Revista
Ano 4 • Nº 15 • dezembro de 2013 • www.feuc.br/revista
em foco
CURSOS REAVALIADOS
Pedagogia conquista nota 4 e BSI retoma o 3 após visita de analistas do MEC 1
Institucional
Um sonho sempre em construção É inegável a contribuição da FEUC para o crescimento da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro e de municípios vizinhos. Resgatando um pouco da história da instituição, nossa ex-aluna Raquel Mara Lopes, em sua dissertação de mestrado pela Universidade Católica de Petrópolis “A Fundação Educacional Unificada Campograndense, resgate de uma história: 1960 a 1970” (disponível em nossa biblioteca) ressalta um fator essencial, entre tantos, que no fim dos anos 1950 motivaram o então vereador Miécimo da Silva, juntamente com um grupo de visionários, a lutar pela criação de uma instituição voltada para o ensino superior em Campo Grande: servir à comunidade, oferecendo à população tão distante do Centro do Rio a “oportunidade de educação continuada e formação profissional, em especial àqueles para atuar na área da educação”. Pois essa tem sido a razão de ser desta casa desde o começo de 1960, quando surgiu como Sociedade Universitária Campograndense (SUC) e, já no ano seguinte, implementou a Faculdade de Filosofia de Campo Grande, lançando seus primeiros cursos de licenciatura. Com o tempo, a SUC transformou-se em FEUC, instituindo-se como Fundação; e a FFCG tornou-se Faculdades Integradas Campo-grandenses (FIC), após a ampliação da oferta de graduações. E nunca parou de crescer, apesar de todas as dificuldades no caminho. O Colégio de Aplicação Emmanuel Leontsinis (CAEL), criado em 1968 com o objetivo de dar aos formandos da Faculdade um campo de observação para atuar e participar das atividades educativas, hoje se ombreia com as principais escolas técnicas do país e atende à comunidade do berçário ao Ensino Médio. Em 1984, com o compromisso de qualificar os
egressos da graduação, foi iniciada a pós-graduação lato sensu nas áreas de Educação, Ciências Humanas, Ciências Exatas, Ciências Ambientais e Letras, com a Coordenadoria de Extensão, PósGraduação e Pesquisa (CEPOPE). Dez anos mais tarde veio a Universidade Aberta para a Terceira Idade em Campo Grande (UNATIC), um programa gratuito para a comunidade, voltado especialmente às pessoas acima de 60 anos. Completando o que hoje se apresenta como um verdadeiro complexo educacional, em 2001 anexamos o Colégio Magali, com a finalidade de atuar no primeiro e segundo segmentos da educação básica. Muitos dos profissionais de educação das escolas do Rio e de outras partes do Brasil passaram pelos bancos da FEUC. E vários integram o quadro docente da casa que os formou – hoje são mestres e doutores que têm imenso orgulho de fazer parte da concretização dessa história iniciada há mais de 50 anos. Há 22 anos partilho desse projeto – primeiro como aluna da Pós, que me conduziu ao corpo docente das FIC, depois na coordenadoria do curso de Letras. A partir deste ano, passei a contribuir, também, com a Fundação, assumindo a Diretoria de Ensino. Trata-se de uma trajetória de muitas conquistas e desafios, na medida em que o meu Ser Educadora está intrinsecamente ligado a essa História. Devo isso à FEUC. Isso cria em mim um compromisso de trabalhar para potencializar ainda mais este projeto: uma Fundação voltada para o desenvolvimento da educação em diferentes níveis e qualificações, de forma articulada e comprometida com a formação humana. ■
Arlene da Fonseca Figueira Diretora de Ensino da FEUC
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Índice
Editorial Foto: Gian Cornachini
Foto: Gian Cornachini
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Revista Khóra
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Ensinar valores?
Cursos de Pedagogia e BSI dão a volta por cima
Geografia e Pedagogia lançam publicação científica na rede
Quais? A escola ou a família devem fazê-lo?
Remuneração ajuda alunos a se manter na faculdade
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Tema em Questão Os prós e os contras do polêmico Ensino Domiciliar
Zona Oeste Um bar com a história de Campo Grande nas paredes
CAPA: Brinquedoteca da Fundação Educacional Unificada Campograndense (FEUC), com jogos e materiais didáticos criados por alunos do curso de Pedagogia. Foto: Gian Cornachini FEUC em Foco é uma publicação impressa e online da Fundação Educacional Unificada Campograndense. Presidente: Durval Neves da Silva; Diretor Administrativo: Hélio Rosa de Araujo; Diretora de Ensino: Arlene da Fonseca Figueira; Diretora Superintendente: Mônica Cristina de Araújo Torres; Periodicidade: trimestral; Tiragem: 5.000 exemplares; Site: www.feuc.br/revista
A tristeza com que o ano começou para os cursos de Pedagogia e Bacharelado em Sistemas de Informação (BSI), após as notas 2 da última avaliação do MEC, foi dissipada quando entrou setembro e outubro: após visitas in loco, o MEC mudou os conceitos respectivamente para 4 e 3. Detalhes do que os avaliadores viram e perguntaram a professores e alunos você confere na matéria de capa desta edição, que aborda ainda as semanas acadêmicas dos cursos e revela o talento gráfico da aluna de Pedagogia Valquíria Pinheiro. Na seção Memória FEUC, trazemos as emocionantes lembranças e histórias de vida de Carmen Navarro Rivas, uma das fundadoras da instituição e que pontua o orgulho de ter dado sua contribuição a esse bem sucedido projeto de educação, iniciado numa época em que os tacanhos diziam ser desperdício erguer uma faculdade nesta região. Estão também em nossas páginas detalhes sobre a criação da revista científica dos cursos de Geografia e Pedagogia, Khóra, editada eletronicamente; o acompanhamento de um trabalho de campo de alunos de Geografia no Complexo do Alemão e no Centro Histórico do Rio; uma discussão sobre a importância do ensino de valores na escola; as atividades do Dia da Responsabilidade Social e a escolha da vencedora de Química da Expo X para representar o CAEL na Febrace. Por fim, o Tema em Questão desta edição propõe um debate sobre prós e contras do Ensino Domiciliar. Esperamos que você aprecie a leitura desta FEUC em Foco. ■
Edição: Tania Neves; Estagiário: Gian Cornachini; Marketing: Bruno Rivéro.
Considerações e opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a posição da FEUC.
Tania Neves Editora 3
MUNDO
Dia dos Professores é comemorado com almoço na FEUC Em comemoração ao dia dos professores, celebrado sempre em 15 de outubro, a FEUC ofereceu um almoço de confraternização aos docentes e funcionários da instituição na data festiva. O evento foi realizado no pátio da pós-graduação, e não houve expediente no dia. Além da refeição com direito a um tradicional churrasco, os convidados foram contemplados com sorteio de prêmios e jogos como bingo e caça ao tesouro. Antes de dizer o “Sirvam-se à vontade!”, Durval Neves, Presidente da FEUC, pediu que alguns representantes de setores da instituição fizessem breves discursos sobre a educação. Regina Sélia Iápeter, diretora do CAEL, lembrou do valor do educador: “Desejo que a gente possa continuar tocando as pessoas e o mundo com a
Foto: Gian Cornachini
Em clima de amizade, encontro reuniu professores e funcionários nossa profissão”, disse ela. Hélio Rosa, diretor Administrativo, pediu um trabalho dedicado: “O mais importante é que a gente trabalhe com amor e
Foto: Gian Cornachini
Escritora e ex-aluna do CAEL abre Corredor Literário Cenários com pinturas, desenhos e textos de crianças do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental estiveram à mostra no Corredor Literário 2013, exposição realizada entre os dias 19 e 23 de setembro, no pátio do CAEL. Para a surpresa das crianças, a escritora e ex -aluna do Colégio Mariana S. Silva-Buck foi convidada para abrir a exposição e fazer sessões de contação de história. Mariana concluiu a Formação Geral no CAEL em 2000 e, atualmente, é fotógrafa e escritora nos Estados Unidos. No último mês de agosto, veio ao Brasil para lançar a versão em português de “As Aventuras de Zandor”, seu
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seriedade”. Já Durval finalizou com a missão da FEUC: “Vamos continuar nos transformando e transformando a todos”, concluiu o presidente. ■
Mariana lê o livro ‘As Aventuras de Zandor’, sua primeira história infantil primeiro livro infantil. Na abertura do Corredor Literário, Mariana leu seu livro para as crianças, bateu um papo descontraído e distribuiu autógrafos. “Falando com as crianças, lembrei
de mim em sala de aula, ouvindo os professores, tendo esses momentos com convidados na escola. E, agora, eu sou a convidada. É muito surreal!”, comemorou a escritora. ■
Conferência Nacional de Educação foi o tema do Fórum de Ciência e Cultura Com o tema “II CONAE (Conferência Nacional de Educação): Desafios e perspectivas na construção de uma educação democrática”, foi realizado no último dia 30 de novembro o XVI Fórum de Ciência e Cultura da FEUC. Na parte da manhã o evento contou com uma mesa-redonda composta pela convidada Sandra Regina Cardoso de Brito, gerente de Ensino Fundamental do município de Angra dos Reis e membro da comissão estadual da I CONAE; a professora de Pedagogia das FIC Jane Rose Silva Souza, delegada eleita para a II CONAE; e a diretora de Ensino da FEUC, Arlene da
Fonseca Figueira. À tarde os diversos cursos debateram cada um dos eixos temáticos da conferência, que acontecerá em fevereiro. Na abertura do encontro, Arlene alertou a plateia de licenciandos para a importância de se informarem sobre o teor do que será discutido na II CONAE. “É importante entrar no site do MEC. E devemos nos perguntar qual o nosso papel de professor nessa discussão. Quais os rumos da educação? Sou professora do município e na minha escola nem tocaram nisso. Por que será?”, questionou Arlene, recomendando que os futuros profes-
Foto: Gian Cornachini
Educação Infantil: Crianças aprendem hábitos saudáveis com ‘Amigos da Higiene’ Estudantes do 1º ano do técnico em Enfermagem do CAEL promoveram uma tarde de incentivo a hábitos de higiene, para crianças da Educação Infantil, no dia 31 de outubro. Mais de 60 alunos, com faixa etária entre 2 e 5 anos, participaram das atividades lúdicas. Chamado de “Amigos da Higiene”, o projeto foi organizado pela professora Sarita Camara e fez parte do trabalho de encerramento de estágio “Fase 1” do curso técnico. Durante duas horas de atividades com os pequeninos, foram compartilhadas dicas de como escovar os dentes de maneira adequada, como evi-
sores não aceitem a desinformação nem se acomodem esperando que outros lhe informem. Sandra foi além: “Não é porque os delegados da II Conferência já foram escolhidos que devemos pensar que não temos nada mais a fazer. Nem que seja para mobilizar pais e entidades para refletir sobre as discussões que serão realizadas lá, é importante, pois isso poderá pautar debates futuros”. E Jane completou: “Afinal, espaço vazio é espaço que será ocupado por outros”. Leia a cobertura completa no site da revista FEUC em Foco (www.feuc.br/revista). ■
Estudantes apresentaram teatro sobre importância da limpeza tar piolhos e a importância da higiene corporal por meio dos banhos diários. Segundo Sarita, orientações para manter a saúde da criança são oferecidas na escola, mas é em casa que o
hábito deve continuar: “Fazemos um trabalho de formiguinha, ensinando de pouco em pouco, e precisamos que os pais reforcem isso em casa, senão a higiene não funciona”, afirma. ■
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CAEL
DA EXPO X PARA A FEBRACE
Foto: Gian Cornachini
Larrysa recebe medalha da diretora do CAEL no fim da Expo X
Estudante do 3º ano de Química vence 14ª edição da Expo X em seu curso e tem projeto escolhido para feira nacional Por Gian Cornachini
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Expo X, feira de ciência e tecnologia do CAEL, chegou neste ano à 14ª edição e apresentou mais de 200 novos trabalhos. Dos dias 4 a 8 de novembro, estudantes do Ensino Fundamental e Médio mostraram ao público de quase 2 mil pessoas ideias que podem contribuir para o bem-estar da sociedade e a preservação do planeta. Larrysa de Morais, de 17 anos, estudante do 3º ano do técnico em Química, foi a vencedora da disputa em seu curso e a escolhida pelo Colégio para representar o CAEL na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE) de 2014. A jovem conquistou os avalia6
dores com o projeto “Bioplástico Indicador de Deterioração de Alimentos”. Seu trabalho prevê a utilização de um plástico biodegradável na fabricação de vasilhas que mudariam de cor em contato com substâncias ácidas, o que sinalizaria a deterioração dos produtos nelas acondicionados e evitaria que se consumissem alimentos estragados. Para a jovem, a vaga na FEBRACE foi o começo de um sonho realizado: “Fiquei muito contente e emocionada. Pretendo ser pesquisadora na área de bioquímica e levar esse projeto adiante, até que chegue às prateleiras dos supermercados”, conta Larrysa. O coordenador do Ensino Técnico do CAEL, professor Carlos Vinícius do Nasci-
mento, avalia a importância de estudantes da instituição se destacarem rumo às feiras de ciência externas: “A gente acaba firmando cada vez mais o incentivo à pesquisa, à descoberta, prática que deve estar sempre em sintonia com a dinâmica de um curso técnico”, explica o professor. Para Larrysa, um dos papeis da escola é promover esse tipo de incentivo à ciência: “Há jovens com ideias incríveis para mudar o mundo ou melhorar a qualidade de vida das pessoas, e a escola deve investir e apoiar seus alunos na realização de seus projetos”, aponta ela. A mostra e premiação dos finalistas da FEBRACE acontecerá em março de 2014, no campus da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista. ■
Responsabilidade
Música, saúde e arte em Nova Cidade FEUC leva Orquestra e alunas do
Foto: Tania Neves
CAEL para ação na comunidade Por Tania Neves
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Dia da Responsabilidade Social deste ano contou com um reforço que soou como música aos ouvidos da comunidade de Nova Cidade, em Inhoaíba: a apresentação ao ar livre da Orquestra Sinfônica da FEUC, sob a regência do maestro David de Souza. “Lindo e emocionante”, disse a moradora Valdeia da Costa, de 71 anos, abrigada sob um guarda-chuva enquanto ouvia “Emoções”, de Roberto Carlos, um dos pontos altos do show que uniu clássicos da MPB com algumas peças eruditas. Além do espetáculo musical, houve prestação de serviços como aferição de pressão arterial e teste de glicose, feitos por alunas de Enfermagem do CAEL, sob a coordenação dos professores Maria Laucimar Santana e Adalberto Pacheco. No dia dedicado a ações sociais, integrantes da Pastoral da Criança realizavam a pesagem mensal dos pequeninos e voluntários da Pastoral da Crisma promoviam atividades de recreação para a garotada, enquanto as promotoras de educação e saúde da comunidade e suas convidadas fizeram massagens terapêuticas e limpeza de ouvido: “Além de eliminar o excesso de cera dos ouvidos, essa limpeza equilibra as energias”, disse Noêmia de Freitas, enquanto aplicava em um morador a técnica do cone hindu, que consiste em introduzir no ouvido da pessoa um cone de tecido de algodão parafinado e acender a extremidade oposta: conforme o cone queima, o calor suga a cera acumulada no ouvido. As atividades na comunidade aconteceram no domingo dia 29 de setembro, mas no sábado anterior a FEUC ofereceu em seus espaços vários cursos gratuitos, como “Português para concursos”, “Introdução à Linguagem Libras” e “Psicopedagogia na Educação Infantil”, entre outros, como parte integrante das ações do Dia da Responsabilidade Social. ■
Dona Noêmia usa cone hindu para limpar ouvido de morador
Crianças pintam em atividade recreativa da Pastoral da Crisma
Orquestra se apresenta sob lona na praça, em dia de chuvinha fina 7
Descontos
À frente do Instituto de Tecnologia e Gestão da Informação (ITGI), Flávio Silva está reativando o Clube FEUC de Vantagens, uma parceria da instituição com prestadores de serviços como cursos de idiomas, academias, hotéis e profissionais liberais, com o objetivo de oferecer descontos e/ou condições especiais para seus integrantes. Por integrantes, entenda-se todo aluno ou funcionário da FEUC, assim como ex-alunos (desde que façam carteirinha do clube). Segundo Flávio, para
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usufruir dos descontos basta acessar www.site.feuc.br/clubedevantagens, conferir o que as empresas parceiras anunciam – por exemplo, os cursos de idioma oferecem até 50% de desconto no 1º módulo – entrar em contato e apresentar o crachá ou a carteira de estudante para obter o desconto. O Clube FEUC de Vantagens já conta com quase 20 empresas associadas: “E esse número vai crescer”, diz Flávio, explicando que o objetivo do clube é expandir a rede de relacionamentos. ■
Imagem: Divulgação
FEUC reativa seu clube de vantagens
Aluno Tradutor
Profissão: ‘vai e vem entre línguas’ Uma breve história de um jovem que já coleciona grandes experiências
Fotos: Arquivo Pessoal
André Nascimento é aluno de Letras/Inglês e trabalha como tradutor simultâneo; fã de Nicholas Sparks, o jovem já atuou ao lado do escritor americano na Bienal do Rio
Por Gian Cornachini
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ndré de Oliveira Nascimento tem 21 anos, cursa o 6º período de Letras/Inglês na FEUC e já tem em seu currículo profissional grandes experiências e histórias para contar. O estudante trabalha como intérprete e tradutor da língua inglesa para algumas empresas do ramo, e seu último orgulho de atuação foi ao lado do romancista estadunidense Nicholas Sparks, escritor de obras famosas como “Querido John” (2007) e “A última música” (2009). Sparks veio ao Brasil em agosto, para a
Bienal do Rio, e André foi escalado para fazer a tradução simultânea das falas do escritor para o público do evento. “Os primeiros livros que eu lia em inglês eram dele. E, então, estava vendo ele ali, ao vivo”, diz André. “Foi uma sensação muito interessante, e traduzir outras pessoas não foi tão especial quanto ele”, revela. André também já fez o processo contrário de tradução - do português para o inglês - de outras personalidades como o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e o cantor Gilberto Gil, além de ter sido intérprete em outros gran-
des eventos, como a Rio+20. Para poder ingressar neste universo do vai e vem entre as duas línguas, o estudante explica que é necessário conhecer bem os idiomas: “Comecei a estudar inglês com 10 anos, e traduzia pregadores estrangeiros em minha igreja”, conta André. “Passei a gostar disso e fiz um curso de tradução e interpretação para dominar as técnicas. Depois, entrei na graduação para aprender mais a fundo a gramática e a literatura inglesas e poder seguir com a carreira, que eu vejo como uma vocação de poder ajudar o próximo”, ressalta o estudante. ■ 9
Periódico Científico Foto: Gian Cornachini
Peda a rev
Primeiro núme Flávio (à esquerda), Artur Sérgio, Heleno e Luiz Mendes compõem a Comissão Editorial da revista Khóra
chamada de tr Subjetividade
Por Tania Neves
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hóra é uma palavra de origem grega que significa região, local, espaço. A Revista Khóra é uma parceria dos cursos de Geografia e Pedagogia – por meio do Núcleo de Estudos Espaciais e Ambientais da Zona Oeste (ESPAZO) e do Núcleo de Estudos e Assessoramento Pedagógico (NESAP) – com o objetivo de abordar academicamente os temas transdisciplinares que unem não somente essas duas áreas, mas também as demais graduações das FIC. “Queremos discutir os conceitos que perpassam a maior parte das nossas disciplinas aqui nas FIC e que são importantes na formação em Ciências Humanas, como poder, território, espaço”, explica o professor de filosofia Flávio Pimentel, um dos idealizadores da publicação, ao lado do coordenador de Geografia Luiz Mendes, dos professores de Geografia Heleno Getúlio Paulo e Artur Sérgio Lopes, e da professora Janice Santos, que coordenava o curso de Pedagogia quando a revista começou a ser pensada. Victor
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Abreu, assistente técnico de suporte de informática, ajudou na elaboração da página eletrônica da revista. O primeiro número da Khóra já está na rede, com artigos escritos por convidados como os professores das
“O ideal é que haja debates e as pessoas se animem a escrever artigos sobre os temas tratados” FIC Erivelto Reis, Luís Henrique Ramos de Camargo, Leandro Garcia Rodrigues, Arlene da Fonseca Figueira e Vânia Sueli da Costa, entre outros; as ex-alunas Patrícia de Oliveira Plácido e Narayana Fernandes de Souza; e professores de outras instituições como
Francisco de Moraes, Mirian da Silva Pires e Danielle de Almeida Menezes. Em breve será lançada a chamada para a submissão de artigos para o segundo número, que serão avaliados inicialmente pelos membros da Comissão Editorial (Flávio, Artur, Heleno e Luiz) e depois pela Comissão Científica (ainda sendo formada), que já conta com professores da casa e também da UFRJ, UFF, UFRRJ e Unicamp, entre outras instituições acadêmicas: “Nós faremos a triagem inicial, para enviar à Comissão Científica apenas os artigos que estiverem em conformidade com as normas de publicação, que constam no site e devem ser consultadas por quem pretender submeter um artigo”, recomenda Luiz Mendes. A partir do segundo número (a periodicidade é semestral), a publicação será dividida em cinco seções fixas e uma eventual (o número de estreia teve só quatro fixas): 1 - Mirante (artigos sobre um tema específico a cada edição); 2 - Caminhos (artigos de temática li-
agogia e Geografia lançam vista eletrônica Khóra
ero já está na rede, com artigos escritos por convidados;
rabalhos para a próxima edição terá Poder e como tema da seção principal
textos pelas comissões Editorial e Científica é feito on line. Para ler a revista basta acessar www.revistakhora.com, mas aqueles que tiverem o interesse de pu-
blicar trabalhos terão que se cadastrar como usuários e seguir o passo a passo indicado no site, para submeter seus artigos à avaliação das comissões. ■
> A Revista Khóra pode ser acessada em www.revistakhora.com. Além das seções de artigos, há espaços para publicação de capítulos de teses e dissertações e também de produção acadêmica de graduandos
Imagem: Divulgação
vre); 3 - Partes do Percurso (capítulos de teses, dissertações ou monografias); 4 - Iniciações (produção discente – eventual); 5 - Rotas de Leituras (resenhas e sinopses); 6 - Vivências (relatos, memórias e projetos de personalidades de fora do ambiente acadêmico). Todos os artigos devem ser inéditos. De acordo com o professor Artur Sérgio, o desejo do grupo é que a Khóra seja mais do que uma revista: “Queremos instituir um espaço de debate. O ideal é que haja debates e as pessoas se animem a escrever artigos sobre os temas tratados”, diz. A Revista Khóra é editada na plataforma SEER (Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas), uma customização feita pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) do Open Journal System (OJS), software livre desenvolvido por uma universidade canadense para a publicação eletrônica de revistas científicas de acesso livre. Com isso, todo o processo de submissão de artigos e avaliação dos
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Estágio
Bolsa ajuda a seguir com os estudos Chance de receber remuneração e ganhar experiência é atrativa Por Tania Neves
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oi notícia recentemente nos jornais: pesquisa do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), com quase 13 mil jovens no país, revelou que 25% dos alunos de instituições particulares de ensino pagam a mensalidade da faculdade com a bolsa recebida no estágio. Segundo diretor da entidade, muitos revelaram que, se não estivessem fazendo estágio remunerado, dificilmente poderiam cursar o ensino superior. Na FEUC, é grande o número de estudantes em estágio remunerado. A assistente de RH Elizabeth Boti Rodrigues, que atua na Coordenação de Estágios e Mercado de Trabalho (CEMT), informa que atualmente há cerca de 360 alunos nessa condição, 15% dos 2.350 Foto: Gian Cornachini
Elídia estagia numa Escola do Amanhã, em área de risco: “É ali que precisam de mim” 12
matriculados nos cursos superiores da instituição. “E esse número vem crescendo paulatinamente”, diz. Os interessados devem consultar a página do CEMT no portal da FEUC ou procurar o setor. A principal oferta de estágios remunerados para os alunos de licenciatura vem da Secretaria Municipal de Educação do Rio. As bolsas variam de R$ 400 a R$ 600 (em áreas de risco) por 20 horas semanais, mais o auxílio transporte de R$ 121. Elídia de Paula Lima, do 3º período de História, conseguiu estágio e já bate ponto na Escola Municipal Silvia de Araújo Toledo, no Cesarão. Hoje com 53 anos, separada e mãe de três filhos – dois deles também alunos das FIC – Elídia completou tardiamente o Ensino Médio, em 2008, e sonhava com a faculdade. Trabalhou como auxiliar de serviços gerais para conseguir se matricular no curso e obteve o FIES em seguida. Então trocou o emprego por um estágio, o que lhe garante mais horas para dedicar ao estudo. “Eu acordava às 3h para pegar no serviço às 6h, e às 18h30m chegava exausta na faculdade para estudar. Ao obter o estágio, escolhi uma Escola do Amanhã, pois é ali que precisam de mim. Estou cada vez mais apaixonada por História e agora me sinto realmente professora”, diz Elídia, que estagia junto a uma docente formada pelas FIC. Samanta Tatiana de Souza Medeiros, de 34 anos, que cursa o 4º período de Pedagogia, retomou os estudos usando o seguro-desemprego, após ser demitida de um supermercado, e depois obteve o FIES. Também separada e mãe de três filhos menores, sem pensão alimentícia, conta com a ajuda do pai para sustentar os filhos e tentar uma qualificação melhor. Ela fez estágio na SME e na Fundação Mudes, e agora busca colocação em
Foto: Gian Cornachini
Aluna de BSI, Sara trabalha na elaboração de software para gestão do setor de estágio
escola particular para se manter no curso. “Cursar Pedagogia para mim não está significando apenas conquistar uma profissão. A faculdade está trazendo uma verdadeira transformação para a minha vida. Tudo o que consigo de conhecimento é passado também para os meus filhos”, diz Samanta. Sara Helena Lobato, do 3º período de BSI, está estagiando no próprio setor de estágios da FEUC, em troca de 30% de desconto na mensalidade. Ela une o útil ao agradável: reduz os gastos com a faculdade e tem orientação direta de seus professores na elaboração de seu projeto, o desenvolvimento de um software que permita à Coordenação de Estágios acompanhar melhor todo o histórico e movimentação dos alunos que estagiam nas diversas empresas conveniadas. “Hoje as informações estão espalhadas em diversas plani-
lhas, o software poderá centralizar tudo e facilitar muito o gerenciamento”, afirma Sara. Embora muitos digam que o estágio na Secretaria Municipal de Educação funciona como tapa-buracos para a falta de professores, a coordenadora do curso de Ciências Sociais e professora do município Célia Neves discorda. Ela diz não ter conhecimento de escolas que coloquem os estagiários para assumir turmas sozinhos. E considera que a experiência ajuda na formação, além de propiciar a renda: “É mais interessante fazer o estágio do que trabalhar 10 horas no comércio e estar morto na hora da aula. Sem contar que, ao ver as dificuldades existentes no sistema, quando se formar e passar num concurso esse profissional terá mais comprometimento para batalhar por mudanças na educação pública”. ■
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Família e Escola
O QUE A ESCOLA
TEM A VER COM ISSO?
“A
educação já não é somente acadêmica, mas moral”, afirma Georgina Duarte, professora de Sociologia do CAEL. Há tempos, a escola vem assumindo um papel que antes ficava somente com a família: o ensino de valores. Mas quais valores são esses? E por que ensiná-los? Elisane de Carvalho Sousa é mãe de Eduardo Sousa, estudante do 3º ano do curso técnico em Turismo no CAEL. Ela sempre se preocupou com a formação escolar de seu filho, mas principalmente com a construção de seu caráter: “Ensinei Eduardo a respeitar as pessoas, a ser educado, a valorizar a vida e o próximo, a não ter preconceito, a aceitar as pessoas como elas são, a amar e ajudar”, conta a mãe. Passar aos jovens tais valores, segundo Elisane, é “papel da família, e a escola deve complementar esse ensino”. Mas como a escola pode se encarregar desse complemento, se as famílias tendem a cultivar diferentes valores? José Valter Filé, doutor em Educação e professor do Departamento de Educação e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), afirma que é necessário ter muito cuidado com o ensino de valores na escola: “Todos os nossos valores, a ciência que a gente aprende e a nossa religião, são eurocêntricos, e os tomamos como norma, padrão”, explica o professor. “A escola, acima de tudo, precisa estar preparada para conviver com a diversidade e ensinar que a diversidade é riqueza”, aponta ele. No entanto, o jovem Eduardo relata que passou por situações em que percebeu que o ambiente escolar não estava preparado para lidar com a diversidade. Homossexual assumido, o estudante entrou no CAEL no 1º ano do Ensino Médio, após procurar um ambiente que contemplasse os valores que ele e sua mãe esperavam: “Quando as pessoas me ofendiam, a direção do meu antigo colégio fazia ‘vista grossa’, ignorava. E eu acho fundamental respeitar as diferenças, porque eu aprendi
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ALORES
ENSINO DE
Por Gian Cornachini
Ensinar apenas Português, Matemática ou Biologia é coisa do passado. Escolas têm se tornado responsáveis por formar gente que vá além dos conteúdos científicos, pessoas com capacidade de conviver em harmonia 14
Foto: Gian Cornachini
Respeito: valor é o mais prezado por Eduardo e sua mãe, Elisane vestibular”, destaca Dimarina. Voltando à professora Georgina Duarte, ela acredita que as escolas passaram a levantar a bandeira do ensino de valores porque nem sempre, em casa, são discutidas questões ligadas, por exemplo, ao respeito: “Dentro do ambiente escolar temos um reflexo de tudo o que está acontecendo lá fora, na família. E a escola, responsável por aquele aluno que ela está formando academicamente, acaba formando-o moralmente. É a tal da educação e formação para a cidadania. Há pais que
não dão medidas de valor para os filhos, e acaba que a escola tem que reforçar esta área”, explica Georgina. Elisane, a mãe de Eduardo, consegue observar esse novo rumo do ensino escolar e vê bons resultados: “Em casa, eu fiz o alicerce para meu filho. Na escola, ele foi moldado e aprendeu a respeitar os amigos, compartilhar, ser amigo e mais humano. Na minha época de estudante, não havia essa preocupação. Agora, a gente tem sorte de ter escolas que discutem e debatem esses valores”, conclui Elisane. ■
O que são valores para você e quais a escola deve cultivar? “Eu tenho valores do dia a dia que as pessoas não costumam ter, como amor ao próximo, ao bem. Não vejo isso acontecendo, pelo menos não comigo. E acho que a escola deve ensinar principalmente o respeito” LUCAS PATRÍCIO PEREIRA Aluno do 1º ano de Química
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PINIÃO
isso em casa”, ressalta Eduardo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) prevê no artigo 32 que, já no Ensino Fundamental, o estudante tenha contato com a “compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade”. Para a diretora de Ensino da FEUC, professora Arlene da Fonseca Figueira, as instituições devem seguir a LDB, mas podem focar o ensino de valores da maneira como melhor entendem: “Há escolas que têm como valores a construção de um cidadão completo, político, crítico. Outras que privilegiam apenas o ensino conteudístico, e aquelas que prezam pelo ensino de cunho religioso. Por isso, é fundamental que o responsável pelo aluno saiba e entenda qual a proposta e o perfil da escola em que pretende matricular o aluno”, explica Arlene. Dimarina Figueiredo Gomes Lima, coordenadora Pedagógica do CAEL, detalha os valores que pautam o Colégio da FEUC: “A nossa escola é laica, e os valores desenvolvidos aqui são o amor, a solidariedade e o respeito. Prezamos pela formação cidadã, que envolve esses valores que o estudante precisa aprender para exercer sua cidadania, sabendo que existem regras e normas de conduta na sociedade. Portanto, é importante que o pai busque um ensino que prepare seu filho para a vida, e não apenas para ser aprovado em um
“São as coisas boas que as pessoas têm e que passam adiante. Devem ser aprendidos em casa e a escola fica com o papel de reforçar. Como o respeito, que está acima de tudo. Graças a ele conseguimos viver em harmonia” FELIPE MILITÃO OLIVEIRA Inspetor do CAEL
“Amor é um valor. E está faltando amor nas pessoas. Respeito também. Se a criança for educada dentro da religião e temer a Deus, ela respeitará mais. A escola só vai conseguir ensinar valores se tiver o ensino religioso” MARIA ISABEL BEZERRA Aluna da UNATIC
“Honestidade é um valor. Mas um pai roubando uma caneta do trabalho e dando para o filho, está ensinando o que a ele? Cabe à escola se preocupar com a formação de valores do aluno para que ele seja um cidadão ético” GEORGINA DUARTE Professora do CAEL 15
Tema em Questão
Educar o filho em casa ou
O Ensino Domiciliar não é legalizado no Brasil, mas famílias, políticos e uma asso Por Gian Cornachini
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ma audiência pública debateu em Brasília, no dia 12 de novembro, a possibilidade de a Educação Básica — que compreende as séries entre o 1º e 9º anos) ser realizada em casa. O deputado Lincoln Portela (PR-MG) apresentou um projeto de lei em fevereiro de 2012 que pede o acréscimo de um 3º parágrafo ao artigo 23 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei 9344/96) para liberar o exercício do Ensino Domiciliar no Brasil. Atualmente, a prática não é regulamentada, e a legislação a classifica como evasão escolar, podendo gerar processo aos pais por abandono intelectual dos filhos. Se o projeto for aprovado, a Educação Domiciliar passará a ser uma modalidade de ensino e opção a famílias que preferem educar a criança em casa, seja por um preceptor, professor ou até mesmo os próprios pais, caso tenham condições intelectuais de oferecer essa educação. O tema tem gerado bastante discussão entre os defensores da prática e aqueles que não a veem com bons olhos. O principal argumento de quem é a favor da Educação Domiciliar é de que a escola formal, muitas vezes, não consegue dar conta de oferecer uma educação adequada a todos. O presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), Samuel Alves Freitas, explica que o objetivo de lutar pela regulamentação da prática é de que os pais possam proporcionar um ensino de mais qualidade aos seus filhos: “Existem pessoas que acusam a gente de ser contra a escola. Não somos contra a escola. Entendemos que a escola é necessária no país e fundamental para muita gente. O que acontece é que alguns pais entendem que a educação que é dada na escola não atende seus anseios e necessidades, e que eles têm condições de fazer um trabalho mais eficaz para a educação dessa criança e formar um cidadão consciente, de caráter, valores e princípios morais corretos”, afirma Samuel.
De acordo com o presidente da Aned, o modelo mais comum do Ensino Domiciliar é ensinar o estudante com base nas diretrizes do Ministério da Educação e Cultura (MEC), pesquisas em livros, internet e visitações a museus e outros espaços culturais que reforcem o aprendizado em casa. Aparecida Tiradentes Santos, doutora em Educação e professora das Faculdades Integradas Campo-grandenses (FIC), é contra a Educação Domiciliar e tem muitas críticas à prática: “Que realidade familiar seria essa? Quem estaria em casa com a criança oferecendo essa educação? Que formação técnico-pedagógica teria essa pessoa? Pode até ser um excelente professor, mas faltará um elemento importantíssimo nessa educação, que é a sociabilidade”, aponta Aparecida. “A escola é um espaço de convivência extrafamiliar de extrema importância para o desenvolvimento infantil, não só afetivo e social, mas cognitivo. Um local de diversidade cultural, de convívio, de afetividade, desenvolvimento de laços, de aprender a dividir e adquirir outros olhares sobre o mundo. A criança precisa de um espaço onde ela possa fugir do olhar vigilante da família para permitir seu processo de desenvolvimento psicológico”, argumenta a doutora em educação. Samuel não concorda com a posição de Aparecida, e alega mais um motivo para os pais terem o direito à Educação Domiciliar: poupar seus filhos da violência escolar: “A grande maioria das escolas está entregue à desordem, a professores desmotivados e alunos baderneiros. Do ponto de vista da socialização, a escola gera mais traumas que boas imagens. Garanto que as memórias de bullying, opressão, maus tratos, professores inadequados, rigorosos demais e que gritam marcam o aluno por toda a vida”, analisa Samuel. “Os doutores em educação falam de uma escola ide-
Se o projeto de lei for aprovado, a Educação Domiciliar passará a ser uma modalidade de ensino e opção às famílias
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u matriculá-lo na escola?
ociação lutam pelo direito de educar os filhos em casa, independentes da escola Foto-ilustração: Gian Cornachini
al. Mas se formos ver na prática, vemos uma escola que não dá conta por si só de formar as pessoas”, critica ele. Apesar de identificar problemas no ambiente escolar formal, Aparecida acredita que a solução é investir nesse espaço coletivo, e não desqualificá-lo: “A Educação Domiciliar me parece uma prática bastante conservadora e um sintoma de uma sociedade que tem medo do espaço coletivo, adoecida, onde as famílias não confiam nas escolas e onde as várias formas de assédio sexual e moral são identificadas somente nelas. De fato, alguns pais ficam reféns desses problemas. Mas a solução, então, é preservar a criança e colocá-la dentro de uma cápsula ou mudar a escola e torná-la um ambiente saudável? Porque, se falarmos de ambiente
saudável, a cápsula também não é, por melhor que seja essa família. A criança precisa construir sua própria identidade pelo espaço social da escola, o qual tem muitas funções além da transmissão de conteúdo, o que não seria suprido por um ensino individualizado”, pondera a professora. ■ > Esta discussão continua no site http://www.feuc.br/revista. Acesse os conteúdos complementares e deixe sua opinião. Participe do debate!
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Visitas do MEC selam a cursos de Pedagogia e Brinquedoteca encanta avaliadores por ser o criativo laboratório do curso de Pedagogia e por sua importante função social Por Tania Neves
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ma Brinquedoteca que, mais do que funcionar como o laboratório de pesquisas do curso de Pedagogia, cumpre a função social de apoiar a mãe que quer estudar, mas não tem onde deixar o filho. Mais de mil novos livros acrescentados, somente este ano, às estantes da biblioteca dedicadas ao curso de Bacharelado em Sistemas de Informação (BSI). Foram constatações como essas que pautaram o relatório das duas duplas de avaliadores do MEC que visitaram a FEUC em setembro e outubro para checar a realidade desses dois cursos, que haviam ficado com nota 2 na última avaliação do Ministério. Feita a verificação in loco, Pedagogia pulou para o conceito 4 e BSI retomou seu 3, confirmando Foto: Gian Cornachini
Maria Licia: medidas adotadas atenderam exigências do MEC e somaram novos elementos 18
a qualidade da formação oferecida por todas as graduações das FIC. Com justa razão, os coordenadores comemoram o resultado do trabalho cuidadoso que vêm desenvolvendo: “Atendemos a todas as exigências do MEC e oferecemos também novos elementos que influenciaram o julgamento dos avaliadores”, diz Maria Licia Torres, de Pedagogia. “Além de tudo o que apresentamos, nas entrevistas que fizeram eles encontraram grupos de professores e alunos extremamente motivados e satisfeitos”, ressalta Rodrigo Neves, de BSI. “Creio que o sentimento de pertença que observaram em nossos funcionários, professores e alunos foi um ponto alto a orientar o julgamento dos avaliadores”, completa Valdemar Ferreira da Silva, coordenador Acadêmico e da Comissão Própria de Avaliação (CPA). Segundo Valdemar, as dimensões avaliadas são três: Organização Didático-Pedagógica, Corpo Docente e Infraestrutura. Nos dois cursos, mereceram nota máxima a experiência profissional e o tempo de dedicação dos coordenadores, a titulação do corpo docente e regime de trabalho da maioria dos professores (com dedicação parcial ou integral) e o tamanho do acervo da bibliografia básica dos cursos disponível na biblioteca. A maioria dos itens avaliados recebeu conceito satisfatório, e somente a produção científica (publicação de trabalhos por parte dos professores) de ambos os cursos foi considerada insuficiente. “É natural que professores de faculdades publiquem menos, pois a elaboração de trabalhos científicos requer um tempo de dedicação que apenas as universidades conseguem proporcionar a seus docentes.
Foto: Gian Cornachini
a qualidade dos BSI
Valdemar e Isabella: recreadora apresentou setor, mostrando envolvimento de funcionários O que não quer dizer que a qualidade do professor que publica pouco seja menor”, explica Valdemar. Fernando Antônio Cunha Fernandes, aluno do 7º período de Pedagogia, foi um dos entrevistados pelos avaliadores. Ele conta que os representantes do MEC queriam saber sobre as experiências dos alunos com o curso. “Falei do trabalho que desenvolvi em Iniciação Científica com a professora Vânia Sueli, um jogo da memória com material reciclável que foi incorporado à Brinquedoteca. Isso os deixou positivamente impressionados, saber que a Brinquedoteca é o nosso laboratório”, disse Fernando. Myla Clara Alves Pacheco, do 4º período, também percebeu esse encanto: “Uma aluna comentou que só estava tendo a oportunidade de estudar porque podia trazer o filho e deixar na Brinquedoteca enquanto assistia às aulas.
Eles pareciam não acreditar, e viram o quanto as pessoas são gratas à instituição por esse apoio”. Os avaliadores, claro, foram conhecer a Brinquedoteca. “Eu, a Maria Licia e a Luiza Alves (vicecoordenadora) os acompanhamos, e a recreadora Isabella Rodrigues apresentou o espaço a eles”, conta Valdemar. “Deu para ver que eles se empolgaram, foi um cartão de visitas e tanto”, lembra Isabella. Experiente com esse tipo de visita, Valdemar explica que dar aos funcionários dos setores a oportunidade de eles mesmos apresentarem seus espaços tem uma razão: “Além de os relatos soarem mais verdadeiros para os avaliadores, ao envolver a coletividade nesse processo estamos reafirmando que todos os trabalhos aqui dentro são importantes, sem distinção. E é um momento para nós, funcionários, nos conhecermos melhor”. 19
Capa Foto: Gian Cornachini
Avaliadores viram novos investimentos feitos e trabalho desenvolvido Além da compra para a biblioteca de variados títulos da bibliografia básica do curso, o coordenador Rodrigo Neves conta que foram instalados projetores multimídia fixos em 10 salas como parte da melhoria de infraestrutura. Na área pedagógica, foi feita uma atualização de currículo, com substituição e inclusão de disciplinas, e redimensionamento da carga ao longo dos períodos, com liberação de mais tempo na fase final para a monografia. “O site que criamos para o curso também foi muito elogiado pelos avaliadores. Eles reconheceram esse trabalho de coordenação e viram que alunos e professores estavam vestindo a camisa”, diz Rodrigo. Cristian Kruger, aluno do 2º período de BSI, foi entrevistado tanto no turno da manhã quanto no da noite, pois faz disciplinas nos dois horários. E confirma esse interesse especial dos avaliadores na atuação de professores e coordenador. “Queriam saber se são acessíveis, se dedicam tempo aos alunos. Não houve quem dissesse o contrário. Já estudei em outra instituição privada e mofava nas filas para ser atendido, aqui é diferente mesmo”, disse. O professor Fábio Contarini, que já participou de diversas avaliações, conta que esses avaliadores em particular foram os que se mostraram mais simpáticos, por isso ele acredita que tiveram boa aceitação do projeto pedagógico do curso. “Deram forte ênfase à questão do trabalho com o coordenador e queriam saber como é o relacionamento dele com o corpo docente: se incentiva a participação nas decisões, se ouve os professores, se atua quando há reclamações”, contou Fábio, ressaltando que as questões foram respondidas positivamente e de forma unânime.
Na biblioteca, estantes abrigam os mais de mil novos livros da área de computação O modo como o curso trabalha a transdisciplinaridade – cada vez mais exigida – foi outro tema das perguntas dos avaliadores. Em sua resposta, o professor Bruno Nascimento ressaltou que a FEUC, por tradicionalmente oferecer licenciaturas, trabalha esse conceito em todos os cursos e desde os períodos iniciais. “Mostramos que a formação parte dessas matérias mais básicas, sempre com um foco humanista, e daí vai para campos mais abrangentes e específicos, onde os conteúdos de cada área se tocam de forma transversalizada. E que valorizamos a aplicabilidade mais social do conhecimento”. Para a diretora de Ensino da FEUC, Arlene da Fonseca Figueira, estão sendo coroados os esforços da administração e a atuação dedicada de coordenadores, professores e alunos: “Todos os cursos estão empenhados em fazer o melhor para obter uma nota superior nas próximas avaliações. Estamos cuidando dos aspectos que cabem à instituição e queremos motivar nossos alunos para um belo Enade em 2014”, disse Arlene.
“O site que criamos para o curso também foi muito elogiado pelos avaliadores”
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Alegria e tensão em encontros acadêmicos Foi às vésperas da XXIV Semana de Pedagogia, em setembro, que o curso recebeu a notícia de sua nota 4. Já BSI iniciou a XIII FEUCTEC, em outubro, sob a tensa (mas otimista) expectativa do que viria, pois os avaliadores haviam acabado de fazer a visita. “Tenho uma satisfação imensa em abrir esta semana, ainda mais com a nossa nota 4”, disse Maria Licia na palestra de inauguração do evento, que teve como tema “Educação Ambiental e Direitos Humanos: qual o papel do pedagogo neste contexto?”. “É nossa responsabilidade conservar este conceito e ir além, para proporcionar o que esta casa sempre fez: educação de qualidade”, ressaltou a coordenadora. Embora os esforços para atender os avaliadores do MEC tenham ocupado muito tempo de Maria Licia e da vice-coordenadora, Luíza Alves, em plena fase final de preparação do encontro acadêmico, as falhas ocorridas não tiraram o brilho de um evento que contou com mais de 20 palestras, além de minicursos, rodas de leitura, oficinas, exposição de pôsteres e até um show
musical no encerramento. Rodrigo Neves, com a certeza do dever cumprido, abriu a semana acadêmica dos cursos de computação dando boas vindas a um auditório lotado e ávido pelas palestras e atividades programadas em torno do tema “Cultura Hacker”. Professores do curso e convidados abordaram instigantes assuntos como guerra cibernética, crimes virtuais, o lado oculto da internet e como se tornar um hacker – esta a palestra de abertura, ministrada pelo convidado Felipe Espósito, uma das que mais entusiasmaram os estudantes. “Fizemos a nossa parte e agora estamos aguardando. Sobre os alunos, o entusiasmo que você está vendo foi o mesmo que eles demonstraram aos avaliadores, nas entrevistas”, disse o coordenador. Se era assim, não havia mesmo por que temer notícia ruim, pois a satisfação e o interesse dos alunos durante a semana acadêmica era visível. O evento teve cerca de 280 inscritos, quase dobrando a frequência da edição passada, e os comentários elogiosos se espalharam pelo Facebook.
“O entusiasmo que você está vendo foi o mesmo que eles demonstraram aos avaliadores”
Foto: Gian Cornachini
Rodrigo durante palestra na XIII FEUCTEC: evento teve quase o dobro de público 21
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A Semana de Pedagogia, por Valquíria Aluna do 4º período de Pedagogia, Valquíria Pinheiro Alves Oliveira um dia procurou a revista para mostrar seus desenhos – uma pasta repleta, cada um mais bonito do que o outro. Contou que começou a desenhar treinando partes específicas do corpo humano: bocas, olhos, sempre buscando apurar uma técnica que lhe vem instintivamente, pois nunca fez um curso, por falta de dinheiro. Um bom incentivo é que o namorado também desenha, então a
paixão une o casal. Valquíria tem vontade de aperfeiçoar os traços e também de aprender a trabalhar os desenhos no computador. Encantados com a produção da jovem, tratamos de lhe propor um desafio: ilustrar os temas das palestras e atividades das quais participasse na XXIV Semana de Pedagogia. Ela aceitou, e o resultado está aí embaixo. “Juntar a pedagogia e o desenho é tudo, pois essa é uma ferramenta importante que posso aplicar com os alunos”. ■ Arte: Valquíria Pinheiro
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Foto: Gian Cornachini
Valquíria rodeada por seus desenhos: desejo de fazer cursos para aperfeiçoar traços 23
Aula Empírica
Estudo além dos espaços acadêmicos Atividade de campo coloca estudantes de Geografia em contato com fenômenos sociais estudados em sala de aula Por Gian Cornachini
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xtrapolar os muros da faculdade. Essa é a proposta das atividades de campo que professores de diversos cursos da FEUC vêm promovendo, com o objetivo de colocar em prática aquilo que os estudantes estão aprendendo em sala de aula. “Temos alunos que não conhecem lugares históricos importantes do Rio de Janeiro. São moradores da cidade que não se apropriam dos espaços públicos”, afirma Rosilaine Silva, professora do curso de Geografia das FIC. No dia 19 de outubro, um sábado, Rosilaine levou um grupo de 20
estudantes para uma atividade de campo no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, e em espaços históricos da região central da cidade. Para visitar todos os locais, foram percorridos cerca de 60 quilômetros em trens, 7 em teleféricos e 5 de caminhada. As atividades de campo são visitas com caráter científico a locais que fazem parte de um fenômeno estudado. “No curso de Geografia, temos sempre a proposta de discutir a formação da cidade, para entender um pouco melhor a nossa cultura e identidade”, conta a professora Rosilaine, que sempre realiza essas atividades. “É essencial que a gente comece a visitar todos os ambientes da nossa cidade para analisar melhor, e de perto, como a sociedade se materializa nesses territórios, como se dá a organização Foto: Gian Cornachini
Estudantes visitaram o Complexo do Alemão, bairro formado por 15 favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro 24
Foto: Gian Cornachini
desses espaços públicos, além de discutir a complexidade e as contradições urbanas”, explica ela. Segundo Rosilaine, o Complexo do Alemão foi um dos locais escolhidos para observar a “paisagem, o processo de segregação humana, a densidade populacional nas favelas e a Unidade de Polícia Pacificadora”. O bairro é formado por mais de 15 favelas, foi considerado um dos mais perigosos do Rio e o último colocado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade. Em 2010, foi instalada uma UPP no Complexo do Alemão com a promessa de pacificar o bairro, e em 2011 foi inaugurado o Teleférico do Alemão, primeiro transporte de massa por cabos no Brasil, ligando a estação teleférica de Palmeiras à estação ferroviária de Bonsucesso — trajeto de 3,5 quilômetros de extensão. A estudante do 4º período Diva da Silva Carvalho estava ansiosa para visitar o bairro pela primeira vez: “Os professores falam muito da história do Rio, da formação da cidade, e eu fiquei muito ansiosa e contando os dias para conhecer o Complexo do Alemão. Nunca me imaginei visitando este lugar. É um mar de favelas!”, descreveu a estudante. Assim como Diva, a aluna Camila Boti Fernandes, do 1º período, nunca tinha ido ao local, e saiu de lá com um olhar crítico: “Não vi nenhum morador utilizando o transporte. Onde estão eles? Esse teleférico é mais uma máscara para turistas que querem conhecer favelas”, afirma Camila. Amilcar dos Santos Junior, do 5º período, ficou impressionado com uma experiência que teve junto a um morador do bairro: “Uma coisa que me chocou foi o caso do safári. Um homem que se intitu-
Cinelândia: grupo discute a importância do local como um espaço de manifestação social lava membro dos movimentos organizados daquela comunidade realiza passeios com grupos de turistas pelas ruas do Complexo do Alemão”, conta Amilcar. “Ele faz um safári urbano. Eu não gostei disso. Eu acho que tira a dignidade das pessoas que moram ali, é ter o seu espaço invadido!”, critica o estudante. No Centro da cidade, o grupo visitou locais históricos como a Igreja de Nossa Senhora da Candelária, Travessa do Comércio, Paço Imperial e Cinelândia, além de espaços culturais como o Centro Cultural Banco do Brasil e o Museu Histórico Nacional. Esther Cristina Santos Pereira, do 1º período, foi poucas vezes à região, mas conta que a atividade foi importante para que aprendesse mais sobre o Rio de Janeiro: “Tudo o que aconteceu no passado tem influência hoje, na política, na geografia. Fiquei fascinada com o que eu vi, e acho que as pessoas deveriam saber mais sobre a história da nossa cidade”, observa Esther. “Estudar a teoria é importante, mas a parte prática ajuda a gente a entender melhor”, conclui a estudante. ■ 25
Zona Oeste
passado emoldurado Reproduções de fotos e postais antigos decoram bar temático em Vila Santa Rita Por Tania Neves
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onhecido por seus deliciosos petiscos, um honesto chopp artesanal, vinhos da Serra Gaúcha e a simpatia e bom papo do proprietário, o Chopp da Villa – para os íntimos, Bar do Ernesto – exibe em suas paredes ícones da história de Campo Grande. Negócio de família que remonta à década de 1960, no começo da urbanização da Vila Santa Rita, o bar e armazém se tornou um boteco temático há 11 anos, quando Ernesto Domingos Pires tomou conta do balcão, substituindo a irmã, que por sua vez assumira o lugar do pai quando este se aposentou. “Ela não suportou o ritmo de bar. Eu também não aguentaria aquele troço de um bebum o dia todo adornando o cotovelo no balcão, então decidi fazer um bar temático, para canalizar uma clientela diferente”, conta Ernesto. O chopp artesanal e as fotos antigas do bairro foram os principais elementos dessa mudança.
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“Comecei com 8 fotos históricas de Campo Grande, doadas por um amigo. Isso bastou para que outros fossem trazendo mais fotos e a fama do bar se espalhasse. Até da Ilha Grande veio gente me trazer contribuições”, lembra. Têm seu lugar cativo na parede imagens da última viagem de bonde da linha Campo Grande-Monteiro (1967), com moradores à frente da composição; da inauguração do Viaduto Alim Pedro (1957), movimentada pela presença da então Rainha da Lavoura, Maria das Dores; do bonde parado diante da Padaria Adelaide (onde hoje é o Luzes Shopping), ponto de encontro dos comerciantes abastados nos anos 60. “Essa padaria era a nossa Confeitaria Colombo”, destaca Ernesto, que se orgulha ainda de exibir fotos dos bondes descendo a Rua Coronel Agostinho (hoje o calçadão), toda arborizada de oitis: “Eram os oitis ali e os pés de jenipapo na Augusto de Vasconcelos. E eu me lembro de ter visto tudo isso quando garoto”, diz o co-
merciante, hoje com 60 anos. Personagens famosos da história de Campo Grande também estão lá: o vereador e depois deputado Miécimo da Silva (anos 60), o prefeito Marcos Tamoyo e o vereador Moacyr Bastos Foto: Arquivo/Chopp da Villa
O andarilho mais famoso, Melhoral pedia moedas de baixo valor
Foto: Gian Cornachini
(anos 70) apresentando a maquete da futura rodoviária do bairro, a família Del Cima diante do Clube dos Aliados após um baile de carnaval em 1951, e Melhoral – o mais famoso dos andarilhos que o bairro conheceu. “Ele era um pedinte, não um morador de rua”, esclarece Ernesto: “Tinha sua casinha em Jardim Maravilha e passava os dias vagando e pedindo moedas. Se lhe davam uma cédula mais alta, não aceitava: só queria moedas de pequeno valor. E era galante com as moças bonitas, sempre tascando um ‘quer casar comigo?’, habitualmente respondido com um sorriso, pois ele era querido”. Por tudo isso, o Chopp da Villa atrai exatamente a clientela e os visitantes que fazem Ernesto sorrir: estudantes em busca de elementos sobre a histó-
Foto: Arquivo/Chopp da Villa
Ernesto se orgulha das imagens que preservam a história do bairro
A estação de trens de Campo Grande, no começo do século XX ria do bairro (“Já teve mais, com a internet eles hoje procuram menos”); estudiosos como o jornalista André Luis Mansur, autor do livro “O Velho Oeste Carioca”, uma pesquisa documental e de histórias orais de moradores da região de Deodoro a Sepetiba; e gente que aprecia o bom papo de Ernesto, os quitutes de dona Maria (casada com ele) e Marlene (a cunhada), e o atendimento do garçom Roberto Ricardo. “Deu certo porque me faz feliz também”, conclui Ernesto. ■ > Chopp da Villa: Estrada do Pré 91, Vila Santa Rita. De 3ª a Sab, das 18h às 24h; domingos, de 11h às 16h. 27
MEMÓRIA
Foto: Tania Neves
Carmen em seu apartamento, em Copacabana: manhã de lembranças sobre história da FEUC
‘Orgulho de ter dado minha contribuição’ Para a professora Carmen Navarro Rivas, desejo dos primeiros alunos por aprender foi o que mais marcou Por Tania Neves
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ma das integrantes do grupo que em 1960 criou a Sociedade Universitária Campograndense (SUC) – mais tarde transformada em FEUC – a professora Carmen Navarro Rivas evita ressaltar detalhes particulares de sua participação: “Fui apenas uma das professoras e professores que atenderam ao convite do vereador Miécimo da Silva, este sim o grande
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articulador. Dei uma simples contribuição, fui somente uma entre tantos”, insiste. Mas se a pergunta é sobre seu trabalho docente, os olhos brilham e ela exibe uma folha de papel na qual, antes de iniciar a entrevista, transcrevera o poema “Mar Portuguez”, de Fernando Pessoa, lembrando seu primeiro encontro com alunos da então Faculdade de Filosofia de Campo Grande. “Era meu primeiro dia na cadeira de Literatura Portuguesa e levei um livro de Fernando Pessoa. Apresen-
tei-o aos alunos e senti que houve uma repercussão emocional muito grande. Estudamos juntos o poema, e aquele desejo por aprender que vi nos estudantes me deixou tocada. Foi um momento que marcou”. Formada em Letras Clássicas pela Faculdade Nacional de Filosofia (hoje UFRJ), Carmen era professora do Distrito Federal e, em 1959, veio trabalhar na Escola Normal Sarah Kubitschek. Foi assim que conheceu o vereador Miécimo da Silva e a esposa dele, professora Florence. E logo cativou-se pela ideia do político de abrir uma faculdade em Campo Grande, para formar os docentes de que a rede local de escolas necessitava. “O Miécimo tinha uma visão ampla sobre o lugar, pensava no futuro, e se sentia responsável por preparar esse futuro”, avalia Carmen, lembrando que o político foi criticado na época: “Havia uma mentalidade rançosa de que era desperdício uma faculdade numa área rural. Por isso, a primeira impressão foi de que talvez não desse certo, mas a convivência com os alunos logo me mostrou que teríamos êxito, pois a educação transforma os indivíduos”. Para a professora, uma das razões do sucesso da FEUC foi – e continua sendo – a valorização dos alunos, com incorporação ao quadro docente daqueles que se destacavam: “Os alunos foram evoluindo e dali saíram muitos dos novos professores, naturalmente comprometidos com seu lugar, o que faz diferença”, pontua. Carmen lecionou na FFCG por apenas 2 anos, mas manteve a ligação com a FEUC atuando como instituidora, sempre participando das reuniões decisivas para o rumo da instituição. “Cada vez que voltava, via a evolução e me empolgava. Crescia em mim o orgulho de ter dado minha contribuição”. Presidente da FEUC, o professor Durval Neves conta que seu primeiro contato com Carmen foi em 1988, durante uma visita à Fiocruz (onde ela então trabalhava) com a professora Leda Noronha, para tratar de assuntos da FEUC. Ele ressalta que ficou encantado com a extrema elegância e o amor que a professora demonstrava por nossa língua: “Posteriormente, em reuniões do Conselho, pude continuar observando seu modo cuidadoso de falar e a forma apaixonada quando se referia à história da instituição, sempre pontuando a liderança e a determinação de Miécimo da Silva no comando das ações para a criação da Faculdade”. A professora Leda Noronha – que hoje dirige a Universidade Aberta à Terceira Idade em Campo Grande (UNATIC) – também fez parte daquele grupo inicial e considera um privilégio ter conhecido Carmen e convivido com ela: “Nos tornamos amigas, amizade esta que
perdura até hoje. Sempre admirei a pessoa solidária e leal, a mulher corajosa, a mãe dedicada e a professora competente e respeitada. Enfim, alguém simples, mas pouco comum, humana e sensível”, diz Leda, acrescentando que nos anos em que exerceu o magistério na FFCG Carmen sempre se destacou pela dedicação, competência e rigoroso cumprimento de suas obrigações: “Infelizmente a vida a levou para outras instituições, onde também se destacou, pois é alguém muito especial e que naturalmente se destaca da multidão”. Carmen tem hoje 84 anos e mora em Copacabana. Foi casada com um comandante da Marinha e teve dois filhos: Hélio Luiz e Aglaé. A filha formou-se em Física na PUC, trabalhou no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e hoje, aposentada, é companhia certa para caminhadas no calçadão e idas ao cinema. Já Hélio Luiz, que cursou a Escola Nacional de Química, é um dos muitos desaparecidos políticos do Brasil: há uma versão de que foi morto no Araguaia e outra de que trocou de identidade e saiu do país. “Até hoje batalho pela verdade. Alguém tem que me contar uma história definitiva. Enquanto não souber, dificilmente vou me convencer se ele está vivo ou morto”, diz a professora, esperançosa de que a Comissão da Verdade lhe dê uma resposta: “Se um país é civilizado, tem que dizer alguma coisa corretamente”. ■ Imagem: Reprodução
O primeiro poema apresentado aos alunos, em transcrição de próprio punho pela professora
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Artigo Hudson dos Santos Barros Doutor em Letras (Literatura Comparada), escritor e professor da FAETERJ, da Faculdade Machado de Assis e do Município do Rio
Quem é o dono da gramática? O advento da linguística trouxe nos últimos anos muitas discussões acerca do papel da gramática no ensino da leitura e da escrita. Inúmeros são os linguistas que questionam a natureza prescritiva das gramáticas tradicionais, sendo a principal direcionada ao conjunto de leis e classificações sem tanta ligação com o cotidiano das modalidades orais e escritas do nosso idioma. Para muitos, sejam pesquisadores ou não da língua portuguesa, gramática é sinônimo de opressão ou distanciamento. Tendo em vista essas problematizações, foi proposta no Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa, em Goiânia, em julho passado, uma mesa-redonda que reuniu os principais gramáticos da atualidade. Com o título “Defino minha/nossa gramática como...”, a mesa teve o objetivo de apresentar e discutir os diferentes pressupostos de elaboração das principais gramáticas de circulação nacional, apresentando os pontos de vista de consagrados estudiosos da língua portuguesa da atualidade. O encontro revelou profissionais atentos ao desenvolvimento dos estudos linguísticos: a imagem do gramático como uma autoridade indiscutível e distante cedeu lugar à realidade de profissionais críticos de seu próprio trabalho, de estudiosos que reconhecem suas limitações diante da imensidade das manifestações linguísticas. Um significativo tema que norteou as falas dos convidados foi a questão da aplicabilidade dos conteúdos gramaticais, isto é, a relação destes com o uso do português no dia a dia. Perini alertou que a gramática deve ter utilidade, deve contribuir para a formação científica dos jovens. José Carlos Azeredo enfatizou que o estudo da gramática deve se associar à funcionalidade da língua para a construção do conhecimento e para o seu compartilhamento. De modo similar 30
argumentou Ataliba Teixeira de Carvalho ao frisar que as gramáticas precisam focalizar os usos básicos da língua, visto que as línguas naturais são o ponto mais alto de nossa identidade. Já Marcos Bagno defendeu a autenticidade do vernáculo brasileiro e sua validade ao lado de uma norma padrão de caráter prático e atuante. Vale destacar finalmente a concepção de Maria Helena de Moura Neves de que a gramática não precisa ser um corpo estranho à língua, ou seja, uma peça pronta e fechada que se resuma a um conjunto de classificações redutoras das potencialidades de uso da língua portuguesa. Nesse relevante encontro, pôde-se perceber que, apesar das diferentes abordagens e ideologias dos autores, a gramática ainda é considerada um importante instrumento de formação intelectual; não apenas de aprendizagem linguística, mas também de construção do pensamento crítico. Mesmo com profícuas inovações ao longo dos anos, a gramática continua a ser um gênero textual de relativa estabilidade no conteúdo e na forma, uma vez que ainda é um compêndio para o estudo linguístico que traz teorias, definições, classificações e exemplos. Mesmo que não acompanhe a riqueza e a velocidade das transformações de nossa língua, pode ser um meio eficaz para o aprimoramento das práticas de expressão formal e para a edificação de uma consciência dos processos que regem as manifestações linguísticas e a autenticidade do português brasileiro. Ao fim desse valoroso encontro, algo fundamental foi ensinado aos amantes da língua portuguesa: os verdadeiros donos da gramática não são os gramáticos, mas aqueles que sabem como utilizar nosso idioma de forma crítica no exercício de sua identidade e cidadania. ■
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