Revista Ecológico - Edição 74

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Quanto vale a sombra de um buriti?

Do pioneirismo de Paulo Nogueira Neto às veredas de Guimarães Rosa, em defesa do Cerrado brasileiro

OFICIAL

DIAMANTE

OURO

APOIO


Você tem um encontro marcado para saber a resposta. 11 de novembro de 2014 Teatro Francisco Nunes Parque Municipal Américo Renné Giannetti - BH


EXPEDIENTE Lagenocarpus comatus Cyperaceae

Em toda Lua Cheia, uma publicação dedicada à memória de Hugo Werneck

DIRETORA DE GESTÃO Eloah Rodrigues eloah@souecologico.com EDITOR-EXECUTIVO Luciano Lopes luciano@souecologico.com DIRETOR DE ARTE Sanakan Firmino sanakan@souecologico.com CONSELHO EDITORIAL Fernando Gabeira, José Cláudio Junqueira, José Fernando Coura, Maria Dalce Ricas, Mario Mantovani, Nestor Sant'Anna, Patrícia Boson, Paulo Maciel, Pedro Borrego, Ronaldo Gusmão e Sérgio Myssior CONSELHO CONSULTIVO Angelo Machado, Célio Valle, Evandro Xavier, Fabio Feldmann, José Carlos Carvalho, Roberto Messias Franco, Vitor Feitosa e Willer Pos

REVISÃO Gustavo Abreu

ASSINATURA Alessandra Cristina alessandra@souecologico.com

CAPA Foto: Kevork Djansezian/Reuters

IMPRESSÃO Log & Print Gráfica e Logística S/A

DEPARTAMENTO COMERCIAL Fábio Vincent fabiovincent@souecologico.com Sarah Caldeira sarah@souecologico.com

PROJETO GRÁFICO-EDITORIAL Ecológico Comunicação em Meio Ambiente Ltda ecologico@souecologico.com

Representante Comercial Brasília IBIS Comunicação ivone@ibiscomunicacao.com.br Representante Comercial Rio de Janeiro Tráfego Publicidade comercial@trafegopublicidade.com.br Assistente Comercial Silmara Belinelo silmara@souecologico.com

VERSÃO DIGITAL www.revistaecologico.com.br

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MARKETING Janaína De Simone janaina@souecologico.com

REPORTAGEM Cristiane Mendonça, Luciana Morais, Déa Januzzi e Vinícius Carvalho EDITORIA DE ARTE André Firmino e Marcos Takamatsu COLUNISTAS Alfeu Trancoso, Andréa Zenóbio Gunneng, Antonio Barreto, Marcos Guião, Maria Dalce Ricas e Roberto Souza

REDAÇÃO Rua Dr. Jacques Luciano, 276 Sagrada Família - Belo Horizonte-MG CEP 31030-320 Tel.: (31) 3481-7755 redacao@revistaecologico.com.br

Selo SFC

EMISSÕES CONTABILIZADAS

DIRETOR-GERAL E EDITOR Hiram Firmino hiram@souecologico.com

souecologico ecologico

4,38 tCO2e Agosto 2014

FOTO: ALFEU TRANCOSO

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ÍNDICE

MUDANÇAS CLIMÁTICAS CONHEÇA O EXEMPLO ECOLÓGICO DO ATOR NORTE-AMERICANO LEONARDO DICAPRIO, QUE CRIOU, HÁ 16 ANOS, UMA FUNDAÇÃO QUE DESENVOLVE E APOIA CAUSAS AMBIENTAIS AO REDOR DO PLANETA E FOI UM DOS DESTAQUES DA CÚPULA DO CLIMA DA ONU NO MÊS PASSADO.

12 PÁGINAS VERDES MÁRIO CAMPOS, PRESIDENTE DA SIAMIG E DO SINDAÇÚCAR MG, AFIRMA QUE O SETOR SUCROENERGÉTICO ESTÁ EM CRISE E APONTA EQUÍVOCOS NA POLÍTICA DE COMBUSTÍVEIS

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E mais... IMAGEM DO MÊS 06 CARTA DO EDITOR 07 CARTAS DOS LEITORES 08 ECONECTADO 10 SOU ECOLÓGICO 18 GENTE ECOLÓGICA 20 FAUNA 28 CÉU DE BRASÍLIA 31 GESTÃO & TI 32

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ESTADO DE ALERTA 37

TECNOLOGIA LIMPA

SETOR MINERÁRIO 42

CONHEÇA A TERMOLIX, SOLUÇÃO AMBIENTAL QUE ESTÁ REVOLUCIONANDO O TRATAMENTO E A GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS NO BRASIL

HISTÓRIA 38 RECURSOS HÍDRICOS 47 NOS PORÕES DO RETROCESSO (III) 48 NATUREZA MEDICINAL 52 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS 53 CORAÇÃO DA TERRA 58 VOCÊ SABIA? 60 OLHAR INTERIOR 62 EXEMPLO 64

74 MEMÓRIA ILUMINADA A CRÍTICA SENSATA DO SOCIÓLOGO POLONÊS ZYGMUNT BAUMAN, AUTOR DO LIVRO “A VIDA LÍQUIDA”, CONTRA O CONSUMO

OLHAR POÉTICO 67 PREMIAÇÃO 68 AS MUITAS MINAS NO MUSEU (9) 70 ENSAIO FOTOGRÁFICO 78 CONVERSAMENTOS 82


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IMAGEM DO MÊS

FOTO: PAULO FILGUEIRAS - EM - D.A PRESS

MINERAÇÃO “SEM PESSOAS” Já completa quase um mês o rompimento de uma barragem de rejeitos da Herculano Mineração (foto), no município de Itabirito (MG). A tragédia, que poderia ter sido evitada, em pleno período de seca, resultou na morte de três trabalhadores. Um deles, o operador de retroescavadeira Adilson Aparecido, de 43 anos e pai de três filhos, até o fechamento desta edição, não teve o seu corpo encontrado, soterrado debaixo de toneladas de lama. Já multada anteriormente por crimes ambientais e trabalhistas, a empresa teve os seus bens bloqueados pelo Ministério Público. A justiça, ainda que tardia, só não conseguiu conter as lágrimas diuturnas de Maria das Graças, de 64 anos, mãe de Adilson, nem de sua esposa Patrícia, que não aceitam o fim das buscas. Elas ainda sonham com o direito de ter o corpo dele para enterrar, chorar e cumprir o ritual. É possível, nos dias de hoje, com a tecnologia que o setor de mineração dispõe para “remover montanhas”, não achar o corpo de Adilson? Treze anos atrás, em 22 de junho de 2001, ocorreu o rompimento semelhante da barragem de rejeitos da Mineração Rio Verde, no município vizinho de Nova Lima. Cinco outros “Adilsons” morreram soterrados. Um deles nunca foi encontrado.

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CARTA DO EDITOR HIRAM FIRMINO | hiram@souecologico.com

COM OS OLHOS

A

sua Ecológico de outubro vem inspirada no exemplo de ativismo ambiental do ator norte-americano Leonardo DiCaprio, eleito pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o novo mensageiro da paz (e da natureza) contra o aquecimento global. Cidadão consciente do mundo em que vivemos, ele roubou a cena nada fictícia da última reunião da Cúpula do Clima, mês passado, em Nova York (EUA). Seus olhos verdes, da mesma cor da esperança que ainda resta na humanidade, têm companhias estratégicas. Uma delas é o jovem economista Mário Campos, 32 anos, nosso entrevistado em “Páginas Verdes” e atual presidente de duas entidades igualmente engajadas na busca dos combustíveis limpos e renováveis para o Brasil e o mundo: a Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig) e os Sindicatos da Indústria do Açúcar e do Álcool de Minas Gerais (Sindaçúcar MG). Outra é a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que explica as razões de o Brasil não ter assinado a “Declaração de Nova York sobre Florestas”, que determina compromissos globais para atingir o desmatamento zero. Se não há cura ambiental nem política ainda para manter de pé a última maior floresta tropical úmida do planeta, pelo menos já existe cura tecnológica para o lixo produzido pelos nossos hospitais. É o que promete, em terra brasilis, a Termolix, nova unidade de tratamento de resíduos desenvolvida pela Atteris, do Grupo EcoBras. Na área de mineração, o destaque é a Anglo American que, sete anos depois de um embate sui generis em Conceição do Mato Dentro, no coração ferrífero de Minas, conseguiu sua licença ambiental para operar o Projeto Minas-Rio, ex-MMX de Eike Batista, no delicado ecossistema da Serra do Cipó, nas franjas do Espinhaço. E, na terceira reportagem da série “Nos Porões do Retrocesso”, sobre o Museu da Loucura, em Barbacena, lembramos a luta pelo fim dos manicômios enca-

KEVORK DJANSEZIAN - REUTERS

DE LEONARDO

LEONARDO DICAPRIO: a hora é agora e não é ficção

beçada pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia. Também temos mais presenças agradáveis e esperançosas nesta edição: o pensamento iluminado do escritor e sociólogo polonês Zygmunt Bauman, autor do livro “A Vida Líquida”. As veredas e os buritis decantados na obra de Guimarães Rosa. E, como brinde visual, um belíssimo ensaio fotográfico sobre a libertária Holanda, o país das bicicletas, a partir de Amsterdã, onde 65% da população utiliza transporte alternativo e ecológico, sem impactar o meio ambiente e o clima do planeta. Boa leitura! Até a Lua Cheia de novembro, logo após as eleições! O

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CARTAS DOS LEITORES

O PÁGINAS VERDES – CARLOS SOLANO “Show a entrevista com o Carlos Solano. Em minha casa plantei dezesseis árvores. E agora vou inserir no contador da campanha ‘Vamos Plantar um Milhão de Árvores’!” Nanda Nogueira, via Facebook “O verde clama por socorro, e são poucos os que ouvem. Parabéns, Carlos Solano!” Elzair Souza Faria, via Google+ O ESTADO DE ALERTA - PERUAÇU AMEAÇADO “O governo aliou-se ao agronegócio, sucateou e dividiu o Ibama, enfraqueceu a Polícia Federal e deu poder para os movimentos agrários. Quer mais?” Fábio Calazans, via Google+ “A região do Peruaçu é um lugar lindo e deveria ser mais bem preservado!” Ana Lúcia Ramos Fedel, via Google+ O CORAÇÃO DA TERRA - DE VOLTA PRA CASA “A natureza é a primeira mestra do ser humano. Adorei o texto da coluna!” Teresa Cristina Sia Machado, via Facebook O CARTA DO EDITOR - EM QUEM VOTAR? “O triste é ter que votar neste país! Você não tem em quem confiar!” Clézio Oliveira, via Google+ O EM DEFESA DO CERRADO “Dezoito anos para aprovar uma PEC em favor de qualquer bioma do nosso país é quase uma vida! Mas, para propostas ou emendas que beneficiam os políticos corruptos não são necessários tantos anos assim... Eles têm pressa e precisam faturar urgentemente! A preservação de nossos ecossistemas não são suas prioridades.” June Tolentino, via Facebook “As monoculturas avançam e as queimadas desequilibram todo o ecossistema que ainda escapa. Enquanto isso, agonizamos em ver todo o Cerrado se acabar aos poucos. Triste!” Fritz Barsanulfo, via Facebook “E o Cerrado não existirá mais se continuarmos com esse governo que prioriza um modelo de economia ultrapassado!” Maria Solange Machado, via Facebook

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O UNIÃO CONTRA AS QUEIMADAS “Será que nossos governantes não têm dinheiro para investir em aviões e helicópteros de combate a incêndios? Ou não há interesse nisso?” Rogério Valladares Lopes, via Facebook O SAÚDE - NÃO AO SAL! “Que o sal faz mal em excesso, todo mundo sabe! Mas, depois vem o quê? O açúcar, a mostarda... E tanta coisa séria no Brasil!” Mara Antony, via Google+ O CÉU DE BRASÍLIA – ANISTIA DO DESMATAMENTO “Multa é pouco pra quem desmata!” Marco Vidal, via Google+ “Meu Deus! Que país é esse? Quem desmata deveria ir preso! E agora querem anistiar as multas? Decepção!” Cacilda Prado, via Facebook O RECURSOS HÍDRICOS “A atual situação de poluição dos córregos e rios que cortam a região da Grande BH, de maneira especial os rios das Velhas e Paraopeba, é de


FA L E C O N O S C O Envie sua sugestão, opinião ou crítica para cartas@revistaecologico.com.br Por motivo de clareza ou espaço, as cartas poderão ser editadas.

O TECNOLOGIA LIMPA - BIG BELLYS “Seria bom se essas lixeiras sustentáveis fossem colocadas em todos os bairros. Com isso, a quantidade de contêineres para plástico e as latas já diminuiriam muito!” Carlos de Freitas, via Google+

EU ASSINO “Assino a Revista Ecológico porque ela desenvolve a temática do meio ambiente de maneira didática, é exuberante na forma e no conteúdo, brilhante nas fotografias que encantam os olhares de seus leitores. Cada novo exemplar que nos chega às mãos é sempre uma convicção de que muito temos ainda a assimilar, propagar, colaborar para a preservação da fauna, da flora e da vida no planeta.”

ARQUIVO PESSOAL

uma gravidade absurda, somente comparável com a insensibilidade das autoridades gestoras (municipais, estadual e federal) e a absoluta indiferença sobre o tema da esmagadora maioria dos moradores dessas cidades. É preciso urgentemente conclamar a opinião pública a se posicionar sobre o assunto. Universidades, escolas, sindicatos, igrejas e templos, associações de moradores, entre outros, devem ser convocados a se manifestarem. O Projeto Manuelzão da Escola de Medicina da UFMG está há muito abandonado pelo Governo Estadual, mas continua sua cruzada meritória. Contudo, nos parece atualmente 'Dom Quixote em sua luta contra moinhos de vento'. A solução nos parece passar necessariamente por uma grande campanha de impacto junto aos órgãos e entidades acima enumerados.” Márcio de Freitas Guimarães, via site

Agnelo Goulart, administrador e educador ambiental

1 HUMOR QUE AMDA

O CUMPRIMENTOS “Sou estudante do ensino médio e apaixonada pela Revista Ecológico. A cada página lida tenho uma vontade maior ainda de ler a próxima edição. Recebam o meu particular encantamento com a matéria ‘Previsões para o Ano Velho’, que saiu na edição 65. Texto perfeito e muito encantador! Para sempre serei uma leitora assídua da revista!” Amanda Ruthielle, Dom Bosco/MG, via site “Parabéns pela excelente publicação! A Revista Ecológico além de alertar sobre os graves problemas de toda ordem do meio ambiente, contribui e muito para a conscientização das gerações presentes e futuras. Nesse sentido, a leitura das matérias desperta nos cidadãos os cuidados e a preservação da natureza. A revista é e será uma verdadeira revolução na divulgação da problemática ecológica, pois em termos de educação ambiental somos ainda muito carentes. Certamente precisamos iniciar essa educação na pré-escola, criando, portanto, a cultura sobre o tema. Que na próxima Lua Cheia tenhamos novas informações.” Belchior Gonçalves Silva, via e-mail

FONTE: Charge extraída do livro “Água Mole em Pedra Dura – o Humor nas Páginas do Ambiente Hoje”, da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA).

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ECONECTADO CRISTIANE MENDONÇA

O “Crise da água tem três níveis:

1. Mudança climática gera eventos extremos/seca; 2. Ocupação de mananciais diminui estoque; 3. Perdas agravam cenário.” @robertosmeraldi – Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra O “Direitos territoriais de povos

indígenas e comunidades tradicionais são fundamentais para bem viver em todo o mundo. #stateoftherainforest” @adrixramos – Adriana Ramos, socioambientalista O “Em entrevista para o El País: Em

São Paulo, há meia cidade no subsolo, formada só por garagens.” @raquelrolnik – Raquel Rolnik, urbanista O “Crie os seus filhos com amor e

O “A velocidade com que surgem novos objetos de desejo é enorme; e correr atrás de realizá-los pode viciar, além de gerar permanente frustração.” @Flavio_Gikovate – Flávio Gikovate, psiquiatra O “Dezesseis estados

pioraram no ensino médio, segundo o IDEB. Isso é um desastre. Pernambuco foi o que mais melhorou.” @fmei7777 - Fernando Meirelles, cineasta O “A transição para o fim do

#carrocentrismo terá diversos caminhos: que tal um transporte público personalizado?” @abramovay – Ricardo Abramovay, pesquisador da Fapesp O “Ser coerente com o próprio discurso é

fundamento básico para o sucesso.” @jdoriajr – João Doria Jr., empresário O “Restaurante em Londres prepara pratos

com alimentos que seriam jogados fora.” @cecinoar – Cécile Petitgand, blogueira

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FOTO: JOÃO ROSAN

valores legais. Ensine a amar os bichos e a natureza. Assim, você já está contribuindo para um mundo melhor.” @LombardiBruna – Bruna Lombardi, atriz

ETIQUETA DIGITAL O site “Peixe morre pela boca” incentiva o uso consciente das redes sociais. Atitudes como ter cuidado ao publicar fotos e textos sobre a vida íntima ou, ainda, checar a fonte ou veracidade de informações antes de compartilhá-las, são algumas das dicas que a página oferece ao usuário. No site, o internauta utiliza um anzol virtual e “pesca” um peixe que traz um recado. Quer experimentar? Acesse: www.peixemorrepelaboca.com.br

FOTO: DIVULGAÇÃO

DEZ APLICATIVOS ECOLÓGICOS O Brasil foi considerado o quarto maior consumidor de smartphones em 2013, ficando atrás apenas da China, Estados Unidos e Índia, segundo estudo divulgado recentemente pela empresa de consultoria especializada IDC. E basta dar uma olhada em volta para entender que a estatística parece ter sentido. Nas ruas, nos comércios ou em salas de espera, pessoas acessando os celulares já são uma cena comum. Se você é usuário, que tal adicionar ao seu aparelho informações relevantes e sustentáveis que tornarão seu dia a dia mais verde? Confira os dez aplicativos que a Revista Ecológico selecionou: www.goo.gl/42Cxvm

MAIS ACESSADA HORA DO BANHO Em tempos de seca e uso racional da água, compreender qual tipo de chuveiro atende melhor às necessidades de uma família é uma dúvida comum. Por isso, a matéria “Chuveiro solar, elétrico ou a gás?”, que aponta os benefícios de cada uma dessas tecnologias, de acordo com a quantidade de banhos na residência, foi a mais clicada no site da Revista Ecológico em setembro. Quer entender melhor a diferença entre os chuveiros? Acesse: www.goo.gl/28BPCy

FOTO: THOMAS / FLICKR / CC

TWITTANDO

FOTO: WILKERNET

ECO LINKS



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PÁGINAS VERDES

"TEMOS QUE VALORIZAR O COMBUSTÍVEL

LIMPO E RENOVÁVEL" Luciana Morais redacao@revistaecologico.com.br

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esponsável por 9% da produção sucroenergética brasileira, Minas Gerais, segundo produtor nacional de açúcar e terceiro de cana e etanol, amarga uma das mais sérias crises de sua história. Nos últimos quatro anos, oito usinas foram fechadas no estado. Para o jovem presidente da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig) e dos Sindicatos da Indústria do Açúcar e do Álcool de Minas Gerais (Sindaçúcar MG), Mário Campos, são necessárias medidas urgentes para realavancar o crescimento do setor. “No momento, a política de combustíveis está totalmente equivocada, privilegiando um combustível fóssil em detrimento do renovável. Novas reduções de ICMS são necessárias para aumentar a competitividade do etanol nas bombas.” Confira, a seguir, essas e outras reflexões sobre o futuro desse segmento, que tem se empenhado na busca da ecoeficiência e investido na qualificação da mão de obra empregada:

MÁRIO CAMPOS: “O governo federal tem prejudicado gravemente a competitividade do etanol hidratado no mercado nacional”


M Á R I O CA M P O S

FOTOS: DIVULGAÇÃO SIAMIG

Presidente da Siamig e do Sindaçúcar MG

“A cana é a principal fonte renovável dentro da matriz energética brasileira. Representa em torno de 16%, à frente inclusive da hidroeletricidade.”

Qual é a realidade do setor sucroenergético hoje em Minas? Fala-se numa crise sem precedentes. A que fatores atribui essa situação? O nosso setor está em crise, como em todo o país, com o fechamento de oito usinas nos últimos quatro anos e oito mil empregos perdidos. Os municípios canavieiros estão enfrentando acentuada queda da arrecadação, com perdas nos segmentos de comércio e serviços. Outro agravante, este ano, é a seca que assola algumas regiões e reduziu a produção em muitas usinas. No entanto, o maior problema hoje é a política energética do governo federal. Por quê? Porque tem mantido o preço da gasolina praticamente inalterado por quase oito anos e prejudicado gravemente a competitividade do eta-

nol hidratado no mercado nacional. Essa política não tem ajudado em nada o Brasil, pois ao mesmo tempo em que prejudica a Petrobras, tem causado enormes prejuízos ao nosso setor, produtor de energia limpa e renovável como o etanol. Vê alguma saída? Como alavancar uma recuperação? Em Minas, apesar de tudo, há um grande potencial de crescimento do mercado de etanol. Temos a segunda maior frota de veículos do país, mas com um consumo de etanol ainda muito pequeno. Dessa forma, considero extremamente importante a melhoria da competitividade do etanol no estado, por meio da redução da alíquota do ICMS, hoje o único imposto incidente sobre o produto. Tal medida possibilitaria aumentar o volume de venda desse combustível limpo e renovável.

Apesar das vantagens ambientais, em especial para a redução das emissões de gases de efeito estufa, o consumo de etanol em Minas caiu bastante nos últimos anos. Nas bombas, o preço é praticamente o mesmo da gasolina, afugentando motoristas. Como superar essa realidade? Faltam medidas mais efetivas. No momento, a política de combustíveis está totalmente equivocada, privilegiando um combustível fóssil em detrimento do renovável. Por isso, além da redução do ICMS no âmbito estadual, no nível federal a nossa principal reivindicação é a volta da Contribuição da Intervenção sobre o Domínio Público (Cide) sobre os derivados de petróleo, a fim de incentivar o consumo do etanol hidratado. Precisamos ainda de uma definição mais clara das regras para a precifi-

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PÁGINAS VERDES FOTO: LUIZ FELIPE

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QUEM É

ELE

Mineiro de Belo Horizonte, Mário Ferreira Campos Filho tem 32 anos. É economista formado pela UFMG, com MBA em Finanças pelo Ibmec. Trabalha na Siamig desde 2003, onde se tornou profundo conhecedor do setor nas áreas de produção, logística, tributos, meio ambiente e relações trabalhistas. Participa de todas as ações junto ao Fórum Nacional Sucroenergético e à Câmara Setorial em Brasília. É, ainda, diretor do Centro Industrial e Empresarial (Ciemg) e integra o Conselho Regional do Sesi/ Senai/IEL da Fiemg.

“A geração de energia com o uso do bagaço de cana traz vantagens adicionais para o sistema elétrico. Uma delas é o fato de ser produzida no período da seca, possibilitando a economia de água dos reservatórios.” cação da gasolina e medidas tributárias que reduzam o custo de produção das usinas. Em Minas já houve a redução da alíquota de ICMS de 25% para 19%. Mas novas reduções são necessárias para aumentar a competitividade do etanol hidratado nas bombas. Por exemplo: em São Paulo, o maior estado consumidor do país, a alíquota de ICMS é de 12%. Hoje, Minas produz o dobro do etanol hidratado que é consumido. Em 2009, para cada 100 litros de gasolina se consumiam 40 litros desse combustível renovável. Atualmente, para cada 100 litros consomem-se apenas 15 litros de etanol.

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E em relação à bioeletricidade? Também é necessária maior valorização. A geração de energia com o uso do bagaço de cana traz vantagens adicionais para o sistema elétrico. Uma delas é o fato de ser produzida no período da seca (entre abril e novembro), possibilitando a economia de água dos reservatórios. Além disso, é uma energia gerada próxima aos grandes centros consumidores, dispensando a construção de extensas linhas de transmissão, como ocorre em projetos de hidrelétricas e de usinas eólicas no Nordeste. Atualmente, a maioria das usinas é autossuficiente na produção

de energia. Qual o potencial de geração desse setor em MG? A cana é a principal fonte renovável dentro da matriz energética brasileira. Representa em torno de 16%, à frente inclusive da hidroeletricidade. O bagaço é usado como combustível nas caldeiras para produção de vapor e de energia elétrica. Temos uma potência instalada em torno de 900 MW. Metade é usada no processo produtivo e o restante, vendido ao sistema elétrico. O potencial de crescimento do uso dessa energia é bastante promissor, pois hoje apenas metade das empresas fornece energia ao sistema elétrico. O uso da palha, que hoje fica no campo, também pode triplicar a capacidade produtiva dessa energia limpa. Em 2008, vocês assinaram com o governo de Minas o Protocolo Agroambiental, prevendo a eliminação da queima na colheita da cana até 2014. Essa


M Á R I O CA M P O S Presidente da Siamig e do Sindaçúcar MG

meta foi alcançada? Sim. Os produtores de Minas foram pioneiros na antecipação da eliminação da queima até o final de 2014. De acordo com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) – com sede em Piracicaba (SP) e que contabiliza os índices de mecanização da colheita de cana no Brasil –, Minas atingiu um índice de 97% de colheita mecanizada. A queima controlada da palha da cana está restrita às áreas com declividade acima de 12%, concentradas na Zona da Mata e em algumas áreas do Sul de Minas. E do ponto de vista ambiental? Quais foram os benefícios? A eliminação da queima e a introdução da mecanização da colheita evitam a emissão de gases de efeito estufa da ordem de 1,484 tonelada por hectare/ano de CO2 equivalentes, segundo estudos. Desde a assinatura do protocolo, deixamos de lançar 6,1 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Somente nesta safra (2014/15) a redução chegará a 1,2 milhão de toneladas de CO2. Outra vantagem adicional se refere à conservação do solo. Em que aspectos? A colheita mecânica deixa no campo um mínimo de 20 toneladas de palha por hectare, volume que se distribui por toda a extensão da área colhida, protegendo o solo contra a erosão e favorecendo a inserção de material orgânico. Além disso, com as inúmeras iniciativas voltadas para a recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) que, somadas

às reservas legais, formaram os corredores ecológicos, temos observado um aumento significativo da presença de animais nas lavouras de cana, desde aves e répteis até mamíferos. Qual é o destino dado hoje aos principais resíduos da produção do açúcar e do etanol? Todos os resíduos são reaproveitados de alguma forma no pro-

cesso produtivo. Atualmente, a vinhaça (ou vinhoto) é 100% revertida para a lavoura de cana, sob a forma de fertirrigação. Composta por 80% de água, ela é a principal fonte de irrigação da soqueira [raízes remanescentes após o corte, de onde brotarão novas canas]. Rica em nutrientes como o potássio, seu reaproveitamento reduz o uso de fertilizantes químicos na lavoura. Conforme previsto nas normas de licenciamento ambiental, as caldeiras são equipadas com lavadores de gases, sendo os seus resíduos e

cinzas também incorporados ao solo como adubo. E a água? Também é reciclada? Sim. A água retorna quase toda ao processo produtivo com uma reciclagem de mais de 90% em circuito fechado. Isso reduz, assim, o volume de captação e o impacto sobre os cursos d’água. Em 1990, o setor captava 5 m3 de água por tonelada de cana processada. Hoje, a média é de 2 m3, com a meta de chegar a 1 m3. O novo Código Florestal prevê mudanças que afetam diferentes segmentos da indústria. As empresas sucroenergéticas estão aptas a cumpri-lo? Nosso setor tem um dos maiores índices de regularização ambiental do agronegócio mineiro e se compromete com o cumprimento de toda legislação, dentro dos prazos estabelecidos. Atualmente, por ocasião da implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), previsto no Código Florestal, a Siamig foi pioneira na assinatura de um termo de cooperação destinado à divulgação e implantação dessa ferramenta, bem como ao treinamento dos colaboradores das empresas associadas e parceiros. Minas tem 900 mil hectares plantados com cana e 37 usinas em funcionamento, a maioria no Triângulo Mineiro. Nos últimos anos, houve avanço do plantio

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PÁGINAS VERDES

naquela região (monocultura), com a cana ocupando áreas destinadas ao plantio de grãos? O Triângulo Mineiro é o maior polo produtor de cana do estado, cuja expansão se deu, preferencialmente, em áreas de pastagens degradadas. Conforme dados da Secretaria Estadual de Agricultura, durante todo o período de crescimento do setor sucroenergético, desde 2003, paralelamente ao crescimento da área plantada com cana ocorreu também o aumento das áreas de plantio de grãos naquela região. Mas a cana é hoje a principal cultura plantada no Triângulo... Sim. Contudo, a área de cana não representa nem 10% do total de terras da região. Além disso, é preciso lembrar: ao final do ciclo da cana, em média de cinco anos, é feita a rotação de culturas com o plantio de grãos, medida que também contribui para o aumento dessa lavoura. Em uma usina estabilizada, a rotação é feita em 20% da área todos os anos. Em Uberaba, maior município canavieiro de Minas, a cultura cresceu significativamente, mas tanto o rebanho bovino quanto a área de grãos não tiveram redução durante esse período de crescimento. E em relação ao “Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Canade-Açúcar”, assinado em 2009, com o governo federal? Quais os avanços ocorridos? O cenário da lavoura de cana mudou radicalmente. A forte introdução da mecanização, tanto do corte quanto do plantio, levou à maior necessidade da qualificação dos trabalhadores, com alto investimento por parte das empresas. Em 2009, o corte manual ainda predo-

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minava e demonstramos, com a assinatura desse documento, que estávamos atentos à sustentabilidade do setor. Em especial, com a responsabilidade social junto aos colaboradores e fornecedores. Houve, portanto, grande avanço e o aprofundamento das relações entre empresas, funcionários e respectivos sindicatos. Hoje, mesmo após a expiração do compromisso, continuamos empenhados no rigoroso cumprimento da legislação trabalhista. Houve redução de empregos com a mecanização? Na comparação com a colheita manual a mecanização causa redução de pessoal. No entanto, em Minas, a mecanização evoluiu com o crescimento do setor e anulou a redução de postos de trabalho. De 2003 até hoje, foram construídas 24 novas usinas, com investimentos de US$ 5 bilhões e a geração de 45 mil novas vagas, totalizando os atuais 80 mil empregos diretos. Foram investidos US$ 3 bilhões na aquisição de maquinário e no treinamento de mão de obra. A mecanização exigiu maior qualificação dos trabalhadores, com drástica redução de migrantes e incremento na massa salarial. Qual a sua mensagem final para os leitores? O setor sucroenergético mantém ativos os três pilares essenciais ao desenvolvimento sustentável. Primeiro: é indutor do crescimento regional, com forte presença nos pequenos e médios municípios, gerando emprego, renda e impostos onde mais se tem dificuldades nesse sentido. Segundo: produz energias limpas e renováveis, como o etanol e a bioeletricidade, com menor impacto ambiental, práticas agro-

FIQUE POR DENTRO O O setor sucroenergético tem investido em tecnologia limpa e inovações para a manutenção da competitividade, a partir da redução do custo e aumento da produtividade agrícola. Um exemplo é o plantio de variedades de cana mais adequadas às regiões produtoras, resistentes à seca e às pragas. O Há, ainda, intensa mobilização de diversas empresas de tecnologia para a fabricação do etanol de segunda geração, a partir da biomassa, de bagaço e/ou palha da cana. Sua viabilização técnica e econômica parece bem próxima e poderá aumentar consideravelmente a produção, sem a necessidade de incorporação de novas áreas de cana no país. O Minas tem 37 usinas em funcionamento e 121 municípios canavieiros. O O faturamento líquido do setor em Minas, na safra 2013/14, foi de R$ 5,6 bilhões. O Em Uberaba, maior município canavieiro do estado, a média salarial saltou de R$ 13 mil anuais, em 2005, para R$ 40,5 mil em 2013.

nômicas adequadas, tratamento dos resíduos e redução do uso da água. Por fim, temos o compromisso de levar a melhor qualificação aos colaboradores, além de apoiar e promover projetos sociais e ambientais nas comunidades onde atuamos. Acreditamos que esse é o caminho rumo a um futuro melhor – e mais sustentável – tanto para nós quanto para o planeta. O SAIBA MAIS www.siamig.com.br

FOTO: PHOTOJOCK

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M Á R I O CA M P O S Presidente da Siamig e do Sindaçúcar MG


Água. Water. Amanzi. A palavra não importa, mas a nacionalidade sim! O consumo de água de uma pessoa pode variar de 4 a 575 litros diários de acordo com o país onde vive.

tinno

Fonte: Human Development Report 2006

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SOU ECOLÓGICO

FOTO: ISABEL BALDONI

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18 O ECOLÓGICO | OUTUBRO DE 2014

FOTO: REPRODUÇÃO

IMPRENSA VERDE Maravilha a capa da última edição da Revista “Meio Ambiente Industrial”, editada pelo colega Júlio Tocalino (foto), em São Paulo. E isso às vésperas de ele realizar, nos próximos dias 11, 12 e 13 de novembro, no Expo Center Norte da capital paulista, a “XVI Feira e Seminário Internacional de Meio Ambiente Industrial e Sustentabilidade – FIMAI 2014”, o maior evento do setor.

FOTO: RMAI

NOVELIS PARCEIRA Graças à redução da sua pegada de carbono, a Novelis, líder mundial em laminação e reciclagem de alumínio, foi a única empresa do setor aceita no Programa “Defensores do Clima”, da ONG WWF. “O futuro da nossa economia está nas baixas emissões de CO2, o que é também uma peça-chave da visão da nossa empresa”, comemorou o CEO Phil Martens. No Brasil, a Novelis possui atividades em Pindamonhangaba e Santo André (SP); e também produz alumínio primário em Ouro Preto (MG). A operação local emprega 1.800 pessoas e alcançou a receita de US$ 1,6 bilhão no último ano fiscal. A empresa mantém sete centros de coleta de sucata espalhados no país e conta com o maior centro de reciclagem da América do Sul.

CAPA ECOLÓGICA: contextualidade

FOTO: DIVULGAÇÃO

RETORNO VERDE Distante da cena ambiental desde a queda de uma das alças do viaduto Batalha dos Guararapes, durante a Copa do Mundo, o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda, está de volta. Seu retorno foi no último 21 de setembro, Dia da Árvore, durante a inauguração do Centro de Referência em Saúde Mental Álcool e Drogas (Cersam AD), na capital mineira. Ele e seu vice-prefeito e secretário municipal de Meio Ambiente, Délio Malheiros, plantaram uma muda de ipê-roxo, marcando simbolicamente o plantio das 54 mil novas árvores prometidas pelo Programa “BH Mais Verde”, que conta com um investimento de R$ 17 milhões. A compensação abrange a ordem de três novas árvores para cada uma das 18 mil arrancadas ao longo dos últimos três anos para as obras de mobilidade urbana, incluindo o entorno do novo Mineirão.

PHIL MARTENS, CEO

JOGANDO LIMPO Em comemoração ao próximo Dia das Crianças, o Programa "Jogue Limpo" e a Ecológico estão distribuindo a revista em quadrinhos “A História da Família Lubis” às 3.800 escolas de Minas. A publicação aborda, de forma lúdica e educativa, o descarte ambientalmente correto de embalagens plásticas de lubrificantes usadas, contribuindo para que este resíduo não vire lixo e não seja jogado em locais inadequados, degradando o meio ambiente. Desde 2005, o programa foi responsável por reciclar mais de 300 milhões de embalagens. Mais informações, acesse programajoguelimpo.com.br


Acesse o blog do Hiram:

POR UM MILHÃO DE ÁRVORES O plantio da espécie de número 60 mil do Projeto "Árvore é Vida", pela Associação das Caminhantes da Estrada Real (Acer), marcou as comemorações do “Dia da Árvore” e a entrada da primavera na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em BH. O presidente Dinis Pinheiro, acompanhado do presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Célio Moreira, plantou uma muda de pau-brasil no jardim do Hall das Bandeiras. Além de simbolizar a data, foi uma justa homenagem às ambientalistas-caminhantes, extensiva aos cerca de 100 alunos do Instituto Coração de Jesus, que expuseram seus trabalhos realizados sobre o meio ambiente. Ele destacou a importância da presença das crianças na solenidade. “Elas fortalecem o crescimento de uma nova consciência ambiental. Não podemos mais conviver com tantas queimadas, tanto desmatamento”, lamentou. Célio Moreira destacou o papel da ALMG nesse processo. “Como legisladores, somos corresponsáveis pelas ações positivas na defesa do meio ambiente e, por extensão, pela salvação do planeta”. Já Maria Elvira, presidente da

FOTO: GUILHERME BERGAMINI / ALMG

hiramfirmino.blogspot.com

ALMG VERDE: Maria Christina, Dinis Pinheiro, Célio Moreira e Maria Elvira no plantio da árvore que deu nome ao Brasil

Acer, ressaltou caber às crianças e aos jovens um engajamento cada vez maior na luta que ainda está longe de acabar: “Unam-se a nós! Já conseguimos plantar 60 mil novas árvores por onde passamos em toda Minas Gerais. Nosso objetivo é atingirmos um milhão de futuras árvores. E isso é possível!”.


FOTO: REPRODUÇÃO

GENTE ECOLÓGICA

FOTO: JB ECOLÓGICO

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“Os números não mentem, mas os mentirosos fabricam números.”

FOTO: JB ECOLÓGICO

ALBERT EINSTEIN, físico alemão

“Veja as guerras que estão acontecendo no Oriente Médio, a destruição do meio ambiente... Há caos e desordem em todo lugar. É preciso acordar e prestar atenção ao mundo ao nosso redor: seremos parte do problema ou da solução?”

“O saber a gente aprende é com os mestres e com os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes.”

MADONNA, cantora norte-americana

“O preço a pagar pela tua não participação na política é seres governado por quem é inferior.” PLATÃO, filósofo

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FOTO: JOSEPH CAMPBELL FOUNDATION

FOTO: MARIE-LAN NGUYEN

CORA CORALINA, escritora

“A mulher humana dá a luz assim como a terra dá a luz às plantas. Mulheres e terra estão relacionadas. E a personificação da energia que faz nascer as plantas e as alimenta é propriamente feminina.” JOSEPH CAMPBELL, mitologista e escritor norte-americano


“É desanimador que um assunto tão relevante como a extinção da nascente do Rio São Francisco e suas consequências funestas não mobilize uma única fala dos candidatos na eleição presidencial.”

“O que a indústria quer é produzir bens que sejam úteis à população, que ajudem na melhoria de vida, que atendam as demandas de consumo mas com desenvolvimento sustentável. Não queremos produzir coisas de um lado e do outro prejudicar as pessoas e o meio ambiente.”

FOTO: EVERTON AMARO/FIESP

PAULO BETTI, ator

NELSON REIS, vice-presidente e diretor titular do Departamento de Meio Ambiente da Fiesp

“Vencer não é competir com o outro. É derrotar seus inimigos interiores.” ROBERTO SHINYASHIKI, psiquiatra

GISELE BÜNDCHEN A top model foi o grande destaque do desfile-protesto da Chanel realizado em setembro, durante a Semana de Moda de Paris. A brasileira usou um megafone em plena passarela para gritar palavras de ordem em defesa do meio ambiente, da liberdade de expressão, das mulheres e da união homoafetiva. Gisele, que é embaixadora da Boa Vontade do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), também alertou sobre o aquecimento global.

MINGUANDO

FOTO: REPRODUÇÃO FACEBOOK

FOTO: DIVULGAÇÃO/TV GLOBO

ANGELINA JOLIE, atriz e Embaixadora da Boa Vontade da ONU

FOTO: STATE OF CALIFORNIA

“O mundo precisa de atitudes e não de opiniões. Opinião nenhuma mata fome ou cura doença!”

JERRY BROWN O governador da Califórnia anunciou que aprovará a lei que proíbe a distribuição gratuita de sacolas plásticas descartáveis pelo comércio. A decisão transformará seu estado no primeiro a dar esse passo nos Estados Unidos. Pela nova legislação, as sacolas descartáveis não poderão mais ser distribuídas gratuitamente a partir de julho de 2015. Depois, as lojas poderão oferecer bolsas de papel ou recicláveis a um preço de 10 centavos de dólar.

FOTO: YANGUAS WIKIPEDIA

FOTO: FOREIGN AND COMMONWEALTH OFFICE

CRESCENDO

VALDIR COLATTO O polêmico projeto de lei (PL 6.830/13) do ex-deputado, que permite a alteração, por planos diretores municipais e leis de uso do solo, dos limites das Áreas de Preservação Permanente (APPs) localizadas nas áreas urbanas, está em tramitação na Câmara dos Deputados. O PL, que tramita em caráter conclusivo, também será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e favorece a especulação imobiliária.

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Por que o Brasil não assinou? Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente, aponta as razões de o país não ter aderido ao documento em prol da preservação das florestas, criado na Cúpula do Clima da ONU

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FOTO: DIVULGAÇÃO

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Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada mês passado em Nova York (EUA), reuniu 130 líderes mundiais para dar um novo impulso às negociações quanto à mitigação dos impactos do aquecimento global. No evento, cada nação apresentou as ações que vêm desenvolvendo para preservar os recursos naturais e reduzir a emissão de gases de efeito estufa. E, assim, caminhar definitivamente para o fechamento de um acordo global sobre mudanças climáticas na COP-21, marcada para dezembro de 2015, em Paris. O evento de Nova York foi bastante polêmico, principalmente para o Brasil. A presidente Dilma Rousseff foi severamente criticada por ONGs ambientais, como o Greenpeace, em dois pontos: primeiro, por ela ter enfatizado que a diminuição do desmatamento na Amazônia foi talvez a maior contribuição para reduzir as emissões no país, uma vez que a taxa de desflorestamento ainda é alta. E, segundo, por não ter assinado a “Declaração de Nova York sobre Florestas”, principal documento da Cúpula, que determina compromissos para zerar o desmatamento até 2030. Mas como o país que detém a maior floresta tropical do planeta, exatamente no ano em que a destruição do bioma amazônico cresceu 30%, não aderiu a um acordo internacional para preservar as matas nativas? A resposta, primeiro, veio em forma de críticas. Os candidatos à presidência do país, Aécio Neves e Marina Silva, também criticaram o governo federal. “Lamento a posição da presidente da República. O Brasil poderia estar, com outras ações, liderando esse movimento contra o desmatamento no mundo todo”, disse o ex-governador de Minas. Já Marina também achou a atitude “lamentável”. A imprensa nacional e internacional acusaram a presidente

IZABELLA TEIXEIRA: "A Declaração de Nova York sequer envolveu os países detentores de florestas"

brasileira de utilizar a participação da Cúpula para uso eleitoral. E disseram, ainda, que sua atitude vai na contramão dos ambientalistas e dos países a favor de esforços internacionais para minimizar a emissão de gases do efeito estufa. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que acompanhou a presidente Dilma no evento, cedeu uma entrevista exclusiva ao Blog do Planalto apontando as razões pelas quais o Brasil não assinou


"Querem fazer um acordo global pra valer? Vamos colocar isso para todos os países. Vamos estabelecer áreas de preservação de florestas e matas nativas para todo mundo." IZABELLA TEIXEIRA, ministra do Meio Ambiente

SAIBA MAIS Principais compromissos da Declaração O Reduzir O Acabar

em 50% o desmatamento mundial até 2020.

com o desmatamento florestal até 2030.

O Apoiar

e ajudar o setor privado a eliminar os desmatamentos para produção agrícola.

O Restaurar

o documento, que teve adesão de 31 países. Confira, a seguir, o seu depoimento na íntegra: “Primeiro: não foi uma Cúpula do Clima para se negociar um acordo. E sim um evento para que os países pudessem apresentar sua visão e seus compromissos com vistas para o acordo a ser fechado na COP-21, que será realizada em Paris, França, em 2015. Segundo: o Brasil, não só nos depoimentos oficiais, mas nas conversas bilaterais, reitera o seu compromisso com o acordo do clima para o próximo ano. É importante destacar que, durante a Cúpula de Nova York, principalmente nos eventos paralelos, como as reuniões formais, o Brasil foi reconhecido pelos resultados concretos da política brasileira na diminuição das emissões associada à redução do desmatamento na Amazônia brasileira. Mais do que isso: o Brasil foi citado sobre a sua legislação florestal e a expectativa de recuperação das áreas degradadas antes de 2008. É o país que tem uma lei nacional que obriga o proprietário privado a ter reserva legal e Área de Preservação Permanente (APP). Diferentemente de outros países, em que o proprietário pode ‘limpar’ a sua vegetação nativa, inclusive de floresta, para plantar 100%, o agricultor brasileiro tem que manter uma parte da mata nativa intocável para a outra ser objeto de manejo. A nossa legislação diz que, no caso da Amazônia, em relação à reserva legal, deve-se preservar 80% da propriedade, o que nenhum outro país faz. Querem fazer um acordo global pra valer? Vamos colocar isso para todos os países. Vamos estabelecer áreas de preservação de florestas e matas nativas para todo mundo. Nós temos condições de fazê-lo porque a sociedade brasileira concorda com isso. Quando quisemos falar contra o desmatamento ilegal, todo mundo disse ‘estou dentro’. Mas dizer que não queremos ou que não estamos fazendo... Fazemos mais que todos juntos. O resultado de redução de emissões no Brasil é superior ao que todos os países do mundo fizeram. O de APPs criadas também. Vamos separar o joio do trigo e acabar com essa his-

150 milhões de hectares de florestas em todo o mundo até 2020, com perspectiva de restaurar outros 200 milhões até 2030.

O Incluir

metas de conservação e restauração florestal no quadro de desenvolvimento global pós-2030.

O Aderir,

em 2015, ao pacto climático global pós-2020 para redução de emissão de gases.

Motivos de o Brasil não ter assinado O A

Declaração de Nova York não é um acordo.

O A

declaração só foi assinada por 31 dos 130 países participantes da Cúpula do Clima.

O O

Brasil tem a maior reserva florestal do planeta e não foi chamado para participar da elaboração da proposta.

O Outros

países detentores de grandes florestas também foram ignorados e não assinaram.

O Depois

do documento pronto, o Brasil tentou fazer colaborações, mas não teve suas sugestões acatadas.

O Assinar

a declaração significaria atestar como verdadeira a doação de US$ 5 bilhões a países que promovem ações contra o desmatamento, sendo que o valor real é de US$ 2,3 bilhões.

O A

declaração ignora as responsabilidades sobre a preservação ambiental assumida pelos países desenvolvidos e abre possibilidade de transferir esses encargos ao setor privado.

O A

declaração fere o Código Florestal do país, aprovado democraticamente pela sociedade brasileira.

tória de desviar o foco. Onde está o compromisso de todos os países? E o das nações emergentes, incluindo o de suas florestas? Digo e reitero: o Brasil, na negociação de 2015, certamente trará, dentro do seu conjunto de propostas, a proteção das florestas. Precisamos ter um acordo global sobre elas sim, mas negociado com todos os países do mundo. Um acordo formal, não uma declaração feita da ‘noite para o dia’ e que sequer envolveu os países detentores de florestas.”

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS FOTO: DIVULGAÇÃO / WARNER BROS

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POR MEIO de sua fundação, o ator tem apoiado várias causas ambientais, como a preservação dos ecossistemas marinhos e dos tigres em risco de extinção

O mensageiro da natureza Leonardo DiCaprio, o ator que rejeitou o rótulo de galã de cinema e está se destacando na defesa das causas ambientais, recebe uma missão da ONU: chamar a atenção da humanidade para os problemas climáticos Luciano Lopes redacao@revistaecologico.com.br

São poucos os atores que não se deixam levar pelas garras da fama. Ou que rejeitam os rótulos piegas que a imprensa sensacionalista insiste em colocar. Leonardo DiCaprio é assim. Não dá importância para os que o chamam de “queridinho de Hollywood” ou se é incluído nas listas de “mais sexys” ou “mais bonitos do mundo”. Prefere emprestar seu nome a causas que realmente acredita e que podem mudar o futuro da humanidade e do planeta. E o meio ambiente é uma delas. No mês passado, durante a Cúpula do Clima da ONU, DiCaprio foi nomeado o novo mensageiro da paz da instituição. Sua missão ecológica? Sensibilizar a população mundial sobre os perigos do aque24 O ECOLÓGICO | OUTUBRO DE 2014

cimento global e os efeitos das mudanças climáticas. “DiCaprio é uma voz com credibilidade no movimento ambientalista e tem uma plataforma considerável para amplificar a sua mensagem”, afirmou Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, ao entregar ao ativista a placa que confere sua nomeação. Agora, o ator se junta a dezenas de outros mensageiros e embaixadores da Boa Vontade, que incluem personalidades como Gisele Bündchen, Michael Douglas e Charlize Theron. Em seu discurso na abertura do evento (leia mais a seguir), DiCaprio disse que sentia uma “obrigação moral” em assumir o papel de mensageiro da paz. E reafirmou seu compromisso com a causa ambiental,


FILANTROPIA ECOLÓGICA

Oceanos A LDF é um dos financiadores internacionais do projeto “Oceans 5”, dedicado a parar a pesca predatória e estimular a criação

convidando todos a lutar por nosso futuro comum: “Este é o momento de agir. Nossa resposta à crise climática nos próximos anos provavelmente decidirá o destino da humanidade e do nosso planeta”. Dois dias antes de ser nomeado, o ator participou, junto com o secretário Ban Ki-moon e o ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, da “Marcha do Povo pelo Clima”, que cruzou as principais ruas de Nova York e reuniu mais de 300 mil pessoas. ATIVISMO AMBIENTAL O ator nasceu em Los Angeles (EUA), em 11 de novembro de 1974. Depois de Titanic (1997), filme que faturou mais de US$ 2 bilhões em bilheteria, DiCaprio escolheu o que menos se esperava de alguém que havia alcançado o seu nível de reconhecimento: a liberdade artística. Optou por trabalhar também em filmes pouco memoráveis,

de reservas marinhas, as duas maiores prioridades ecológicas identificadas por cientistas. Tubarões Participa de um esforço bem-sucedido de seis organizações de cinco países diferentes para fixar restrições ao comércio internacional para cinco espécies de tubarões ameaçadas e listadas na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies (Cites).

FOTOS: REPRODUÇÃO

FOTO: DIVULGAÇÃO

Florestas tropicais Também com o WWF, Frankfurt Zoological Society, o australiano Orangutan Project, Kehati e Eyes on the Forest desenvolve ações para salvar o maior bloco remanescente de floresta em Sumatra, lar de tigres selvagens, orangotangos, elefantes e duas tribos indígenas.

FOTO: THIAGO FIOREZE

Tigres Em parceria com a ONG WWF, a fundação desenvolve, junto às comunidades locais e o governo do Nepal, tem um projeto para proteger os hábitats de tigres em risco de extinção no país.

FOTO: VLADIMIR YU. ARKHIPOV

Por meio da LDF, o ator Leonardo DiCaprio tem feito várias doações a instituições de proteção ambiental. A seguir, conheça algumas das ações da instituição:

Antártica Apoia a Aliança do Oceano Antártico, grupo que reúne dez organizações que trabalham em cinco continentes para garantir a preservação de reservas marinhas. Água potável Apoia a Concern Worldwide, que atua para garantir o acesso à água para 430 mil pessoas na Tanzânia, Moçambique, Serra Leoa e Darfur.

como “A Praia” (2000), apenas pelo desafio de viver personagens intensos. Coleciona alguns dos mais importantes prêmios do cinema, como o Golden Globe Award, premiação que venceu duas vezes como “Melhor Ator”, e o People’s Choice Award, como “Ator Favorito de Drama”, por sua atuação no filme “O Grande Gatsby” (2013). DiCaprio decidiu se tornar um dos porta-vozes da causa ambiental logo após o sucesso de Titanic. Em 1998, criou a Leonardo DiCaprio Foundation (LDF), dedicada a proteger as últimas áreas ainda preservadas do planeta e produzir, apoiar e implementar soluções sustentáveis que possam estabelecer uma relação mais harmoniosa entre o ser humano e a natureza. Em 2007, escreveu e narrou o documentário “A Última Hora”, que denuncia a degradação do meio ambiente planetário mostrando a situação atual dos recursos naturais. O filme traz, ainda, entrevis-

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS

tas com 50 cientistas, pensadores, líderes mundiais e especialistas ambientais, além de depoimentos de representantes de ONGs que atuam em nível internacional, fazendo análises e indicando soluções sustentáveis para reduzir a poluição, a superpopulação e os riscos do aquecimento global. Desde que foi criada, a LDF tem feito várias doações para ONGs e eventos para arrecadar fundos a serem aplicados na preservação da fauna e da flora mundial. Durante a conferência “Our Ocean”, realizada este ano em Washington (EUA), ele doou US$ 7 milhões para serem investidos na proteção dos oceanos e da vida marinha. Recentemente, o Elephant Crisis Fund recebeu US$ 1 milhão da LDF para desenvolver ações contra o tráfico e a caça ilegal de marfim. Em um evento beneficente promovido pelo ator em julho último, que contou com a presença de ce-

lebridades como Bono Vox, Jared Leto e Selena Gomez, a fundação arrecadou mais de US$ 25 milhões, que serão revertidos para causas ambientais e humanitárias desenvolvidas pela instituição. “Estamos diante de um ponto de inflexão da crise ambiental sem precedentes na história humana. Desde a época dos dinossauros não há tantas espécies de plantas e animais extintos em um curto período de tempo. Devemos fazer um esforço para proteger esta rica biodiversidade e permitir que a natureza se recupere”, afirmou ele, ao discursar no evento. Atualmente, o ator é membro de uma série de organizações de proteção ambiental. Entre elas, destacam-se World Wildlife Fund (Fundo Mundial para a Vida Selvagem), The Natural Resources Defense Council (Conselho de Defesa dos Recursos Naturais) e International Fund for Animal Welfare (Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal).

O recado realista de DiCaprio

“Como ator, eu represento para viver. Interpreto personagens fictícios, muitas vezes, para resolver problemas fictícios. Acredito que a humanidade olhou para a mudança climática da mesma forma: como se fosse uma ficção que acontece no planeta de outra pessoa, fingindo que ela não é real. Nós sabemos mais do que isso. Todas as semanas, estamos vendo novos eventos e inegáveis fenômenos climáticos. As provas que aceleraram a

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mudança climática estão aqui e agora. Sabemos que as secas estão se intensificando. Nossos oceanos estão se aquecendo e acidificando, com ‘nuvens’ de metano subindo por baixo do fundo do oceano. Estamos vendo os eventos climáticos extremos, o aumento da temperatura, os gelos glaciares da Antártida Ocidental e da Groenlândia se derretendo em taxas sem precedentes, décadas à frente das projeções científicas. Nada disso é retórica, nada disso é histeria. É verdade. A comunidade científica, as indústrias e os governos sabem disso. Até mesmo o exército dos Estados Unidos sabe disso. O chefe do comando da Marinha dos EUA no Pacífico, almirante Samuel Locklear, disse recentemente que a mudança climática é a nossa maior ameaça de segurança. Talvez mais do que qualquer outra reunião na história da humanidade, agora nós enfrentamos a tarefa mais difícil. Cada um de nós pode fazer história ou ser difamado por ela. Não se trata apenas de dizer às pessoas para mudarem suas lâmpadas FOTOS: CIA PAK / UN PHOTO

Quem mais se destacou e chamou a atenção dos líderes mundiais durante a Cúpula do Clima, que discutiu ações locais para minimizar os impactos das mudanças climáticas, foi o ator norte-americano Leonardo DiCaprio. Ele se posicionou de forma contundente sobre a urgente necessidade de governos e indústrias tomarem decisões sustentáveis em grande escala. E alertou: “Se não agirmos logo, e em conjunto, certamente iremos morrer junto com o planeta e todas as outras formas de vida”. Confira:

DICAPRIO: “O ar puro e a água, num clima habitável, são direitos humanos inalienáveis”


FOTOS: REPRODUÇÃO

o... mos log r i g a ão "Se n

eta." n a l p com o ...iremos morrer junto ou para comprarem um carro híbrido. O desastre do clima tem crescido para além das escolhas que as pessoas fazem. Isso agora é sobre as nossas indústrias e os governos de todo o mundo. Todos nós precisamos tomar decisões sustentáveis em grande escala. Eu não sou um cientista e nem preciso ser. É a comunidade científica internacional que nos deram esse prognóstico comum: se não agirmos logo, e em conjunto, certamente iremos morrer junto com o planeta e todas as outras formas de vida. Agora é o nosso momento para a ação. Precisamos colocar uma etiqueta de preço nas emissões de carbono e eliminar os subsídios do governo para as empresas que exploram carvão, gás e as companhias de petróleo. Precisamos acabar com a carona que os poluidores industriais se deram e foram dadas em nome de uma economia de livre mercado. Eles não merecem os nossos impostos, nem o nosso voto. A economia, em si, também vai morrer se os nossos ecossistemas entrarem em colapso. A boa notícia é que as energias renováveis não são apenas políticas econômicas viáveis. Elas são boas para o planeta. Novas pesquisas mostram que, em

2050, as energias limpas e renováveis poderão suprir 100% das necessidades de energia da humanidade, utilizando as tecnologias existentes e em desenvolvimento, gerando milhões de novos empregos. Esse não é um debate partidário; é um debate humano. O ar puro e a água, num clima habitável, são direitos humanos inalienáveis. E resolver esta crise não é uma questão política. É nossa obrigação moral diante do cenário reconhecidamente assustador. Temos apenas um planeta. A humanidade deve tornar-se responsável em grande escala pela destruição gratuita de nossa casa coletiva. Proteger o nosso futuro neste planeta depende da evolução consciente de nossa espécie. Esta é a nossa mais urgente causa. E a mais urgente mensagem. Delegados honrados e líderes do mundo aqui reunidos, permitam-me repetir: como ator, eu finjo para viver. Mas vocês não. Aqui em Nova York (EUA) e em todas as grandes cidades do mundo, as pessoas fizeram ouvir as suas vozes. E esse impulso não vai parar. O tempo para vocês responderem ao maior desafio da nossa existência neste planeta é... agora! Vamos enfrentá-los com coragem e honestidade.” O

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1 FAUNA

PROTEÇÃO

URGENTE!

Cresce o número de espécies ameaçadas na Lista Vermelha da Extinção José Antônio Orlando redacao@revistaecologico.com.br

O

s números são assustadores: pelos registros oficiais do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Brasil conta atualmente com mais de 620 espécies na Lista Vermelha dos animais ameaçados de extinção. Desse total, pelo menos 10 espécies foram declaradas oficialmente extintas nos últimos anos, mas os pesquisadores alertam que o número pode ser muito maior, já que algumas desaparecem antes mesmo de serem identificadas e catalogadas. Uma versão atualizada da “Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção” está sendo elaborada pelo Governo Federal, mas ainda não há previsão para lançamento. Na avaliação de Gláucia Drummond, superintendente-geral da Fundação Biodiversitas, os fatores de risco para a extinção da maioria das espécies são diversos, com destaque para a “degradação ou a fragmentação de seus hábitats”. A Biodiversitas é a instituição pioneira no Brasil no desenvolvimento da metodologia de avaARARA-AZUL Anodorhynchus glaucus

liação do status de conservação das espécies silvestres da fauna e da flora, com base nos critérios internacionais definidos pela União Mundial para a Natureza (IUCN). Foi iniciativa da fundação editar, em 1989, a primeira publicação da Lista Vermelha da fauna brasileira. Mais de uma década depois, em 2002, coube à fundação, em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), coordenar a revisão da listagem. Além de considerar a gravidade da situação das espécies ameaçadas, em Minas Gerais e nos demais estados brasileiros, Gláucia também chama a atenção para as iniciativas bem-sucedidas de conservação, que exigem esforços e investimentos de longo prazo tanto do poder público quanto da iniciativa privada. “A criação de áreas protegidas e o manejo de hábitats são medidas efetivas e urgentes para a conservação da biodiversidade e os programas corporativos de responsabilidade socioambiental são de extrema importância. Quando bem orientados, contribuem significativamente para a implementação das políticas ambientais”, defende a superintendente.


FIQUE POR DENTRO

As espécies ameaçadas de extinção são classificadas de acordo com níveis de risco, nos quais são considerados o tamanho populacional das espécies, a extensão de suas áreas de distribuição e o isolamento ou o declínio de suas populações. A Lista Vermelha de espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção apresenta, atualmente: 69 mamíferos; aves; O 20 répteis; O 15 anfíbios; O 165 peixes; O 93 insetos; O 21 invertebrados terrestres; O 91 invertebrados aquáticos. O

AVANÇOS ESTRATÉGICOS Nem as espécies que vivem em áreas protegidas por lei ou incluídas nas 312 Unidades de Conservação federais escapam do perigo iminente. Os mais recentes levantamentos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente), atualizados e publicados há pouco tempo no “Atlas da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção em Unidades de Conservação”, revelam que, mesmo nas áreas sob proteção federal, existem mais de 300 espécies com risco de desaparecer. Há também os casos de avanços nas estratégias de conservação da fauna – incluindo projetos que ganharam visibilidade nos últimos anos em todo o Brasil, como o Tamar, da Petrobras, que cuida das tartarugas marinhas, ou seus equivalentes nos programas “Pei-

FOTO: BIGNOTER

O 153

PERERECA Phynomedusa fimbriata

xe-Boi” e “Ararinha-Azul”. Mas são casos de exceções. Entre os avanços, há também o caso bem-sucedido do micoleão-de-cara-dourada, espécie que passou da lista dos “animais criticamente ameaçados” para a dos que estão “em perigo”. Mas, novamente, trata-se de uma exceção. Apenas entre os primatas, em comparação com a avaliação anterior, o número de espécies ameaçadas (“criticamente em perigo”, “em perigo” e “vulnerável”) aumentou de 26 para 36 e outras nove tiveram o grau de ameaça aumentado. Em relação ao número de animais em extinção localizados pelos pesquisadores nos parques nacionais e Unidades de Conservação, Minas Gerais ocupa o terceiro lugar no ranking nacional, com um total de 129 registros de ocorrências de espécies ameaçadas. O primeiro lugar ficou com

EXTINÇÃO Lista dos animais extintos nos últimos anos: Aves Anodorhynchus glaucus (arara-azul) Numenius borealis (maçarico-esquimó) Anfíbios Phynomedusa fimbriata (perereca) Insetos Simopelta mínima (formiga) Acanthagrion taxaensis (libélula) Mecistogaster pronofi (libélula) Invertebrados terrestres Rhinodrilus fafner (minhocoçu gigante) Fimoscolex sporadochaetus (minhoca branca) Megalobulimus cardosoi (aruá-do-mato) Magalobulimus grandis (caracol-gigante)

a Bahia: nos 26 parques daquele estado, foram registrados 170 espécies em risco. Em segundo lugar, o Rio de Janeiro, com 167 exemplares da Lista Vermelha em 19 parques nacionais.

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FOTO: LUIZ CAVALCANTI DAMASCENO / SOM

1 FAUNA NORDESTE EM RISCO O Brasil pode ter perdido, para sempre, mais três espécies de aves nativas da Mata Atlântica nordestina: a corujinha caburéde-pernambuco (Glaucidium mooreorum), o gritador-donordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e o limpa-folhado-nordeste (Philydor novaesi). Em artigo publicado recentemente na revista científica “Papéis Avulsos de Zoologia”, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), ornitólogos nacionais e estrangeiros, que estudam essas espécies há mais de uma década, indicaram a hipótese de que elas estejam potencialmente extintas, uma vez que não foram feitos registros de visualização delas há muito tempo. Para se ter uma ideia, o último registro oficial do canto de um exemplar da corujinha caburé-de-pernambuco é de 1990.

MICO-LEÃO-DOURADO Leontopithecus rosalia

Para mais informações, acesse: fundacaogrupoboticario.org.br

FRAGMENTAÇÃO DOS HÁBITATS Os levantamentos e as categorias para elaboração da Lista Vermelha seguem critérios científicos rigorosos. Para uma espécie receber o título de “criticamente ameaçada”, por exemplo, os pesquisadores precisam ter observado uma perda de mais de 70% na população nos últimos dez anos (ou três gerações). São consideradas ameaçadas as espécies com alta probabilidade de extinção ou que se aproximam dessa condição caso persistam as pressões sobre elas ou seus hábitats. Por conta do desmatamento, os animais mais prejudicados são os que habitam a Mata Atlântica, como ocorre com o muriqui (Brachthelys aracnoidis), o maior primata das Américas, que vive em Minas Gerais e Espírito Santo, e com a preguiça-de-coleira (Bradypus torquatus), que vive nos remanescentes florestais entre Rio de Janeiro e sul da Bahia.

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Entre as aves mais ameaçadas estão o limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi) e a choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi), descobertos apenas em 1979, e a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari). A superintendente da Fundação Biodiversitas alerta que o aumento do número de espécies ameaçadas, em Minas Gerais e no Brasil, se dá como consequência tanto da ampliação do esforço de avaliação para um maior número de espécies quanto pela atuação de fatores de ameaça que incluem a caça predatória, a mineração, a agricultura e a urbanização sem planejamento. “Não existe uma situação isolada que possa ser mais alarmante em relação à outra; ou seja, não podemos atribuir pontualmente à mineração, aos aproveitamentos hidrelétricos ou à agricultura as causas de perda da biodiversidade. O que vem determinando as

extinções, na maioria dos casos, é a falta de planejamentos econômicos regionais integrados, de longo prazo, e onde o conjunto de impactos seja medido. E evitada, ou restringida, a locação de empreendimentos nas áreas-chave para a conservação da biodiversidade”, completa Gláucia. O

SAIBA MAIS Fundação Biodiversitas www.biodiversitas.org.br Instituto Chico Mendes www.icmbio.gov.br/portal Atlas da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção em Unidades de Conservação Federais www.icmbio.gov.br/portal/ images/stories/documentos/ Atlas-ICMBio-web.pdf União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN), sigla em inglês www.iucn.org


CÉU DE BRASÍLIA VINÍCIUS CARVALHO FOTO: FERNANDA MANN

SALVE O CERRADO! O Ministério do Meio Ambiente anunciou investimentos de R$ 596 milhões para a prevenção e controle do desmatamento e das queimadas no Cerrado. A meta é reduzir o desmatamento do bioma em 40% até 2020. O percentual se refere à média de 15,7 mil km² registrada entre 1999 e 2008, o que significa alcançar um máximo de 9,42 mil km² de desmatamento anual. Apesar dos investimentos, o montante equivale a menos de 3% do que vai custar Belo Monte.

MATA ATLÂNTICA

PUXÃO DE ORELHA EM SP A relatora da ONU para o direito à água, Catarina Albuquerque, afirmou que a crise da água em São Paulo não é culpa de São Pedro, mas das autoridades. “A responsabilidade é do Estado, que precisa garantir investimentos em momentos de abundância”, disse. Em nota, a Sabesp continua a insistir que não há racionamento nas 354 cidades onde opera.

DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA (I) Uma área quase 18 vezes maior que a cidade de Belo Horizonte foi desmatada na Amazônia Legal entre agosto de 2012 e julho de 2013. Os dados, apresentados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam que a devastação foi 29% maior do que no período anterior.

DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA (II) Este é o primeiro aumento do índice de desmatamento da Amazônia Legal nos últimos quatro anos. Segundo o mapeamento, 5.891 km² da cobertura florestal foram derrubados, comparados aos 4.571 km² devastados entre 2011 e 2012. FOTO: ASCOM / IBAMA / EVERTON PIMENTEL

O Brasil poderia preservar toda sua Mata Atlântica com apenas 0,01% do seu Produto Interno Bruto (PIB), estima um estudo publicado pela revista Science. Segundo os pesquisadores, cerca de R$ 443 milhões seriam suficientes para conservar a maioria das espécies, quantia que equivale a apenas 6,5% do que o Brasil investe em subsídios agrícolas.

AVES DA CAATINGA O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) lançou, mês passado, o Plano de Ação Nacional para Conservação das Aves Ameaçadas de Extinção da Caatinga (PAN Aves da Caatinga). Serão dez espécies contempladas, incluindo o periquito-de-cara-suja, a jacucaca e o zabelê.

FOTO: MAURO RODRIGUES

ANIMAIS PEÇONHENTOS Entre 2003 e 2013, o número de acidentes com animais peçonhentos saltou de 75.642 para 162.234 no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. No caso de acidentes com escorpiões - que respondem por 79.481 notificações no ano passado -, o crescimento é atribuído à degradação do ambiente urbano. OUTUBRO DE 2014 | ECOLÓGICO O 31


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GESTÃO & TI ROBERTO FRANCISCO DE SOUZA (*) redacao@revistaecologico.com.br

A FORÇA DE UMA CULTURA

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oi quando comecei a Empresa Essencial. Para quem não se lembra, trata-se de um modelo de gestão que usamos, ainda hoje. Entre seus onze princípios, um me olhava desafiador e foi batizado de “Seleção Natural”. Era um mecanismo evolutivo, mas não significava morte ou algo darwiniano. Não queria dizer que quem não fosse selecionado estaria morto, desempregado. E muito menos que a Empresa Essencial se tornaria o único lugar possível para se trabalhar ou que uma espécie de dia do arrebatamento ocupacional levaria apenas os bons para ela, deixando os maus com trabalhos piores. Mas a imagem do personagem de Kevin Costner no filme “O Campo dos Sonhos”, de 1989, ouvindo a voz de sua consciência – “construa e eles virão” –, não saía de minha cabeça. Sabia que, se eu construísse a equipe, isso viria. E, quatorze anos depois, aconteceu. Tinha muito mais a ver com atração. No começo, eu olhava para dentro e via pessoas que estavam ali, meio tortas, trabalhando com a gente, estando sem querer estar. A gente conversava, tentava entender, vivia crises de convivência, mas uma coisa foi certa: aos poucos alguns se foram, outros vieram e, quanto mais este ciclo se repetia, tanto mais a gente via algo mudar, não sabia direito como nem por que acontecia, mas as pessoas se pareciam mais com a gente, com a Empresa Essencial. Paro para pensar e concluo que a gestão atrai e isso, no mercado, é dito de outra forma, uma empresa tem a cara de quem a guia ou ainda: diga-me onde trabalhas e te direi quem és. Não é assim, cartesiano, não dá para tirar um retrato de uma organização e classificar sua equipe no mesmo reino, filo, classe, ordem, família, gênero ou espécie. Mas o tempo, sendo senhor da razão, se encarrega de aproximar os iguais em igrejas, partidos políticos, clubes, torcidas e o que mais vier. É a força da cultura. Que o leitor não tenha desse escrito uma visão de Maniqueu. Nunca admirei os prêmios Great Place To Work (“Grande Lugar para se Trabalhar”) porque, com licença da má comparação, se dois bicudos não se beijam, um gambá também cheira o outro e, ditado por ditado, a empresa que eu detestar pode ser a que você ama e o que é bom para mim pode ser ruim para você. Essencial aqui é compreender que, na maioria das vezes, vamos na direção do que nos atrai. Pode falhar, 32 O ECOLÓGICO | OUTUBRO DE 2014

mas nossa trajetória profissional nos empurra na direção daquilo que, lá no fundinho, nós desejamos e amamos como modelo de organização do trabalho. Eu, muito cedo em minha vida, me lamuriando com um colega sobre a injustiça que achava que cometiam comigo e minha “imensa” competência na empresa em que servíamos, ouvi dele o recado do qual nunca mais me esqueci, simples e direto: - Por que você não procura outro emprego? Naquele momento, resolvi que trabalhava na minha Great Place To Work. Fiquei e, só alguns anos depois, mais maduro, segui meu caminho. Então, quando você disser que sua equipe é fraca, pare e pense: foi você quem os atraiu. Olhe-se no espelho e trate de tomar providências, se estiver realmente incomodado com ela. Do outro lado, a toada é igual e você pode começar hoje a construir a mudança. Se demorar muito, pode ser sinal de crise de emprego no mercado. Mas, de boa, vai que é você que está onde sempre desejou estar. E a força de mudar é muito menor que a vontade que você tem de ficar onde está. Se for isso, digo-lhe o que disse certa vez a meu filho, ainda criança, que, sentindo falta do técnico de natação em uma de suas competições, começou a chorar e disse que não ia competir. Segurei-o pelos braços, olhei bem nos seus olhos e exclamei: - Pule na piscina e nade! Deu terceiro lugar. O (*) Diretor-geral da Plansis, vice-presidente de Sustentabilidade da Sucesu-MG, presidente do Comitê para a Democratização da Informática (CDI) e diretor do Arbórea Instituto.

TECH NOTES O O que é a Great Place to Work

www.greatplacetowork.com O Relembre o que é a Empresa Essencial

http://goo.gl/ufXNad O Construa e eles virão

http://goo.gl/vkjx1n



1 TECNOLOGIA LIMPA

FOTOS: DIVULGAÇÃO ATTERIS

TERMOLIX: ela pode processar até 5.000 kg/dia de vários tipos de resíduos

A CURA DO LIXO HOSPITALAR O gerenciamento dos resíduos de serviços de saúde, hoje realizado de forma incorreta no país, encontra uma solução eficaz e inovadora desenvolvida em Minas

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uando se trata da destinação correta do lixo - desde a separação dos resíduos orgânicos e recicláveis até os problemas enfrentados com o esgotamento de aterros sanitários -, sabe-se que ainda há muito a ser feito. Ao pensarmos no descarte do lixo hospitalar, por outro lado, a primeira impressão é a de que as empresas de saúde atuam com um controle mais eficaz e rigoroso, principalmente por conta da alta possibilidade

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de disseminação e proliferação de doenças. A realidade, porém, é muito diferente. Na última edição do Seminário de Resíduos e Serviços de Saúde, realizado na capital mineira em 2013, a Comissão Permanente de Apoio ao Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (Copagress) apresentou um diagnóstico preocupante: assim como na maioria das cidades brasileiras, esse tipo de lixo ainda é muito mal administrado na capital mi-

neira. Quase metade dos grandes hospitais não respeita o Plano de Gerenciamento de Resíduos dos Serviços de Saúde (PGR-SS), aprovado pela Prefeitura de Belo Horizonte em 2000 e desenvolvido em consonância com as determinações legais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Basicamente, o problema ocorre na separação do descarte infectante. Como ele acaba sendo mistura-


FIQUE POR DENTRO

A Atteris surge no palco da sustentabilidade ambiental para oferecer aos diversos setores produtivos tecnologias sustentáveis e inovadoras, que vão além do simples tratamento térmico de resíduos. Integra o Grupo EcoBras, que há dez anos se tornou uma das mais expressivas empresas de concepção e operação de Usinas de Incineração de resíduos Classe I de grande porte da América Latina.

SAIBA MAIS SEGUNDO Gustavo Teixeira e José Borela, o carvão de pirólise também pode ser utilizado para geração de energia

do ao comum, todo o montante fica proibido de ser levado a um aterro sanitário licenciado, sendo uma parte incinerada (o que requer um alto investimento) e a restante direcionada a outros aterros. As consequências são o encarecimento do serviço e maiores danos ambientais, além do risco à saúde da população. Ao se pensar em novas e seguras alternativas para o manejo do lixo hospitalar e seu descarte, geralmente imaginamos que elas possam vir de países que já encontraram maneiras sustentáveis para a solução desse impasse. Mas, no Brasil, já existe uma forma eficaz para se realizar o tratamento correto dos resíduos. Ela surgiu em Nova Lima (MG), mais especificamente no bairro Jardim Canadá: trata-se da Termolix, unidade de tratamento térmico de resíduos que está revolucionando os conceitos de gestão do lixo adotados atualmente. Lançada em julho, ela utiliza uma tecnologia inovadora de termovalorização dos resíduos - a pirólise em fluxo contínuo -, convertendo-os em carvão de alto valor agregado e com índices superiores de comercialização e aproveitamento. A Termolix foi idealizada e produzida pela Atteris Tecnologia

& Gestão Ambiental - uma empresa mineira do Grupo EcoBras, que atua no desenvolvimento de usinas de incineração de grande porte, após cinco anos de pesquisas e resultados promissores. “O nosso objetivo sempre foi criar tecnologias que fossem além do tratamento térmico de resíduos e ainda se adequassem efetivamente às premissas da sustentabilidade, sendo tecnicamente viáveis”, afirma Gustavo Teixeira, diretor da Atteris. COMO FUNCIONA A Termolix tem capacidade produtiva integrada a um processo de alto desempenho. Ela também é compacta: ocupa apenas 78 m². “A unidade demanda pouco espaço se comparada a outros sistemas de tratamento térmico similares”, salienta Gustavo. José Silvério Borela, engenheiro da Atteris, explica os diferenciais: “Um deles é a reutilização dos gases gerados no próprio processo, reintroduzidos para a autonomia térmica da unidade. Outro é o fluxo contínuo, que é o processamento, sem intervalos, entre a alimentação, o processo e sua resultante, além do sistema de automatização da unidade, que monitora todo o

www.ecobras.ind.br www.atteris.eco.br

processo sinalizando ao operador possíveis falhas. Em último caso e quando não houver a intervenção adequada, o sistema supervisório assume o controle da unidade, evitando assim eventuais danos. A pluralidade de resíduos que o sistema pode termovalorizar, englobando uma grande quantidade de tipologias, do hospitalar ao industrial e urbano, também é outro destaque importante”. A tecnologia de pirólise diferese da de incineração em vários aspectos, sendo o principal deles a degradação térmica de todo o material de origem carbonácea em um ambiente virtualmente livre de oxigênio, ocorrendo a decomposição molecular dos compostos pela ação das altas temperaturas. É possível atingir até cinco mil quilos de resíduos termovalorizados por dia. “É um produto quimicamente estável, que reduz consideravelmente a emissão de gases de efeito estufa quando comparado à destinação de resíduos adotadas no Brasil. O carvão oriundo do lixo hospitalar pode ainda ser utilizado em usinas termoelétricas para a geração de energia, criando uma simbiose industrial onde a termovalorização dos resí-

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1 TECNOLOGIA LIMPA duos de uma é o produto da outra. Isso minimiza danos ambientais quanto à geração de carvão vegetal, já que o país, historicamente, não possui grandes reservas desse insumo”, complementa Borela. ACEITAÇÃO POSITIVA A solução para tratamento de resíduos desenvolvida pela Atteris está sendo muito bem recebida pelo mercado e pelos órgãos ambientais, que sinalizam positivamente quanto à sua utilização. A empresa emitiu, em pouco mais de um mês, 35 propostas para aquisição das unidades a diversas cidades brasileiras e alguns países do Mercosul. Segundo Gustavo Teixeira, a Atteris também iniciou o processo para conquista da certificação “Patente Verde”, concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), que reconhece sistemas sustentáveis de reaproveitamento energético e diminuição da emissão de gases de efeito estufa. “A Termolix está à frente de seu tempo, se antecipa ao mercado e disponibiliza, dentro das melhores práticas globais, o mais moderno conceito de termovalorização de resíduos, elevando a sustentabilidade ambiental a outro patamar.” Ela também surge no mercado como uma solução eficiente e imprescindível para atender tanto instituições de saúde quanto prefeituras municipais que devem se adequar à Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/10. A PNRS determina diretrizes para prevenir e reduzir a geração de resíduos por meio da adoção de hábitos de consumo sustentáveis, promovendo também o aumento da reciclagem, a reutilização dos resíduos sólidos e a destinação ambientalmente adequada dos rejeitos. Define a responsabilidade compartilhada dos geradores de resíduos e estabelece metas para a eliminação dos lixões por

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TERMOLIX: MOLIX: UMA SOLUÇÃO ECOEFICIENTE

Compacta: ocupa uma área de 78 m² Segura: tem um processo ambientalmente seguro e sustentável, com autonomia térmica em função do reaproveitamento energético Rigorosa: atende a todos os requisitos da legislação ambiental vigente Rentável: é possível comercializar a resultante do processo (carvão de pirólise) Inteligente: tem design modular em base Skid (metálica) Moderna: possui sistema duplo de análise de gases em tempo real Analítica: é composta por um poderoso software supervisório, intuitivo e de fácil utilização Tecnológica: facilidade operacional, elevado nível de segurança e instrumentação Otimizada: com sistema de alimentação otimizado com trituração de resíduos in-line Versátil: tem capacidade diária para processar 5.000 kg de diversas tipologias de resíduos, atingindo redução volumétrica de 95%

meio de planejamento em nível nacional, estadual e municipal. Diariamente são produzidas no país mais de 200 mil toneladas de resíduos, sendo que 1,5% delas são de lixo hospitalar. Em Minas, segundo estimativas da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), são 313 toneladas diárias e as 16 unidades de tratamento térmico de resíduos de saúde existentes no estado só conseguem tratar 1/3 desse total. O restante é

encaminhado para aterros. “É preciso que todos se conscientizem sobre o grande problema do lixo hospitalar, suas falhas e as possibilidades de se reverter esse cenário. Ao exigirmos soluções eficazes para os resíduos hospitalares, os métodos de gerenciamento e as opções seguras de tratamento, eliminamos as possibilidades de exposição a riscos desnecessários de toda a população”, completa Gustavo. O


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ESTADO DE ALERTA MARIA DALCE RICAS (*) redacao@revistaecologico.com.br

EM QUE PLANETA ELES VIVEM?

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tou na área ambiental foi vago e nada prometia. Já Dilma Rousseff disse que a aprovação do Código Florestal e a transposição do Rio São Francisco foram “ganhos ambientais”. Pedi emprestado um parágrafo de artigo escrito pelo biólogo e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fernando Fernandez em 2010 (ano que também houve eleições), e que se aplica integralmente aos candidatos de 2014: “Em que planeta será que eles vivem? No planeta deles não há mudanças climáticas globais acontecendo. Não há branqueamento dos corais, não há derretimento das geleiras, não há extremos climáticos cada vez mais frequentes e malucos. Não pode ser o nosso planeta, claro. Ninguém parece perceber o maior e mais urgente problema enfrentado pela humanidade como um todo, não só hoje, mas em toda a história. Nunca antes vivemos um desafio assim – mas os políticos nem falam disso. É assustador que as pessoas que hoje disputam a presidência do nosso país não tenham nada a dizer sobre mudanças climáticas globais”. Por que não falei da Marina Silva? Porque ela não é governo e traz consigo um passado de luta em defesa da Amazônia. Mas fiquei preocupada ao ouvi-la dizer que graças à sua ação como ministra do Governo Lula, a licença dada à transposição do Rio São Francisco garantiu viabilidade ambiental ao projeto. O

(*) Superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda).

FOTOS: DIVULGAÇÃO

uardadas as devidas proporções, há alguma analogia entre PT e PSDB: um governa o país e o outro, Minas. E nunca a área ambiental perdeu tanto espaço. Voltamos à era do desenvolvimento a qualquer custo e mergulhamos em um triste “apagão ambiental”. Ambos os partidos frustraram expectativas de que a proteção do meio ambiente e o uso dos recursos naturais seriam tratados com seriedade: sequestraram os recursos da área ambiental, transferindo-os para projetos ambientalmente degradadores; praticamente não criaram novas unidades de conservação; paralisaram a regularização de terras nas mesmas; curvaram a cabeça aos ruralistas na aprovação das leis florestais; e esvaziaram o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e o Conselho de Política Ambiental (Copam). Economia de energia não fez parte de seus planos e discursos. Somente produção a qualquer custo. E ainda dizem que hidrelétricas são sustentáveis e geram “energia limpa”... Estimularam o desmatamento no país por meio da construção ou asfaltamento de rodovias em áreas consideradas prioritárias para proteção da biodiversidade, sem tomar medidas prévias para protegê-las. Em âmbito nacional, a Amazônia. Em Minas, a região Norte. Ambos os governos fazem discursos vazios e demagógicos quanto ao agravamento da indisponibilidade de água em diversas regiões, acenando com barramentos, obras de infraestrutura. Nem uma palavra sobre proteção da água. Aécio Neves se declarou como o “candidato do agronegócio” e o programa de governo que apresen-

DILMA, AÉCIO E MARINA: a natureza ainda aguarda a atenção que merece na política brasileira


FOTO: JOHANN MORITZ RUGENDAS

1 HISTÓRIA

A AVENTURA DO OURO Livro do escritor e publicitário mineiro Chico Bastos lança novas luzes sobre a saga do precioso metal no século XVIII Luciana Morais redacao@revistaecologico.com.br

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inguém nasce em Ouro Preto impunemente.” Foi essa “crença” que inspirou o escritor e publicitário ouro-pretano Francisco de Paula Vasconcelos Bastos, mais conhecido como Chico Bastos, a produzir seu segundo livro “OURO? OURO! A construção do Brasil brasileiro”, lançado em junho. Em 256 páginas, ele garimpa informações preciosas e lança novas luzes sobre a história do ouro no século XVIII, mostrando como a exploração do valioso metal induziu e moldou o crescimento geográfico, econômico, étnico e cultural do país. Fruto de dois anos de pesquisa, a obra faz parte de um projeto maior. Contempla também uma exposição destinada a estudantes

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do Ensino Fundamental, que poderá ser vista em Belo Horizonte e nas cidades em que a mineradora Yamana Gold – patrocinadora oficial da iniciativa – atua. Confira: De onde surgiu o desejo de contar a história do ouro sob um novo olhar? Como ouro-pretano, sempre tive curiosidade de conhecer a história do ouro, das igrejas e da arte sacra mineira de forma mais completa. Entender o que fez a ex-Vila Rica e outras vilas do ouro em Minas, como Mariana e Sabará, ganharem fama no século XVIII, colaborando para transformar o Brasil colonial numa grande nação. O livro é resultado de quase dois anos de pes-


FOTO: MARCOS TAKAMATSU

QUEM É

ELE

Publicitário premiado, Chico Bastos, 62 anos, formou-se numa das primeiras turmas de Comunicação Social da PUC Minas. Fundou agências e trabalhou com propaganda por mais de 35 anos. Como um dos precursores do marketing político, criou, nos anos 1980, o símbolo que batizou e até hoje identifica o PSDB: o tucano azul de peito amarelo. Depois de morar 40 anos em BH, retornou a Ouro Preto e hoje vive numa chácara, em companhia da mulher, Betânia, cercado por um acervo de quatro mil livros e em contato direto com a natureza. Tem duas filhas e dois netos.

quisa, num projeto aprovado pelo Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet, e inteiramente patrocinado pela Yamana Gold, empresa canadense que atua no Brasil desde 2003, com atividades em Mato Grosso, Goiás e Bahia. Sua pesquisa incluiu visitas a minas de ouro tanto no Brasil quanto no exterior? Sim. O apoio da Yamana me permitiu visitar minas que existiam no referido século, e isso foi essencial para o resgate da história do ouro sob um novo enfoque. Estive no Norte de Portugal e pude me dedicar a desvendar melhor esse intricado mosaico da procura, descoberta e exploração do metal, numa pesquisa que me levou a constatações inesperadas. Quais foram elas? A história tem um fio condutor? O livro mostra que o ouro foi o grande indutor da expansão territorial e da formação do povo brasileiro. Cheguei à conclusão de que a reunião de fatores negativos, que tinha tudo para dar errado, acabou dando muito certo, culminando na criação de um país fantástico. A base etnográfica

CHICO BASTOS: “A mineração de ouro foi o grande indutor da expansão territorial e da formação do povo brasileiro”

brasileira começou a ser desenhada lá atrás, com as primeiras Bandeiras, o encontro com os índios, a vinda dos africanos como escravos. A aventura do ouro triplicou as dimensões do território nacional e gerou os caminhos que “costuraram” o Brasil por dentro. Até então o país era litorâneo... Exatamente. Não havia quase nada no interior e as capitanias não se comunicavam, a não ser pelo mar. A presença do ouro no Centro do Brasil resultou na criação de uma rede de comércio que, inicialmente, uniu as capitanias litorâneas às vilas do ouro e, por meio dela, alcançou depois a Europa, ou seja, mudou completamente o Brasil colonial. Além de mostrar esse legado do ouro, que outras novidades o livro traz? Uma delas é revelar que a origem das técnicas de exploração do ouro – trazidas pelos portugueses para o Brasil – remonta ao Império Romano. E o mais surpreendente é que cheguei a essa descoberta ao revisitar o Norte de Portugal, mais precisamente Vila Pouca de Aguiar, à procura de informações sobre meu

avô, da família Bastos, que emigrou para Vila Rica no século XIX. Na Biblioteca Municipal local, adquiri uma monografia sobre a ocupação da região de Trás-os-Montes. Quando li, imediatamente me perguntei o que as fotos das pontes romanas ouro-pretanas estavam fazendo ali, retratadas naquele contexto. Foi a dica para expandir a pesquisa, sob novo enfoque. Como esses conhecimentos herdados dos romanos se perpetuaram? Os romanos ocuparam a Península Ibérica mais de mil anos antes de ela se tornar Portugal e Espanha. Como ela era bastante isolada, as técnicas, habilidades e conhecimentos permaneceram vivos no saber popular, circulando no território. Faziam parte do imaginário coletivo, graças também à poderosa atração que o ouro sempre exerceu sobre a ambição humana. Em Trás-osMontes estão os vestígios arqueológicos do maior complexo de exploração de ouro do Império Romano no território português. Aconteceu o mesmo na Espanha. Essa herança romana me permitiu esclarecer, pela primei-

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1 HISTÓRIA ra vez, o motivo da existência das pontes em cantaria de pedra em Ouro Preto e em outras vilas do ouro. Diversos historiadores mineiros, entre eles Diogo de Vasconcelos e Feu de Carvalho, atestaram que essas pontes coloniais eram “verdadeiramente” romanas. Mas, até onde sei, a raiz dessa ligação não havia sido elucidada. O setor de mineração ainda é muito criticado, especialmente em Minas, pelos impactos ambientais que a atividade provoca. Qual é a sua visão? Assim como a agricultura, a mineração é, desde os seus primórdios, uma atividade econômica de grande importância no Brasil. Como indutora do processo de urbanização e formação cultural, tem também papel insubstituível: o barroco mineiro é prova dessa relevância. Em relação à cobrança de maior proteção ambiental, considero essa tendência absolutamente natural, fruto da nossa evolução como sociedade. Claro que num estado que tem o nome de Minas Gerais, isso representa um problema em várias frentes. No entanto, a atuação do setor é fundamental e de grande relevância social e econômica para o país. Que avanços ou mudanças se destacam? Hoje, temos leis infinitamente mais rigorosas do que no passado, exigindo das empresas maior compromisso e cuidado real com as comunidades do entorno e com as paisagens que mineram. Além disso, considero que a contribuição da mineração é muito importante. Em que aspectos, por exemplo? Vale lembrar o legado do barão alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege (1777-1855), primeira pessoa com formação científica a avaliar o potencial das minas de ouro no Brasil. Ele chegou a Vila Rica em 1811, mais de 100 anos

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EXPOSIÇÃO ITINERANTE O O objetivo da exposição "O Ouro no Brasil, Ontem e Hoje" é fornecer material pedagógico para que professores da rede pública e particular desenvolvam atividades ligadas a esse tema entre alunos do Ensino Fundamental. Inaugurada e já encerrada em Ouro Preto, na Casa de Gonzaga, a mostra seguirá para cidades em que a Yamana Gold atua – no Mato Grosso, Goiás e Bahia –, e também poderá ser vista em Belo Horizonte, em data a ser definida. O “A ideia da exposição volta ao ponto de partida que me fez escrever o livro: contribuir para que um estudante de Alto Horizonte (GO), por exemplo, cidade minerária fundada nos anos 1990, conheça e entenda melhor toda a história da qual faz parte”, explica Chico Bastos, que já prepara o seu terceiro livro. O O primeiro foi "A Igreja de São Francisco de Assis de Vila Rica", sobre o emblemático templo, cuja construção teve início em 1765. A proposta é escrever e publicar o segundo volume de uma coleção intitulada "Ouro Preto – Uma Vila Rica de Emoções". O tema já está escolhido: será sobre os "Cristos de Antônio Francisco Lisboa", o Aleijadinho, como parte das celebrações do bicentenário de sua morte, agora em 2014. O“Quero contar a história da evolução da imagem de Cristo ao longo do tempo, apoiada em suas duas dimensões: humana e divina. E, para ilustrá-lo, vou reproduzir os mais de 20 Cristos que Aleijadinho esculpiu, considerados referência entre os grandes nomes da arte universal. Sete deles estão em Congonhas e são maravilhosas obras-primas”, concluiu Bastos.

depois da descoberta do ouro. Aqui difundiu e investiu em novas tecnologias de exploração. Sob a ótica econômica, ele também foi pioneiro, abrindo caminho para o nascimento do mercado de ações no país, com a criação da Sociedade Mineralógica de Passagem. Merece destaque, ainda, a criação da Escola de Minas de Ouro Preto, por Dom Pedro II, que trouxe Henri Gorceix, da França, para formar especialistas em mineração e metalurgia no Brasil. Poucos sabem, mas a Escola de Minas foi o berço do desenvolvimento técnico que ajudou a alavancar a industrialização brasileira, a partir da ditadura de Getúlio Vargas que, aliás, estudou em Ouro Preto. É otimista? Acredita, então, em um futuro cada vez mais sustentável para a mineração? Sem dúvida. Afinal, para além da atuação dos órgãos de controle e licenciamento da atividade, o verdadeiro poder de fiscaliza-

ção está nas mãos da sociedade. Temos vários instrumentos e meios de nos mobilizar para que a produção mineral esteja cada vez mais afinada, em sintonia com os interesses coletivos. Negar a importância econômica, social e cultural da mineração, especialmente em Minas Gerais, seria uma tolice. A evolução tecnológica que impulsiona o setor também é fantástica. E se traduz não apenas na maior eficiência e produtividade das empresas, mas, inclusive em mais segurança para aqueles que trabalham nessa indústria. O

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FOTO: DIVULGAÇÃO

1 SETOR MINERÁRIO

PLANTA de beneficiamento da Anglo American em Alvorada de Minas: operação permitida

CONQUISTA ÁRDUA E COMPROMETIDA Sob o lema “mineração e pessoas que fazem a diferença”, a Anglo American consegue licença de operação para o Projeto Minas-Rio no final de uma tribulada audiência pública, em Diamantina J. Sabiá redacao@revistaecologico.com.br

A

pós 10 horas de embates acirrados, que exigiram até a presença da Polícia Militar para acalmar os ânimos, exatamente à zero hora do dia 30 de setembro, a Unidade de Negócio Minério de Ferro Brasil da Anglo American conseguiu a Licença de Operação (LO) da mina e da planta de beneficiamento do Projeto Minas-Rio junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). A decisão histórica, e por um placar surpreendente de 15 a 4, colocou fim a um polêmico processo de politização e judicialização da questão ambiental que já durava sete anos na região de Conceição do Mato Dentro.

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A votação pelos membros da Unidade Regional Colegiada Jequitinhonha (URC) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), em Diamantina (MG), formada por representantes da sociedade civil, poder público e Ministério Público, ocorreu em um ginásio poliesportivo coberto, preparado democraticamente para evitar o conflito entre as “torcidas rivais”, a favor do empreendimento e contra ele. E a decisão, ainda agregada a 14 novas condicionantes que terão de ser cumpridas pari passu com as atividades agora permitidas, foi comemorada madrugada adentro pelos funcionários da mineradora.

A presença em peso deles, a maioria jovens em seus primeiros empregos, vestidos com uniformes da empresa, ocupou metade das arquibancadas. E fez, realmente, a diferença. Ao darem seus depoimentos de agradecimento pelas oportunidades de emprego conseguidas e de confiança e orgulho pela causa da sustentabilidade defendida pela Anglo American, eles sensibilizaram não apenas os conselheiros, mas também vários oponentes ao empreendimento na região. Alguns manifestantes das comunidades atingidas e não atingidas pelo projeto, contrários à concessão da licença, fizeram questão de


FOTO: MARCOS TAKAMATSU

ressaltar que não estavam ali para fazê-los perder seus empregos obtidos como um direito legítimo, uma vez que toda a região de Conceição do Mato, Dom Joaquim e Alvorada de Minas – onde ocorre o projeto – carece de universidades, escolas profissionalizantes, trabalho e renda. Mas, principalmente, em protesto contra o não-cumprimento pela empresa de condicionantes acumuladas ao longo das fases de licenças Prévia (LP) e de Instalação (LI). E também contra o parecer técnico da URC defendido pelos técnicos da Semad e favorável ao empreendimento. Ao final, com o ginásio já bastante vazio pelo adiantado das horas, venceu a negociação propositiva, o voto de confiança. A pedido dos manifestantes e do próprio Ministério Público Estadual, com a anuência também da Anglo American, a LO foi concedida sob a égide do desenvolvimento sustentável: primeiro, que os direitos de todas as pessoas e comunidades rurais que ali se disseram marginalizadas ou prejudicadas pela implantação do projeto sejam revistos, reconhecidos e ressarcidos pela empresa, se confirmados. E, segundo, que

PEDRO BORREGO: alívio e compromisso

a URC reagrupasse, monitorasse e fiscalizasse a mineradora no cumprimento escalonado de todas as condicionantes socioambientais ainda pendentes. MARCO FUNDAMENTAL “Esta conquista representa mais um marco fundamental para a conclusão do Projeto Minas-Rio. Continuamos confiantes com o cronograma previsto para a realização do primeiro embarque de minério ainda no final deste ano”, comemorou Pedro Borrego, diretor de RH, Assuntos Corporativos, Segurança e Desenvolvimento Sustentável da Anglo American, que acompanhou a dramática vo-

tação até o último minuto, quando o resultado, parecendo com jogo do Galo, foi virado. Segundo ele, o empreendimento, principal projeto mundial da empresa, que totalizará um investimento de US$ 8,8 bilhões, está em fase final de implantação em ambos os estados, com uma capacidade de produção anual de 26,5 milhões de toneladas de minério de ferro. Exatamente uma semana antes, em 23 de setembro, a Anglo American recebeu outra boa notícia para comemorar. A sua Unidade de Negócio Minério de Ferro Brasil também obteve a LO para o mineroduto do Projeto Minas-Rio, concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Trata-se do maior mineroduto do mundo, com 529 km de extensão, atravessando 32 municípios mineiros e fluminenses; e de um terminal de minério no Porto de Açu, em São João da Barra (RJ). Ambos na mesma máxima defendida por seus funcionários na derradeira audiência pública de Diamantina: “Mineração (responsável) e pessoas (comprometidas) podem mesmo fazer a diferença”.

Nada é de graça Dezenas de antigas e novas condicionantes socioambientais também fazem parte do pacote A URC Jequitinhonha aprovou a alteração da “condicionante 19 do Parecer Único”, que passa a vigorar com a seguinte redação, a ser cumprida pela mineradora: “Elaborar e executar o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) para a recuperação vegetacional das seguintes áreas: Área de Preservação Permanente (APP) do Córrego Vargem Grande, a jusante do dique

de contenção de finos; APP do Córrego Passa Três, a jusante da barragem de rejeitos; e a APP do afluente (sem denominação) do Córrego Candeia Mansa, entre o barramento realizado para contenção de sólidos da grande voçoroca em recuperação, Córrego Pereira à jusante do dique de finos, e Córrego Passa Sete a partir da barragem de rejeitos, até a confluência dos dois Córregos.

Prazo: Anualmente, a partir da concessão da LO”. Soma-se à “condicionante 19” outras 22 já incluídas no parecer colocado em votação. Foi aprovada também a inclusão de 14 novas condicionantes, das quais nove foram propostas pela Prefeitura Municipal de Conceição do Mato Dentro e cinco pelo Ministério Público Estadual. São elas, com as seguintes redações:

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FOTOS: DIVULGAÇÃO

1 SETOR MINERÁRIO O apresentar as medidas de cumprimento da condicionante 01 da Licença de Operação. Prazo: semestralmente, após a validação do estudo da Diversus;

apresentar as medidas de atendimento à condicionante 19. Prazo: anualmente;

O

cumprir integralmente o “Termo de Acordo” firmado entre a Anglo American e representantes do município de Conceição do Mato Dentro, objeto da condicionante 84 da LI Fase I. Prazo: cinco anos;

O

garantir a disposição adequada de resíduos sólidos urbanos pelos municípios de Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim e Alvorada de Minas, assim como seu custo, até a implantação do Aterro Intermunicipal, pelo prazo máximo de dois anos. Prazo: 30 dias a partir da apresentação do contrato pelas prefeituras;

O

O elaborar projeto executivo, incluindo Projeto de Regularização Fundiária, Projeto Urbanístico, Projetos Complementares da Zona de Amortecimento e Alameda do Parque Natural Municipal Salão de Pedras, conforme projeto de concepção da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, aprovado pelo Codema. Prazo: 360 dias;

implantar alameda do Salão de Pedras sem pavimentação e sem obras de arte nas faixas onde houver interface com a cidade, regiões dos bairros Córrego Pereira, Vila São Francisco e Vila Caetano – aproximadamente 3 km. Prazo: 180 dias após a aprovação do projeto;

O

O ceder ao município de Conceição do Mato Dentro: serviços de topografia, equipamentos, mão de obra e materiais para abertura de 25 km de vias, delimitação, cercamento e sinalização de quadras, como ação emergencial que

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A RECUPERAÇÃO ambiental perpassa quase todas as condicionantes

visa ordenamento de ocupações e regularização fundiária-urbanaambiental da Zona de Amortecimento do Parque Natural Municipal Salão de Pedras, conforme deliberação do Codema de Conceição do Mato Dentro. Prazo: conforme cronograma aprovado pela Prefeitura; O dar suporte técnico ao município de Conceição do Mato Dentro para captação de recursos para implantação da alameda e do projeto urbanístico da Zona de Amortecimento do Parque Natural Municipal Salão de Pedras. Prazo: imediatamente após a conclusão do projeto;

enviar aos municípios de Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro as projeções bienais de arrecadação de impostos (Cfem, ISS e VAF) decorrente das operações do Projeto Minas-Rio. Prazo: semestralmente;

O

implantar a trilha ecológica Tabuleiro – Rabo de Cavalo, seguindo as recomendações do IEF pelo relatório de campo e parecer do Comtur/CMD. Prazo: dois anos;

O

O executar projeto de recuperação de nascentes e matas ciliares das bacias hidrográficas do Rio Santo Antônio e do Rio do Peixe a ser validado pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Santo Antônio. Prazo: imediatamente;

O atender às orientações, condicionantes e recomendações do Iepha sobre os impactos gerados pelo empreendimento ao patrimônio cultural, conforme parecer técnico elaborado pelo órgão do patrimônio cultural em 11 de setembro de 2012, para atender à condicionante 46 da Licença de Instalação Fase II, incluindo as alterações decorrentes de adendos e pareceres técnicos que alteraram ou acrescentaram obrigações, cumprindo os prazos determinados pelo Iepha. Prazo: na revalidação da LO;

observar, nos reassentamentos fundiários, o percentual mínimo de 50% de área passível de produção agrícola e pastoril, sem impedimentos ou restrições legais ou de aptidão da terra para estas atividades. Prazo: ao longo da operação do empreendimento;

O

elaborar projeto e instalar Estação de Tratamento de Água (ETA) para atender a Comunidade de Água Quente. A qualidade da água fornecida deverá atender aos padrões de potabilidade do Ministério da Saúde, com apresentação anual dos relatórios de qualidade da água. Prazo: 18 meses a partir da concessão da LO para instalação da ETA. Ao final deste prazo, apresentar o cumprimento à URC. O

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CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, onde a população pediu emprego, saúde e preservação da paisagem. E que também aguarda a repactuação do prognóstico socioambiental que a ex-MMX lhes prometeu para amenizar e humanizar o impacto da mineração

Análise da notícia Hiram Firmino redacao@revistaecologico.com.br

A Ecológico acompanha a discussão do Projeto Minas-Rio desde a sua concepção, há sete anos, pela ex-MMX de Eike Batista. Os problemas de relacionamento e entraves locais tiveram início nessa época. Segura de seu poder econômico, a mineradora chegou à região com a proposta de maneira arrogante, sem comunicar previamente à população a que veio. Chegou, inclusive, conturbando o plano de desenvolvimento ecoturístico do município, iniciado em 1998, com a criação do Parque do Tabuleiro. Cortou cercas e adentrou porteiras de fazendeiros e sitiantes, furando seus solos para sondagem. Ou seja, sem pedir a tal “licença social”, dizer um simples

É preciso criar uma plataforma de diálogo onde todos os antigos e novos atores, de maneira apolítica e propositiva, possam incrustar o projeto num cenário verdadeiro de sustentabilidade “bom dia” ou explicar o motivo de tal ação. Um desastre básico de comunicação e relacionamento, enfim, que poderia ter sido evitado. Mas, ao perceber o tamanho da hostilidade provocada, a MMX procurou dar logo a volta por cima. Fez uma inédita pesquisa de opi-

nião com viés ambiental para ouvir as reclamações gerais. Ouviu, sem exceção, todos os moradores dos três municípios a serem atingidos pelo projeto, tanto no meio urbano quanto no rural. O que mais eles pediram (e Eike chegou a enviar uma carta assinada depois para cada um deles, se comprometendo a atendê-los em suas expectativas) foram, nesta ordem: emprego, saúde e preservação da paisagem natural. A gestão municipal à época fez um grande exercício, junto com alguns ambientalistas, para modificar a proposta do projeto de mineração. Para isso, eles analisaram todo o Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento e também

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1 SETOR MINERÁRIO foram até o governo do estado pedir sua atenção. O objetivo era preparar, de maneira humanizada e ecológica, a região para receber um projeto de tamanho vulto. Isso fez nascer ali, inclusive com a participação de 27 técnicos cedidos pela Semad no processo de elaboração do projeto, algo jamais visto na história político-ambiental de Minas: o embrião e a promessa, enfim, de um “modelo de mineração sustentável” desde o berço, até então inexistente em Minas e no país. Quando tudo caminhava nessa direção, veio o primeiro baque. A MMX vendeu o projeto para a Anglo American e o pacto se perdeu. A nova dona, com sua cultura e padrão de relacionamento próprios, também passou por uma mudança de comando global e local. Somou-se a isso, a instabilidade político-eleitoreira municipal: somente nos últimos quatro anos, Conceição do Mato Dentro teve sete prefeitos diferentes. Assim, tudo o que havia sido planejado, proposto e combinado nos anos de 2007 e 2008 voltou ao esquecimento, em quase todas as suas instâncias. Restaram apenas as condicionantes e as compensações propostas à época e que ainda hoje a Anglo American tenta cumprir. Nada do que foi alinhado, inicialmente, teve continuidade, tamanha a troca de atores no processo, para a frustação da população. Uma das sugestões feitas à MMX na época foi a criação de um comitê amplo (e não somente municipal), permanente e democrático entre o segundo e o terceiro setores envolvidos. Trata-se da “Plataforma de Diálogo”, uma ferramenta de relacionamento

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experimentada com sucesso pela ex-mineradora de Eike em Corumbá (MS), no igualmente delicado ecossistema do Pantanal. O objetivo maior dessa ferramenta é tirar a própria mineradora (no caso agora, a Anglo American) do foco da questão ambiental. Ou seja, envolver outras empresas presentes, e com atividades impactantes na região, na busca e no compromisso compartilhado pelo desenvolvimento sustentável, além de ONGs ambientalistas de prestígio

PLATAFORMA DE DIÁLOGO

e independência para abalizar as decisões do comitê. Um grupo supratécnico e apartidário capaz de não nivelar por baixo nem perder tempo com interesses difusos, ilegítimos ou politiqueiros. O método prognosticado e apontado como mais eficiente, inclusive por sua credibilidade, para o Projeto Minas-Rio, foi o da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). O próprio presidente da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza à época, Miguel Milano, hoje à frente do Grupo Avina,

se ofereceu para ir a Conceição do Mato Dentro demonstrar publicamente o quanto a estratégia da “Plataforma de Diálogo” deu certo para a mineração e a região em Corumbá, trazendo conforto político para os empreendedores, sustentabilidade socioeconômica para a população e paz aos ambientalistas. Nem ele, nem outro expert famoso em administração hospitalar, que também se ofereceu gratuitamente para ajudar o Projeto Minas-Rio a implantar um plano de saúde popular para todos os moradores da região, incluindo seus funcionários, foram convidados até hoje para subir a Serra do Cipó e conhecer a beleza e a tristeza atávica de Conceição, Dom Joaquim e Alvorada de Minas, onde o empreendimento e os problemas prosseguem. Resumo da ópera: é preciso que a sociedade, os governos locais e o próprio Estado tentem resgatar os valores e as propostas democráticas que já haviam sido acordados com a MMX. E repactuem agora, com a Anglo American e vice-versa, os compromissos que um dia foram firmados mais em fios de bigode que em documentos que quase ninguém lê, com o aval dos ambientalistas históricos. Nada mais do que isso. A criação, sem medo, de uma plataforma de diálogo, onde todos os antigos e novos atores, de maneira apolítica, propositiva e não meramente acusativa, possam incrustar tamanho projeto de mineração num cenário ainda existente, democrático e verdadeiro de sustentabilidade. Isso é possível, haja vista que outras mineradoras, como a Vale, Samarco e CBMM, já conseguiram. O


FOTO: ANDRÉ FIRMINO

1 RECURSOS HÍDRICOS

UNIDOS pelas águas: Hernane Abdon, secretário de Meio Ambiente de Brumadinho; o prefeito Antônio Brandão; Marília Carvalho, diretora do Igam; e Denner Siqueira, diretor da Green Metals

LAGOA VIVA

Projeto pioneiro entre setor público e privado atuará na revitalização de barragens e açudes de Brumadinho, na Bacia do Rio Paraopeba Cristiane Mendonça redacao@revistaecologico.com.br

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m quarto da água que abastece a Região Metropolitana de Belo Horizonte vem dos mananciais da cidade de Brumadinho (MG), a 50 km da capital mineira. A região possui uma grande lavra de água mineral, que gera emprego e renda. Além disso, 40% da população brumadinhense mora na zona rural, tendo a agricultura e a pecuária como meios de subsistência. Razões mais que suficientes para que a questão hídrica seja tratada com mais atenção, principalmente em tempos de seca. Para garantir a preservação dos recursos hídricos e reter a água das chuvas, tendo em vista a manutenção dessas atividades e o abastecimento local, as barragens e açudes são essenciais. Graças a eles é possível resgatar os benefícios sociais e ecológicos para a região. Preocupados com essa questão,

a prefeitura de Brumadinho, por meio das secretarias de Agricultura e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema), em parceria com o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), o Consórcio Intermunicipal da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba (Cibapar), a Emater e a empresa Green Metals Soluções Ambientais, desenvolveu um projeto pioneiro para limpar e desassorear os açudes e as lagoas das propriedades rurais. Trata-se do “Lagoa Viva”, iniciativa que pretende revitalizar os reservatórios e garantir volume suficiente para as demandas da população rural. “Cerca de 800 açudes e lagoas com até 5.000 m³ serão recuperados na região nos próximos três anos. Grande parte deles está tomada por sedimentos e vegetação invasora, como a taboa, planta que consome diariamente 4,5 li-

tros de água por metro quadrado”, alerta o secretário municipal de Meio Ambiente, Hernane Abdon. O termo de cooperação do projeto foi assinado no dia 25 de setembro, em solenidade realizada na Quadra de Esportes de Aranha, distrito de Brumadinho. A Sema será responsável por fazer o cadastramento dos produtores rurais, passar as orientações técnicas ambientais e executar a limpeza dos reservatórios. Na sequência, os trabalhos serão relatados ao Igam, que concederá aos proprietários a Certidão de Uso Insignificante. O SAIBA MAIS Os interessados em participar do projeto devem fazer a inscrição na Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Rua José da Silva Fernandes, 105, Bairro Lourdes, Brumadinho. Para outras informações, ligue (31) 3571-3545.

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FOTO: NAPOLEÃO XAVIER

1 NOS PORÕES DO RETROCESSO (III)

A desumanidade do ex-Hospital Colônia de Barbacena: lembrança viva da eterna vigilância

HOSPÍCIO NUNCA MAIS! Eventos na capital mineira rememoram a luta e o movimento mundial contra os manicômios públicos Hiram Firmino redacao@revistaecologico.com.br

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FOTO: DIVULGAÇÃO

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alecido há 35 anos, depois de ter conhecido e denunciado os manicômios mineiros como “verdadeiros campos de concentração” e não como hospitais, o psiquiatra italiano Franco Basaglia se tornou, mesmo in memoriam, o líder mundial da reforma psiquiátrica que obrigou países como o Brasil a acabarem com os seus hospícios públicos e criarem legislações e espaços mais humanitários de defesa, recolhimento e tratamento ambulatorial para os doentes mentais. Prestigiados por nomes que fizeram parte da luta antimanicomial em Minas, como Ronaldo Simões, Antônio Soares Simone e Diva Moreira, dois eventos realizados recentemente na capital mineira contaram com a presença do excolega e continuador da obra de Basaglia, o psiquiatra italiano Ernesto Venturini, hoje à frente dos hospitais de Imola e Gorizia, em Trieste, onde tudo começou. Os encontros tiveram o propósito de denunciar a realidade de negligência, maus-tratos e tortura na Clínica Mantiqueira, coincidentemente localizada na zona rural de Barbacena (leia no box abaixo). Outro objetivo era fazer oposição, radical, a toda e qual-

GREGÓRIO BAREMBLITT, psiquiatra e esquizoanalista, com Stella Goulart e Ernesto Venturine no Conexão Brasil-Itália: menestréis em defesa do museu

quer ameaça de destruição ou desfiguração do Museu da Loucura, que está sendo reformado pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), no antigo ex-Hospital Colônia de Barbacena, o maior hospício do país, onde foram internadas e morreram 60 mil pessoas, como vem sendo denunciado frequentemente pela Ecológico. O primeiro desses eventos foi o “I Encontro Conexão Brasil-Itália: Os Menestréis da Insensatez”, ocorrido no auditório da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, organizado pelo Programa de Extensão em Atenção à Saúde Mental (Pasme), sob coordenação da psicóloga e cien-

BARBACENA NÃO ACABOU? É O QUE PERGUNTAM 25 ENTIDADES DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS AO DESEMBARGADOR NÉVITON GUEDES Instituições como a Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme),a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila) e o Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais assinaram e encaminharam um documento ao desembargador federal Néviton Guedes. Elas solicitam que o representante do Tribunal Regional Federal da 1ª Região revise seu posicionamento quanto ao funcionamento, até hoje, da Clínica Mantiqueira, em Barbacena. As inúmeras entidades e organizações de usuários, familiares, trabalhadores e apoiadores da luta antimanicomial, da Reforma Psiquiátrica Brasileira e do Sistema Único de Saúde (SUS), militantes na defesa dos direitos de cidadania dos portadores de sofrimento mental, se dizem decepcionados com uma recente decisão do desembargador, impedindo a libertação e o tratamento humanitário de 76 pacientes ainda absurdamente “aprisionados” naquela instituição. A Ecológico entrou em contato com a direção da Clínica Mantiqueira para que se posicionasse quanto ao documento. Mas não houve retorno até o fechamento desta edição. Para lê-lo na íntegra, acesse www.revistaecologico.com.br.

tista social Stella Goulart, autora do livro “Histórias da Psicologia no Brasil”, sobre as raízes italianas do movimento antimanicomial. ETERNA VIGILÂNCIA Ernesto Venturini exaltou ser possível a existência de uma sociedade sem manicômios, dentro do conceito político de medicina social, humanitária e comprometida com o valor da vida. E instigou seus pares no Brasil a manterem a “eterna vigilância” contra qualquer retrocesso, a exemplo dos manicômios judiciários que ainda sustentam a desumanidade da maioria dos ex-hospícios públicos. “Temos que manter uma vigilância não apenas constante, como revolucionária. A luta de Basaglia continua e a nossa mobilização não pode parar. O perigo hoje é difuso. E o melhor exemplo disso é a alta taxa de medicalização induzida pela indústria farmacêutica para os portadores de distúrbios mentais em todo o mundo ocidental. No meio educacional, nem as crianças e os jovens estudantes apontados com personalidades dispersas ou ativas demais escapam do uso indiscriminado de medicamentos perigosamente contraindicados, como a ritalina, por seus efeitos colaterais em longo prazo. Trata-se de outra forma de isolar, amarrar e conter as pessoas, em vez de tratá-las com humanidade, como defendia Basaglia”, alertou o psiquiatra italiano.

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1 NOS PORÕES DO RETROCESSO (III)

À lembrança de Basaglia Primeiro médico brasileiro a denunciar o comércio de cadáveres em Barbacena reforça debate do psiquiatra italiano Fhemig, uma das primeiras vozes, mesmo dentro do governo, a denunciar as atrocidades que aconteciam impunemente no ex-Hospital Colônia de Barbacena. Isso se deu durante o emblemático “III Congresso Minei-

FOTO: DIVULGAÇÃO MAO

FOTO: NAPOLEÃO XAVIER

FOTO: HARALD BISCHOFF

“Dois ensinamentos de Basaglia jamais sairão das nossas cabeças: ideias se combatem com ideias; e fatos se combatem com fatos.” Foi o que recordou o psiquiatra e hoje escritor Ronaldo Simões Coelho, ex-chefe da

RONALDO SIMÕES com Basaglia no “III Congresso Mineiro de Psiquiatria” e hoje, encabeçando o movimento pela preservação do Museu da Loucura

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ro de Psiquiatria”, realizado na sede da Associação Médica de Minas Gerais, no final da década de 1970, com a presença de Basaglia. “O que acontece ali é a desumanidade, a crueldade planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de ser gente”, disse ele, na época. Por causa disso, Ronaldo perdeu o emprego público, criou a Associação Mineira de Saúde Mental, foi perseguido, mas a reforma psiquiátrica que pôs fim aos manicômios em Minas acabou acontecendo. Tudo começou, recordou o insurgente Simões, quando o comércio de cadáveres de Barbacena para as faculdades de Medicina era uma prática normal no meio médico e aceita pela sociedade: “Lembro-me, em uma de minhas visitas de tentativa de mudanças a Barbacena, de um buscador de cadáveres chamado Edson, sob pressão do então diretor da Faculdade de Medicina da UFMG, que exigia um aumento no abastecimento de corpos dos internos. Percebi que ele estava chorando e lhe perguntei o motivo. Ele respondeu que estava se lembrando do que o funcionário que contava e informava o número de novos pacientes mortos no Hospital Colônia lhe disse recentemente, ao apontar vários pacientes ainda vivos, andando feito zumbis pelo pátio do hospício: ‘Está vendo aqueles ali? Semana quem vem você pode vir buscá-los!’”.


FOTO: NAPOLEÃO XAVIER

A MINHA VISÃO DO HOSPÍCIO Ronaldo Simões Coelho “Quem prestar atenção desde o início, vai ver que nos hospícios o fim tem seu começo no início. Porque eu não trabalho e não tenho ofício. Eu vim parar no hospício, onde não trabalho e onde não tenho ofício. E se padeço aqui com outros o suplício, que é o próprio hospício, ameaço os de fora com o mesmo suplício. O diagnóstico não é mais que um artifício pra nos mandar pro hospício, onde passamos a ser também um artifício. Por ser um marginal, restolho, um resquício. É que eu vim pro hospício, e aqui sou de um ser humano só um resquício. A sociedade escolheu pra quem é difícil um lugar como o hospício. Mas foi aqui que aprendi a ser difícil. Eu sou agora um ser à parte, um estrupício às custas desse hospício, que é por sua vez um estrupício. Sinto-me como um abscesso, um panarício inflamado no hospício. Só que ninguém espreme o panarício. Dizem que anda por aí um agouro, um auspício, para me tirar do hospício. Mas já não creio mais em nenhum auspício. Só creio que não haja benefício em se sofrer no hospício, lugar de confusão entre o mal e o benefício. O retrato que fiz não é supositício. É o retrato do hospício, e só eu é que sou um ser supositício. Se eu tinha dentro de mim o erro e o vício, aqui no hospício descobri o que é o mal, o erro e o vício.”

(Para Basaglia, 1979)

Leia, na próxima edição, o recado do seminário "A Liberdade é Terapêutica", que também aprovou uma moção a favor da recuperação do Museu da Loucura, prometida pela Fhemig. OUTUBRO DE 2014 | ECOLÓGICO O 51


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NATUREZA MEDICINAL MARCOS GUIÃO (*) redacao@revistaecologico.com.br

FOTO: MARCOS GUIÃO

MEMÓRIAS DO SERTÃO E

m minhas andanças pelo sertão, o que fica de maior proveito são as prosas com os homens e as mulheres simples, dotados de grande sabedoria, amparada nas suas experiências. Dia desses, dei conhecimento com Figênio de Santinha, morador dos fundos do Baú, comunidade quilombola encravada nas nascentes do Jequitinhonha. Com cabeça e barba branca, seu rosto redondo trazia a estampa dum sorriso aberto e uma alegria zombeteira incomum, acompanhada do hábito de mascação da dentadura na busca de ajeito dela na boca. Ouvindo seu proseio, passei a mão num pedaço de papel e dei de registrar seu grande saber. Quando o sol esquentou e a garganta secou, estacamos debaixo de uma mutambeira e loguinho ele deu de discorrer suas lembranças. “Nos antigo, quando o povo tinha dor em roda do umbigo, o usuar era pegar chifre de boi macho, levar no fogo da lenha e raspá aquele pó dentro de um copo de água fria. O doente tomava aquilo e num dilatava muito pra ele ‘provocá’ inté quase virá do avesso. Nóis comprava a cabeça do boi carreiro macho e guardava. Todas as casa tinha dessa mania. Se fosse menino homem, tomava a raspa do chifre da vaca. E a menina muié tomava a raspa do chifre do boi macho. Era ansim...” “Conhece mijacão? Ah sei, conhece não... mas num é difícile tomá conhecimento do que seja. É uma modalidade de cravo derivado de pisada por riba da urina de animal solto aí na larga. Nos tempo de

SUMARÉ-DA-SERRA: serventia para cravos na sola do pé

inhantes, era muito comum nesses menino malino que andavam só na sola dos pé pelo sertão. O sumaréda-serra, aquela prantinha tratada tamém de orquídea, moradora nos pigogo de serra, no mais alto da chapada no meio do gorgulho, tem o melhor serventuar pra isso. Otras coisa tamém ela tem serventia. Quando é os caso de estrepe no pé, tem de se fazê uma pasta dos talo dele e colocar por riba inté ele puxar. Na escola, nóis cortava tamém esses talo e usava que nem cola. Era muito diferençado dos dia de hoje.” Perguntas muitas afloraram e aos poucos fiquei sabendo, por exemplo, que “os doente nóis levava no canapé morro abaixo e morro acima, inté mermo debaixo de chuva. Sabe o que é canapé não? É mermo que catre, uma padiola que gasta quatro pra levá o doente inté Pedro Lessa, légua e meia. Levemo Donana, levemo tamém minha vó Salustiana... Foro muitos”. Enquanto falava, seus olhos negros já opacos miravam o horizonte na busca de imagens gravadas no fundo. Ainda tive tempo de aprender com ele que o maracujá-do-mato (Passiflora cincinnata Mast.) “tem muita reputação na dificulidade das muié de seguração de menino. Gastava só amarrá o cipó dele em vorta da barriga, que daí a poucos tempo brotava uma criança feliz e saudia”. Memórias assim fazem bem ao espírito, e por isso divido com vocês. Inté a próxima lua! O

(*) Jornalista e consultor em plantas medicinais.


FOTO: SHUTTERSTOCK


1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - Série “A Origem da Vida” - Parte II

OS ELEMENTOS

PRIMORDIAIS Minerais – ou a mistura deles – tiveram papel fundamental no surgimento da vida, fecundada nos oceanos primitivos do planeta Luciana Morais redacao@revistaecologico.com.br

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FOTOS: REPRODUÇÃO

a segunda parte da nossa jornada sobre a evolução da vida na Terra, vamos conhecer um pouco sobre a área de pesquisa que estuda os processos químicos que ocorreram antes da origem da vida, mas que foram essenciais para o seu surgimento: a de química prebiótica. Ela teve seu início em 1953, quando o aluno de doutorado Stanley Miller e seu orientador Harold Urey, da Universidade de Chicago (EUA), resolveram por à prova a ideia dos pesqui-

ALEKSANDR OPARIN: pioneiro na experimentação de moléculas que simulavam a Terra primitiva

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sadores Aleksandr Oparin (Rússia) e John Haldane (Reino Unido) para a origem das moléculas biológicas. A proposta de Haldane-Oparin era que uma atmosfera rica em gases simples – metano, amônia e hidrogênio –, quando exposta a uma fonte de energia, como relâmpagos, produziria moléculas mais complexas que poderiam, então, dar origem a um sistema vivo. Miller e Urey fizeram esse experimento em laboratório, com um reator (veja a seguir), mostrando que um sistema desse tipo, em pouco mais de uma semana, era capaz de produzir moléculas relativamente complexas, como aminoácidos e açúcares. Pode parecer algo simples, mas foi a primeira vez que moléculas antes tidas como de origem biológica foram produzidas em um experimento que simulava a Terra primitiva. Estavam sendo dados ali os primeiros passos para compreendermos como a vida poderia surgir a partir de um mundo abiótico, no que ficou batizado como “a sopa primordial”.

É essencial lembrar que a hipótese de uma mistura química criando as condições para a vida não era nova. Até mesmo Charles Darwin (1809-1882) cita a “pequena poça quente, com todo tipo de sais fosfóricos e de amônia (...)”, em carta enviada a seu amigo Joseph Hooker, em 1871. A ideia estava sendo construída há tempos, mas pela primeira vez foi feito um experimento para testá-la. ARSENAL METABÓLICO No entanto, apenas aminoácidos ou açúcares não fazem um ser vivo. Essas moléculas simples tinham a capacidade especial de estabelecer ligações químicas entre si, formando os chamados polímeros: macromoléculas feitas de centenas, milhares de moléculas individuais produzidas na química prebiótica. Um polímero feito de aminoácidos, quando pequeno, é chamado de polipeptídio; quando se torna muito grande, com milhares de unidades, é chamado de proteína. O interessante é que uma proteína


é muito parecida com uma máquina. Cada um de seus parafusos não tem muita utilidade. Mas, uma vez unidos da forma correta, podem desempenhar uma função, gerar um movimento e modificar outros elementos ao seu redor. Nas proteínas, quando os aminoácidos são dispostos de forma adequada, elas podem crescer e assumir formas dotadas de atividade biológica: podem ser proteínas estruturais, formando nossa pele ou parte de nossos ossos; ou podem ser ainda verdadeiras máquinas moleculares, acelerando reações químicas importantes,

como as enzimas que são responsáveis pela digestão dos alimentos. As proteínas formam o arsenal metabólico da vida, garantindo que os seres vivos e cada célula mantenham-se vivos, e funcionando. O mesmo vale para o sistema informacional. Hoje, todos os seres vivos do planeta usam um código genético baseado em DNA ou RNA, que, como as proteínas, são macromoléculas formadas de unidades pequenas, as bases nucleotídicas: A, C, G, T e U. Cinco moléculas diferentes, organizadas de forma especial, são capazes de codificar praticamen-

RESULTADO POSITIVO De maneira geral, estamos acostumados com reações químicas acontecendo em fase líquida, dentro de um tubo de ensaio com água. Podemos imaginar que as primeiras reações de complexificação química no planeta aconteceram nos oceanos primitivos, que estavam repletos de moléculas simples. No entanto, há vários desafios para que um sistema como esse funcione. O primeiro deles é: os oceanos da Terra primitiva provavelmente eram muito grandes, até maiores que os atuais, o que significa que quaisquer moléculas presentes estariam muito diluídas. Uma grande diluição quer

NASA

REATOR DE MILLER-UREY, no qual foi usada uma mistura de gases que tentava simular a atmosfera da Terra primitiva (abiótica). Na presença de energia na forma de calor e descargas elétricas, foi observada a formação de alguns aminoácidos e açúcares, moléculas orgânicas fundamentais à vida

te toda a informação necessária para fazer todos os seres vivos do planeta – inclusive nós, proteína por proteína! Mas, como esses sistemas moleculares complexos, sejam as proteínas ou os ácidos nucléicos, surgiram? Foi um processo espontâneo?

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OUTUBRO DE 2014 | ECOLÓGICO O 55


1 ECOLÓGICO NAS ESCOLAS - Série “A Origem da Vida” - Parte II dizer que cada molécula está muito separada da outra e, com isso, a chance de se encontrarem e reagirem é pequena. Se pensarmos em uma reação de polimerização acontecendo livremente no oceano, demoraria um tempo gigantesco para que as reações fossem acontecendo de maneira correta até formar uma estrutura bem definida. E como o processo aconteceria ao acaso, aleatoriamente, a chance de produzir um resultado positivo, com função química, seria baixa. Um processo mais controlado, mais direcional, parece ser necessário. Portanto, vários processos naturais foram propostos para gerar esse “direcionamento” químico. Agora,

eles estão sendo testados em laboratório. Um dos grandes focos de interesse são as reações que acontecem promovidas por minerais. Já é sabido que eles, sejam em sua superfície ou em seu interior, podem agir como catalisadores químicos, ou seja, acelerar ou mesmo permitir que algumas reações muito complexas aconteçam. Isso é possível porque os minerais são formas altamente organizadas de átomos, e essa organização estrutural direciona as moléculas que interagem com eles, de maneira a propiciar algumas reações, dificultando outras. Entenda, ao lado, como funciona esse “quebra-cabeça mineral”. E até a nossa próxima jornada!

Material genético: a célula precisa, de alguma forma, guardar a “receita” de como fazer mais de suas moléculas ou mesmo de como produzir toda uma nova célula. Isso é essencial para o reparo celular –após algum ataque ou pelo próprio envelhecimento – ou ainda para a reprodução, quando uma célula precisa gerar todo um novo conjunto de suas partes. Em todos os organismos que conhecemos essa informação está armazenada primariamente no chamado material genético, o DNA (ácido desoxirribonucleico) e RNA (ácido ribonucleico).

Bases nucleotídicas: DNA e RNA são, portanto, um tipo especial de moléculas, chamado polímero, feito de repetições de várias unidades básicas, conhecidas como bases nucleotídicas. Essas pequenas moléculas (A – adenina, C – citosina, G – guanina, T – timina e U – uracila) vão se repetindo na cadeia da molécula de DNA ou RNA, formando uma sequência que é um código criptografado, ou seja, diferentes sequências podem ser lidas pela maquinaria celular de diferentes maneiras. Algo semelhante às palavras em um livro, no qual as letras agrupadas corretamente geram todo tipo de informação que podemos imaginar.

FONTES/PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Texto original e supervisão científica: Douglas Galante – Laboratório Nacional de Luz Síncrotron/Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNLS/CNPEM); e Fabio Rodrigues – Instituto de Química / Universidade de São Paulo (IQ/USP).

ENTENDA MELHOR

QUEBRA-CABEÇA MINERAL O Alguns minerais (ou misturas de minerais), como as argilas, podem ter tido papel fundamental na origem da vida. Argilas são, em geral, misturas de diversos filossilicatos. Esses minerais são feitos principalmente de silício e oxigênio, podendo ter outros elementos como alumínio e magnésio. Eles têm a propriedade de se organizarem formando “folhas” ou lamelas, diferentes camadas atômicas sobrepostas, como um sanduíche, mantidas unidas pelas interações eletrostáticas. O Esse espaço entre as folhas, chamado de espaço inter-lamelar, é a região onde reações químicas especiais podem acontecer. Na Terra jovem, quando uma argila era hidratada, por exemplo, em uma praia ou encosta, ao receber a água do mar, repleta de aminoácidos, essa solução entrava nesse espaço, fazendo a argila se expandir. Os aminoácidos se disporiam de forma mais ou menos aleatória. No entanto, quando a argila começava a perder água e secar, o espaço entre as folhas ia diminuindo, forçando os aminoácidos a ocuparem menos e menos lugar, e a se encaixar da forma mais precisa possível, como um quebra-cabeça. O A estrutura da argila podia assim funcionar como uma “fôrma” química, moldando peptídeos específicos, de forma repetitiva. Com isso, os mares, que antes tinham apenas aminoácidos simples, começaram a ser enriquecidos quimicamente com moléculas maiores e mais complexas, com cada vez mais atividade química. Essa é a hipótese mais aceita hoje pela comunidade científica para a complexificação molecular, criando cadeias poliméricas.


FOTO: DIVULGAÇÃO

TRÊS PERGUNTAS PARA...

FABIO RODRIGUES Professor do Instituto de Química e coordenador do Laboratório de Astrobiologia da USP

MOLÉCULAS DE Quando um conjunto de moléculas pode ser dito complexo o suficiente, e com as propriedades mínimas necessárias para a vida? Essa pergunta nos leva ao problema inicial desse texto. Se quisermos estudar a vida, primeiro precisamos definir muito bem o que ela é, do que é feita. Uma das definições mais amplas de vida, proposta pelo cientista norte-americano Gerald Joyce, em 1992 é: Vida é um sistema químico autossustentado, capaz de sofrer evolução darwiniana. Apesar de essa definição não ser consenso, é uma proposta interessante e integradora dos aspectos micro (a química em si) e macroscópicos (a evolução darwiniana) da vida. Ainda não conseguimos reduzir todos os exemplos de vida a uma definição simples. Quais as principais vertentes na pesquisa científica sobre a origem da vida? Alguns acreditam que primeiro deve ter surgido um sistema informacional primitivo, que tivesse as informações necessárias para criar a entidade “vida”. Outros imaginam que antes do sistema informacional tenha surgido um sistema metabólico, com reações químicas que liberavam energia ou que produziam mais moléculas. E há, ainda, os

VIDA que vislumbram o processo começando pelo surgimento de um sistema de compartimentalização, como uma membrana primitiva, que começou a construir uma separação do que viria a ser um meio intra do extracelular; garantindo, assim, o confinamento, em seu interior, dos sistemas metabólicos e informacionais. É possível que esses processos tenham acontecido em paralelo? Provavelmente. E, em algum momento, houve uma junção entre todos, o que criou as primeiras estruturas no planeta capazes de se manterem intactas com o tempo, de se reproduzirem e de deixarem descendentes com modificações, o que permitiu a sua evolução. É claro que essas protocélulas deveriam ser muito diferentes das que temos hoje, bem mais simples, com menos maquinarias de reparo, de enzimas etc. Mesmo assim, elas fundaram a base da vida no planeta, dando origem a toda a diversidade de vida celular que conhecemos, evoluindo, modificando e sendo modificadas pelo planeta e por seu ambiente astrofísico. O

NA PRÓXIMA EDIÇÃO: O Homo Sapiens, os dinossauros e as grandes extinções.

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CORAÇÃO DA TERRA DÉA JANUZZI (*)

TESTAMENTO VITAL O

filho arrumou a mochila, tomou banho, apron- Desculpe-me, filho, se não eduquei você para um muntou-se e se despediu da mãe para viajar. Antes de do que ainda não existe, mas que está sendo construído sair, a mãe deixou o computador, olhou a camisa pelos parceiros de uma nova jornada. Nunca prometi que o filho acabara de vestir e observou: “Você vai viajar dar a você a lua, mas o ensinei a ter olhos para vê-la e adcom essa camisa toda amarrotada?” Ele respondeu que mirá-la, para vasculhar o universo e conhecer os astros sim. E que a mãe, ao se levantar de manhã, em vez de e as constelações. Não se preocupe quando você atrapreparar o café, arrumar a casa, passar roupa ou pensar vessar a rua e as pessoas estranharem os seus olhos em no almoço, vai escrever crônicas. busca do céu, entre os prédios. Desculpe-me se ensinei Desculpe-me, filho, mas antes de você nascer eu já a você o mais difícil dos caminhos – o da alma. era jornalista e escritora. Não aprendi serviços domésDesculpe-me se o prendi nas correntes da poesia e ticos nem fiz curso de culinária, corte e costura. Nunca da emoção. Se joguei você na arena da esperança e não prometi a você que seria mãe, profissional e dona de da competitividade. Se falei para você sobre cachoeira, casa. Desculpe-me, filho, mas você vai ter que passar mar, permacultura e ecovilas. Se fiz você sonhar com um as próprias camisas, porque nem ensinar essa tarefa quintal de ervas perfumadas e comestíveis, ou em fazer eu sei: é uma missão quase impossível para uma mãe o próprio pão. Se apresentei a você o cajado da sabedoque começou a trabalhar cedo e bataria. Se você foi com Manche Maquehu, lhou para dar a você uma educação que um índio mapuche, conhecer o Chile e "Filho, deixo de pode parecer estranha agora. Mas que o segredo dos incas. Desculpe-me por herança para você gostar de vinho e de flores, de incenso e no futuro fará diferença. Hoje, filho, sou essa mulher partida, o planeta, o barulho amizade. De acupuntura e massagem. dividida, que acorda e vai escrever crôdo vento e do mar, Desculpe-me por ser liberal em excesnicas em vez de preparar bolos. Desculso, de não colocar você em uma fôrma as florestas ainda pe-me, mas desde o colégio eu gostava de bolo. Desculpe-me se eu desandei, de escrever, me emocionava mais com se o bolo embolou. não devastadas." palavras do que com panelas. Nunca Desculpe-me se não tenho manual prometi viver entre quatro paredes preparando pratos de instrução para educar. Se não tenho limites nem saborosos, mas você herdou o caderno de receitas de verdades absolutas. Nunca prometi a você o paraíso, sua avó para que pudesse fazer a própria alquimia. Viu porque também tenho meus desertos. Todos os dias, como foi bom? Hoje você cozinha tão bem! Prefiro a sua tenho que retirar os galhos secos do meu ser, a aridez comida à minha. Apresentei para você, filho, as minhas da vida neste planeta. Mas é escrevendo que denunfontes preciosas além da cozinha de sua avó. A culiná- cio a devastação interior das pessoas, a falta de cuidaria viva, do dr. Alberto Peribanez, de alimentos verdes e do com o outro. vitalizantes. As feiras de orgânicos e os restaurantes de Deixo de herança para você o planeta, o barulho do comida natural, as mil e uma ervas, a construção sus- vento e do mar, as florestas ainda não devastadas, a gratentável, as qualidades do bambu na casa que um dia tuidade da natureza, as nuvens e o cheiro de mato que você vai construir. Apresentei a você o monge Ryotan você tanto gosta. Deixo-lhe uma vida semeada, cultivaTokuda, a comida dos mosteiros zen budistas, a medita- da com frutos e flores, girassóis e cactus, abelhas e mel, ção, a imersão na consciência e o Calendário Maia de 28 rosas e espinhos, naufrágios e tempestades, mas tamdias. Apresentei a você, filho, o mundo do futuro. bém a calmaria. Juro para você, filho: estarei sempre ao Ajudei você a conquistar um lugar no século XXI, onde alcance do seu coração, onde quer que eu esteja, para os homens podem rir e chorar, cozinhar, cuidar dos fi- que a gente possa conversar como sempre, pois somos lhos, ser parceiros das mulheres. Não tive tempo de cúmplices, amigos. Assinado: Mãe Terra, que escreve a quatro mãos deixar a casa tão limpa, mas ensinei a você a aceitar as diferenças, a respeitar as mulheres, os negros, os índios, com a mãe terrena. O o planeta onde mora. Ensinei a você os caminhos da es(*) Jornalista e escritora. piritualidade e do sagrado que há em cada um de nós. 58 O ECOLÓGICO | OUTUBRO DE 2014


Os ritmos da viola caipira valorizando a cultura. SĂĄbado, Ă s 12h30


1 VOCÊ SABIA?

ANIMAIS ANIMADOS Cristiane Mendonça redacao@revistaecologico.com.br

E

les têm um lugar cativo no coração da criançada. São divertidos, possuem personalidade e “falam” muito! Mas, na verdade, são apenas desenhos animados inspirados em animais curiosos. Conheça, a seguir, algumas espécies que serviram de exemplo para a criação de personagens que povoam o imaginário de muita gente:

FOTOS: DIVULGAÇÃO

ARARA-AZUL O filme "Rio" (2011) conta a história de uma ararinha-azul capturada ainda filhote no Brasil e levada para os Estados Unidos. Depois de adulto, Blue volta à terra natal, onde faz amigos na floresta e até desfila na Sapucaí, durante o Carnaval. O personagem é inspirado na espécie Cyanopsitta spixii, uma ave da Caatinga, que vivia na Bahia, e hoje é considerada extinta devido à caça predatória e à perda de hábitat. Ao contrário da vida real, Blue tem um final feliz no filme.

DIABO-DA-TASMÂNIA Muito popular nos anos 1980 e 1990, o Taz é um personagem da turma dos desenhos animados Looney Tunes. Bravo e inquieto, ele causa um estrago por onde passa ao se locomover em forma de redemoinho e devorar tudo o que vê. A inspiração para criar o personagem veio do diaboda-tasmânia (Sarcophilus harrisii), marsupial que vive na Tasmânia, uma ilha da Austrália. A espécie tem forte mandíbula e molares avantajados, o que permite a ele abrir a boca em até 120 graus e esmagar os ossos de sua presa. Ainda bem que ele só come cobras, coelhos, insetos e ovos!


PATO Conhecido pela voz rouca e um mau humor incurável, o Pato Donald é uma criação dos estúdios Disney. Capaz de voar, nadar e andar razoavelmente, a espécie Cairina moschata é a única que consegue “dormir” com metade do cérebro em alerta. Também possui perfeito senso de direção e comunidade. Talvez por isso, o Pato Donald está sempre cercado pelos três sobrinhos: Huguinho, Zezinho e Luisinho.

PICA-PAU Criado em 1940, o personagem de desenho animado Pica-Pau divide opiniões. Alguns o amam, já outros, mais cautelosos, o consideram um mau exemplo para as crianças: ele sempre faz de tudo para tirar vantagem daqueles que estão por perto. Ao contrário da real função da espécie, que se alimenta de larvas e insetos que vivem em troncos. Acreditase que o pica-pau (Celeus Flavesceus) possui grande capacidade auditiva e por isso é capaz de ouvir o barulho de suas presas dentro das árvores. Pode dar até 100 bicadas por minuto e sua língua chega a ser cinco vezes maior que o bico.

BURRO O Burro Falante, personagem do filme Shrek (2001), rouba a cena a maior parte do tempo e até se casa com um dragão fêmea e tem vários filhotinhos. Na vida real, a espécie Equus asinus se diferencia do cavalo por ter menor porte, orelhas mais longas e pelagem cinza. O período de gestação da fêmea é de 12 meses. A espécie vive, em média, 18 anos. São resistentes e possuem grande capacidade de equilíbrio. Por isso, acabam sendo muito utilizados para transporte de cargas em trilhas estreitas ou acidentadas.


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OLHAR INTERIOR ANDRÉA ZENÓBIO GUNNENG (*) DE NOVA YORK (EUA)

O LADO ESPIRITUAL DA

BIG APPLE

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lheu lixo e detritos de construção civil em Pequim e os transformou, dando vida nova a eles, assim como a fênix, que em muitas culturas simboliza o renascimento e a ressurreição. Realmente, arte contemporânea tem um visual diferente dentro de uma catedral. Explorando essa particularidade, a diocese utiliza Estratégias de Pensamento Visual (EPV), um método pioneiro de ensinar crianças e adultos a observar a arte com um novo olhar. Afinal, a forma como vemos o que vemos afeta o pensar, o sentir e o imaginar. O objetivo é flexionar os músculos da imaginação, contribuindo para a construção da comunidade e inspirando mudanças. O Visitar a exposição “Corpos em Equilíbrio: A Arte da Medicina Tibetana”, no Museu Rubin. Segundo o conhecimento médico do Tibet (Sowa Rigpa), o corpo humano é composto de três forças (vento, bile e fleuma) responsáveis pelo bem-estar físico e mental. Manter o equilíbrio entre elas – denominadas “nyepas” em tibetano – assegura uma boa saúde. O Descobrir como artistas contemporâneos de diferentes partes do mundo retratam o Jardim do Éden e seus personagens – Adão, Eva e a cobra, mais o meio ambiente que serve de cenário para a ação do pecado original. Exposição fantástica do Museu de Arte Bíblica. O Explorar o Central Park me deixando guiar pela posição do Sol e os quatro pontos cardinais, tal como os indígenas fazem. Apreciar o pôr do sol à beira do Rio Hudson, depois de ter visitado o emocionante 9/11 Memorial. Comer apenas alimentos saudáveis. O Estar em Nova York sem me perder em meio à intensidade frenética que compõe a cidade. Estar presente no momento. Praticar mindfulness! FOTO: ANDRÉA ZENÓBIO GUNNENG

M

inha intenção era “experivivenciar” Nova York de uma maneira diferente. Não como uma turista em férias, porque, na realidade, essa não era uma viagem de lazer. Muito menos como uma consumidora seduzida pelos preços baixos e pela boa qualidade – Nova York, a Big Apple, paraíso das compras. Montei meu programa visando explorar o lado espiritual da cidade, participando de atividades que me direcionassem a apreciar o momento presente e desenvolver uma atenção plena. Em outras palavras, praticar mindfulness. Então escolhi: O Praticar “meditação andando” no único labirinto coberto da cidade, de 11 circuitos, construído em granito marrom e preto, no porão da Igreja Marble Collegiate. Esse tipo de labirinto não é como o clássico, composto de muitas trilhas e becos sem saída. Pelo contrário. Aqui, o caminho pelo qual se entra é o mesmo que se segue em direção à saída. Em um labirinto você se perde; nesse você se encontra. O objetivo da “meditação andando” é limpar a mente e se tornar consciente da própria respiração, para então poder libertar-se do estresse do dia a dia e exercitar a paz de espírito. O Participar de uma “excursão vertical” pela Catedral de São João, o Divino, explorando os vitrais coloridos, até alcançar o telhado e ter uma vista panorâmica de Nova York. Essa diocese, em construção desde o século XIX, foi erguida para celebrar os principais grupos de imigrantes que estavam construindo a cidade. Qual foi a minha surpresa ao encontrar, no centro da catedral, duas esculturas gigantescas da ave fênix, de 30 metros de extensão e pesando seis toneladas cada uma... Durante dois anos, o artista plástico chinês Xu Bing reco-

A FÊNIX de Xu Bing: renascimento em forma de arte


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Toda Lua Cheia


1 EXEMPLO

O JARDINEIRO

FIEL DE BH Conheça a história de Oswaldo Bissoli, morador da capital mineira, que sabe valorizar a natureza que ainda resiste ao asfalto

Ricardo Camargos redacao@revistaecologico.com.br

A

cena pode parecer um tanto surrealista. Todavia, não se assuste se um dia você estiver passando pelo bairro Anchieta, ali pela esquina das ruas Caratinga com Montes Claros, e se deparar com um senhor de idade, magro, cabelos brancos e ralos escondidos sobre um bonezinho, puxando um caixote com rodinhas por uma corrente. Não faça julgamentos apressados. Se puder, pare e observe mais atentamente. Você vai ver o homem destrancar um cadeado que prende a porta de um Ford Corcel branco (muito velho, enferrujado, mas cheio de cartazes com mensagens positivas). Dele, o homem vai tirar uma série de ferramentas para colocá-las no caixote de rodas que trouxe de casa. Repare mais um pouco: primeiro um grande regador, depois um ancinho, tesouras de poda, uma enxadinha, pazinhas, um abridor de covas e pequenos pacotes de terra, adubos e sementes. Trata-se de um personagem popular na região. É o seu Oswaldo Bissoli, um capixaba aposentado que mora sozinho em um apartamento da região. Não sabe exatamente se tem 83 ou 84 anos, mas tem muitos amigos e admiradores em todo o bairro. Se você puxar um dedo de prosa, vai descobrir que ele veio do Espírito Santo ainda jovem e se radicou no bairro, que ele chama de “um lugar de felicidade” desde 1968. Vai contar também que, durante 35 anos, trabalhou como disciplinário de vários dos principais colégios particulares da capital. Se você estranhar a profissão, que certamente vai contrastar com a figura bondosa e com a atual

BISSOLI: "O que quero é chamar a atenção das pessoas para que admirem e não destruam a natureza"


FOTOS: MARCOS TAKAMATSU

"Não tem alegria maior do que ver uma árvore carregada de flores e frutos, abelhas e borboletas."

atividade social e ecologicamente correta dele (que você vai ficar sabendo logo), seu Oswaldo vai explicar com um largo sorriso: “Tenho um temperamento bastante tranquilo. Sabia que os adolescentes passam pelas fases que têm que passar para ter amadurecimento? Por isso, sempre fiz muitos amigos. Disciplinador que usa castigo é sempre mal visto. Meu lema era ‘o que você fizer, responda por isso’. Na verdade, sempre me vi como um educador. Aliás, acho que o que faço hoje é exatamente continuar educando”. VOLUNTÁRIO ECOLÓGICO Educador ambiental é a melhor maneira de definir o trabalho que seu Oswaldo realiza todas as manhãs, aproveitando – como ele mesmo diz – o melhor horário para tomar sol. Armado com o seu carrinho de jardinagem, ele percorre as ruas do Anchieta conservando e tratando cuidadosamente de todos os canteiros, jardins ou árvores que apresentem problemas. Às vezes, faz uma capina no excesso de mato, uma pequena poda ou corte de flores e galhos secos. Quando é preciso, planta uma bela trepadeira em torno de uma árvore sem proteção ou recolhe e cataloga sementes novas para sua seleção. Enfim, é o verdadeiro senhor dos jardins, o “jardineiro fiel” de BH. Essa paixão pelas plantas, conta o aposentado, surgiu há uns seis anos. “Tem dias em que eu fico

três ou quatro horas na rua, plantando, regando ou adubando os canteiros. Senti que podia embelezar mais a região, chamar a atenção das pessoas para que admirem e não destruam a natureza. Tem gente que até reclama de ter uma árvore em frente de casa. Dizem que as folhas caem, sujam a rua, entopem as calhas, se misturam com a fiação. Então digo que sem árvores não há vida. Não tem alegria maior do que ver uma árvore carregada de flores e frutos, abelhas e borboletas. De vez em quando a gente vê um beija-flor, uma maritaca, um miquinho passando por cima dos fios. Isso tudo é o milagre da natureza que nos convida a abençoar a vida.” E completa: “Não quero ser modelo de nada, mas gosto de dar bons exemplos para que sejam seguidos. E olha que já tem muita gente por aqui seguindo esta teoria de plantar, tirar semente ou, pelo menos, regar a árvore na frente de casa. Isso me deixa muito alegre”. Seu Oswaldo diz que muitas pessoas perguntam se ele não gostaria de podar o jardim da casa delas. “Sou um jardineiro neófito, ambulante. Então, sugiro que elas mesmas façam o serviço nos próprios lares. Já tem mais de ‘dúzia’ fazendo isso”, brinca ele, soltando um largo sorriso. Enquanto segue seu trabalho e a prosa com o repórter, seu Oswaldo é cumprimentado carinhosa-

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OUTUBRO DE 2014 | ECOLÓGICO O 65


FOTO: MARCOS TAKAMATSU

1 EXEMPLO

SEU OSWALDO e o inseparável Corcel branco, coberto com placas escritas com mensagens reflexivas: companheiro ecológico

mente por muita gente. “No começo era gozado. As pessoas perguntavam quanto eu estava ganhando para fazer isso, por que fazia ou se eu não tinha mais nada para fazer. Ai, eu respondia na bucha: ‘ganho o sorriso e a alegria que você me dá, a alegria de te ver apreciando as flores. Para mim, isso é o maior agradecimento, o melhor reconhecimento.” AMIGOS DA NATUREZA Uma das admiradoras da dedicação ecológica de seu Oswaldo é a psicóloga Adriana Soares. Ainda que apressada, faz questão de uma paradinha para um abraço no aposentado: “Sempre passo aqui levando meu filho para a escola e o vejo cuidando dos jardins. Todo mundo na região o conhece. Acho um barato ele com essa idade e ter um tempinho disponível para se doar aos outros, ao planeta e à comunidade. Hoje em dia, isso é raro. Não existe mais essa solidariedade. Se eu pudesse ficar uma velhinha assim, e tentar essa perspectiva, seria muito bom. O trabalho dele enche de luz e esperança o meu coração de mãe e de psicóloga”.

66 O ECOLÓGICO | OUTUBRO DE 2014

O mecânico Marcos Antônio, que trabalha próximo ao prédio onde seu Oswaldo mora, fala sobre o amigo: “É maravilhoso para a natureza ele estar aí cuidando e regando as árvores. A maioria dos aposentados só aparece aqui para esperar que o bar ali em frente abra as portas. Todo mundo devia seguir o estilo de vida dele. Ao mesmo tempo em que faz uma boa caminhada realiza um belo trabalho em defesa da vida e da natureza”. Satisfeito, o “jardineiro fiel” conclui a prosa com o repórter citando uma frase do líder pacifista indiano Mahatma Gandhi: “Uma pessoa que se eleva profundamente até Deus anula o ódio de milhões de pessoas que estão ao seu redor”. Depois pontua, agora com a sua própria filosofia: “Eu procuro levar bons fluidos. Ajudar as pessoas a ter uma alegria maior, a saber que a vida é difícil, mas a rosa com espinhos não é só espinhos. E olha que tem rosa sem espinhos”. Seu Oswaldo se despede, puxa seu carrinho e vai tocando o trabalho pela Rua Caratinga. Louvado seja! O


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OLHAR POÉTICO ANTONIO BARRETO (*) redacao@revistaecologico.com.br

FEBRE

É

isso. Tudo, hoje em dia, é amarelo. O suspense é amarelo. A derrota é amarela. A corrupção é amarela. O papo é amarelo. A luz é amarela. Van Gogh é amarelo. O chope e a cerveja são amarelos. O sol continua cada vez mais amarelo. A chuva, além de ácida, idem. A água que bebemos é amarela. O ar que respiramos é amarelo. A saudade da mulher amada é amarela. A Terra, o céu e o mar (que já foram azuis) agora são amarelos. O homem que Deus criou (à sua cor e semelhança) também ficou amarelo: amarelo de doença, de tristeza, de vergonha... E até os papagaios (que eram verdes, vermelhos, azuis, de várias cores) estão ficando amarelos, desbotados, amarelo-desmaiados. Assim, os escritores também ficaram amarelos. Aliás, sempre foram amarelos. Desde que começaram a usar aquele tijolinho de barro amarelo para pintar de amarelo o que amarelo estava. Em suma, constatar o óbvio e ficar repetindo, diariamente, o que veio primeiro: a clara ou a gema, a galinha ou o ovo, o papagaio ou a palavra? Alguns, mais criativos, concordo, especularam sobre o que Adão e Eva, nossos amarelos tatataravós, andavam fazendo nas amarelas horas vagas da amarelidão-mesmice do Paraíso... É claro que toda conclusão sobre isso só resultaria, também, em um amarelo “não sabemos, mas vamos investigar”. Como a Justiça deste país, que também é amarela de ouro e de vergonha. Como a política. Tudo: um eterno lero-lero eterno. Tudo imensamente amarelo. Um enorme e descomunal lero-lero amarelo. E como já estou amarelo de preguiça, encerro: amarelo sou, serás, seremos. Porque

amarela também é a cor do Mesmundo (e da minha falta de assunto). Porém, cá entre nós: bem que podíamos ser visitados, o ano inteiro, por essa estonteante explosão de amarelo dos ipês que acabam de pipocar sobre a cidade seca e desbotada. Essa cidade que capenga, vegetante, na saída de um inverno louco e galopante. E nem sabe se alguém bate na porta para deixar que entre em sua casa mais uma primavera errante... Esse amarelo, o dos ipês, é algo que tira a gente do sério! Resta o consolo: chova chuva ou chova sol, esse amarelo vai, mas vem vindo... O

FOTO: GUARDIÃO DO CERRADO

AMARELA


1 PREMIAÇÃO

ROSA: ninguém retratou melhor as veredas do que ele

AS VEREDAS E OS BURITIS NA OBRA DE

GUIMARÃES ROSA Conheça, a seguir, as referências que o grande escritor mineiro fez a esses elementos naturais na obra “Grande Sertão: Veredas”

N

a história da literatura brasileira, nenhum outro escritor falou tanto sobre os buritis e as veredas que compõem as paisagens do Cerrado brasileiro - tema principal da quinta edição do Prêmio Hugo Werneck de Sustentabilidade & Amor à Natureza - quanto João Guimarães Rosa. Em sua obra, o poeta de Cordisburgo (MG) não apenas despertou um olhar mais amoroso sobre esses oásis do sertão, mas também recriou a linguagem regional do sertane-

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jo, introduziu palavras novas, recuperou o significado de outras e construiu novas relações sintáticas. Nesse ínterim, os dois personagens centrais, Riobaldo e Diadorim, digladiam-se entre as dimensões universais da condição humana, como o amor, o ódio e o sofrimento, tendo o sertão mineiro como cenário para as suas aventuras reminiscentes. A seguir, releia trechos memoráveis dessa grande obra, em defesa dos buritis, das veredas e do Cerrado brasileiro:


O“BURITI, minha palmeira, lá na vereda de lá. Casinha da banda esquerda, olhos de onda do mar.” O“VEREDA em vereda, como os buritis ensinam, a gente varava para após.” O“O RANCHO era na borda da mata. De tarde, como estava sendo, esfriava um pouco, por pejo de vento – o que vem da Serra do Espinhaço – um vento com todas as almas. Arrepio que fuxicava ali, e ia, lá adiante longe, na baixada do rio, balançar esfiapado o pendão branco das canabravas. Por lá, nas beiras, cantava era o joãopobre, pardo, banhador. Me deu saudade de algum buritizal, na ida duma vereda em capim tem-te que verde, termo da chapada. Saudades, dessas que respondem ao vento; saudade dos Gerais. O senhor vê: o remoo do vento nas palmas dos buritis todos, quando é ameaço de tempestade. Alguém esquece isso? O vento é verde.” O“PERGUNTO coisas ao buriti; e o que ele responde é: a coragem minha. Buriti quer todo azul, e não se aparta de sua água – carece de espelho.” O“E COMO cada vereda, quando beirávamos, por seu resfriado, acenava para a gente um fino sossego sem notícia – todo buritizal e florestal: ramagem e amar em água.” O“Assim que fevereiro é o mês mindinho; mas é quando todos os cocos do buritizal maduram, e no céu, quando estia, a gente acha reunidas todas as estrelas do ano todo.” O“O QUANTO em toda vereda em que se baixava, a gente saudava o buritizal e se bebia estável.”

estavam presos. O que é que buriti diz? É: - Eu sei e não sei. Que é que o boi diz? – Me ensina o que eu sabia... Bobice de todos. Só esta coisa o senhor guarde: meia-légua dali, um outro corgovereda, parado, sua água sem cor por sobre de barro preto. Essas veredas eram duas, uma perto da outra; e logo depois, alargadas, formavam um tristonho brejão, tão fechado de moitas de plantas, tão apodrecido que em escuro: marimbus que não davam salvação. Elas tinham um nome conjunto – que eram as Veredas-Mortas.” O“DESCI, de retorno, para a beira dos buritis, aonde o pano d’água. A claridadezinha das estrelas indicava a raso a lisura daquilo. Ali era um bebedouro de veados e onças. Curvei, bebi, bebi.” O“O POBRE sozinho, sem um cavalo, fica no seu, permanece, feito uma croa ou ilha, em sua beira de vereda. Homem a pé, esses Gerais comem.” O“COM O TEMPO se refrescando, e o desabafo do ar, buriti revira altas palmas.” O“O RIO não quer ir a nenhuma parte, ele quer é chegar a ser mais grosso, mais fundo. O Urucuia é um rio, o rio das montanhas. Rebebe o encharcar dos brejos, verde a verde, veredas, marimbus, a sombra separada dos buritizais, ele. Recolhe e semeia areias.” O“O BURITI é das margens, ele cai seus cocos na vereda – as águas levam – em beiras, o coquinho as águas mesmas replantam; daí o buritizal, de um lado e do outro se alinhando, acompanhando, que nem que por um cálculo.”O SAIBA MAIS www.premiohugowerneck.com.br

O“AQUELE situado lugar não desmentia nenhuma tristeza. A vereda dele demorava uma aguinha chorada, demais. Até os buritis, mesmo,

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FOTO: THIAGO FERNANDES

O“AH! BURITI cresce e merece é nos gerais!”


Memorial Vale AS MUITAS MINAS NO MUSEU (9)

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A HISTÓRIA do povo mineiro na palma da mão: dos índios aos colonizadores, Minas se ergueu como uma força cultural e econômica no país

MEMÓRIAS DE NOSSA GENTE Nesta nova viagem ao Memorial Vale, é hora de falarmos sobre quem mais contribuiu para construir a história de nosso estado: o povo mineiro Luciano Lopes redacao@revistaecologico.com.br

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esta vez, queria fazer diferente. Entrei no museu decidido a não mostrar apenas a minha percepção da história de Minas. Queria o depoimento de alguém que, nesse momento, estava começando a construir a própria vida e a descobrir o mundo à sua volta, mas que ainda tinha poucas referências do passado. Para isso, convidei a minha afilhada Júlia, de apenas oito anos, para fazer essa viagem comigo. Desde 2010, o Brasil ganhou de presente do Memorial Vale uma experiência única para rememorar de onde viemos, como estamos e que caminhos queremos seguir para preservar a nossa riqueza cultural, ambiental e humana. E proporcionar isso à pequena Júlia seria uma forma de conectá-la aos nossos antepassados e aos “construtores” de Minas, entendendo a formação do povo mineiro a partir daqueles que influenciaram a nossa cultura em diversos segmentos – da arte à religião, da gastronomia à política. Com a ansiedade e a energia comuns a toda criança, Júlia queria logo subir ao segundo pavipavi mento do museu. Antes, impressionou-se com as fotos de Sebastião Salgado, perguntou se podia levar um dos livros da sala dedicada ao poeta Drummond e

queria até escalar a árvore montada no “sertão” de Guimarães Rosa no museu. Entretanto, foi no segundo andar que ela realmente “descobriu” Minas. Antes de entrar na sala “O Povo Mineiro”, passamos pelo corredor com nomes de personalidades marcantes do estado, como os do antropólogo Darcy Ribeiro e do médium espírita Chico Xavier, sendo este último o primeiro visto e pronunciado por Júlia. As quatro esculturas enormes da sala – três com o formato de cabeças humanas (representando um índio, um europeu e um africano) e outra de uma mão – ganharam vida com a sobreposição das imagens. O efeito gerado em quem assiste a esse espetáculo é o mesmo de conversar com três gigantes, que, no caso, contam como suas tradições estão presentes na cultura mineira. E a mão, na parte inferior da sala, nos põe a “ler” as nossas raízes centenárias. O LEGADO INDÍGENA A colonização de Minas Gerais teve início no século XVII, quando os paulistas adentraram a região onde hoje é o nosso estado em busca de escravos. Mais tarde, a procura por ouro e pedras preciosas também culminou na formação das primeiras vilas e arraiais, mas também dizimou florestas e tribos indígenas. Algumas dessas comunidades, inclusive, agregaram importante valor cultural e histórico ao nosso modo de ser e viver. Daniel de

FOTOS: JOÃO MARCOS ROSA/NITRO

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Memorial Vale AS MUITAS MINAS NO MUSEU (9)

Carvalho, que foi secretário estadual de Agricultura vão desde o uso de plantas medicinais até a binga na década de 1950, afirmou durante o “I Seminário e a técnica de pescar com rede e anzol de osso. de Estudos Mineiros”, realizado em 1956, em BH, “O lado indígena de nossa formação mostra-nos que o temperamento introspectivo que a mata e o Cerrado, os rios, os e desconfiado do mineiro se deve ao bichos, tudo o que existia em nosNós, mineiros, aprendizado político com os índios: sa terra continua de alguma masomos séculos de “Somos montanheses desconfianeira vivo e é nossa companhia, dos, contemplativos, cautos, frios, uma economia forte, faz parte real e simbólica de nosso lentos, impassíveis, com certo desambiente. A ideia, implícita na hisde ressonâncias dém pelo aparato material da civilitória oficial, de que a colonização ideológicas que zação. Os pregoeiros de novidades e e a catequese cristã levariam ao grandezas costumam ser recebidos aperfeiçoamento pode ser conse somam, de com sorrisos de ironia. Herança do trariada pela ideia de que a convium entusiasmo índio, biótipo e temperamento esvência das diferentes espécies e a quizoide, a quem devemos também encantador, de uma variedade das formas de vida é que as bases da agricultura, a propena garantir a beleza da hospitalidade afetuosa continuam são para a música e o nomadismo paisagem e a riqueza do território em busca de terras virgens”. mineiro”, afirma a pesquisadora Soma-se ainda a esse legado indígena, princi- Maria Inês de Almeida no livro “Minas Gerais”. palmente, o conhecimento, o respeito ao meio No entanto, nem só de índio se faz um estado. ambiente e algumas heranças tecnológicas, que Mais uma vez Guimarães Rosa vem me fazer visita

PROGRAMAÇÃO OUTUBRO (ENTRADA FRANCA) 09/10 Leitura Rara: "Bicho-de-pé, Pé-de-moleque" Leitura dramática com a Companhia Teatro Adulto + Primeira Campainha Curadoria: Anderson Aníbal Horário: 19h30 Local: Auditório (sujeito a lotação) Obs: Retirada de senhas uma hora antes da apresentação. 12/10 Eu, Criança, no Museu! Histórias da Arca, com Ana Cristina e Cláudio Moraleida Horário: 11h Local: Auditório (sujeito a lotação) Até 12/10 Exposição "A Fotografia é um Espetáculo" Fotos de Paulo Lacerda / Acervo Fundação Clóvis Salgado Curadoria: Tibério França Horário: de funcionamento do museu Local: Café do Memorial De 14/10 a 11/01/2015 Exposição de fotos de Fabiana Figueiredo Curadoria: Tibério França Horário: de funcionamento do museu Local: Café do Memorial 16/10 Concertos de Câmara - Orquestra Filarmônica de Minas Gerais Quinteto de Metais - Interpretação de obras de HAENDEL, PLOG E EWALD. Horários: 19h e 20h30

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Local: Auditório (sujeito a lotação) Obs: Retirada prévia de ingressos uma hora antes das apresentações, limitada a um par por pessoa. Lugares garantidos até 15 minutos antes do início do concerto, quando novos ingressos serão liberados. 18/10 Performance no Memorial: Muda Performer: Efe Godoy Curadoria e coordenação artística: Marco Paulo Rolla Horário: 11h 23/10 Tradições Mineiras: Wilson Dias apresenta Lume (2013) Horário: 19h30 Local: Auditório (sujeito a lotação) 25/10 Sarau do Memorial com Vera Casa Nova Curadoria e coordenação artística: Wagner Merije Horários: 11h e 13h Local: Casa da Ópera (sujeita a lotação). Obs: Retirada de senhas uma hora antes das apresentações. 26/10 Vale na Praça Shows, espaço infantil Brinca&Dança, árvore do conhecimento, distribuição de balões e atrações para toda a família. Horário: 9h a 12h Até 02/11 SIMBIO Horário: de funcionamento do museu


A FAMÍLIA MINEIRA “Por que as pessoas fazem museus?”, me perguntou Júlia. Ao dizer que era para que não nos esquecêssemos do passado para construirmos melhor o futuro, ela se soltou de minha mão e parou na porta da sala “A Família Mineira”. Num repente, adentrou o espaço e já foi se acomodando em uma das poltronas: “aqui, parece que a gente está em casa”, disse. Naquele lugar, nenhuma frase poderia sintetizar melhor essa conexão com nós mesmos. O espaço oferece ao visitante a exibição de vídeos com depoimentos de diversas famílias mineiras, que registraram ali a sua história. Todas essas memórias, incluindo as da minha e da sua família, caro leitor, ajudaram a construir a cultura das cidades mineiras. Juntas, fizeram de Minas o que o estado é hoje. Perguntei Júlia se ela tinha gostado do passeio. “Quero voltar. A história é muito grande”, me respondeu. “Mas gostei mais da sala das ‘cabeças’, porque a pessoa conta a sua vida e a gente se sente como se fosse ela”, completou. Com um sorriso contido, só me restou pensar novamente na máxima de Guimarães Rosa e em um texto de João Antônio de Paula, doutor em História e professor da UFMG, quando ele menciona uma resposta que o escritor Eduardo Frieiro deu ao colega Alceu Amoroso Lima, por conta de um comentário sobre o mito da mineiridade: “Minas não é e nem podia ser como a vê e entende o sr. Alceu: gente de uma só face, um idêntico temperamento, uma condição única, uma urbana alma, um gesto uniforme, fáceis de serem surpreendidos e fixados em análises e caracterizações totalitárias. A voz de Minas, é claro, não tem um timbre só, que se possa captar

FOTO: WALMIR MONTEIRO

para lembrar que “Minas são muitas”. Assim como o nosso povo: somos latinos, americanos, europeus, asiáticos. Somos séculos de uma economia forte, de ressonâncias ideológicas que se somam, de um entusiasmo encantador, de uma hospitalidade afetuosa, da “tradição apegada à terra e ao lar, temente à Deus e à lei, de poucas e descansadas palavras”, como definiu o escritor e advogado Nelson de Senna no livro “A Terra Mineira”, de 1925. Minas, no fundo, é a sua gente. É quem faz daqui a terra do pão de queijo, “da manteiga e do leite, a Minas virgiliana dos grandes rebanhos, dos campos cercalíficos, a Minas Rural e pastoril, a Minas das igrejas, das orações, das procissões, católica, religiosa, fidelíssima, doméstica, familiar, íntima, hospitaleira, do lume e do pão”.

DEPOIMENTOS de integrantes de famílias mineiras podem ser assistidos no museu

e classificar dentro da gama dos timbres que compõem o coral da nação. É pluritonal, como todas as vozes coletivas.” Viva o povo mineiro! O SERVIÇO - MEMORIAL MINAS GERAIS VALE (*) Endereço: Praça da Liberdade, 640, esquina com rua Gonçalves Dias. HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO Terças, quartas, sextas e sábados: das 10h às 17h30, com permanência até as 18h. Quintas: das 10h às 21h30, com permanência até as 22h. Domingos: das 10h às 15h30, com permanência até as 16h. Entrada franca. Informações: (31) 3308-4000 Para visitas mediadas ou em grupo ligue: (31) 3343-7317 www.memorialvale.com.br (*) Mantenedor: Vale, por meio da Fundação Vale

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MEMÓRIA ILUMINADA - ZYGMUNT BAUMAN FOTO: MICHAŁ NADOLSKI

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BAUMAN: “O lixo é o principal e comprovadamente o mais abundante produto da sociedade moderna de consumo”


A VIDA LÍQUIDA DE

BAUMAN Eloah Rodrigues redacao@revistaecologico.com.br

DIVULGAÇ

ÃO

N

ascido em Poznan, uma das mais antigas cidades da Polônia, em novembro de 1925, o sociólogo Zygmunt Bauman iniciou sua carreira acadêmica na Universidade de Varsóvia. Com os tempos de censura, mudou-se para Canadá, Estados Unidos, Austrália e, mais tarde, para a Grã-Bretanha, onde se consagrou como escritor e professor de Sociologia da Universidade de Leeds. É autor de várias obras de renome internacional, como “Capitalismo Parasitário”, “A Ética é Possível num Mundo de Consumidores?”, “Globalização: as Consequências Humanas”, “O Mal-Estar da Pós-Modernidade” e “Vidas Desperdiçadas”, que contribuíram para as reflexões sobre práticas sustentáveis e responsáveis, do ponto de vista do consumo. Foi ganhador dos prêmios “Amalfi”, em 1989, pelo livro “Modernidade e Holocausto”; e “Adorno”, em 1998, pelo conjunto de sua obra. No livro “Vida Líquida”, do qual a Ecológico apresenta alguns trechos a seguir, Bauman nos convida a enxergar a “liquidez” como a essência máxima do ser contemporâneo. Analisa o caminho da sociedade pósmoderna consumista. Questiona a qualidade da ascensão da sociedade atingida pela capacidade de consumir e não por algo mais sólido, como a educação. Fala das relações humanas que têm se tornado cada vez mais frágeis, comparando-as a mercadorias, que são descartadas quando já não “servem” mais. Diante desse processo, defende o sociólogo polonês, torna-se fundamental questionar o relativo conforto e a segurança daqueles que se julgam privilegiados, na ordem estabelecida de consumo-descarte e de produção antiecológica de lixo. Inevitavelmente, enquanto vivos, caminharemos todos juntos, compartilhando a liberdade e o medo, as alegrias e as tristezas, como em um relacionamento, já que habitamos uma mesma casa e um mesmo e interligado ambiente: o planeta Terra. Bem-vindo ao pensamento líquido de Zygmunt Bauman!

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MEMÓRIA ILUMINADA - ZYGMUNT BAUMAN

● VIDA LÍQUIDA “É uma vida de consumo. É uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante. Significa constante autoexame, autocrítica e autocensura. Um tipo de vida que alimenta a insatisfação do eu consigo mesmo.” “A vida líquida é uma sucessão de reinícios.” ● SOCIEDADE MODERNA “É uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das nossas formas de agir.” “Essa sociedade promete uma felicidade fácil que pode ser obtida por meios inteiramente não heroicos e que devem estar, tentadora e satisfatoriamente, ao alcance de todos (ou seja, de todo consumidor).” “Numa sociedade líquido-moderna, as realizações individuais não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em um piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em incapacidades.”

FOTO: OLLY/FOTOLIA

● DESTRUIÇÃO CRIATIVA “A vida na sociedade líquido-moderna é uma versão perniciosa da dança das cadeiras jogada para valer. O verdadeiro prêmio nessa competição é a garantia (temporária) de sermos excluídos das fileiras dos destruídos e evitar sermos jogados no lixo.”

● CRESCIMENTO RESTRITO “As chances mais amplas de vitória pertencem às pessoas que circulam perto do topo da pirâmide do poder global, para as quais o espaço pouco significa e a distância não é problema.” “Boas-novas para as pessoas com amplo crédito bancário, más notícias para todos os demais, que flutuam perigosamente próximos de serem rebaixados à categoria secundária dos ‘consumidores fracassados’ e atirados ao buraco negro da ‘subclasse’.” ● DEGRADAÇÃO ESPIRITUAL “Os afetados pelo vírus do lumpem proletariado espiritual vivem no presente e pelo presente. Vivem para sobreviver (tanto quanto possível) e para obter satisfação (o máximo possível).” “O mundo habitado por este vírus não deixa espaço para inquietações sobre qualquer outra coisa senão o que pode ser, ao menos em princípio, consumido e saboreado instantaneamente, aqui e agora.” ● ESPERANÇA QUE SE ESVAI “No mundo passado, onde o tempo caminhava bem mais lentamente e resistia à aceleração, as pessoas tentavam fechar o torturante fosso entre a pobreza de uma vida curta e mortal e a riqueza infinita do universo eterno, com esperanças de reencarnação ou ressurreição.” ● MARTÍRIO IMCOMPREENDIDO “À medida que essa sociedade com seu consumismo endêmico cresce, mártires e heróis vão batendo em retirada.” “A sociedade líquido-moderna de consumidores considera os feitos dos mártires, heróis e todas as suas versões híbridas quase incompreensíveis e irracionais, e, portanto, ultrajantes e repulsivos.” ● IDENTIDADE TROCADA “A ‘identidade’, tal como costumavam ser a reencarnação e a ressurreição dos velhos tempos, se refere à possibilidade de ‘renascer’, de deixar de ser o que é para se transformar em alguém que não é.”

“Em um mundo repleto de consumidores e produtos, a vida flutua desconfortavelmente entre os prazeres do consumo e os horrores da pilha de lixo.” 76 O ECOLÓGICO | OUTUBRO DE 2014

● LEALDADE RENEGADA “Para se livrar do embaraço de ser deixado para trás, de ficar preso a algo com o qual ninguém mais quer ser visto, de ser pego cochilando e de perder o trem do progresso em vez de viajar, deve-se ter em mente que é da natureza das coisas exigir vigilância, não lealdade. No mundo líquido-moderno, a lealdade é motivo de vergonha, não de orgulho.”


FOTO: DILIFF

“Londres ocupa 1.500 km2 de terra, mas, segundo os cálculos do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a cidade precisa usar um território mais ou menos igual ao de toda a terra útil da Grã-Bretanha para suprir o consumo de seus habitantes e armazenar o lixo que eles produzem.”

● HIPOCRISIA E FRUSTRAÇÃO “Para que a busca de realização possa continuar e novas promessas possam mostrar-se atraentes e sedutoras, as promessas já feitas precisam ser quebradas, e as esperanças de realizá-las, frustradas.” “Um mar de hipocrisia que se estende das crenças populares às realidades da vida dos consumidores é condição sine qua non para que uma sociedade de consumidores funcione apropriadamente. Toda promessa deve ser enganosa, ou pelo menos exagerada, para que a busca continue. Sem a repetida frustração dos desejos, a demanda pelo consumo se esvaziaria rapidamente, e a economia voltada para o consumidor perderia o gás.” ● ESTÍMULO AO CONSUMO “A arte do marketing está focada em evitar a limitação das opções e a realização dos desejos.” “Um mercado de consumo propaga a circulação rápida, a menor distância do uso ao detrito e ao depósito de lixo, e a substituição imediata dos bens que não sejam mais lucrativos.” ● MODERNIDADE LÍQUIDA “Parece uma cultura do desengajamento, da descontinuidade e do esquecimento.” “Na hierarquia herdada dos valores reconhecidos, a ‘síndrome consumista’ destronou a duração, promoveu a transitoriedade e colocou o valor da novidade acima do valor da permanência.” “O advento da sociedade líquido-moderna significou

a morte das principais utopias sociais e, de modo mais geral, da ideia de uma ‘boa sociedade’.” ● EFEITO COLATERAL “Algum tipo de sofrimento é um efeito colateral da vida numa sociedade de consumo. Numa sociedade assim, os caminhos são muitos e dispersos, mas todos eles levam às lojas. Qualquer busca existencial, e principalmente a busca da dignidade, da autoestima e da felicidade, exige a mediação do mercado.” ● LIXO CRESCENTE “O lixo é o principal e comprovadamente o mais abundante produto da sociedade moderna de consumo. Entre as indústrias da sociedade de consumo, a de produção de lixo é a mais sólida e imune a crises.” “A vida talvez seja sempre um ‘viver-para-a-morte’. Mas, para os que vivem na líquida sociedade moderna, a perspectiva de ‘viver-para-o-depósitode-lixo’ pode ser a preocupação mais imediata e consumidora de energia e trabalho.” ● CUIDADO PLANETÁRIO “Trata-se de uma responsabilidade verdadeiramente planetária: o reconhecimento do fato de que todos nós que compartilhamos o planeta dependemos uns dos outros para o nosso presente e futuro. Nada que façamos ou deixemos de fazer pode ser indiferente para o destino de todos os outros. Nenhum de nós pode mais procurar e encontrar um refúgio privado para tormentas que se podem originar em qualquer parte do globo.” O OUTUBRO DE 2014 | ECOLÓGICO O 77


1 ENSAIO FOTOGRÁFICO

AMSTERDÃ DE FLORES E

BICICLETAS

A Holanda possui grande número de habitantes adeptos do ciclismo ecológico e exibe beleza e sustentabilidade em cada canto do seu território Cristiane Mendonça redacao@revistaecologico.com.br 78 O ECOLÓGICO | OUTUBRO DE 2014


FOTOS: SHUTTERSTOCK

FLORES E BICICLETAS embelezam a paisagem centenária da capital holandesa

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ocalizada na Europa Ocidental, a Holanda é um país com mais de 16 milhões de habitantes e predicados invejáveis. Metade do seu território fica a menos de um metro acima do nível do mar e a outra parte abaixo dele, o que faz com que o país seja “desenhado” por imensas planícies. Nos campos, o cenário é composto por moinhos centenários e áreas recobertas por plantações de flores coloridas, entre elas, tulipas, narcisos e jacintos. A capital, Amsterdã, está repleta de canais navegáveis do século XVII, considerados pela Unesco como "Patrimônio Mundial da Humanidade".

Soma-se a isso, a existência de vários parques ecológicos, como o famoso Keukenhof, que abre as portas somente na primavera para exibir uma infinidade de plantas que florescem apenas nessa época. Para quem quiser apreciar todas essas belezas, a bicicleta é o melhor meio. A Holanda possui 40 mil quilômetros de ciclovias, que cortam todo o país. Fatores mais do que suficientes para também transformar a rotina de quem vive por lá em um convite ao ciclismo. Estima-se que 84% dos holandeses têm uma ou mais bicicletas em casa, que podem ser facilmente estacionadas, num país onde existe até, acredite, uma embaixada para o ciclismo. Em Amsterdã, é possível assinar um serviço no qual você retira uma bicicleta em um ponto, usa o veículo e o deixa em outro local credenciado. Também é comum ver nas ruas um trânsito intenso de bicicletas utilizadas por jovens, crianças e adultos, seja por lazer, trabalho ou indo à escola, convivendo com pedestres, carros e metrôs, com uma sinalização feita para atender cada um deles. Para se ter uma ideia, 77% dos holandeses com mais de 60 anos pedalam, em média, 15 quilômetros por semana! E esse estilo de vida e suas paisagens naturais e urbanas (incrivelmente respeitosas com o meio ambiente) podem ser conferidas nas belas imagens que a CI, empresa de turismo paulista, divulgou recentemente para oferecer um pacote turístico que inclui pedaladas ecológicas pelo país (leia mais a seguir). Confira:

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1 ENSAIO FOTOGRÁFICO GEOGRAFIA PLANA e 40 mil quilômetros de ciclovia para quem deseja turismo saudável

NO PAÍS, a bicicleta é meio de transporte e lazer para todas as idades

AS BICICLETAS já fazem parte da paisagem e da vida noturna


FOTOS: SHUTTERSTOCK

MOINHOS CENTENÁRIOS e campos de tulipas: cartões-postais da Holanda

CADA CAMPO de flor é um convite ecológico ao passeio ciclístico

FIQUE POR DENTRO

A CI, especializada em intercâmbio e turismo jovem, oferece um pacote ciclístico especial para Amsterdã: o “Mochilão Holanda de Bike”. Quem adquiri-lo poderá percorrer 240 quilômetros de bicicleta, saindo da capital holandesa e passando por cidades como Haarlem, Leiden, Delft e Gouda, durante oito dias. Para saber preços e os serviços oferecidos pela CI, acesse www.ci.com.br/ holanda-de-bike

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CONVERSAMENTOS ALFEU TRANCOSO (*) redacao@revistaecologico.com.br

A CONCEPÇÃO ECOCÊNTRICA T

odo processo civilizatório produz suas próprias concepções de mundo. Temos como exemplo a concepção cosmocêntrica, criada pelos gregos no seu período mitológico, que vai dos séculos XI ao VI a.C. Nessa concepção, o homem se reconhecia como um ser submetido aos desígnios dos deuses, senhores do Cosmos e do destino humano. Um exemplo disso é a sentença emitida pela deusa Hera, mulher de Zeus, a Laio. A deusa predisse que ele seria morto pelo seu filho, Édipo, e que depois este se casaria com sua mulher Jocasta. E, como é sabido, Édipo matou sem saber o pai e se casou com a mãe. A partir do século IV d.C, com a oficialização do Cristianismo no Império Romano, outra concepção de mundo começa a ser formada: a concepção teocêntrica, em que Deus seria o centro de tudo. Ela perdurou até o século XVI, quando se inicia a Revolução Científica, em que outra concepção começou a ser gestada: a antropocêntrica ou humanista, segundo a qual o homem se tornaria o centro de todas as coisas. Ele seria, com ajuda da ciência e das técnicas, o senhor da natureza. Essa concepção, apesar das críticas, ainda é predominante hoje. Entretanto, a partir do final do século XX, ficou mais evidente o impacto negativo das tecnologias sobre o meio ambiente. O crescimento desordenado das cidades e das populações, a poluição ambiental e a demanda cada vez maior por recursos naturais levou as consciências mais críticas a proporem um modelo de produção mais ecológico. Assim, o grande desafio desse novo modelo é contribuir para a substituição desse sistema predatório atual, que se baseia na dominação da natureza, por outro baseado numa relação de convivência pacífica e solidária com ela. E foi também por meio dessa nova concepção que surgiu a ideia da sustentabilidade que defende um desenvolvimento equilibrado

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com as condições ambientais e sociais, capaz de garantir uma vida saudável para as futuras gerações. Esta nova diretriz ecológica, no entanto, entra em choque com os interesses da sociedade consumista atual. Como esse sistema baseia-se na ideia de que é preciso crescer e consumir a todo custo, o desafio está lançado. A relação entre produção e recursos naturais tem de ser alterada radicalmente. Nesse início de século, fica o alerta de que esse descompasso pode desencadear uma crise sem precedentes nas sociedades consumistas. Desse modo, a concepção ecocêntrica seria hoje a única alternativa viável para a construção de uma sociedade mais justa e, portanto, ambientalmente mais sadia - não só para os homens, mas para toda a natureza e os seres vivos que habitam esse belo planeta. O

(*) Ambientalista e professor de Filosofia da PUC Minas.

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