Revista Jornalismo e Cidadania Nº34

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Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1 Jornalismo Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE | ISSN 2526-2440 | e cidadania nº 34 | Janeiro e Fevereiro de 2020

JORNALISMO E CIDADANIA

Expediente

Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE

Editor Executivo | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

Editor Internacional | Marcos Costa Lima

Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE

Revisão | Laís Ferreira / Bruno Marinho

Mestre em Comunicação / Mestrando em Comunica;áo

Articulistas |

PROSA REAL

Alexandre Zarate Maciel

Doutor em Comunicação

MÍDIA ALTERNATIVA

Xenya Bucchioni

Doutora PPGCOM/UFPE

NO BALANÇO DA REDE

Ivo Henrique Dantas

doutorando PPGCOM/UFPE

JORNALISMO E POLÍTICA

Laís Ferreira

Mestre em Comunicação

JORNALISMO AMBIENTAL

Robério Daniel da Silva Coutinho

Mestre em Comunicação UFPE

JORNALISMO INDEPENDENTE

Karolina Calado

Doutora PPGCOM/UFPE

MÍDIA FORA DO ARMÁRIO

Rui Caeiro

Doutorando em Comunicação

MUDE O CANAL

Ticianne Perdigão

Doutora PPGCOM/UFPE

COMUNICAÇÃO NA WEB

Ana Célia de Sá

Doutoranda em Comunicação UFPE

NA TELA DA TV

Mariana Banja

Mestre em Comunicação

Alunos Voluntários | Lucyanna Maria de Souza Melo

Nathália Carvalho Advíncula

Matheus Henrique dos Santos Ramos

Colaboradores |

Alfredo Vizeu Professor PPGCOM - UFPE

Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco

Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB

Anabela Gradim Universidade da Beira Interior - Portugal

Ada Cristina Machado Silveira Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

Antonio Jucá Filho Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ

João Carlos Correia Universidade da Beira Interior - Portugal

Leonardo Souza Ramos

Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)

Rubens Pinto Lyra

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas  da UFPB

Editorial

Opinião | Rubens Pinto Lyra

Prosa Real

Opinião | Camilo Soares

Opinião | Pedro de Souza

Opinião | Marcos Costa Lima

Opinião | Rubens Pinto Lyra

Opinião | Antônio Jucá

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Índice
Opinião
Dowbor Opinião |Francisco Dominguez | 3 | 4 | 6 | 8 | 10 | 12 | 14 | 16 | 18 | 20 Acesse: facebook.com/ Jornalismoecidadania | issuu.com/revistajornalismoecidadania
| Landislau

Editorial

Por Heitor Rocha

Diante da impossibilidade de oferecer à população brasileira a melhoria econômica prometida desde o estelionato eleitoral de 2018, haja vista os compromissos com os setores especulativos do capital financeiro de concentração da riqueza e de pauperização dos trabalhadores, bem como a incapacidade de combater efetivamente a corrupção, entranhada na promíscua relação de sua família com as milícias, os esquemas de rachadinha e os negócios nebulosos de quase todos os membros da sua administração, o governo federal precisa concentrar todos os seus esforços para se mostrar como uma proposta de ruptura com o funcionamento tradicional da ordem institucional e dos poderes da República, que não lhe deixam “governar”: o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, atingindo ainda a imprensa e a oposição.

A apologia ao golpe funciona como a única forma de esconder o desempenho econômico pífio, a incapacidade de enfrentar os esquemas de corrupção devido ao seu envolvimento com essas promiscuidades e a ignorância, a incompetência e o cinismo moral dos integrantes do desgoverno que infelicita a República, mobilizando o desejo de mudança social e o mitificando através das fantasiosas soluções conservadoras.

Segundo o professor de filosofia da USP Vladimir Safatle, no Brasil, esta situação evidencia a “incapacidade da esquerda nacional para reagir com uma mobilização compacta de ações, práticas de governo e conceitos que apontem efetivamente para uma sociedade globalmente distinta dessa que vemos no presente. Qual é a política econômica alternativa da esquerda nacional? Qual seu horizonte de reconstituição institucional? Nada disso é claro e nós nos recusamos a aprofundar tais debates”.

Na sua reflexão considera que o modelo nacional-desenvolvimentista de coalização envolvendo setores como o MST e as oligarquias políticas conservadoras (Sarney, Romero Jucá, Jáder Barbalho entre muitos outros) precisa ser transformado para vir a se constituir num projeto de país que vislumbre a possibilidade de uma nova realidade para a sociedade brasileira.

Segundo Safatle, o problema é que no Brasil “as múltiplas lutas não conseguem mais entrar em um processo de acumulação e unificação. Elas não entram em constelação. Conseguimos colocar um milhão de pessoas nas ruas em defesa da educação pública, mas não há sequência. Não há dia seguinte, não há acúmulo de lutas e, com isto, capacidade de bloquear as políticas destrutivas do governo.

Como exemplo positivo de convergência na luta po-

lítica o filósofo cita as “manifestações vitoriosas no Chile”, que “mostram que lutas de reconhecimento como as lutas feministas, indigenistas, anti-racistas são um desdobramento necessário e decisivo da luta de classe. Elas são figuras da luta de classe. Não há contraposição alguma aqui, a não ser no sonho macabro de alguns liberais (assumidos ou não) que querem retirar dessas lutas sua potência efetiva de transformação global. Concretamente, isto significa que a derrota na luta contra a reforma da previdência é, imediatamente, uma derrota da luta anti-racista. Pois são os negros e negras (...) que sentirão de maneira mais forte as consequências dessas políticas de concentração e destruição dos direitos trabalhistas. As derrotas na flexibilização dos direitos trabalhistas são derrotas da luta feminista, pois as mulheres serão as primeiras a sentir de forma violenta o significado de tal “flexibilização”.

Para Safatle, o fato de que as lutas no Brasil não consigam “convergir em um campo comum de combate às forças que espoliam os 99% (...) ocorre devido ao fato de a esquerda brasileira ter usado, até agora, as lutas de reconhecimento de forma compensatória. Como ela não tem nenhum horizonte concreto de transformação econômica, como ela teme dizer em alto e bom som que é anti-capitalista, como ela é a última a realmente defender a necessidade de refundação da institucionalidade política nacional, como ela não consegue criar estruturas e organizações que sejam radicalmente democráticas, (...) a esquerda nacional se viu obrigada a expor de forma isolada o único setor no qual ela tem capacidade de transformação, a saber, este ligado às dinâmicas sociais de reconhecimento. Assim, ela acabou por limitar a força efetiva dessas lutas”.

Numa “era de sinais trocados”, o filósofo observa que “a extrema-direita no mundo inteiro não teme em dizer que está a lutar por uma “revolução” que possa dar ao povo a voz que eles nunca tiveram. E, com esta revolução conservadora, eles ganham eleições que constroem adesão popular real”.

Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

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Opinião

Velhos E Novos Carnavais: Moralidade E Democracia

Os velhos carnavais persistiram com todo o seu glamour em João Pessoa até o final da década de sessenta: desfile de blocos e de foliões na Lagoa (o corso); bailes animadíssimos nos clubes, especialmente os da elite pessoense, Astreia e Cabo Branco. Vivia-se em uma época onde prevalecia a moral tradicional. No Pio X e nas Lourdinas, colégios religiosos dos mais remediados, rezava-se todos os dias. Esta moral inspirava-se no Catecismo da Doutrina Cristã, de 1951, prescrito pelo Papa Pio X, em 1953, para uso da juventude. Nele, está dito que merece-se o inferno (o sofrimento, por toda a eternidade) ainda que seja por um só pecado mortal.

Nesse contexto, os carnavais propiciavam à juventude uma válvula de escape, ainda que limitada, da rigidez moral dominante. Neles se podia desfrutar de momentos especiais de prazer, pelo que têm de contagiante a sua música e seu charme. E, sobretudo, por ensejarem mais liberdade para a aproximação com o sexo oposto, driblando-se, em meio aos confetes, serpentinas e lança-perfumes, a rigorosa vigilância dos pais.

Contudo, nessa época de ouro dos carnavais de clube, a ampliação dos espaços de liberdade tinha limite no caráter familiar, e de classe, desses carnavais. Pais, filhos e namorados, mesmo de maior idade, iam “brincar” juntos, sob a vigilância dos primeiros. Muitas vezes, o faziam nas próprias casas dos foliões, que eram visitadas por animados blocos, como o inesquecível Camisa Listrada. Devemos sublinhar o elo entre essa moral rígida e o caráter pré-capitalista da economia vigente à época, especialmente em regiões como o Nordes -

te, ainda não totalmente inserida no mercado. Por exemplo, alguns clientes do estabelecimento comercial de meu pai, o Studio Lyra, não pagavam pelos seus serviços fotográficos, ou pelos seus trabalhos artísticos, como a pintura de suas esposas, ilustres damas da sociedade. Em contrapartida, ele também fazia o mesmo, em relação, sobretudo, a médicos da família.

Destarte, fica evidenciado que a moral que cimentava os laços familiares não poderia também deixar de estar presente nas manifestações culturais, como o Carnaval. Da mesma forma, a modernização capitalista acarretaria mudanças nos conceitos morais vigentes. Com efeito, já no remoto ano de 1848, Marx apontava para mudanças que ocorriam nesse âmbito, destacando que “a burguesia arrancou da relação familiar o seu comovente véu sentimental e reduziu-a uma simples relação de dinheiro.”

Modernamente, até carnavais de rua expressam, em blocos fechados, a separação, por força do dinheiro, entre classes. E não só carnavais, mas diversos outros entretenimentos, como o Big Brother, cujo trama tem como único móvel polpuda recompensa financeira, ilustram exemplarmente essa redução das relações humanas “ao vil metal”. Vê-se que as transformações na economia repercutem diretamente no conteúdo ético das relações sociais e na práxis que as concretiza, tornando preponderante o individualismo, o consumismo e a busca ostensiva de status e de riqueza, estimulada, inclusive, por influentes confissões religiosas, como as igrejas evangélicas. Mas a modernidade capitalista, produz, contraditoriamente, condições

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para um salto qualitativo no campo da moral, quebrando a rigidez dos costumes nos carnavais, e com ela, o seu reduto, os clubes sociais. Estes são substituídos pelos de rua, sendo os mais tradicionais os de Olinda e Salvador e os mais recentes, os de São Paulo e Belo Horizonte, cada vez mais impessoais e massificados. Consoante famoso trecho da mais popular obra de Marx, o Manifesto Comunista, sob a égide do capital “tudo que é sólido se dissolve no ar e tudo que é sagrado é profanado”. Porém, nenhuma hegemonia, nem mesmo a do Capital, é absoluta. Atualmente, florescem, em muitos carnavais, práticas e valores que não se moldam por formas de relacionamento ditadas pelo mercado, prenunciando o advento de uma sociedade mais solidária que poderá, mais adiante, substituir as hodiernas, governadas pelo dinheiro. Nas cidades supramencionadas, revigoram-se antigos festejos de Momo, porém escoimados do moralismo que os caracterizavam. Neles se resgatam relações mais livres e afetos mais verdadeiros, ensejando, sobretudo nos carnavais de bairro, que os foliões se divirtam e se confraternizem, sem o tacão da moralidade repressiva nem dos valores do mercado. São espaços onde o exercício da autonomia individual se combina com relações espontâneas de amizade, e também amorosas, não limitadas apenas à busca do prazer. Mas há exemplos de recentes carnavais onde os valores contra-hegemônicos vão além: alcançam dimensão social e política, transformando-se em palco de denúncias contra injustiças e cobrando a sua reparação. Desde a escravatura, os senhores de escravos sempre procuraram colocar limites a essa festa popular. Gil e Caetano compreenderam plenamente a sua dimensão libertária ao exaltar, em uma das suas composições, “o samba, pai do prazer, filho da dor, o grande poder transformador”.

Disso é exemplo o samba enredo da Mangueira, campeã do carnaval carioca de 2019. Prestando comovente homenagem a Marielle, sua letra

lembra que “tem sangue retinto pisado atrás do retrato emoldurado”. Escolhendo como tema de seu desfile a denúncia dos falsos heróis da nacionalidade, exaltados na literatura oficial e na maioria dos livros didáticos, a Mangueira propiciou uma magnífica demonstração de contra-hegemonia traduzida na íntima relação entre protesto, carnaval e democracia. Este ano, a Mangueira trará, novamente, para a avenida um refrão de forte crítica política: “Não existe Messias de arma na mão”. Carnavais, especialmente em momentos de crise, ensejam protestos que se assemelham a atos de desobediência civil, de insubordinação e de resistência. Quanto maior o descompasso entre líderes institucionais e os anseios do homem comum, mais os cidadãos - no caso, os foliões e seus blocos - encontram nos festejos populares espaço para o exercício da liberdade de crítica, sem a censura dos governantes autoritários e de seus asseclas.

com.br

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Rubens Pinto Lyra é Doutor em Direito Público e Ciência Política e Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: rubelyra@uol.

Prosa Real

Livro-reportagem, jornalismo e contexto

Por Alexandre Zarate Maciel com colaboração especial

Orquestrar o contraditório é desafio do autor de livrosreportagem

Parece ficar evidente, a partir da reflexão acadêmica e de depoimentos dos jornalistas escritores coletados pelo autor desta coluna (Maciel, 2018), que o contraditório também assusta na produção de um livro-reportagem, pois não é possível oferecê-lo em uma nova reportagem no dia seguinte ou no próximo minuto. Colocar vários discursos em contraste no texto final ajuda, mas, diante de incertezas, já que contam com o tempo como aliado, os repórteres entrevistados preferem seguir em busca de novas evidências que a imprensa não alcançou. Outra problemática: as lembranças das fontes, externadas em longas entrevistas, podem ser embaçadas pela confusão de informações. Cabe aos jornalistas escritores orquestrarem os discursos em linhas de força que equilibrem o direito inalienável de todos expressarem as suas opiniões, em um trabalho que envolve, muitas vezes, um processo de autoanálise das decisões do repórter escritor. Catalão Jr. (2010, p. 235) percebe, em sua análise, que no típico livro-reportagem publicado e consumido no Brasil, “raramente se encontram dúvidas, indefinições ou inquietações do autor, seja quanto aos acontecimentos relatados, às teses defendidas ou às informações que as sustentam e ao processo por meio do qual elas foram obtidas”. Jornalistas escritores entrevistados relatam que se depararam algumas vezes com versões díspares a respeito de passagens específicas dos seus biografados. Lira Neto diz que quando estava fazendo entrevistas para o livro Maysa, às vezes “conversava com três pessoas sobre o mesmo assunto e tinha três versões diferentes sobre o mesmo episódio”. Para tentar superar as controvérsias, primeiro buscava a “luz de alguma documentação”, mas, se esta não fosse suficiente, na narrativa

definitiva “oferecia ao leitor a oportunidade de conhecer as três versões. Então segundo fulano foi assim, segundo fulano foi assado e segundo cicrano não foi assim nem assado”.

Dilemas

da ilusão biográfica também confrontam os jornalistas escritores

Ao estudar a obra de biógrafos brasileiros, Vilas Boas (2006, p. 126) também percebe criticamente que “um véu de verdade absoluta encobre as biografias, a visão dos jornalistas-biógrafos e a percepção de resenhistas e prefaciadores”. E, logo em seguida, propõe o questionamento que ele mesmo responde: “O biógrafo pode atingir a verdade sobre o biografado? Pode-se recompor, filosoficamente falando, a totalidade da vida de um indivíduo pela escrita? Acredito que não”. Mesmo assim, Vilas Boas aponta para “uma certa tradição biográfica estabelecida, um modelo tácito que opera com uma cronologia ordenada, uma personalidade coerente e estável, ações sem

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inércia e decisões sem dúvidas”, como já havia alertado Bourdieu quando tratou do que ele chama de ilusão biográfica. Fernando Morais, que lida constantemente com o material histórico em suas obras, como em Olga, Chatô, Corações sujos ou Os últimos soldados da Guerra Fria, também invoca o “amuleto” das entrevistas em profundidade e repetidas várias vezes como uma forma de chegar a uma interpretação mais plausível da verdade nas suas obras. Assim, essas entrevistas, em sua concepção, devem ser “looongasss e, se for o caso, voltar a falar com o entrevistado duas, três, quatro, cinco vezes se precisar”, o que ajuda a aprofundar no sentido das contradições, mas não garante uma interpretação única, final e verdadeira dos fatos apurados. E outra coisa: o que que é o olhar? Se colocar nós dois para cobrir o mesmo fato. Um sujeito esfaqueou a amante aqui na rua. Você trabalha para um jornal, eu trabalho para outro. Nós vamos para lá, falar com as mesmas pessoas, ver o mesmo cadáver, tudo. Mas sua história pode ser completamente diferente da minha. O que é que são os evangelhos senão quatro reportagens escritas sobre o mesmo tema por quatro autores diferentes?”.

Enfoque “contextualizador, dinâmico e integral”

Na concepção de Lima (2009, p. 85), o jornalista autor de livros-reportagem deve aproveitar certas vantagens que conta no seu processo de produção, como o fato de não precisar “girar em torno da factualidade, do acontecimento”, para poder exercitar o vislumbre de “um horizonte mais elevado penetrando na situação ou nas questões mais duradouras que compõe um terreno das linhas de força que determinam os acontecimentos”. Esta abordagem mais consciente dos acontecimentos, personagens e problemáticas relatadas em um livro-reportagem deveriam, segundo Lima, ambicionar um enfoque mais “contextualizador, dinâmico, integral”. Lidando com temas contemporâneos em livros como “Chico Mendes: crime e castigo”, “1968: o ano que não terminou” e “Cidade partida”, o jornalista e escritor Zuenir Ventura diz, em entrevista a Maciel (2018), apostar na imersão nos ambientes como uma das suas principais estratégias para compreender uma determinada realidade. Aos 62 anos, quando desenvolvia a pesquisa de campo para o último livro citado, que traz como pano de fundo a violência do Rio de Janeiro, particularmente a reação da sociedade após a chacina de Vigário Geral, Zuenir Ventura

descreve para o leitor a sua experiência em um baile funk da comunidade, conforme comentou na entrevista: “Para mim foi uma experiência existencial, mas foi incrível, porque imagina, eu moro aqui há 30 minutos de Vigário Geral e é um outro universo, totalmente diferente”. O jornalista confessa que resistiu à tentação de “alugar um casebre” na região que visitava constantemente pois, na sua concepção, isso seria “falsear um pouco”, o que revela, conforme acrescentou, sua preocupação no sentido de uma apresentação de uma “verdade” ao leitor que segue a sua trajetória de imersão: “Quer dizer, eu não sou daqui, eu sou de Ipanema, pô. E esse choque realmente eu tenho que revelar para o leitor, não fingir que estou achando tudo natural, estou morando aqui, tudo é natural”.

Referências:

CATALÃO Jr., Antônio Heriberto. Jornalismo bestseller: o livro-reportagem no Brasil contemporâneo. Araraquara, 2010. 252 f. Tese (Doutorado)Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras.

LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: livroreportagem como extensão do jornalismo. 4. Ed. São Paulo: Manole, 2009.

MACIEL, A. Z. (2018) Narradores do contemporâneo: jornalistas escritores e o livro-reportagem no Brasil. Recife. Tese (Doutorado em Comunicação)Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

VILAS BOAS, Sergio Luís. Metabiografia e seis tópicos para aperfeiçoamento do jornalismo biográfico. São Paulo, 2006. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Universidade de São Paulo.

Elaborada pelo professor doutor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor

Colaboração especial dos acadêmicos do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) de Imperatriz: Ana Carolina Campos dos Santos, Gislei Nayra Soares Moura, João Marcos dos Santos Silva, Viviane Reis Silva e Yanna Duarte Arrais.

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Opinião

A política no Coringa (2):O Homem esquecido no deserto dos tempos

Por Camilo Soares

Tais leituras implícitas ao Coringa leva o colunista da CNN Jeff Yang a afirmar que o filme é uma parábola política de nosso tempo, ao retratar o homem branco ressentido que forma a base eleitoral de Donald Trump (o que é inelutavelmente condizente aos demais líderes da extrema direita mundial, como Jair Bolsonaro). Para Yang, “Coringa, em sua essência, é a história do ‘homem esquecido’, o homem branco metafórico, desalojado e desprovido de privilégios […] cujo status foi reduzido. Um homem que foi esmagado pela elite, acuado por feministas que exigem igualdade e equiparados a massas não-brancas e a imigrantes ascendentes.” O termo é antigo, fez-se ouvir já depois da vitória de Nixon, em 1968, quando Peter Schrag (escritor judeu que chegou aos 10 anos nos EUA, fugindo da Alemanha nazista) falou dos “Forgotten Americans” como a principal razão do resultado das urnas: o eleitor branco da classe trabalhadora, outrora “herói dos livros cívicos […], os ossos e tendões do país. Agora ele é ‘o homem esquecido’, talvez a pessoa mais alienada da América.”

Não à toa, como remarca Yang, Arthur Fleck, antes e depois de virar o Coringa, interage em seu dia a dia sobretudo com pessoas negras (a assistente social, a mulher com a criança no ônibus, a vizinha mãe-solteira com quem ele fantasia um romance, o atendente que nega entregar os arquivos sobre sua mãe no hospital psiquiátrico). Ele próprio vive com a mãe inválida em um prédio arruinado, típico de bairros negros de grandes cidades como Nova York (a já mítica cena da escadaria foi filmada no Bronx). Como homem branco, ele não vive como eles, mas, vivendo entre eles, começa a sentir a violência de ser também um excluído, de sentir a opressão de uma situação em que ele é condicionado a sofrer, a sentir um sistema montado para o massacrar. Para justificar sua visão de que Coringa não é político, o diretor Josias Teófilo cita Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976), que para ele só será lembrado por suas qualidades estéticas, apesar de ter também gerado tamanha

polêmica, sobretudo com a tentativa de assassinato de Ronald Reagan por um homem obcecado pela atriz Jodie Foster (que interpretou uma prostituta de 12 anos na obra). Além do filme retratar mais um caso de violência por posse de armas de fogo (e uma tentativa frustrada de atentado a um político), carrega em sua estética elementos nada neutros em relação a sua mensagem. Paul Schrader (2003: 232), roteirista do filme, lembra que, como os filmes noir refletiam a desilusão e o pessimismo da Segunda Grande Guerra, filmes como Taxi Driver, que ele chamava de neonoir, foram uma reação à Guerra do Vietnã. Travis Bickle (Robert De Niro) é um veterano bruscamente posto na reserva que encontra um emprego noturno por não conseguir dormir. Atravessa a noite de Nova York dos anos 1970 num táxi, deparando-se com a decadência social e moral de uma sociedade doente. A impotência desse macho derrotado (na guerra, na sociedade) em lidar com sua própria vida (dormir, ter uma casa decente, relacionar-se com alguém, etc.) o leva a projetar-se difusamente na sociedade como um herói que ele nunca será. A paleta de cor escarlate do filme, impressa pelo diretor de fotografia Michael Chapman, nos prepara para o banho de sangue que seguirá. Os jump-cuts e a câmera que deixa aqui e ali o personagem no meio de uma cena sugere a desconexão do personagem com o mundo ao redor, como quando ele liga para Betsy (Cybill Shepherd) depois de um encontro desastroso.

Vale lembrar que um dos primeiros atos do próprio Ronald Reagan foi desmontar a Lei dos Sistemas de Saúde Mental (MHSA), em 1981, que dava subsídios aos centros comunitários de saúde mental. Isso depois de, meses antes, ter sofrido o tal atentado com rifle calibre 22, feito por um tal John Hinckley Jr. que queria chamar atenção da atriz Jodie Foster depois de ver o filme pelo menos por 15 vezes. Ele seria considerado não culpado por insanidade mental. No cinema, o desajuste de Travis também vai encontrar expressão quando um amigo pergunta por que ele não porta uma arma para sua proteção. Essa não é a úni -

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ca citação de Joker à obra prima de Scorsese (sem contar com a atuação do próprio De Niro em ambos filmes). Ainda há o famoso gesto niilista no final do tiroteiro quando a mão de Travis imita uma arma que ele aponta para a própria cabeça e atira; a cena será repetida pela vizinha de Arthur Fleck, que refaz o gesto ao brincar sobre a situação do prédio onde moram. Muganga, porém, atualmente indigesta no Brasil, sobretudo depois que fazer arminha com a mão se tornou bandeira política, de “homens esquecidos” que tiraram do armário discursos misóginos, racistas e homofóbicos, provocando uma crise de valores éticos e morais alimentada pela desinformação nas redes sociais. Nisso o Coringa tem razão: “É impressão minha, ou as coisas estão ficando muito loucas lá fora?”

Para justificar sua afirmação, Teófilo cita o montador e professor Eduardo Escorel, que escreveu dois artigos intrigantes sobre cinema político em 2017 para a revista Piauí, nos quais ele coloca uma questão primordial: Estaremos à altura do nosso tempo? Ou seja: “nós – cineastas, produtores e demais integrantes da comunidade cinematográfica – temos capacidade de interagir com o público através de filmes que reflitam a gravidade da crise que o país atravessa?” Ele falava sobretudo da crise atravessada em 2013 no Brasil, que culminaria no impeachment de Dilma Rousseff. Apesar dele fazer um decálogo de como deveria ser um filme para ter o selo de político, ele é enfático de que o cinema brasileiro não o é pois não tem apelo popular. Na época, parece que estava respondendo ao filme Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, que, junto à equipe, levantou a bandeira política durante o Festival de Cannes de 2016 ao chamar publicamente de golpe o processo contra Rousseff. Porém, parece que Escorel esqueceu de olhar para o filme e a julgar seu valor político em relação a sua estética e narrativa. Curiosamente, foi o que ele fez recentemente em relação a Bacurau (novo filme de Mendonça, co-dirigido por Juliano Dornelles), quando, diante de seu fenômeno de bilheteria (de se manter nas top 10 bilheterias do Brasil durante nove semanas, rompendo a marca dos 700 mil espectadores), voltou enfim a analisar os valores narrativos, estéticos e éticos do filme. E ele tem todo o direito de discordar deles, mas invalidar tais valores por questões mercadológicas é bastante criticável. Mesmo porque a política não está apenas nas massas, sobretudo quando se fala de arte. O problema é que

Escorel desdenhou a sutilidade das micropolíticas, através das quais questões fundamentais podem ser confrontadas por indivíduos, que as amplificam em suas vivências. Foucault já afirmava que resistências decorrem sobretudo de enfrentamentos de práticas sujeitadas diante das técnicas hegemônicas intrínsecas aos componentes totalitários e individualizantes do poder derivados da razão de Estado (Foucault, 2003).

Arthur Fleck não é redimido no filme Coringa. Sua violência não é justificada. A diferença é que ele não é um monstro a priori, mas se torna um assassino sanguinário e impiedoso. Seu devir não justifica, mas desmascara (entre tantos mascarados revoltados) a crueldade física e moral de um sistema. Atacado pelo Estado, por delinquentes, pelos colegas de trabalho, por jovens yuppies de Wall Street, por seu ídolo apresentador da tv, que o chama apenas para rir de seu desencaixe social. Ele é o fantasma, a ansiedade e a perturbação de quem é oprimido por uma normalidade forçada que indica o que é bom, saudável, engraçado e digno para um homem de bem, que lhe fecha as portas, atropela-o nas faixas de pedestre, desdenha-o cotidianamente. Ele é o retrato da frustração e da intolerância, que podem fabricar mitos e líderes artificias, além de muita violência.

Felizmente, o Coringa é apenas um vilão de cinema. Mas talvez precisamos dessas projeções para entender que o cinema sempre reflete de alguma maneira a sociedade na qual ele está inserido. Como um bom filme, Coringa é uma obra que perturba. Destitui algumas verdades perfeitas, remexe convicções, retira o chão dos habituados com algo que até então lhe pareciam evidente. Não à toa, a China não deve liberar a exibição do filme em seus cinemas depois das revoltas em Hong Kong. Tentar remeter a estética de uma obra a questões puramente técnicas é sinal de quem teme sua natureza livre e incontrolável.

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Camilo Soares é Professor de Cinema da UFPE, fotógrafo e doutor pela Université Paris 1 PanthéonSorbonne

Opinião

O Brasil de Bolsonaro na liderança mundial

Otítulo deste artigo é claramente uma provocação. Como um governo composto por personalidades analfabetas e moralmente abjectas, se aplicando em destruir as conquistas sociais de duas décadas de democracia, pode ser contado entre a liderança mundial? A resposta é obviamente negativa. E, no entanto, …

Se atentarmos para algumas das tendências da política e economia internacionais não podemos deixar de apontar muitas coincidências com aquilo que o Brasil está vivendo. Uma das principais características do capitalismo global de hoje (incluindo nisso os países ex-socialistas, em especial a Rússia e a China, independentemente dos seus aspectos positivos), consiste na concentração do poder numa elite muito reduzida, diante de uma massa amorfa de trabalhadores. Ora o Brasil de Bolsonaro caminha com maior ou menor acerto para essa situação.

Por isso temos, num país pouco desenvolvido como o Brasil, um governo “político” que espelha e trabalha para a “descultura” e “dessocialização” da população, e um governo econômico que trabalha para a concentração da renda e a sua internacionalização.

Hoje a omnipresença da informática no mundo, nos sistemas que gerem a agricultura, a indústria e os serviços, avançando sobre as profissões que exigiam mais qualificação, como a educação ou a saúde, arrasa empenas inteiras da cultura e da sociedade, e a própria ideia de progresso que era a coluna vertebral do pensamento de “esquerda”. A crise climática, por seu turno, pondo em risco a própria existência da civilização no nosso planeta, de alguma forma concorre igualmente para esse triunfo reacionário. Doravante, já que é impossível que toda a população do planeta goze do mesmo nível de consumo, o progresso teria de servir apenas uma minoria, devendo a maioria se contentar com o que for viável para respeitar a sobrevivência da biodiversidade e do clima no planeta. Ou seja, não há que mudar fundamentalmente nada no “desenvolvimento”, bastará desvincular o progresso técnico do progresso social.

Nesse sentido, o Brasil de Bolsonaro estaria conquistando o seu lugar no concerto das nações, como fornecedor de matérias primas e de mão de obra barata para os países onde ela falta, devido ao declínio demográfico.

Nos países onde o sistema capitalista está mais

avançado, os trabalhadores tendem a ter cada vez menos tempo para a vida familiar, ou mesmo pessoal. Eles têm de estar à disposição dos seus empregadores praticamente 24 horas por dia, podem se ver obrigados a mudar de residência a qualquer momento para responder ao mercado de trabalho, e em consequência não há “clima” para ter filhos, e esses países sofrem um declínio demográfico acentuado, sendo obrigados a importar mão de obra. Se é verdade que os imigrantes pobres normalmente apresentam menor produtividade, por outro lado, como estão menos integrados e gozam de menos estabilidade que os cidadãos locais, podem ser explorados e aculturados mais facilmente. Empresas como a Amazon, cujo proprietário é o homem mais rico do mundo, e, portanto, um exemplo para todos nós, empregam métodos de gestão do pessoal segundo alguns inspirados nas práticas nazis. Charles Chaplin, no seu filme “O Grande Ditador” (1940), já tinha vislumbrado o que esperava o homem: a escolher entre um bicho e uma máquina.

Em consequência teríamos de admitir que não haveria nada de irracional no Brasil de Bolsonaro. Por essa razão nos países centrais não houve qualquer oposição ao golpe que elites locais aliadas aos EUA patrocinaram no Brasil, através da instrumentalização da justiça e das forças armadas. Quem lê os jornais europeus ou americanos pode comprovar que a maioria esmagadora do noticiário sobre o Brasil consiste apenas na “galhofa” em relação aos aspectos mais caricatos do governo “político”, da ignorância de Bolsonaro e de muitos dos seus ministros.

A maioria dos comentaristas ainda não entendeu que na expressão dessas opiniões absurdas a verdade é secundária. O Bolsonaro não precisa acreditar que a Terra é chata - para ele tanto faz que seja chata ou não -, basta que uma maioria crescente de brasileiros acredite nisso. O objetivo é, como ele aliás declarou, destruir. Destruir as conquistas sociais até onde for possível, e, sobretudo, destruir a cultura do progresso para todos, destruir a ideia que a educação e solidariedade possam servir à justiça social. Para eles, a história, como queria o outro, acabou; o mundo pode viver no presente perpétuo do mercado. Obviamente nunca, salvo nas exceções conhecidas, na imprensa nacional ou internacional se critica a política econômica, por razões óbvias.

Diante desta situação, a esquerda brasileira, e tam-

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bém a esquerda mundial, se vê num beco sem saída. Como vender a ideia de progresso político e social, se o desenvolvimento para todos não será mais possível?

Não há dúvida que se trata de uma encruzilhada da história difícil de atravessar. Como em todas as situações dessa natureza, a primeira medida deve tender a estabelecer um diagnóstico, para depois procurar uma saída. É claro que tem de haver uma revisão das ideias que sustentaram as lutas sociais até os anos 70, quando o liberalismo tomou as rédeas da política, da economia e agora da cultura mundiais.

A primeira dessas conversões parece-me se relacionar com a ideia mesmo de progresso. Pelo menos desde o começo do século XIX a ideia de progresso aliou três vertentes: a técnico-científica, hoje inseparável do consumo, a política, social e econômica, e a nacional. Tradicionalmente essas três ideias foram tratadas e vendidas em conjunto. Agora precisamos concluir que na realidade são coisas distintas e que talvez se tenham tornado até contraditórias.

Comecemos pela última, a nacional. A ideia de nação traduz um sentimento de pertença que é positivo, na medida em que tece elos entre pessoas que eventualmente têm ideias e interesses discordantes, criando comunidades coesas. Porém essa ideia não só tem servido para os piores fins (basta pensar na Primeira Guerra Mundial, quando morreram milhões de inocentes), como ela escamoteava na realidade a ideia colonial. Hoje, diante do que tem sido revelado sobre a realidade das práticas coloniais – muitas das quais ainda de pé sob a controle das novas elites nacionais -, ninguém pode mais acreditar que os brancos estavam em África, ou onde quer que fosse, para desenvolver as regiões ocupadas. A riqueza das democracias mais desenvolvidas proveio da sua cultura e história, mas também do saque das colônias.

É claro que houve muitas nações sem colônias, mas ou se tratavam de nações sob o domínio alheio, copiando a organização e ideologia alheias, ou, e talvez seja o caso do Brasil, de países que replicaram o colonialismo internamente. O relacionamento da cidade de São Paulo com a Amazônia, por exemplo, no que respeita a água e a energia, talvez possa ser lido usando os instrumentos que analisam as situações coloniais. O mesmo se poderá dizer da situação da maioria da população negra na sociedade brasileira. Muito sintomaticamente o golpe surgiu quando as universidades começaram formando negros, até hoje ausentes ou apenas em posições subalternas na justiça, forças armadas e profissões liberais. Nesse sentido, como falar de nação brasileira?

No que respeita a técnica, já vimos quando falámos da produtividade, como ela pode ser usada apenas para efeito de obter vantagens nos mercados, com consequências trágicas para os direitos e a vida dos trabalhadores. Da mesma forma, o seu desenvolvimento tem

consequências altamente negativas sobre o ambiente. Como se sabe, a extração de “terras raras”, usadas no fabrico de muitos dos artefatos de consumo atuais, se revela muito mais danosa para o meio ambiente do que a própria extração do petróleo, já que a sua “raridade” envolve a produção de muitos mais dejetos, com as consequências que o Brasil bem conhece, devido à conduta irresponsável das empresas de mineração.

Finalmente a extensão da técnica para áreas de consumo de onde antes estava ausente, como a educação e a cultura (vide o consumo de “conteúdos” pelas crianças e adultos através dos celulares, destruindo as relações familiares, ou o ensino à distância eliminando a relação aluno-professor), só pode levar a uma profunda reavaliação da sua relação com o “progresso”. É claro que a técnica, sempre que responde a objetivos científicos e a imperativos humanos e sociais, como no caso da medicina, é incontestavelmente uma conquista da civilização.

Concluimos que as ideias de nação e técnica devem ser associadas à ideia e práticas progressistas apenas na medida em que não contrariem aquilo que é fundamental no progresso, ou seja, o desenvolvimento humano. Não há que desvincular o progresso das conquistas sociais, e sim de repensar as suas relações com os conceitos de nação, de técnica e de consumo. O que deve ser revisto não é o alcance do progresso para todos, mas sim o seu aprofundamento social e político, e o lugar da técnica e do consumo que lhe foram artificialmente atrelados.

Não temos a pretensão de saber conjugar as observações atrás expostas num conjunto coerente, mas acreditamos que não podem ser jogadas para debaixo do tapete, na busca de falsas conciliações que só podem levar ao desastre.

Nada do passado merece ser conservado que não tenha como objetivo a justiça e a solidariedade; não há progresso que mereça esse nome que passe pelo sacrifício ou alienação da sociedade, que cada vez se confunde mais com a humanidade como um todo. A luta pela justiça se mantém como o verdadeiro sentido do progresso, aliviada de tudo aquilo que lhe foi imposto por ideologias e interesses parasitas.

Pedro de Souza é editor, pesquisador e exsuperintendente executivo do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.

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Opinião

A Incapacidade Humana de Lidar com a Catástrofe Ambiental

Quando se pensa no que está ocorrendo hoje em escala planetária sobre a questão da emergência climática, impressiona não apenas a lentidão dos governos – que são aqueles que poderiam dar uma resposta mais estrutural e mais rápida e de longo espectro, mas também a resposta dos commons (1), enraizados numa cultura de consumo de massa e tomados pela mídia e propaganda. Não é fácil. Ainda pior é o desconhecimento das populações mais pobres em todo o mundo, muitas que vivem no meio rural, sem informações qualificadas sobre os desastres ambientais que vêm acontecendo e os que estão por vir.

Acontece que as populações urbanas, envolvidas em processos de poluição, de stress, de distopia, de violência cotidiana, tampouco têm possibilidades de enfrentar o problema. É um dilema não apenas contemporâneo, mas civilizatório. A cada dia uma catástrofe de menor ou maior envergadura nos impacta, sem nos darmos conta de sua complexidade, das inter-relações e da entropia envolvida - esse, um conceito da termodinâmica, mede a desordem das partículas de dado um sistema físico. De acordo com a Lei da Termodinâmica, quanto maior for a desordem de um sistema, maior será a sua entropia.

Os impactos

Os fenômenos físicos responsáveis pelo efeito estufa na atmosfera tinham como consequência inexorável o aquecimento da Terra. E tais fenômenos decorriam necessariamente da combustão de materiais orgânicos: petróleo e seus derivados, carvão, gás natural, madeira e outros produtos vegetais, segundo o físico Rogério Cerqueira Leite.

O consenso entre cientistas e formuladores de políticas é que para não passarmos por esse ponto sem retorno, da temperatura média global subir mais de dois graus Celsius, o I.P.C.C. – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas - nos diz que, para limitar o aumento a menos de dois graus, precisaremos reverter a tendência das últimas três décadas. E nos aproximar de zero emissões líquidas, globalmente, nos próximos 30 anos, o que não é uma tarefa trivial, dado a tendência do consumo mundial capitalista.

Novas pesquisas, descritas em outubro 2019 na Scientific American, demonstram que os cientistas climáticos, longe de exagerar a ameaça das mudanças

climáticas, subestimaram seu ritmo e gravidade. Para projetar o aumento da temperatura média global, os cientistas contam com modelagem atmosférica complicada. Eles pegam uma série de variáveis e as executam em supercomputadores para gerar, digamos, dez mil simulações diferentes para o próximo século, a fim de fazer uma “melhor” previsão do aumento da temperatura. O aumento pode, de fato, ser muito maior, segundo Jonathan Franzen (2). E a coisa mais assustadora sobre as mudanças climáticas é a velocidade com que está avançando o rompimento quase mensal dos registros de temperatura.

O esgotamento do solo e da água, o uso excessivo de pesticidas, a devastação da pesca mundial, a destruição das florestas, a produção de plásticos, de automóveis, de construções, enfim, um conjunto de efeitos danosos que até então não alcançou medidas compatíveis na direção da conservação de baixa tecnologia (restaurar florestas, preservar pastagens, comer menos carne) poderiam reduzir nossa pegada de carbono tão efetivamente quanto as grandes mudanças industriais.

O IPCC

Jonathan Frazen nos diz que o combate à desigualdade extrema de riqueza é uma ação climática. Desligar as máquinas de ódio nas mídias sociais é uma ação climática. Instituir políticas humanitárias de imigração, advogando pela igualdade racial e de gênero, promovendo o respeito pelas leis e sua aplicação, apoiando uma imprensa livre e independente, livrando o país de armas de assalto - essas são ações climáticas significativas. Para sobreviver ao aumento da temperatura, todo sistema, seja do mundo natural ou do mundo humano, precisará passar por modificações radicais.

Diz o relatório do IPCC que em torno de 23% das emissões antrópicas provêm da silvicultura, da agropecuária e de outros usos da terra. Contudo, a maioria das discussões sobre ação climática se concentra em energia, indústria e transporte (cf. novo IPCC - relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (3). É correto afirmar que o uso da terra também é criticamente importante – tanto como fonte de emissões de gases de efeito estufa (GEE) quanto como parte da solução para as mudanças climáticas. O relatório constatou que, uma vez que o solo sequestra quase um terço de todas as emissões de dióxido de carbono causadas pelo homem, será impossível limitar

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a elevação da temperatura a níveis seguros sem alterar fundamentalmente a forma como o mundo produz alimentos e administra o uso da terra.

O sumário do relatório IPCC está estruturado em quatro partes: A) Pessoas, terra e clima em um mundo em aquecimento; B) Opções de resposta para adaptação e mitigação; C) Ativar opções de resposta; e D) Ação no curto prazo. Aqui só poderemos fazer um breve resumo: no item A, informam que as pessoas usam de um quarto a um terço do potencial primário líquido da terra para produção de alimentos, rações, fibras, madeira e energia.

A terra é uma fonte de gases de efeito estufa (GEE) e desempenha um papel fundamental na troca de energia, água e aerossóis entre a superfície terrestre e a atmosfera. Seus ecossistemas e biodiversidade são vulneráveis às mudanças climáticas em andamento e a climas extremos, em diferentes extensões. A gestão sustentável da terra pode contribuir para reduzir os impactos negativos de múltiplos estressores, incluindo as mudanças climáticas, nos ecossistemas e sociedades.

Os dados disponíveis desde 1961 mostram que o crescimento da população global e as mudanças em consumo per capita de alimentos, rações, fibras, madeira e energia causaram taxas sem precedentes de uso da terra e da água, com a agricultura atualmente representando 70% do uso global de água doce. Expansão de áreas sob agricultura e silvicultura, incluindo produção comercial e aumento da produtividade agrícola e florestal, têm gerado consumo e disponibilidade de alimentos para uma população crescente. Com grande variação regional, essas mudanças contribuíram para aumentar as emissões líquidas de GEE, perda de ecossistemas naturais (p.ex., florestas, savanas, pastagens naturais e zonas húmidas) e declínio da biodiversidade.

A mesma série de dados mostra que o suprimento per capita de óleos vegetais e carne mais do que duplicou e a oferta de calorias alimentares per capita aumentou cerca de um terço. Atualmente, 25 a 30% do total de alimentos produzidos são perdidos ou desperdiçados. Esses fatores estão associados a emissões adicionais de GEE. Alterações em padrões de consumo contribuíram para cerca de 2 bilhões de adultos com sobrepeso ou obesidade. Estima-se que 821 milhões de pessoas ainda estão subnutridas.

B) Opções de resposta para adaptação e mitigação

Enquanto algumas opções de resposta têm impacto imediato, outras levam décadas para fornecer resultados mensuráveis. Exemplos com impactos imediatos incluem a conservação de ecossistemas de alto carbono, como turfeiras, pântanos, pastagens, manguezais e florestas, mas levam mais tempo para darem resultado e incluem florestamento e reflorestamento, bem como

a restauração de ecossistemas de alto carbono, agrossilvicultura e recuperação de solos degradados.

Opções que fornecem sequestro de carbono no solo ou na vegetação, como florestação, reflorestamento, agrossilvicultura, manejo do carbono do solo em solos minerais ou armazenamento em produtos de madeira colhidos não continuam a sequestrar carbono indefinidamente. Contudo, o carbono acumulado na vegetação e nos solos está em risco de perda futura (ou reversão de sumidouro) desencadeada por distúrbios como inundações, secas, incêndios ou pragas surtos ou má gestão.

Embora a terra possa dar uma contribuição valiosa à mitigação das mudanças climáticas, existem limites à implantação de medidas de mitigação terrestre, como culturas de bioenergia ou florestação. O uso generalizado na escala de vários milhões de km2 globalmente pode aumentar os riscos de desertificação, degradação da terra, insegurança alimentar e insustentabilidade. Na próxima edição, daremos continuidade à análise do relatório IPCC, fundamental de ser lido para enfrentarmos os desafios que nos aguardam e avaliar a questão através do conceito de Antropoceno.

NOTAS:

1 - Commons pode ser traduzido como comum, produção ou espaço comum. Seu significado também comporta a noção de público em oposição ao que é privado. Seu uso evoca ainda a idéia de algo que é feito por todos ou por coletivos e comunidades. Os commons pretendem expressar recursos que são comuns. Bens públicos são commons. Sérgio Amadeu da Silveira, in: Líbero, ano XI,nº 21,junho 2008.

2 - What if We Stopped Pretending? The climate apocalypse is coming. To prepare for it, we need to admit that we can’t prevent it. New Yorker September 8, 2019

3 - IPCC Special Report on Climate Change, Desertification, Land Degradation, Sustainable Land Management, Food Security, and Greenhouse gas fluxes in Terrestrial Ecosystems, https://www. ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/08/EditedSPM_Approved_Microsite_FINAL.pdf

Marcos Costa Lima é professor do Programa de PósGraduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

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Opinião

“Caneladas” Ou Protofascismo?

BOLSONARO FLERTA COM ESCRAVISMO E COM A CENSURA

“Em tempos de terror, escolhemos monstros para nos proteger”, Mia Couto.

Tratar-se-ia apenas de meras “caneladas”, ou de arroubos retóricos do capitão reformado e de seus acólitos, como ainda pretendem muitos que nele votaram e certa imprensa condescendente? Não há como concebê-los apenas como golpes desferidos a esmo, praticados por impulsos, sem predeterminação, tampouco de declarações impensadas. Estamos em presença de uma estratégia deliberadamente disruptiva, agressiva, que visa manter a imagem de alguém fora do “sistema”, sincero, portador de uma radicalidade necessária à construção de uma nova ordem política, escoimada do comportamento ‘tradicional” dos políticos, supostamente incapaz de assumir posições mudancistas.

Agressiva não apenas na forma, mas também no conteúdo, o que propicia uma espécie de catarse àqueles que sentem necessidade de um novo estilo, pretensamente contraposto à “velha política”. De quebra, essa estratégia põe em segundo plano a percepção de conteúdos eivados de autoritarismo, em favor do barulho resultante do rancor e do destempero, absolutamente inéditos em autoridades de primeiro escalão de uma República democrática.

A inacreditável declaração de Bolsonaro sobre a escolha do seu candidato à Vice-Presidente, nas recentes eleições presidenciais, ilustra exemplarmente o que destacamos acima. Nela, o capitão reformado afirma que se arrependeu de ter escolhido “esse Mourão aí”, e não o “príncipe” Deputado Luiz Phillipe de Orleans e Bragança, em relação a quem se derramou em elogios. Essa declaração é reveladora de uma estratégia de quem alimenta, diuturnamente, dissensões internas, posição crescentemente subalterna dos militares no seu governo, cada dia mais personalista E também da absoluta falta de ética na forma humilhante como é tratado o Vice-Presidente Mourão, general de Exército e segunda auto -

ridade da República.

Mais inquietante ainda, porém, é o fato de que nem a mídia, nem os partidos, tampouco entidades da sociedade civil tenham ressaltado o mais grave: a identificação ideológica e política de Bolsonaro com um monarquista –o “príncipe” acima referido ligada à própria natureza humana! Temos aqui o mais inquestionável exemplo de ultra-conservadorismo e de concepção retrógrada sobre a sociedade e a escravidão. Por contraste, existe praticamente uma unanimidade nas ciências sociais – e mesmo na percepção do “senso comum” atual – de que a escravidão nada tem de natural, sendo, ao contrário, produto das relações sociais.

Não poderia haver maior justificativa para a extrema desigualdade social do que a formulada pelo “príncipe” – com toda probabilidade, compartilhada pelo seu mais insigne admirador (e também escravista?): Bolsonaro. Outra incrível manifestação do extremismo presidencial foi a negativa de assinar o diploma referente ao maior reconhecimento literário da língua portuguesa, instituído pelos governos brasileiro e português: o Prêmio Luís de Camões, conferido à figura ímpar do escritor e compositor Chico Buarque de Hollanda. Comportamento totalmente diverso do adotado pelos presidentes Lula e Temer que, anteriormente, avalizaram o diploma em questão, a despeito dos escritores contemplados serem notórios críticos de seus governos 2 - A DIPLOMATIA DO INSULTO

“Tem gente que só compreende a brasa quando ela entranha nas profundezas da carne”

A recusa da concessão do prêmio Camões a Chico Buarque representa algo inédito em matéria de intolerância à diversidade de pontos de vista, mas é muito expressiva da forma totalitária com que Bolsonaro encara as manifestações culturais e artísticas. Quem não compartilha de suas concepções, sintetizadas nos motes Pátria amada, Brasil e O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, notoriamente afins com os dos fascistas, é conside -

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rado cidadão de segunda categoria, quando não inimigo da pátria. Apesar disso, a atitude do militar reformado foi pouco divulgada na mídia, não ensejando o categórico repúdio que lhe devia ter sido dado pela sociedade e, especialmente, pelos meios artísticos e culturais.

Um último exemplo de sua estratégia desagregadora diz respeito às declarações insultuosas dirigidas ao Presidente e Vice-Presidente eleitos da Argentina, Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, quando ainda candidatos, tachando-os de “bandidos de esquerda”. Nunca antes, em qualquer país civilizado, líderes políticos reconhecidos – máxime de uma nação amiga - foram tratados como marginais, tão somente em virtude de discrepâncias ideológicas. Usa, desta forma, o arrogante Chefe de Estado brasileiro de critérios manifestamente nocivos ao interesse nacional.

O resultado da estratégia bolsonarista revelou-se negativa para o seu artífice, ao gerar um sub-produto inesperado: quem vai representar, de facto, para os argentinos, o Brasil na posse de seu Presidente e Vice-Presidente eleitos - por eles convidados - é ninguém menos do que Luiz Inácio Lula da Silva!

Orientado pelos mesmos critérios ideológicos - alheios às práticas diplomáticas consagradas - apostou todas as fichas em um governante objeto de processo de impeachment – Donald Trump - deixando o Brasil em situação delicada, caso o próximo presidente dos EUA seja um democrata. Mas qual o sentido dessas considerações, se o temperamento incontrolável do capitão reformado e sua combinação com o ultra-conservadorismo já é de todos conhecida? Conhecida, mas superficialmente, e, também, minimizada pelos que nele votaram, além de parcialmente oculta, ou filtrada pelo monopólio midiático.

Esse é, precisamente, o desafio que temos a enfrentar: buscar contrapor-se com argumentos racionais ao irracionalismo imperante. Essa é a única forma de fornecer à militância - que precisa abarcar todos os democratas - as ferramentas de que necessitam para se opor às tonitruantes e desagregadoras manifestações do ex-militar.

3 - NO PASÁRAN? Parafraseando Brecht

“A incompreensão do presente nasce, fatalmente, da ignorância do passado”. Marc Bloch em Apologie pour l’histoire.

Lembremos o que disse Dolores Ibárruri Gómez, mais conhecida como La Pasionaria. Instigando, na Guerra Civil Espanhola, as

hostes republicanas contra o Generalíssimo Franco (também protofacista), Dolores pronunciou a célebre frase: para vivir de rodillas (de joelhos) es mejor morir de pie. No pasarán”.

Palavras de ordem, como essa, são atuais e encorajadoras, mas não suficientes. É preciso lutar. No caso do Brasil, não com armas, mas buscando a hegemonia na batalha de ideias. Nesses tempos sombrios em que vivemos, é necessário ter sempre presente o bordão de Santayana: os que não se lembram do passado são condenados a revivê-lo. Precisamos nunca deixá-lo cair no esquecimento, impedindo, assim, com a reedição de Atos Institucionais, a sua volta. Não duvidemos: o protofascismo, de matriz tupiniquim, incorporando aspectos essenciais do fascismo, está batendo às nossas portas. É preciso reagir agora, quando sentimos o calor da brasa, antes que ela se aprofunde nas entranhas de nossa carne.

Vale parafrasear as advertências de Bertholt Brecht, e de outros mestres da sua época:

Primeiro, levaram os “comunistas” e os petistas, mas, como não sou nem petista nem comunista, fiquei na minha, apenas torcendo para que os libertem. Depois, prenderam manifestantes, considerados “terroristas”. Achei excessivo, mas preferi silenciar. Em seguida, perseguiram os homossexuais, e outros adeptos da “ideologia de gênero”. Discordei, mas, como não compartilho dessa ideologia, nada fiz. Voltam-se agora contra a liberdade de expressão intelectual e artística, censurando espetáculos, vigiando professores nas salas de aula e extinguindo órgãos de Estado, promotores da arte e da cultura. Achei lamentável, mas não tive coragem de protestar. Por último, hoje fui preso por participar, para garantia do meu emprego e do meu salário, de greve considerada ilegal. Mas o pior está para acontecer: a TV Globo acaba de anunciar a decretação de Ato Institucional (A.I), parecido com o A.I-5. Precisaria ter reagido, mas agora é tarde, não há mais leis, nem ninguém para defender-me.

Rubens Pinto Lyra é Doutor em Direito Público e Ciência Política e Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: rubelyra@uol. com.br

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Opinião

À luz das contradições

Começando pelas motivações para escrever, tivemos a notícia de que vosso ministro (meu não é) declarou que as pessoas degradam a natureza para comer. Ouvi o mesmo argumento décadas atrás de um advogado famoso aqui no Recife, quando um sujeito foi preso por caçar um tamanduá numa reserva florestal próxima; do mesmo modo justificaram o horror. Contudo, fico também surpreso de ouvir de pessoas tão importantes argumentos tão chulos e envergonhado de saber disto, dito por um representante do país num encontro tão importante. Contudo, reflito, não deveria esperar muito de alguém que, na “brincadeira”, oferece o palácio da alvorada à venda.

Ocorre que um dos papeis do estado é de fomentar as ações coletivas de modo a regular, a criar opções ao tamanduá com a floresta em pé (bobagem apenas para os menos espertos), às depleções dos pequenos conectados aos grandes, que podem se tornar graves degradações, ou às destruições dilaceradoras dos tubarões de que não se fala... Eles não falam, não precisam, se divertem com o servilismo ministerial, afinal eles são o seu modelo.

Agora o mundo ficou bom, todo o mundo virou capitalista, temos o anarcocapitalista, disputando com o capitalismo de estado, em vias imperialistas, a comer pelas beiradas, e o proto-nazi-faci-capitalismo procurando um bote expiatório. Parece que estamos perdidos, nada parece responder bem e ainda mais estas renitentes mudanças climáticas, essa invenção científica que veio para atrapalhar o crescimento econômico e a geração de riquezas, “problema do primeiro mundo”, como colocou há alguns anos um diretor do IPEA em entrevista na televisão.

Quando argumentei que não se tratava de fazer opção sobre em que asa de imperialismo ficar, o meu amigo que escutava limpou sua catota no pano de meu sofá. -Mas rapaz!, pensei, ele viajou, mas deixa para lá. Contudo, isto me dá o gancho de insight, o que muitos já viram desde milênios, os antagonismos nos antagonismos. Isto para mim, não é uma idealização pós-hegeliana de explicação da his -

tória, onde as contradições se renovam, mas também mutam, mudam de natureza. Senão vejamos que o mundo do trabalho, suas relações e a distribuição dos frutos do trabalho se dão por uma composição de categorias de gênero, etnia, saberes e culturas (que tem definição numa conjunção de traços sociais comuns). A composição orgânica do capital continua tornando o capital trabalho mais ocioso, redundante, “quem precisa deles”, perguntava um professor inglês-indiano, nos anos 90 em Londres. Isto num mundo do mercado de troca de máquinas, máquinas pensantes, quando não máquinas desejantes, vivas, teleprogramadas a desejar.

Destaco, então, que neste caos de desastre anunciado, a cultura organizativa, o que pode se entender por civilização, bem-estar e estar bem. O que está em questão não é apenas produzir para criar uma civilização de consumidores de gadgets, como assinalou um amigo meu, o que ao final se mostra insustentável.

Então, vejo que essa pulha civilizatória é também uma no pensamento. O que aprendi da teoria da complexidade dos livros do Método e outros tantos é que a realidade é complicada, mas acessível, exigindo esforço de aprender e reaprender pois a coisa muda, o que valia pode não mais valer, ou não valer tanto e valer mais complementando, inclusive, com o oposto, com o que não se vê, com o olhar do outro, portanto, chama-se atenção do complementar, da complementaridade. É preciso lutar, concorrer, mais que concorrência... concorrência burra é um desastre para todos os concorrentes, a população de predadores depende da população de presas e vice-versa, existe mais sabedoria na organização viva em continuar viva do que na pretensão de domínio de qualquer predador. Ah! Mas alguns viverão, pode-se objetar. Sim, mas com que estar bem e bem-estar?

Portanto, tem uma luta por esclarecimento na peleja contra o obscurantismo, que é tanto interna - dentro da sala de aula, nos meios de comunicação, contra a manipulação interna -, quanto externa dos sistemas políticos que muitas vezes coíbem a corrupção do concor -

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rente para corromper, fazendo calar a justiça, quando todos os totalitários, na oposição, clamam por liberdades burguesas. Só Canguillem para explicar a “normalidade” de alguns, mas Agamenon do Sertão matou esta charada: “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. Afinal, normalidade e anormalidade são compreensões, e justiça não é sistema jurídico-político, que parece tanto mais injusto quanto mais político. Outras de nossas dificuldades de discernimento.

Sistematizando, vai aí minha viagem de “pilotagem” de sistemas complexos (não lineares e sujeitos a múltiplos fatores previstos e imprevistos):

Como consideração final, coloca-se que estes princípios de pilotagem, de aprendizagem, podem servir a um exercício que exige nos colocarmos como partícipes e nos vermos na roda viva. Como a estreiteza analítica tem perna curta, o esforço por análises críticas e autoanálises autocríticas com tais princípios da complexidade, quiçá nos ajude a encontrar uma ética transformadora, no desafio de compreender e sair da pulha civilizatória.

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Antonio Jucá é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ.

Opinião

Nada se compara ao parasita brasileiro

Primeiro, a coisa óbvia: nosso problema não é falta de dinheiro. Com um PIB de 6,8 trilhões de reais e uma população de 210 milhões, o que produzimos hoje representa 11 mil reais por mês por família de quatro pessoas. Com o que produzimos hoje, mesmo sem procurar uma igualdade opressiva, apenas uma desigualdade menos obscena, dá para todos viverem de maneira digna e confortável. Nosso problema não é pobreza, e sim desgoverno. Ou, para dizê-lo de maneira hoje atualizada, é falta de governança, de fazer o conjunto funcionar.

Na minha modesta aritmética econômica – sou avesso à econometria – faço as contas, follow the Money por assim dizer, apresentando o fluxo financeiro integrado. Calculando o quanto se tira da capacidade de compra das famílias por meio do absurdo nível de juros sobre o cheque especial, do rotativo do cartão, dos crediários e do empréstimo bancário, somando os juros sobre os créditos concedidos às empresas, chegamos a 1 trilhão de reais. Dado que coincide com os cálculos das financeiras, apresentados na manchete dominical do Estadão de 18 de dezembro de 2016: “Crise de crédito tira R$1 tri da economia e piora recessão”. São 15% do PIB esterilizados, transformados em lucros financeiros. Acrescentem a isso os R$ 300 a R$ 400 bilhões transferidos para os que aplicam as suas fortunas em títulos da dívida pública, e chegamos a 20% do PIB, alimentando fortunas. A taxa Selic baixou, realmente, mas é cobrada sobre um estoque da dívida muito maior. Em 2018 o Estado foi desfalcado em R$ 320 bilhões. São lucros e dividendos que, uma vez distribuídos, desde 1995 sequer pagam impostos. É um dreno poderoso.

Thomas Piketty abriu a caixa do capitalismo moderno para constatar que no século XXI rende mais fazer aplicações financeiras do que investir na produção. E o dinheiro segue naturalmente para onde rende mais. O capitalismo do século passado, que tanto criticávamos por explorar os trabalhadores, pelo menos investia, produzia bens e serviços de razoável utilidade, gerava empregos e pagava impostos. O do século XXI não investe, não produz e sequer paga impostos. David Harvey diz corretamente que não se trata de “capital no século XXI” e sim de patrimônio, porque não retorna ao processo produtivo senão marginalmente.

Sem entrar em excessivos detalhes, lembremos que a tributação no Brasil não só não corrige os desequilíbrios, como os agrava, pela estrutura regressiva na cobrança dos impostos e favorecimento dos mais ricos na alocação. E também que, segundo o Tax Justice Network, o Brasil tem cerca de 520 bilhões de dólares em paraísos fiscais, mais de 2 trilhões de reais que nem produzem nem pagam impostos. Acrescentem o vazamento que representam as seguradoras, as pensões complementares e os planos de saúde – fundos que “aplicam” em vez de investir, e temos aqui mais uma obviedade: a nossa economia está vazando por todos os lados. Apresentamos esses dados, com detalhes e fontes, no nosso A Era do Capital Improdutivo, em texto impresso, online, em vídeos e em plataformas de discussão. É aritmética, só não vê quem não quer. Aliás, a capacidade de não ver pode ser impressionante.

Os americanos nos ajudam a ver. A revista Forbes, em edição especial de 2019, traz em detalhe quem são os 206 bilionários brasileiros. A importância deste levantamento é óbvia. Primeiro, porque é confiável, a revista é americana e entende de bilionário, a imprensa brasileira não faz levantamentos deste tipo. Segundo, é um artigo em que os donos das fortunas, felizes em aparecer na Forbes, em vez de se esconder e de esconder como chegam às fortunas, aparecem sorridentes e orgulhosos. Afinal, é uma a revista que já explicita para quem é escrita: acima das manchetes, recomenda-se aderir à “Forbeslife– carros, jatos e iates: chegou a hora de escolher o seu”. Sim, caro leitor, o artigo que aqui analiso não foi escrito para você, foi escrito para eles mesmos, os bilionários. A nós interessa muito, pois este grupinho de bilionários constitui o lastro do poder real, o deep power do país. E representa um poder impressionante de sucção dos recursos financeiros.

Tomemos o número 2 da lista, Joseph Safra. Hoje, Joseph “tem um império bancário que leva seu nome: é dono do Banco Safra (Brasil), do J. Safra Sarasin (Suíça) e do Safra National Bank (EUA). É dono, ao lado do bilionário José Cutrale, da gigante Chiquita Brands, maior produtora de bananas do mundo”. Ter um pé na Suíça é ótimo para um banco, todos eles hoje têm pés em paraísos fiscais. Outro pé nos Estados Unidos ajuda, faz parte da articulação com a nossa economia. E Chiquita é o nome simpático hoje

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adotado pela antiga United Fruit, que de tantos crimes, golpes e mortes – é a empresa de bananas que aparece em Cem Anos de Solidão – decidiu mudar de nome. Mas o essencial para nós é que o patrimônio do Joseph Safra é de R$ 95,04 bilhões, e que nos meses entre março de 2018 e março de 2019 aumentou em R$ 19,31 bilhões. Sem precisar produzir nada, apenas amealhando dividendos. É o que Marjorie Kelly (e tantos outros) hoje chamam de “capitalismo extrativo”. São 19 bilhões, dois terços do Bolsa Família, em 12 meses, para uma pessoa.

O artigo apresenta a imagem de conjunto: em 2012, tínhamos no Brasil 74 bilionários, que dispunham de uma fortuna total de 346 bilhões de reais. Em 2019, são 206 bilionários, com uma fortuna total de R$ 1.205,8 bilhões (17,7% do PIB brasileiro). Como se acelerou de maneira tão dramática o enriquecimento dos bilionários no Brasil? Implicaria, imaginamos, um crescimento dinâmico da economia? Sabemos, na realidade, que desde 2013, que é quando, com manifestações e boicote, começa o ataque generalizado ao modelo distributivo, o PIB do Brasil não só não cresceu como, depois de dois anos de recessão em 2015 e 2016, continua paralisado.

Estão, para dizê-lo claramente, se entupindo de dinheiro. Não ver a relação entre o enriquecimento dos mais ricos e a paralisia da economia sugere analfabetismo econômico. O dinheiro não pode simultaneamente alimentar ganhos especulativos e evasão fiscal e financiar investimentos produtivos. Entre março 2018 e março 2019, os bilionários brasileiros aumentaram a sua fortuna em R$ 230,2 bilhões, 8 vezes o Bolsa Família. A economia brasileira cresce menos de 1%, sequer acompanha a progressão demográfica, implicando uma queda do PIB per capita do país. Há seis anos disseram que estariam “consertando” a economia. Na realidade, estão drenando.

Analisando um por um os bilionários, é impressionante a dificuldade de se encontrar alguém que produza algo. Seguindo as classificações do próprio artigo, basicamente, trata se de donos de bancos, de holdings financeiras, de acionistas e controladores acionários, de fundos de investimento (no sentido virtual de “investimento”, naturalmente), de donos de cotas acionárias, de holdings familiares, de “investidores”, e aparece até um “proprietário de terras cultivadas” (fortuna 118). Naturalmente não se trata de Jorge Luiz Silva Logemann, dono desta fortuna de R$ 2,68 bilhões, efetivamente se aproximar das terras cultivadas…

Já vimos acima como em 12 meses Joseph Safra aumentou a sua fortuna em R$ 19 bilhões. Mas a instituição de Roberto Balls Sallouti, a BTG Pactual Holding, “só no segundo trimestre de 2019, anunciou um salto de 56% no lucro líquido, para R$ 971 milhões. Sallouti é membro do conselho de administração do

Mercado Livre” (fortuna 116). Associar este pequeno clube de magnatas financeiros que drenam as capacidades produtivas do país ao conceito de “mercado livre” é de causar arrepios a quem já leu Adam Smith. Aliás, vários bilionários aumentaram as suas fortunas na esfera do BTG Pactual. É bom lembrar que o banco tem 38 filiais em paraísos fiscais, e tem como atividade principal gestão de fortunas, tecnicamente asset management.

A análise detalhada das 206 fichas que este dossiê da Forbes apresenta é muito produtiva, pois constatamos que não só se trata de gigantes de intermediação, na realidade atravessadores das atividades produtivas, como estão intensamente interligados. Vamos encontrar, no imenso dreno econômico que representa o Itaú, pelo menos 13 das grandes fortunas apresentadas no relatório. No conjunto, são poucas famílias, muito interligadas, e constituindo um poderoso cluster de poder financeiro e político. Drenam as capacidades econômicas da população, das empresas produtivas e do próprio Estado. A leitura deixa claro por que este país com tantos ricos está paralisado.

Frente ao dreno geral deste capital improdutivo, atribuir os nossos problemas aos velhinhos que envelhecem demais e criariam problemas no orçamento é francamente um insulto à inteligência elementar. Lembrando que temos apenas 33 milhões de pessoas formalmente empregadas no país, para uma força de trabalho de 105 milhões – ou seja, só 31% do total. E temos 37 milhões em atividades informais, o que somado aos 13 milhões de desempregados, significa que 50 milhões de trabalhadores estão fora do sistema. A solução não está no apertar o cinto, austeridade para os que já estão na austeridade, mas cobrar os impostos devidos dos que ganham sem produzir, pois, talvez, ao ver as suas fortunas tributadas, se interessem por fazer algo de útil. No essencial, o que precisamos é produzir. O empresário efetivamente produtor não precisa de discurso ideológico ou de “confiança”: precisa de famílias com poder de compra, para ter para quem vender, e de juros baixos para poder investir. Neste Brasil de grandes parasitas, ele não tem nem uma coisa nem outra.

Ladislau Dowbor é economista, doutor em Ciências Econômicas e professor da PUC-SP e da UMESP. Este artigo foi publicado por Outras Palavras em 2702-2020.

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Opinião

Conservatives deploy Brexit to score electoral victory in the UK

The Conservatives (Tories) managed a landslide in the UK general election on 12th December 2019 by obtaining 365 seats and inflicted a crushing defeat on the Labour Party that got only 203 seats. The Tories’ parliamentary majority would be 80 against all the other parties combined.

The result was a shocking surprise, especially since Labour’s politics were dominated by the phenomenon of Jeremy Corbyn, whose popularity among Labour supporters was very high. The party membership increased to around 480,000 (the largest socialist party in Europe – the German SPD has 426,000 –, and almost as large as the combined membership of all the other British political parties. [1]

Furthermore, most British trade unions that are formally affiliated to the Labour Party were politically aligned with Corbyn, who they supported solidly since his election as Labour leader in 2015, defeating attempts by Labour’s Blairite right wing to replace him.

In 2017 Labour’s electoral performance had denied the Tory government a parliamentary majority leading it to bribe the Northern Irish right wing Democratic Unionist Party by increasing spending in that region by £1bn. [2] Up to the 2019 election, Labour’s vote had been going up: VER GRÁFICO 1

In 2017 Labour increased by 30 MPs and 3 million more votes. Under Corbyn Labour had to wage an electoral campaign not only against all other parties but against its own Blair-led right wing that systematically sabotaged the party, to the point of openly calling to vote against Labour. An insidious campaign of media demonization aimed at discrediting Corbyn’s Labour, supplemented this.

The background to this was the 2016 referendum on the UK’s European Union (EU) membership which shook all parties, particularly the Tories, to their foundations: 52% (17,410,742 votes) voted to leave, those for remaining obtained 48% (16,141,241 votes). The turnout was 72%, higher than normal.

Most parties (except UKIP) campaigned to stay in the EU, including Conservative PM, Theresa May, Corbyn’s Labour, the Liberal De -

mocrats, Scottish and Welsh Nationalists, and Greens. Both major parties, Labour and Conservatives however, have active pro-Brexit factions. They were substantially stronger among Conservatives, with ministers even resigning in protest against May’s Anti-Brexit stance. They deployed the infamous NHS Bus falsely publicising that upon leaving the EU Britain’s public health service would receive £350 million per week, amount they argued, Britain was sending in various payments to the EU. [3]

Those who today dominate the Tories, Boris Johnson, Michael Gove, Jacob Ress-Mogg, Liam Fox, and the like, deeply oppose the welfare state, are extreme pro-market libertarians, and almost irrationally anti-EU. Some champion extreme ‘Christian’ values on sexual diversity, same-sex marriage and abortion. Their views have a strong resonance in their party whose membership is 71% male and 97% white. [4]

Boris Johnson is a ruthless operator and quite an unscrupulous politician. He would make outrageously inappropriate and deplorable statements on race, women, the poor, etc., coming across as an insensitive upper-class clown. This low-level intellectual quality has characterised the Tory Party’s leadership ever since John Major’s Premiership (1992-1997). The politics of this, ever more dominant extreme current, oozes racism, misogyny, and bigotry.

Corbyn’s Labour radical anti-neoliberal programme hugely resonated with the electorate with some policies polling well above 70% approval. Of the 2017 manifesto 79% supported that electricity and energy came from low-carbon or renewable sources, 74% the capping of rent prices at the rate of inflation, 68% to increase income tax for top 5% of earners, 63% agreed with requiring business to reserve a proportion of seats on their boards for their workers, 60% supported railways to be owned and run by the state, 57% agree with energy and water companies being owned by the state, 55% supported free university tuition fees for all students, and 52% oppose the UK taking part in military interventions in other countries. [5]

Corbyn added that all expansion of health services under Blair, which allowed the priva -

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te sector to run growing sections of the NHS, including newly built hospitals, would be fully nationalised. This elicited enthusiastic support because Tory austerity had so underfunded the NHS to the point of creating a massive crisis in health provision, about which Corbyn said: “… patients being treated in hospital corridors, people dying in the back of ambulances, hospitals in dire need of repair- they are refusing to give our NHS the money it needs and needs now. The NHS will only survive if we fight for it. [6]

On Labour’s 2017 Manifesto Bloomberg commented, Corbyn’s Labour Party will offer voters one of the most radical economic agendas anywhere in the democratic world. [7] Another Bloomberg piece reported with alarm that to Labour’s 2017 programme at the September 2019 Labour conference more was added

• Integration of private schools into the state system;

• Green New Deal setting 2030 as target for net zero carbon emissions. (A Labour government would nationalize the big energy firms, ban fracking, and take public transport into state ownership);

• Restoration of full trade union rights and workplace rights, rolling out collective wage bargaining;

• 10 pound ($12.36) hourly minimum wage;

• 50,000 pound lump-sum payment to veterans of British nuclear tests for help with medical problems;

• Scrappage scheme for polluting vehicles and £2.5 million interest free loans for the purchase of electronic vehicles. [8]

On a snap poll after the 6th December 2019 TV debate with Johnson, Corbyn had a 10 point lead on trustworthiness; on the NHS he won 55% to 38%; whilst Johnson won 62% to 29% on Brexit. [9] In other words, if the election were fought on Brexit, the Tories would have the edge, but if it was the NHS, austerity and the gross inequalities it had generated, Labour was likely to carry the day.

Thus the Establishment deployed all its resources to exert pressure on Labour aimed at making Brexit the election’s crucial issue. The pressure influenced even Corbyn’s inner circle. This distracted from Labour radical manifesto and exacerbated Labour’s internal divisions. The decisive lever were the anti-Corbyn Labour MPs.

Since Corbyn election right-wing Labour MPs had sought to oust him, even going for a parliamentary coup in 2016, which involved even Labour’s Deputy Leader, Tom Watson (172 MPs vo -

ted for a no-confidence motion against Corbyn, whilst only 40 supported him). [10] They blamed Corbyn for the Brexit vote. This triggered a leadership election that saw a larger majority for Corbyn.

This breed of Labour MPs resulted from 10 years of Blair control that shifted Labour drastically to the right (as witnessed by the Iraq War) and launched severe attacks on party democracy, including favouring candidates of a right wing, Blairite, persuasion. Thus on the renewal of the Trident submarine nuclear military system, Labour’s formal position was in support but Corbyn sought a compromise of retaining the submarines but without nuclear weapons: 140 Labour MPs voted with the Tories to renew it, 47 with Corbyn against, and 43 abstained.

Further, 8 right wing Labour MPs, headed by Black MP, Chuka Umunna, broke with the party because of Corbyn’s supposed inability to stop Brexit and, for failing to deal with Labour being supposedly anti-Semitic. Three MPs also broke with the Tories on Brexit, who, with the 8 Labour MPs, set up an independent parliamentary group. [11]

Right wing Labour MPs persuaded some progressive MPs, some unions, and sections of the membership, for Labour to go for a second referendum, and managed to saddle Corbyn with it. He went into the 2019 election with the formal position of a second referendum. On a national TV programme on 22nd November 2019, he announced

This will be a trade deal with Europe or remaining in the EU – that will be the choice that will be put before the British people within 6 months. […] I will adopt, if I am Prime Minister at the time, a neutral stance so I can credibly carry out the result of that to bring our communities and country together rather than continuing endless debate about the EU and Brexit.

Thus Brexit became the central election issue. Paradoxically, in order to unite the party, Corbyn ended up alienating a crucial part of his electoral base. The Tories, Johnson and the media quickly capitalised on it.

On the relentless and vicious media campaign against Corbyn scholars in the LSE conducted a study, which concluded that the media vilified him, he was never quoted but misrepresented, sources used were overwhelmingly anti-Corbyn, he was ridiculed, and they sought to associate him with terrorism and as a friend of enemies of the UK. [12]

On the BBC’s anti-Corbyn role, in a study the Media Reform Coalition and Birbeck concluded

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“imbalanced reporting has become so grave that it poses a serious threat to the democratic process.” [13]

The Archbishop of Canterbury, UK’s maximum religious authority, on 26th November 2019, publicly supported UK’s Chief Rabbi, Ephraim Mirvis, that Jews were “gripped with anxiety” at the prospect of Corbyn becoming Prime Minister.

The Media Reform Coalition (MRC) also conducted a study on how anti-Semitism was also used by the media to demonise Corbyn and Labour

“…we identified myriad inaccuracies and distortions in online and television news including marked skews in sourcing, omission of essential context or right of reply, misquotation, and false assertions made either by journalists themselves or sources whose contentious claims were neither challenged nor countered.” [14]

In the 2019 election of the 60 seats Labour lost, 52 had voted Brexit in the referendum. [15] Labour lost seats it had held since 1919, 1922, 1932, 1935, 1945 and 1970, making it highly unlikely these Labour working class bastions had suddenly converted to Boris Johnson’s Conservatism. Many people in these areas favoured Brexit and found Labour’s position of another referendum unacceptable since it made their vote for the first, worthless.

For many, poverty, destitution, unemployment, homelessness and other social ills in these Labour heartlands were closely associated to open immigration resulting from Britain’s EU membership. The Tories since Thatcher have argued that unless immigration is severely curbed, the UK would continue to suffer these ills. They even linked immigration to terrorism. The pro Brexit referendum campaign intensified racism, bigotry and xenophobia: official figures recorded that between 2014-15 and 2016-17, hate crime rose by 57%, 87% motivated by racial hatred. [16]

At the 2019 election Labour lost 2 million votes to anti-Brexit parties: VER GRÁFICO 2

So, which way forward for Labour after the crashing defeat of Corbyn, the most radical and most progressive political leadership to emerge in the UK? Is it all over for Corbynism?

Conclusion

Two post-election coalitions are emerging: a broad anti-Corbyn front that goes from openly fascist currents, the Establishment, the Tories, UKIP, Liberal Democrats, Scottish Nationalists, the media, Labour’s right wing and sections of Labour left moderates; and Corbynism, which

includes Labour’s grassroots, most of the trade unions and working people it organises, women, the poor and marginalised, pensioners, the disabled, ethnic communities, and the LGBT community. Their interests and aspirations are incorporated in Corbyn’s radical manifesto. [17]

On Labour’s Right Tony Blair has vigorously campaigned against Corbyn and his politics. On 25th November 2019, at a Reuters-hosted conference Blair said, “the Labour party has been taken over by left wing populism”; he passionately appealed to Labour to drastically change course, abandon its radical left wing ideology, and take the party to the “centre”. For him if the far left are in charge “the Labour party is finished.” [18] To Blair Corbynism is a “brand of quasi-revolutionary socialism, mixing far-left economic policy with deep hostility to Western foreign policy, which never has appealed traditional Labour voters”. [19] Blair’s Press Secretary, Alastair Campbell, called on ‘disgruntled and disillusioned’ Labour supporters to re-join the part in a “charge of 100,000 moderates in bid to crush Team Corbyn.” [20] The shift to the “centre’ is predicated on the fallacy of Corbyn’s policies’ “unelectability”. In the 2015, 2017 and 2019 elections, the Liberal Democrats, the “centrist” party par excellence, performed very poorly, confirming this fallacy.

Labour membership, even many who may have voted for Brexit, are unlikely to support a shift to the right, nor will they support a Blairite to replace Jeremy. The Shadow Business Secretary and MP, 40 year-old Rebecca Long-Bailey, a strong Corbynista, is standing as a potential Corbyn’s successor. She is likely to be supported by the powerful grassroots Corbynista movement, drawing strength from Labour Manifesto’s popularity. Of the 25 new elected Labour MPs in 2019, 20 are women, 16 are solidly left wing, and 12 are Black, Asian and Minority Ethnic Labour, thus weakening Labour’s right. Furthermore, “Labour now has a majority female parliamentary party.” [21]

Perhaps, the biggest threat may come from a soft-left candidate behind whom Labour’s right will unite. The defence of Corbyn’s policies will be the essential platform to organise resistance against Johnson’s nasty neoliberal offensive, since shifting Labour to the right would make its implementation substantially easier.

Johnson represents a breed of hard-right Conservatism that has a lot in common with Trump. A special report (The Guardian’s ‘Long Read’) shows the long-standing connection between key ministers, Conservative politicians,

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including Johnson himself, and extreme right wing US thinktanks such as the Institute of Economic Affairs (IEA) and the Heritage Foundation. Fourteen of the 20+ Johnson’s July cabinet ministers were “alumni of IEA initiatives”.

Enjoying multimillionaire funding, think tanks played a crucial role in securing Brexit. In a “collaboration between the US and UK radical right are partners in a global coalition of more than 450 thinktanks and campaign groups called the Atlas Network.” [22] A post-Brexit Free Trade Agreement with the US, and “opening up the NHS to foreign competition” are their policy flagships. Furthermore, Johnson will slavishly support US military adventures anywhere in the world.

Only Labour has the strength, the social base, the policies, and the capacity to build a political and social coalition to mount mass resistance to Johnson’s hard neoliberal programme, an urgent task for which there is huge potential. Polls showed majority support for Labour’s policies, and at the 2019 election Labour got 57% of the votes among the 18-24, 55% among the 25-34, and 45% among the 35-44. [23]

These developments are not unique to Britain. There is a powerful transatlantic juggernaut, endowed with infinite resources, a vast media to influence politicians, intellectuals, academics and the public, that can be unleashed just about anywhere in the planet. The defense of Corbyn’s legacy is no only a British task.

[11] Every one of these defectors lost their seats.

[12] LSE, 1/07/2016 (http://eprints.lse.ac.uk/67211/1/ CAmmaerts_Journalistic%20representations%20 of%20Jeremy%20Corbyn_Author_2016.pdf– visited 19/12/ 2019)

[13] Jonathan Cook Blog, 29/07/2016 (https://www. jonathan-cook.net/blog/2016-07-29/study-exposesbbcs-deep-anti-corbyn-bias/– visited 21/12/ 2019).

[14] https://www.mediareform.org.uk/wp-content/ uploads/2018/09/Labour-anti-semitism-and-thenews-EXEC-SUM-FINAL-PROOFED.pdf– visited 21/12/ 2019.

[15] Labour List, 13/12/2019 (https://labourlist. org/2019/12/the-60-seats-labour-lost-in-the-2019general-election/– visited 21/12/2019).

[16] The Huffington Post, 14/12/2019 (https:// www.theredcard.org/blog/2019/1/14/brexitand-rising-racism-in-britain-showed-we-mustchallenge-misconceptions-about-immigration-andmulticulturalism– visited 21/12/2019).

[17] It’s time for Real Change, https://labour.org.uk/ manifesto/ (visited 22/12/2019); Campbell was expelled from Labour for publicly calling to vote against his own party in the May 2019 municipal elections.

[18] The Guardian, 18/12/2019, (https://www. theguardian.com/politics/2019/dec/18/tony-blairurges-labour-to-ditch-jeremy-corbyn-misguidedideology– visited 22/12/2019).

[19] The Sun, 18/12/2019, https://www.youtube.com/ watch?v=yqdaGBHlRE4 (visited 22/12/2019)

[20] Express, 15/12/2019 (https://www.express. co.uk/news/politics/1217526/labour-party-AlastairCampbell-election-result-jeremy-corbyn-leftwing-tony-blair?int_source=traffic.outbrain&int_ medium=traffic.outbrain&int_term=traffic. outbrain&int_content=traffic.outbrain&int_ campaign=traffic.outbrain– visited 22/12/2019).

[21] Labour List, 16/12/2019 (https://labourlist. org/2019/12/labour-gained-just-one-seat-but-manymore-fresh-faces/– visited 23/12/2019).

NOTAS:

[1] UK Parliament (https://researchbriefings. parliament.uk/ResearchBriefing/Summary/SN05125visited 19/12/2019).

[2] BBC News, 26/06/2018, https://www.bbc.co.uk/ news/uk-northern-ireland-politics-44397110 (visited 23/12/2019).

[3] FullFact, 19/09/2017 (https://fullfact.org/ europe/350-million-week-boris-johnson-statisticsauthority-misuse/– visited 20/12/2019).

[4] The Guardian, 23/07/2019.

[5] YouGov, 9/01/2019 (https://yougov.co.uk/topics/ politics/articles-reports/2019/01/09/eurotrackcorbyns-policies-popular-europe-and-uk– visited 20/12/2019).

[6] The Huffington Post, 3/02/2018.

[7] Bloomberg, 1/10/ 2019.

[8] Bloomberg, 27/09/2019.

[9] PoliticsHome, 6/12/2019 (https://www.politicshome. com/news/uk/political-parties/conservative-party/ boris-johnson/news/108431/boris-johnson-edges-winfinal– visited 20/12/2019)

[10] BBC News, 28/06/ 2016, (https://www.bbc.co.uk/ news/uk-politics-36647458 - visited 21/12/2019).

[22] The Guardian, 29/11/2019, (https://www. theguardian.com/politics/2019/nov/29/rightwingthinktank-conservative-boris-johnson-brexit-atlasnetwork– visited 23/12/2019); this report ought to be widely circulated and translated into every European language.

[23] Lord Ashcroft Polls, 13/12/2019 (https:// lordashcroftpolls.com/2019/12/how-britain-votedand-why-my-2019-general-election-post-vote-poll/?fb clid=IwAR0ogQafdFbtoYB5BG7UdHZbq9FhSLPMT MsaF2h4fHsHZcVb1oTriG_vnck (visited 23/12/2019). A more extensive article on the elections was published by Global Research: https://www.globalresearch.ca/ how-brexit-produced-largest-conservative-majoritysince-thatcher/5699664

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Francisco Dominguez é Professor da Universidade de Middlesex / Inglaterra.

Gráfico 1

Gráfico 2

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