Coluna Cultíssimo Especial Dercy Gonçalves

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LiteraLivre nº 8 – Mar/Abr de 2018

Coluna CULTíssimo

Ela

foi

malagueta,

chamada Teda

malandrinha,

Bara,

de

pimenta

foi registrada somente em 1907).

Negri,

Originária de família pobre, era filha

desbocada,

de um alfaiate e de uma lavadeira.

Pola

PUTA,

perdida…

Seu

primeiro

trabalho

Mas o único título que faz jus a sua

bilheteira

pessoa e a seu talento é um só: mito.

assistir aos filmes de graça e passou a

Afinal, de quem eu estou falando?

imitar o cabelo e os trejeitos das

de

cinema,

foi

como

onde

podia

estrelas, foi aprendendo a atuar e fazendo

pequenas

teatrais

e musicais

apresentações em

hotéis

da

cidade. Enquanto isso sonhava em ser uma grande artista. Sofreu

com

a

violência

do

pai

alcoólatra e com o abandono da mãe que deixou a família devido aos maus Da única e inigualável representante da cultura e da arte popular brasileira: Dercy Gonçalves. Dolores

Gonçalves

Costa,

a

Dercy,

nasceu no interior do Rio de Janeiro, na cidade de Santa Maria Madalena, em 23 de

junho

de

1907

(dizia

que

seu

nascimento ocorreu em 1905, mas que 2

tratos que recebia do marido e nunca mais deu notícias. Seu jeito moleca causava escândalo na cidade, fazendo com que fosse expulsa de eventos da comunidade e aos dezessete anos, fugiu de casa para

Macaé

companhia

e de

se

juntou

teatro

a

uma

mambembe,


LiteraLivre nº 8 – Mar/Abr de 2018 onde trabalhou e estreou em 1929, em

tuberculose e precisava se internar.

Leopoldina, Minas Gerais, integrando o

Nessa época conheceu o exportador

elenco da Companhia Maria Castro, na

de café Ademar Martins Senra, que

dupla

pagou

“Os

Pascoalinos”,

ao

lado

do

seu

tratamento,

os

dois

cantor Eugênio Pascoal. Nascia nesse

tiveram um romance, do qual nasceu

momento Dercy Gonçalves.

sua filha única: Decimar. Em 1934, já recuperada, ela retorna ao Rio de Janeiro, buscando retomar sua

carreira

na

Praça

Tiradentes,

reduto artístico da época. Por lá, trabalha no Teatro República, Casa de Caboclo e em outros teatros da Praça Tiradentes, onde torna-se conhecida por suas interpretações improvisadas, debochadas, cheias de escracho e humor inteligente. Com seu talento,

Fazendo teatro itinerante, a dupla se apresentou

por

várias

cidades

do

interior do Brasil até tentarem a sorte em São Paulo, mas Pascoal contrai tuberculose e eles vão para Niterói, em busca de tratamento. Sozinha, cheia de dívidas e vendendo perfumes que ela mesma fabricava para sobreviver, estreia em 1932 na Casa de Caboclo, no Rio de Janeiro, com o espetáculo Minha Terra, mas apesar do sucesso, temporada,

tem pois

que

abandonar

também

a

contraíra 3

participou

no

auge

do

Revista,

trabalhando

Teatro

de

para

as

Companhia de Manuel e Walter Pinto.


LiteraLivre nº 8 – Mar/Abr de 2018 Mas

nem

naquela

Faria ao todo 25 filmes, a maioria

época, os artistas, principalmente as

grandes sucessos de público (apesar

mulheres, eram vítimas de todo tipo de

de

preconceito

com

desmerecia Dercy e as chanchadas) e

nenhum apoio, segurança, ou direitos.

bilheteria, pois, com sua linguagem

Taxadas como escória, até o governo do

sempre voltada para as massas, sua

Presidente

Juscelino

as

irreverência e versatilidade, o público

atrizes

Teatro

eram

lotava as salas de cinema de todo o

do

tudo

e

eram

não

luzes

contavam

de

Kubitschek, Revista

massacrados

pela

crítica,

que

obrigadas por lei a fazerem exames

país.

ginecológicos para detecção de DSTs e

Censurada e perseguida pela ditadura,

se aprovadas recebiam uma carteirinha

ela

de trabalho vermelha, que era a mesma

amparando-se no carinho e no amor

carteira exigida das prostitutas e quem

do povo, que considerava seu maior

não a apresentasse era presa.

aliado. No

lutava

teatro,

por

seu

montou

espaço,

a

própria

companhia, tornando-se produtora: a Companhia Dolores Costa Bastos, que bateu

recordes

de

bilheteria

e

produziu Burletas com Luz del Fuego, Elvira Pagã e Zaquia Jorge. Produziu também grandes espetáculos e depois transferiu-se

para

São

Teatro Cultura Artística.

Em 1942, se casa com Danilo Bastos e em 1943 estreia no cinema com o filme Samba em Berlim, de Luís de Barros. 4

Paulo,

no


LiteraLivre nº 8 – Mar/Abr de 2018 Ao iniciar carreira solo, introduziu em

anos do quadro Jogo da Velha do

suas apresentações o monólogo, muitas

Domingão do Faustão e também de

vezes

novelas da Globo e do SBT.

autobiográfico,

hoje

conhecido

como Stand Up. Foi para a televisão, participando

do

Teatro;

mas

o

quando

estreou

Programa sucesso em

1961

Grande chegou na

TV

Excelsior, no programa Viva o Vovô Deville, de Sergio Porto, no quadro A Perereca

da

Vizinha,

e

depois

no

teleteatro Dercy Beacoup, de Carlos Manga,

que

satirizava

personagens

históricos, chegando a ser a atriz mais bem

paga

do

Brasil.

Trabalha

na

Excelsior até 1964 quando vai para a T.V. Rio e depois para a T.V. Globo, a convite de Walter Clark e José Bonifácio de

Oliveira

programa

Sobrinho na

Seu

Dercy

de

programa

de

pública

e

Globo,

Verdade(1966-1969), variedades,

(Boni).

utilidade

entrevistas, alcançava 70% de audiência aos domingos, mas foi tirado do ar com a intensificação da censura no país após o AI-5 (conjunto de leis que inaugurou um dos períodos mais cruéis da história brasileira). Ela continuou no teatro e só retornou a T.V. no final dos anos 80, com o fim da ditadura, passando a integrar

corpos

de

jurados

em

programas de auditório, participou por 5 5

Com

uma

categoria

criada

especialmente para ela, recebeu, em 1985, o Troféu Mambembe de “Melhor Personagem de Teatro” Em 1991, é homenageada pela Escola de Samba Unidos do Viradouro, com o enredo

"Bravíssimo

-

Dercy

Gonçalves, o retrato de um povo"; gloriosa,

Dercy

desfilou

(causando

polêmica, como sempre), no último carro, com os seios a mostra. Após uma visita ao Cemitério dos Deuses na Tailândia, ela disse ter ouvido um pedido do anjo Milahel


LiteraLivre nº 8 – Mar/Abr de 2018 para que construísse um mausoléu de

Sua última aparição no palco foi em

vidro em forma de pirâmide, na cidade

2007 na comédia teatral Pout-PourRir

onde nasceu. E depois de sofrer um

onde

acidente de carro e uma cirurgia para

Humor", numa noite inesquecível.

retirar um câncer de estômago, ela

Fechando a vida com chave de ouro,

apressou a construção do túmulo, que

participou do filme “Nossa Vida Não

rapidamente se tornou uma atração

Cabe

turística.

Pinheiro, em 2008, meses antes de

comemorou

Num

"Cem

Opala”,

Anos

de

de

Reinaldo

falecer vítima de uma pneumonia, aos 101

anos

(de

acordo

com

seu

registro), em 19 de julho no Rio de Janeiro. Ela foi enterrada (em pé) na cidade de Santa Maria Madalena com palmas e festa, em seu mausoléu em formato de pirâmide. Dercy Gonçalves, a grande marginal da arte brasileira, foi uma mulher guerreira, Considerada vulgar por dizer palavrões e expressar livremente sua opinião, na vida

pessoal

surpreendia

por

seu

comportamento sóbrio e puritano, que beirava o moralismo. Com uma carreira de mais de 80 anos, conhecer sua história é conhecer a história do Brasil e da mulher brasileira. Pensando nisso a escritora

Maria

Adelaide

Amaral,

publicou em 1994 o livro “Dercy de Cabo a Rabo”, baseada em documentos e no depoimento da própria Dercy. 6

artística

com sem

uma igual,

sensibilidade exemplo

de

superação e persistência, um espírito puro,

que

enfrentando elitista

driblou um

e

o

destino,

mundo

machista,

preconceituoso,

uma

adolescente que deixou uma vida sem futuro

e

desafiou

fez os

seu

próprio

padrões

e

roteiro, encantou

plateias no Brasil e no exterior como uma

humorista

completa,

representante máxima da figura da


LiteraLivre nº 8 – Mar/Abr de 2018 mulher

como

artista:

corajosa,

independente, lutadora.

Sua figura tornou-se cult e icônica, apesar

de

ainda

desmerecida

e

atacada pela mídia, que desdenha de seu legado, mas tenta se aproveitar do carinho que o público tem por sua pessoa. Um exemplo disso aconteceu em

2016,

quando

“apresentador”

(que

um me

certo nego

a

pronunciar o nome), em sua guerra por audiência, “violou” o mausoléu A mídia negligente e destrutiva do Brasil

onde ela está enterrada, para ver se

sempre tentou diminuir a importância da

seu caixão estava mesmo em pé,

arte e da figura emblemática de Dercy

protagonizando uma das cenas mais

Gonçalves, tentando fazer com que as

vergonhosas e absurdas da televisão

pessoas a enxerguem como uma “velha

brasileira, que gerou revolta entre os

desbocada”, motivo pelo qual a escritora

expectadores e fãs.

Maria Adelaide Amaral fez de tudo para adaptar o livro Dercy de Cabo a Rabo para a T.V. e após muitas dificuldades (patrocinadores diziam não querer seus nomes ligados a “alguém” como Dercy) conseguiu

lançar

na

Rede

Globo

a

minissérie “Dercy de Verdade” em 2011, com direção de Jorge Fernando. Em 2012, Dercy entrou para o famoso

Faz 10 anos que o Brasil perdeu a

Guinness Book, o Livro dos Recordes,

representante máxima do teatro e do

reconhecida mundialmente como a atriz

humor e por isso, no mês da mulher,

que trabalhou mais tempo nos palcos e

quis fazer essa singela homenagem, a

também como única atriz do mundo com

uma mulher inesquecível, que sempre

mais de 100 anos a atuar num filme.

foi

uma

das

minhas

maiores

inspirações como pessoa e artista, 7


LiteraLivre nº 8 – Mar/Abr de 2018 resgatando sua verdadeira história, que vai além do escracho e dos palavrões, selecionei

também

dois

filmes

que

marcaram sua carreira. Mercy Dercy!!! Obrigada a todos pelas mensagens de carinho e incentivo, na próxima tem mais!!!

A Baronesa Transviada - (Brasil, 1958) – Dirigido por Watson Macedo, conta a história de Gonçalina (Dercy Gonçalves), uma pobre manicure que descobre pelos jornais que pode ser a filha desaparecida de uma baronesa.

Decimar e o Guinnes Book

Ela vai à casa de sua possível mãe, onde

é

reconhecida.

Quando

a

baronesa morre, Gonçalinha torna-se sua única herdeira e investe parte da fortuna num filme. Esta situação não agrada

os

demais

integrantes

da

família, que planejam um golpe. Com roteiro de Chico Anísio, o filme critica a decadência dos Estúdios da Vera Cruz e conta com uma cena de dança hilária, que faz referência a Fred Astaire e Ginger Rogers.

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LiteraLivre nº 8 – Mar/Abr de 2018

Dona 1960)

Violante -

Dona

Miranda

-

Violante

(Brasil, (Dercy

Gonçalves) é dona de um bordel e cria, com muito cuidado, a filha de uma de suas prostitutas. A menina viaja para estudar em Paris e quando volta, se apaixona pelo neto de um coronel muito conservador. Dirigido por Fernando de Barros, com um grande elenco composto por Dercy Gonçalves, Odete Lara e Mauro Mendonça. Para contato e/ou sugestões: anarosenrot@yahoo.com.br

https://www.facebook.com/cultissimoanarosenrot

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