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Telecomunicações
Conectividade que transforma o futuro da Amazônia
Sem conectividade não há progresso. Se a máxima faz sentido para um mundo inteiro, na Amazônia a afirmação tem um peso especial, se pensarmos em seu território continental, entrecortado por veias de rio.
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Hoje, já não dá para pensar em infraestrutura básica para as populações da região sem considerar o investimento em desenvolvimento tecnológico – e quando falamos em tecnologia, falamos também das telecomunicações. Telefonia é conexão, troca de informação, integração, meio fundamental para a promoção da educação, da saúde, da expansão da economia local. E foi justamente pensando em possibilitar a redução das distâncias e do abismo social das populações da região, quando o assunto é conectividade, que nasceu, em 2005, o projeto “Telefonia Celular Comunitária” (CELCOM).
Iniciado a partir de pesquisas que buscavam identificar possíveis tecnologias facilmente adaptáveis ao dia a dia das comunidades amazônicas, o projeto CELCOM atuou para levar inclusão digital e acesso à telefonia de qualidade aos moradores das comunidades mais vulneráveis e afastadas dos grandes centros urbanos. “A premissa fundamental do CELCOM é que as comunidades carentes e isoladas, em termos dos serviços básicos de telefonia e internet, requerem tecnologias inovadoras e ações sociais desenvolvidas para a situação específica que vivenciam, mas a quase totalidade dos investimentos globais de pesquisa em redes de comunicações tem como alvo os usuários das regiões com alta concentração populacional e poder aquisitivo. E assim, o Brasil acompanha o mundo ao encontrar imensos desafios para conectar comunidades rurais e pobres, em regiões como a Amazônia. O projeto CELCOM se contrapõe ao fato de a maioria dos programas de inclusão dependerem exclusivamente de tecnologias que foram e estão sendo desenvolvidas para realidades opostas às de suas comunidades-alvo”, explica o coordenador do projeto e professor da Universidade Federal do Pará, Aldebaro Klautau Junior.
Envolvendo aproximadamente 30 estudantes e professores da graduação e da pós-graduação da UFPA, o CELCOM atuou com a missão de prover tecnologia para que as próprias comunidades selecionadas pelo projeto tivessem uma rede de telefonia. Após realizar pesquisas, estudos - alguns, inclusive, premiados - e utilizar como referências outros projetos semelhantes desenvolvidos na Amazônia, em 2015, o CELCOM transformou os dados obtidos em ação e promoveu duas etapas “piloto” nas comunidades de Boa Vista do Acará e Campo Verde, em Concórdia do Pará. A intenção era desenvolver alternativas “open source” (programas de código aberto que são sempre adaptáveis), que possibilitassem a chegada da rede GSM que, por sua vez, possibilita sinal de transmissão de dados, conversação por meio de chamadas e mensagens SMS. “Isso é semelhante à comunidade instalar uma rede Wi-Fi. A diferença é que o CELCOM usa frequências mais baixas, mais adequadas à Amazônia, que usar o Wi-Fi. Com essas frequências mais baixas, o sinal se propaga por uma distância maior. Outro aspecto é que a própria comunidade gerencia a rede. Esse é o conceito básico de rede comunitária. Mas deve-se notar que para conectar a comunidade ao resto do mundo, ainda é necessário um enlace de “backhaul”, que pode ser por satélite ou por rádio ou ainda por fibra óptica. No CELCOM, este backhaul é fornecido por parceiros externos, como a UFPA (no caso da >>>
Professor Aldebaro Klautau Junior
comunidade de Boa Vista do Acará) ou a Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Pará (PRODEPA) (no caso da comunidade Campo Verde, em Concórdia do Pará)”, explana o coordenador.
O desejo humanitário e audacioso de interconectar e impactar positivamente a vida na região, não poderia ser executado sem parcerias. Ao longo do tempo, o CELCOM contou com parceiros e financiadores, públicos e privados, como a UFPA e a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Profissional e Tecnológica (SECTET), somando investimentos que chegaram a 180 mil reais. A Fundação Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP) também teve papel importante no desenvolvimento da proposta. “A FADESP é parceira essencial nos projetos que executamos, pois é quem se responsabiliza por questões importantes como as finanças, contratação de recursos humanos e aspectos legais. Alguns dos equipamentos que usamos são importados, e o knowhow da FADESP nesta importação também é essencial para o sucesso do projeto, pois atrasos comprometem as datas dos entregáveis”, afirma Aldebaro.
Tanto investimento rendeu bons frutos. O reconhecimento veio sob a forma de prêmios, artigos científicos publicados e chegou à Organização das Nações Unidas (ONU), onde o CELCOM foi apresentado na União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência reguladora especializada em tecnologias de telecomunicação e informação de nível mundial. “O mais importante é que os dois projetos-pilotos provaram ser possível termos redes comunitárias usando frequências de telefonia, as quais são mais adequadas do que as usadas por Wi-Fi. Principalmente por isso consideramos o projeto um sucesso”, diz o coordenador.
É impossível falar de integração e inclusão digital no Brasil sem considerar a Amazônia e seu povo, suas peculiaridades. O sistema de telefonia móvel e internet só tem sentido se for interligado a uma rede nacional onde a circulação e o acesso à informação sejam facilitados, amplos e irrestritos. Há décadas a região enfrenta sérios entraves infraestruturais, por uma série de fatores ambientais e, nesse sentido, projetos como o CELCOM se mostram como estratégias viáveis para suprir as carências e aproximar as populações da tecnologia, do desenvolvimento que ela proporciona e, consequentemente, do futuro. “Receio que a Amazônia só irá alcançar melhor uso da tecnologia quando seu povo e seus governantes souberem como encontrar soluções inovadoras e de impacto social. E isso só se atinge com educação. Um atalho seria termos governos que se posicionassem de forma bem mais competente do que a própria população. Nesse contexto, gestores empreendedores e com visão futurista nos permitiriam darmos saltos tecnológicos e melhorar a qualidade de vida da população. Há inúmeras possibilidades em temas como conectividade rural, cidades inteligentes e outras, mas os governos tipicamente estão soterrados em gerenciar o cotidiano e atender suas agendas políticas. Caso sigamos o caminho evolutivo que adotamos, as transformações acontecerão, mas, além de lentas, continuarão a privilegiar os com mais recursos e localizados em centros urbanos. Há muitas oportunidades: dominamos a tecnologia e o leilão 5G deu dinheiro ao governo federal. Os governos estaduais e municipais precisariam investir pouco e estariam obtendo diversas vantagens na articulação em prol de maior conectividade. O projeto CELCOM atualmente não tem financiamento. Mas não o consideramos parado, pois continuamos a estudar o problema e desenvolver soluções, em especial que tenham escala e possam atender da melhor forma as comunidades. À medida que países, como México, fornecem conectividade a suas comunidades indígenas e outras localizadas em locais remotos, aumentamos o otimismo de que os brasileiros que detém poder perceberão que poderíamos estar fazendo mais. E o mundo está também se movendo em prol de conectar os desconectados, com ações da ONU e diversos governos. Temos no Brasil a competência e os recursos para não ficarmos a reboque, aguardando que empresas multinacionais conectem nossas áreas rurais e florestas por satélite com alto custo aos mais pobres.”, conclui Klautau Junior.