da Envolverde/Carta Capital).


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POLÍTICA AMBIENTAL

O PROJETO VENENOSO DO BRASIL PL 6.299/02 reacende debate sobre regulamentação de agroquímicos. Enquanto isso, uso indiscriminado eleva número de casos de intoxicação no campo J. Sabiá redacao@revistaecologico.com.br

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o dia 25 de junho último, a comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a regulação do setor de defensivos fitossanitários aprovou o parecer que prevê mudanças importantes na legislação brasileira sobre agrotóxicos. A base é o Projeto de Lei 6.299/02, de autoria do senador Blairo Maggi, atual ministro da Agricultura. Um dos pontos 30 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

mais polêmicos da proposta é a previsão de os pesticidas (nome indicado no parecer) serem liberados pelo Ministério da Agricultura mesmo se outros órgãos reguladores, como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não tiverem concluído análises sobre eventuais riscos.

A movimentação no Congresso reacendeu o debate sobre o uso dos agroquímicos em todo o país. Repercutiu nas redes sociais e na imprensa uma onda de manifestações de vários setores, como ONGs ambientalistas, institutos de defesa dos consumidores e entidades de pesquisa relacionada à saúde pública. As opiniões mais ruidosas são contrárias ao projeto já apelidado de


O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. O setor movimenta cerca de US$ 10 bilhões por ano no país “PL do Veneno”. “A nossa oposição ao projeto não é ideológica. É científica”, defendeu o presidente da Comissão da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, Alessandro Molon (PSB), durante a sessão de votação do parecer na Câmara Federal. Ele denuncia que o PL irá permitir o registro de substâncias que podem estar associadas ao aparecimento de tumores, má-formação fetal e alterações genéticas. “O objetivo do PL do Veneno

FOTO: CLEIA VIANA

FOTO: LÚCIO BERNARDO JR.

PRESERVAR ou envenenar, eis a questão do único país com nome de árvore

“O PL 6.299 é o melhor caminho para garantir a segurança de alimentos que chegam à mesa dos brasileiros.”

“O objetivo do PL do Veneno é lucro! E os que lucrarem com esse absurdo certamente colocarão comida orgânica no prato de seus filhos.”

LUIZ NISHIMORI, relator do projeto na Câmara dos Deputados

ALESSANDRO MOLON, presidente da Comissão da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos

é lucro! E os que lucrarem com esse absurdo certamente colocarão comida orgânica no prato de seus filhos”, reforçou Molon em uma rede social. O deputado Luiz Nishimori (PR), que apresentou o parecer aprovado na comissão especial, também usou a internet para rebater as críticas e as “informações falsas” que vêm sendo divulgadas sobre o projeto. Logo após a aprovação do relatório, ele postou uma mensagem no Twitter afirmando que o PL 6.299 é “o melhor caminho para garantir a segurança de alimentos que chegam à mesa dos brasileiros”. Fato é que a questão dos agrotóxicos no Brasil é historicamente complexa. Desde que a Lei 7.802/89 definiu e regulamentou o seu uso, vários projetos de lei foram apresentados no Congresso Nacional – a maioria por deputados da bancada ruralista, pressionados pela agroindústria.

descompasso entre os que defendem a mudança na legislação e os que a rotulam como retrocesso está um problema agudo: o aumento dos casos de intoxicação e morte relacionados à exposição a agroquímicos. Segundo o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Fiocruz, foram 3.337 casos registrados de intoxicação por agrotóxicos em uso agrícola no ano de 2015, com 97 mortes. Oito anos antes, o Ministério da Saúde apontou, por meio do DataSUS, que 2.093 notificações foram registradas no Brasil. Ainda que as duas instituições tenham metodologias diferentes de coleta de dados, os números surpreendem. E podem ser maiores. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), 98% dos casos de intoxicação por agrotóxico no planeta não são notificados às instituições de saúde pública. As tentativas de suicídio relacionadas à exposição a agrotóxicos também disparou no Brasil.

MORTES NO CAMPO Além da incerteza provocada pelo

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JULHO/AGOSTO DE 2018 | ECOLÓGICO O 31


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POLÍTICA AMBIENTAL

#CHEGADEAGROTÓXICOS FOTO: RONALDO NINA

FOTO: REPRODUÇÃO INSTAGRAM

VOCÊ SABIA?

“Até quando iremos aguentar esse jogo pesado de interesses que nada tem a ver com o real desejo de se alimentar a população? Não podemos brincar com a saúde! Temos o direito de saber o que comemos. Diga não aos agrotóxicos!”

“Uma comida sem agrotóxico e cultivada de uma maneira sustentável e regeneradora é essencial para a perpetuação da vida humana na Terra. Comida sem veneno significa uma vida mais feliz, saudável e digna para todos!”

MARCOS PALMEIRA, ator e agricultor orgânico

BELA GIL, chef de cozinha natural e apresentadora de TV

Dados do Ministério da Saúde confirmam que em 2015 foram seis casos, contra 1.405 em 2017 - um aumento de 234%. Há vários estudos que apontam que os agroquímicos podem afetar o sistema nervoso central do ser humano e são associados ao aparecimento de doenças como a depressão. Os casos de intoxicação por agroquímicos crescem paralelamente ao aumento do seu uso no campo. Segundo o Censo Agropecuário de 2017, que teve a prévia divulgada há pouco mais de um mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1,68 milhão de produtores rurais declararam ter usado defensivos agrícolas em seus estabelecimentos, número 21,2% maior que o de 2006 (1,39 milhão). Informações do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal (Sindiveg) apontam que entre 2000 e 2015 32 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

a venda de agrotóxicos apresentou crescimento acumulado de 284% (saltou de 313.824 para 887.872 toneladas). A soja foi o destino final das vendas de defensivos, com 52% do total. Detalhe: autor do “PL do Veneno”, Blairo Maggi também é conhecido como o “rei da soja”, além de ser considerado inimigo número um dos ambientalistas. Em 2005, foi o “vencedor” do prêmio Motosserra de Ouro, da ONG Greenpeace, por sua contribuição à destruição da Floresta Amazônica.

De acordo com o Sinitox, da Fiocruz, mais de 3 mil casos de intoxicação por agrotóxicos foram registrados em 2015, com 97 mortes

“Agrotóxico” é o termo legal definido na Lei 7.802/89. Os termos pesticida, praguicida e defensivos agrícolas também são utilizados. A palavra está associada ao setor que a emprega: por exemplo, as empresas de agrotóxicos preferem utilizar “defensivos agrícolas”, já que na visão deles os produtos são aplicados para proteger a produção agrícola. A Anvisa usa a palavra “agrotóxicos”, que traduz bem os riscos potenciais do produto e alerta os trabalhadores e a população. Os agrotóxicos têm várias classes agronômicas: inseticidas (controlar insetos), acaricidas (ácaros), nematicidas (nematóides), fungicidas (fungos), herbicidas (plantas daninhas), etc. Fonte: Anvisa

FISCALIZAR É PRECISO O Censo também identificou que hoje existem mais de 5 milhões de estabelecimentos agropecuários no país, perfazendo uma área total de 350 milhões de hectares. Nesse contexto, é indiscutível a necessidade de uma fiscalização cada vez mais eficaz, tendo em vista a dimensão territorial e o fato de a realidade do campo ser diferente do preconizado pela legislação. O monitoramento do uso de agrotóxicos no Brasil é de competência da União, dos estados e municípios. A fiscalização federal de agroquímicos, informa o Ministério da Agricultura, é orientada e estruturada pela Coordenação Geral de Agrotóxicos e Afins – CGAA/DFIA/SDA. Anualmente, são estabelecidas metas para a realização da fiscalização de acordo com o estipulado no Plano Plurianual (PPA), que abrangem desde a fiscalização de


FOTO: DIVULGAÇÃO

estabelecimentos de produção/ importação/exportação de produtos até coleta de amostras e estações credenciadas de pesquisa. Ainda que haja muitos gargalos, como a quantidade insuficiente de técnicos para fazerem as fiscalizações, tendo em vista o alto número de estabelecimentos comerciais e rurais, revendedores e prestadores de serviço, há avanços a serem comemorados em algumas unidades da federação. Minas Gerais, por exemplo, há anos vem se destacando no topo do ranking nacional de estados que mais realizam inspeções no setor de agrotóxico. Segundo Marcela Ferreira, da Gerência de Defesa Vegetal do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), órgão responsável pelas fiscalizações de agroquímicos no estado, atualmente existem 991 estabelecimentos comerciais registrados em Minas Gerais. “Em 2016, foram realizadas 4.105 fiscalizações nesses locais. Em 2017, foram 4.535, sendo interditados 7.004 kg e 105.038 litros de agrotóxicos”, informa Marcela. O estado tem 320 servidores que atuam neste tipo de fiscalização, número 77% maior do que no estado de São Paulo. No caso dos estabelecimentos comerciais são verificados controle de estoque, nota fiscal comprovando a origem do produto, receituários agronômicos, disponibilidade de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e se os produtos comercializados são cadastrados no Ministério da Agricultura. “Quanto às propriedades rurais, as infrações mais comuns são o armazenamento inadequado, a não realização da tríplice lavagem e a inutilização das embalagens, além da não devolução

COMO É A LEI HOJE O O texto atual nomeia com o termo “agrotóxicos” os produtos químicos usados no combate a pragas na agricultura. O A análise dos agrotóxicos que podem ser usados é feita por órgãos dos ministérios da Agricultura, da Saúde e do Meio Ambiente.

O As autorizações de registros e análises para novos produtos passarão a ser coordenados exclusivamente pelo Ministério da Agricultura, e não mais de forma compartilhada com a Anvisa e o Ibama. O Redução da burocracia para a liberação de agrotóxicos idênticos ou similares a outras já registrados no país.

O A legislação atual prevê que os órgãos federais devem realizar a avaliação para liberar novos tipos de agrotóxicos em até 120 dias (na prática, varia de cinco a oito anos).

O Os 27 estados e o Distrito Federal não mais poderão restringir a distribuição, comercialização e uso de produtos autorizados pelo governo federal.

O São proibidos pela lei os agrotóxicos que, em pesquisas experimentais com animais, apresentaram substâncias que estão associadas à ocorrência de câncer, de má-formação fetal e de alteração do DNA.

O Criação de registro e autorização temporária para produtos registrados em pelo menos três (dos 37) países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O QUE PODE MUDAR

O O processo de liberação de novos produtos será reduzido para até dois anos.

O Alteração do uso do termo “agrotóxico” para “produto fitossanitário” ou “produto de controle ambiental”.

dos recipientes vazios no prazo estipulado”, destaca a fiscal. O engenheiro agrônomo Décio Karam, da Embrapa Milho e Sorgo, destacou a importância

O O PL prevê a substituição a análise do perigo do agrotóxico por uma avaliação de risco.

de um acompanhamento mais frequente, principalmente do pequeno produtor rural. “É muito comum, durante as visitas de orientação que faze-

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POLÍTICA AMBIENTAL

mos a campo, encontrarmos produtores infringindo a lei, utilizando um mesmo tipo de agrotóxico para várias culturas. Esse é um dos motivos que contribuem para que alimentos avaliados pela Anvisa apresentem contaminação”, ressalta. No caso das embalagens vazias, o descarte na natureza ainda é comum, mesmo o Brasil tendo uma das mais avançadas logísticas reversas de embalagens de agrotóxico do mundo. Dados do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev) apontam que 94% dos recipientes são reciclados. A previsão é que, em 2018, 44,7 mil toneladas sejam recolhidas. Em seu “Dossiê Abrasco – Um Alerta sobre os Impactos dos Agrotóxicos na Saúde”, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva enumera algumas medidas mitigadoras sobre a utilização de defensivos agrícolas. Entre elas, a limitação de uso substâncias altamente tóxicas, a regulação do mercado e da propaganda e

o desenvolvimento de produtos e tecnologias menos perigosas. Também ressalta a importância de intensificar a fiscalização da produção nas indústrias bem como a inspeção de produtos nos pontos de venda, uma vez que há regras quanto à aquisição desses produtos. A compra só pode ser realizada se um engenheiro agrônomo indicar, por meio de receita, qual produto deve ser usado e para qual cultura. Outro ponto importante, ressalta a Abrasco no documento, diz respeito à informação. É importante que o produtor rural seja informado e esteja consciente sobre a forma correta de aplicar o agrotóxico na lavoura (saiba mais no link goo.gl/Q1u7JR), realizar a tríplice lavagem (para assistir ao vídeo produzido pelo Inpev, acesse goo. gl/gWqNXQ), usar os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e dar destinação final adequada às embalagens. Para isso, é fundamental que os trabalhadores rurais sejam capaEm 2012, 70 milhões de hectares de lavouras foram pulverizados por aviões no Brasil, conforme dados da ONG internacional Human Rights

VENENO NA MESA Em 2016, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos de Alimentos (PARA) da Anvisa divulgou o resultado de uma análise de 12 mil amostras de alimentos no Brasil. Dessas, quase 20% foram consideradas insatisfatórias, com concentração superior de resíduos de agrotóxico ao limite permitido ou não autorizada para a cultura. O alimento que mais apresentou potencial de risco agudo (intoxicação em até 24h após o consumo) foi a laranja, com 12,1%.

citados. E a população mais exposta e vulnerável monitorada, com atenção especial à saúde e ao amparo social. ALTERNATIVAS SUSTENTÁVEIS Se por um lado há quem afirme ser impossível garantir o aumento da produção de alimentos sem o uso de agroquímicos, por outro há muitos que defendem o contrário. É o caso da consultora de projetos em agricultura alternativa Flávia Londres, da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA). “Diversas experiências desenvolvidas em todas as partes do mundo comprovam que os sistemas agroecológicos permitem a produção de alimentos em diversidade e quantidade suficientes para abastecer as populações do campo e da cidade. Ao


FOTO: FERNANDA MANN

contrário das monoculturas do agronegócio, que utilizam grandes extensões de terra para a produção homogênea de lavouras, destinadas principalmente à alimentação animal e à indústria, os sistemas agroecológicos combinam a produção de uma diversidade de itens para múltiplos usos, incluindo a alimentação das famílias produtoras e a comercialização”, afirma ela, que é engenheira agrônoma e mestre em Práticas em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Flávia também reforça a necessidade de uma política séria de distribuição de terras por meio da reforma agrária, acompanhada de incentivos para a promoção da agroecologia. “Ela permitiria que um grande número de pequenas e médias unidades de produção garantisse o abastecimento da população com alimentos diversificados e livres de veneno.” O produtor de alimentos orgânicos João Gabriel Fries é um exemplo de como a agroecologia pode ser uma alternativa sustentável à produção sem uso de agrotóxico. Ele tem uma área de 6,4 hectares na região de Rio Manso, a 72 km da capital mineira. Por meio de cultivo em canteiros sucessionais, com diversas espécies consorciadas, as plantas crescem juntas, beneficiando umas às outras. “A partir de um único plantio, colho alimentos de um mesmo canteiro, em diferentes tempos. Temos quase um hectare de área cultivada em sistema agroflorestal, que produz banana, mamão, mandioca, inhame, gengibre, cúrcuma, cana-de-açúcar e vários legumes, cereais e horta-

JOÃO GABRIEL produz alimentos sem agrotóxicos: ecologia orgânica

liças”, afirma. As colheitas são suficientes para fornecer diretamente ao consumidor final 60 kg de alimentos (cerca de 20 pedidos por semana) e para o sustento da família. Na opinião do produtor, dois fatores impedem o crescimento do cultivo de orgânicos no Brasil. O primeiro é a combinação entre a política governamental de subsidiar a agricultura convencional com isenção de impostos sobre agrotóxicos. E incentivos fiscais e crédito para investimento em plantio de espécies agrícolas que são commodities, como milho e soja. “Isso favorece apenas as grandes companhias e latifundiários do agronegócio, em detrimento da agricultura familiar de origem

sustentável e regenerativa”, garante João Gabriel. O segundo fator é a falta de esclarecimento e envolvimento da grande maioria dos consumidores. “Distantes dos locais e das atividades agrícolas, eles seguem pagando baixos preços em alimentos produzidos com uso de produtos químicos nocivos à vida humana e à saúde do planeta, a partir de práticas agrícolas degradantes”, acrescenta. Ele completa: “O que nos conecta é sermos constituídos e sustentados pelos elementos tirados dos alimentos. É preciso conscientizar todos. Afinal, todos nós pagamos o preço da destruição e da contaminação da natureza, que somos nós mesmos”.

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POLÍTICA AMBIENTAL

PL 6.299: ecos do debate A FAVOR “Queremos modernizar, estamos apresentando uma das melhores propostas para o consumidor, para a sociedade e para a agricultura, que precisa dos pesticidas como precisamos de remédios.” Luiz Nishimori, relator do PL 6.299/2002 e deputado federal (PR-PR) O

“Esse terrorismo que está sendo pregado é feito por pessoas que vivem na cidade e que não conhecem a realidade da agricultura. Gostaria que fossem administrar uma propriedade rural por um ano. Certamente, mudariam de opinião.” Valdir Colatto, deputado federal (MDB-SC)

Público, especialmente por parte dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde e do meio ambiente, inviáveis ou desprovidos de adequada fundamentação técnica e, até mesmo, que contrariam determinação constitucional (art. 225, §1°, V).” Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na Nota Técnica Nº 2/2018/CGASQ/CGFIN (Link: goo.gl/rJKc3g)

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“Nós temos tecnologias novas, precisamos de uma legislação nova. Retrocesso é não estar abertos a novas tecnologias.” Evandro Ronan, deputado federal (PSD-RR)

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“Produtores de todo o Brasil estão apoiando o projeto. E isso não tem relação com multinacionais, como alguns sugerem. Estão aqui pelo direito de utilizar as mesmas substâncias que outros países já utilizam para competir de igual para igual no mercado internacional, além de estimular o crescimento da agricultura brasileira.” Luis Carlos Heinze, deputado federal (PP-RS)

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“Encontrei uma informação publicada pela Anvisa, em 2016, onde 99% de 12.051 amostras não contêm resíduos. Precisamos acabar com o mito de que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos. De 2007 a 2017, dos 84 mil registros de intoxicações somente 5% referem-se a agrotóxicos e 43% são por remédios, 0,7% diz respeito a uso. O restante é acidente ou suicídio.” Sergio Souza, deputado federal (MDB-PT) O

CONTRA “Estão sendo propostas excessivas simplificações no registro de agrotóxicos, sob a justificativa de que o sistema atual está ultrapassado e de que não estão sendo atendidas as necessidades do setor agrícola. Mas, uma vez implantadas, tais medidas reduzirão o controle desses produtos pelo Poder O

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“As diretrizes das leis brasileiras atualmente em vigor, que tratam do registro, fiscalização e controle dos agrotóxicos, estão alinhadas com políticas adotadas internacionalmente de proteção à saúde e ao ambiente. O PL 6.299/2002, se transformado em lei, não contribuirá para a disponibilidade de alimentos mais seguros nem para o fortalecimento do sistema regulatório de agrotóxicos, não atendendo, dessa forma, aos interesses de quem deveria ser o foco da legislação: a população brasileira.” Comissão Científica em Vigilância Sanitária (CCVISA), da Anvisa, na Moção Nº 5 (Link: goo.gl/ rU86wH) O

“As medidas propostas no PL representam enormes retrocessos no que se refere à adoção de medidas de proteção ambiental e proteção da vida, ocasionando prejuízos incalculáveis e irreparáveis para a saúde, o ambiente e a sociedade. (...) O PL também tem diversas omissões e ausências, como um sistema de informações que seja acessível para a sociedade em geral e disponibilize informações completas e atualizadas sobre os agrotóxicos comercializados.” Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em nota técnica publicada em seu site oficial (Link: goo.gl/pzRxR5) O

“A homologação é contrária a princípios importantes da administração pública, como a indisponibilidade do interesse público e a indelegabilidade do poder de polícia. Não pode o Estado renunciar aos seus mecanismos de avaliação e controle prévio de substâncias nocivas ao meio ambiente e à saúde, mediante sua substituição por mero ato homologatório de uma avaliação conduzida pelo particular, distante do interesse público.” Ministério Público Federal, na Nota Técnica 4CCR nº 1/2018 (Link: goo.gl/bcgX5B) O


Atentado à infância e à vida Doutora em Geografia Humana e professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Mies Bombardi lançou em 2017 o “Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” (Link: goo.gl/6bDzk8). Trata-se de um levantamento sem precedentes sobre o consumo do agrotóxico no Brasil que levou três anos para ser finalizado. Em entrevista à Ecológico, a pesquisadora alerta para o caos que a aprovação do PL 6.299 pode provocar e aponta dados alarmantes do estudo:

que deveria seria ser preservado. A prática é uma aberração e também acontece ao arrepio da lei. Já é um problema o Brasil permitir a pulverização aérea, e outro ainda maior é o fato de ela não ser fiscalizada. Também há uma demanda por fiscais, que está muito defasada. Em São Paulo, há apenas 72 fiscais para todo o estado. Não há possibilidade alguma de controle...

Como a possível aprovação do PL 6.299 pode potencializar o uso de agrotóxicos e, consequentemente, impactar o meio ambiente e a saúde humana? Qual a situação/posição do Brasil no que diz respeito O PL vai rasgar um pouco do princípio de precaução ao mercado e consumo de agrotóxicos em comparação que há na Lei 7.802/89. E fará isso com a possibilidade com a União Europeia (UE)? de se aprovar, por um período temporário, o registro O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. de agrotóxicos que são autorizados em três países Há estados, como Mato Grosso da OCDE. É o caso de Chile, e São Paulo, em que a média de Turquia e México, que têm uma uso é de 12 a 16 kg por hectare. inserção parecida na economia Na Bélgica, por exemplo, é mundial como a do Brasil e de 2 kg. Cerca de 30% dos não são exemplos bons para se agrotóxicos utilizados no Brasil basear na aprovação de registros são proibidos na UE. E dos 10 temporários de agrotóxicos sem tipos mais usados aqui, dois avaliação. Isso nos vulnerabiliza. são proibidos lá. Um deles é Na atual lei, se um produto o acefato, que passou por um for indicado pela comunidade processo de reavaliação no científica nacional ou internacional Brasil em 2013, mas continua como causador de câncer, másendo autorizado para uso formação fetal ou afete o sistema em culturas como feijão, nervoso, ele pode ser reavaliado amendoim, couve e maçã. e banido. Na nova proposta, se Se compararmos o nível de determinado produto apresentar resíduos permitidos no Brasil LARISSA MIES: "30% dos agrotóxicos usados “risco inaceitável” nesses mesmos no Brasil são proibidos na União Europeia" com os da UE, a diferença é casos, ele pode vir a ser proibido. abissal. Temos dois exemplos emblemáticos. No caso Essa expressão “risco inaceitável” abre uma janela, do feijão, o Brasil permite um nível de resíduo do inclusive jurídica, que não se fecha. Como discutir o que agrotóxico malathion 400 vezes maior do que na Europa. é aceitável ou não do ponto de vista do câncer? Enxergo O outro é o do glifosato, o herbicida mais vendido no com temeridade e espero que isso não aconteça. Brasil. Permitimos um nível de resíduo na soja 200 vezes maior do que na UE. Na água potável, ele é 5.000 Citaria algum dado relevante no que diz respeito à contaminação por agrotóxico no Brasil? vezes maior. Dois dados me chocaram durante o levantamento. E quanto às técnicas de aplicação do agrotóxico? Um deles foi o do número de suicídios envolvendo Na UE, a pulverização aérea é proibida desde 2009. No intoxicações: 40% dos casos notificados são Brasil, grande parte é feita assim. Se a legislação fosse relacionados a pessoas que tentaram suicídio respeitada e a fiscalização mais eficaz, isso jamais ingerindo agrotóxico. Outro foi a faixa etária dos aconteceria. Há um limite de 500 metros de distância intoxicados: 20% são crianças e jovens de até 19 anos. de aglomerações urbanas, escolas e cursos d’água Isso é um atentado à infância e à vida. O

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SOU ECOLÓGICO FOTO: ELOAH RODRIGUES

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QUE BENTO RODRIGUES QUEREMOS NO FUTURO? “É de coração que assino esse documento e essa esperança.” Foi o que declarou, emocionado, Germano Vieira, titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), quando da recente licença ambiental dada pelo Governo de Minas à Fundação Renova, para a construção do aguardado novo distrito de Bento Rodrigues, em Mariana. É de coração, também, a expectativa da Revista Ecológico que, desde a tragédia ocorrida, não apenas reportou as suas graves consequências. Mas, tão importante, a quantidade de soluções sugeridas por uma multidisciplinaridade de atores sociais e institucionais, desde ambientalistas a técnicos e autoridades do setor, para a sua reconstrução diferenciada como um exemplo de construção sustentável. Reconstruir localidades, tais como tradicionalmente elas eram em seus espaços físicos e afetivos, Minas sabe fazer. E bem feito, vide os exemplos de sucesso que a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) implantou em Nova Ponte e Irapé, onde suas populações tiveram de se mudar (e para melhor), por causa do alteamento das barragens de captação d'água. 38 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

A pergunta que não quer calar é: os moradores de Bento Rodrigues ganharão tão somente um novo povoado? Ou, mais além, o mesmo e saudoso distrito, porém edificado sob a ótica da sustentabilidade, com energia solar, lâmpadas de LED, pisos e paredes de bloquetes feitos com a própria lama de rejeitos, fiação subterrânea, mais arborização do que havia antes, lixeiras em todos os quarteirões, praças e jardins, bancos com encostos para a terceira idade, sistemas de reúso de água e sanitários econômicos? Como bem apontou o ex-ministro do Meio Ambiente e conselheiro da Revista Ecológico, José Carlos Carvalho, em artigo publicado no jornal O Tempo, intitulado “A solução do Rio Doce”, a Fundação Renova tem todo o respaldo e governança para isso. Inclusive, a participação doravante mais inclusiva dos atingidos no processo decisório. O novo Bento Rodrigues, enfim, será o velho Bento ou o Bento de um futuro exemplar, economicamente viável, ambientalmente correto e socialmente mais justo, que é o outro nome da sustentabilidade que todos sonhamos? Com a palavra, a Fundação Renova, a Prefeitura de Mariana e os moradores ainda em transe do antigo distrito.


Acesse o blog do Hiram:

hiramfirmino.blogspot.com

Será no novo Espaço de Eventos da Unimed, na capital mineira, com capacidade para até 350 pessoas, a solenidade da nona edição do Prêmio Hugo Werneck de Sustentabilidade & Amor à Natureza, já com data, tema e trilha sonora previstos: dia 20 de novembro, logo após as eleições, sob o tema "A Sustentabilidade na Floresta, no Campo e na Cidade - De Chico Mendes a Chico Bento”. A música escolhida é “O Céu de Santo Amaro”, de Flávio Venturini, gravada em dueto com Caetano Veloso. A proposta da premiação ambiental, este ano, é retratar os avanços da ecologia rural. Desde o assassinato de Chico Mendes, há 30 anos atrás, por defender a Floresta Amazônica. Até a criação do personagem de quadrinhos Chico Bento que, junto da Turma da Mônica, desde a ECO/92 no Brasil, já cresceu, se formou em Agronomia para ajudar a melhorar a qualidade de vida de seus pais na roça, tornando o campo e a cidade onde vivem mais sustentáveis. Não à-toa e com

FOTO: IEF/IBAMA/DIVULGAÇÃO

O "Céu de Santo Amaro" em BH

MAURICIO DE SOUSA com o menino Kremba, filho do indigenista Ailton Krenak, o ex-ministro de Meio Ambiente José Carlos Carvalho e o prefeito de Nova Lima, Vitor Penido, no lançamento do “Óia o Chico” em BH

justiça, o homenageado este ano, a exemplo do fotógrafo-ambientalista Sebastião Salgado em 2017, será o famoso cartunista Maurício de Sousa, que em uma de suas aparições em terras mineiras, mais precisamente em 19 de dezembro de 2002, lançou a Campanha “Óia o Chico”, do Ibama e IEF, de recuperação do Rio São Francisco. As indicações e inscrições podem ser feitas gratuitamente pelo site premiohugowerneck.com.br.

O colega J.D. Vital (foto) não deve estar nada alegre com as últimas notícias sobre “Os cedros de Deus”, símbolos naturais do Líbano. Em excelente artigo publicado na edição 100 da Ecológico (leia mais em www.souecologico.com), ele mostrou como beleza, história, religião e resiliência podem florescer juntos mesmo onde chove pouco e a natureza é hostil. Agora, o último painel da ONU sobre Mudanças Climáticas revelou que essas árvores milenares também estão sendo afetadas drasticamente pelo aquecimento climático. Só não estão morrendo precocemente por falta de água e frio, aquelas ainda sobreviventes nas altitudes maiores, acima das nuvens e mais perto do céu. Ou do próprio Deus, como os libaneses sempre as veneraram.

FOTO: CARLOS ALBERTO PEREIRA

A lembrança de Vital

Pesar verde A eventual ocupante do cargo de Secretária de Assuntos Institucionais e Comunicação Social da PBH continua discriminando a imprensa verde da capital.

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (5)

NALDO, cacique dos Tembés: o processo de reconhecimento das terras indígenas durou mais de 40 anos

AMAZÔNIA

EM TRANSE QUINTO EPISÓDIO DA SÉRIE “O AMBIENTALISTA”, SOBRE Í Õ A TENSA RELAÇÃO DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS, EXPÕE ENTRE ÍNDIOS E BRANCOS DESDE O DESCOBRIMENTO. GUARDIÕES E OLHEIROS DA FLORESTA, OS INDÍGENAS ATUAM COMO PARCEIROS ESSENCIAIS DO IBAMA NO COMBATE AO DESMATAMENTO 40 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018


Neylor Aarão

P

ara chegar à aldeia dos índios da etnia Tembé, segui primeiro até Capitão Poço, uma das cidades fundadas para integrar e “ocupar” a Amazônia, a cerca de 260 km de Belém, no Pará. Desde o descobrimento do Brasil, já havia conflito entre índios e colonos. E ele se mantém até hoje, em pleno coração da Floresta Amazônica, por um motivo ainda latente: a ocupação de terras. Maria Paulina, mãe do cacique da aldeia, Naldo, relembra os tempos antigos. Conta que os Tembés, etnia herdeira da tradição e da língua Tupinambá, costumavam se reunir à noite para contar e ouvir histórias da tribo. As crianças não se misturavam aos adultos, ficavam por perto, brincando. “A gente passava a noite conversando, fazia fogueira, comia mingau de milho e de arroz. Ninguém comprava nada fora, carne de boi ou outras coisas. Tudo vinha do mato. A gente mesmo caçava e pescava.” Os tempos, ela descreve, eram de fartura, com muitos peixes no Rio Guamá e no igarapé. “A gente nem sabia que existia frango de granja.” Cláudio Tarumbé, da mesma aldeia, é outro a relembrar os tempos em que tudo vinha do mato. “Não tinha como ir comprar nada na cidade. O nosso café da manhã era um caldo de caça e tinha também comida moqueada (feita em grelhas de madeira). Acho que, por isso, a gente tinha mais saúde. Era difícil alguém adoecer e os mais velhos custavam a morrer. Hoje não. A gente tem açúcar, café, sabão e outras coisas. Mas, por outro lado, temos também mais doenças.”

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CARRO da Funai queimado durante um dos conflitos: na década de 1960, a própria fundação incentivou fazendeiros a "avançarem" sobre terras indígenas

A parteira Francisca dos Santos diz que a maioria da tribo só recorre a remédio de farmácia depois de ser “medicada” por ela. “Primeiramente, eles vêm aqui. Se eu não der jeito, aí eles saem e buscam recurso fora.” Andando pela região, é fácil perceber que boa parte da floresta só está preservada graças à presença desses povos nativos. Eles têm papel fundamental em sua preservação, cuja dinâmica e equilíbrio ecológico estão diretamente associados às mudanças climáticas ocorridas no planeta. Pesquisador-sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Paulo Barreto explica que o desmatamento na região é um problema histórico. Mas se agravou bastante em

razão da “estratégia” de ocupação liderada pelo governo federal, na década de 1970. “A partir de então, houve uma aceleração do desmatamento que era, inclusive, incentivado pelo governo. Se alguém desmatasse uma área, ganhava terreno equivalente ao dobro dela. Para ganhar 100 hectares, bastava desmatar 50”, compara. TENSÃO HISTÓRICA Os Tembés e outros povos indígenas habitam o litoral da Amazônia desde o início da colonização portuguesa. “Era preciso proteger o litoral e também agenciar mão de obra escrava. Diante dessas necessidades, consolidou-se o processo conhecido como descimento: os colonizadores entravam nas aldeias e capturavam os índios para serem escravizados”, relata Ivânia Neves, mestre em an-

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OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (5)

FOTO: RICARDO STUCKERT / ABR

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DURANTE a construção de Usina de Belo Monte, no Pará, tribos indígenas invadiram o canteiro de obras e foram até Brasília (DF) protestar contra a polêmica obra

tropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Desde então, a relação entre Tembés e brancos, naquela região, é marcada pela tensão. Incentivados pela própria Fundação Nacional do Índio (Funai), criada em 1967, e pelo governo militar, fazendeiros “avançaram” sobre terras indígenas. “Hoje, embora os Tembés já tenham ganhado na Justiça o direito de reaver suas terras, boa parte delas está ocupada por posseiros, colonos e até mesmo traficantes de drogas”, ressalta Ivânia. “Antes, tudo isso aqui perto da gente era mata. Tinha canto de ave, muito guariba (macaco) e também onça urrando à noite. Agora, você não vê nada disso mais, porque o branco veio e destruiu tudo”, lamenta Cláudio Tarumbé. As violações aos direitos dos in42 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

dígenas são graves na região, conforme destaca o procurador da República Daniel Azeredo Avelino. “Avançamos razoavelmente bem na demarcação, mas, no que se re-

"Antes, tudo isso aqui perto da gente era mata. Tinha canto de ave, muito guariba (macaco) e também onça urrando à noite. Agora, você não vê nada disso mais, porque o branco veio e destruiu tudo." Cláudio Tarumbé, indígena

fere à efetivação das demarcações, várias terras ainda são alvo de furtos de madeira, inclusive com ameaça à vida dos índios.” Há também muitas terras indígenas ainda não totalmente desocupadas, situação que se soma ao impacto de grandes empreendimentos previstos para a região Oeste do Pará. Entre eles, a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, aumentando a pressão tanto sobre a natureza quanto sobre as comunidades locais. “Isso sem contar a histórica falta de assistência em relação à saúde e educação”, pontua o procurador. E nesse contexto da demarcação de terras indígenas é impossível não avaliar o papel da Funai. Em campo, a impressão que se tem é que a fundação simplesmente “parou” no tempo. Mas o coordenador-técnico da Funai, Juscelino Bessa, defende as políticas em be-


PARCERIA E SOLIDARIEDADE Cacique dos Tembés, Naldo afirma nunca ter visto um processo de reconhecimento de terras demorar tanto. “Foi uma eternidade, levou 40 anos. Isso custa uma vida inteira, com muitos confrontos pra gente conseguir marcar posição. Hoje, somos considerados os indígenas mais complicados de se conversar. Mas não vemos as coisas assim; sentimos que estamos brigando pelo que é nosso direito. Se é um direito, por que não é cumprido e respeitado?”, questiona. Na companhia de alguns Tembés, eu visitei uma área invadida que foi, posteriormente, reintegrada à aldeia. “Eles (os invasores) financiavam munição, bebida e carne para juntar multidão e confrontar a gente. Hoje, uma parte dessas pessoas reconhece que nós merecemos essas terras. Também prestamos solidariedade a eles, mostrando quem somos. Não temos condição de ficar brigando todo santo dia e vivendo nesse inferno, para defender o que é nosso”, desabafa Naldo. A saída encontrada pelo Tem-

FOTO: DIVULGAÇÃO

nefício dos índios e cita avanços em relação à demarcação. Segundo ele, em um país de dimensões continentais como o Brasil, a Funai conseguiu regularizar 13% de seu território como terras indígenas. “Não há exemplo similar no mundo. Nenhum outro país teve a preocupação de assegurar terras e tempo necessário para os índios entenderem todos os processos e códigos da nossa sociedade. Além, ainda, de terem condições de se defenderem. A Funai nunca teve apoio de qualquer governo. Sempre trabalhamos marginalmente.”

VISTA AÉREA da Fazenda Mejer: parceria com colonos pôs fim aos conflitos

bés foi fazer uma parceria com colonos. Isso permitiu aproveitar de forma produtiva a área que havia sido invadida, com índios e posseiros trabalhando juntos na criação de gado. Ralfemarlon Oliveira, um dos responsáveis pela Fazenda Mejer, conta que a parceria encerrou os conflitos. “Graças a Deus, está tudo tranquilo. Não teve mais nenhum conflito entre índio e

Para monitorar a floresta, os índios usam rádiotransmissores. Eles são fixados em árvores para captar os sons da mata. Os dados são transmitidos via internet, indicando hora e local das invasões

colono. Colono sabe que a área é deles e vem respeitando.” FLORESTA MONITORADA Na companhia do cacique Naldo também conheci as tecnologias que os índios usam para monitorar a floresta. Radios-transmissores fixados nas árvores captam os sons da mata com raio de alcance de até 2 km. Os dados registrados são transmitidos via internet, indicando hora e local das ocorrências de invasão à floresta. O sistema é útil, por exemplo, para captar sons de motosserras em ação. “A gente fica sabendo de tudo. É bom também, porque assim a polícia não pode dizer que estamos mentindo. As denúncias ficam todas registradas. Só que a Justiça não está agindo”, reclama Naldo. Enquanto o desmatamento segue, os índios relatam que o clima na região está mais seco. As oscilações climáticas são recentes, segundo eles, e claramente percebidas no dia a dia. “Com certeza está muito mais quente. Antes, era bem fresquinho mesmo. Hoje,

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JULHO/AGOSTO DE 2018 | ECOLÓGICO O 43


OS MAIORES CRIMES AMBIENTAIS DO BRASIL (5)

a gente fica até agoniado com o calor”, relata Cláudio Tarumbé. “A floresta é carbono, a estrutura da árvore também. Quando há queimada, ocorre a emissão do gás carbônico, que se concentra na atmosfera, provocando o aquecimento global. Essa é uma preocupação crescente. Hoje se fala mais em perda de floresta por causa de gás carbônico do que por biodiversidade. A temperatura de fato aumentou”, salienta Paulo Barreto, do Imazon. Um ponto positivo no processo de controle do desmatamento, segundo Barreto, foi a criação de áreas protegidas, que incluem unidades de conservação, como parques e reservas naturais, além de terras indígenas. “O desmatamento nessas áreas é muito menor do que fora delas. Vários estudos comprovam a eficácia dessas unidades”, frisa o pesquisador. “Se não fosse a presença indígena, não teríamos mais floresta. Se já há tanta devastação mesmo com toda a resistência desses povos, imagine sem eles?”, complementa a antropóloga Ivânia Neves. Essa resistência fica ainda mais clara no depoimento de Cláudio Tarumbé: “Vivemos em áreas protegidas, dando nossa vida para preservar a floresta. Mesmo com os impactos ambientais e essa questão de mudança climática, a gente nota que valeu a pena o nosso esforço de defender tudo aqui.” Do ponto de vista acadêmico, são muitos os estudos que atestam a importância dos povos indígenas como ‘barreira’ ao desmatamento. Graças ao profundo conhecimento do ecossistema florestal, eles precisam deixar 44 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

DESCOBERTA ESTARRECEDORA “Muitos dizem que índio não trabalha, é preguiçoso, só serve para fazer bagunça e ficar pedindo coisas. Não é verdade. Aprendi isso em 2014. Em fevereiro daquele ano, cerca de 40 caiapós, pintados para a guerra e armados até os dentes, invadiram a sede do Ibama. Vieram aqui reclamar que estavam sendo acusados de desmatar, mas afirmaram que quem estava fazendo isso eram os madeireiros. Três meses depois, eu e uma equipe tática do Ibama, fortemente armada, chegamos à região de Castelo dos Sonhos, distrito de Altamira. Lá, encontramos um sistema de rádio entre as aldeias, usado para monitorar as áreas indígenas e a ação dos madeireiros. Em três dias, desmontamos cinco acampamentos. E descobri algo estarrecedor: os desmatamentos e acampamentos indicados pelos índios não constavam nos sistemas de alertas dos nossos satélites. Se criarmos uma forma de remunerar os índios por protegerem a floresta, começaremos a

de ser vistos como empecilho ao desenvolvimento. E passarem a ser reconhecidos como verdadeiros guardiões e peças-chave na promoção do uso equilibrado das florestas. Afinal, o avanço na demarcação e proteção dos territórios indígenas está diretamente relacionado ao nosso sucesso – ou fracasso – na luta pela preservação da Floresta Amazônica e no combate ao aquecimento global. O

FOTO: DIVULGAÇÃO

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"O ESTADO brasileiro tem de querer proteger a Amazônia"

resolver o problema do desmatamento. Eu não preciso estar lá, porque o índio está; e ele enxerga melhor do que o satélite. O estado brasileiro tem de querer proteger a Amazônia. De nada adianta eu trabalhar aqui, enquanto grandes forças políticas se empenham em abrir rodovias no meio da floresta. A rodovia, todos sabem, é a espinha de peixe para a ocupação ilegal, a grilagem de terras e o desmatamento.” Luciano Evaristo (foto), diretor de Proteção Ambiental do Ibama

LEIA NA PRÓXIMA EDIÇÃO: Barragens - a tragédia da mineração em Mariana (MG).

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1 BIODIVERSIDADE

ALIANÇA EM PROL DA

EXTINÇÃO ZERO B

oa notícia para o meio ambiente e a conservação de espécies ameaçadas: foi publicada a Portaria Nº 287, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que institui a Aliança Brasileira para a Extinção Zero (BAZE, na sigla em inglês) nas políticas públicas nacionais de proteção da biodiversidade. Inspirada na AZE (Alliance for Zero Extinction), as ações da Aliança Brasileira consistem em identificar e definir os locais – chamados de sítios AZE, em âmbito internacional, e sítios

46 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

BAZE, em nível nacional – que se apresentam como últimos refúgios de espécies ameaçadas de extinção na natureza. Elaborada pelo MMA e pela Biodiversitas, a portaria dispõe sobre normas e diretrizes para a proteção dos sítios BAZE. “O Brasil é pioneiro na criação de um marco legal para os sítios BAZE, o que condiz com sua posição de país megadiverso e onde se identifica também um alto número de espécies em risco de extinção”, afirma Gláucia Drummond, presidente da Fun-

FOTO: ANA LUIZA DRUMMOND

Projeto do MMA coordenado pela Fundação Biodiversitas dá subsídios à portaria que institui a Aliança Brasileira para a Extinção Zero (BAZE) e prioriza a proteção dos seus sítios, últimos refúgios de espécies ameaçadas de extinção

GLÁUCIA DRUMMOND: “O Brasil é pioneiro na criação do marco legal”


dação Biodiversitas, reforçando a importância da iniciativa. A Fundação faz parte do Steering Committee da AZE global e é líder brasileira da BAZE, que reúne a participação e o esforço de outras 16 instituições da sociedade civil organizada. QUANDO SETEMBRO VIER O projeto “Aliança para Extinção Zero: Proteção de Sítios Naturais Insubstituíveis para a Conservação da Biodiversidade Ameaçada”, coordenado pela Biodiversitas com o suporte do GEF

SAIBA MAIS Link para a íntegra da Portaria Nº 287: goo.gl/7AEcDu Para mais informações, entre em contato com a Fundação Biodiversitas: comunicacao@biodiversitas.org.br

FOTO: DIVULGAÇÃO

FOTO: RÔMULO RIBON / ACERVO BIODIVERSITAS

A Mata do Passarinho (foto acima), mantida e protegida pela Biodiversitas, fica na divisa entre Minas e Bahia e é uma das reservas naturais considerada Sítio BAZE

– Global Environmental Facility” –, prevê também o lançamento, em setembro próximo, do “Mapa Revisado dos Sítios BAZE”. Trata-se de um documento que teve sua primeira edição lançada em 2010, voltado apenas para a fauna de vertebrados. A revisão do “Mapa dos Sítios BAZE” tomou como referência a última “Lista Vermelha” oficial da fauna, publicada em 2014, e resultou na identificação de 230 espécies sob ameaça de extinção que dependem de um último refúgio na natureza. Os sítios identificados chegam a 146, sendo que alguns abrigam até 14 espécies. O novo Mapa ampliou o foco para os invertebrados e abrange locais protegidos em Unidades de Conservação (UC) federal, estadual, municipal ou RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural), parcialmente protegidos ou também sítios completamente desprotegidos, identificados em áreas sem nenhum caráter protetivo oficial. Como completa Gláucia, o “Mapa dos Sítios BAZE” serve como um norteador de políticas públicas e privadas para conservação da biodiversidade na medida em que identifica, especialmente, as espécies com lacuna de proteção, acendendo a luz vermelha para áreas críticas. “A publicação da portaria reforça não somente o alinhamento do Brasil às metas globais de redução de perda da diversidade biológica, como amplia as chances de investimento na recuperação dos estoques populacionais de espécies em risco de desaparecer da natureza”. O

FIQUE POR DENTRO

A Fundação Biodiversitas entende que a conservação por meio da proteção de hábitats é uma estratégia bastante eficiente. Ao longo de sua história, a instituição, sediada em Minas Gerais, adquiriu e vem administrando quatro reservas, dedicadas a espécies da fauna sob sério risco de extinção. Das reservas que ela mantém, três são últimos refúgios de espécies ameaçadas de extinção e consideradas Sítios BAZE: ESTAÇÃO BIOLÓGICA DE CANUDOS (Canudos - BA) O Protege a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) RESERVA MATA DO PASSARINHO (Bandeira - MG, divisa entre Minas e Bahia) O Dedicada à proteção do entufado-baiano (Merulaxis stresemanni) - estima-se que restem apenas 10 indivíduos na reserva. RESERVA NINHO DA TARTARUGA (Tombos - MG) O Primeira Reserva Particular dedicada à conservação de uma espécie aquática de água doce no Brasil, o cágado-de-hogei (Mesoclemmys hogei), um dos 25 quelônios mais ameaçados no mundo. Esta área não constava no levantamento feito em 2010.

JULHO/AGOSTO DE 2018 | ECOLÓGICO O 47


1

GESTÃO & TI ROBERTO FRANCISCO DE SOUZA (*) redacao@revistaecologico.com.br

A MÁQUINA DE DEBATER

Q

uando a História começou, longe do tempo da tecnologia, o homem aprendeu a contar casos e ter longas conversas. Trata-se da época em que fomos inventados, reunidos em bandos para combinar estratégias de caça, encontrar água, dissimular a verdade do inimigo. Como as ervilhas de George Mendel (um dos pioneiros no estudo do cruzamento de espécies, o biólogo e professor de ciências naturais austríaco é considerado o “pai da genética”), fomos cruzados, misturados e combinados. E povoamos a Terra. Hoje, a vida é como um plano pós-pago. Dizem que, em 2025, 71% da população já vão nascer conectados... Se não pagamos a conta desse plano, certamente o faremos depois, na eternidade. Mas, enquanto não chega a hora, temos dívidas a acertar por aqui mesmo: nós e as máquinas. Isso mesmo. Nós, humanos, não estamos sós. Em nossa companhia, até os robôs querem debater. Na primeira vez que enfrentaram os homens, vi os dois lados capazes de compilar argumentos a convencer a audiência. Venceu um, venceu outro e, entre vitória e vitória, as ervilhas se lançaram ao ar, confusas a se perguntar: o que será agora? Claro está que já não somos senhores das teses. Nosso fogo sagrado foi roubado. Juízes, professores, políticos e artistas, quais deles estarão a salvo sem favores de uma inteligência experiente, exponente e exponencial? Tudo muda agora! Qual prensa mágica que transformasse em mensagem as ideias dos homens nos há de salvar? Uma vez fomos máquinas de escrever e cedemos a missão aos algoritmos, sempre eles. Estávamos felizes, então. Mas nada disso adianta mais. Rápidos em demasia, os computadores compilam e, porque compilam, formulam e, porque formulam, pensam. Pensam, logo existem! Existem e são capazes de nos enfrentar, não com corpos mutantes de metal brilhante dos filmes do Schwarzenegger, mas com ideias e, formando ideias das coisas que leem de instantâneo. Meu Deus, o que será de nós, que já não lemos poesia e não cremos em versos? Mais uns anos e teremos computadores con48 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

MENDEL foi pioneiro no cruzamento de espécies tando histórias uns para os outros! É onde reside minha esperança. Rubem Alves, em seus escritos, recontou Garcia Marquez e nos ensinou que quem especula de um morto o revive de uma forma que os vivos não podem viver. É fogo que imiscui a alma sem pedir licença. Se agora os autômatos podem debater, quem sabe um dia nós, homens, já não vivamos? Nesta hora, nosso corpo inerte será qual cena de Rembrandt em sua lição de anatomia. Robôs estarão em torno do defunto e se perguntarão: - Quem será que foi? O que fazia? Suas mãos, parece que labutavam. Suas pernas, parece que corriam. Quem será que foi? Com que sonhava? Como na aldeia de Gabriel e Rubem, eles nos enterrarão, afinal. Mas seus programas nunca mais serão os mesmos, sempre se lembrando de quem fomos um dia. O

TECH NOTES O

1. O projeto Debater da IBM https://goo.gl/RSK6zx

2. A aldeia que nunca mais foi a mesma (Rubem Alves e Gabriel Garcia Marquez) https://goo.gl/JoAymt

O

(*) CEO & Evangelist da Kukac Plansis, fundador do Arbórea Instituto.


No 59


1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - LIXO ESPACIAL

Entenda como satélites inativos, restos de foguetes e outros objetos sem função – remanescentes de lançamentos e missões espaciais – estão “congestionando” a órbita terrestre ao longo dos anos, situação que tende a se agravar Luciana Morais redacao@revistaecologico.com.br

D

as montanhas de Minas Gerais literalmente para o espaço. A cidade de Brazópolis, no Sul do estado, integra uma rede de esforços internacionais voltados para o monitoramento de lixo espacial. Nos últimos anos, a quantidade de objetos perdidos aumentou consideravelmente, deixando a órbita da Terra mais próxima de seu limite de saturação e potencializando o risco para voos tripulados e missões de longa duração, como as estações espaciais permanentes. Conforme dados da Agência Espacial Europeia (ESA), em 60 anos de atividade espacial no mundo, mais de 5 mil lançamentos deixaram a órbita da Terra repleta de dejetos. Entre eles estão satélites inativos, partes de foguetes, pe-

50 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

ças de espaçonaves e outros artefatos remanescentes de missões e lançamentos espaciais, totalizando cerca de 7,5 mil toneladas de lixo orbital. Cerca de 50 países operam satélites próprios ou compartilhados, com a liderança dos Estados Unidos, seguidos por Rússia e França. Com 12 satélites ativos, o que corresponde a 0,95% do total de objetos lançados pelos EUA, o Brasil não é um grande gerador de detritos no espaço. Ainda assim, o país tem status de “estado lançador” e, portanto, é responsabilidade da Agência Espacial Brasileira (AEB) registrar tais objetos para contabilizar possíveis impactos ambientais.

Satélite artificial: dispositivo desenvolvido pelo homem e colocado no espaço, em órbita da Terra ou de outros corpos celestes, e geralmente destinado a investigações científicas.

LANDSAT (Land Remote Sensing Satellite): – satélites desenvolvidos para fazer o levantamento dos recursos naturais da Terra, cuja série teve início em 1972. É o único recurso para investigação das alterações globais, com aplicações na agricultura, cartografia, geologia, planejamento florestal, regional, vigilância, educação e segurança.


FIQUE POR DENTRO

O Há pouca chance de a queda

de rejeitos espaciais acarretar consequências em terra firme. Primeiro, porque as terras emersas representam apenas 29% da superfície terrestre. Segundo, pelo fato de esses objetos serem, em sua maioria, incinerados durante a trajetória descendente (entrada na atmosfera). O Ainda assim, se não houver

esforço de redução desse tipo de sucata espacial, em poucas décadas será inviável o uso da órbita baixa da Terra para a operação de satélites de sensoriamento remoto e meteorologia. ESTIMA-SE que cerca de 7,5 mil toneladas de lixo espacial orbitam a Terra

cional de Astrofísica (LNA), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, e a Agência Espacial Russa (Roscosmos). O resultado foi a instalação, em abril do ano passado, de um telescópio russo dedicado ao rastreamento e ao monitoramento de lixo espacial. O equipamento fica no Observatório do Pico dos Dias (http://lnapadrao.lna. br/OPD), entre os municípios de Brazópolis e Piranguçu, a 1.864 metros de altitude, e distante 450 quilômetros de Belo Horizonte, com acesso pela MG-295. Tendo o LNA como parceiro no Hemisfério Sul – disponibilizando o espaço e sua infraestrutura para o telescópio – a Roscosmos, que opera um equipamento semelhante na Rússia, consegue localizar detritos com maior precisão. Após a obtenção das coordenadas do lixo espacial, os dados são enviados à ESA e à Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), onde são registrados

em um catálogo internacional. As informações registradas são úteis, por exemplo, no caso do lançamento de novos satélites, que já são programados para evitar rotas que tenham detritos espaciais. Desde a sua instalação, o telescópio do Observatório do Pico dos Dias vem mapeando entre 500 e 800 rejeitos espaciais por noite. GRANADA DE MÃO Além do monitoramento óptico, estudos publicados no Brasil também contribuem para mitigar o problema do aumento do lixo espacial em órbita. Vale ressaltar, nesse contexto, as pesquisas com foco no cálculo de propagação desses detritos. Especialistas que atuam em universidades brasileiras vêm desenvolvendo ainda projetos com o intuito de prever, com bastante antecedência, possíveis colisões. Os detritos viajam no espaço em velocidades alucinantes, oscilando entre 27 mil e 54 mil quilômetros por hora! Para se ter uma ideia, nessas condições, um objeto de 1 cm de diâmetro, caso

O A Agência Espacial Europeia

(ESA) vem estudando vários métodos para “limpar” a órbita da Terra. Eles serão reunidos em um programa de remoção de lixo espacial – com o uso de satélite caçador, equipado com braço robótico e arpão – que deverá ser lançado em 2023. O A primeira colisão entre dois

satélites de comunicação foi registrada em 2009. Um deles russo (Cosmos 2251) e o outro norte-americano (Iridium 33). Só nesse episódio foram gerados mais de 2 mil fragmentos de lixo espacial. Atualmente, estimase que ocorra uma colisão de objetos a cada cinco anos.

ocorra uma eventual colisão com outro artefato, gera energia comparável à explosão de uma granada de mão. E mais: a 28 mil km/h, objetos dão uma volta na Terra em apenas 90 minutos. Além disso, fragmentos espaciais entre 1 cm e 10 cm têm potencial para danificar seriamente satélites ativos, equipamentos que são essenciais para a eficiência de serviços de navegação, telecomunicações e de observação da Terra.

2

JULHO/AGOSTO DE 2018 | ECOLÓGICO O 51


1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - LIXO ESPACIAL

OBSERVATÓRIO do Pico dos Dias, entre os municípios de Brazópolis e Piranguçu, no Sul de Minas

FORMAS DE MONITORAMENTO Há duas formas de monitorar o lixo espacial, os chamados métodos ativos e passivos: O uso de um radar é exemplo de método ativo. É mais caro. No entanto, bem mais eficiente, pois envolve sistemas de eco de alta potência, podendo atingir distâncias consideráveis. Funciona assim: um feixe de ondas de rádio é emitido e se detecta seu eco. Com base no tempo que as ondas levam para serem refletidas, podese saber onde o objeto está e qual o seu tamanho. Tem alta eficiência e precisão, permitindo detectar objetos com centímetros de dimensão. O rastreamento também é possível ao se usar reflexão por feixe de laser, sendo esse outro método ativo.

A)

Um exemplo de método passivo é o óptico. Envolve o uso de telescópios que observam objetos movendo-se contra o fundo do céu, quando esses são iluminados pelo Sol. Apresenta limitações em relação ao tamanho do objeto que pode ser detectado e pelo fato de precisar que o Sol o ilumine, mas tem significativa eficiência e serve ainda como checagem da base de dados dos objetos ativamente detectados.

B)

52 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

CONTEXTO HISTÓRICO A chamada “corrida espacial” teve início nos anos 1950/60 e foi liderada, respectivamente, pela então União Soviética e pelos Estados Unidos. O pano de fundo foi a disputa ideológica entre essas duas potências, conhecida como Guerra Fria, com a consequente corrida armamentista para obtenção de mísseis intercontinentais capazes de atingir o adversário. A partir daí, surgiu o interesse comercial, com satélites para uso nas telecomunicações. E, em seguida, sondas de grande porte destinadas à exploração científica do Sistema Solar. Simultaneamente, surgiram ainda as estações espaciais, como laboratórios orbitais de longa duração. O Sputnik (foto), lançado em 1957, foi o marco da exploração do espaço pelo homem e o primeiro de uma família de 10 satélites.


FOTO: DIVULGAÇÃO

QUATRO PERGUNTAS PARA...

AMAURY A. ALMEIDA Doutor em astronomia e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP)

INCIDENTES SÃO ESPORÁDICOS

Qual é a região do espaço com a maior concentração de lixo espacial e por que isso ocorre? A região com maior concentração, cerca de 40%, é a faixa que vai de 800 km a 1.400 km de altitude. Isso ocorre porque ela também é usada para satélites de sensoriamento remoto e meteorologia. Qual é o ranking de países que mais geram lixo espacial? É possível calcular seus respectivos volumes? O ranking dos seis maiores geradores é o seguinte: Estados Unidos, Rússia, França, China, Japão e Índia. No entanto, não é possível avaliar os seus respectivos percentuais. Podemos afirmar que há um “congestionamento” no espaço? Qual o percentual de contribuição do lixo espacial para essa situação e quais são as outras

Nós apoiamos essa ideia!

causas e/ou origens? Sim. Podemos afirmar que há “congestionamento” no espaço, devido aos detritos espaciais, que são os responsáveis diretos por essa situação. E ela se agrava muito quando há a colisão entre dois desses objetos, gerando milhares de outros fragmentos menores. Além disso, temos cerca 1.200 satélites que ainda estão funcionando. Há estatísticas sobre a ocorrência de incidentes com lixo espacial no Brasil? Eles representam riscos para as pessoas? Não há estatísticas disponíveis sobre a ocorrência de incidentes dessa natureza no território brasileiro, porque esses eventos são muito esporádicos, geralmente incinerando o objeto antes do seu impacto com o solo. Portanto, esses incidentes, felizmente, representam muito pouco risco para as pessoas. O


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ENCARTE ESPECIAL (VII)

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FOTO: VITOR S. BORGES

O VIÉS MÉDICO NA LITERATURA DE

Guimarães Rosa


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ENCARTE ESPECIAL (VII)

Doenças psiquiátricas Parte 1

Eugênio Goulart redacao@revistaecologico.com.br

C

om a sensibilidade que possuía, além da percepção apurada sobre as nobres atitudes e as misérias da condição humana, Guimarães Rosa vivia à beira da própria loucura, segundo vários estudiosos. Ele mesmo assumia esse risco, ao confessar, na fala de Riobaldo: Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Problemas psiquiátricos, dúvidas existenciais, instintos incontroláveis, alucinações e surtos psicóticos estão constantemente presentes em seus personagens. Como, por exemplo, no monólogo de Riobaldo, na história trágica de Maria Mutema, nas visões do Chefe Zequiel, no deslumbramento da mãe e filha do Soroco, nas profecias do Nominedômine, na excitação maníaca e delírios em Darandina, e na decisão irredutível do pai em “A terceira margem do rio”. Já em “Sagarana”, no conto “São Marcos”, com todos os detalhes é descrita uma alucinação, decorrente de uma feitiçaria encomendada pelo injuriado João Mangolô. Quem mandou o moço, novo na região, debicar de um feiticeiro? A linguagem de Guimarães Rosa não é simples, e, como ele mesmo disse, tem que ruminar para captar todas as mensagens. Valem como exemplos os dois críticos parágrafos iniciais do conto “São Marcos”: Naquele tempo eu morava no Calango-Frito e não acreditava em feiticeiros. E o contra-senso mais avultava, porque, já então - e excluída quanta coisa-e-sousa de nós todos lá, e outras cismas corriqueiras tais: sal derramado; padre viajando com gente no trem; não falar em raio; quando muito, e se o tempo está bom, “faísca”; nem dizer lepra; só o “mal”; passo de entrada com o pé esquerdo; ave de pescoço pelado; risada renga de suindara; cachorro, bode e galo, pretos; e, no principal, mulher feiosa, encontro sobre todos fatídico; porque, já então, como ia dizendo, eu poderia confessar, num recenseio aproximado: doze tabus de não-uso próprio; oito regrinhas ortodoxas preventivas; vinte péssimos presságios; dezesseis casos de batida obrigatória na madeira; dez outros exigindo 56 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

a figa digital napolitana, mas da legítima, ocultando bem a cabeça do polegar; e cinco ou seis indicações de ritual mais complicado; total: setenta e dois noves fora, nada. Novamente, nesse texto, uma referência de passagem à hanseníase, o “mal de Lázaro”. A expressão “risada renga” pode ser interpretada como um som de tecido sendo rasgado, e “suindara” é a coruja grande que vive em grutas e casarões velhos, que tem a injusta fama de agourenta. Nesse mesmo conto do livro “Sagarana”, mais um exemplo de que se deve respeitar as artes ocultas, em um parágrafo recheado de referências a doenças, além de termos relacionados à Medicina: [...] não era topada, nem estrepe, nem sapecado de tatarana, nem ferroada de marimbondo, nem bicho-de-pé apostemado, nem mijacão, nem coisa de se ver... Não tinha cissura nenhuma, mas a mulher não parava de gritar, e... qu’é de remédio?! Nem angu quente, nem fomentação, nem bálsamo, nem emplastro de folha de fumo com azeite-doce, nem arnica, nem alcanfor!... Aí, ela se lembrou de desfeita que tinha feito para a Cesária velha, e mandou um portador às pressas, para pedir perdão. Pois foi o tempo do embaixador chegar lá, para a dor sarar, assim de voo... “Apostemado” significa uma lesão infectada, que acumulou pus; “mijacão” é a denominação popular para a micose dos dedos dos pés, provavelmente um nome relacionado à crença de que seria provocada pelo contato com a urina de animais; “cissura” é um termo médico para um corte na pele; “bálsamo” e “alcanfor” são medicamentos naturais obtidos de plantas e utilizados para diversas finalidades curativas. As questões relacionadas ao comportamento humano estão espalhadas por toda a obra rosiana. Ainda no Sagarana, no conto “Corpo fechado”, é utilizada a palavra “neurastênico” como sinônimo de irritadiço, irascível, para se referir a um mora-


dor furioso por ter sido acusado falsamente de ter escrito um poema vulgar: E, como prova, exibiu e leu, muito digno e neurastênico, a sua última produção [...] Já no conto “São Marcos”, do mesmo livro, a palavra é empregada novamente para descrever um animal mal humorado: [...] se equilibrava em cima dos saltos arqueados de um pangaré neurastênico. No conto “O Recado do Morro”, do livro “No Urubuquaquá, no Pinhém”, o personagem Gorgulho recebe uma mensagem do Morro da Garça. Se a mensagem é fictícia, o morro não é, pois Rosa descreve os diálogos, pensamentos e detalhes do caminho de uma comitiva de cinco pessoas a cavalgar na região do Morro da Garça. O morro é real, e Rosa teve a preocupação de d detalhar etal et a ha al h r geograficamente o trajeto, situado do próximo a Cordisburgo. Quem m era o Gorgulho? Guimarães Rosa a assim o descreve: Quem? Um velhote grimo, esquiisito, que morava sozinho dentro o de uma lapa, entre barrancos e grotas - uma urubuquara - casa de urubus, uns lugares com pedreiras. O nome dele, de verdade, era Malaquias. [...] Tinha um surrão a tiracolo, e se arrimava em bordão ou manguara. Como quase todo velho, andava com maior afastamento dos pés; mas sobranceava comedimento e estúrdia dignidade.

[...] Refalava: “... No ermo onde fortifiquei meus dias de jejum maior, num recampo de gados, veio um anjo mandado, um anjo papudo e idiota - mais do que assim eu não mereci... Ele mesmo me confirmou e me disse do aspecto do fim grave. Me escutem!” Em mais uma imagem médica, no texto anterior Rosa escreveu sobre um anjo “papudo e idiota”, o que significa que certamente sofria de hipotireoidismo. O papo, ou bócio, era muito frequente no interior mineiro devido à carência de iodo. No livro “Noites do Sertão”, no conto “Buriti”, há a descrição de um caso típico de paranoia, já que o personagem Chefe Zequiel apresenta um quadro dellír írio io o crônico. crô ôni n co co. Entretanto, En de delírio como é característica dessa ti des esssa a psicose psi s co c se e em e suas manifestações mais tica b an br anda das, s,, não não mostra mosstr t deterioramento de outras brandas, funç fu nççõe õess do intelecto, int n el e ec ecto t como as relações afetivas e to funções ra aci cio ocínio oc ín nio i : o raciocínio: Chef Ch efee Zequiel, ef Z O Chefe ele pode dizer, sem errar, qu ual a é qualquer qua ual qual ruído da noite, mesmo o ma aiss ttênue. ênue ên u . ““É bem. Ele há de estar ouvindo, ue mais eesstá á lá lá no moinho, m está deitado mas acordado, n itte inteira, no i te in a noite coitado, sofre de um pavor, nã n ão te em repouso. Quem sabe, na cidade, não tem a gu al um doutor não achava um reméalgum diio para p pa dio ele, um calmante?”

- Que que disse? Del-rei, ô, demo! Má-hora, esse Morro, ásparo, só se é de satanaz, ho! Pois-olhe-que, vir gritar recado assim, que ninguém não pediu: é de tremer as peles... Por mim, não encomendei aviso, nem quero ser favoroso... Del-rei, del-rei, que eu cá é que não arrecebo dessas conversas, pelo similhante! Destino, quem marca é Deus, seus Apóstolos!

Ch h Chefe Zequiel sempre pressentia um u inimigo à espreita, não dortia m a, escutando “minhocas dentro mi mia, te da terra”. Ou seja, sofria de uma doen do en nça ça caracterizada c doença por uma suspe eit i a exagerada e ag ex ager er peita e injustificada, que pode s agravar agr grav avar av ar progressivamente, pro ogr g es essiiva va se como era o seu caso. Todavia, fora isso, também como parte do quadro clínico da paranoia, “era cordo, regrado, como poucas pessoas de bom juízo”. No “Grande Sertão: Veredas” é relatada pelo jagunço Jõe Bexiguento, que pelo apelido provavelmente tinha cicatrizes de varíola, a história de Maria Mutema, que assassinara o marido e em seguida levara propositalmente o padre do vilarejo a morrer de desgosto, devido a um persistente assédio sexual, todavia, insincero:

No mesmo conto, outro personagem com problemas psiquiátricos é Nominedômine, andarilho da região, misto de beato e faquir, sempre a apregoar o apocalipse: - Às almas, meus irmãos! O fim do mundo, mesmo, já começou, por longes terras. E vem vindo... Olha os prazos! Vamos rezar, vamos esquentar, vamos ser! Bons jejuns... Alerta - às almas!...

- Que tinha matado o marido, aquela noite, sem motivo nenhum, sem malfeito dele nenhum, causa nenhuma -; por que, nem sabia. Matou - enquanto ele estava dormindo - assim despejou no buraquinho do ouvido dele, por um funil, um terrível escorrer de chumbo derretido.

O Gorgulho, apressadamente, tenta explicar aos demais o que o morro insistentemente lhe dizia, mas sua fala somente era compreensível a si próprio:

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JULHO/AGOSTO DE 2018 | ECOLÓGICO O 57


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ENCARTE ESPECIAL (VII) Ao ter seus segredos descobertos por outro padre - que tempos depois visitou o lugarejo -, Maria Mutema confessou os dois crimes, “clamando seu remorso, pedia perdão e castigo”, e nunca soube explicar seu feito. Como é comum acontecer, de uma atitude inicial de desprezo e ódio, o povo do lugar passou a reverenciá-la, procurando justificativas para os seus atos, tocado que foi pelos apelos angustiados de Mutema. Riobaldo filosofa inúmeras vezes em seu monólogo e é particularmente sensível aos distúrbios da mente. Na realidade, é o próprio Guimarães Rosa expondo suas poucas certezas e muitas dúvidas: Como deu uma moça, no Barreiro-Novo, essa desistiu um dia de comer e só bebendo por dia três gotas de água de pia benta, em redor dela começaram milagres. Mas o delegado-regional chegou, trouxe os praças, determinou o desbando do povo, baldearam a moça para o hospício dos doidos, na capital, diz-se que lá ela foi cativa de comer, por armagem de sonda. Tinham o direito?

"Hoje, que penso, de todas as pessoas Sô Candelário é o que mais entendo. Doido, era? Quem não é, mesmo eu ou o senhor?"

E, ainda no livro “Grande Sertão: Veredas” há o relato de Riobaldo, em um momento de menos sisudez com os companheiros jagunços, quando conta um caso que também poderia ser diagnosticado como paranoia: Assim a eles eu disse. Tanto enquanto riam, apreciando me ouvir, eu contei a estória de um rapaz enlouquecido devagar, nos Aiáis, não longezinho da Vereda-da-Aldeia: o qual não queria adormecer, por um súbito medo que nele deu, de que de alguma noite pudesse não saber mais como se acordar outra vez, e no inteiro de seu sono restasse preso. Riobaldo Tatarana, mais uma vez, é Guimarães Rosa falando pela boca de outro personagem, ao relatar sua insatisfação com o cotidiano, sua busca por uma razão de viver que fizesse mais sentido, sua falta de controle sobre os inúmeros pensamentos que fervilhavam em sua mente: Pior não estive; mas, eu, de mim, sei. Todos, de em antes, me davam por normal, conforme eu era, e agora, instantantemente, de dia em dia eu ia ficando demudado. Com uma raiva, espalhada em tudo, frouxa nervosia. - “É do fígado...” - me diziam.

58 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

Dormia pouco, com esforços. Nessas horas da noite, em que eu restava acordado, minha cabeça estava cheia de ideias. Eu pensava, como pensava, como o quem- quem remexe no esterco das vacas. Tudo o que me vinha, era só entreter um planejado. Feito num traslo copiado de sonho, eu preparava os distritos daquilo, que, no começo achei que era fantasia; mas que, com o seguido dos dias, se encorpava, e ia tomando conta do meu juízo: aquele projeto queria ser e ação! E, o que era, eu ainda não digo, mais retardo de relatar. Coisa cravada. Nela eu pensava, ansiado ou em brando, como a água das beiras do rio finge que volta para trás, como a baba do boi cai em tantos sete fios. No parágrafo anterior, “aquele projeto” é o programado encontro com o Diabo, no lugar chamado Veredas Mortas. Riobaldo, em seu conflito constante do bem contra o mal, de Deus e do Diabo, queria confirmar a existência desse último, o Cão. Após uma noite em transe, sozinho no fatídico local, concluiu dubiamente: Ele não existe, e não apareceu nem respondeu - que é um falso imaginado. Mas eu supri que ele tinha me ouvido. Outros personagens rosianos também vivem próximos às margens da racionalidade. Como relatado no capítulo sobre hanseníase, o chefe jagunço Sô Candelário, do “Grande Sertão: Veredas”, “possuía o sabido motivo” para a existência humana, e recebe toda a admiração do autor: Hoje, que penso, de todas as pessoas Sô Candelário é o que mais entendo. As favas fora, ele perseguia o morrer, por conta futura da lepra; e, no mesmo tempo, do mesmo jeito, forcejava por se sarar. Sendo que queria morrer, só dava resultado que mandava mortes, e matava. Doido, era? Quem não é, mesmo eu ou o senhor? Mas, aquele homem, eu estimava. Porque, ao menos, ele, possuía o sabido motivo. O

EM TEMPO: na próxima edição, a segunda parte do capítulo do livro “O Viés Médico na literatura de Guimarães Rosa” que aborda “Doenças Psiquiátricas”.


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MEMÓRIA ILUMINADA

FOTO: CLÁUDIO FONSECA

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A ECOLOGIA DO AMOR

SEGUNDO CARPINEJAR Luciano Lopes redacao@revistaecologico.com.br


FOTO: DIVULGA

ÇÃO

O

que faz de uma pessoa um bom escritor ou poeta é a sua sagacidade em descrever o cotidiano com maestria. Em perceber que o outro é necessário. Em mostrar que a simplicidade é a chave para uma vida, de fato, feliz. Mais: reconhecer os lados bom e ruim do amor, sem se vitimizar ou fazer vítimas. Construir pontes e, nelas, ver nossos afetos, amigos, familiares e memórias se encontrarem. O escritor, cronista e jornalista gaúcho Fabrício Carpinejar é assim, sagaz. Seu texto moderno passeia pela poesia e pela melancolia sem pecados. Ele é brasa na hora de escrever o que sente - sabe que mexer com coração e palavra é o mesmo que lidar com fogo. Tem de ser quente para não se queimar, e saber também a hora certa de não ser faísca: e é aí que está o equilíbrio (ou o desequilíbrio?) apaixonante do que ele escreve. Em seu novo livro (foto à esq.), Cuide de seus pais antes que seja tarde (Bertrand Brasil), Carpinejar vira menino e pai para resgatar valores e carinhos. E agradecer. Dá provas de que maturidade, mesmo, é “jamais negar nossa origem”. Como ele afirmou no livro,

O AMOR “Amor feliz é amor velho. É amor usado. É amor gasto onde conhecemos o outro pela telepatia, onde não mentimos e nem fazemos cerimônia para expressar as nossas vontades.” “Não tenho uma visão romântica do amor. Acredito até que a gente pode amar alguém e apenas conhecer o nosso lado bom – sentir-se bonito, feliz, com fé, esperançoso. Mas amor não é isso. É quando a gente conhece o nosso lado ruim. É conhecer alguém que nos apresenta o nosso pior. A gente sente angústia, raiva, desespero, fúria, ciúme, possessividade. Não adianta ser apaixonado por alguém apenas pelos bons sentimentos, mas também por aqueles que a gente não aceita.” “Feliz daquele que consegue notar que o outro tem uma imperfeição necessária. Sou contra a idealização do amor porque isso é mandar no que o outro deve fazer para nos completar. E isso nunca funciona. O amor é improviso. O amor é um trabalho imenso.”

QUEM É

ELE

Fabrício Carpi Nejar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1972. É filho dos poetas Maria Carpi e Carlos Nejar e assina dessa forma desde o lançamento de seu primeiro livro, As Solas do Sol, em 1998. Casado com Beatriz, pai de Mariana e Vicente, é resiliente. Propõe a felicidade incurável e faz a gente questionar as alegrias curáveis. Um cara que dá valor às conquistas, que dá ao amor o sentido que ele tem.

uma tentativa desesperada de ser mais pai do próprio pai, mais pai da própria mãe, e devolver um pouco do que recebeu deles na infância. Que sejamos todos desesperados em reconhecer o que os outros fizeram de bom por nós. Como Carpinejar nos mostra, o amor é atemporal, é saída, sempre salva, sempre há tempo para ele. A seguir, a Ecológico separou alguns trechos de participações de Carpinejar no projeto “Sempre Um Papo” (uma iniciativa do jornalista Afonso Borges para incentivar o hábito da leitura e formar cidadãos mais críticos) e de seu novo livro. Seja bem-vindo (a) ao jardim de palavras desse grande cronista gaúcho. Colha o que puder e não economize em semeá-las em outros lugares:

“Você não ama para ser feliz. E sim para se sentir vivo. Porque também se sente vivo dentro da tristeza, do desespero, da angústia, da esperança.” “No amor, a lealdade é a medida. Não pensar que a outra pessoa não é capaz de entender o que você está pensando, senão você cria uma superioridade. Hoje as pessoas apresentam apenas as conclusões, nunca se é capaz de entender como ela chegou a um raciocínio.” “Mais do que dar amor, a maior prova de amor é sentir fé em alguém. E a fé é maior que a confiança. Se tem uma coisa que pode mudar alguém é a fé. A pessoa erra com você uma vez, você continua tendo fé nela. Erra duas vezes, você também continua. Erra três e aí a pessoa começa a pensar que tem de confiar em si mesmo como a outra confia em você. A fé desafia o diagnóstico.” “Acredito no amor que tem fé. O amor é a religião dos ateus. Se você acredita no amor, acredita em um Deus que é secreto.”

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JULHO/AGOSTO DE 2018 | ECOLÓGICO O 61


MEMÓRIA ILUMINADA – FABRÍCIO CARPINEJAR O FELICIDADE

O OSTENTAÇÃO

“A felicidade familiar pode ser medida pelo índice de frequência do sofá da sala.”

“A gente não está comendo, mas está preocupada em postar o prato. A gente não está dançando, mas está preocupada em postar a foto da balada. A preocupação é excessivamente mostrar para os outros o que você está vivendo, e não guardar para si. Vive-se sempre fingindo, com uma necessidade de ostentar ou de parecer que estamos vivendo uma vida melhor do que realmente estamos vivendo. A vida não depende de efeitos especiais.”

O TRAIÇÃO “É muito difícil perdoar uma traição. Não pela traição, mas pela quebra de lealdade. É como passar o segredo da relação para uma outra pessoa. E aí você pensa que o terceiro elemento sabe mais da tua vida do que você mesmo. O amor é feito de telepatia. É confiar que o outro está protegendo a relação.”

O SEDUÇÃO

O AMIGO

“Se você consegue ser alegre com a presença do outro, você seduz. A sedução é aceitar os seus defeitos. É não ser perfeito, mas saber ser essencial.”

“Quem não tem amigo, não tem solidão. É o amigo que funda a solidão. Se você não tem para quem ligar, qual é o sentido da solidão? Tem os conhecidos – e todo mundo tem uma legião no Facebook -, mas amigo mesmo é aquele que você vai telefonar, implicar, provocar, que sabe tratar dos assuntos difíceis da tua vida com leveza.”

O ALEGRIA “Se ela é permanente, é sedação. A alegria é um intervalo entre tristezas. Se eu fosse só alegre, eu não escreveria. Preciso ter uma melancolia. É uma higiene. Meus olhos só tomam banho na tristeza. A gente precisa disso.” “A alegria é generosa. Estamos alegres quando conseguimos repartir.”

O IMAGEM “Estamos na ditadura da aparência, da imagem, que nunca vivemos antes. Estamos muito mais preocupados em alimentar as nossas redes sociais do que viver presencialmente. Em forjar, fabricar uma euforia - uma felicidade para fora e não para dentro.”

O SOFRIMENTO FOTOS: SHUTTERSTOCK

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“Todo mundo sofre. Mas as pessoas têm medo de sofrer por alguém. Porque sofrer por alguém é tornar essa pessoa importante na sua vida. E a gente não quer tornar ninguém importante. Por isso as pessoas sonegam o seu sofrimento, boicotam a sua dor.” O FILHOS “Filhos demoram para a empatia. Caminhamos com um ano, falamos com até dois anos, levamos décadas para avançar na generosidade.” O PAIS

“A adolescência é um eterno egoísmo.” 62 O ECOLÓGICO | JULHO/AGOSTO DE 2018

“Chega uma fase em que visualizamos o tempo que nos falta. Percebemos menos vida pela frente do que a vida que já experimentamos. É quando avistamos, ao longe do oceano, um limite, uma ilha, um desembarque. Raciocinamos que falta dez ou quinze anos para permanecer ainda, palpável e físico, entre quem amamos. Realizamos um prognóstico amigável com a nossa faixa etária. É um palpite, mas dói como profecia.” “Os pais diminuem de tamanho, arqueiam as costas, para serem nossos bebês.”


“Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra de box no banheiro. A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas.” “Todo filho é pai da morte de seu pai. Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da escolta.” “Uma das primeiras transformações acontece no banheiro. Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra de box no banheiro. A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas.” “A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões. Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir escadas mesmo sem degraus.” “Feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.” “O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali.” “Por mais que a morte signifique um alívio, com o fim do sofrimento da pessoa amada, sentiremos a

falta bem depois. Nenhuma justificativa preencherá a lacuna. Nenhuma religião amenizará a violência de não mais ver e ser visto. A dor explodirá depois, quando ninguém mais comentar o assunto, quanto todos continuarem com suas urgências e o funeral já não provocar condolências.” “Quando abraçamos a nossa mãe, refazemos a mágica da fragrância fundadora. Não há melhor abrigo para nascer de novo.” O EDUCAÇÃO “A educação é filha do amor, mas neta do respeito.” “Educação não tem rascunho, cópia, arquivo de segurança, repescagem. Ou é ou nunca foi. Exige atitudes determinadas. Ou o sangue bombeia o sopro benfazejo ou o vento troca repentinamente a imagem de nossas pálpebras.” O ADOLESCÊNCIA “As novas gerações só procuram o que provoca euforia. Não aguentam passar dificuldades – não largam a casa dos pais mesmo adultos e trabalham em empregos temporários para economizar e viajar.

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JULHO/AGOSTO DE 2018 | ECOLÓGICO O 63


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MEMÓRIA ILUMINADA – FABRÍCIO CARPINEJAR Não moram sozinhos tão cedo, não entendem o que é atravessar a penúria em nome da independência. A adolescência é um eterno egoísmo.” O GENTILEZA “Não é fácil ser gentil, e sim grosseiro. É mais fácil ser indiferente, não ter que se preocupar com que o outro está pensando, sofrendo, querendo.” “A gentileza é conforto. É sair do papel fixo para tentar agradar alguém. E tentar agradar alguém é ser muito vulnerável. Muito sensível. Porque nunca se sabe a resposta que pode surgir de quando você se doa. Nem sempre é a melhor resposta, porque somos avarentos ao receber presentes. Tem gente que não consegue receber elogio, nem cumprimento. Carinho, também. Não quer ser cuidado porque a pessoa fica pensando em como retribuir esse cuidado.” O RELACIONAMENTO “Muitas vezes, a minha mulher falava comigo – e o homem é muito objetivo – e eu tinha que resolver. Ela falava que não aguentava o trabalho, o emprego, que ficava incomodando ela... E qual era a minha solução? Perguntar “por que você não sai?”. Ela apenas queria se confessar. Porque se confessar já é se organizar. Ela não quer que alguém assuma o comando da sua vida e dê uma resposta. Talvez a mulher queira do homem apenas que ele suporte a pergunta. O trabalho mais difícil no relacionamento é ser insignificante. Porque a outra pessoa não quer uma definição. Não quer uma resposta. Quer apenas que você esteja junto.” “Quem fala mal do ex, quer voltar. O ódio é um preliminar para a volta. Quem fala bem, resolveu a situação.” O RECONCILIAÇÃO “Hoje, se um objeto se quebra, a gente quer logo trocar. E a gente faz o mesmo com as relações. Se a relação não encaixa na nossa vida, a gente não insiste, porque vai dar trabalho, vai cansar. Por isso eu gosto da reconciliação. Porque o outro te interessa quando quebra, não quando está funcionando.” O INTIMIDADE “Sou de um tempo em que, na minha casa, na minha

infância, tudo tinha uma serventia, uma intimidade. O que separou a família brasileira foi quando a gente deixou de vestir o botijão de gás. Na minha infância, o botijão de gás tinha vestido. Nem ele ficava isolado. Se precisava enfeitar até ele. Nenhuma fresta ou brecha da casa ficava sem cuidado. O liquidificador tinha capa, o sofá. As gavetas tinham papel presente. Você sempre encontrava seu aniversário em qualquer gaveta. Havia uma necessidade de estar em casa, tanto que o quarto era pequeno. Eu dividia o quarto com dois irmãos, dormíamos em um beliche. O quarto era pequeno para a casa ser grande. Você não tinha como fugir do convívio. Hoje, é o contrário. O quarto é grande para a casa ser pequena. Os filhos têm um apartamento dentro da casa, para não serem incomodados. Para não ameaçar sua intimidade. A gente isola o filho.” “Não é possível mentir para si mesmo para se tornar uma pessoa melhor. É muito mais difícil aceitar do que se inventar. Se assumir com toda a estranheza, chatice, carência. Hoje não conseguimos ser honestos nem na intimidade, porque a gente sempre pensa que vai ser despejado, que não vai ser amado.” O INTELIGÊNCIA “É a insistência com senso de humor.” O DOR “É muito fácil a gente separar a dor verdadeira da imaginária. Quando a dor é verdadeira, a gente é generoso. Na hora que a gente perde um filho, o amor de nossa vida, a gente vai se tornar generoso, vai escutar a dor do outro com muito mais nitidez. Já quando a dor é falsa, a gente se torna egoísta. A dor imaginária é orgulho ferido. Só quer vingança, só quer provar que está certo, quer uma recompensa. Quem realmente sofre é capaz de se doar, se partir, se dar. Quem finge que está sofrendo só quer fazer espetáculo.” O FORÇA “A gente sempre fala que não vai aguentar. E aguenta. Sempre fala que não vai sobreviver. E sobrevive. Que não vai repetir algo, e repete. Temos dentro de nós uma força infindável. É essa teimosia que, quando amadurece, se torna fé.” O

SAIBA MAIS Instagram: @fabriciocarpinejar Twitter.com/carpinejar Fonte: Sempre um Papo/Livro “Cuide dos seus pais antes que seja tarde”


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NATUREZA MEDICINAL MARCOS GUIÃO (*) redacao@revistaecologico.com.br

REMÉDIO PARA EMPACHO

E

MACAÉ

Leonurus sibiricus

FOTO: MARCOS GUIÃO

nquanto o sol se dissolvia no regaço da Serra do Ouro, minha rede balangava no eventual daquele arremate do dia. Esmorecido, dei sentido da brisa correndo módica no avarandado e firmei as ideias no ali, sem deixar a cabeça ganhar força nas aragens do talvez. Ufa! Difícil sem base manter a consciência desadormecida pra num descambar na reclamação ou, pior ainda, no “ai meu Deus, como eu sofro”. Caraminholava essas ideias porque tava gestando a rema do almoço, que até então tava ali estorvando minha goela. Nada ia e nem nada vinha. Tudo parado, igualim num pântano. Desassossegado, num tinha alento nem de variar as ideias pra achá algum recurso. Daí me veio das entranhas uma opinião de buscar um amargo. Qualquer um, desde que fosse bem amargo pra revolver as profundezas dos intestinos e despachar o almoço indigesto. Aquele mareio sem

dúvida era derivado do empacho causado pelo feijão gordo e a fritada de pastel mais quibe. Combinação das mais descabidas, mas na roça num existe esse tipo de conflito. Dona Linda tinha preparado tudo com muito gosto na intenção de me agradar e, pra alguém com ascendente em touro como eu, dá até pra ver um certo charme culinário nesse arranjo. Com algum esforço, consegui vencer um pouco daquela letargia e desci da rede na buscação de conforto pro entalo do barrigão. Me arrastei até a cozinha e se dei de cara com Chico da Mata entrando pela porta dos fundos, trazendo nas mãos um feixe de ramo, que num primeiro momento nem consegui distinguir quem seria quem. Ele me olhou lá no fundo e disparou: “Ocê se abusou no cumê e agora tá no fastio, né mermo? Pois vou lhe tirar disso num tim... Gasta só deslindrar essas pranta aqui.” A chaleira ganhou água, o fogo mais uma acha de lenha e enquanto falava foi picando e separando o que tinha serventia do que não tinha. Num passou minutos e a caneca chegou fumegando na minha mão. Mareado, aos poucos fui sorvendo o líquido severamente amarujento enquanto ouvia Chico desfiando as qualidades do preparado. - “Tô lhe dando macaé (Leonurus sibiricus), prantinha abestada que rompe por aí no atôinha das hortas. É ela que vai te salvar desse empacho, pois num tem remédio mió nessas hora. Com ela num garra nada não, tudo se alimpa.” Aos poucos fui tomando sentido novamente e num deu uma hora pra já nem me alembrar mais do desconforto. Encantado, dei uma pesquisada pra aprofundar o encanto e dei com um monte de nomes dados a ela, como pasto-de-abelha, rubim, mané-magro, mané-turé e mais uma tanteira. Tem indicação também pra combater as gripes rebeldes acompanhadas de febre e doradas pelo corpo, as tosses persistentes, além de vômitos, diarreias e até as perturbações cardíacas mais suaves. Tive precisão de me abusar da comida pra conhecer remédio tão simples e eficiente. Inté a próxima lua! O (*) Jornalista e consultor em plantas medicinais.


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