Revista Jornalismo e Cidadania Nº37

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Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1 Jornalismo Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE | ISSN 2526-2440 | e cidadania nº 37 | Julho e Agosto de 2020

JORNALISMO E CIDADANIA

Expediente

Editor Geral | Heitor Rocha

Professor PPGCOM/UFPE

Editor Executivo | Ivo Henrique Dantas

Doutor em Comunicação

Editor Internacional | Marcos Costa Lima

Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE

Revisão | Laís Ferreira / Bruno Marinho

Mestre em Comunicação / Mestre em Comunica;áo

Articulistas |

PROSA REAL

Alexandre Zarate Maciel

Doutor em Comunicação

MÍDIA ALTERNATIVA

Xenya Bucchioni

Doutora PPGCOM/UFPE

NO BALANÇO DA REDE

Ivo Henrique Dantas

Doutor em Comunicação

JORNALISMO E POLÍTICA

Laís Ferreira

Mestre em Comunicação

JORNALISMO AMBIENTAL

Robério Daniel da Silva Coutinho

Mestre em Comunicação UFPE

JORNALISMO INDEPENDENTE

Karolina Calado

Doutora PPGCOM/UFPE

MÍDIA FORA DO ARMÁRIO

Rui Caeiro

Doutorando em Comunicação

MUDE O CANAL

Ticianne Perdigão

Doutora PPGCOM/UFPE

COMUNICAÇÃO NA WEB

Ana Célia de Sá

Doutoranda em Comunicação UFPE

NA TELA DA TV

Mariana

Mestre

Alunos Voluntários | Lucyanna Maria de Souza Melo

Nathália Carvalho Advíncula

Matheus Henrique dos Santos Ramos

Colaboradores |

Alfredo Vizeu

Professor PPGCOM - UFPE

Túlio Velho Barreto

Fundação Joaquim Nabuco

Gustavo Ferreira da Costa Lima

Pós-Graduação em Sociologia/UFPB

Anabela Gradim

Universidade da Beira Interior - Portugal

Ada Cristina Machado Silveira

Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

Antonio Jucá Filho

Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ

João Carlos Correia

Universidade da Beira Interior - Portugal

Leonardo Souza Ramos

Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)

Rubens Pinto Lyra

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas  da UFPB

Editorial

Opinião | Pedro de Souza

Opinião | Marcos Costa Lima

Opinião | Rubens Pinto Lyra

Opinião | Ticiane Perdigão

Opinião |Rômulo Santos

Comunicação na Web

Opinião | Deisiane da Conceição

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Banja
em Comunicação
Índice
Prosa Real Opinião | Francisco Dominguez Opinião | Madhu Bhaduri | 3 | 4 | 6 | 8 | 10 | 12 | 14 | 16 | 18 | 20 | 22 Acesse: facebook.com/ Jornalismoecidadania | issuu.com/revistajornalismoecidadania

Editorial

Por Heitor Rocha

Depois do mal-estar provocado pelos absurdos ditos e realizados pelo inquilino do Palácio do Planalto e do ônus por ter participado da conspiração para destituir Dilma Rousseff, em 2016, e eleger o capitão, em 2028 inclusive com o espetáculo, divulgado ilegalmente por Moro, do depoimento de Palocci e o seu “pacto de sangue” com Lula durante a campanha, parece que o processo de busca de credibilidade da grande mídia apresentou uma pausa. No momento da apreciação pelo Congresso Nacional do veto do presidente aos reajustes dos servidores públicos, a demonização do funcionalismo foi descarada com o argumento do problema de caixa e arrecadação do governo federal, sem sequer ventilar possibilidades como a taxação das grandes fortunas, como acontece nos países capitalistas mais desenvolvidos, ou a tributação do agronegócio, que não paga nenhum centavo de imposto e ainda recebe mais de 120 bilhões por ano (mais e 10 vezes o que é destinado para a agricultura familiar), para produzir e mandar de forma completamente desonerada os lucros para o exterior, haja vista que são multinacionais quase todas as corporações do setor.

Ao mesmo tempo em que acusou de “um crime contra o país” a derrubada pelo Senado do congelamento por dois anos dos salários dos servidores, sem passar pelo Congresso, Guedes quer transferir cerca de R$ 400 bilhões dos lucros cambiais do Banco Central para abater parte da dívida pública, o que favoreceria os bancos privados, que detêm grande parte desses títulos. É o mesmo tipo de artimanha utilizada pela TV Globo, em campanha aberta pelo congelamento dos gastos dos servidores. Na mesma perspectiva de perversidade ‘liberal’, o cinismo de Guedes chegou até a contrariar as expectativas populista eleitorais de Bolsonaro que descartou a intenção do ‘Posto Ipiranga’ no chamado programa Renda Brasil: “Não posso tirar dos pobres para dar para paupérrimos”.

No caso do orçamento é revoltante o descaso com os setores da saúde e educação na previsão da alocação dos recursos públicos. Tudo indica que será mantida a situação expressa pela orçamento de 2019, segundo a ONG Contas Abertas, com o setor da Defesa (8,3 bilhões de reais) engolindo mais de 852 milhões de reais do que o que foi investido na Saúde e na Educação, o que pode ser ampliado diante do compromisso de Bolsonaro de garantir primazia orçamentária para os militares em 2021.

Assim, além de não conseguir resultados econômicos satisfatórios, o governo Bolsonaro também não cuida da saúde e da vida dos brasileiros, pois gastou até agora apenas 54% de todos os créditos extraordinários lançados

para financiar as medidas de combate ao novo coronavírus, segundo relatório divulgado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado que acompanha as contas públicas.

Outro setor em que se afunda o desgoverno atual é o do meio ambiente, não só por não considerar a importância da área, mais também pelo prejuízo econômico que acarreta para as exportações do país. O ministro Ricardo Salles está desaparecido e o vice-presidente Mourão faz ouvido de mercador enquando a Amazônia continua batendo recordes desmatamento e queimadas. Neste contexto, é absurda a diminuição das multas de crimes contra o meio ambiente na Amazônia e essa redução ocorre mesmo onde cresce o desmatamento. Levantamento inédito da Agência Pública descobriu que, na Amazônia Legal, a cada dez municípios onde o Ibama multou menos em 2019, cerca de oito tiveram aumento no desmatamento no período.

A postura de Ricardo Salles de conspirar contra o meio ambiente e reprimir os fiscais do IBAMA que combatem o desmatamento e as queimadas, ficou evidente na auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre as contas do Ministério do Meio Ambiente ao revelar que a pasta utilizou apenas 13% dos recursos para mudança climática e 14% para preservação e uso sustentável da biodiversidade em 2019.

Desta maneira, a responsabilidade do governo federal é patente na destruição da Floresta Amazônica, devido à fragilidade da fiscalização, ao relaxamento das exigências de proteção e no combate às ameaças à população indígena, com a consequente redução de investimentos externos.

Philip Martin Fearnside, um dos cientistas contemplados com o Prêmio Nobel da Paz concedido ao Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007, e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), lamenta que, além do desmonte da política ambiental no governo de Jair Bolsonaro, seja o discurso do próprio presidente que “encoraja o desmate”.

Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

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Opinião

A nossa guerra

Recentemente, 152 bispos brasileiros assinaram uma “Carta ao povo de Deus”, de quatro páginas, acessível na internet (1), que tem recebido o apoio crescente da sociedade brasileira. Nessa carta, os bispos fazem uma lúcida defesa da saúde pública e da democracia no Brasil e criticam severamente o atual governo pelo descaso criminoso, ou proposital, usando uma técnica genocida que não diz o nome, mas que um dia talvez seja julgada em Haia. Descaso que manifesta em relação à vida e aos direitos dos brasileiros, nomeadamente os mais pobres e os indígenas, que morrem às dezenas de milhares.

Finalmente a Igreja Católica brasileira parece ter saído da aus ê ncia conivente em que a mergulhou o Papa João Paulo II, ao silenciar os católicos, eclesiásticos ou não, comprometidos com a Teologia da Libertação, de que o Bispo D. Pedro Casaldáliga permanece como símbolo de integridade.

A Igreja brasileira parece ter acordado para o fato de se estar vivendo no mundo de hoje uma guerra cultural apoiada e impulsionada pelas franquias de “igrejas evangélicas”, na realida -

de verdadeiras seitas mafiosas atuando através dos métodos de propaganda de massa das emissoras de rádio e televisão, que adquirem com o dinheiro do dízimo dos pobres que exploram. E atuando ainda por via das “redes de ódio” internacionais, serviços na web sustentados, entre outros, por milionários americanos. Conforme os países, elas se aliam ainda a entidades que defendem, por exemplo, a distribuição de armas à população — a exemplo dos EUA, onde a National Rifle Association (NRA) acaba de ter, por feitos de corrupção, a sua dissolução solicitada pelo Procurador-Geral de Nova York (2) — ou se associam a partidos e entidades racistas ou nazis, como nos Países Baixos, e em alguns estados da Alemanha, e na Hungria e na Polônia ex-comunistas, que caminham por vias tortas para a democracia.

Em Portugal, a influ ê ncia do 25 de Abril tem-nos posto ao abrigo de manisfestações mais graves dessas ideologias, porém é certo que, num país de baixo nível cultural e de experi ê ncia democrática superficial (haja vista a percentagem de abstenção nas eleições), há espaço para que

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essas ideologias do ódio se expandam, como se viu há pouco com uma manifestação se declarando a Ku Klux Klan em Lisboa, em frente de uma associação antirracista. Suspeita-se que a polícia esteja infiltrada por membros de extrema-direita e que o governo socialista prefira não dar muita atenção a esses delitos para não insuflar mais fortemente essa doença na vida portuguesa. Política arriscada...

Também já temos um candidato de extrema-direita à próxima eleição presidencial de janeiro de 2021, na pessoa de um deputado, o mal nomado Ventura.

Há vários meios para combater essa verdadeira dissolução mental e cultural, sobretudo a educação da população, e a repressão fiscal e policial desses falsos religiosos. Urge também fortalecer, na cultura popular, os traços da natural solidariedade entre povos de origens diversas, se integrando mutuamente; sobretudo se as autoridades municipais não patrocinarem a constituição de guetos de pobres, como é infelizmente ainda, muitos vezes, o caso. Os bairros populares devem ser cuidados como um bem precioso de uma cidade, pois é neles que se dá o convívio, onde se desenvolve a compreensão entre os povos. Não é nos bairros dos golden visa.

Hoje observamos que essa ideologia repugnante já chegou ao Conselho Europeu e carece de uma oposição mais cerrada e clara. Pois, para quem vem observando o crescimento da extrema-direita na Europa desde o século passado, sobretudo na França, fica claro que, se ela apresenta traços de ideologias defuntas, o terreno que a faz vigorar é o do liberalismo econômico, com o seu desemprego sist ê mico, entre outras características que conhecemos desde o século XIX, e a série de guerras que promoveu.

Hoje a forma que esse fenômeno toma na Europa é a de uma Europa protestante, que sentirá certas afinidades com essa ideologia evangélica, que, para tentar combater os seus extremos, acaba assumindo a sua índole, e que acusa de devassidão de costumes e gestão a Europa latina e católica, em termos que lembram os das guerras de religião. Guerra, no entanto, de um só lado, pois, se excluirmos a venerada figura do Papa Francisco, o sil ê ncio da Igreja Católica europeia é ensurdecedor.

Estaria a Igreja Católica europeia impedida, com a questão da pedofilia? A verdade é que, salvo nas salas de aula das escolas que dirige, em algumas instituições de caridade e em alguns santuários, pouco se ouve a Igreja Católica. Em Portugal, não vamos pedir ao Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa que saia a cavalo contra os

infiéis, coberto pelo baldaquim do Senhor dos Passos, como acontece todos os anos ao descer a pé o Chiado. Mas que não se engane de guerra. Ele, que se diz monárquico, sabe certamente que o inimigo hoje não é o republicano, mas são esses pastores nórdicos, esses ministros de igrejas nuas e os pastores catódicos.

A Igreja Católica não tem do que enrubescer da civilização latina, da cultura e arte que magnificam os seus templos, em que se glorifica o esplendor da criação e onde os próprios artistas desses países nórdicos vieram beber a inspiração e a cultura, que rareavam nos seus bosques desolados.

Quando um negro é abatido na rua por um tresloucado, seria bom ouvir o pároco ou o bispo. Seria bom que a Igreja se fizesse ouvir nos bairros populares, enaltecendo os valores da conviv ê ncia intercultural, e também quando, no Conselho Europeu, certos países votam ao desprezo àqueles de onde tudo lhes veio. Porque não foi só a cultura que eles vieram procurar no sul da Europa. Para citar apenas os Países Baixos, vimo-los lançando menos anátemas quando se assenhorearam pela força de muitas possessões portuguesas, por ocasião da união das Coroas espanhola e portuguesa, no Brasil, na Índia e no Ceilão, onde continuaram fazendo uso da língua franca de origem portuguesa para se comunicar com aqueles que, explorados, forneceram a base da riqueza nacional.

A guerra cultural não terá, talvez, vencedores, mas não devemos entrar nela como vencidos.

Notas

1 - https://www.cendhec.org.br/single-post/2020/07/30/Carta-ao-Povo-de-Deus

2 - https://www.theguardian.com/us-news/2020/aug/06/nra-accused-corruption-wayne-lapierre-wilson-phillips-joshua-powell-john-frazer

Pedro de Souza é editor, pesquisador e exsuperintendente executivo do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.

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Opinião

A Mão Pesada do Capitalismo na África

“Assim, na primeira fase, o ocupante instala seu domínio, afirma massivamente sua superioridade. O grupo social, submetido militar e economicamente, é desumanizado, segundo um método polidimensional. Exploração, torturas, razias, racismo, liquidações coletivas, opressão racional se relevam em diferentes níveis para fazer do autóctone, literalmente, um objeto entre as mãos da nação ocupada.” Frantz Fanon (1)

O objetivo central deste artigo é o de chamar a atenção do leitor para os impactos nefastos das grandes corporações multinacionais de alimentos no continente africano, que, em certa medida, relacionam a pobreza, as migrações do campo para a cidade, pela compra de terras para estabelecer as fazendas de palma – dendê, por ser um óleo altamente carburante e muito procurado na Ásia e na África. Um forte controle dessas atuações predatórias é urgente. A continuidade dessa exploração levará ao aprofundamento das pandemias na África e em escala global. A saída para o pós-Covid não pode retornar à normalidade e velocidade dessas explorações. A organização social das populações que sofrem a violência do capital deve ser articulada e se manifestar, adotando mecanismos democráticos e estabelecendo acordos que lhes sejam favoráveis (2).

Nos últimos dez anos, as empresas do agronegócio têm aumentado sua produção de óleo de palma para atender à crescente demanda global por óleo vegetal barato, que é usado na produção de alimentos processados, biocombustíveis e cosméticos. As terras comunitárias em muitos países africanos são o principal alvo da expansão de suas plantações. Como diz MCMichael (3), “a apropriação de terras implica a autorização pelos governos de remoção em larga escala das populações rurais de terras ancestrais”. Em 2016, a Instituição Grain informou que mais de 65 acordos de terra em larga escala para plantações de dendezeiros na África foram assinados entre 2000 e 2015, cobrindo mais de 4,7 milhões de hectares (4).

As empresas multinacionais, em colaboração com as elites locais e os bancos de desenvolvimento, lançaram uma campanha completa de ataque em grande escala contra comunidades de Serra Leoa, na África Ocidental, até a República Democrática do Congo, na África Central, para tomar suas terras para plantações de dendezeiros.

Segundo o documento conjunto das entidades que lutam contra a espoliação das comunidades (ADAPPE-Guinée et AL), o Banco Mundial continua sendo um

ator importante na condução da expansão das plantações industriais de dendezeiros na África, principalmente por meio da International Finance Corporation. Mas não é o único banco de desenvolvimento ativo nessa área. Existem inúmeras instituições financeiras de desenvolvimento (DFIs) envolvidas em plantações corporativas de dendezeiros na África. A maioria delas é de países europeus, mas também existem IFDs dos EUA e da China envolvidas, além de vários bancos de desenvolvimento com base na África, como o Banco de Desenvolvimento Africano e o Banco de Desenvolvimento da África Ocidental. Frequentemente, as IFDs canalizam seu dinheiro para empresas de plantação por meio de fundos de private equity baseados em paraísos fiscais no exterior, como o African Agricultural Fund, nas Maurícias, que possui ações em Goldtree (Serra Leoa) e Feronia (República Democrática do Congo).

Em 2018, quando se publicou uma reportagem sobre o alto risco na floresta tropical, não foi a primeira vez que a companhia de óleo de palma - dendê Golden-Agri Resources (GAR) e sua subsidiária Golden Veroleum Liberia (GVL) eram acusadas de desmatamento ilegal, apropriação de terras e destruição de habitats da vida selvagem. A reportagem produzida por Jeff Conant e Gaurav Madan (5) detalhava o desmatamento de florestas densas e a destruição de habitats de chimpanzés e hipopótamos-pigmeus ocorridos em diversas ocasiões.

Mais de um ano depois, as duas empresas se envolvem em controvérsias — e os investidores da GAR continuam a se expor, bem como seus beneficiários, com riscos significativos. A GVL destruiu ilegalmente centenas de hectares da floresta tropical na Libéria. A Libéria abriga mais da metade das florestas remanescentes da Alta Guiné — conhecidas como “os pulmões da África Ocidental”. A destruição dessas florestas globalmente significativas foi severa o suficiente — e a atenção da sociedade civil e dos investidores aguçada o suficiente — para levar a GVL a interromper suas operações no condado de Sinoe, na Libéria.

A GAR fornece a algumas das maiores marcas de alimentos do mundo, incluindo Unilever, Nestlé, PepsiCo, Mondelez International, General Mills, Kellogg’s, Mars e Hershey Co, o que significa violar suas promessas de não negociar óleo de palma em áreas de conflito. Esses abusos são corriqueiros, pouco conhecidos e não divulgados pelas cadeias de notícias internacionais, em um momento em que o mundo está acordando para a destruição causada

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nas florestas em todo o planeta, e em função da Covid-19, pela agricultura industrial. Da Amazônia à Indonésia, o desmatamento impulsionado pela expansão da soja, do gado e óleo de palma é uma das maiores causas das mudanças climáticas. No entanto, investidores de Wall Street, como BlackRock, Vanguard e Dimensional Fund Advisors, continuam a ignorar o problema e a financiar a destruição ambiental da GAR. Da mesma forma, a Bolsa de Londres continua listando a GAR no seu índice, pasmem, de “investimento ético”!

Em 2018, pelo menos meia dúzia de investidores institucionais que se envolveram com a GAR passaram a votar contra a gerência da empresa. A BlackRock, a empresa com mais dinheiro em desmatamento do que qualquer outra, nomeou a GAR entre as empresas com quem atuou em 2019. Mas, dado o histórico continuado da GAR — prisões por suborno, incêndios na Indonésia e desmatamento ilegal de florestas na Libéria —, é difícil ver como esses compromissos terão continuidade.

Chegou a hora de os financiadores da GAR reconhecerem a violência implícita de seus investimentos — riscos para as florestas, biodiversidade e populações africanas e asiáticas (6) — e reconhecerem que, como rentistas, são também responsáveis pelo problema.

Mas todo esse processo de predação não tem ocorrido sem uma resposta das comunidades. Os protestos de moradores do Distrito de Rufiji, na Tanzânia, conseguiram obstar um projeto de 20.000 ha de platacões de dendê da empresa britânica African Green Oil Ltda (7). Uma intensa luta das comunidades no sudoeste de Camarões, apoiada por organizações comunitárias e grupos nacionais e internacionais, forçou o governo a reduzir a concessão de 73.000 ha à empresa americana Herakles Farms para menos de 20.000 ha. Por fim, a empresa americana que apoiava o empreendimento desistiu, e os novos investidores não conseguiram avançar com o projeto (8).

Nestes tempos de pandemia, em que se articulam crises convergentes, a ambiental, a social e a econômica, observamos que o continente africano, até o momento, não apresentou um número gigantesco de contaminados e de mortes pela Covid-19, como se esperava, dadas as precárias condições sanitárias, a falta de água corrente, a informalidade, o que obriga as pessoas a estarem nas ruas para ganhar o pão, bem como a alta densidade populacional. O continente, com 53 países, tem 1,2 bilhão de habitantes e é o 2º mais populoso do mundo. O continente enfrentou várias doenças, como a malária, a tuberculose, o HIV, a cólera, o ebola. Contudo, pairam dúvidas se a situação de baixa contaminação da Covid-19 se manterá ao longo do tempo.

Está cientificamente estabelecido que a Covid-19 é uma decorrência da emergência ambiental, pela destruição das florestas e da biodiversidade, e o continente africano, dadas as suas fragilidades, pode ainda ampliar, por muito tempo, essa epidemia que tem dizimado milhões de pessoas no mundo.

Notas

1 Fanon, Frantz (1965), Por la Revolución Africana. Escritos Políticos, México: Fundo de Cultura Econômica, p. 42.

2 ADAPPE-Guinée, Bread for All (Switzerland), CDHD (Congo-Brazzaville), COPACO (DRC), Culture Radio (Sierra Leone), GRAIN, Joegbahn Land Protection Organization (Liberia), JVE Côte d’Ivoire, MALOA (Sierra Leone), Muyissi Environneme.nt (Gabon), NRWP (Liberia), RADD (Cameroon), REFEB (Côte d’Ivoire), RIAO-RDC (DRC), SEFE (Cameroon), SiLNoRF (Sierra Leone), Synaparcam (Cameroon), UVD (Côte d’Ivoire), WRM, YETIHO (Côte d’Ivoire) and YVE Ghana (2019), Communities in Africa fight back against the land grab for palm oil, 19 Sep.

3 McMichael, Philip (2016), Regimes Alimentares e Questões Agrárias. São Paulo/PortoAlegre: Editora UNESP/UFRGS,p. 166.

4 GRAIN (2016), The global farmland grab in 2016: how big, how bad?, June 2016: https://www.grain.org/e/5492.

5 Jeff Conant and Gaurav Madan (2019), Enough is too much: The growing case for investors to drop Golden Agri-Resources (commentary), 31 Oct, https://farmlandgrab.org/29280.

6 L’huile de palme encouragée par le gouvernement indonésien malgré les violences, Nov. 2019, Short URL: https://farmlandgrab.org/29290.

7 Kizito Makoye, Tanzanian Farmers Crack the Code for Fighting Land Grabs, MSN, Nov. 2018:https://www. msn.com/en-xl/africa/life-arts/tanzanian-farmers-crack-the-code-for-fighting-land-grabs/ar-BBPDXXv.

8 WRM, Palm oil concessions for logging: the case of Herakles Farms in Cameroon, Sep.tember 2015: https:// wrm.org.uy/articles-from-the-wrm-bulletin/section1/ palm-oil-concessions-for-logging-the-case-of-herakles-farms-in-cameroon/.

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Marcos Costa Lima é professor do Programa de PósGraduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

Opinião

Políticas Sociais e Ações de Benemerência

Os meios de comunicação, especialmente a Rede Globo, fazem questão de destacar atos de generosidade de caráter individual, como os do Natal sem Fome e os de marketing empresarial — a exemplo do programa Criança Esperança —, como iniciativas da maior importância para atenuar a desigualdade social.

Trata-se, na verdade, de meros paliativos que servem, conscientemente ou não, para dar boa consci ê ncia aos que imaginam que campanhas como as referidas anteriormente valham a pena serem realizadas. O Natal sem Fome é uma promoção, como outras similares, fruto da generosidade de muitos indivíduos desinteressados que querem realmente promover o bem. Mas não objetiva alcançar o que interessaria: que seus beneficiários não passem fome durante todo o ano.

Destarte, essa iniciativa funciona — sem que disso os seus promotores tenham consci ê ncia — como uma cortina de fumaça que oculta a necessidade imperativa da busca por mais igualdade social e pela identificação dos meios que a viabilize. Todavia, não é difícil perceber que quem patrocina essas campanhas —regra geral, os meios de comunicação — sabe muito bem que essa é uma maneira de elidir a necessidade do debate sobre as causas estruturais da fome e sobre como eliminá-la.

A mesma função desempenha o programa Criança Esperança, objeto, anualmente, na Rede Globo, de campanhas midiáticas de grande impacto, que divulgam, à exaustão, experi ê ncias exitosas, conferindo-lhes virtudes quase demiúrgicas. Essas campanhas transmitem a falsa impressão de que os problemas brasileiros seriam consideravelmente diminuídos se programas desse g ê nero se disseminassem. Funcionam como um biombo que oculta o contraste entre o que se arrecada nas doações ao Criança Esperança, nunca mais de R$ 23 milhões (CRIANÇA ESPERANÇA:2019) e os bilhões que seriam necessários para garantir a toda criança brasileira, conforme preceitua a Constituição, alimentação, saúde e educação de qualidade:

Para que se tenha ideia de quão modestos são os recursos desse programa, considerando-se o objetivo de “transformar a vida das crianças brasileiras”, basta dizer que sua arrecadação repre -

senta menos de 1% do lucro que obteve a Rede Globo. Ela, sozinha, poderia arcar com programas de muito maior alcance que o atual (LYRA:2018, p. 79). Mas o que também procura a Rede Globo, de forma subliminar, é inculcar, nos seus espectadores, uma concepção minimalista do Estado, considerado necessariamente perdulário e que sufoca a todos com escorchantes impostos. Daí o seu empenho em fazer crer que a solução dos problemas do Brasil passa pela “sociedade”, isto é, sobretudo pelos assalariados e pelas outras categorias de trabalhadores, através do apoio que venham a dar a iniciativas voluntaristas de caráter paliativo (LYRA: 2018, p. 79-80).

Quem endossa tais campanhas contribui, nolens volens, para a manutenção de uma ordem social injusta, pois elas pretendem substituir iniciativas consequentes para superá-la — lutas por políticas sociais mais justas — por ações de benemer ê ncia, de caráter individual ou empresarial, que pouco ou nada contribuem para diminuir a clamorosa desigualdade social do país. Nessa mesma perspectiva se inserem os comentários de apresentadores de meios de comunicação e outros famosos. Consideram que iniciativas desse g ê nero terão o condão de mudar para melhor as pessoas e a sociedade no convívio social pós-pandemia da Covid-19. Trata-se de raciocínio enganoso, eivado de ideologia conservadora, que — conscientemente ou não — escamoteia as verdadeiras alternativas para a melhoria da condição humana e social no Brasil. Sobre elas — e não por acaso —, vigora absoluto sil ê ncio nos meios de comunicação: políticas públicas que mudem substancialmente a desigualdade abissal, que, com a pandemia, tende a se agravar. Os meios de comunicação também dão grande destaque à filantropia das grandes corporações financeiras e industriais, como, por exemplo, a do Bradesco e a do Itaú. A mídia quer fazer crer que se trata de iniciativas generosas. Mesmo se elas correspondem a uma parcela insignificante de seus lucros, essas empresas pretendem ser capazes de amenizar o sofrimento de vítimas da desigualdade pela qual são as principais responsáveis.

Esse g ê nero de filantropia não passa de um investimento lucrativo, pois serve para conferir à

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essas empresas, junto à sociedade, a imagem de organizações que não visam apenas o lucro, que se dispõem a contribuir para o bem do país. Serve também para desviar a atenção para o fato de que constituem os pilares de uma ordem social cruelmente injusta. Com efeito, “em um país que é um dos campeões mundiais da desigualdade social, apenas cinco bilionários det ê m a mesma riqueza que a metade mais pobre do país!” (CINCO,2020).

Nessas condições, não é de se admirar que “a pandemia escancare a desigualdade social e revele que pretos e pobres são os mais afetados” (PANDEMIA, 2020). Não se pode, portanto, pretender que se possa avançar em dignidade humana, que nos sairemos “melhores do que antes”, sabendo-se que os direitos fundamentais dos pobres e excluídos desse país ficam ainda mais vulnerados no pós-pandemia.

Algo bem diverso são os vínculos de solidariedade entre os pobres, forjados na pandemia, assim como a tomada de consci ê ncia de cidadãos da classe média, que passaram a melhor compreender o vínculo indissociável entre bem-estar pessoal e igualdade social. São incontáveis as iniciativas das comunidades mais carentes, Brasil afora, para suprir, com seus próprios meios, as consequê ncias, para elas, devastadoras, da pandomia da Covid-19.

Sábias — embora duras — são as palavras do ex-ministro da Fazenda e embaixador Rubens Ricupero: “o país vai sair da pandemia pior em todos os sentidos, muito machucado, com mais problemas sociais” (RICUPERO, 2020).

A publicação, pela Folha de S.Paulo, do editorial de 13 de junho de 2020 tem tudo a ver com a questão. A Folha, ao defender a redução linear de 25% dos salários dos servidores públicos, busca escamotear a necessidade de discussão pública, com toda a sociedade, de critérios para definir como devem ser repartidos o ônus decorrente da crise econômica relativa a essa pandemia (EDITORIAL, 2020).

Proposta elitista por excel ê ncia, pois sequer leva em conta a enorme diferença salarial entre os servidores no sacrifício que, supostamente, deveriam oferecer ao país. Nem, menos ainda, a contribuição que os bilionários deveriam ofertar, abrindo mão de mínima parte de sua riqueza para melhorar as condições sociais brutalmente desumanas em que vive parte expressiva da sociedade brasileira. Esse tipo de proposta joga nos ombros dos trabalhadores o ônus da recessão econômica, ocultando a solução socialmente mais justa: o fortalecimento do Estado de Bem-Estar Social. O Welfare State se sustenta na taxação dos rendimentos do capital e na maior tributação impos -

ta aos detentores de salários ou de rendas mais elevadas, sejam pessoas ou empresas, devendo as fortunas, as transações imobiliárias e os bens de luxo ser pesadamente tributados (LYRA: 1918, p. 79-80).

O Sindicato de Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), criticando a proposta de corte dos salários dos servidores feita pela Folha pergunta: “Alguém questionou a ajuda de R$ 1,2 trilhões aos bancos? Realmente esse montante era necessário?” (ELESBÃO, 2020).

O verdadeiro caminho da mudança e da esperança não manifesta, nem em iniciativas generosas nem francamente enganadoras, de quem quer que seja, que pretendam substituir a atuação do Estado para diminuir a desigualdade. Ele se traduz na implementação de políticas sociais que a combatam, combinada com a adoção de medidas que visem o aprofundamento da democracia e da participação popular.

REFERÊNCIAS:

EDITORIAL. Recursos preciosos. Folha de S.Paulo, São Paulo, 31 mar. 2020.

ELESBÃO, Petrus. Recursos preciosos são as pessoas. Folha de S.Paulo, São Paulo, 1 abr. 2020.

GOMES, Helton. Cinco bilionários brasileiros concentram a mesma riqueza que metade mais pobre do país, diz estudo. Disponível em: https//g.1.globo. com 14 jun. 2020. Acesso em 15 jun. 2020.

LYRA, Rubens Pinto. Criança Esperança: caminho para a mudança? In: Jornalismo e Cidadania. João Pessoa: Editora da UFPB, 2018.

PANDEMIA escancara desigualdade social e revela que pretos e pobres são os mais afetados. Central Única dos Trabalhadores. 25 jul. 2020.

CRIANÇA Esperança bate recorde histórico ao alcançar 22.5 milhões. Disponível em: f5.uol.com. br>televisão>2019/8>criança>esperança Acesso em 2 jul. 2020.

RICUPERO diz Brasil sairá da pandemia pior em tudo. Disponível em: https.://noticias.uol.com.br 20 jun. 2020. Acesso em 18 jun. 2020.

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Rubens Pinto Lyra é Doutor em Direito Público e Ciência Política e Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: rubelyra@uol. com.br

Opinião

Ministério das Comunicações

No dia 17 de julho o até então Deputado Federal Fábio Faria (PSD - RN) tomou posse do Ministério das Comunicações. A nomeação de Fábio Faria e seu discurso na posse apontam para dois processos frequentes no setor de telecomunicação do Brasil, o clientelismo-patrimonialismo dos que comandam a pasta e a preocupação com infraestrutura técnica para o desenvolvimento do setor.

Criado em 1967, quando o governo de Castelo Branco promoveu uma ampla reforma administrativa no âmbito federal, o Ministério das Comunicações já havia perdido o seu protagonismo em outras ocasiões, tendo sido integrado a outros Ministérios, como o da Infraestrutura no Governo Collor e ao da Ciência e Tecnologia pelo Governo de Michel Temer. Com Jair Bolsonaro o Ministério das Comunicações volta ao voo solo, mas impregnado pelos vícios que o constituíram.

O primeiro deles consiste no patrimonialismo-clientelismo. Herança da nossa colonização portuguesa, o patrimonialismo foi tratado por historiadores como Sérgio Buarque de Holanda como as relações familiares costuradas pela afetividade, generosidade e hospitalidade que infiltraram a forma de administrar o poder. Unido a isto, um espírito clientelista, baseado na troca de favores para manutenção de privilégios, traçou o fazer político da administração pública brasileira, incluindo o setor de comunicação.

Na comunicação, a lógica patrimonialista-clientelista se constituiu principalmente de duas formas: a primeira é a nomeação de donos de emissoras ou seus familiares para o Ministério, sendo o Antônio Carlos Magalhães o exemplo mais emblemático. ACM foi ministro entre 1985 e 1988 enquanto era dono de uma Rede de Comunicação Bahia, formada por jornais, emissoras de rádio e de televisão afiliadas a Rede Globo. Ao sair, passou a atuar como deputado constituinte praticando um forte lobby a favor da aprovação de um texto benéfico aos donos de emissoras para o capítulo de Comunicação dentro da Constituição Federal de 1988. A segunda prática que corrobora para a lógica patrimonialista-clientelista consiste na troca de concessões públicas de radiodifusão por favores políticos. O sistema promíscuo de distribuição de concessões e outorgas públicas de emissoras de rádio e televisão se desenvolveu fortemente como política de Estado durante a Ditadura Militar, época da criação do Ministério.

Fábio Faria é genro de Silvio Santos, dono do SBT. A emissora, juntamente com a Record, vem aumentando o montante de verbas publicitárias recebidos pelo Governo

Federal desde a chegada de Jair Bolsonaro na presidência. Além disso, o novo ministro é sócio da Rádio Agreste Ltda, localizada na cidade de Nova Cruz, no Rio Grande do Norte, um dos redutos eleitorais que possui juntamente com seu pai, Robinson Faria, ex-governador do Estado entre 2015 e 2018.

O domínio de emissoras de radiodifusão por políticos é denominado na literatura da comunicação como coronelismo eletrônico (SANTOS, CAPPARELI 2005; LIMA, 2011). O termo foi retirado do livro “Coronelismo, enxada e voto”, de Victor Nunes Leal (1997). O autor denominava a prática do coronelismo como “um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente os senhores de terra” (1997, p. 40). Essa característica apoia-se, sobretudo, no uso dos bens públicos comunicacionais para interesses privados, característica do patrimonialismo. Para Venício Lima (2011, p. 106), “no coronelismo eletrônico a moeda de troca continua sendo o voto, como no velho coronelismo. Só que não mais com base na posse da terra, mas no controle da informação, vale dizer, na capacidade de influir na formação da opinião pública”. Assim como a posse da terra, os veículos são passados de geração em geração.

Outro vício que a nomeação de Fábio Faria aponta consiste na perpetuação do modus operandi da gestão pública de comunicações baseada em infraestrutura técnica. A avaliação trata-se de uma inferência inicial realizada a partir da análise do seu discurso de posse.

Desde os primeiros marcos legais da comunicação, ainda em 1932, há um esforço para organizar a infraestrutura e construção de redes no país. A interiorização e a distribuição em rede corroboram o laço desenvolvimentista trazido pelo espírito de interesse nacional e patriótico característica do Governo Vargas, intensificado pelos Militares e reiterado por Fábio Farias. “Estamos aqui com a responsabilidade de pensarmos e agirmos como estadistas. Sou movido pelo patriotismo que o senhor Presidente demonstra desde sempre”, disse na cerimônia da posse. Outro ponto em comum dos governos é o regate de novos valores ideológicos sustentados pelo amor a pátria. Jambeiro (2000), diz que, na primeira metade do século, o Governo trabalhou para garantir um plano de infraestrutura que servisse a acumulação capitalista. Laurindo Leal (2004, p. 43) diz claramente que houve um investimento em “recursos públicos em larga escala para montar um sistema de comunicação que seria utilizado por empresas

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privadas”.

Fábio Faria elencou como prioridade “fazer o processo de inclusão digital andar a passos largos”, para tanto a implantação de uma infraestrutura de 5G foi citada. As intenções do novo ministro foram acomodadas no contexto pandêmico em que estar conectado significa ter direito à educação, ao trabalho e até à saúde, como em consultas online, por exemplo. Por óbvio, a universalização da internet é um passo fundamental para garantia do direito à comunicação dos mais vulneráveis e deve ser implantada. Devemos estar atentos, no entanto, é para quem serve também esse esforço de infraestrutura senão a grandes empresas de telecomunicações comerciais. Tal modelo de desenvolvimento é voltado para a maximização dos lucros e a concentração do mercado em poucas empresas de telefonia que dominam o setor.

Analisando historicamente mudanças legais no setor, percebemos que somente a evolução tecnológica aliada ao grande capital foi capaz de empurrar transformações estruturais na regulação da comunicação do Brasil. A lei geral de telecomunicações de 1997 (Lei nº (9.472 de 1997) e a Lei da TV Paga (lei 12.485/2011) são os principais exemplos. Enquanto isso, o Código Brasileiro de Telecomunicação que regulamenta rádio e televisões com sinal aberto adormece em sua inércia desde 1962. Não por falta de tentativas, as mudanças foram travadas pelos radiodifusores que dominam o congresso nacional, como Fábio Faria, em uma tentativa de conservação dos seus direitos de concessões e outorgas.

É preciso atentar-se também para o fato de que a universalização da internet e a possibilidade de uma circulação mais livre da informação não significa necessariamente uma abertura ao pluralismo social de vozes. A pesquisa “Monopólios Digitais”, realizada pelo Intervozes, analisou a audiência de diversos sites, não somente o de notícias, e concluiu que o ambiente virtual do Brasil é marcado por uma “intensa concentração, estruturada a partir dos grandes conglomerados do setor, dos conglomerados nacionais e de agentes da elite destes mercados, em geral no comando de segmentos específicos” (IINTERVOZES, 2018).

A nomeação de Fábio Faria sela mais uma vez o vínculo entre radiodifusão e política presente na história das comunicações no Brasil. A perpetuação de um fazer político corrompido pelo predomínio de interesses particulares em detrimento ao interesse público impede mudanças legais para a democratização dos meios e perpetua a presença de grupos familiares que dominam tanto o poder político quanto o midiático no país. Além disso, o retrocesso de ações de transparência tanto da Presidência como do Ministério das Comunicações acentua ainda mais a invisível fronteira entre o público e o privado, deixando a sociedade sem ferramentas para o exercício do controle social.

Referências

CAPPARELLI, S.; SANTOS, S. Coronelismo, radiodifusão e voto: a nova face de um velho conceito. In: BRITTOS, V.; BOLAÑO, C. (org.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005, v.1, p. 77101.

JAMBEIRO, Othon; SANTOS, Suzy.; RIBEIRO, Andrea et. al. Regulação da Radiodifusão: a concessão de frequências no governo provisório Vargas (1930-1934). Revista Eletrônica Internacional de Economia de las Tecnologias de la Informacion y de la Comunicacion, v. II (3), 2000.

LIMA, V. A. de. Regulação das comunicações: história, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011.

LEAL. L. Quarenta anos depois, a televisão brasileira ainda guarda as marcas da ditadura. REVISTA USP, São Paulo, n. 61, p. 40-47, mar./maio 2004

LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

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Ticianne Perdigão é graduada em Direito e em Jornalismo, tem mestrado em Direito e Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Opinião

100 anos de Florestan Fernandes: a atualidade sociológica de um clássico

Por Rômulo Santos de Almeida

Este conturbado ano de 2020, afligido por uma das piores crises sanitárias da história e pelo arrefecimento de extremismos políticos, também marca o centenário de um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX: o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995). É justamente neste momento sombrio e de desalento com o futuro que o pensamento de Florestan Fernandes pode nos ajudar a pavimentar caminhos mais esperançosos para o Brasil e América Latina. Pensador crítico, sociólogo rigoroso, militante socialista, parlamentar propositivo e engajado com as causas dos “de baixo”, a vida de Florestan Fernandes é, sem dúvida, uma fonte de inspiração, e sua obra é um instrumento de combate às diversas formas de desigualdade.

Autor de uma obra extensa e complexa, Florestan Fernandes teve de passar por uma série de privações durante a infância. Filho de uma empregada doméstica, aos seis anos ele já precisava trabalhar como se fosse um adulto. Morador de cortiço na cidade de São Paulo, desde muito cedo Florestan Fernandes conheceu a realidade difícil das classes e dos grupos subalternizados, a exemplo dos negros, dos pobres e das mulheres. A socialização como criança pobre, de origem humilde, foi despertando nele um compromisso com os excluídos. Em suas palavras: “eu nunca teria sido o sociólogo em que me converti sem o meu passado e sem a socialização pré e extraescolar que recebi, através de duras lições de vida” (FERNANDES, 1976, p. 142). Nos anos 1940, Florestan Fernandes atuou por um tempo como militante trotskista e ingressou no curso de Ci ê ncias Sociais da Universidade de São Paulo (SOARES, 1997). Com o seu mestre, o sociólogo franc ê s Roger Bastide (1898-1974), Florestan Fernandes participou, nos anos 1950, das pesquisas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ci ê ncia e a Cultura (Unesco), realizando estudos na cidade de São Paulo sobre as relações raciais entre brancos e negros. A interpretação dele contrastava com a visão dominante da época, que concebia o Brasil como uma espécie de “paraíso racial”. A partir daí, nasceriam os livros Negros e brancos em São Paulo, O negro no mundo dos brancos, A integração do negro na sociedade de classes (este último publicado em 1964) e vários outros livros canônicos, como A revolução burguesa no Brasil, de 1975,

e Significado do protesto negro, publicado em 1989. Ao longo de suas mais de 50 obras, Florestan Fernandes debruçou-se sobre diferentes temas. Afastado da doc ê ncia durante a ditadura (19641985), através de uma aposentaria compulsória imposta pelo AI-5, Florestan Fernandes seguiu para o exílio no Canadá, onde lecionou na Universidade de Toronto. O retorno ao Brasil, e posteriormente a sua atuação como deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT), coincidiu com um interesse muito forte em participar da aprovação da nova Constituição. A atividade parlamentar dele foi importantíssima. Florestan Fernandes propôs inúmeros projetos de lei. Defendeu, por exemplo, a escola pública de qualidade, debateu a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, elaborou o capítulo IX da Emenda Constitucional denominada “Dos Negros”, documento no qual levantou críticas e sugeriu soluções para a inclusão democrática do negro na sociedade. No Brasil atual, com a escalada cada vez mais explícita do autoritarismo e do negacionismo histórico, o pensamento de Florestan Fernandes se faz mais que necessário. Isso pode ser verificado na leitura de algumas de suas principais obras. No primeiro volume do livro A integração do negro na sociedade de classes, um dos grandes objetivos de Florestan Fernandes é saber como o povo emerge na história, por intermédio do contingente negro e mulato, “porque foi esse contingente da população nacional que teve o pior ponto de partida para a integração ao regime social que se formou ao longo da desagregação da ordem social escravocrata e senhorial e do desenvolvimento posterior do capitalismo no Brasil” (FERNANDES, 2008a, p. 21). Ao fazer isso, o autor procurou evidenciar como a modernização ocorreu na esfera das relações raciais como um fenômeno heterogê neo, descontínuo e unilateral. A forma com que tal modernização operou acabou engendrando um dos problemas sociais mais graves do país, pois não foram dadas aos antigos agentes do trabalho escravo assist ê ncia e garantias para proteg ê -los na transição para o sistema de trabalho livre, sob a égide da “ordem social competitiva” (FERNANDES, 2008a).

Num país que ainda se recusa a assumir o preconceito e o racismo, Florestan Fernandes nos presenteia com um exame minucioso das condições

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nas quais a população negra, após uma abolição incompleta, buscava (e ainda busca) novas condições de sobreviv ê ncia numa sociedade de classes em formação que bloqueava suas possibilidades de inserção e de disputa competitiva e igualitária com os brancos. Essa questão é desenvolvida com mais afinco no segundo volume do livro A integração do negro na sociedade de classes, cujo foco são os anseios, os processos, as promessas e os obstáculos para a integração da população negra, que estrutura o nosso permanente dilema racial (FERNANDES, 2008b). Daí a necessidade de uma segunda abolição e do protagonismo dos novos movimentos negros. Para Florestan Fernandes (2017), não haverá democracia no Brasil enquanto persistir a desigualdade racial e a discriminação dos negros. Em outras palavras: a questão racial, intrinsecamente ligada à de classe, é o grande teste da democracia entre nós. Sem esse “experimento”, a palavra da lei não passará de mera “literatura”.

A “reação sociopática à mudança social” da nossa burguesia, termo muito utilizado por Florestan Fernandes, atravanca a exist ê ncia de uma verdadeira democracia, pensada de forma ampla, e não meramente restritiva. Na acepção de Gabriel Cohn (2002), Florestan Fernandes percebeu que, ao se abusar da referê ncia à democracia na sua estreita qualificação “racial”, o que se faz é ocultar a questão de fundo, isto é, os obstáculos e as resist ê ncias dinâmicas à emergê ncia efetiva da democracia em todas as suas dimensões, a começar pela política, mesmo porque a chamada democracia racial é perfeitamente compatível com a autocracia política e com o autoritarismo social. Ao contrário de outros intérpretes, Florestan Fernandes (2006) acreditava que o burgu ê s já surge, no Brasil, como uma “entidade especializada”, seja na figura do agente artesanal inserido na rede de mercantilização da produção interna, seja como negociante. De um lado, porque, desde os tempos coloniais, a renda era canalizada de dentro para fora; de outro lado, porque o sistema colonial forçava um tipo de acomodação que retirava da grande lavoura qualquer poder de dinamizar a economia interna.

Outra questão de extrema relevância para o entendimento do Brasil atual se encontra no livro Poder e contrapoder na América Latina, sobretudo na ideia de “fascistização”. Segundo o autor, “o fascismo não perdeu, como realidade histórica, nem seu significado político nem sua influ ê ncia ativa” (FERNANDES, 2015, p. 33). A falta, portanto, de uma elaboração ideológica e de uma tecnologia organizada não indica aus ê ncia de fascismo. Mas constitui uma evid ê ncia histórico-cultural de uma forma particular de fascismo, pautada na exist ê ncia de uma ordem constitucional que, apesar de me -

nos simbólica, apresenta validade para a autodefesa e o fortalecimento dos privilegiados. O resultado desse dilema é o aparecimento do fascismo como realidade histórica, ou seja, o fascismo sancionado pelos “costumes” e pelas “leis”, operando como força social e política. Daí também a peculiaridade do presidencialismo em países da América Latina que faz do “presidente” um ditador despótico, com traços mandonistas e autoritários próprios. Nesse caso, não seria exagero lembrar que as tend ê ncias direitistas e ultradireitistas latino-americanas estão vinculadas à irrupção e à evolução do fascismo na Europa, ainda que tenham se desenvolvido sob outras condições (FERNANDES, 2015). A atualidade dessas reflexões é realmente impressionante, pois provoca a imaginação e instiga a ação transformadora. Como disse Fernandes (1976, p. 195), numa sociedade capitalista como a brasileira, “os mecanismos de defesa da ordem não passam pelo planejamento democrático, mas pela omissão ou pela opressão e pela repressão”.

COHN, Gabriel. Florestan Fernandes: “A integração do negro na sociedade de classes”. In: MOTA, Lourenço Dantas (Org.). Introdução ao Brasil: um banquete no trópico, Vol. 2. São Paulo: Editora SENAC Senac, 2002. p. 385-402.

FERNANDES, Florestan. “Em busca de uma sociologia crítica e militante”. In: A sociologia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1976. p. 140-212.

______. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 5. ed. São Paulo: Globo, 2006.

______. A integração do negro na sociedade de classes: o legado da “raça branca”. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008a. (Obras reunidas de Florestan Fernandes, vol. 1).

______. A integração do negro na sociedade de classes: no limiar de uma nova era. São Paulo: Globo, 2008b. (Obras reunidas de Florestan Fernandes, vol. 2).

______. “Notas sobre o fascismo na América Latina”. In: Poder e contrapoder na América Latina. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015.

______. “Luta de raças e de classes”. In: Significado do protesto negro. São Paulo: Expressão Popular; Fundação Perseu Abramo, 2017.

SOARES, Eliane Veras. Florestan Fernandes: o militante solitário. São Paulo: Cortez, 1997.3

Rômulo Santos de Almeida é Graduado (2013), Mestre (2017) e Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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Comunicação na Web

Jornalismo, Sociedade e Internet

Por Ana Célia de Sá

Ciberjornalismo e suas principais características

O jornalismo tem passado por grandes modificações e ajustes desde o surgimento e a consolidação da internet. Sem determinismo tecnológico, a rede e os seus recursos digitais viabilizaram novas formas de produzir e circular notícias. Cita-se também o estímulo a uma relação mais participativa com o público para alcançar audi ê ncias ativas, diversificadas e fragmentadas no ciberespaço.

Pavlik (2020) avalia quatro das mais importantes diferenças do ciberjornalismo em comparação ao jornalismo convencional. A primeira delas refere-se ao trabalho prático e aos métodos de produção com impactos na apuração e na apresentação da notícia. No ciberespaço, foram incluídas novas ferramentas e técnicas, como pesquisas e relatórios on-line, tecnologias móveis (smartphones e tablets), drones e sensores em rede (como a Internet

das Coisas), além da maior automação da notícia por meio de algoritmos, bancos de dados e inteligê ncia artificial. Tudo isso torna as rotinas produtivas mais velozes e dinâmicas. Ao mesmo tempo, o novo cenário pode diminuir o número de vagas de trabalho, devido à automação, ou associar novas funções à produção noticiosa, como os cientistas de dados.

A segunda diferença diz respeito às mudanças na estrutura, no sistema e na natureza organizacional da indústria da notícia em aspectos econômicos, regulatórios e legais. Na economia, o clássico modelo financeiro do jornalismo, baseado em patrocínio ou publicidade, perde sua estabilidade no ciberespaço devido à disseminação de notícias on-line, à tecnologia móvel e à forma de atuação de gigantes como Google, Facebook e Twitter, que abocanham as receitas de marketing e publicidade em suas próprias plataformas. Já os quesitos de regulação e legalidade encontram desafios relacionados à globalização da difusão noticiosa e do acesso ao público, numa lógica em rede do ciberjornalismo, de modo a aten -

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der requisitos de privacidade e proteção de dados de países diferentes (PAVLIK, 2020).

A terceira diferença analisada por Pavlik (2020) é a mudança de relacionamento entre mídia e público na internet com destaque para as mídias sociais e o jornalismo cidadão. Em geral, os ambientes relacionais conectados, como as plataformas de redes sociais, t ê m encorajado um maior envolvimento dos usuários em relação aos conteúdos jornalísticos, além de incentivar os cidadãos a produzirem seus próprios materiais informativos. Segundo Pavlik (2020), esta relação mais próxima entre jornalismo e público é oportuna quando os conteúdos são legítimos, mas o resultado é oposto quando esses produtos são falsos ou promovem a desinformação, prejudicando a democracia e reforçando a crise de confiança pela qual passa o jornalismo.

Por fim, esse autor explica a quarta diferença: o surgimento da mídia experimental – plataformas digitais em que os usuários experimentam virtualmente fenômenos reais ou imaginários – origina formas novas e mais envolventes de construção de conteúdos e de narrativas. Suas formas incluem a realidade aumentada e a realidade virtual. A realidade mista e outras plataformas, como os alto-falantes inteligentes, também podem ser incorporadas. No jornalismo, as experi ê ncias com reportagens imersivas t ê m aumentado a compreensão e aproximado o público das histórias. Conteúdos interativos de alto-falantes inteligentes, como Google Home e Amazon Echo, também podem ser usados pelo ciberjornalismo e contribuem para envolver o público de modo intuitivo e agradável, apesar de ressalvas quanto à privacidade e à segurança dos usuários (PAVLIK, 2020).

No ambiente dinâmico e ubíquo do ciberespaço, o jornalismo tem vivenciado novas possibilidades sociais e técnicas. Converg ê ncia, multimidialidade, hipertextualidade, difusão multidirecional, instantaneidade, liberdade espaço-temporal e automação são atributos da rede que passam a fazer parte também da rotina jornalística, renovando narrativas, formatos e linguagens. Junto a isso, um relacionamento mais aberto com o público contribui para estimular a colaboração, enriquecer experi ê ncias e aumentar o engajamento, especialmente nas redes sociais conectadas.

Para Ferreira (2018), as novas formas de jornalismo t ê m como palco a internet e a sociedade em rede. “Temos, pois, que considerar todo um novo paradigma de informação e comunicação, que coloca os indivíduos numa situação inédita no que respeita ao acesso à informação mediatizada, com o duplo papel de agentes de produção e de consumo de mensagens” (FERREIRA, 2018, p. 133).

As mudanças observadas no jornalismo on-line

não indicam, contudo, uma total ruptura com os princípios do jornalismo tradicional, particularmente, quanto à qualidade do trabalho. O movimento é majoritariamente evolutivo e acompanha o ritmo da vida em sociedade, sem perder de vista o compromisso de informar e estimular processos democráticos.

Referências:

FERREIRA, Gil Baptista. Sociologia dos Novos Media. Covilhã: LabCom – Universidade da Beira Interior, 2018. [e-book]. Disponível em: <http://www. labcom-ifp.ubi.pt/ficheiros/201809251220-201805_ transformacoessociaisnm_gbferreira.pdf>. Acesso em: 26 set. 2018.

PAVLIK, John V. Ciberjornalismo: muito mais do que notícias no formato digital. Tradução de Marcos Paulo da Silva. Esferas, Brasília, ano 10, n. 17, p. 1826, 2020. Disponível em: <https://portalrevistas.ucb. br/index.php/esf/article/view/11708/6895>. Acesso em: 15 jun. 2020.

Ana Célia de Sá é jornalista e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM-UFPE).

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Opinião

Armas nucleares: a paz nuclear é possível?

Por Deisiane da Conceição Viana Valdevino

Um grupo de quase 250 pessoas, dentre cientistas, analistas e especialistas da Union of Concerned Scientists, vem desenvolvendo pesquisas científicas sobre temas de impacto na atualidade. Segundo elas, a questão nuclear e, especificamente, as armas nucleares são a grande ameaça com capacidade de impacto destrutivo. Nesse aspecto, o presente artigo de opinião oferece uma reflexão sobre as armas nucleares.

Considerado o primeiro país a possuir a tecnologia do armamento nuclear, os Estados Unidos são um ator-chave no regime sobre a não-proliferação nuclear. Quando os Estados Unidos e a União Soviética disputavam capacidade de poder e influ ê ncia no contexto da Guerra Fria, as armas nucleares foram um instrumento de competição, que levou a produzir, na década de 1980, cerca de 60.000 armas nucleares.

Wildred Burchett denominou de Atomic Plague (peste atômica) a bomba Little Boy (“menininho”) lançada na cidade de Hiroshima, no Japão, em 1945. Ela explodiu a cerca de 500 metros do chão e causou a morte de mais de 140 mil pessoas. Segundo Burchett, seu relato como jornalista da Segundo Guerra Mundial deve ser lido repetidamente — “como uma advert ê ncia ao mundo” — porque traz à luz a realidade desumana de um holocausto nuclear. Trata-se de um alerta à humanidade, visto que a destruição do ser humano e da biodiversidade do planeta se mostrou possível pelo poder de capacidade nuclear dos Estados.

Desde o seu primeiro teste, em Trinity, no Novo México, na data de 16 de julho de 1945, às tragédias de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, a bomba atômica demonstrou seu potencial destrutivo. O impacto humanitário de uma ação bélica nuclear extrapola o embate militar na guerra, pois provoca a morte de não combatentes, destrói infraestruturas e afeta o meio ambiente.

Desse modo, as condições de vida se tornam escassas, pois pode provocar a morte instantânea, e, no caso de sobreviventes, estes podem desenvolver doenças graves. Como se sabe, as armas nucleares potencializam o uso da viol ê ncia e ameaçam a sobreviv ê ncia. Entretanto,

os bombardeamentos atômicos em Hiroshima e Nagasaki expressam como a questão nuclear é parte das grandes tensões políticas da contemporaneidade. A influ ê ncia política e econômica na indústria de armas nucleares, aliada a possíveis interesses estratégicos, propicia a manutenção do arsenal nuclear.

O Código de Intelig ê ncia dos Estados Unidos define Armas de Destruição em Massa (ADM) em seu artigo 50: “Qualquer arma ou artefato destinado a, ou com a capacidade de, causar morte ou danos corporais a um número significativo de pessoas por meio da liberação, disseminação ou impacto de produtos químicos venenosos ou tóxicos, organismos causadores de doenças, radiação ou radioatividade” (HAK NETO, 2011).

As negociações sobre as armas nucleares possuem maior discordância entre os Estados quanto ao tratamento jurídico e político internacional que deve ser aplicado a elas. A temática nuclear pode ser analisada sob diversos parâmetros, como a cooperação e o controle sobre material nuclear, a formação de zonas livres de armas nucleares, o desarmamento nuclear, a proibição de testes nucleares e a governança sobre o uso da energia atômica. Para negociar tais questões, criaram-se espaços nacionais, regionais e internacionais entre os diversos atores envolvidos.

A proibição e o banimento de armas químicas e biológicas já se tornaram uma realidade mundial no direito internacional contemporâneo. Se as armas nucleares são foco de dilemas e debates em todo o mundo, esse é um fator que nos leva a pensar na viabilidade de uma paz nuclear e de que modo ela pode ser constituída. Ao longo da Segunda Guerra Mundial, os riscos destrutivos da bomba atômica conduziram à desumanização na guerra e foram atos flagrantes que fragilizaram a estrutura social, política, econômica e ambiental. A questão nuclear é uma preocupação de escala global, e seus desdobramentos são desafios para os processos de diálogo e construção da paz.

Além dos Estados Unidos, mais oito países possuem armas nucleares: Rússia, França, China, Reino Unido, Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte. A redução dos arsenais nucle -

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ares nos tempos atuais é devido à forte pressão internacional. Contudo, a posse de armas nucleares é preocupante, e uma perspectiva de desarmamento nuclear é, ainda, uma ambição global que requer colaboração e negociação.

Desde a Segunda Guerra Mundial, uma literatura vasta, sofisticada e contraditória se desenvolveu sobre as implicações do armamento nuclear para os conflitos internacionais. Pesquisas diversas se concentraram nos efeitos dessas armas para o equilíbrio de poder entre os Estados nucleares, embora outros estudos tenham explorado o impacto da posse de armas nucleares por alguns Estados em detrimento de Estados oponentes e não-nucleares.

Dada a capacidade destrutiva dessas armas e seu valor questionável para o uso na guerra, estudos como o de Freedman (1981) se pautaram nos meios para uma dissuasão nuclear bem-sucedida. A teoria clássica da dissuasão (ou deterr ê ncia) deriva do paradigma realista da política internacional, sendo reconhecida como teoria da dissuasão estrutural (ou neorrealista).

No clássico The Evolution of Nuclear Strategy, Freedman (1981) destacou que a teoria da dissuasão corresponde a um arranjo racional pelo qual a paz e a estabilidade devem surgir pela ameaça de destruição mútua assegurada. A ameaça de guerra nuclear estratégica durante a Guerra Fria resultou na doutrina da destruição mútua assegurada (Mutually Assured Destruction), desenvolvida por Robert McNamara, que buscou evitar a possibilidade de guerra nuclear.

Nesse sentido, a paz nuclear foi considerada a capacidade mútua de retaliação na Guerra Fria. Na mesma proposta, pesquisadores de diferentes áreas desenvolveram estudos que convergem na possibilidade de coexist ê ncia das armas nucleares com a paz. Denominam-se paz armada, paz atômica ou paz nuclear as variações do termo para os autores que se referem à possibilidade da paz com a manutenção de armas nucleares.

As causas e consequ ê ncias da proliferação nuclear podem ser encontradas em vasta literatura: Schelling (1966), Betts (1987), Powell (1990), Waltz (1979, 1981, 1990, 2000), Sagan (1996), Singh e Way (2004), Hymans (2006) e Solingen (2007). Os pesquisadores citados examinaram os motivos de os Estados desenvolverem armas nucleares e os efeitos da proliferação nuclear sobre a estabilidade do sistema internacional.

Autores de diversas áreas discordam dessas análises iniciais relacionadas à teoria da dissuasão em defesa da nuclearização. Autores como Blair (1993) e Miller (1993) argumentam que a proliferação nuclear torna o mundo perigoso

e alegam os seus riscos à humanidade como a principal causa para a não-proliferação, pois as armas nucleares podem ter efeitos desestabilizadores no sistema internacional.

Além disso, pesquisadores das áreas dos Estudos Críticos de Segurança e dos Estudos para a Paz, como Kaldor (2012, 2014), Beebe (2010), Booth (2007), Galtung (1981) e muitos outros, enfatizam as capacidades destrutivas da proliferação e da manutenção de armamentos nucleares. Como no clássico Peace by Peaceful Means, Johan Galtung (1996) indica que a paz deve ser atingida por meios pacíficos, sendo o desarmamento nuclear um desdobramento necessário para a paz. Apesar dos tratados internacionais que ajudaram a reduzir o número de armas nucleares no mundo e promoveram a cooperação, em 2019, o arsenal dos EUA continha cerca de 3.800 armas nucleares, 1.750 das quais estão implantadas e prontas para serem usadas, com capacidade destrutiva 80 vezes mais poderosa do que a bomba lançada em Hiroshima.

O desarmamento nuclear permanece sendo o desafio. Pensar uma perspectiva de paz nuclear parece ser ainda uma miragem para as próximas décadas. De todo modo, o que vem ocorrendo desde a Guerra Fria é a dissuasão nuclear, pois os Estados Unidos justificam a posse de armas nucleares para dissuadir outros Estados a lançar mão de um ataque nuclear. Diante disso, a defesa em prol das armas nucleares é legítima quando põe em risco a humanidade? Justifica-se a predominância das armas nucleares pelo injustificável risco de dizimar populações? Enquanto isso, a biodiversidade do planeta e a vida humana seguem ameaçadas... E a paz nuclear, quando então será possível?

Deisiane da Conceição Viana Valdevino é doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mestre e graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e pesquisadora associada ao Instituto de Estudos da Ásia (Ieasia-UFPE). E-mail: deisicv@ gmail.com.

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Prosa Real

Livro-reportagem, jornalismo e contexto

Por Alexandre Zarate Maciel com colaboração especial

Ouvindo os jornalistas

escritores: abordagens

metodológicas

Para compreender os modelos de jornalismo e as práticas adotadas pelos jornalistas escritores que fazem parte do universo da tese “Narradores do contemporâneo” (2018), desenvolvida pelo autor desta coluna, foi utilizada a técnica de pesquisa qualitativa da entrevista individual em profundidade. Ela serviu de base para apurar com esses profissionais de que forma o tempo mais dilatado para a produção, o trabalho mais solitário, longe das hierarquias das redações, e o fato de lidar com uma massa incalculável de informação documental e oral, entre outros fatores, marcam o resultado final do produto livro-reportagem. Para Duarte (2005, p. 62), a entrevista individual em profundidade, aplicada na referida tese, é uma “técnica qualitativa que explora um assunto a partir da busca de informações, percepções e experi ê ncias de informantes para analisá-las e apresentá-las de forma estruturada”. Duarte (2005, p. 62) acrescenta que esse recurso metodológico tem por base as “teorias e pressupostos definidos pelo investigador” e é útil para “recolher respostas a partir da experi ê ncia subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se deseja conhecer”. Os jornalistas autores de livros-reportagens compõem uma categoria específica da profissão ainda pouco estudada no campo da comunicação. É difícil, por exemplo, aplicar técnicas de raízes etnográficas, como a da observação participante, para entender seu modo de produção. Eles não trabalham em redações – marcadas pela lógica da hierarquia profissional e pressão do tempo das horas de fechamento –, onde possam ser sistematicamente verificadas as suas práticas, como outros pesquisadores já fizeram com jornalistas de outros meios impressos.

Entrevista em profundidade: mapear e compreender o universo dos escritores

Para perceber e descrever o modo de produção dos jornalistas escritores, a entrevista individual ajuda, em primeiro lugar, a recuperar sua trajetória profissional e as impressões a respeito das diferenças entre a rotina de uma redação e a elaboração de uma obra. Também é possível apurar algumas pressões que esse profissional pode sofrer, como a dos prazos editoriais e a dificuldade de publicar ou comercializar um livro, entre outros diversos aspectos. Mesmo vivenciando experi ê ncias mais individuais, os autores de livros-reportagem lançam mão de métodos jornalísticos consolidados. Dessa forma, suas impressões podem ser categorizadas. Levando em conta que o mundo social “é ativamente construído por pessoas em suas vidas cotidianas, mas não sob condições que elas mesmas estabeleceram”, como pondera Gaskell (2013, p. 64), cumpre

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ao investigador, a partir do emprego da entrevista qualitativa, “mapear e compreender o mundo da vida dos respondentes”. Ou seja, a partir de esquemas interpretativos definidos em um estudo teórico prévio, “compreender as narrativas dos atores em termos mais conceituais e abstratos, muitas vezes em relação a outras observações”. A intenção das entrevistas foi verificar se os jornalistas que escrevem livros-reportagem compartilham visões semelhantes a respeito das formas de reconhecer o que rende tema para um livro. A maneira de se relacionar com os personagens entrevistados e com as questões éticas, entre outros aspectos, também foi apurada. Partiu-se do pressuposto de que esses escritores se orientam pela mesma cultura profissional dos demais colegas de ofício, embora aplicada e reconfigurada em uma rotina produtiva diferente, em vários aspectos, das redações.

Em busca de crenças, valores, atitudes e motivações dos entrevistados

Importante ressaltar, a partir do alerta de Laville & Dionne (2008, p. 190), que as informações resultantes das entrevistas nem sempre serão generalizáveis, mas abrem o caminho para “novos domínios de pesquisa, permitindo descobrir as perguntas fundamentais, os termos que as pessoas implicadas usam para falar do assunto”, entre outras variáveis. Gaskell (2013, p. 64) acrescenta que “o objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos”. Como já expressaram em suas próprias obras ou em entrevistas midiáticas, bem como nas colhidas para a tese do autor desta coluna, os autores de livros-reportagem parecem estimular os valores do jornalismo como elemento essencial para a construção da memória e do conhecimento social. Eles também demonstram apego à ideia do livro-reportagem como um produto mais perene, complexo e aprofundado do que as notícias publicadas em um jornal impresso, com exceção das hoje raras reportagens especiais. Para definir o universo de entrevistados tomaram-se por base os profissionais que tivessem uma herança jornalística consolidada, mesmo não vivenciando atualmente rotinas produtivas tradicionais, ou que ainda conciliassem o seu ofício de escritores com o trabalho em redações. Também interessou equilibrar a proporção de entrevistados em

relação à experi ê ncia no campo dos livros, ou diferentes idades, bem como separar jornalistas-biógrafos dos demais, como os autores de livros de reconstituição histórica ou aqueles que narram fatos e questões contemporâneos explorados em forma de reportagem. Assim, chegou-se a um universo final composto pelos seguintes escritores e editores, todos devidamente entrevistados ao longo do ano de 2016: Adriana Carranca, Caco Barcellos, Daniela Arbex, Fernando Morais, Laurentino Gomes, Leonencio Nossa, Lira Neto, Rubens Valente, Ruy Castro e Zuenir Ventura, e com os editores Fernando Mangarielo, da Alfa-Omega e Otávio Costa, da Companhia das Letras. Ao término do ciclo de entrevistas o autor desta coluna tinha em mãos 22 horas de material, que foi devidamente categorizado em tr ê s linhas de forças principais: heranças das rotinas do jornalismo diário; formas narrativas e leitores e universo editorial.

Referências:

DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio. Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2005.

GASKELL, George. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som – um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2013.

LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber – manual de metodologia de pesquisa em ciências humanas. Minas Gerais: Editora UFMG, 2008.

MACIEL, Alexandre Zarate. Narradores do contemporâneo: jornalistas escritores e o livro-reportagem no Brasil. Recife, 2018. Tese (Doutorado em Comunicação)-Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Elaborada pelo professor doutor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor

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Opinião Return

the gold to Venezuela

On July 2nd 2020 British Judge Nigel Teare, with regard to a Central Bank of Venezuela litigation for 31 tons of gold entrusted to the Bank of England to be returned to the Venezuelan state, issued a verdict in favour of ‘interim president” Juan Guaidó.

The real Venezuelan government has proposed that the gold was given to the United Nations Development Programme (UNDP) to be administered so it was used to purchase food, medicine and vital health inputs. Such guarantee has not been demanded of Mr Guaidó.

The spurious grounds on which Teare’s verdict are essentially that the UK Her Majesty Government (HMG), “whatever the basis for the recognition”, has “unequivocally recognised Mr Guaidó as President of Venezuela.” Thus the UK Court rules in favour of Mr Guaidó because HMG recognised him as ‘interim president’ because in turn he invoked Art 233 of the Venezuelan Constitution.

But, Justice Teare’s verdict is based on a fabricated interpretation of Art 233 used by Guaidó to declare the Presidency “vacant”, hence his self-proclamation. Art 233 states:

The President of the Republic shall become permanently unavailable to serve by reason of any of the following events: death; resignation; removal from office by decision of the Supreme Tribunal of Justice; permanent physical or mental disability certified by a medical board designated by the Supreme Tribunal of Justice with the approval of the National Assembly; abandonment of his position, duly declared by the National Assembly; and recall by popular vote.

President Maduro is alive, has not resigned, has not been removed from office, is not physically or mentally incapacitated, has not abandoned the Presidency, and has not been recalled by popular vote. Furthermore, the very notion ‘interim presidency’ does not exist in the Venezuelan Constitution.

HMG’s utterances on Venezuela’s domestic crisis are full of high-flying rhetoric (‘democracy’, ‘free elections’, ‘legitimacy’, ‘human rights’ and so forth) but the true reason for Guaidó’s recognition was revealed by The Canary journalist, John McEvoy, who, resorting to the Freedom of Information Act, reported on a secretive Foreign

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Office “Unit for the Reconstruction of Venezuela”, set up in collusion with the ‘self proclaimed’ and which involved his “ambassador to the UK”, Venezuelan-U.S. citizen, Vanessa Neumann.

As early as May 2019, Neumann wrote to FCO officials that she had contacted Rory Stewart at DFID for a meeting that “will sustain British business in Venezuela’s reconstruction”; the discussions also included “Venezuela debt restructuring”. (https://www.thecanary.co/exclusive/2020/05/13/revealed-secretive-british-unit-planning-for-reconstruction-of-venezuela/)

Thus, the HMG extended recognition for Mr Guaidó as laying the ground to fully participate in the spoils once and if US policy of ‘regime change’ came to fruition. The irony is that Jeremy Hunt, in his official Guaidó recognition statement – probably at the same time he said he was “delighted to cooperate with the US on freezing Venezuelan gold deposits in the BoE” –, charged the government of President Maduro with being “kleptocratic”. A typical UK’s colonial pillage operation disguised as altruistic concern motivated by ethical political principles.

Mr Guaidó is not only thoroughly discredited in Venezuela where he enjoys little support, but substantial sections of the opposition have publicly broken with him and have constructively engaged with President Maduro in creating the best conditions for the coming elections to the National Assembly on 6th December 2020, and which includes a new agreed National Electoral Council. After that there will be not even be fictional basis for the UK, the US or the EU to continue recognising Guaidó. Thus, with sublime hypocrisy, Trump excepted, Europe and the UK de facto recognise the Bolivarian government: they all, including the UK, have ambassadors in Caracas who have presented their credentials to President Maduro in public ceremonies.

After a recent diplomatic spat with Maduro, the EU applied sanctions on 11 Venezuelans, including opposition politicians who favour elections, dialogue, and who oppose Guaidó’s sanctions, violent ‘regime change’ and external interference, leading the latter to expel the EU ambassador. A joint communiqué by Jorge Arreaza and Josep Borrell, foreign ministers of Venezuela and the EU, respectively, resolved it. They “agreed to promote diplomatic contacts between the parties at the highest level, within the framework of sincere cooperation and respect for international law.” (https://eeas.europa.eu/ headquarters/headquarters-homepage/81964/ venezuela-joint-communiqué-after-phone-call-between-high-representative-borrell-and-mi -

nister_en).

Given his farcical ‘self-proclamation’, Guaidó’s democratic credibility has been highly dubious, if he ever had any. Since then he has associated himself with Colombian narco-paramilitaries; used paramilitary force to try and control Venezuelan territory in preparation for external (US) forces to invade; staged a failed coup seeking to oust the Maduro government by force; contracted US mercenaries to carry out an attack on the presidential palace and kidnap and/or assassinate President Maduro and high government officials; and he and his entourage reek of corruption, leading many to resign in disgust. (https:// panampost.com/orlando-avendano/2019/12/04/ exclusive-interview-with-juan-guaidos-former-ambassador-to-colombia/?cn-reloaded=1).

Guaidó’s “presidency unequivocally” controls nothing, not even a lamp street in Venezuela. He is just a device for the pillage of his country’s vast wealth. Does the UK government seriously intend to hand over Venezuela’s gold to such a felonious character? Likewise, why do European countries continue to recognise such a repellent and corrupt US proxy?

The Central Bank of Venezuela will appeal seeking to reverse Judge Teare’s decision so that the gold can be returned to its rightful owners (https://www.change.org/p/boris-johnson-mp-give-venezuela-back-its-gold) and through the UNDP can be used to continue saving lives against the pandemic. Retaining illegally these resources from Venezuela in the middle of the pandemic is denying the human rights of 32 million ordinary, Chavista and non-Chavista, Venezuelans.

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Francisco Dominguez é Professor da Universidade de Middlesex / Inglaterra.

Opinião

Tentacles of an Octopus; the Pride and Prejudice of Nationalism in India

Nationalism is like a jellyfish that can take on new forms, but of late in India it has become more like an octopus, spreading its menacing tentacles, arbitrarily declaring some as ‘anti national’ others more intimidating, for being a threat to ‘national security’ which invariably ends up in slapping of law of sedition against the person whose only offence might have been to criticize the government. A declared threat to national security has deprived the people of Kashmir from access to internet connectivity for more than a year. Today India ranks first among nations in the world for most frequently cutting off internet connectivity in the name of national security. This hallowed term Nationalism, is it like the Holy Cow above all criticism, beyond the right to freedom of expression, or in more extreme cases of arbitrary imprisonment of people without trial for years; denying them freedom to life? It is imperative to dig deeper into why and how the concept of nationalism is prone to be turned and twisted.

The emergence of nations is a relatively recent development in history. It began in Europe around the mid nineteenth century when large sized monarchies and dynasties began to crumble to be replaced by nation states on the basis of ethnic, racial and cultural affinities. Even before the disintegration of the Ottoman and Habsburg empires, two nations Germany and Italy were formed by integration of small princely states.

Along with these changes in political geography, there was a clamor by people for participation in governance. The slogans of the French revolution calling for ‘equality, justice and fraternity’ still resonated in the air.

The emergence of nations evoked feelings of pride for the ethnic, racial and cultural affinity which became the basis of nation states. The other side of this Pride was a feeling of being distinct and ‘other’ than neighbouring nations and of ‘other’ racial and ethnic groups. As a consequence aggression towards other nations often in the name of defence became an integral part of nationalism. This otherness bred prejudices which naturally extended towards ethnic and religious minorities who lived within the national boundaries. Identity based nationalism often turns into manufactured hatred for those who are not the same. In other words nationalism is based in equal measure on feelings of Pride for national identity and Prejudice towards others who do not share the same identity on some ground or the other. Einstein, whose Jewish origin compelled him to leave his native Germany, when asked about his views said: “nationalism in my opinion is nothing more than an idealistic rationalization for militarism and aggression.” What in normal times can be regarded as prejudice, can it turn into aggression and militarism as German nationalism

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descending into Nazi barbarism had shown? Einstein among many other Jewish intellectuals had personal experience of it.

Rabindranath Tagore like Einstein suffered the pride and prejudices of colonial British administration. He saw an irreconcilable contradiction between humanism and nationalism. In a famous lecture on Nationalism delivered in America in 1917, he said: “there is only one history …..Not on the basis of nationalism but of humanism.” Tagore was explicit in saying that it was his conviction that “my countrymen will truly gain their India by fighting against the education that teaches them that a country is greater than the ideals of humanity.” Many other thinkers also viewed nationalism as being opposed to humanism; George Orwell and H G Wells are also well known for their views.

Our immediate concern is not the idea or philosophy of nationalism but how it drives national policies based on ‘national interest’. Its most obvious fall out is an increasing number of people being charged with being anti national while others being held in prison indefinitely for being a security risk to the nation. These are all actions by the government which defines national interest, often in contradiction to the constitutional rights of citizens. The right to freedom of speech is its first victim. Professors and journalist including one with 90% disability confined in a wheel chair are considered dangerous. Indeed, such a danger to national security that even a humane one time gesture of allowing a meeting with a dying mother is not allowed. An 80 year old poet whose only weapon all along his life has been his pen is such a security threat to the nation that even after he contacted covid19 virus and was in a delirious state, his wife and daughter were not allowed to see him. The evidence against them is usually not in public domain until the matter comes up in the courts, and the system allows this to be an indefinitely long period. In the mean time a manufactured notion of national security allows the government to use force to silence dissidents who critique government policies. Unfettered freedom of speech is now the right enjoyed only by the supporters of the government. Some members of the ruling party including a minister in the central government repeatedly made hate speeches inciting violence against religious minorities. They have full freedom of speech even if it incites violence and riots. This is not considered anti national, because hate and violence are accepted and rationalized towards minorities in the name of nationalism, as Einstein had said.

As I write this, a leading advocate of the Supreme Court has been convicted for contempt of court for posting two tweets which were critical of the court. The restriction of freedom of speech has now spread beyond the executive to the highest court of the country which is of the view that its ‘majesty and digni-

ty’ have been diminished by two tweets! Concern and what is more, expression of concern by citizens about the way nationalism is being (mis)used by the government is likely to spread. Will the heavy hand of the powers that be see this writing on the wall? As things stand today, dissidents alone are a threat to the security of the nation.

Nations are defined within territorial boundaries and like everything else national boundaries also change from time to time and so must territorial nationalism. After World War II European countries got divided between East and West Europe. Germany as a nation got divided. Some decades later after the death of President Tito, the proud nation of Yugoslavia which along with Egypt and India was the founder of the non aligned movement broke (after violent struggles) into seven nations. In 1991 the Soviet Union turned into 14 different nations. In the Soviet case there was no struggle and no violence in the emergence of so many new nations. The Soviet regime caused its own easy demise by not allowing freedom of expression and movement and for having imposed authoritarian controls on its people who welcomed the end of authoritarianism. The collapse of Soviet control was welcomed with much jubilation in the nations of East Europe. Soviet nationalism turned in to the expression of several nationalisms only 30 years ago.

An Egyptian friend once said to me: isn’t it strange that we have one race and one language and even one religion but we are 22 different Arab countries. In India you have 22 different languages in addition to many ethnic, racial and religious differences, yet you are one country. Indeed it is something to ponder over. Close to us in history and geography we have seen a young nation created on religious solidarity falling apart under the weight of unfair imposition of political control by West Pakistan on East Pakistan in 1971.

So, is nationalism just a mobilizing slogan? Is authoritarianism in the name of nationalism a last dangerous twist of the knife, shredding our humanism, our shared history and culture?

Madhu Bhaduri has Master’s degree in Philosophy from Delhi University (1965) and joined the Indian Foreign Service in 1968, starting her diplomatic career in Vienna in 1970. She served as a diplomat in Hanoi, Mexico City, Vienna and Hamburg and was India’s ambassador to Belarus, Lithuania and Portugal.

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