Revista LiteraLivre - Melhores do Ano - 2019

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Volume 3, Edição Especial: Os Melhores

do Ano de 2019 – ISSN 2595-363X Jacareí – SP - Brasil Expediente: Publicação: Bimestral Idioma: Português Distribuição: Gratuita online em pdf

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Queridos(as) amigos(as) de todos os lugares, é com muito orgulho que trago para vocês a edição especial “Os Melhores do Ano da Revista LiteraLivre”. Foram escolhidos 10 autores(as) por edição, numa eclética reunião de textos de todos os lugares do mundo. Temos representantes dos quatro cantos da Terra, mostrando a força da Língua Portuguesa. A escolha foi feita com a ajuda de leitores Beta (não participantes da revista) e dos nossos amados leitores, que gentilmente nos enviam suas impressões sobre os textos publicados. Agradeço de coração aos autores(as) e leitores(as) que estiveram conosco em 2019. Aproveito para convidar a todos para continuar nos acompanhando em 2020. Trago também uma nova edição da Revista SerEsta (nossa querida parceira), um e-book exclusivo de minha autoria como presente e para os que ainda não enviaram, reforço a chamada para Concurso de Crônicas: “O Lado Poético da Vida”. Abraços poéticos e até o próximo ano!! Literatura com Liberdade sempre!!! Vamos mudar o mundo através das palavras!!!

Meu agradecimento especial aos amigos “Jorginho da Hora”, por sua participação, divulgação e confiança e “Márcio Apoca” por compartilhar sua arte e enriquecer nossa revista!!


Premiados: 13ª Edição:...........................................................................................................5 Jan./Fev. - 2019................................................................................................................................5 Bruno Candéas.....................................................................................................6 Eduard Traste.......................................................................................................7 Gracielle Torres Azevedo......................................................................................8 Isabel C S Vargas................................................................................................10 JAX.....................................................................................................................12 Joaquim Bispo.....................................................................................................13 Luís Amorim.......................................................................................................15 Maria Carolina Fernandes Oliveira.......................................................................17 Ricardo Ryo Goto................................................................................................19 Vânia Bandeira....................................................................................................22

14ª Edição:.........................................................................................................23 Mar./Abr. - 2019.............................................................................................................................23 Alberto Arecchi...................................................................................................24 Allan Fear...........................................................................................................27 Ananda Lima......................................................................................................30 Belmiro Dias António Mouzinho..........................................................................32 Davi Alexandre Schoenardie................................................................................33 Luisa Costa Cisterna...........................................................................................36 Meg Mendes.......................................................................................................38 Ronaldo Dória Jr.................................................................................................41 Regina Ruth Rincon Caires..................................................................................42 Tauã Lima Verdan Rangel...................................................................................45 15ª Edição:.........................................................................................................47 Mai./Jun. – 2019............................................................................................................................47 Aline Eni............................................................................................................48 Caroline Cristina Pinto Souza..............................................................................50 Cleidirene Rosa Machado....................................................................................51 Iris Aparecida Franco..........................................................................................52 J L Silva...............................................................................................................56 Lenilson Silva......................................................................................................58 Paulo Luís Ferreira..............................................................................................59 Rosangela Maluf.................................................................................................65 Vera Raposo.......................................................................................................66 Verônica Lazzeroni Del Cet.................................................................................67


16ª Edição:.........................................................................................................69 Jul/Ago – 2018...............................................................................................................................69 Almir Floriano.....................................................................................................70 Amélia Luz.........................................................................................................72 Débora Guimarães Leite......................................................................................74 Edweine Loureiro................................................................................................75 Franciellen Santos...............................................................................................76 Guilherme Aniceto..............................................................................................78 Íris Cavalcante....................................................................................................79 Paulo Florindo....................................................................................................82 Sandra Modesto..................................................................................................83 Tinga das Gerais.................................................................................................85

17ª Edição:.........................................................................................................86 Set/Out – 2019...............................................................................................................................86 Carlos Jorge Azevedo..........................................................................................87 Carmem Aparecida Gomes..................................................................................88 Charles Burck.....................................................................................................89 Cizina Célia Fernandes Pereira Resstel................................................................90 Clarice de Assis Rosa..........................................................................................91 Elvio Bressan......................................................................................................94 Gerson Machado De Avillez.................................................................................96 Idelma Bulhões.................................................................................................103 Luzia Stocco.....................................................................................................105 Marione Cristina Richter...................................................................................108 18ª Edição:.......................................................................................................110 Nov./Dez – 2019..........................................................................................................................110 Ana Maria Fázio de Freitas................................................................................111 Catarina Dinis Pinto..........................................................................................112 Daniela Genaro.................................................................................................113 David Leite.......................................................................................................114 Diego da Silva Teles dos Santos........................................................................120 Leandro Emanuel Pereira..................................................................................125 Maria Elza Fernandes Melo Reis........................................................................126 Ovidiu-Marius Bocsa.........................................................................................127 Rosimeire Leal da Motta Piredda.......................................................................129 Sigridi Borges...................................................................................................130


E-book gratuito exclusivo.................................................................................131 Lançamento da 4ª edição da Revista SerEsta.....................................................132 Participem da E-Antologia “O Lado Poético da Vida”..........................................133


13ª Edição: Jan./Fev. - 2019 Bruno Candéas – Recife/PE - Com a janela aberta Eduard Traste - Florianópolis/SC - Tarkovski Gracielle Torres Azevedo - Maceió/AL - História de Hospital Isabel C S Vargas – Pelotas/RS - Prece JAX – Brasília/DF - O Primeiro Amor Joaquim Bispo - Odivelas, Portugal - Breve Dissertação sobre o Palavrão Luís Amorim - Oeiras - Portugal - O jantar de gala Maria Carolina Fernandes Oliveira - Pouso Alegre/MG -Bruxa Ricardo Ryo Goto - São Paulo/SP - Entrevista com o demônio Vânia Bandeira - Aracajú/SE - Viés


LiteraLivre Edição Especial nº 03 - 2019

Com a janela aberta Bruno Candéas Recife/PE a vida é mais bonita no meio da pista meus grandes planos estão queimando meus bons amigos foragidos a vida é mais completa com a janela aberta meus voos insanos estão pousando meus bons ruídos constrangidos

do livro Teatrauma, 2018

https://www.facebook.com/profile.php?id=100009145923397

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Tarkovski Eduard Traste Florianópolis/SC no sonho de sempre ninguém acreditou quando confessei que meu diretor favorito era russo.. e no fim o filme acabou e não pude explicar o porquê? Acordei.

www.estrAbismo.net

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História de Hospital Gracielle Torres Azevedo Maceió/AL Era manhã de verão e o menino que, na noite anterior, trajava terno negro e gravata borboleta cinza para ser padrinho de casamento ao lado de sua mãe, agora se encantava. A noite havia sido longa. O menino contente dançava e cantava as músicas do momento. Convidou as tias e primas para uma dança e era o famoso pé-devalsa. O menino de aparelho nos dentes e sorriso largo resolvera acordar mais cedo, após a noite da festa e pegar a moto do seu pai. Talvez para ir ao supermercado fazer compras para o desjejum, talvez para passar na porta da menina que lhe acelerava o coração ou talvez para chamar a atenção dos colegas na pracinha da cidade. O motivo que o fizera pegar a moto será sempre desconhecido e aquela manhã de verão poderia não ter existido, mas existiu e mudou o curso da história. O céu, que outrora era azul e tinha nuvens radiantes, rapidamente tomou tons de cinza quando um boi atravessou a pista e tombou na moto. A vida ficou nublada e escura para uma mãe calorosa que acabara de acordar após a festa de casamento de sua prima, da qual havia sido madrinha ao lado do seu menino. Após aquela manhã ela jamais viu seu filho como antes. O menino expressivo, após um tempo desacordado na Uti, com respiração artificial, havia perdido os movimentos e a consciência. Já não respondia aos chamados e nem direcionava o olhar. Roubaram seus 15 anos. Arrancaram a fórceps aquela juventude e deceparam o futuro do menino dançarino.

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Ele queria ser astronauta e desenhista e já pensava em ser engenheiro e jornalista. Agora a vida o engessa na cama do quarto escuro e desencanta o coração de sua mãe. A mãe segue atenciosa, lhe escova os dentes e lhe beija a face fraturada noite e dia. Conta-lhe piadas e levanta sua cama para tomar um sol, buscando luz e esperança para seguir em frente. Cuidado e amor de mãe são incondicionais. Ela se faz exemplo a ser seguido. Ela não enxergava a doença, ela enxergava o menino e seu potencial e assim o confortava e acalentava. Como se não bastassem a fadiga e a exaustão do longo período no hospital, eis que surge um novo diagnóstico. O menino também tinha câncer. – “Mas como, câncer? Aqui não há lugar para essa doença ” - exclamava a mãe incrédula. E o que já era cinza se enegrecia ainda mais. A mãe arregaçou as mangas e lutou com todas as suas forças, enquanto foi possível. Uma batalha injusta, mas que não abriu espaços para lamentações. Só cabiam valentia, cuidado em sua mais ampla forma, dedicação, amor, empatia e reverência ao Ser Supremo. Aos poucos, ela entendia que o seu menino, que gostava de dançar, cantar e desejava ser pássaro, finalizava sua missão por aqui. Ela agradecia ao Universo a oportunidade de tê-lo ao seu lado durante 15 lindos anos, enquanto o menino dia após dia se preparava para voar como uma borboleta, para o universo de luz, em que não há dores e os sorrisos são combustíveis de amor e paz.

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Prece Isabel C S Vargas Pelotas/RS Aparentemente, o dia seria igual aos demais.Clotilde já sabia o que iria ocorrer. Levantar, tomar seu café bem simples, sem leite e com uma fatia de pão única, sem direito a repetição. Arrumar sua cama, no quartinho do fundo da casa que a filha, generosamente, cedia para ela. Era sua única filha. Quando jovem, conheceu Juvenal, seu marido com quem viveu até que ele faleceu vítima de um câncer. Ele não a deixara trabalhar fora. Também, não sabia se conseguiria. Casara cedo e sem profissão definida. Não passara do ensino ginasial. Quando o marido faleceu teve de ir morar com a filha, pois não conseguiria pagar o aluguel, mesmo na periferia porque a pensão que recebia era irrisória. Na casa da filha sentia-se um estorvo. Elas pouco se falavam. O marido dela era um jovem de seus trinta e cinco anos que era de meias palavras, pouca afetividade e muita ambição. A vida era meio apertada. A filha, a exemplo dela, não trabalhava fora, por vontade dele. Vivia reclamando do custo de vida, que tinha que aumentar o orçamento e foi em função disso que ele passou a colocar no orçamento da casa sua pensão. Já decorreram quatro anos desde que ela passou a não dispor de dinheiro. Então, ficava em casa, sem amigos, sem carinho, sem lazer. Ajudava na organização da

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casa, mas sem muito participar, opinar ou receber qualquer coisa que demostrasse que gostavam de sua presença. Para não ser injusta, tinha que considerar que saía de vez em quando para ir à igrejinha ali perto.Era bom porque encontrava pessoas diferentes, às vezes, durante a oração alguém a abraçava ou apertava sua mão, sorridente, desejando-lhe paz. Outras, recebia a benção do padre ao final do culto. Parecia sentir-se mais fortalecida com esses episódios. Gostava de ir ali. Não era sempre que podia, só quando a filha a mandava passear e só voltar umas horas mais tarde. Sobre estas ocasiões não podia comentar nada com o genro e nem com outra pessoa. Já sabia que este dia seria um deles. Era quinta-feira. Sempre às quintas. Já estava antevendo que o dia passaria mais rápido. Ao mesmo tempo, parecia que as horas se arrastavam. Após o parco almoço e a saída do genro para a loja onde trabalhava no almoxarifado, a filha a avisou que deveria dar uma volta, ir à igreja e só voltar lá pelas cinco horas. E assim foi. Chovia na hora que saiu. Mas, mesmo assim foi até lá. Rezou, rezou tanto que as horas passaram e ela quando se apercebeu tremia de frio. Sentia uns calafrios. Era hora de ir. Tinha pressa de chegar a casa e tirar a roupa úmida que tinha no corpo. Chovia ainda, agora mais forte, as ruas estavam com muita água. Seus óculos com água a escorrer turvava sua visão. Quando se deu conta, só ouviu a buzina, a freada e nada mais. Silêncio. Acreditou que estava bem, pois se sentia flutuar. No meio da rua, uma mulher estirada que ela não reconheceu. Pensou seguir seu caminho. Deus devia ter escutado suas preces. Queria a paz e o aconchego de um lar. Estava voltando para casa.

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O Primeiro Amor JAX Brasília/DF Sete horas. Lá ia Joãozinho para a escola. Como era bonita a professora! Os cabelos pretos, presos Num coquezinho elegante. Os óculos do magistério A dar brilho ao seu olhar. Chegando à escola, Joãozinho entregou, orgulhoso, Os versos que compusera para a “Fessora”. “Querida Fessora, Meu amor é enorme, É mais grande que tudo...” Aí, ela fez cara feia, parou a leitura. Olhou com ar reprovador para Joãozinho: “Então você não aprendeu Que o superlativo de grande é irregular? Vá ao quadro-negro e escreva dez vezes: O superlativo de grande é maior.” Pois é, Triste fim de uma paixão. Joãozinho tomou bronca da professora. Por causa de um superlativo! Onde já se viu, pô, Vernaculizar o amor? Traços e Troças, 2015 - Editora Lamparina Luminosa - São Bernardo do Campo, SP [11]


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Breve Dissertação sobre o Palavrão Joaquim Bispo Odivelas, Portugal Caros circunjacentes: A minha preleção de hoje versa o palavrão em todas as suas aceções, o qual, segundo o dicionário Houaiss, pode ser considerado em três aspetos semânticos: O mais popular, imediato e disseminado é o turpilóquio ou tabuísmo. Nesta forma torpe, explode, geralmente, boca afora, espontâneo e veemente, quando se é vilipendiado de maneira inopinada ou prepotente nas interações sociais. Sobrevém, amiúde, nas acrimónias do trânsito citadino, onde a peleja pelo espaço essencial do asfalto faz colidir os interesses particulares. Então, nos píncaros da exaltação, aquilo que primeiro acode aos lábios, sem se subordinar a uma triagem nas circunvoluções da racionalidade, são considerações sobre as características ou os hábitos excretais ou sexuais do pretenso agressor ou de algum membro da sua família. São expressões belicosas cuja significação pretende provocar algum constrangimento na autoestima do interlocutor acidental. Por exemplo, «Rastilho curto!», o que, como calculam, também achincalha o tamanho do autocontrolo dele. No entanto, para atingir o adversário de maneira cruenta e implacável, o vitupério, não precisa de coincidir, morfologicamente, com um vocábulo de semântica obscena. Para tanto, a entoação deve colmatar a escassez de ignomínia. Recordo aqui a forma irretorquível como concluí uma altercação de trânsito, que deixou o meu antagonista em estupor, como touro lidado: «Ó meu caro amigo: Vodafone!» A forma mais vulgarizada, todavia, é a de aconselhar o contendor a encetar determinada atividade, ou a deslocar-se para determinado local, diversos dos atuais, e que, na opinião do fustigador, se adequam melhor às características do enxovalhado. As notícias da política internacional são um manancial de expressões com sonoridades e construções ortográficas que sugerem conotações soezes e insultuosas. Aquando da guerra na ex-Jugoslávia, ouvi uma feirante verberar outra, nos seguintes termos: «Vai pà Bósnia, sua Herzegovina!» Se fosse agora, talvez dissesse «Vai Bachar al-Assad com Trump, sua Daexe!», o que me parece de uma gravidade inquestionável. Ninguém merece ver-se confrontado com esta alternativa. [12]


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Outro significado de “palavrão”, este com alto grau de adequação, é “palavra grande e de pronúncia difícil”. Quando era mancebo, pensava que o maior palavrão da língua portuguesa era “inconstitucionalissimamente”, com 27 letras. Hoje, constato que o palavrão que me enchia de orgulho era apenas um palavrinho, como pirilau de menino. O do pai chama-se Paraclorobenzilpirrolidinonetilbenzimidazol, tem 43 letras e é uma substância farmacêutica. O do vizinho africano chama-se Pneumoultramicroscopicosilicovulcanoconiótico, tem 46 letras e significa “portador de uma doença pulmonar aguda causada pela aspiração de cinzas vulcânicas”. O mundo destes palavrões é atroz. Embaraça qualquer estudante de medicina, mas, sobretudo, aterroriza o portador da doença Hipopotomonstrosesquipedaliofobia, a qual — crueldade das crueldades — é a “doença psicológica que se caracteriza pelo medo irracional de pronunciar palavras grandes ou complicadas”. Imaginem o pânico do doente de ser inquirido sobre a denominação da sua própria enfermidade! Estes vocábulos escaganifobéticos parecem-me denunciar o pérfido subterfúgio de arquitetar termos complicados, pela mera acoplagem, numa mesma palavra, de outras muito mais curtas. Por esta técnica, também posso autoqualificar-me como Homemextremamenteatraenteinteligentedivertido, epíteto de que só não faço uso por abominar redundâncias. A terceira aceção de “palavrão” é “expressão pomposa e empolada”. Não me ocorre, por ora, qualquer exemplo ilustrativo. Locuções grandiloquentes e/ou de sentido ininteligível são sempre de coartar em comunicações a grandes auditórios, ainda que académicos. Por mim, cultivo o discurso despretensioso, matizado apenas por vocábulos lhanos e percetíveis por todos. Tenho dito! http://vislumbresdamusa.blogspot.pt/

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O jantar de gala Luís Amorim Oeiras - Portugal Natal aproximava-se por dias contados e poucos até festa que costuma ser de ambiente familiar, não sem antes acontecer jantar de gala, anunciado no prévio

de

semanas

algumas

para

cativar

assiduidade

e,

esperar-se-ia,

pontualidade da gente mediática e importante no próprio conceito definido quando virada para si mesma. A duquesa e seu consorte é que ideia tiveram para recepção engalanada ao enaltecer de luxo constante no palacete que convidava e muito, já no então de evento, à entrada sem qualquer timidez para o banquete natalício. Mesa posta de sentido feito corredor no salão largo e comprido, quase de vista a perder até extremidade que percebia-se, existir deveria. Convidados eram numerosos, como políticos, representantes da diplomacia, banqueiros e demais empresários, individualidades do social por tanta contagem que se pudesse fazer, diversos artistas da vida cultural, distinta nobreza, alguns religiosos e instituições sociais também representadas. Parecia que ninguém quereria faltar e isso mesmo fora antecipando certo director na causa solidária com pergunta que cônsul lhe fez perante inúmeros ouvintes: «Conseguiu dos organizadores pelo jantar próximo que comunidade dos sem-abrigo igualmente venha a estar presente?» «Infelizmente não. Disseram que povo esse não cabe nestes eventos, que certamente não deverão jantar apenas quando natalícia for a quadra e, portanto, não.» Houve quem não gostasse da resposta e imensos que largaram indisfarçadamente suspiros de alívio. Recordação de conversa de dia e evento outro acontecia pelas entidades presentes naquela interacção quando cadeiras eram tomadas sem demora para que gala por banquete começasse a ter alegria vaidosa, enquanto no ligeiro atraso do convite, embaixador e respectiva companheira entraram ocupando bem o centro da vistosa passadeira trazendo mais comitiva de pessoas tantas, dezenas mesmo, sem pontual imprecisão,

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revelando o diplomata trazer amigos de gabarito alto, provenientes de uma tal ilha, da qual ninguém ouvira falar, mas que garantia ele serem da nobreza local. E chegavam com vestimentas realmente de gala, ofuscando naturalmente quem já lá se envaidecia com suas vestes e não só. Apesar de serem desconhecidos, tamanha importância na sua apresentação e vestuário reciprocamente condizente teve por consequência evidente aceitação «Como muitos dos nossos e que o jantar comece!» E assim foi. Apesar do incremento no contar de participantes com o acrescento dos mais recentes, os forasteiros engalanados da cabeça aos pés, foi garantido que haveria refeição para o salão inteiro. Curiosamente ou não talvez por certo em como nada sucede no acaso, cônsul bem dado no trato com a diplomacia nomeada, sentado ficou ao lado do director pela solidariedade e outrora conversa em ambiente distinto com excessiva gente bem atenta foi segunda vez recuperada, até com mais pessoas à volta, só que nesta ocasião última, sem os papéis de ouvintes porque mesa do salão cativava mais e mais sem término à vista tal como aquela parecia direccionada no jantar ao infinito. «Essa gente que chegou é autêntica ou será que pensa o senhor diferente e com verídica percepção? Pois digo-lhe meu caro director, são mesmo eles. Bem identificados e melhor apresentados ninguém iria recusar sua presença.» «Senhor cônsul, dou-lhe meu aplauso! De ora em diante teremos de fazer disto rotina, não considerando quanto aos trajes, pompa e demais títulos de nobreza, mas sim apenas na sua comparência, visto eles não fazerem refeições somente quando é Natal.»

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Bruxa Maria Carolina Fernandes Oliveira Pouso Alegre/MG

Na rua me querem santa, Na cama me querem puta. No trabalho, um nó em seus estômagos Quando meu nome disputa o cargo, a ideia, a palavra. Em segredo me pedem ajuda, Mas em público me querem muda, Calada, alienada, anoréxica, bulímica, incompleta, infeliz. Querem-me silenciosa E nua [16]


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Mas mesmo que queiram tanto, Tanto se frustarão, Que viverão engasgados Por um patriarcado rançoso Que não sairá de suas gargantas: Um vômito frustrado Que no meio do caminho foi forçado a voltar Pois as pessoas ao redor Teriam nojo de vê-lo. Porque sou mulher. E mulher é sujeito coletivo. Porque sou luta. E podem me querer boneca, Mas eu quero ser bruxa.

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Entrevista com o demônio Ricardo Ryo Goto São Paulo/SP “O espírito de satanismo é qualidade consequente de rebeldia espiritual, de teimosia sistemática, contrária aos princípios superiores da angelitude.” - Mensagens do astral- Ramatis

Muitas religiões e doutrinas afirmam categoricamente que o Mal não existe, e sim a ausência do Bem. Usam a metáfora da luz, para dizer que a escuridão não passa de sua ausência. Partindo do pressuposto que o Mal efetivamente não existe, não há pessoas más, e sim pessoas ignorantes, mal-esclarecidas, pouco evoluídas, com baixo nível de consciência ou coisa semelhante. Ou seja, não existe o diabo, a encarnação do Mal. Se levarmos em conta que o conhecimento científico, objetivo, racional, é um ideal a ser alcançado pela humanidade, quanto maior o nível alcançado, menos ignoraremos a respeito da vida e do universo, mais distantes estaremos de praticar o Mal, ou, por outro lado, mais perto de praticarmos tão somente o Bem. Outro dia, numa sessão de trabalho no centro espírita onde atuo como doutrinador, manifestou-se um espírito: -Boa noite, doutor. -Boa noite – respondi. -Há quanto tempo não nos vemos... Trabalhando naquela casa, havia dialogado com diversos espíritos, não me era fácil distinguir um de outro... -Pode nos dizer seu nome ? -Não importa, pode me chamar pelo nome que quiser. Acostumado a editar livros psicografados por nossos médiuns, adotamos por hábito trocar os nomes dos espíritos comunicantes nas publicações. -Muito bem, meu irmão, posso me dirigir a você como Antônio ? -Claro, doutor. Já fomos, de fato, irmãos. Puxei ao máximo pela memória atual, onde guardo algumas informações ditadas pelo meu guia a respeito de outras encarnações. [18]


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-Irmãos de sangue ? -Não, de corporação. Por várias vezes nos irmanamos em instituições ao longo da história. -Padres da Igreja católica ? -Antes disso, como nobres da corte francesa, participamos de várias cruzadas à Terra Santa. Depois, nos tornamos hábeis inquisidores de Tomás de Torquemada. Lembrei-me de relatos de meu guia dizendo que eu havia participado de terríveis episódios de opressão, intolerância e crueldade, e que, nas encarnações posteriores havia me decidido a compensar minhas faltas, ajudando, com trabalho humanitário, espíritos que eu havia prejudicado. Lembrei-me vagamente de um antigo colega, cujo nome era outro. -Sim, Antônio,você deve ter se arrependido das atrocidades que praticamos e, por isso, tem se dedicado a trabalhar para resgatar seu carma... -Engano seu, doutor – disse contrariado. -Como assim ? -Há séculos não reencarno. Depois dessa última experiência a serviço do Santo Ofício mantive-me na Erraticidade, estudando e aprendendo, conversando com espíritos ilustrados, como o senhor. Para mim, a vida corpórea é a lição mais importante que nós, espíritos em evolução, devemos estudar, a fim de ressarcir débitos, apaziguar desafetos, reforçar laços de amizade. -Não sente necessidade de voltar à vida corpórea ? -De forma alguma. O conhecimento que angariei tem sido suficiente para chegar à conclusão de que a vida não tem sentido. -Qual o argumento ? -O doutor conhece a teoria do Big Bang ? -Sim, aquela que afirma que há 13 bilhões de anos, numa explosão o universo foi criado, e, a partir daí, se mantém em expansão. -Correto. Depois desse instante primordial, os astros foram se formando, a vida foi sendo criada, o espírito foi animando os hominídeos e aqui estamos, após centenas de reencarnações. -E graças a isso vamos evoluindo e nos aperfeiçoando até o estágio de espíritos de luz. -Já ouviu falar de Big Crunch ? -Também. Diz que, em função do aumento da atração gravitacional, o universo vai se comprimir e se colapsar. Por que ? -Se Deus está em atividade desde toda a eternidade, por que teria criado o universo há 13 bilhões de anos ? O que estaria fazendo antes disso ? Lembrei-me de Santo Agostinho: [19]


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-Estava planejando o Inferno, onde iria colocar todos os que fizessem perguntas desse tipo. -Não, Deus tem criado e destruído o universo usando o Big Bang e o Big Crunch desde sempre. Nós só temos conhecimento dessa história de 13 bilhões de anos porque somos frutos dessa “geração” atual. -Quer dizer que somente espíritos mais antigos vão se recordar dos outros ciclos de Big Bang-Big Crunch? -Não. Não existem esses espíritos. Ao atingir o Big Crunch, toda a espiritualidade desaparece com o universo. Tudo começa novamente. É o universo se reencarnando. -Isso me parece sem sentido. -Pois é. Mas é a única solução para que nenhum espírito se iguale a Deus. Fiquei surpreso. Nunca havia pensado em algo parecido. -Isso mesmo doutor. Para que a evolução do espírito tenha alguma lógica, a vida buscando a perfeição se torna ilógica. Imagine a alguns bilhões de anos, quando ocorrer o Big Crunch, quantos espíritos ainda estarão nos níveis de evolução inicial e serão destruídos para que um novo Big Bang tenha início ? -Por que, Antônio, você se deu ao trabalho de vir até aqui para nos dizer isso ? -É que vejo seu esforço imenso aqui no centro em ajudar, aprender, melhorar, desprezando horas que poderia usufruir se divertindo, descansando e relaxando. Faço isso para evitar que vocês, envaidecidos por essa pretensa missão a que se veem imbuídos se decepcionem. -É por isso que desistiu de reencarnar ? -Sim. Estou esperando pacientemente o próximo Big Crunch. Antônio se afastou, deixando o médium um pouco atordoado. Depois de finda a sessão, retornei para casa, meditando no tema conversado naquela noite. Antes de dormir, fiz minhas orações como é praxe, pedindo um sono tranquilo. Durante o sonho, vi-me num deserto, como se fosse o próprio Cristo. À minha frente, o sorriso irônico de Antônio, tentando-me com suas ofertas de poder e riqueza.

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Viés Vânia Bandeira Aracajú/SE

Hoje passei o dia dentro de mim, Em uma viagem sem fim, Achei que era fácil viajar no meu próprio eu Dentro de mim achei desafios, Ilusão, solidão, prontidão, decepção, reflexão, Questionei-me com a tristeza Dentro de mim fiz análise, Solidão quis machucar, Prontidão me fez repensar Que rumo a vida pode nos dar Reflexão foi importante Para novos impulsos tomar Caminhei em via pública Discutindo com a decepção Da vida dura e da luta Que somos incapazes de vencer sem se machucar.

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14ª Edição: Mar./Abr. - 2019 Alberto Arecchi - Pavia, Itália - Regresso a Tombuctu Allan Fear - Belo Horizonte/MG - Tão Triste Ananda Lima - Barreiras/BA -Mar de Lama Belmiro Dias António Mouzinho - Zambézia, Quelimane, Moçambique - Amor por encomenda Davi Alexandre Schoenardie - Celso Ramos/SC - Lágrimas de uma Luta Interna Luisa Costa Cisterna - Calgary/Alberta, Canadá - Fiz das trovas coração Meg Mendes - São Paulo/SP - Menino valente Regina Ruth Rincon Caires - Araçatuba/SP - Prelúdio Ronaldo Dória Jr - Rio de Janeiro/RJ - Black Tauã Lima Verdan Rangel - Mimoso do Sul/ES - Mater Dolorosa


LiteraLivre Edição Especial nº 03 - 2019

Regresso a Tombuctu Alberto Arecchi Pavia, Itália Minha memória se confunde com a areia de mil praias, e o sabor de mil amores, de longa duração ou talvez apenas sonhados. Sangue da terra, sonhos das meninas ligam-me ao pó de terras distantes. Se jamais você quiser me ver você poderá chegar a Tombuctu, antiga cidade na costa do grande rio, com torres brancas e cúpulas douradas. Terra vermelha da África suspensa no vento, acima do mar, de matorrais e desertos. Terra vermelha como o sangue derramado que a areia seca absorve. Vidas perdidas, que não vão gerar outras vidas, porque foram absorvidas pelo nada de uma tragédia sem sentido. Os monstros insones da batalha nos olhavam das colinas. As crianças das bandas, armadas com metralhadoras, tomaram de assalto as ruas da cidade. Vento de areia vermelha como sangue cega os olhos sufocando o hálito. O céu noturno é sem estrelas, um cheiro azedo reina nos lares. Três batidas na porta, alguém chamando. [23]


LiteraLivre Edição Especial nº 03 - 2019

-Eles estão vindo!- Um grito assustador. Quebra o silêncio o rugido dos motores, gritos perturbados quebram as sombras. Homens ferozes com bandeiras negras vêm para tirar nossas vidas. Vamos voltar um dia para a cidade lendária. O ouro desvaneceu-se, mudo é o mercado, os muros brancos sentem o peso dos anos. Nas ondas do rio o reflexo das garças, silhuetas negras na última luz vermelha, imóveis, à espera de sua presa. Há um oásis no grande deserto que abriga aqueles que se rebelaram e não queriam mestre nenhum. No oásis, um grande jardim com datas, laranjas, romãs. Perfume de jasmim ao redor dos antigos túmulos. A água flui da rocha, congelada na luz ofuscante, entre os tufos da mimósea sensitiva, molhando uma mangueira. Não vai ser fácil de andar até esse oásis, no coração do nada. Quantas caravanas foram perdidas! As areias estão cheias dos ossos daqueles que falharam. Prossiga sem hesitação, com as dunas no lado esquerdo. O curso do grande rio vai levar você para o porto entre os barcos que deslizam suavemente. As lagoas refletem o sol e o vôo das garças. O cormorão irá mostrar-lhe a direção. [24]


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As mangas irão oferecer-lhe refrigério. A miragem no horizonte das cúpulas douradas de Tombuctu. A partir dos terraços brancos as mulheres olharão para ti, entre as pérgolas de jasmim. E depois de milhares de milhas, Depois da sede e do sol escaldante, encontrareis descanso na brisa da noite. O oásis vai-te acolher, enquanto o muezim chamar os fiéis à oração. Em Tombuctu também o rio um dia parou, cansado de sua corrida sem fim. Vento de areia, no sol nascente a partir do mato árido e seco. Nós seremos recebidos por amigos verdadeiros, como se tivéssemos um compromisso por muito, muito tempo esperado. Vamos atualizar aquele ouro, reviver todas as fontes derramando leite e mel e vamos plantar flores coloridas nos túmulos brancos. No horizonte, o sol de um novo dia perfura a escuridão que nos rodeia. https://www.liutprand.it

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Tão Triste Allan Fear Belo Horizonte/MG Após a morte de seu filho caçula de 5 anos, Ana Lúcia jurou que iria ao cemitério visitá-lo todos os dias. Ana Lúcia era uma mulher de 37 anos, magra, de boa aparência e com algumas rugas aparecendo nos cantos dos olhos. Era casada há pouco mais de 10 anos e agora apenas lhe restava uma filha de 12 anos. A pobre mulher estava arrasada, passava os dias a chorar. Seu filho querido havia saído para uma excursão com a turma da escola para uma bonita cachoeira que ficava nos arredores da cidade. Porém, o pobre rapazinho acabou se afogando, vitimado pela brincadeira maldosa de seus coleguinhas que o empurraram na água. Fazia duas semanas desde a morte do pequeno Matheus e sua triste e arrasada mãe continuava indo visitar seu túmulo, levando flores, limpando e conversando com ele como se o menino estivesse ali. Dizendo o quanto ela o amava. Foi então que Ana Lúcia passou a observar uma jovem moça, que aparentava seus 20 anos, magra, loira e muito bonita, que passava horas em frente a uma sepultura recente, chorando e chorando. Uma cena tão triste, Ana Lúcia entendia sua dor. Quem a jovem moça teria perdido? Um pai? Uma mãe? Quem sabe um irmão ou talvez um filho? Ou grande um amor? Com o passar dos dias, Ana Lúcia ficou intrigada com aquela jovem moça que ficava ali, ora sentada, ora de pé, em frente a uma sepultura, envolta em prantos e dor. Foi naquele dia sombrio, silencioso e triste de uma segunda-feira nublada, [26]


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em que havia chovido horas atrás e o cheiro de terra molhada preenchia as narinas de Ana Lúcia, que ela adentrou o cemitério levando consigo flores, um balde e produtos de limpeza para o túmulo de seu querido filho. Ana Lúcia chegou na sepultura do filho e avistou aquela jovem mulher, novamente como das vezes passadas, a pobre coitada estava desolada em frente ao túmulo. Chorando, tão triste. As lágrimas descendo por seu rosto de pele clara, enquanto ela era incapaz de conter suas fortes emoções. Intrigada e partilhando de muito sofrimento pela perda de um ente querido, Ana Lúcia decidiu ir até aquela mulher, talvez uma conversa amigável pudesse acalmá-la. -Oi, me desculpe interromper seu momento de tanta dor, mas recentemente perdi meu filho e estou arrasada também – falou Ana Lúcia ao se aproximar da jovem cujas mãos estavam sobre a face, seus ombros tremiam enquanto ela chorava e soluçava. -Quem sabe podemos conversar um pouco e assim você se acalma. Meu nome é Ana Lúcia. A jovem tirou as mãos do rosto e se voltou para Ana Lúcia, que viu aqueles lúgubres olhos verde-acinzentados e vermelhos. Havia tanta tristeza naquele olhar suplicante, seu rosto era pálido e moldado pelas linhas de angústia e dor. Muita dor. -Você pode me ajudar? – indagou a moça, numa voz embargada, falha, quase como um sussurro. Ana Lúcia notou que a jovem usava jeans e uma blusa laranjada. Ela não sabia dizer se era a mesma roupa dos dias anteriores, mas de certo era o mesmo estilo. -Sim, minha querida. O que eu puder fazer por você. – disse-lhe Ana Lúcia e exibiu um sorriso amarelo. -Quem você perdeu? Os olhos da jovem moça encontraram os de Ana Lúcia enquanto as lágrimas rolavam por sua face pálida. Seus lábios estavam sem cor e grossas olheiras sombrias estavam embaixo de seus olhos. Ela era tão bonita, mas toda aquela dor e amargura a tinham empalidecido, como um lindo desenho em papel que é amassado e pisoteado. -Preciso que você me tire daqui, eu não aguento mais esse lugar. – falou a jovem entre soluços, seus ombros tremendo, a dor indizível afligindo-a. -Já faz dias que estou aqui, sofrendo, lamentando ante este túmulo. Eu não estou suportando mais essa aflição... Aqui jaz Lizza Dalkher, 22 anos. Foram as palavras que Ana Lúcia pronunciou em voz alta lendo a lápide ao lado da jovem moça. -Lizza é sua irmã? – indagou Ana Lúcia, voltando o olhar para a jovem que pareceu confusa com sua pergunta, como se a pronúncia do nome a fizesse estremecer em uma confusa noção de realidade. [27]


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-Eu não tenho irmã. – por fim a jovem falou, piscando e encarando Ana Lúcia. -Eu sou Lizza Dalkher, é meu corpo que está enterrado aí. Um arrepio gelado invadiu o corpo de Ana Lúcia, fazendo-a estremecer e cambalear um passo para trás enquanto estudava o pálido rosto da jovem, tentando entender se ela estava fazendo uma piada ou se, de repente, estava enlouquecendo. -Você não está fazendo qualquer sentido, eu perdi um filho, por favor, não tente me assustar, está bem? – balbuciou Ana Lúcia confusa, de repente sentindo um súbito mal-estar. -Desculpe ter me intrometido, eu preciso ir... -Não! – gritou a jovem, havia tristeza e fúria em seus olhos que fuzilavam os de Ana Lúcia, -Você disse que me ajudaria a sair daqui e eu preciso sair deste lugar horrível. Mas sempre que tento meu corpo me puxa de volta! Mas agora tive uma ideia que pode funcionar. Ana Lúcia estava com medo, tentou se virar e correr, mas a jovem moça pulou sobre ela e um indescritível calafrio gélido, angustiante e depressivo invadiu todo seu corpo, congelando seus ossos, enquanto que de forma sobrenatural aquela garota se desfez em pleno ar, como se ambas houvessem se fundido em uma só pessoa. Ana Lúcia sentiu uma espécie de névoa fria, como uma fumaça espessa, áspera e com um horrível gosto de podridão invadir suas narinas e boca, sufocando-a instantaneamente. Ana Lúcia sentiu-se tonta, seus olhos se encheram de lágrimas e toda aquela tristeza da jovem moça a invadiu, se misturando com a sua dor e trazendo consigo um horror nefasto como se sua alma estivesse sendo despedaçada. Ela queria gritar, mas não podia, pois aos poucos ela começou a cair em uma escuridão profunda que a envolvia. Uma escuridão onde ela podia ouvir choros e gritos. Tão triste. Mas não havia como lutar contra aquela escuridão que terminou por engoli-la. -Agora sim poderei sair deste lugar maldito! - falou Ana Lúcia, mas já não era ela no controle do seu corpo e sim o fantasma melancólico de Lizza Dalkher que a havia possuído.

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Mar de Lama Ananda Lima Barreiras/BA O mar que costumamos contemplar por sua beleza, força e energia, foi paradoxalmente conceituado em Brumadinho, diante da tragédia que lhe atingiu nesta sexta-feira, como o mar de lama. Estamos perplexos, chocados e estarrecidos com a avalanche de rejeitos e lama que atingiu a região, ceifando vidas, sonhos, planos, caminhos. Seria obra do acaso? Seria uma manifestação da natureza? Seria Deus nos dando sinais? Não! É a ação do homem. Ação da conivência, da arrogância, da imperícia, da articulação inescrupulosa, da ambição, da corrupção que assola o nosso país em todas as esferas federativas, órgãos e meios sociais. É o “jeitinho” que se criou como cultura brasileira, que só nos diminui diante de outras nações e diante de nós mesmos. Imaginemos o desespero da população das imediações deste cenário de horror? Imaginemos a dor das famílias que já sabem que seu familiar morreu neste desastre? Imaginemos a dor da incerteza das famílias que têm pessoas desaparecidas? [29]


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Se colocar no lugar do outro nem sempre é fácil, mas é necessário termos empatia e assim ser possível fazer uma reflexão e autorreflexão. Mas, mais que refletir, precisamos agir. Há três anos acontecia algo bem parecido em Mariana. O que foi feito desde então a nível nacional para que se evitasse que episodio como aquele voltasse a acontecer? Se foi feito, foi ineficaz, visto que a tragédia volta a acontecer no mesmo estado, envolvendo a mesma empresa. É preciso destacar que a empresa Vale foi privatizada em 1997. Só nos últimos três anos tem protagonizado acidentes de grandes danos humanos e ambientais. É preciso considerar também que nos últimos anos, algumas empresas se fundiram à Vale, podendo ter trazido uma maior flexibilização em procedimentos e equipamentos, para se garantir o quanto mais melhor. A fragilidade na segurança colocando em risco as vidas humanas, a fauna e flora de toda a região, podendo ter problemas ambientais mais severos do que podemos imaginar até aqui, destruindo famílias. A dor é incomensurável. Os danos ambientais também.

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Amor por encomenda Belmiro Dias António Mouzinho Zambézia, Quelimane, Moçambique Embrulha-me feito presente com toda sua delicadeza, cuide de mim com as prudências dos teus horizontes, alcança-me os desejos pelas entranhas e me cura as vaidades a flor da pele, seja meu eterno milagre. Encomendada saudade por meio de teus predicados, pra que possa saciar meus ouvidos, arrepiar o meu corpo por inteiro, diante do teu sorriso reluzente, nessa mistura de mulher humilde, inocente e nobre, fundida no perfume atrevido do teu corpo pelos caminhos da ternura. As vezes o ciúme toma directrizes da paixão, do zelo, do medo de perder o que a muito se almejou, a encomenda descida dos céus, a devoção a uma única mulher, sendo parte de um homem, estimulando o amor feito luz, saciando a minha sede de amor. És gota de felicidade que tanto esperei acontecer, pois, o milagre do amor não se faz acontecer sem propósito, é como uma onda gigante que se tem de tentar surfar, sem si quer antes aprender a nadar!

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Lágrimas de uma Luta Interna Davi Alexandre Schoenardie Celso Ramos/SC Moço, sai desse vazio... Talvez há algo novo lá fora, Talvez você seja um meteorologista revolucionário, Talvez esteja chovendo sorrisos nublados, São lágrimas de uma luta interna...

Moço, sai desse vazio... Talvez suas conversas não terminem em um adeus, Talvez seu sangue seja para sempre jovem, Talvez esteja fugindo de si próprio,

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São lágrimas de uma luta interna...

Moço, sai desse vazio… Talvez seu olhar interno embaça o coração alheio, Talvez tu seja esse desastre lagrimoso, Talvez essa dor vá embora, moço, São lágrimas de uma luta interna...

Moço, sai desse vazio… Talvez o abraço das lágrimas transpasse amor, Talvez seu encanto amanse a aura alheia, Talvez a pluralidade de suas curvas singularize, São lágrimas de uma luta interna...

Moço, sai desse vazio… Talvez o amor seja o vapor de seus lábios, Talvez as solitudes sejam um universo abstrato, Talvez o (re)começar seja aquela parte floral da vida, São lágrimas de uma luta interna...

Moço, sai desse vazio… Talvez enternecer sua flora é uma gentileza interna, Talvez suas fotografias sejam poesias, [33]


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Talvez o efêmero seja colorido, São lágrimas de uma luta interna...

Moço, sai desse vazio… Talvez essa luta interna tenha fim, Talvez o silêncio ecoe, Talvez o sentir materialize a dor, São lágrimas de uma luta interna…

Moço, sai desse vazio… Talvez sua essência silencia, Talvez a ternura torna-se cinzenta, Talvez o mundo torna-se tóxico, São lágrimas de uma luta interna…

Moço, sai desse vazio… Talvez o mundo tóxico exale paixão, Talvez suas lágrimas não mais escorram pela janela, Talvez sejamos eternos guardiões da dor, São lágrimas frágeis, São lágrimas não pertencentes, São lágrimas escorrentes, São lágrimas destruindo parte de meu ser, Lágrimas de uma luta interna… https://www.facebook.com/davi.alexandre.schoenardie [34]


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Fiz das trovas coração Luisa Costa Cisterna Calgary/Alberta, Canadá Quando engasgada com palavras de amor, recorro às letras para me trazer alívio – meu bem-querer, faço, por você, das trovas coração. Falar simplesmente não traz consolo; preciso embaralhar as palavras, sacudi-las e espalhá-las no tabuleiro de papel branco e, como em um quebracabeças, formar a imagem da paixão. Aquele que ama, não vive sem versos e prosa. Na madrugada insone, olho para o teto por onde passeiam as sombras dos galhos, que entram furtivamente pela janela do meu quarto. O amor me acordou, sempre me pregando essa peça na calada da noite. Uma palavra e mais outra rimam a saudade que aperta meu peito. Não há descanso, não há sossego. Viro para o lado na cama macia e observo o bailar da cortina leve. Descarto um verso e tento outro. Para o amor, só a mais melodiosa canção. Se o barulho é de sapo ou de coruja, já não sei. O que sei é que as batidas do meu coração reverberam entre as quatro paredes na batucada da paixão. Se ao menos eu tivesse o domínio das tantas letras para anunciar meu amor, seria livre da dor que me consome. A distância é uma lança e o tempo, meu cruel algoz. Tento novamente um acordo com as sílabas, mas elas, teimosas, correm para lados opostos. A brisa, cansada do marasmo, transforma-se em vento forte. Espalha as folhas secas, que alçam voo e invadem meu refúgio. Quem dera o vendaval trouxe para mim aquele que longe está. O trovador dentro de mim pastoreia as palavras para o aprisco dos versos sem conseguir, no entanto, o rimar do seu amor. A frustração é grande. Nenhuma cooperação das palavras para me tirar da angústia. Meu bem-amado tão distante espera de mim esses versos, nossa

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linguagem da devoção. Passo e repasso os vocábulos tão difíceis de versificar, mas não desisto; insisto. O que eu achava perdido vai ajustando o foco e o lirismo que julgava extinto vem chegando elusivo. Um e outro, o verso se forma. Era esse finalmente o alívio que procurava? Meus olhos estão pesados e o coração, conturbado. Preciso dessas rimas para o fim do meu martírio. Prendo uma e depois outra na minha rede como quem caça borboletas. Essa sim; essa não. Flutuo como a pluma pela trova do meu coração. Sem você eu não existo Faço tudo e insisto No peito só afeição Em forma de devoção Com um longo suspiro, para o outro lado me viro. As pálpebras pesadas descem pelos meus olhos cansados e o coração acalma seu descompasso. Essa era a mensagem para meu amor, tão longe em outro hemisfério. Deixo-me embalar pelo coaxar e pelo chirriar. O vento, cansado de se exibir, volta a dançar como brisa suave que só levemente lambe a cortina. Minha mente, satisfeita, captura a trova e a envia ao coração. Amor, essa é minha mensagem para você!

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Menino valente Meg Mendes São Paulo/SP

Eu achei que morreria naquele dia, e talvez eu morresse mesmo. Estava fraco e com muita dor, havia sido maltratado e jogado fora como lixo. O mato do terreno me escondia, eu chorava de dor e as pessoas pareciam não se importar. E esta agonia durou um dia e meio, até que eles apareceram. — Olha amor, tem um gatinho aqui. — Ela falou pro outro. — Acho que está machucado. Fui enrolado num pano gostoso. Acho que era a blusa dela, eu estava com medo. Não sabia se aqueles dois me maltratariam também. Apenas fiquei quieto, não tinha muito o que fazer. Acho que peguei no sono e quando acordei, estava num lugar estranho. Haviam outros animais feridos. Alguns estavam só de mal humor mesmo, não entendi bem o porquê. Os humanos que me acharam, ainda estavam lá. Ela me olhava com um pouco de tristeza e me segurava com delicadeza. Será que eu estava tão mal assim? E ele andava de um lado a outro. — Vocês já podem entrar. — Ouvi alguém falar de repente. Não pude ver quem era. Logo estávamos andando. Entramos numa sala que tinha um cheiro que ardia meu focinho. Tudo era muito estranho. A pessoa da voz me pegou, me tirou do pano fofinho e me colocou numa mesa fria. Então a dor voltou. Senti ele me apalpar e chorei. — Está com uma costela quebrada. Vou precisar de raio x. Terá que ficar no soro, pois está muito fraco e com desidratação. — Não entendi o que o homem dizia.

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— Ele vai ficar bem? — Ela perguntou. — Não posso garantir, o estado dele é grave. Ele é muito pequeno. Mexeram tanto em mim que não conseguia mais chorar. Eu me sentia fraco. E no final eles foram embora. Me deixaram sozinho lá. Eu achava que nunca mais os veria, até que no dia seguinte lá estavam. Eu não conseguia levantar para falar com eles. Mas isso não pareceu ofendê-los. Ela veio e sentou bem perto de mim, colocou a mão na minha cabeça e fez carinho. — Como ele está? — Ela perguntou. — Muito debilitado. Precisará passar por uma cirurgia caso contrário a costela quebrada pode perfurar o pulmão. É um milagre que não tenha acontecido. Se vocês não o tivessem encontrado não resistiria mais um dia. Eu estava muito fraco. Não conseguia entender porque tinha tantas pessoas perto de mim naquela tarde. Rasparam meus pelos nas patas e começaram a me furar. Aquela sensação doía, mas logo passava. Será que mais uma vez eu seria maltratado? Por que as pessoas fazem maldade conosco? Logo comecei a sentir muito sono. Não sei dizer por quanto tempo eu dormi, mas me sentia muito mais fraco do que antes. Eu tinha curativos em todo o corpo, porém no fundo senti que começava a melhorar. Fiquei me perguntando onde estava a moça carinhosa. Quais eram as chances de eles continuarem voltando? Eles não me conheciam, apenas me acharam jogado e machucado. Não significava que precisavam ir me ver, mas eles iam, dia após dia. Demorei um tempo para me fortalecer e conseguir ficar de pé, porém no dia que isso aconteceu, aquela moça ficou vazando pelos olhos. Ela sorria pra mim é dizia que eu era um garoto valente. Isso podia dizer que eu estava melhorando. E era isso mesmo. Eu ficava feliz quando eles apareciam. E me esforçava para mostrar que estava bem. Depois disso não passou muitos dias até que eu os ouvisse conversando. — Ele está liberado para ir para casa.

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Senti desespero, afinal eu não tinha uma casa para ir. Teria que voltar para o local onde estava antes. O que seria de mim? — Ouviu isso? — Ela me perguntou sorrindo. Miei em resposta. “Não tenho casa. ” — Ainda precisará de cuidados. — O homem que cuidou de mim continuou. — Vou passar algumas receitas. Foram saindo da sala e eu segurei a blusa dela. Não queria ficar sozinho. — Eu, calma! Eu já volto. Ela se soltou de mim e eu fiquei lá. Tinha medo dela não voltar. Sei lá, eu já estava curado. Talvez ela fosse embora para sempre. Então ela voltou, como disse que faria. — Olha o que eu trouxe pra você. Uma coleira com o seu nome. “Como assim? ” Eu não tinha nome. Ela tinha me chamado de gatinho e de valente, mas eu não sabia ao certo qual dos dois era meu nome mesmo. — Vou te chamar de Valentim, meu menino valente. Ela colocou a coleira no meu pescoço. Aquilo era estranho. — Vamos Valentim, a mamãe vai te levar pra casa. Não pensei duas vezes e pulei no colo dela. Esfregue meu focinho nela. Saímos daquele lugar é fomos para casa.

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Black Ronaldo Dória Jr Rio de Janeiro/RJ

“Tão bonita. O que estraga é esse cabelo ruim”. A pequena era jovem demais para compreender o que ouvira. Enrolando os cachos crespos - o que fazia sempre que estava distraída ou meditativa -, ela se questionava o que seu cabelo havia feito de errado.

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Prelúdio Regina Ruth Rincon Caires Araçatuba/SP

Pela escuridão do quarto, imagina ser noite. Ou madrugada... Perdera a noção do tempo. Foram muitas mortes, muitos renascimentos. Tanta aflição, tantas dores, tanta luta! Mas, agora, vindo não se sabe de onde, é invadido por um deleitoso sossego. No silêncio, entrecortado pelo gotejar do soro no equipo, os pensamentos, de maneira incansável, se avolumam, se atropelam como se disputassem uma corrida derradeira. E no peito, o retumbe do coração mais parece o bater das asas inexperientes do menino passarinho. Sabe que está longe disso. A inércia do corpo não lhe permite observar aquilo que não esteja na direção dos olhos. Vê o teto, apenas o teto. Ainda lhe restaram os ouvidos. Ouve perfeitamente. E sente o toque. Incomoda-se quando percebe os olhos mendicantes de Leninha. Sabe que ela procura uma certeza. Quer saber se ele está ali, se a escuta, se a reconhece. Mas, infelizmente, não tem o controle da resposta. Leninha deve estar por ali, em algum lugar do quarto. Há um ressonar leve espalhado na penumbra, tão leve quanto ela. Companheira de vida, cumplicidade velada. Filhos não brotaram. Apesar de a expectativa levada por toda vida, percebeu que a esperança escorreu pelos cantos dos olhos quando Leninha sentiu que as regras haviam cessado. Neste dia, chorou. Foi a única vez que se mostrou derrotada. Aconchegada nos braços ternos de Nestor, extravasou a dor da frustração. Alisava a barriga com desdém, com raiva, dizendo-se seca, estéril. Menosprezava-se. E sabe que deveria ter amenizado a dor da companheira. O problema poderia não estar com ela! Nunca avaliaram, nunca procuraram orientação

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médica. Poderia ter dito isso a ela. Mas não disse. Talvez por orgulho, talvez por culpa. E ela nunca aventou tal possibilidade. Talvez por respeito, talvez por amor. Para ele, a vida era um querer sem freios. Eram metas, metas e metas. Alcançada a primeira, nem a degustava e já era sugado pela engrenagem da próxima, da próxima e da próxima. A vida era uma moenga de momentos, de sonhos. Para Leninha, não. Passava, plena, pelos minutos, pelas horas, pelos dias, pela vida. Talvez o constante brilho do olhar e a perene ternura do seu trato tenham norteado e protegido a caminhada confiante de Nestor. Para ele, isso era absoluta convicção. Pena nunca ter dito a ela. Há um ressoar de passos no corredor. Deve ser a enfermeira. Cerra os olhos. A voz suave, sussurrada, avisa que vai substituir o soro e ministrar um medicamento. O líquido queima e dá a sensação que vai rasgando a veia quando injetado na canícula. Certamente deve ser sonífero. Ou analgésico. Interessante que, hoje, as feridas das costas não latejam. O colchão d’água está mais suportável, refrescante. A enfermeira sai e Nestor reabre os olhos. Ainda bem que Leninha não acordou. Continua ressonando, mansamente. Sempre foi assim, sono profundo, restaurador. Talvez seja pela ausência de remorsos. De volta à penumbra, os pensamentos voam para as palavras irreverentes da mãe, lá atrás. Ela dizia que todo moribundo, antes de morrer, apresentava uma melhora assustadora. Mas que isso não a enganava. Sabia que a morte era matreira e que só queria abocanhar a vítima com mais vigor. Nestor sente vontade de rir, de gargalhar… A alma gargalha. Leninha acorda. Busca, com os pés, os chinelos no chão. Aproxima-se da cama. Agora ele a vê. Está colocada bem de frente, na mesma direção dos olhos dele. Bonita. Mesmo com os cabelos grisalhos totalmente desgrenhados, continua formosa. Serena. Mas os olhos embaciaram. Olha fixamente no rosto do amado, bem de perto. É possível sentir o respirar pelas narinas. Tão perto, tão longe... Nestor sente a carícia das mãos que passam pelos cabelos, pela testa, pelo rosto... Leninha fala com os olhos, abraça com o cuidado. E ele se abandona no

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abraço. Quer matar a saudade. Quer tocar aquele rosto, agradecer, gritar o seu amor. Impossível. Mas ela sente, ela sabe. Sempre soube. Nestor fecha os olhos. Quer emoldurar, na memória, aquele rosto. Quando os reabre, ela não está mais ali. Silenciosa, voltou ao descanso. E ele, num turbilhão de pensamentos. Continua mais forte que a droga que lhe foi injetada. De repente, o peito inicia um repique. Batidas aceleradas do coração provocam certa confusão nas ideias, parece que o corpo todo estremece, uma onda de calor insuportável percorre as veias, queima. Depois, abranda. Chega um frio abominável, insano. Ele sabe que são as asas na constante luta pelo voo. Devem carregar o cansaço acumulado por tantos anos. Puxa vida, tem ainda tanta coisa para pensar! Mas está confuso. Não consegue conectar o fio do pensamento que estava por ali, com ele, ainda há pouco. E sente um cansaço incontrolável, os olhos pesam, as ideias fogem. Nem ouve mais o ressonar de Leninha. O gotejar cessa. O dia ainda nem clareou e o soro foi retirado. Leninha tem a certeza da qual tanto se esquivara. Ele não está mais ali. O velho pássaro pousou.

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Mater Dolorosa Tauã Lima Verdan Rangel Mimoso do Sul/ES

Provocante maternidade O sonho de humanidade Geme a parturiente Em dores exaurientes Pelo rosto suado, Exala o sofrimento indomado Grita, em tons inaudíveis, em agonia Uma tristeza, uma pesada sinfonia O sangue mancha os trapos esfarrapados Nasce a criança em um fardo surrado Qual futuro a espera? Uma incógnita se revela Lamenta a materna pobre [44]


LiteraLivre Edição Especial nº 03 - 2019

O destino, a triste sorte O futuro assombroso E o pérfido riso jocoso Inocente criança nascida, Com um sorriso puro, quando crescida, Não é capaz de imaginar ou mesmo esboçar Quantas trilhas sinuosas estão a te aguardar Não concebe o jovem audaz Como o futuro é voraz Como a violência é arredia E como o aço brandia Melancólico destino que se descortina Cambaleante, o jovem segue sua sina Tropeça aqui, cai lá Atingido por uma bala a lhe fulminar Um grito seco, uma oração emudecida Estende a mão, de sujeira enegrecida Em busca de perdão, de alento Resta a solidão, uma dor, um tormento Eis o filho nascido Sem futuro a ser concebido Cai sem vida na via ardorosa É o destino, mater dolorosa! Em gritos mais uma vez O suor escorre por sua tez Não são as dores da parturiente Mas a perda do filho inocente [45]


15ª Edição: Mai./Jun. – 2019 Aline Eni Costa - Guará – Brasília/DF - A Gente Enfrenta Caroline Cristina Pinto Souza – Botucatu/SP - Cisne Negro Cleidirene Rosa Machado - Catalão/GO - Cerveja Adultera Iris Aparecida Franco - Diadema/SP - Conto de Vida J L Silva – Florianópolis/SC - Nada detém a fera Lenilson Silva - Pedras de Fogo/PB - Flor e chuva Paulo Luís Ferreira - São Bernardo do Campo/SP - O Dia Em Que Acordei Morto Rosangela Maluf - Nova Petrópolis/RS - A Mulher ao Piano Vera Raposo – Teresópolis/RJ - A casa da minha avó Verônica Lazzeroni Del Cet – Holambra/SP - O morador de rua e a lição de gentileza


LiteraLivre Edição Especial nº 03 - 2019

A Gente Enfrenta Aline Eni Guará - Brasília/DF A minha alma chora

Estão a viajar de avião

Mais um jovem se cortou

Mais uma mulher foi morta

A minha alma chora

Vítima do marido

Ela se ilude

Ou companheiro

Pensa que isso vai acabar com sua dor

Ou vítima da síndrome de Narciso.

Coração no peito implora

Ela comeu

Um basta em tudo isso que a gente vê

Depois se arrependeu

Mais um negro descriminado na escola

A numeração não deu

Na rua pensam que é ladrão

Respeite suas curvas

Ligando a TV posso ver

Mais um idoso maltratado

Tem muito ladrão de terno

No canto jogado

É tanto horror

Deficientes e cadeirantes

Não tem para onde correr

Foram votar

Vejo o protesto

Não tinha rampa lá.

Mulheres nuas saindo para a rua

Como no transporte publico

Bastava apenas despir o coração

Nada funciona.

Toca mais o que se tem para dizer.

Mais um morreu na fila do hospital

Mendigos pedindo esmola

Erro médico.

Feito pobres tapetes surrados

Aquela que era para dar amor

em nossas calçadas

A sua criança espancou

Ao invés de ir à escola

Até que seu choro se calou

Brincar e jogar bola

Morte da esperança

Tem criança no sinal

Ainda pequeno

Pedindo o pão

Teve sua trajetória interrompida

Ao invés de investir

Alguns impedidos de nascer

Em saúde e educação

Não conheceram a vida [47]


LiteraLivre Edição Especial nº 03 - 2019

Mas tem muitas vidas

Sem guerra entre grupos

E muitas delas

Conquiste o seu espaço

Talvez melhor não conhecer

Sem ser só mais um

Tem coisa que é difícil.

Apenas ame

Se perdeu no vicio

Respeite as diferenças

O criminoso preso

Saiba ouvir

Já esta solto.

Não sejamos como “animais”

Aqui esta tudo revirado

(Que me desculpem os animais)

Bem bagunçado

Vamos ser racionais

Crimes por ódio

Menos regras

Número um no pódio

Menos rótulos

Escolha nenhuma merece sentença.

Menos grupos

Protestou de forma bruta

Já tentaram isso

E grotesca

E como pode ver não deu certo

Cuidado com os excessos

Seja esperto

Ordem

Vamos ser todos Um.

E Progresso

Somos iguais em nossas diferenças.

Trate como quer receber

Cada qual com a sua crença.

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Cisne Negro Caroline Cristina Pinto Souza Botucatu/SP

Caída em desnorteio, lágrimas dispersas numa ensanguentada foz Infinito tiroteio, engolida ao torturante compasso feroz Sem qualquer amparo, corto as minhas opacas asas Nociva, eu disparo – as expressões cuspidas em brasa. Enfeitiçada num infame ardor, iludida por marital promessa Negligente, amador, o cretino cupido regressa Ecoo ganidos como lobo no solitário camarim Guardo-me ao indefinido, orquestro silêncio fim. Ressonante utopia, a face vazia Oscilada e sombria... tão logo... minha última pena se desfia.

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Cerveja Adultera Cleidirene Rosa Machado Catalão/GO Algumas cervejas descem mais redondas. Não importa se é da Boa Se é a Número 1 Se é da Forte alemã Algumas cervejas descem mais redondas! Engarrafadas e entregues a ele: Um beijo gelado, molhado, Sem vergonha A boca redonda que desliza lisa Garrafa maldita Não se contenta com o beijo de um homem! -Aceito um gole! ...Por favor, amor! Uma garrafa loira Uma loira gelada Uma mulher pelada Tão gostosas, tão rebeldes Hemafroditas! Tão malditas.

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Conto de Vida Iris Aparecida Franco Diadema/SP — (…) fim. Aquele fim seria um dos tantos começos na vida daquela jovem pululante de cabelos mais rebeldes que sua essência. A cama gemia e reclamava das dores impingidas ao gradil, mas o êxtase era tão grande que dificilmente a pequena jovem daria ouvidos aos gritos dos seres animados ou inanimados. E, naquele quarto, cujas paredes rachadas deduravam que fora branco, verde, rosa e agora azul, ela dizia: — Quando crescer, vou ser igual à Branca de Neve! — vestindo um pijama tão rasgado que o tempo tivera dó de estragar o resto, berrava a frase com ênfase. — Filha, a verdadeira heroína dessa história é a bruxa, não a princesa. Ela estava o tempo todo tentando alertar do verdadeiro perigo. — a mãe passa a mão no ombro da filha para deitá-la na cama. Meio ressabiada com a fala da mãe, meio sonolenta, a menina se afoga nos sonhos com o único pensamento de que o bem sempre vence o mal, uma verdade insofismável. A menina era uma mãe zelosa com as bonecas, tão cuidadosa que sacrificou as férias trabalhando por um real a semana para comprar panelas e um fogão com o escopo de alimentar as filhas. Uma introdução dos pais ao capitalismo combinada com o sacrifício que apenas uma mãe de verdade faria pelas filhas de mentira. Assistia novelas, filmes de romance, desenhos e ouvia histórias de princesa. Acreditava naquela época que aos 18 anos seria modelo, médica, desenhista, mas, principalmente, casada, com três filhos e um cachorro da cor creme. Seu marido seria lindo, teria uma Ferrari e uma mansão na França. [51]


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Conforme os anos foram passando, percebera que não tinha o corpo de uma princesa, a altura de uma princesa, o cabelo de uma princesa, nem a cor de uma princesa. Escondia-se do mundo com um capuz, todavia, apesar do pegapega com o espelho, não conseguia se esconder. Depois do cansaço ter vencido a degradação, resolveu sorrir. Sorriu porque um dia sentou com a genética em uma mesa de bar. Entre um copo de cerveja e outro, a genética silabava que renegar a beleza dada, é ter vergonha da origem. Amava tanto a origem que não via mais sentido em não se amar. E, depois de muita leitura e tropeços, percebeu que o grande objetivo da maioria dos filmes e meios similares é a infelicidade das pessoas. Se um indivíduo é feliz, não precisa ser etiquetado ou curar sentimentos de forma paliativa por meio de compras desnecessárias. Nossa economia precisa girar e a infelicidade é a grande moeda do sistema. Decidiu que a própria infelicidade não seria fonte de lucro, em um protesto silencioso, resolveu ser feliz. Entretanto, ainda procurava um príncipe. Nas andanças, escolheu o futuro rei da monarquia. Um príncipe com All Star preto: alto, moreno, forte e com um sorriso, um sorriso… No começo, promessas, odes, sonhos e desejos. Contudo, com o tempo, o príncipe começou a se importar com a classe social dela, a achar que era burra demais para estudar no mesmo lugar que ele, passava dias sem ligar e além de roubar o coração da moça, no meio do caminho, o príncipe resolver levar também o seu dinheiro e dignidade. Mas, na cabeça dela, ele era o príncipe, se o encantador rapaz não tivesse bradado que queria romper por estar gorda e não ter os parafusos no lugar, talvez, até hoje, acharia que ele era o príncipe. Passou por vários príncipes que viraram sapos, trasgos, medusas, íncubos, os quais, por um tempo, conseguiram transformá-la em um monstro trancafiado na torre da amargura e indiferença.

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Distante de todos, até dela mesma. Brigando com os problemas e aflições amorosas, um dia encontrou uma outra princesa dos tempos de escola, a qual estava na fila para ingressar na grande carruagem metálica, apelidada carinhosamente de ônibus. Na cabeça, vieram as lembranças empoeiradas da colega de classe, uma das garotas rotuladas como “popular”. Lembrava daquela moça de curvas atraentes e riso fácil, cujos cabelos balançavam pra lá e pra cá no ritmo da vontade do vento. De repente, a mulher, que não mais se assemelha com aquela garota, vira para cumprimentá-la, o rosto não só está desgastado pelo tempo, mas arroxeado. O sorriso, antes tão branco, estava incompleto e desgastado. O corpo antes tão jovial tornou-se um pergaminho dos maus tratos, naquele momento, contou que estava fugindo para tentar viver. A colega, agora de curvas cansadas, era a introdução ao apodrecimento do mundo. E depois dessa princesa, outras princesas contaram o que acontecia depois do

fim

do

conto

de

fadas:

tapas

no

rosto,

socos

(algumas

voltavam

recorrentemente na esperança de ser “só esta vez”), estupros, tentativas de suicídio, passadas de mão (no ônibus, na rua, seja criativo(a) em imaginar os lugares), abuso de professores, chefes, colegas de trabalho, desrespeitos psicológicos, nomes pejorativos por praticar a mesma conduta que o sexo oposto, fotos expostas para o público e todas na espera constante para saber quem será a próxima a entrar na estatística do extermínio de uma princesa a cada duas horas. Hoje em dia, a menina do começo da história é uma mulher de cabelos comportados e um pouco brancos, minguada e acrimoniosa, vive e ouve o que a mãe disse. Entendeu que a bruxa não era uma bruxa, mas sim, uma mulher experiente, cujas rugas e verrugas mostram anos de malvadeza transvestida de carinho, tenta ensinar que o melhor amor é o próprio e envenena as princesas com a maçã da verdade.

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Mas a verdade distorce tanto nossas verdades que é mais reconfortante acreditar na mentira. A mentira, tanto na ficção quanto no mundo real, só é descoberta no final da história. E o final de um conto de fadas, pode ser o fim de uma vida. A mulher experiente, injustamente apelidada como bruxa, apenas deseja que as princesas sejam rainhas do próprio destino.

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Nada detém a fera J L Silva Florianópolis/SC nada detém a fera nem o grito estrondoso nem o soco vigoroso nem a tocaia da espera nem o latejar da veia nem o rosnar dos cães nem a litania das mães nem a nossa cara feia nem a luta cotidiana nem os muros que erguemos nem toda a força que temos nem o fio da durindana nada detém a fera nem mesmo o asco do povo nem mesmo a Verdade e o Novo nem mesmo o fogo e a Quimera nada detém a fera nada detém a trapaça do golpe no sonho da massa desfechado era após era nada desata a mordaça [55]


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da estória e seu patrão oprimindo os que não tem pão com a verborragia e a farsa nada detém a fera e a sua malta vadia apagando a luz do dia enquanto a manada espera nada, nada como esta lei do cão que anda de traição em traição neste mambembe país onde tudo está por um triz

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Flor e chuva Lenilson Silva Pedras de Fogo/PB Aquela flor não merece ficar ali trancada Não deixe ela ali Abra aquela janela Precisa de chuva Precisa se inteirar com as outras flores Não tenha medo Não tenha ciúmes Ela já tem sua própria essência Então o que temer? Ela precisa encantar outras São de flores assim que precisam este mundo

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O Dia Em Qe Acordei Morto Paulo Luís Ferreira São Bernardo do Campo/SP

Riam! Podem rir à vontade! Pois eu também ri muito na manhã daquele dia. Quero dizer pensei em rir, mas não pude, pois não conseguia nem me mexer. Achava-me atado. Sentia-me como se estivesse embalsamado. Envolto em flores, cravos, incenso e velas. Este cenário eu vi, quando após muito esforço abri uma frestinha de uma das pálpebras para encarar a cruel realidade. Paralisei por completo. Sem antes não me apavorar com a situação. Inacreditável! Vivo e acordado, porém morto. Você deve estar se perguntando: como veio isso acontecer, acordar morto!?... Mas foi isso o que aconteceu. Acordei mortinho da silva. Por muito tempo relutei em contar este sucedido. Pois como é sabido defunto não tem memória e muito menos escreve. Com exceção de alguns espectros miraculosos a serviço de charlatães. — que não é o meu caso. — No entanto, estou eu aqui narrando esta atípica história que, por mais inverossímil que pareça, acredite! É verdadeira. Pois, como bem disse Machado de Assis, eu também esclareço: a franqueza é a primeira virtude de um defunto. E os fatos estão descritos conforme o acontecido e sentido no dia em que acordei morto. E como bem dedicou o mestre em suas memórias póstumas, eu também dedico este relato àquele que primeiro empunhar a alça do meu caixão; o que provavelmente já deverá estar com a fértil imaginação a deslumbrar os vermes a passear sobre e por entre meu cadáver. Contudo, deixarei uma luz às evidências; [58]


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avisando que usei do mesmo recurso do qual recorreu o Machado, para expor no papel suas memórias. Entretanto, como ele, também me recuso a dar maiores esclarecimentos. Quem quiser saber minudências a respeito de tão refinada técnica: escrever após a morte, que o faça como fiz eu e o Assis. Morra e decifre o enigma. Mas isso fica por conta de vocês. Não serei eu a dar luz a tão primoroso e excepcional recurso. Mas, enfim, como diz o dito: “Não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe”, agora o que importa mesmo é que eu não tenho mais credores. Que maravilha! Que beleza!... Não devo mais pensão alimentícia... E o melhor: adeus dívidas com cartão de créditos! Tchau amantes exploradoras dos bens alheios! Pois, como bem diz aquela velha piada: “Mulher é como furacão: quando chega é molhada, selvagem e devastadora. E quando se vão levam tudo o que é seu: casa, carro, livros, discos, cuecas!” Mas agora, de corpo novo, espírito leve, sem o cansaço das homéricas ressacas, poderia começar tudo de novo. Finalmente, zerado! — comemorava eu. Entretanto uma coisa ainda me incomodava. Eram os resquícios do velório. O forte cheiro de flores e cravos murchos, restos de incenso queimado, tocos de velas nos castiçais ainda acesos. O ataúde apertado me estorvava o corpo. Estaria eu inchado? Resolvi me levantar, sair do ataúde. Antes, porém, alarguei um pouco mais a fresta das pálpebras e olhei dissimuladamente em volta, e o sobressalto: dei com a fatídica figura da morte e sua afiada foice, aos meus pés, na ponta do caixão com um sorrisinho safado. Não tive a divina coragem de me mexer, muito menos de me levantar. Procurei me tranquilizar. De repente um tremorzinho: O véu que cobria o meu rosto fazia uma cócega irritante nas ventas. Arrisquei fazer um biquinho, forçando um soprinho para afastar uma mosca que acabara de pousar em cima do lábio superior. A sensação de inércia no corpo era assustadora. Muito embora eu não estivesse com medo! Pois, como diz o provérbio: “Quem não morre não vê Deus!” Logo eu que enfrentei a ditadura nos anos de chumbo de poesia na cabeça e papeiro na mão, não seria uma desconfiançazinha de que estava morto que iria me borrar as calças. Até já imaginava o epitáfio na lápide do meu túmulo: “Minha vida não passou de um reles plágio de outras tantas e iguais vidas anódinas que pululam esse mar de mediocridades chamado de humanos”. Naquele instante o que me contentava era a perspectiva de uma vida nova que despontava. Mas também me apavorava a ideia de ter morrido realmente. Logo agora que as coisas estavam dando certo pra mim. Depois de três anos, acabara de escrever meu novo livro de contos. Finalmente foi publicado. Deleitava-me com minha namorada nova. Havia aprendido a beber cerveja, pois [59]


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a ressaca era menor que a do velho whisky e da vodka de segunda categoria, as coisas iam de vento em popa, tudo caminhando bem, supimpa! Mas no momento, o que irritava mesmo era aquela posição incômoda de paralisia. Sentia a bunda achatada, dormente, os dedos duros e frios como os de estátuas de cemitério. — perdão pela redundante gracinha — E aquela mosca cada vez mais azucrinando, pois descobriu que não despertava reação em mim, então usou e abusou de seus voos e zumbidos, ziguezagueando dos olhos para o nariz, do nariz para as orelhas. Ameaçou olhar até dentro do ouvido, e circundou com aquele som horroroso zuim, zuim... Filha de uma... Quando comecei achar meio estranho: onde estavam as pessoas? Já havia acabado o velório? Há quanto tempo eu estava morto? A que horas iria ser o enterro? E se eu começasse a feder a ponto de eu mesmo não me aguentar?, não suportar o odor da minha própria podridão? Não, não pode ser, esse tipo de controle sobre a vida de ontem e a morte de hoje... Como escritor, sim, poderia manipular a personagem. Porém, tratava-se de minha própria vida, ou como queiram, de minha morte. — já dizia Heráclito de Éfeso, há quinhentos anos antes de Cristo. — “A verdadeira constituição das coisas gosta de ocultar-se”, quem sou eu então para duvidar da experiência de morto/vivo que experimentava naquela oportunidade que a existência me proporcionava! Mamãe disse certa vez quando pilava café: “Bom dia pilão!” e o pilão respondeu: “Bom dia dona Maria!” A partir daí, claro, eu acredito em tudo. Dei mais uma espiada com a frincha dos olhos, a coisa já não estava mais me espreitando. Então sem delonga, sem mais especulações sobre as circunstâncias, e com o espírito leve, quase flutuando, saí do ataúde e caminhei claudicante, escorando-me pelos móveis, assustado e curioso. Quando ouvi um sonoro: “Aonde vais tu oh garboso infante?” Era a cretina dona morte com seu sorrisinho cínico. E num estardalhaço de rá, rá, rá, sumiu num tufo de fumaça. Ah, ah, ah, digo eu sua idiota! — disse eu sem nem um tico de medo. — E não lhe dei mais trela. Então resolvi tirar uma com a cara dela, brincando de fantasminha. Atravessei a parede do quarto; subi para o teto do corredor e andei de ponta cabeça até chegar à sala. Quando meu olfato foi aguçado. Era o aroma inebriante do charuto de papai. Era mais que reconhecível aquele cheiro/sabor de Havana. Papai datilografava em sua velha Remington. Num ímpeto de emocionante alegria eu gritei: “Pai!... Papai!” O vulto não respondeu. Aproximei-me e vejo que escreve alguma coisa. Pois como eu, papai também fora escritor. Melhor dizendo, como papai, eu também sou escritor. Com a diferença que papai era cronista dos bons. Não eu, um reles narrador de historietas inverossímeis. Um beletrista escrevinhador. Adiantei-me um pouco e li no alto da página o título da crônica que escrevia: “O DIA EM QUE MEU FILHO ACORDOU MORTO”. Tentei apoiar minha mão em seu ombro para indagar o que [60]


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se sucedia; debalde. Só encontrei o vazio da incorpórea matéria. Era apenas um espectro no espaço vazio. Perscrutei a ampla sala com minuciosa atenção. Clara, muito clara a luz que invadia pela janela aberta. Luminosa luz branca. Olho lá fora, mas nada vejo. É tudo tão branco. Estou cego?... O que vejo, porém, não é a negritude da cegueira; é um branco leite... Não! Isso é pura influência do Saramago, no tratado sobre a cegueira, que acabara de ler recentemente. Apavorado volto o olhar para dentro da casa. Agora vejo o corredor, que bom!... A morte é familiar; a casa de infância, meu pai, minha mãe, o delicioso cheiro do café, os passarinhos cantando no quintal; o Romeu, nosso velho e estimado gato lambendo os beiços do leite bebido; Xuxa, nossa cadela querida, roendo seu osso na entrada do canil; o longo corredor. Lá no fundo uma luz. Imagino que seja a velha cozinha. Sinto o gosto no cheiro do café da mamãe. Vou lá, vou assustar a mamãe. Vou dizer: “Mamãe voltei!... Veja, olhe!... Sou eu, seu filho!...” Emocionado e feliz da vida, segui pelo corredor rumo ao delicioso sabor cheiroso do café passando pelo coador. A decepção foi instantânea. No fim do corredor não havia cozinha, não havia café nem mamãe. Era só um vazio. Quimeras. Atordoado, na volta da cozinha tropecei em algo. Eram livros espalhados pelo chão, caídos ao pé da estante. Agachei-me e peguei o primeiro que me veio à mão. Rá... Rá... Era exatamente meu último livro de contos. Abri e li a dedicatória: “Este é para ti Laura Maria de quem espera a leveza do teu ser...” Era o exemplar que ia dar a minha nova namorada... Que alegria senti... Arrumei os outros na prateleira. Foi então que as coisas voltaram ao normal. Os móveis na ordem, em seus lugares como dantes. Teria sido um pesadelo? Meu pai já não escrevia à máquina. A sala mergulhada numa tênue penumbra, a janela fechara-se. Abri-a, olhei a rua e senti o burburinho. A realidade, a vida de volta. Lógico, nada daquilo tinha o menor sentido, só poderia ter sido um sonho! Afrânio Barbalho, morrer aos trinta e nove anos! Não, isto não tinha cabimento mesmo. Isso era totalmente fora de propósito. Tanta vida para viver, tantas ilusões, tantas visagens a serem decifradas. Seria melhor assim. Continuar vivo mesmo devendo o cartão de crédito, a pensão, enfrentar as críticas sobre o livro. Fui ao banheiro. Lavei o rosto. Escovei os dentes. Voltei ao quarto para trocar de roupa. Precisava sair, pois ainda continuava assustado, era preciso dar uma desanuviada no espírito. Tudo fora um pesadelo, e me deixara extenuado. Ao entrar no quarto, o inopinado; deparei-me com o mesmo caixão onde estivera deitado antes, quando pensava estar morto. O soalho, alastrado de flores pisoteadas, estrias de cera escorria dos castiçais. Com cautela me aproximei do

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esquife, e estupefato constatei que era nada mais, nada menos, do que eu mesmo. Sim! Era eu, o próprio, que continuava morto. Mortinho dentro do ataúde. Espichado. Toquei o dedo em uma das mãos. Dura como pão esquecido na farinha. Tantas flores; jasmim, cravos despetalados, espalhados pelo chão. O quarto exalava um odor cada vez mais repugnante. Teria havido ali uma turbamulta? Aterrorizado voltei para a sala. Outra vez tudo ficara vazio. Sem móveis, sem nada. Um mundo oco. Corri para a garagem em desespero. Liguei o contato do carro, quis sair imediatamente dali. Enquanto esquentava o motor liguei o rádio. No primeiro dial, a notícia: “Morreu hoje em decorrência de falência dos órgãos devido uma crônica cirrose hepática, o escritor, contista e poeta, Afrânio Barbalho. Tido pelos críticos como maldito e eminência parda, por ele mesmo intitulado...” Alguém dedicou ao meu desaparecimento precoce à música, Hallelujah. Eu ouvia o rádio com os olhos vítreos, esbugalhados; deitei a cabeça no encosto do banco. Em devaneio quase adormeci. Voltei-me, olhei no espelho do quebra-luz e, pasmem!... Meu reflexo sumira! Empalideci, tremi. Estava amarelado como um pedaço de jornal velho. Ao término da música, entre confuso e atônito ouvi a conclusão da notícia: “A família ainda não definiu o local do velório nem o cemitério onde se dará o sepultamento. Entretanto, os amigos e acadêmicos estão organizando um sarau para hoje às 17h00, no Boteco da Graça, onde serão lidos em homenagem, seus últimos escritos em forma de poesias, contos e crônicas.” Meu ar de estupefação ia do assombro ao medonho. A realidade da morte começou a entrar-me pelas entranhas e pelos sentidos. Outra vez encostei a cabeça no banco e me pus a pensar. E subitamente, senti uma geleira percorrer meu espinhaço. Algo acorreu clareando. O que me acudiu tirando-me da obscuridade e do mistério. Um presságio esquentou o suor que brotava frio dos meus poros. Num sobressalto a clarividência: claro, o enigma estava resolvido. Alvíssaras! Tudo não passava de uma brincadeira extravagante daqueles perdulários amigos meus, que gostavam de pregar peças como estas. Era o lançamento do meu livro de contos. Os amigos queriam fazer uma troça comigo. Um auê!... Daí o anúncio pago no rádio, claro. Era só para chamar a atenção da imprensa. Estava evidente! Era isso. E desta vez eles estavam ajudando. Que bacana! Eu tinha mais era que agradecer. É, agradecer!... Mas eu vou agradecer do meu modo. Vou dar o troco com a mesma moeda, ou melhor, eles me deram em prata, vou devolver em ouro. Contratarei um grupo de atores, outro tanto de figurantes. Farei uma cópia de mim mesmo em cera, do meu tamanho, da minha largura. Deixe estar! Na hora do sarau mandarei o préstito em meu funéreo cortejo para o Boteco da [62]


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Graça com todas as pompas e circunstâncias que um defunto do meu quilate merece! Com a instrução de lá se fazer o velório, pois foi o desejo expresso pelo falecido, — no caso eu —, em seu último estertor moribundo na vida e gemido de morte, perante o testemunho dos familiares. O funeral deveria de ser no Boteco da Graça. Decidido, abri a porta do carro já na intenção de dar execução ao plano. Um ar fuliginoso escapava pelo escape do carro em profusão. Tudo se tornara escuro e fumarento dentro da garagem. Já não se definia mais nada. Quando respirei fundo para reerguer o corpo, não consegui: foi meu último suspiro. Sufoquei-me no terrificante e venenoso gás carbônico do escape. Caí em colapso. E não mais acordei. Nem vivo nem morto.

paulolaspalmas@yahoo.com.br https://www.facebook.com/pauloluis.ferreira.5 https://www.facebook.com/Paulo-Lu%C3%ADs-Ferreira-247168272013296/

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A Mulher ao Piano Rosangela Maluf Nova Petrópolis/RS os mariscos, o vinho a lareira acesa o restaurante à beira-mar onde pescadores recolhem redes - uma paisagem a névoa, o frio céu cinzento clareado apenas pelo azul daqueles olhos sedutores - uma cena sozinhos no salão (já se vai a tarde) grande emoção lhes invade - um beijo a mulher senta ao piano executa com paixão uma canção de amor - um longo abraço

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A casa da minha avó Vera Raposo Teresópolis/RJ Como voa o pensamento Lembranças da infância, daquele quintal Sonhos que vão com o tempo Frutas no pé, galinhas, curral Logo cedo no café Naquele bucólico vilarejo Sobre a mesa uma toalha de crochê Broinhas de milho e pão de queijo No alpendre muitas flores Cadeira de balançar Vontade de brincar E nunca sair de lá Afeto, carinho, saborear As comidinhas que só a vovó sabe preparar Amor com vontade de abraçar Uma vida vivida para se lembrar Os doces na cristaleira Alegria só de olhar Nos potes da cristaleira que escondida ia roubar Os retratos na parede Tinham histórias para contar Deitada naquela rede Deixava o pensamento voar Dos meus avós vou sempre lembrar

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O morador de rua e a lição de gentileza Verônica Lazzeroni Del Cet Holambra/SP Tudo o que o homem tinha era a roupa do corpo. Fazia um intenso frio, então ele colocava seu agasalho desbotado, sapatos pretos com furos na sola, seu cachecol cor creme desbotado e sua touca que um dia já havia sido vermelha. A barba estava por fazer. O cabelo precisava de corte e as unhas deveriam ter sido cortadas faz tempo. A barba no rosto crescia desordenadamente e a calça ficava folgada toda vez que ele dava um passo para avançar mais no caminho. Era um morador de rua. Não tinha lar, emprego fixo e nem família. As únicas lembranças que tinha era de uma distante infância repleta de amor e cuidado de sua mãe e pai. Não tinha muitos sonhos e vivia cada dia como se fosse apenas mais um punhado de horas que avançam em qualquer e todo relógio caro do pulso dos negociantes e empresários, ou dos relógios de restaurantes onde nunca conseguia entrar. Tudo bem que precisava de um banho, aparar o cabelo e fazer a barba, sem falar que ele precisava se livrar daquelas roupas velhas, mas se ele fizesse isso será que seria permitida a sua entrada no restaurante? Será que o empresário que fala sem parar no celular olharia para ele e visse, afinal, que era um homem semelhante a ele? Talvez sim, ou talvez não. A preocupação daquele homem, do morador de rua, não era passar a impressão de que poderia ser gente fina e educada, fingindo ter perspectivas e um futuro brilhante. Ele não precisaria fazer a barba e cortar o cabelo, se desfazer de suas únicas roupas e pensar em não comprar uma calça folgada para ser considerado como gente. Ele já era gente. Sempre foi e sempre seria. Preso em tantos descontentamentos – como a fome, frio e saudade em ter um lar – ele conseguia juntar trocados quando ficava parado durante um tempo nas esquinas em frente aos grandes centros empresariais. Prédios tão imensos que sempre seriam maiores do que todos os sonhos daquele homem. Escritórios com pessoas ricas, medianas e outras que apenas serviam. Eram prédios com gente que tinha lar, roupas e banho todos os dias. Conseguiu juntar, certa tarde, quase que uma boa quantia para comprar dois pedaços de pão. Foi até uma padaria, pediu ajuda para alguém comprar por ele e disse que esperaria do lado de fora. [66]


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Compraram seu pão, disseram que tinha troco e ele agradeceu a gentileza. Voltou para a esquina e se sentou em um banco de concreto tão sem graça como a cor de sua touca. Começou a comer sem pressa o primeiro pão. Mastigava com cuidado, porque seus dentes eram pretos e doíam a todo momento. Engolia, mastigava, forrava a barriga com um pão quentinho e caseiro. Aos poucos percebe os pássaros se aproximarem. Eram dois no primeiro momento, depois mais quatro e quando se deu conta vários pássaros já aguardavam por migalhas caídas no chão. O homem, o morador de rua, percebeu que tinha companhia. Decidiu ser generoso. Ofereceu pedaços de seu pão, do único pão que tinha restado, para os pássaros que o rodeavam com alegria. Vários se alimentavam de poucas migalhas e muitos outros com pedaços mais generosos de pão quentinho. Aquele morador de rua não tinha diploma para pendurar em um quadro de uma sala de escritório em um prédio muito alto. Não tinha o relógio de pulso caro que agonizava as horas que avançavam sem dó todos os dias. Ele não tinha roupas justas, sem rasgos e suas unhas continuaram sujas e necessitadas de uma limpeza. Apesar disso, de não ser como aqueles homens com ternos chiques e importantes para muitas pessoas, ele era importante para aqueles pássaros que se alimentavam de seu pão. Um morador de rua poderia ensinar muito mais sobre generosidade e humildade do que milhares de homens ricos que todos os dias usam gravata e trancam seus carros com medo de ser roubado por outros moradores de rua. Um morador de rua era muito mais a representação do sentimento da gentileza e compaixão do que milhares de homens engravatados sem rumo à empatia.

https://palavrasdeverona.wordpress.com/

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16ª Edição: Jul/Ago – 2018 Almir Floriano - São Paulo/SP - Balão, Paixão e Tradição Amélia Luz – Pirapetinga/MG - Canção De Um Tempo Débora Guimarães Leite - Brumado/BA - O Cantar Edweine Loureiro – Saitama,Japão - Dois Microcontos Ecológicos Franciellen Santos - Campos dos Goytacazes/RJ - Morte em vida, Catarina Guilherme Aniceto – Itajubá/MG - Fruto Íris Cavalcante – Fortaleza/CE - Despedida Paulo Florindo – Alegrete/RS - No fim do dia Sandra Modesto – Ituiutaba/MG - Lambe, lambe! Tinga das Gerais – Corinto/MG - Meio do Caminho


LiteraLivre Edição Especial nº 03 - 2019

Balão, Paixão e Tradição Almir Floriano São Paulo/SP Com meu pai e com vizinhos Aprendi desde pequenino Quando todos se reuniam na casa de alguém Para a confecção dos nossos juninos E me lembro da alegria deles em ensinar Eu e meus amigos cortar papel e colar Existia uma magia sem igual Todos juntos num mesmo ideal A gente caprichava em cada balão Enquanto um colava outro fazia bocas As mulheres faziam bolos e doces Para alegrar nossa festa de São João Em tempo de copa do mundo então A nossa emoção aumentava ainda mais Parecia um ritual sagrado Construir balões com as cores nacionais E, na medida que aprendemos fazer balão [69]


LiteraLivre Edição Especial nº 03 - 2019

Não existia mais data certa para sua confecção A magia e o encantamento já estava no sangue E todo dia pra gente era São João! O balão me ensinou o sentido da amizade O espirito de união entre amigos Ocupou meu tempo em momentos de alegria e amor E faz parte das melhores recordações que trago E nenhum de nós imaginou sentir tanta saudade Daquele tempo de inocência e de alegrias Onde a gente era feliz de verdade! O balão é o predecessor da aviação E não há Lei nenhuma que revogue essa verdade Nem tampouco deixaremos de construí-los Porque o balão está em nosso coração E faz parte da história da humanidade! O balão é idolatrado em várias partes do mundo Em muitos países faz parte das tradições Hoje, a arrogância de uma Lei imbecil Coloca na condição de fora da lei O maior baloeiro do Brasil Nosso querido Santos Dumont, O homem que inventou o avião!

*Aquele que não respeita as tradições e sua história, não merece fazer parte dela! *Conheça a história do balão e das tradições juninas pelo mundo desde a invenção do papel no livro O BALÃO NO MUNDO:

http://www.perse.com.br/persenovo/livro.aspx?filesFolder=N1553883512502

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Canção De Um Tempo Amélia Luz Pirapetinga/MG Tudo me foi passageiro... O amor passageiro a cama passageira os beijos passageiros... Também passageiro foi o coração que não é meu, a vida que não é minha e nem sei a quem pertence! Minhas mãos que falam poemas são minhas... Sim, estas são minhas, ao cunhar no papel os meus sentimentos... O grito da poesia é todo meu, na dor ou na alegria, patrimônio inestimável, só meu, bem maior que a mim pertence... Trafego estradas desconhecidas O sol não me pertence a paisagem não me pertence o canto dos pássaros também não me pertence... Nem a casa onde nasci me pertence! Passageiros, prazeres passageiros... A angústia que explode dentro de mim esta sim, a mim pertence, e ninguém dela faz questão... Destilo a gota do sofrimento [71]


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mergulho fundo nas águas frias... O café da manhã é frio O pão também é frio mas as mãos servas que o sovaram antes mesmo do sol nascer estão quentes e me alimentam... A mocidade foi transitória como a carícia de um tempo que findou. A velhice solitária é como um soco intransferível a arder-me na face! Tudo na vida é provisório na travessia silenciosa que fazemos, um a um, peregrinos que somos nesse espaço de sombras onde habitamos nus!

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O Cantar Débora Guimarães Leite Brumado/BA O cantar é sonhar, O cantar é viver, O cantar é o que tem dentro de você. A sua magia, A sua imaginação, Um pedaço de sua vida, E da sua canção. Cantar é saber cantar, Cantar é saber viver, Cantar é um pedacinho que há dentro de você. Quem sabe dançar, Quem sabe imaginar, A magia da música sempre terá. O futuro está na frente, O passado está atrás, O presente está nas mãos de quem sabe cantar mais. A vida é uma música, Cantar é a poesia que não se acabará, Eu amo cantar e imaginar.

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Dois Microcontos Ecológicos Edweine Loureiro Saitama, Japão SOCORRO Durante

um

discurso

para

os

ribeirinhos,

no

qual afirmava

jamais

ter

contaminado com mercúrio os rios da floresta, o dono da mineradora, engasgando-se, recebeu logo um copo de água.

*

OBEDIENTE ― Este é o meu novo machado. Não é lindo? O cabo foi feito daquele cedro que, ontem, finalmente, consegui derrubar; limpando de vez a área, como o patrão queria... ― orgulhava-se para um amigo o lenhador, doravante desempregado.

https://www.facebook.com/edweine.loureiro

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Morte em vida, Catarina Franciellen Santos Campos dos Goytacazes/RJ

Catarina vivia trancada em seu quarto Ora descia para beliscar um biscoito Ora dormia durante o dia Sua mãe não sabia o que fazer Chamou um médico e pediu parecer Chamou um padre e pediu para benzer Chamou um espírita para prever Chamou um pai de santo para rezar Chamou um buda para curar... Mas, de nada adiantou Catarina só piorou... Dali a uns dias foi perdendo a cor Viu suas energias se esvaírem E as esperanças de si partirem... Perdeu a noção do tempo E se viu perdida No caos que chamara de vida Num dia ensolarado, de pássaros cantantes

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Alguém bateu a porta Não houve resposta! Tiveram que arrombar Catarina foi encontrada, jogada Sobre a cadeira âmbar... A baba já seca escorrida nos lábios O coração já havia parado E os pulsos estavam ensanguentados... Não havia mais sol, nem havia vida Apenas morte, dor e saudade De alguém que já havia partido para longe E que dali não fazia mais parte.

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Fruto Guilherme Aniceto Itajubá/MG Quando nasce o amor dentro de dois homens geralmente demora um pouco para crescer também entre eles. O que existe dentro precisa de tempo para maturar - o fruto da coragem. Mas quando cresce o amor entre dois homens normalmente também se espalha ao redor deles. Abrem-se os braços como galhos e as mãos como cachos numerosos. E é óbvio que há quem não colha o fruto. Há quem não coma daquilo que é natural. www.instagram.com/poetaguilhermeaniceto www.facebook.com/guilhermeaniceto https://medium.com/@guilhermeaniceto

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Despedida Íris Cavalcante Fortaleza/CE Divórcio era o único assunto de que Lisa e Mário tratavam nos últimos dias, entre emoções contidas ou extravasadas, papéis, assinaturas, avaliação de bens, reunião com advogados e visitas cartoriais. Eram seis da manhã. Lisa dormira mal e o rosto não trazia o costumeiro viço. Precisavam falar tranquilamente sobre detalhes jurídicos, mas ela não queria discutir sobre isso num ambiente formal ou tumultuado demais, muito menos na presença dos filhos. Veio de Mário a proposta de encontrá-la à beira mar. E havia urgência. Já moravam em casas separadas. Mário arrumava-se na impessoalidade de um flat. Lisa continuava morando no mesmo apartamento do Meireles, que dividiram por mais de vinte anos. Lá criaram os filhos e viveram o que há de melhor e pior no casamento. Foram felizes e infelizes, mas infelizes não precisavam ser para sempre — pensava Lisa. Ela inspirava todo o ar possível aos pulmões, mas nada aliviava a aflição. Lisa tomou o café sem muito ânimo e desceu até a praia em passos tímidos, observando a assimetria entre as casas antigas que sobreviviam em meio aos prédios modernos. Lembrou-se de quantas vezes fizeram esse percurso juntos, tratando de contas a pagar e pequenas implicâncias comuns entre casais. Mário a esperava na Ponte dos Ingleses, um lugar bucólico de onde costumavam contemplar o crepúsculo, em tempos de felicidade. Era um dos prazeres do casal, antes ou após uma caminhada, fosse manhã ou fosse tarde. Num golpe de sorte, também poderiam deslumbrar-se com a dança de imprevistos golfinhos sob a ponte, em estado de abandono, mas a avaria e as pichações nas armações de madeira não inibiam a beleza do cenário. Ele usava um suéter azul sobre a camiseta, prevenindo-se do incomum frio que fazia naquela cidade tropical e demonstrava certa casmurrice na expressão. [78]


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Era primeiro de janeiro e tanto o mar quanto as pessoas achavam-se de ressaca naquela manhã. Não havia babás com suas crianças, nem surfistas, banhistas ou caminhantes, apenas uma senhora que levara sua Lulu da Pomerânia para passear, mas já arrependida pelo mau tempo. Lisa cumprimentou-o, quase formalmente, e lhe sobreveio um encadeamento de angústias pela união que cumpria seu ciclo e atingia o declínio. Não se protegera do frio, que a fazia tremer-se toda. Mário ofereceu o suéter que combinava com as íris de Lisa; após uma conversa tensa, pediu-lhe um abraço e fez-lhe tardias juras de amor. Ele acendeu um cigarro ‒ sempre recorria a um em situações delicadas. Fumava desde os treze, mesmo tempo em que começou a beber. Ela temia pelas consequências do fim do casamento, essa instituição tão hermética, cuja ruptura causa tantos danos emocionais e deixa sempre uma dúvida, em algum recipiente da mente. Afinal como viveria sem o homem com quem partilhou mais de vinte anos da sua vida? Fora educada para pensar dessa maneira e receava pela ausência da figura masculina... De jovem passou a senhora sem se dar conta da travessia do tempo e das transformações que sofrera, ao longo da vida. Mário se aproveitava da insegurança de Lisa para tentar reverter sua decisão, uma espécie de chantagem que ela refutava, sustentada nos ressentimentos que acumulava há anos. Na verdade, Lisa precisava renascer a partir de um determinado ponto e aquele era o momento adequado. Era como uma queda de braços e ele, julgando-se o mais forte, não aceitava a decisão da mulher, tida como frágil durante toda a vida conjugal a que se submetera a um papel secundário. Ele queria dar a palavra final como uma afirmação de sua masculinidade e tentou, sob todos os argumentos, demovê-la da audácia quanto ao divórcio. Implorou, abraçou-a — ela se esquivou. Diante da inutilidade da súplica, Mário deu-se por rogado e disse: Tudo bem, meu amor, é isso mesmo que você quer? — insinuava-se uma ameaça em sua voz, que de tão familiar, Lisa nem estranhou.

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Ela olhou o relógio, antecipando a despedida. Fitou o olhar de Mário, que não sabia se resignado ou sofrente; o homem que amara era uma incógnita. — Feliz ano novo, meu amor! — ele disse, com um sarcasmo no sorriso. Abraçou-a mais uma vez. De início, suavemente, depois imprimindo força, até deixá-la comprimida, em seus braços. Incomodada, ela tentou desvencilharse. Ia protestar, mas ele a calou com um súbito beijo. Parecia que a sequência de seus movimentos fora programada. Na primeira oportunidade, ela gritou: Você está louco? Trazia pânico implícito na voz e no corpo trêmulo. Não sabia se fizera uma pergunta ou uma acusação, mas ao sentir sua respiração de volta, teve a sensação de ressuscitar; apenas não imaginou quão rápido seria o próximo movimento de Mário. Ele a empurrou, como quem empurra uma pluma ao vento. Lá embaixo havia apenas um mar de um intenso azul. O grito de Lisa rompeu com o silêncio daquela manhã, apenas cortado pela rebentação das águas contra o quebra-mar. — Adeus, meu amor! Tudo podia ter sido tão diferente... Mário acendeu outro cigarro e começou a fazer o caminho de volta, olhandoa pelas frestas de madeira da ponte. Ela debatia-se contra as águas e pedia-lhe o último socorro. Lisa não sabia nadar. Era inacreditável a indiferença dele, até dar-se conta de que ela usava seu suéter azul.

https://www.facebook.com/iris.cavalcante.75

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Paulo Florindo Alegrete/RS

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Lambe, lambe! Sandra Modesto Ituiutaba/MG Depois de lamber teus pés, de lamber tuas coxas, de lamber teu ventre, de lamber teu sexo, revirando as fotos, encontrando fatos, lambi o que eu mais queria. Lambi tua alma. Era assim que eu imaginava ser lambida, ninguém sabia disso. Eu tinha apenas treze anos de idade, me via no espelho da cômoda com o toucador, rebocando a sensação imersa ao espaço, dividido por tantas meninas. Minha mãe dizia que eu ficava trancada no quarto e que fazia mal. Mal sabia ela, bem, mal eu sabia. O tempo foi passando e o lambe- lambe era uma diversão moderna naqueles anos dos fotógrafos engraçados. A gente se vestia com o melhor estampado e os retratos perdidos em ângulos longe dos digitais. O pastor da igreja falava muito alto, as orações me assustavam e minha avó Iracema me puxava ao caminho do senhor, eu só tinha quatro anos eu só lambia a chupeta porque eu não mamei no peito e chupei aquele troço enquanto minha vó vivia. Com pouco mais de quarenta anos, vó Iracema morreu. Eu ainda tinha quatro anos, o tempo foi lambendo as nossas idas aos cultos, o curto período vivido entre a primeira neta e a vó com nome do livro de José de Alencar. Vó Iracema tinha os traços puxando para os de uma índia, passava e lavava roupas pra ganhar o dinheirinho dela e era pra os moços que trabalhavam com camisas e calças sociais, iguais aos dos liberais. Mas uma frase não me saiu nunca da vida lambida: – “Nunca deixam minha neta chorar, dos olhos dela não pode sair uma lágrima sequer”. Mas minha vó morreu e eu chorei muito na vida escondida ou estampada em cenas com poucos ou muitos espectadores.

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O forrobodó (pão doce) servido de manhã pra abastecer a fome rumo à escola era maior lambida que eu degustava. Com minha mãe servindo a gente e meu pai olhando de soslaio. Não tinha nem muito que pensar, eu nunca tinha visto uma espingarda, um revólver, só nos filmes de guerras no cinema, morria de medo daquilo. No fundo o que eu mais desejava mesmo, era não cair na mesmice. Como assim? Os anos sessenta, setenta, oitenta, noventa, foram me ensinando a ser uma “menina” com os olhos marejados pelas lambidas perdidas. Eu sei que nem sabia meu lugar. Consegui umas vindas e resistindo ao século 21 o mais doloroso e ao mesmo tempo divertido, permitindo- me a algumas interrogações. De perguntas em perguntas tive que lambuzar respostas. Por quanto tempo ofuscando, por quantas noites mal digeridas, por tantos e tantos sorrisos falsos. Ela procurava nas entrelinhas o eu que já não existia. Pensando que é fácil suportar do lambe- lambe aos panos em planos ocultos e difusos? De repente resolveu renomear os escritos cuspidos em desafios. Até decidir se despir fantasmas da memória. Sim, contou outra história. A cidade amanhecia correndo, as pessoas caminhando com cachorros, o prontosocorro lotado, eventos publicados na internet, um bando de gente online. E agora? Dar alma ao capeta ou enfrentar tanta merda? Bom, podia não ser tão difícil uma lambida por vez. Por vezes tentou chamar a avó, por vezes cansou de ser só, só mais uma embaraçada. As notícias, os rumores, os horrores, os aflitos, ovos fritos no café da manha, preto puro, amargurado com tanta incompreensão. Coração movido à bateria, carregador de celular destemendo sua relevância. O mundo pedia sossego. Ela pedia um nome. Gostava de olhar paisagens. Não desenhava um rabisco sequer. Mas a vida pedia passagem. Deixa a passagem chamar Valentina? Valentina sendo escrita extravasando lambidas na libido, nas estimas, estigmas, catarse, cartazes espalhados. Incontroláveis desejos invisíveis. Valentina tornou- se dona de um memorial vivo, vivacidade em não controlar os instintos, Teve um chefe que trancou a porta da chefia e queria um beijo de língua. Valentina fechou a boca correu e abriu a porta, fez o poder entender o devido lugar. Nunca largar macho foi tão gostoso nesse episódio miserável antes dos anos dois mil. Mas se quisesse contar sobre isso poderia. Preferiu o silêncio comendo respostas. Na noite fria sugando a língua pela primeira vez. https://www.facebook.com/sandraluciamodesto.modesto [83]


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Meio do Caminho Tinga das Gerais Corinto/MG Estrada sem fim Íngremes carrascais Caminho de mim Pegadas marcas caminheiro Paragem na sombra Um arvoredo no meio do caminho... Destino norte Meus passos bússola Alameda de Almas Estrada adentrar Uma porteira aberta No meio do caminho... Não é o fim do caminho A paragem sede voraz Manancial espelho da água Caminhar é preciso Uma vereda No meio do caminho... E eis o fim do caminho. A pedra é o meio Mas está no meio do caminho Eu sentado na pedra A pedra do moinho... Que está no meio do caminho...

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17ª Edição: Set/Out – 2019

Carlos Jorge Azevedo - Santa Marinha do Zêzere- Baião- Portugal - Céu limpo Carmem Aparecida Gomes – Ipameri/GO - Amor sem Remissão Charles Burck - Rio de Janeiro/RJ - Poema Cizina Célia Fernandes Pereira Resstel - Marília/São Paulo - A despedida de uma imigrante Clarice de Assis Rosa – Ituiutaba/MG - O abstrato encanto do seu olhar Elvio Bressan - Porto Alegre/RS - Recortes e retalhos Gerson Machado De Avillez - Rio de Janeiro/RJ - O Império de Tendor Idelma Bulhões – o vestido da princesa e-mail bia bulhões Luzia Stocco – Piracicaba/SP - O Pé Grande e o Azulão Marione Cristina Richter - Venâncio Aires/RS - Entre quatro paredes


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Céu limpo Carlos Jorge Azevedo Santa Marinha do Zêzere- Baião- Portugal

Manhã de sábado cheia de sol Vislumbra-se o render da invernia Há um aroma típico de primavera Os semblantes desanuviam, Vou à vila e constato o bulício Tudo corre a ver as tendas Os pregões dos feirantes sobem de tom, É sempre assim todos os anos A influência do astro solar é notória Descobre o manto e mostra o brilho Ilumina a paisagem e os corações Faz milagres com a sua aparição As maleitas minoram e escondem-se Tudo é movimento e energia, Sentado à mesa habitual Observo o frenesim, A hibernação chegou ao fim É hora de mostrar os corpos De festejar abertamente De meter conversa por qualquer motivo, Vem-me à memória o frio intenso Que ainda agora nos deixou E que não abalou de vez, Sorrio-me perante o inevitável O mundo é comandado pela luminosidade A par com as zangas da natureza, Quando o céu está limpo sou pássaro solto Quando sopra o vento recolho-me ao ninho…

www.facebook.com/yolanda.azevedo.3 [86]


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Amor sem Remissão Carmem Aparecida Gomes Ipameri/GO

Eu e esse amor sem compaixão... Fez-me um ser de pura tristeza e avarezas. Ando perambulando sem alma Cheio de pecados envolto com desejos Dos loucos beijos e dos momentos em que meu corpo quente Pedia pelo o seu corpo misericórdia. Esse amor sem remissão me transformou num ser noturno e imperfeito. Só penso em me despir no negro da noite Sentir a brisa do vento em minhas partes secretas E como as sombras amar-te Dois em um como vultos. As mãos se entrelaçando, bocas coladas... Respiração ofegante, gotas de desejos na pele, pensamentos eróticos... Movimentos disfarçados de dança e os sussurros que parecem melodias na tarde fria. Ah... Privado desse amor sem remissão eu não sou nada! Eu só existo pecando, te amando... Sou um ser resumido em corpos despidos Bocas coladas e sussurros na negra noite. Ah... Esse amor sem remissão.

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Poema Charles Burck Rio de Janeiro/RJ

Os versos habitarão as entidades e deles surgirão juízos particulares, Os mortos e os vivos discutindo sobre os destinos de todos Para quem apenas viveu, tudo se perde, Renuncio ao meu momento para apreciar um mundo impalpáveis E dá perdão e a expiação aos pecados subscritos, mas se a tua boca combina com os meus pensamentos, beijo E pecaremos mais em nome da vida, estamos tão atrasados, mas nos aproximamos um pouco mais do começo A imprudência mantém laços com o poeta, beija os seios da luxúria, desdenha das línguas mansas, e flerta com as insanas loucuras Em breve jejuaremos, quando as raças superiores declararem extintos os corpos Mas nas vagas sonoras das transcendências, terás lugar cativo no altar do meu amor, Outras aproximações em gozos de divindades se darão, Em profecias idênticas às que vivemos nós, E os poetas lembrarão como os bardos as prediletas canções sensuais, E unirão homens e mulheres em poemas carnais, E em gozos transcendentais abriremos as janelas dos tempos e olharemos os céus A caminho da imortalidade ainda teremos tempo de tomar uma cerveja gelada e zombar dos deuses

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A despedida de uma imigrante Cizina Célia Fernandes Pereira Resstel Marília/SP

A despedida como de muitos e/imigrantes, aparece de modo grupal. Despedimos de um todo e de um tudo, de tanta gente e de tantas coisas, de uma só vez. Gente de casa, gente de fora, próxima e distante. Na despedida somos tomados por turbilhões de emoções e sentimentos, faz a gente sentir a tristeza na alma e uma dor que nasce no peito e finca no coração. A separação e o luto são sentimentos que compõem a imigração. Partir e chegar são os dois lados da mesma viagem. Despedimos do velho país e encontramos com a nova terra estrangeira. Tenho recordações dos últimos instantes com os meus irmãos na casa de meus pais, não tínhamos mais o que dizer em palavras, a não ser, nos abraçarmos uns aos outros, um encontro de corpos para a despedida da nossa convivência, pensávamos num distanciamento temporário e não sabíamos ao certo quantos anos permaneceríamos fora, no estrangeiro, longe da terra natal. Não estaríamos nem no mesmo espaço e nem no mesmo tempo. Sabíamos que ali seria a última vez que nos tocávamos e assim seria até algum dia.

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O abstrato encanto do seu olhar Clarice de Assis Rosa Ituiutaba/MG

Naquele instante, não o reconhecia mais; um menino, outrora, alegre, lépido, que conversava comigo todos os dias, contando coisas banais sobre o seu dia a dia, seus planos e anseios. Ele sonhava em ser escritor. ― Mãe, hoje a professora passou uma tarefa de casa muito legal, pediu para fazer uma redação contando sobre as nossas férias. Eu adoro escrever! ― Que legal, você quer ajuda? ― Não, mãe, redação não se faz com ajuda, são minhas ideias. — Tudo bem, mas vê se desta vez conta como foram as suas férias de verdade, pois você inventa cada uma! ― Mas é de verdade, mãe. De uma redação de trinta linhas, Felipe desenvolvia, pelo menos, umas setenta. Ali poderia escrever o que quisesse, sem medo de ser advertido por desejar coisas consideradas impróprias. Dava vazão a sua imaginação, não tinha limites, nem regras a serem seguidas. Sentia-se onipotente por controlar a sua vida, seu destino e seus sonhos. Gostava também de desenhar, não tanto quanto gostava de escrever, mas se divertia fazendo uso de jogo de imagens, cores.Tinha atração pelo que lhe sugeria ser enigmático, arriscado, um tanto quanto abstrato. Eram seus peculiares desejos, muitas vezes ocultos e incompreendidos. Nas brincadeiras com colegas , preferia sempre ser o vilão.Dizia que os benfeitores eram seres limitados, que ficavam sujeitos ao caráter padrão imposto pela sociedade, enquanto o facínora poderia ir além, não precisava ser aceito e mais ainda: era temido por todos.

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— Felipe, sua redação ficou ótima, mas não combinamos que você iria escrever como realmente foram as suas férias? — Sim, professora, nem tudo aconteceu, de fato, mas escrevi como gostaria que tivesse sido. ― E você gostaria realmente de colocar pregos no chão do quarto de sua avó, para que quando seus primos fossem vê-la eles se machucassem? — Sim, professora, assim eles sairiam de perto e eu teria atenção só pra mim. A mãe fora chamada pela professora , em algumas ocasiões .Diziam que Felipe era comunicativo, fazia amizades com facilidade, mas que ficavam apreensivos com o teor de suas produções textuais. -Ele só tem 10 anos, escreve sobre agressões físicas e verbais, histórias incomuns com finais favoráveis aos vilões. Desenha armas e objetos cortantes. Está acontecendo algo em sua casa que possa estar influenciando-o? — As atitudes dele, ao que me parece, não são de desrespeito nem de agressividade. Vou conversar com ele para ver se há algo de errado. Em casa, chamara o filho para uma conversa. Olhava-o com firmeza. Tentava entender o que poderia passar na mente daquela criança.Seu olhar era encantador e imaculado. Gostaria muito de captar o mais profundo de seu íntimo, adentrar seus pensamentos, porém, nada mais via além de pureza. — Felipe, está acontecendo algo com você que eu não saiba?Você sabe que sua professora me chamou novamente à escola. — Mãe, eu gosto de escrever, ainda vou escrever um livro! E o diálogo não prosseguia. Era um menino sonhador, contador de histórias: “Como colocar limites em sua imaginação? Havia algo de errado em sentir prazer em escrever coisas incomuns?” – A mãe, aflita, refletia. Os dias foram se passando, novas histórias surgiam e, juntamente com elas, algumas atitudes de Felipe foram manifestando-se. Já não sorria, como antes, nem contava sobre o seu dia para a mãe. Cada vez mais circunspecto, afastavase do convívio social. — Meu filho, você não quer almoçar? Não comeu nada hoje. [91]


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― Eu não sinto fome, heróis se alimentam do sentimento que há nas pessoas. — Herói? Você agora é um herói? — Sim, eu salvo as pessoas delas mesmas, me alimentando dos sentimentos ruins que elas possuem. —O que você está dizendo? — O amor aprisiona as pessoas, o perdão maltrata, a bondade as limita. Vim para trazer libertação. A mãe não sabia o que pensar. Procurava em seus registros e nada encontrava, a não ser histórias e mais histórias. Era um visionário. ― “Ainda será um grande escritor, isso é só uma mera confusão devido a sua imaturidade e muita imaginação”- pensava a mãe. Felipe começara a viver aquilo que escrevia. Cada vez mais absorto em seu mundo, as histórias passaram a fazer parte de sua vida. Ele era o protagonista; suas angústias e seus dilemas, associados a sua coragem e vontade de salvar o mundo do que julgava injusto foram criados pela ânsia de dar vida a um personagem. Amava escrever, tanto, que precisou também, viver aquilo que registrava. Certo dia, vestido com sua capa preta, máscara que realçavam seus olhos brilhantes, abstratos e ainda, angelicais, tão comuns ultimamente, despediu-se da mãe, alegando que, terminada a sua missão, ele retornaria para casa. Em vez de sair pela porta, saiu pela janela. Moravam no quarto andar de um prédio. Heróis voam, precisava salvar o mundo dos sentimentos que as aprisionavam. A humanidade precisava evoluir. Despedira, mas a mãe não compreendera; desenhava, mas a mãe não entendia. Disse muito, por meio de enigmas. O encanto do seu olhar era abstrato demais diante da visão ínfima da mãe.

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Recortes e retalhos Elvio Bressan Porto Alegre/RS

Hoje

Helena

acordou

consciente.

Não

procurou

por

Alba.

Mal

me

cumprimentou e, ao ouvir os ciganos vizinhos entoarem uma canção na língua deles, resmungou que só poderiam ter sido aqueles malditos que haviam levado nossa menina. É um dos dias em que não receberei nenhuma ligação da polícia dizendo que encontraram minha mulher atirada em algum canto por aí. É como uma roleta-russa. Nunca sei se terei minha esposa de volta, a Helena com quem me casei, ou se encontrarei essa mulher composta de retalhos mal organizados de passado, que irá levantar de bom humor e então vai se arrumar para o trabalho e procurar por Alba. Hoje tenho a pior versão. Juntei os cacos cuidadosamente, desta vez foi o porta-retratos de uma das fotos do nosso casamento. Por alguns segundos olhei a foto rasgada, juntando os pedaços: não havia Alba, nem gritos, nem alucinações. Helena tinha um sorriso largo e brilhante que já nem cabe mais nesse rosto magro que ela tem agora. Helena parou de viver quando Alba sumiu. Agora só existe. No começo dizia que era melhor ter certeza de que nossa filha estava morta, assim não seria obrigada a viver com a possibilidade de vê-la de outra vez. Eu tento todos os dias me livrar das lembranças, mas essa casa está cheia delas. Doar as botas de chuva e queimar aquele pijama foi um alívio, mas não posso eliminar os mosaicos ou o quadro do Santo Anjo do Senhor. Isso seria muito dolorido, até mesmo para mim. Semana passada era o aniversário de Alba, catorze anos, e Helena insiste em guardar os sapatos tamanho trinta. Nas crises mais fortes, tenho que ajudar a limpar o sangue que escorre dos abortos imaginários e tranquilizá-la. Tenho muito medo de perder a razão como [93]


LiteraLivre Edição Especial nº 03 - 2019

ela. Estou obcecado pela última vez que vi minha filha. Fico remontando a cena milhares de vezes na minha cabeça. Alba recortava rostos de revistas velhas com uma tesoura pontiaguda, depois cuidadosamente fazia mosaicos com eles, parece que queria sempre ter olhos em sua direção. Lotava sua parede com aqueles mosaicos. Helena dizia que ela poderia ser artista. Sentei ao seu lado na cama, peguei sua pequena mão e sorri. Ela olhou toda a extensão do meu rosto, como se procurasse os contornos, como se quisesse recortá-lo e colar na sua parede. Eu procurava traços meus nos seus olhos, mas só via Helena. Alba conversava pouco comigo. Permanecemos em silêncio. Preparei-me para sair do seu quarto quando ela colocou minha mão espalmada sobre seu joelho e, imobilizando meu pulso, num movimento rápido, cravou bem fundo a tesoura.

IG: @elvioart

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O Império de Tendor

Gerson Machado De Avillez Rio de Janeiro/RJ

Fora num dia como aparentemente outro qualquer que naquela trilha parecia subitamente me perder sem saber que na verdade acharia o inteligível inefável aos mortais oriundos de meu mundo. Tudo teve início quando os metros pareciam terem se tornado quilômetros como se uma dilatação no espaço-tempo tivesse se acometido das curtas e distâncias. Todavia, mediante a aparente desorientação, mesmo a bússola na verdade apontava para o âmago do desconhecido. Apenas eu e minha amada sentiam o rubor ante a possibilidade do rumor como predecessor do mito de uma cidade outrora perdida como nós na trilha. Mas para achá-la teríamos que nos perder. Testemunhos antigos de pilotos da 'Esquadrilha da Fumaça' afirmava que mesmo estes teriam fitado uma cidade a qual alguns se referiam por 'El Dorado' ou 'Akakor', rumores incomprovados pelo improvável ante uma civilização cética. Mas desde a antiguidade se falava de lugares incógnitos presentes em míticos mapas, de ilhas como 'Hi Brazil' ou 'Mu' a uma cidade europeia que aparecia apenas em adventos próprios. Mas doravante o que se descortinava ante nossos olhos era mais surpreendente que a mais reluzente ficção. Como o velho ancião que no caminho prenunciava de forma agourenta um mítico império de aflições ao proferir antes de desaparecer nas brumas matinas da floresta a seguinte frase: "Há não somente o espaço entre espaços, mas o tempo entre tempos, se possível eras espremidas entre um segundo e outro." Proferiu o homem que trajava aparentemente roupas medievais totalmente deslocadas de nosso tempo. De fato, as discrepâncias presentes no GPS de nossa modesta expedição eram atestadas como de procedência intemporal ao criar o que parecia ser uma defasagem, como se aquele lugar fosse uma expansão do espaço dentro do espaço de modo que o caminho mais curto de um ponto a outro não era uma reta, mas uma curva. De certo as leis fundamentais da física pareciam diferentes

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de modo que medidas simples pareciam levar a discrepâncias físicas e matemáticas como se 1+1 não fossem dois. Paramos diante de uma clareira quando fitamos um forte vento que parecia ser delimitado por uma muralha invisível. De um lado as árvores ululantes dançavam num frenesi incompreensível do torpor estagnado de onde estávamos, isso até que num rompante ao darmos um passo à frente fomos acometidos por um vento de insensível frio. Sentimos algo intrínseco e diferente naquele lugar que tão logo desvelou uma montanha jamais descrita em mapas de nosso mundo ordinário. Os relógios rodavam como a qualquer tempo, mas num passo atrás víamos ele desacelerar contra todos prognósticos físicos plausíveis. — Ao aproximar os tempos, ao esticá-los, os segundos podem durar uma eternidade. — Proferiu minha amada cônjuge ante os mistérios avassaladores que sobrevinha a olhos vistos de mortais como nós. Que subterfúgio seria aquela bruxaria? Pensou minha analítica mente resiliente a incompreensão do desconhecido. Adentramos terras dentro das terras através dos tempos dentro dos tempos à espera do inesperado enquanto lembrávamos das palavras do moribundo ancião vítima da fatalidade do mortal mundo da sã consciência. Mentes ordinárias não poderiam compreender aquilo pois o infinito não cabia no finito de nossas mentes. Caminhamos por longos minutos sejam eles segundos em nosso mundo ou não. Mas nossos pés levaram até um horizonte donde se fitava um imenso império reluzente como ouro, o qual as edificações como castelos pontudos ameaçam cortar o tecido do espaço-tempo perfurando a trama de nosso mero mundo de cotidianos medíocres e simplórios. Doravante li as teorias de um louco o qual teria se desventurado por tais terras além das terras o qual falava que a mecânica quântica desvelava a inicial natureza de outras dimensões as quais as leis mortais da relatividade não se aplicavam. A 'mecânica quântica' era a guardiã de outros universos, segundo o débil homem balbuciante. Sobretudo rezava a lenda que naquele lugar havia uma porta misteriosa que por séculos ninguém nunca conseguiu abrir, pois dizia a profecia que um escolhido abriria a porta ao trazer o conhecimento da verdade. Mas o tirânico Império de Tendor que dominava de modo brutalmente severo aquelas terras desejava abrir a porta e se apossar de seu misterioso conteúdo, excluindo todos demais para se ter exclusividade em acesso, fosse qual fosse este conteúdo. Poderia nossa finita sã consciência ampliar os horizontes da existência ao infinito de tal loucura?

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O imponente Império de Tendor erguia-se de modo soberbo e tenebroso no horizonte com seu jugo desigual de dor e aflição a seus habitantes como num reino nas entrelinhas da trama de nosso espaço-tempo. Quando finalmente fitamos o que aparentava ser uma vila de camponeses num estado de semimiséria soubemos que logramos êxito ao perfilar aquelas casas rudimentares. Tão logo crianças maltrapilhas nos cercaram falando uma profusão de línguas diferentes como se o lugar fosse uma Babel dos flagelos humanos. Mas ouvimos algo dentre línguas mesmo desconhecidas um português não menos rudimentar, como muito antigo. — Temos aqui novos viajantes, Joaquim! — Vociferou o homem a outro que estava sentado num monte de lenha. — Vossa mercê percebes que estes parecem ser do futuro? — Respondeu Joaquim ao homem. — Não, somos do presente. — Comentei eu ao homem ao aproximar-me. — Jogos de espelhos! O que é o presente se não uma percepção persistente? Ora, de nosso tempo o presente és o século XI. — Vocês são de Portugal? — Portugal? Vocês? - Indagou o homem ao lado de Joaquim. — Somos de Galiza, sabemos que de seu tempo existe essa variação da língua, aprendemos a falar o 'português' com um homem de 2125. A consternação me tomou ante as prerrogativas afirmadas por aqueles homens que não pareciam ser nativos, mas junto a outros resquícios de visitantes de várias épocas e lugares. Tão logo aqueles afáveis homens contaram que haviam poucas aberturas para esse mundo ao longo dos tempos, por isso neles algumas pessoas desaparecidas do ano 1000 a.C, século XI e 2125 d.c. estão presentes como uma convergência de muitos tempos num só tempo. Nos relatou sobretudo que no século XXI a civilização de nosso mundo começa a perceber as implicações de haver um império oculto dentro de nosso mundo, como uma expansão anexa do espaço-tempo exprimidas dentro das dimensões de nosso universo. Graças a um sobrevivente desconhecido os relatos acrescidos a de outros viajantes que retornaram perceberam que na aparente loucura um padrão persistente de relatos se desvelava revelando que na aparente ficção absurda das entrelinhas histórica detinha-se um mundo inteiramente novo, um mundo jamais desbravado pelos descobridores de outrora. Os homens do ano de 2125 estariam naquele anexo no espaço-tempo realizando um experimento em segredo até serem pegos pelo cruel e monstruoso imperador Nassob Akbar. [97]


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— Há muito mais por aí. — Completou Joaquim. — Reinos sobrepostos. Universo com mais de uma dimensão temporal. Universo com leis físicas diferentes e criaturas novas em caminhos ditos evolucionários totalmente desconhecidos. As afirmações audaciosas daqueles homens eram absurdas, tão absurdas como estar pisando naquela terra! Algo que nem a ciência do século XXII fora capaz de mensurar em toda sua grandeza. Apenas dão os primeiros passos como crianças céticas de algo maior detido na menor miudeza da trama do espaçotempo. — Vocês precisam ajudar aqueles homens, pois o tirano Nassob Akbar soube que o escolhido está nesse mundo e pegou os inveterados cientistas afim de extrair informações para encontrá-lo. Ele quer usar o escolhido para abrir a porta que nunca se abre. — O que podemos fazer? — indaguei perplexo. — Liberte-os, pois este cruel tirano ameaça invadir nosso mundo além horizonte! Disseram os cientistas que um casal viria do mundo ordinário hoje e que seriam os libertadores dele. O cumprimento da profecia aproxima-se! Soubemos então que o propósito nos era precursor em nossa vinda àquela terra, pois de alguma forma o passado, presente e futuro convergiam naquela terra temerária. Assim partimos buscando compreender os laços que nos cerravam igualmente a trama do destino daquele lugar de onde perguntas sem respostas emergiam como os anseios daquele povo oprimido por aquele tirano chamado Nassob Akbar. Leis não haviam naquele lugar o qual apenas o desejo do mais forte e poderoso era o mando a subjugar os direitos dos demais. Viemos então as portas do Império de Tendor pedir uma audiência com aquele tenebroso rei o qual seu cetro eram as injustiças impostas as suas vítimas. Assim modo comedido tiveram a entrada liberada por aqueles vassalos os quais seriam os primeiros habitantes daquele lugar, um povo de traços árabes que estavam lá há séculos, por gerações, desde seu passado remoto. Ensinava aquele rei que apenas poderiam ser vencedores se os fossem sobre suas vítimas, as massacrando, que para serem grandes precisavam rebaixar os demais pois a desigualdade e medo era a fonte de seu poder. — Quem deseja falar com o grande Imperador e por qual motivo? — Vociferou um dos vassalos daquele séquito.

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Mesmo que tenhamos o respondido, de que teríamos vindo ter com os prisioneiros, um dos homens riu de modo debochado até permitir passagem. Deram passagem até que fitamos um trono no alto de uma pirâmide iluminada por uma luz que lançava grandes sombras sobre os visitantes e onde o homem lá do alto os fitou com desprezo. Eis então que ele se ergueu imponente e dando passos à frente, não sem antes alguns de seus escravos se abaixarem deitando no chão para que o homem passasse por sobre eles, como tapete, pois o significado de sua vida estava em torná-los insignificantes, presos num niilismo de aflições, medo e dor que como drogas consumiam suas vidas. — Enfim vieram! — Vociferou o homem gargalhando ao fita-los mais de perto como se esperasse por nossa presença. Sem saber do que falava aquele iníquo sociopata tão logo ele fez sinal para seus vassalos que lhes mostram os ditos cientistas do século XXII que estavam detidos em celas como a de animais. Os cientistas por sua vez nos fitaram com não menos perplexidade ao notarem que na realidade nós que teríamos vindo resgatá-los sem saber que seria, na realidade, o escolhido que abriria a dita porta que por imemoráveis anos nunca conseguiu ser aberta. — Lhes proponho um negócio, abra-me aquela porta e os libertarei junto aos cientistas. — Falou o imperador com ares presunções de superioridade arrogante. — Não faça isso, Joel! — Vociferou um dos homens presos que misteriosamente sabia o meu nome. Sem saber o que dizer e fazer permaneci paralisado incrédulo ante aquilo. Uma porta imponente se erguia de modo emblemático diante de nós. Adornada com gravuras incrustadas que remetiam a várias civilizações humanas detinha traços de egípcios, maias, incas, sumérios e mesmo judeus. Ela era dourada sendo cravejada de pedras de raro valor, pedras das quais minha esposa muitas vezes não conseguia identificar como se fosse gemas de geografias inéditas ao conhecimento terrestre de nosso universo. Assim parados diante dela a fitamos minunciosamente na busca de compreender o que significava a inscrição, mas aquele conhecimento perdido que parecia ser cumulativo de várias civilizações era de parco conhecimento ao nosso intelecto. Ruborizado de temor ante a situação o silêncio fúnebre fora apenas interrompido quando um dos cientistas disseram. — A mensagem da porta está gravada de modo que cada língua se demonstra uma parte específica. Parece que fora feita para ser aberta apenas quando todos os povos se unirem contra um mal comum. [99]


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O cientista que era judeu sabia bem isto pois havia interpretado sua parte que segundo ele parecia aludir a algo como ‘a luz do alvorecer apenas irá raiar contra o mal comum...’. O que se seguia estava em sumério que graças aos conhecimentos da arqueóloga que era Vera Sofia, minha amada esposa, calhou de interpretar. — “A luz do alvorecer, apenas irá raiar contra o mal comum,... quando todos povos derem as mãos ante o brilho...” — “...do amor que desvelará o mal oculto.” — Completou Nassob que sabia a outra parte que estava em árabe. — Sou eu, eu sou um herói, um amor! Um homem amável e cheio de honra! — Proferiu o homem sem se quer reconhecerse em seus próprios atos desprezíveis. — A porta fora feita para mim! E com ela aqueles que destruíram outrora meu grupo naquele mundo ordinário terá a vingança que merecem sofrer! Apesar disso o imperador ficou perplexo pois não compreendia bem o que aquilo significava ainda que por décadas buscasse as peças que faltasse para interpretar a mensagem da porta que parecia pouco dizer sobre como abri-la. Um dos vassalos curvado ao fitar apenas o chão em reverência aquele crápula ajeitou uns óculos no rosto e lhes deu um papel que agora completava toda mensagem que dizia. “Finda a noite será quando a luz do alvorecer apenas irá raiar contra o mal comum quando todos os povos derem as mãos ante o brilho do amor que desvelará tal mal oculto. Assim o trono do novo governante será a Verdade, sua coroa a Paz, e seu cetro o Amor.” Quando li aquela frase completa em voz alta mesmo os escravos de outras civilizações de muitos tempos que lá convergiam ficaram abismados ao observarem que uma luz intensa emergia da porta o qual as pedras agora pareciam como lâmpadas acessas num fulgor agradável a visão humana. Aquela luz, todavia, dissipou as sombras daquele facínora sobre seus oprimidos ainda que ele parecia esperançoso de quem sairia triunfante de suas iniquidades atrozes contra os mesmos. A porta não era grande, todavia o selo que aparentava ter falhou dando uma brecha para que eu a abrisse. Em seu interior parecia estranhamente maior do que aparentava do exterior ao imanar uma luz suave cuja brancura trazia paz. O imperador desceu rapidamente afim de adentrar a porta ainda que sem saber o que lhe aguardava e muito menos tenha sido aberta por ele, mas que ao adentrar aquela luz parecia engoli-lo tornando-o gradualmente em pó, mas não sem antes se contorcer de dor. O homem agora agonizante parecia ter visto o que outrora afligiu ele e a gente dele, o que justamente estava fadado a derrota[100]


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lo não como algo mal, mas por ser antagônico ao mal que ele mesmo representava contra inúmeras vítimas. A contragosto o homem agora moribundo caiu de joelhos como uma ironia do destino uma vez que o mesmo obrigava suas vítimas reverenciá-lo de modo similar, pois sem saber a porta que buscava o dito poder era justamente a porta que levaria a fonte de seu fim, tudo que ele jamais seria. Aquele era o destino o qual eu era conduzido sem saber, ante um mal que conforme ‘profetizado’ por outros viajantes parecia se comprovar ao trazer a liberdade e todas as coisas que aquele tirano e seus asseclas lutava para dominar, e assim o Império de Tendor se desfez naquele mundo que dissipou toda tirania. Quando me dei conta estava de volta a floresta caído ao chão. Fitei o relógio e quando percebi havia passado apenas um minuto desde que supostamente teria saído dali. Uma era num só minuto! Vera Sofia virou-se para mim e sorriu perplexa ante o que havia presenciado. Nos levantamos e caminhamos de volta pela trilha quando encontramos aquele ancião que antes nos exortou sobre o mundo vindouro. Paramos diante dele que agora sorria, ao perguntarmos o nome dele o homem respondeu, se chamava Joaquim.

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O Vestido da Princesa Idelma Bulhões Jundiaí/SP

A princesa contemplou, encantada, O pôr do sol no poente - Que cores! Azul pálido, rosa e ouro. Exclamou, batendo palmas, extasiada.

E chamou um duende que passava: - Encosta no poente uma grande escada E cortes um bom pedaço, bem colorido, E que as fadas teçam-me um belo vestido.

- Ah! O meu vestido de festas Será o mais belo, tenho certeza. Com ele dançarei todas as valsas. Serei a mais bela dentre toda a realeza!

Mas, no céu se formou, Com estrondo, um buraco negro. Profundo, e todos se esconderam. Tomados por medo e terror. [102]


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A princesa tudo viu e chorou, sentida. E suas lágrimas, copiosas e sinceras, Pelos duendes, em copos de leite, foram colhidas E o céu voltou a brilhar novamente.

No baile, o seu vestido Foi o mais belo, é verdade. Mas agora, na sua face, o meio sorriso Revela a todos que conheceu a dor.

Ilustração: Renato Martins Zacarias

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O Pé Grande e o Azulão Luzia Stocco Piracicaba/SP

– O Pé Grande morreu! O Pé Grande morreu! – gritava uma garotinha correndo na rua. Ele, o morto, o Pé Grande, não podia acreditar que haviam aberto a portinhola da gaiola e, seu azulão, tão amado, escapara. Mas de que adiantava lembrar-se disso agora?! O cortejo prosseguia. Carroças, charretes, muitos a pé, seguiam em direção ao centro da Vila Bota Grande. Ninguém ia a sua frente. Pela primeira vez todos estavam atrás dele – até a esposa do prefeitinho Batias. Pezão era o primeiro – prioridade de morto – atentou ele. E, além de soltarem seu pássaro, jogaram fora sua única garrafa de pinga. Agora, continuava com sua meia furada, tão velha. Pediu, na Hora H, que o preparassem para o enterro com a mesma meia, a única que lhe cabia. Pé Grande, filho de coronel falido, também falido, temido pela fama dos pés. No passado, até arqueólogos renomados confundiram-se com o dito achado de marcas ressecadas dos seus passos no solo. Então fizeram um ágil pedido para concessão daquele sítio arqueológico seguido de frustração dos [104]


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estudiosos. Sua vida social e religiosa era limitada, pois lá se vedavam a entrada de pessoas descalças nos recintos, ainda mais um senhor descalço. Artífice algum acertava as medidas de uma botina ou de um chinelo que fosse. Às vezes, arrastava um chinelão por onde ia, expondo o calcanhar ao léu, mas o problema foi mesmo a unha encravada! Quem se prontificava a desencravá-la? Até o nome do vilarejo lhe cabia. Por ironia: Bota Grande. “Para a unha encravada o bom é jogar álcool temperado com ervas e sal grosso, ou, pinga! Mas qual?!? A minha esposa jogara fora a garrafa e, provavelmente, meu pássaro Azulão escapulira por suas mãos atrevidas também”, matutava Pé Grande. Alguns jovens o chamavam de "o patinador". O vizinho espanhol o chamara numa ocasião para matar, à patada, uma cobra em sua cozinha. Ele não foi. “Que se salvem as cobras, oras bolas!” Pé Grande tinha outra identidade: Agenor. E um sobrenome bem propício: Sola Quente. As trilhas de saúvas fugiam dele, mas quantas delas foram dizimadas por uma só pisada, no meio do mato ou na estrada, e olhe que ele tinha boa visão! Porém, lembre-se, cara leitora e leitor, ele não era um gigante, apesar dos pés. Agora no final, o cortejo fúnebre aumentava. Todos se espremiam para espiar sua expressão, quer dizer, a posição dos ditos cujos – rijos, brancos, com meias rasgadas, sobressalentes para fora do caixão. Uma fotógrafa destemida pediu à família para fotografar os pés sem as meias – Pé Grande não tivera tempo de cerzi-las – A tal fotógrafa queria uma foto exclusiva. A família pequena: esposa, irmão, irmã, uma sobrinha, um sobrinho e o velho Azulão (que voltara para despedir-se, tinha-o desde a mocidade) não deram permissão; aí já era expor demais o pobre homem. Algumas crianças choravam vendo alguns adultos chorando sobre o caixão. Alguns jovens choravam, pois sentiriam falta da única atração da Vila;

velhos

já se entristeciam pelo vácuo no banco sob as mangueiras da pracinha, onde ele era o protagonista dos bate-

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papos. A jovem sobrinha não fora ao cortejo por vergonha do tio, e nem era tão dada com ele. Um dia, há tempo, ele chutou a bunda dela por brincadeira e imaginem onde ela foi parar. Ainda não acabara o enterro e alguns, os mais ansiosos, já almejavam uma nova distração, algo diferente para a região. Por que o singular, o diferente, incomoda? Somos todos singulares, mas a noção de alteridade passa longe. Ao fechar-se o caixão um vulto infundiu-se junto ao corpo inerte: "se estive preso engaiolado a vida toda de que me serve a liberdade agora que sou velho? É que nem aquela velha lei humana, a dos Sexagenários, que em 1871 o Império libertou os escravos acima dos sessenta anos livrando os fazendeiros da carga desses velhos, colocados ao relento, se chegassem vivos até aí!! Piada de mau gosto, isso sim! Comigo a coisa é diferente. – Não quero morrer sozinho e abandonado, vou com o Pé Grande – decidiu o pássaro. Ninguém suspeitou. De repente, a janela do caixão, semifechada devido a curta envergadura dos pés começou a tremer. Abriram assustados e nada. De novo e de novo! Jogaram o caixão no buraco e todos correram desesperados. O pássaro bicava os pés do amigo, que sempre teve excessiva cócega e aquele nunca soube, e se remexia. Era o último agrado, a despedida. Deitou-se com as asas bem acomodadas, no bolso do paletó e esperou, esperou.

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Entre quatro paredes Marione Cristina Richter Venâncio Aires/RS Sempre que ouço falar de preconceito contra a comunidade LGBTQ+ fico me questionando onde está a lógica de se ter preconceito contra alguém que não seja declaradamente hétero. Não que algum preconceito tenha lógica, mas ser hétero ou não tem a ver com a intimidade da pessoa. O que ainda acho pior é que agora toda esta intimidade, que deveria ser particular, se transforma a cada dia em uma letra a mais, em um alfabeto já embaralhado, que é abreviado com um “+”. Me desculpem a todos vocês, mas eu vou continuar julgando as pessoas pelo seu caráter. Mas, e se formos julgar as pessoas, todas elas, pelo que fazem em sua intimidade, e isto não condizer com aquilo que cada um acha, e só acha, o que é o correto a se fazer, eu me pergunto, quantos héteros se escapariam ilesos da fogueira? Pensando nisso imaginei a seguinte situação: Um grande empresário, superexigente com relação à qualidade de seus funcionários, se dedica pessoalmente a avaliar os currículos dos candidatos, que junto com seus currículos devem preencher uma ficha cadastral onde em determinado ponto devem declarar suas preferências sexuais. Só neste quesito, quem não for hétero, já é desclassificado. E começa a avaliação. Primeiro currículo: Andréia Mendes, 32 anos, formada em Harvard, com doutorado, experiências em grandes empresas multinacionais, casada, um filho, blá, blá, blá, blá, orientação sexual: hétero, preferência sexual: sexo oral. Primeiro silêncio, seguido de consternação e após a explosão: — Onde já se viu, bem capaz que vou contratar uma boqueteira para trabalhar para mim. Não tem respeito pelo filho. Lixeira, próximo currículo:

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Carlos Oliveira, 30 anos, formado em uma universidade federal, com especialização no exterior, com boa experiência, solteiro, blá, blá, blá, orientação: hétero, preferência sexual: sexo anal. — Credo! Começa pegando mulher assim depois vai para os homens. Não passa de um traveco enrustido, pois se fosse um hétero descente não fazia isso. Não serve para trabalhar para mim, onde está o profissionalismo. É tudo culpa dessas novelas. Lixeira, próximo currículo: Paulo Luis Assunção, curso técnico a distância, casado, dois filhos, blá, blá, orientação: hétero, preferência sexual: normal, nada de diferente, conhecido como “papai e mamãe”. E eis que surge finalmente um sorriso no rosto do empresário. — Finalmente um funcionário a altura. Liga para sua secretária. — Suzana, venha à minha sala. A secretária entra, com seu uniforme extremamente comportado. — Pois não? — Este é o candidato escolhido. Ligue e pergunte quando ele pode começar. — Sim senhor. — Depois disso está liberada, já está tarde e também vou indo. O empresário vai embora, entra em seu carro orgulhoso de si mesmo por manter o nível familiar e de respeito em sua empresa. Segue para um apartamento, num bairro de classe alta. Entra no prédio, cumprimenta o porteiro, chega no apartamento, toca a campainha e a porta se abre revelando uma mulher muito bonita, com uma roupa sensual pois já o esperava. Ele tira do bolso do paletó uma caixinha com um anel caríssimo e lhe dá de presente. Ela o conduz até o quarto, onde, sobre a cama pousa um chicote, uma coleira e uma máscara. O empresário se vira para a mulher e diz: — Não posso me demorar muito hoje pois é o aniversário de minha esposa e ela deve estar preparando um jantar com o jogo de panelas que lhe dei de presente. Enquanto isso, na rua, dois amigos são espancados por brutamontes ignorantes só porque estavam se abraçando, pois a muito tempo não se viam.

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18ª Edição: Nov./Dez – 2019

Ana Maria Fázio de Freitas – Assis/SP - Doce infância Catarina Dinis Pinto - Amarante-Portugal – Parte Daniela Genaro - São Paulo/SP - Boneca de encantos David Leite – Jandira/SP - A Hora Morta Diego da Silva Teles dos Santos – Ilhéus/BA – Toca-fitas Leandro Emanuel Pereira - Matosinhos, Portugal - Amélia a audaciosa Maria Elza Fernandes Melo Reis – Capanema/PA – Gratidão Ovidiu-Marius Bocsa – Romenia - Um bolo pra você Rosimeire Leal da Motta Piredda - Vila Velha/ES - História: Identidade da Humanidade Sigridi Borges - São Paulo/SP - Vó Fibonacci


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Doce infância Ana Maria Fázio de Freitas Assis/SP

Doce infância! Sorrisos e alegrias! Belas tardes de aventuras nos quintais. Brincadeiras! Festanças! Cantorias! Tempos felizes que não voltarão jamais. Quando à noite toda a terra escurecia, Pequenas luzes sobrevoavam o descampado. A criançada reunida na escuridão nada temia E perseguia os pirilampos iluminados. Quanta euforia! Algazarra! Felicidade! Os pobrezinhos eram então capturados Mas, bem depressa lhes devolvíamos a liberdade Para que voltassem a sobrevoar nosso gramado. Hoje em dia eu já não vejo vagalumes! Quem desligou o pisca-pisca encantado? Por que roubaram das crianças esse costume E agora as deixam prisioneiras do teclado? Eu já não ouço da garotada o gargalhar, Não vejo graça nas noites quentes de verão. Pobres inocentes já não sabem o que é brincar, Hipnotizados por celular, computador e televisão.

http://rimasdocoracao.blogspot.com/

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Parte Catarina Dinis Pinto Amarante-Portugal Parte… Se tens de partir para outro lugar, Para não fazer cair uma lágrima mais. Se o caminho já não é o mesmo, Deixemos-mos de prosseguir no labirinto. Parte… Se o teu coração precisa de liberdade, Para encontrar-se a si mesmo. Se o tempo te vence E traz-te sempre saudades. Parte… Se não conseguires esquecer todo o destino, Sem lembrar da existência de uma paixão.

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Boneca de encantos Daniela Genaro São Paulo/SP Agradeço hoje tanto por essa boneca de encantos. Tem boquinha de sorriso e olhinhos de retrós, fala muito, tagarela, alegrando todos nós. O corpinho é de retalhos, no vestido sete sóis, o amor iluminado dá a ela vida e voz. Seu coração uma estrela, toda magia de Oz, brinca com ela a pequena, tornando o tempo veloz. Agradeço sempre e tanto, nossa menina, um encanto.

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A Hora Morta David Leite Jandira/SP Baseado na ilustração the last hour of the night, de Harry Clarke (1922)

Para ele, não estava muito claro a necessidade de vigilância daquele local. O apartamento decadente devia ter sido abandonado a pelo menos dois pares de [113]


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décadas, a julgar por seu avariado estado e pela antiga arquitetura que podia ser imaginada na visão daquele quase escombro de habitação. Mas o estado do prédio não era diferente dos arredores em que se instalava. Aquele subúrbio ermo, onde vivalma parecia não existir, era coalhado de sobrados, casas, comércios e demais edifícios em semelhante situação. Onde deveria haver vida e prosperidade outrora, agora apenas o silêncio, a ruína e o desamparo reinavam. Mas o serviço era bem pago. Então, mesmo acreditando que vigiar aquele lugar era desnecessário, ele havia aceitado o trabalho sem pestanejar. Os donos do quarteirão em que ficava o pequeno prédio o contrataram para início imediato, o informando que o vigilante anterior, infelizmente, havia deixado o serviço por questões de saúde, e eles não poderiam deixar o prédio a descoberto por muito tempo. Ele não questionou o porquê disso e prontamente aceitou a vaga de vigilante noturno. Uma única ressalva os patrões fizeram a ele: Deveria deixar seu posto antes da meia-noite. Um outro vigia atenderia o próximo turno, mas deveria chegar apenas após a uma hora da madrugada, portanto não seria necessário espera-lo. Em seu primeiro dia, chegou ao lugar carregando apenas uma mochila. Nenhuma linha de ônibus do centro onde morava iria deixá-lo no bairro esquecido. Apenas uma linha o levava para os lugares mais afastados da cidade e uma caminhada de quase hora para ele finalmente chegar ao seu local de serviço. Apenas um quarto do apartamento estava em condições habitáveis. Reformado, o quarto deveria também ter sido o posto de trabalho do vigia anterior. Com as paredes pintadas, uma pequena cozinha equipada e o banheiro limpo e funcional. Além de um conjunto de telas, que ele rapidamente descobriu como operar, ligadas às câmeras de vigilância por todo o quarteirão. Ficaria ali, então, apenas monitorando os televisores. Nas primeiras noites, a desconfiança de sua utilidade ali se confirmava. Nada acontecia naquela zona lúgubre. Apenas as horas passando morosamente. Nem um animal na rua era captado pelos monitores. O bairro havia sido completamente deixado. Não havia ninguém para invadir ou reclamar aqueles prédios. Os seus próprios patrões pareciam desinteressados. Não entraram em contato com ele durante todas essas noites, solicitando reportes ou apenas para saber se ele estaria comparecendo ao seu posto. Também não havia se encontrado com o vigia diurno, já que havia um hiato entre seu horário de saída e a entrada dele. Entediado, ele tentava descobrir, todos os dias, alguma maneira de passar as vagarosas horas. Trazia palavras-cruzadas de casa, seu passatempo predileto, as [114]


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preenchendo com atenção enquanto levantava a cabeça raramente para olhar as telas filmando o nada acontecendo. O relógio despertador que trouxe de casa contava as horas em seus ponteiros precisamente com um clique a cada segundo. Às onze da noite ele soaria alto, informando o que dali a quinze minutos deixaria seu posto e retornaria para casa, caminhando pela noite com sua lanterna. A caminhada no breu que fazia durante esses dias possivelmente deixaria qualquer um em temor. A escuridão e o silêncio despertam essas emoções comumente. No entanto, ele não se sentia afetado por isso. Há tempos que estava na profissão de vigilante, e para exercer esse ofício era imprescindível a falta de melindres. Era ele também um tipo que gostava de solidão, portanto nada melhor que o caminho de volta a sua residência para a contemplação. Em uma dessas reflexivas caminhadas começou a questionar o que deveria ter acontecido de tão insueto a ponto de fazer residentes daquele bairro deixa-lo daquela forma. Embora achasse curioso no princípio, quando conheceu o bairro, não era tão incomum o êxodo em sua cidade, dado o momento de crise econômica em que viviam. No entanto, o bairro parecia ter sido enjeitado por outras circunstâncias. Em uma das noites, após a costumeira palavra-cruzada e servir-se de sua janta, ele repara jogado displicentemente sobre uma das mesas um caderno. Era a folha de ponto, onde estava anotado os horários de serviço. Não havia sido orientado a preencher nenhum relatório, mas parece que era algo que deveria ter feito. Diariamente, durante quase um ano inteiro, o vigia noturno anterior havia marcado seus horários. Sempre com certa pontualidade, chegava ao cair da noite e deixava o local pouco depois das onze horas. Nos últimos dias de serviço, no entanto, havia estendido seu horário. Onze e meia, quinze para a meia-noite, até culminar na última noite, onde havia anotado seu horário de saída a meia-noite e um, exatamente. Aquilo o alarmou por um instante. De repente, o abandono do bairro e a saúde do vigia anterior começaram a lhe parecer algo mais grave do que pensou a princípio. Preocupado, começou a vasculhar o quarto em busca de alguma pista do que teria acontecido. Embaixo da cama, então, encontra uma mala de viagem. O nome na etiqueta dela não deixava dúvidas de que pertencia ao antigo vigia. Ao abri-la e vasculhar seu interior, ele se depara com recortes de jornais e livros antigos. Os recortes pareciam seguir sempre o mesmo tema. Reportagens sobre casos macabros ocorridos na cidade. Possessões demoníacas, avistamento de [115]


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espíritos, assassinatos ritualísticos. Tudo relatado em recortes de tabloides datados de dezenas de anos atrás, com um antecedente em comum: Aquele bairro. O vigia então começa a se preocupar ainda mais com o ar insólito daquilo. O estado doentio do guarda anterior parecia ter se manifestado em alguma obsessão pelo histórico tétrico do bairro. O clima sombrio e nebuloso daquela área parecia tê-lo prejudicado de tal forma que precisou se retirar. Os livros contidos na mala eram ainda mais curiosos. Uma bíblia e um caderno antigo, de capa dura e desgastada, onde conseguia-se ler apenas A última hora, em baixo-relevo. Em seu interior, as páginas amareladas estavam em branco, exceto por alguns versos, escritos à mão, na última página..

Lenta, lenta hora. Em tudo ecoa Alma que se ignora Tudo é tão doente Um pesadelo que se sente De si próprio ausente E ainda ela bate à porta Lenta, lenta Hora morta Que haja piedade Bruma e ocaso que invade Hora vazia e sem vida E sombria e perdida Em agonia que não se conforta Lenta, lenta Hora morta.

O sino do relógio então o retirou do estado absorto em que ficou após examinar o conteúdo da mala. Onze horas. Deveria se preparar para ir embora. No entanto, [116]


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confuso sobre o que pensar daquilo, decide ficar mais um tempo. Esperar ali até pelo menos o próximo guarda rendê-lo. De fato, havia ficado um tanto atarantado pelo material. Repentinamente o peso de estar ali, no quarto no meio do vazio, do lugar rejeitado e disjunto de tudo, o assombrou. O guarda anterior havia aguentado aquela solidão e escuridão por tempo demais, até enlouquecer. Com ele não seria tão diferente assim. De qualquer forma, um medo se instalou nele e o ambiente, antes sereno, tomou ares funestos e vestes pesadas. Ele fecha a porta do quarto, senta-se a frente dos monitores e aguardaria ali pelo próximo empregado, enquanto via a falta de movimento da rua e ouvia apenas o tique-taque do relógio despertador a contar o tempo, resoluto. Quinze para a meia-noite. Nada. Apenas a pressão no peito e um certo desconforto que não experimentou antes. Como se algo houvesse mudado repentinamente. Não lhe agradava a ideia de permanecer ali até depois do expediente, no entanto também lhe incomodou o fato de que teria que fazer o longo trajeto até as cercanias da cidade. Sua perna começou a se mexer com certo nervosismo que lhe era novidade. Cinco para a meia-noite. O ponteiro do relógio, de repente, pareceu-lhe lutando contra alguma força invisível, e cada segundo era vencido com um esforço extra, tornando os segundos mais lentos e distendidos. Meia noite. A campainha do relógio toca um único timbre e o ponteiro, então, finalmente se rende. O relógio para. O vigia tenta bater nele, retirar as pilhas e recolocá-las, mas nada surtia efeito. Havia parado completamente, como se tivesse desistido. Uma coincidência nem um pouco alentadora. O vigia então se vira para os monitores. Aguardaria ali até amanhecer, se necessário. O vagar lento do tempo, já sentido antes, agora tornava-se ainda mais insuportável. Algo iria acontecer no meio do silêncio, no meio da penumbra, no meio do abismo daqueles momentos. Como um grito preso na garganta, o vigia aguardava temeroso o tempo dilatado e agora sem medida. Então, uma sombra escorre por um dos monitores. Algo se espalhava pela imagem na tela como piche. Do grito na garganta, o vigia, assombrado, solta apenas um soluço, enquanto a sombra se estendia para os outros monitores e em poucos e aterrorizantes segundos cobria a sua visão do exterior. Alarmado, o vigia tenta organizar seus pensamentos, tentando conceber o que deveria fazer. Corre para a janela, de onde poderia avistar algo. Nada. Com a lanterna que sempre carregava tenta a câmera mais próxima para averiguar o [117]


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que a havia coberto. Não consegue avistar a câmera da posição da janela. No entanto, contornando a esquina, um tênue brilho avermelhado irradiava, como se uma fogueira tivesse sido acesa, ou mesmo o alvorecer começasse a despontar. Atônito, o vigia tenta novamente colocar seus pensamentos em lugar, e decide que então iria descer para a rua e checar o que estava acontecer. Aliás, era essa sua função. Ele abre a porta de supetão. No corredor escuro e destruído do andar, uma avantesma adiantou-se a fugir do facho de luz enquanto o vigia já aflito processava a visão fugaz, tentando vencer o terror. Sem muito o que raciocinar, corre para as escadarias que levavam até a rua, por onde o vulto havia também se projetado. A rua escura, agora, parece coberta de uma emanação avermelhada, que dançava como a luz de uma chama. Mas o ar estava frio e espesso, tanto que a respiração entrecortada do vigia assustado evolava de sua boca na forma de vapores brancos. O vigia tenta se recompor antes de correr para a rua principal, de onde a luz surgia e o único lugar para onde a sombra fugitiva poderia seguir. Na rua, deparou-se com um horizonte próximo em um ardor de chamas, com um brilho místico e aterrador, como em um pesadelo ou delírio. A poucos metros dele, uma figura esquálida, uma forma negra e vagamente humana, ainda mais escura com o lumiar das chamas em seu contorno, estava parada a sua frente. Novamente a vontade de gritar surge na garganta do vigia, quando a figura começa a se virar para ele, revelando seu demoníaco semblante ao mesmo tempo em que crescia em tamanho, assim como as chamas do horizonte, se tornavam maiores e mais vigorosas a medida que engolia os prédios e as ruas. Então, o grito não dado por ninguém foi ouvido. Apenas, ao findar a terrível hora, o clique do relógio retoma sua contagem, decidido.

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Toca-ftas Diego da Silva Teles dos Santos Ilhéus/BA

O sol escaldante do sertão nordestino invadia a janela da cozinha simplória onde, em cima da mesa, jazia o corpo estirado. À sua frente, ajoelhada, incrédula, figurava Isabel, balbuciando algumas palavras. Rezava ou conversava com o defunto, não se sabe ao certo. Passou um bom tempo assim. Os olhos semivivos analisavam cada parte do corpo diante de si. Os olhos do morto aparentavam vagos, um focava o canto da cozinha ao seu alcance e o outro parecia padecer para lá dos viventes. Isabel lembrou-se do rádio toca-fitas. Levantou-se vagarosamente, fitando o corpo sobre a mesa. Foi até o quarto, a passos de quem segue uma procissão, e se apossou do velho toca-fitas embaciado por uma espessa camada de poeira, há anos esquecido em cima do guarda-roupa. A fita permanecia lá. A fita com uma única música gravada duas vezes que a prima trouxera de presente quando visitou o Rio de Janeiro, trinta anos passados, pouco antes do seu casamento. De volta à cozinha, ligou o rádio. A música foi ressoando, ainda que ruidosa, quebrando o silêncio fúnebre do recinto. Isabel cerrou os punhos e os apertou entre os seios. Inevitavelmente foi surpreendida por lapsos de recordações que fora obrigada a esquecer, assim como aquele toca-fitas em cima do guardaroupa. Foi até um estreito corredor que ligava a cozinha à sala e se olhou no pequeno espelho, maculado com o tempo de uso, pendurado na parede. Assustou-se. Viu um rosto mareado, uma pele enrugada, envelhecida excessivamente, talvez devido à grande exposição ao sol. O mel outrora presente no olhar, sumira-lhe ao fel das olheiras. Cabelos acinzentados. Inspirou, custodiando todo oxigênio do ambiente, não por muito tempo, farta, expirou bruscamente deixando o peso do corpo sobre a responsabilidade dos ombros, sustentando-se com os dois braços em uma cômoda de madeira. “Ninguém deve acreditar quando digo ter quarenta e sete anos.” Quando a música começou a tocar pela segunda vez, adiantou-se até o quarto novamente e abriu as portas do guarda-roupa. Tossiu quando o olor da naftalina desbravou suas narinas, em seguida apoderou-se de um álbum de fotografias. Voltou à cozinha e se abancou ao lado do morto.

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“Eu era tão nova. Me lembro das moças se gabando dos moços que cortejavam elas. Planejavam o futuro, com certeza como as mães ensinavam. Como minha mãe me ensinou. Como minha avó ensinou a minha mãe.” Presença ativa em sua criação, Isabel ouviu muitas vezes a avó dizer para as moças, suas netas, que o futuro da mulher estava no pretendente dela. “Assim fui criada, na esperança de um bom futuro.” Passou a olhar fixamente para a imagem do rapaz ensimesmado, coisificado no papel semibrilhante. “A primeira vez que te vi, você estava roçando as terrinhas de papai. Não sei se foi coisa do destino, mas lá estava você, ajudando painho um dia, depois outro, e mais outros.” Mulato de porte atlético e olhar vivaz, Cipriano estampava no semblante marcas de uma experiência que ia além dos poucos vinte e dois anos já vividos. No auge da criatividade, Isabel deu início ao empenho na elaboração de pretexto para passar na roça sempre que voltava do colégio, desde o dia que vira lá o rapaz. “Tive certeza de ter encontrado meu futuro, o amor da minha vida. Confesso que era como nas novelas que eu, Leonora, Maria do Rosário e Maria Aparecida arrumava desculpas pra irmos assistir escondidas na casa de Jandira, vizinha que tinha ganhado a televisão do filho, que tinha ido tentar a sorte em São Paulo. Se painho descobrisse, eu e minhas irmãs estávamos perdidas. Ah, o dia que Leonora teve a infeliz ideia de dizer a painho que ele estaria mais informado sobre o resto do mundo se comprasse uma televisão pra casa.” Isabel lembrou-se que naquele dia, Leonora sentiu as costas da mão do pai beijar sua boca. Beijo rápido que deixava marcas demoradas. As mãos em questão, grandes e grossas, guardavam nas unhas um punhado de terra, que sua irmã provou o gosto naquele dia. O homem dizia que não admitiria ter dentro da casa dele um treco que ensinasse libertinagens. “Painho falava com tanto conhecimento que eu perguntava pra mim mesma como ele tinha tanta sabedoria sobre os ensinamentos da televisão. Rum! Perguntava só pra mim mesmo, pois jamais um filho ousou a questionar as ordens de painho, nem mesmo mainha. Eu também não queria correr o risco de experimentar o beijo da mão dele. E nunca experimentei.” Apoiou o álbum no colo e passou a observar o corpo. “Era o tal amor à primeira vista. Depois que você se declarou pra mim, eu contei pra mainha. Ela me disse que era pra eu fazer charme, pois assim, sem muita facilidade, você me valorizaria mais. Depois me disse que não era pra eu demorar demais em responder os seus galanteios. Ah, se painho sonhasse com isso! Você não era como os galãs das novelas, mas tinha seu charme. Meio bruto, mas charmoso. Eu era tão nova! Hoje penso que era tão nova. Também, como haveria de achar isso naquela época se era assim com as outras também? Tinha acabado de completar dezessete anos, quando você me trouxe a notícia. ‘Isabel, [120]


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consegui emprego n’outro canto. Interior distante.’ Senti meu coração gelar, pois entendia o que aquilo queria dizer. Justo quando painho tinha aceitado nosso namoro! ‘Vou com tu!’. Sabia também as consequências do que eu tinha dito. Pensando bem, sabia não.” Isabel fechou os olhos um instante. Ouviu ruídos vindos do quintal invadir a melodia da música. Dirigiu-se até lá e viu o bebedouro ressequido, iludindo os beija-flores que reclamavam com os bicos estéreis à seu redor. Sentiu culpa. Apressou-se em misturar açúcar na água que enxeria o bebedouro. Feito, observou durante alguns minutos o festejo dos beija-flores em torno do recipiente. Cantavam e bailavam. Bebiam água e se perdiam de vista nos ares. Com um impulso, deu dois passos à frente. Parou. Invejou a liberdade. Quis ser um beija-flor. De volta à cozinha, retornou às fotografias. “Hoje não tenho muita lembrança do dia do nosso casamento. Me arrependo de ter largado os estudos. Eu sei! Nunca te disse. Engraçado, agora que não tem mais jeito estou aqui confessando isso. Ainda bem que larguei depois de já saber ler. Não fosse os romances que Maria Aparecida trazia aos montes para mim, o toca-fitas e nosso pedacinho de terra, só me restaria a solidão enquanto você trabalhava”. Televisão em casa, era um sonho guardado no coração de Isabel. Quando sozinha, resmungava, culpando o pai de ter doutrinado o marido com suas ideias a respeito do aparelho. Logo depois, questionava a si mesma, se aquelas, não seriam ideias convencionadas por todos os homens. Então, estagnava na dúvida, reconhecendo que poucos foram os homens a cruzarem o seu caminho. “Eu me esforço, mas não me lembro do dia do nosso casamento. Se não fosse essas fotos, creio que as memórias estariam perdidas no tempo. É, eu não me esforço tanto assim, eu sei”. Desde o momento em que as lembranças saíram e não encontraram o caminho de volta, a mulher, às vezes se insinuava a procurá-las. Copiosa, logo desistia. “Tanto corre-corre… Nos mudamos às pressas, depois do casório. Logo você começou a trabalhar. Será que as outras moças também decidiram largar os estudos e se dedicarem exclusivamente à vida de casada? Gostaria de saber como elas estariam. Cozinhar, lavar, passar, agradar o marido. Não me incomodava antes. Talvez não me incomodasse até hoje, se as coisas não fossem como foi. Eu gostava de cuidar de você. Lavar e engomar sua farda de trabalho”. Por vezes, ela segredava aos quatro cantos da casa o desejo que sentissem inveja de como seu marido era bem cuidado. Encontrava amparo na intuitiva certeza de que nenhum outro segurança fosse mais bem trajado do que Cipriano. E que os outros o admiravam, ávidos para que as respectivas companheiras fossem como ela.

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“Devem ter sido uns cinco anos pra começarmos a notar que eu não pegaria barriga. Se tivesse o poder de prever o futuro, tardaria o quanto pudesse a ida naquele doutor. Mas a ansiedade era grande, não é?! Com você não havia problema algum. O ‘defeito’ estava em mim. Por algumas baboseiras explicadas pelo tal doutor, eu provavelmente não poderia ter filhos”. Desde a última ida ao médico, a mulher, não se esquecera da cara do doutor. Recordava-se das bochechas rosadas, adornando a boca que lhe anunciara um fiapo de esperança. Haveria uma remota possibilidade, caso ela fizesse um tratamento. Depois, era tomada pela lembrança dos olhos fundos, impiedosos, escondidos atrás dos óculos fundos de garrafa, desadornando a boca que sem saber anunciara-lhe o seu martírio. Isabel fechou o álbum de fotos e o jogou no chão. Foi até o toca-fitas, já silencioso, voltou à fita, colocando para tocar outra vez a música. Em seguida andou em direção a pia. Abriu o armário, pegou uma faca de cerâmica e amolou numa pedra sem tirar os olhos do defunto. Agora o olhava com um misto de raiva e compaixão. Sua respiração e o movimento do braço que amolava a faca iam numa crescente, contrastando com a música de fundo suave. Contudo, chegou ao ápice e parou num rompante bufando molhada de suor. Estabilizou a respiração, concedeu ao cérebro permissão para identificar o cheiro de cravo que tanto a agradava, sem demora andou em direção ao morto, com a faca em punho. Passou a mão pelo corpo rechonchudo diante de si. “No início, você não economizava elogios aos meus dotes culinários. Se gabava de ter casado com uma mulher muito da prendada. Eu gostava. Merda foi depois que descobriu que eu não podia emprenhar. Passou a bradar que estava engordando por culpa minha, mas a boca não fechava. Comia feito um porco. É isso mesmo que você ouviu! Um porco. Alias, não ouviu, não é?! Eu feito uma besta, tentando fazer de tudo pra encontrar uma maneira de preencher minha falha, mas nada era do agrado do senhor. Espera aí. Falha minha?! Que culpa eu posso carregar de ter nascido assim? Me diga. Não pode, não é?! Você mudou da água pro vinho, Cipriano. As águas-de-colônia, que me agradava, nem pra ver mais. Não fazia mais questão que eu me embelezasse. Não teve a decência de esconder que andava frequentando puteiros pra se deitar com quengas. Eu saio nas ruas e as pessoas não me olham como pessoa, mas como uma coisa qualquer que sustenta um par de chifres na cabeça. Quanta humilhação! Dói”. Passou a mão na roxidão em volta do seu olho esquerdo. “Desgraçado!”. Largou a faca e avançou com as mãos apertando o pescoço do morto, como quem matava sua própria vontade. Não conseguindo fechar as mãos em torno do pescoço corpulento, a mulher manejou a faca de forma impetuosa e cortou os membros superiores do defunto. Ofegante, arregalou os olhos, abriu as mãos e [122]


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ouviu de longe o estalido da faca encontrando o chão. “Meu Deus!”. Como um tufão logo veio a recordação de outras tantas agressões, o que a impulsionou. Retomando a faca, dilacerou os membros inferiores do morto. Agora não podia mais parar. Esqueceu-se da música, que já não tocava mais, esqueceu-se de onde estava, esqueceu-se de todo o autocontrole que fora obrigada a adquirir todos aqueles anos. Se encheu de coragem e foi adiante. No melhor estilo maníaco assassino hollywoodiano perfurou todo o tórax do morto. Extravasou soltando curtos gritos fadigados. Depois de absolutamente desfigurar o tórax, Isabel parou, com dificuldade, controlou a respiração. Sentindo o suor brotar, esfregou as costas da mão esquerda no buço. Aprumou os cabelos e limpou com o antebraço direito a testa molhada. O vestido ensopado tornara-lhe uma segunda pele. Mirou os olhos desfalecidos, com a faca fortemente cerrada nas mãos, sem pensar duas vezes decapitou o morto. Jogou a faca longe e caiu intrépida sobre uma cadeira. Ficou paralisada por volta de meia hora, quando foi despertada por alguém que entrava na cozinha. O homem ficou atônito ao se deparar com a cena instaurada. Os olhos esbugalhados, ora em Isabel, ora nos pedaços sobre a mesa. — Desgraça! O que você fez com meu leitão, sua diaba?! Era pra fazer assado. Cipriano, enfurecido, bradou com Isabel, que zonza se levantava da cadeira, para logo ser atingida com um soco na boca do estômago. As vistas lhe faltaram, as pernas bambearam, mas se equilibrou na mesa, pondo para fora algo que tinha bebido mais cedo. Do porco desfigurado sobre a mesa nenhum nojo; ao marido, olhares de repugnação. Com dores, motivou a si mesma, reconhecendo já ter sobrevivido a sovas piores erguendo o corpo com cautela. — Agora vá providenciar fazer outra boia pr’eu armoçá. A imagem dos beija-flores irrompeu seus pensamentos. Desde então Isabel encontrou resignação ao ceifar o marido a cada frango tratado, ao preparar um assado de porco ou um corte de boi.

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Amélia a audaciosa Leandro Emanuel Pereira Matosinhos, Portugal

Num momento apoteótico; Creio que brotaste ao mundo; Num audacioso pórtico; Confinando a tristeza de muitos ao fundo… Foste, és e serás elementar; Para o círculo de afortunados que te rodeia; Sempre sem medo de obstáculos desbravar; Pintas as trevas de anil, talhada sereia… E hoje amplio assim um dia da Mãe; Ordenando os meus propósitos justos; Para te saudar e te irradiar de bem; Na ventura, de me continuares a proteger de sustos… P.S: Dedico este poema à minha mãe, linda mulher pertinaz que me fez nascer. https://emporiumeditora.com/products/um-livro-para-morar

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Gratidão Maria Elza Fernandes Melo Reis Capanema/PA

Tenho buscado a calmaria Das minhas emoções Em coisas singelas... Num café coado Num abraço que faz laço Numa consciência tranquila De quem espalha paz Tenho buscado colo até nas estrelas Onde o meu amor deita Todas as noites Pra sonhar saudades Tenho buscado a calmaria Dos meus anseios Quando olho pro céu e encontro respostas divinas Quando meus olhos contemplam infinitamente a vida E minha alma transborda eterna gratidão.

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Um bolo pra você Ovidiu-Marius Bocsa Romenia Joy e eu fazemos um bolo para você Ingredientes que usamos apenas alguns 100 ml de óleo, 300 g de farinha e aposto A alegria tem um bigode branco, ainda! 300 g de cerejas - não coma tudo: Bem, eu disse não sozinha, minha alma. Joy ainda tem brincos de cerejas! Nós os comemos. Nenhum traço de arrependimento! 200 g de iogurte grego 10% de gordura Isso certamente não é para o gato! 200 g de açúcar se divertem muito "Estranho, por favor, tome apenas um." Aha! Eu sei porque Joy é tão doce. 10 g de fermento em pó, só um pouco! 4 ovos: agora, acho que já está feito A batalha das cerejas está perdida ou ganha. E humilhado por esta presença 1 colher de sopa de essência de baunilha Descasque um limão: um beijo é o preço E pouco sal para ouvir os conselhos da Joy. Quem já comeu curry com creme E um pouco de mostarda? Um pouco como a nossa fé diária Tudo é verdade, o grande Deus diz; Um bom bolo com companheiro de cozinha Não havia necessidade de separar Os ovos e vencê-los ou trocadilhos Ao fazer esse "pandispane". [126]


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Isso é uma espécie de desobediência civil: Simplesmente misturamos todos os ingredientes. Colocamos as cerejas agridoces. Existem dois tipos de boas fadas: Muito menos a mostarda, mesmo que um pouco Onde papai provavelmente vai se sentar. Então, nós somos feitos com farinha De fato, em menos de uma hora; Nós arrumamos e depois comemos. Ao redor, parece bem feito Mas Kings of Disorder em casa Deve limpar antes da mãe chegar.

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História: Identidade da Humanidade Rosimeire Leal da Motta Piredda Vila Velha/ES

Para encontrar as respostas do hoje, é necessário ir em busca do ontem. É emocionante saber as causas e as consequências dos episódios, como viviam as pessoas na antiguidade, de analisar o que ocorreu para tornar esta época uma era moderna. Estudando o passado da humanidade e sua evolução, compreendemos que a “atualidade”, é o efeito do que “os homens realizaram ao longo da sua existência.” A História é realmente impressionante! Se olharmos para trás, visualizamos a longa trajetória que o mundo percorreu para chegar até onde estamos. Mas, infelizmente, o que se destacam é a violência, guerras, batalhas, disputas, invasões, traições e, por conseguinte, mortes, assassinatos e vítimas. O ser humano, na luta pela sobrevivência, não hesita em agir contra a sua própria espécie; ele, sendo dotado de inteligência e sentimentos pode mudar o curso dos acontecimentos, fazê-lo seguir em linha reta, por caminhos sinuosos ou derrubá-lo no precipício. Para encontrar as respostas do hoje, é necessário ir em busca do ontem. A arqueologia ajuda a confirmar os fatos e quando lemos os relatos dos historiadores, condenamos ou coroamos heróis, aqueles que foram personagens principais. Sem a História, tudo seria esquecido e jamais saberíamos quem foi o vilão e quem lutou em nome da justiça. O mesmo sucede conosco: o que somos é o resultado de nossas experiências passadas, nossas alegrias e tristezas, derrotas e vitórias, e principalmente, do comportamento diante dos episódios e das escolhas entre o bem e o mal. Ignoramos que escrevemos a História da nossa existência. Ninguém pensa nisso, simplesmente caminha, com o pensamento de continuar a viver ou a existir. Esta crônica” faz parte do livro: • Livro "Voz Da Alma" - Editora CBJE - Rio de Janeiro - RJ - Brasil – Novembro/ 2005

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Vó Fibonacci Sigridi Borges São Paulo/SP

a vó que sorri sempre vê na nova alegria a semente regada a brotar florir num jardim que um dia aqui deixará. Sequência de Fibonacci 1 – 2 – 3 – 5 – 8 – 13 – 21 – 34

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E-book gratuito exclusivo Baixem e leiam com exclusividade, o e-book "Três Momentos – Contos Espíritas", da escritora Ana Rosenrot.

Sinopse: Três momentos. Três vidas. Três contos espíritas. Camila (Estrela Guia), Alberto (Decisão Extrema) e Lívia (Direito de Viver), enfrentarão três situações decisivas: um assassinato, o impulso suicida e uma gravidez inesperada. O futuro de cada um deles, dependerá de suas escolhas.

Link para download em pdf: https://drive.google.com/file/d/1bLupW6hie3dMejGCdWJig7HLQpSpKUQs/view

Clube de Autores (Versão Impressa): https://clubedeautores.com.br/livro/tres-momentos

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Lançamento da 4ª edição da Revista SerEsta Criada por um grupo de escritores, ilustradores e fotógrafos, a Revista SerEsta é uma publicação semestral, virtual e independente, que nos traz mais um importante espaço para divulgação da literatura e da arte. A 4ª edição traz uma entrevista com a ilustradora Wanessa Melo e homenageia Cora Coralina. Confiram também os selecionados no Concurso Vida e Obra de Paulo Bomfim! https://revistaseresta.blogspot.com/ https://issuu.com/revistafolhear1/docs/seresta4

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Participem da E-Antologia “O Lado Poético da Vida” Estão abertas as inscrições para o Concurso de Crônicas: “O Lado Poético da Vida”. O concurso, organizado pela escritora Rosimeire Leal da Motta Piredda, é totalmente gratuito e conta com o apoio da Revista LiteraLivre. Venham nos mostrar em crônicas onde encontrar o lado poético da vida, participem!! As inscrições vão até 28 de fevereiro de 2020.

link para o regulamento:

https://rosimeirepiredda.wixsite.com/escritora/concurso

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