Revista LiteraLivre - Edição Especial nº 1

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Ano 01 - Edição Especial “Os Melhores do Ano”

Jacareí – SP - Brasil

Expediente: Publicação: Bimestral Idioma: Português Editora-chefe: Ana Rosenrot Revisão: Todos os textos foram revisados por seus autores e não sofreram nenhuma alteração por parte da revista, respeitando assim a gramática, o estilo e o país de origem de cada autor. Diagramação: Ana Rosenrot – Alefy Santana

A Revista LiteraLivre foi criada para unir escritores de Língua Portuguesa, publicados ou não, de todos os lugares do mundo. Toda a participação na revista é gratuita, com publicação em PDF e distribuição on-line.

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Editorial Caríssimos, tenho a honra de trazer ao conhecimento de todos “Os Melhores do Ano da Revista LiteraLivre”. Através da opinião de leitores, assinantes e de leitores beta (todos não participantes da revista), foram revisitadas todas as edições de 2017 e escolhidos somente 6 textos de cada uma delas para compor esta edição especial. Lembrando que, como tudo o que fazemos, nossa intenção foi dar um incentivo a mais aos autores participantes; portanto, não se trata de nenhuma premiação com excesso de formalidade, ouvimos somente a parte mais importante de todas: os leitores. Quero agradecer a todos os participantes, que também são vencedores por dedicarem suas vidas ao universo literário; aos que ajudaram na árdua tarefa de escolher os selecionados e parabenizar aos que estão aqui compondo esta edição especial. Obrigada pelo carinho e atenção de todos! Mês que vem (janeiro) teremos a edição de 1º aniversário e as inscrições para a edição 08 (de março), estão abertas até 10 de fevereiro. Quero desejar boas festas e um ano novo com muita “Literatura com Liberdade” para todos!!!


Neste número 1ª Edição:..............................................................................................................................................1 Conto Tirado de um Poema..................................................................................................................1 Humano Eva.........................................................................................................................................5 O talento está no sangue.......................................................................................................................7 Picolés Bonsucesso.............................................................................................................................12 Súplicas da Solidão.............................................................................................................................15 Viver a minha vida..............................................................................................................................17 2ª Edição.............................................................................................................................................19 Breve Perfil.........................................................................................................................................20 Erotic Sapiens.....................................................................................................................................22 Sem Sinal............................................................................................................................................23 Soneto da Moça de Pedra...................................................................................................................26 Um Retrato de Mim............................................................................................................................27 Xawdoon.............................................................................................................................................29 3ª Edição.............................................................................................................................................30 Ele Mora Ali.......................................................................................................................................31 Hoje Não Será Amanhã......................................................................................................................32 Mãe Meu Porto Seguro.......................................................................................................................33 Não é Tempo de Morrer......................................................................................................................34 O Poço................................................................................................................................................35 Podridão de Partículas........................................................................................................................39 4ª Edição.............................................................................................................................................41 Bob Dylan: Inevitável Interseção Entre Lírica Musical E Literatura.................................................42 Conversa Barata..................................................................................................................................45 Coração de Uma Mulher....................................................................................................................47 Dig a Pony (revisitado).......................................................................................................................48 O Estrangeiro......................................................................................................................................49 Paixão Proibida...................................................................................................................................56 5ª Edição.............................................................................................................................................57 A Espera de Pantera............................................................................................................................58 Aldravias*...........................................................................................................................................59 Antes do Voo.......................................................................................................................................61 Atenção às Perguntas..........................................................................................................................63 Estranho Na Madrugada.....................................................................................................................64 Não se Queixe, Cante, Dance, Escreva…..........................................................................................68 6ª edição:............................................................................................................................................70 Contentores.........................................................................................................................................71 Cruzamentos.......................................................................................................................................73 Facilitar a Vida?..................................................................................................................................75 O Drama da Surdez............................................................................................................................77 O Quadro Dessa Gente.......................................................................................................................80 Um Abraço..........................................................................................................................................81


1ª Edição: Janeiro/2017

Conto tirado de um poema – Tiago Feijó Humano Eva – Maciel Guerra O Talento Está no Sangue - Helder Guastti Picolés Bonsucesso - Cristina Bresser de Campos Súplicas da Solidão - Fausto Diniz Viver a Minha Vida -

Carlos Costa


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Conto Tirado de um Poema Tiago Feijó Guaratinguetá/SP “João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da [Babilônia num barracão sem número” Poema tirado de uma notícia de jornal, Manuel Bandeira. João Gostoso desce as vielas íngremes e irregulares do morro da Babilônia. À sua frente, sob o anoitecendo do céu, pululam as luzes de Copacabana; luzes estas que João não vê, ou vê mas não repara, posto que em seus olhos fixa-se agora a lembrança de outras luzes. As luzes de Ritinha, sorrisonha, metida numa abundância de plumas e brilhos, a devassar o desejo dos homens no furdúncio do carnaval. Carregador de feira-livre, o árduo trabalho dos braços esculpiu no corpo negro de João muitas saliências de músculos e fez brotar nele a força desumana da ressaca das marés. Mas esse corpo, bruto tronco robusto de ébano, é casca falsa que envolve um homem pacífico, erguido em bondades, de mãos de trabalho e carícia. João Gostoso desce o morro, indistinto nos recantos de escuridão, levando na caixa do pensamento a mulata Ritinha, cravo cravado na carne de seu amor, ferida funda que não sabe cicatrizar, envolta nas brumas de um antigo carnaval. Em pouco, João pisa na Avenida Atlântica e se dá conta do mar, um mar de desilusão, e o rumor das vagas enche de mágoas o corpo colosso de João. Mas ele continua a caminhar, visto que tem destino certo de chegada e que o mar, posto assim nos olhos, é como um novo jeito de se afogar. E por agora João quer viver, viver e sofrer as dores inventadas para ele, que todo homem tem lá o seu quinhão e carregá-lo

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é questão de honra. Copacabana é uma festa, riqueza sem fim. Gente vestida de claridade, rindo aos trambolhos, saltando de carros lustrosos e exalando perfumes de línguas estrangeiras. João pensa na alegria dessa gente, nas suas soltas gargalhadas, habitantes de altos edifícios, com o extenso mar emoldurado nas vidraças de suas janelas. Tão diferente dele, essa gente. Eles que não suspeitam da sua fome incurável, do seu perfume de feira, de fruta, da sua roupa puída, do seu barracão sem endereço perdido na barafunda da Babilônia. Cresce em João um asco por essa gente, porque foi o dinheiro deles que comprou a sua única riqueza, o seu bem mais valioso. Foi o dinheiro deles que levou de João a sua paz. João caminha apressado porque o samba não é afeito a esperar. Já no Arpoador, as espumas das ondas fazem João recordar a brancura das plumas de Ritinha no distante carnaval em que se conheceram. Ela, corpo em sarabanda, tremelicando as trigueiras ancas, abria em seu redor um círculo de admiração. Ele, estacado no meio da multidão, o sangue assanhado, tinha os olhos enfeitiçados pelos sortilégios da mulata que parecia levitar no centro do carnaval. Enfeitiçado, nem percebeu quando a moça passou a sambar em seu derredor, circunavegando seu corpo, ilha de prazer, ele, o escolhido, o eleito, terra selvagem a ser desbravada. E, no delírio do carnaval, os olhos de um dizendo aos olhos do outro o desejo de seus corpos. E João foi rei, e João foi estrela, e João foi madeira de fogueira. E João conheceu finalmente o amor... Agora, emaranhado nas ruas de Ipanema, com seu teto de folhagens, João pensa ouvir os batuques do samba de outrora, os mesmos batuques que o conduziram aos braços cheirosos de Ritinha naquele feliz carnaval de sua vida, o único carnaval do qual consegue se lembrar, como se a tal festa da carne não houvesse ocorrido senão uma única vez. Mais adiante, João compreende que a batucada não vem do antigamente, mas que retumba no presente, ecoando na estrangulada noite do agora. E enfim João vislumbra, lançado no meio da rua,

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um facho de luz expulso do bar Vinte de Novembro, seu destino e seu fim. É de lá que pulsa o sangue do samba. O bar está em polvorosa, com grande azáfama de gentes. O samba, no seu compasso cardíaco, perverte as pessoas, instala nelas um assanhamento de fogo, de labareda, bulindo com elas por dentro, afrouxando nervos e músculos, libertando dos corpos a malícia da carne. E muita pele suada de mulata procura no corpo de João o seu cais, o seu desvelo, o seu descanso. E muito braço de homem, risonho de safadezas, aperta o amigo João, abraça o parceiro João. E muita boca de birita, melada de embriaguez, despeja na orelha de João manhas e promessas de mulheres e camas. E os copos tilintam, erguidos na luxúria do brinde. E o samba cresce, imenso, enorme, poderoso, grassando de perna em perna a volúpia do seu veneno. João finalmente está entre os seus. E entre os seus, João bebe, João canta, João dança, sem que ninguém perceba a sua amargura infindável, a sua solidão medonha, abismo tão negro quanto a sua pele, a sua tristeza de pedra, inabalável, presentes ofertados pela mão da mulata Ritinha ao abandoná-lo na espessura das trevas. E a noite de então é a noite de João! Tudo tem seu fim: o amor tem seu fim, a noite tem seu fim, o samba tem seu fim. E agora, após o rebuliço das pernas e o delírio dos copos, João Gostoso caminha sozinho e atordoado na madrugada em declínio. Da banda do mar, um clarão anuncia o parto da manhã de um dia azul. E João, homem feito de amor e desesperança, sem saber um jeito de esquecer, não faz outra coisa senão recordar... Ela, que já não tem mais nome; ela, que já não tem mais corpo; ela, que já não tem mais voz... Ela, que agora, neste agora de João, é apenas aquela que, em noite nefasta, ele viu descer de dentro de um luxuoso carro branco, brilhante, como aqueles de Copacabana, toda ela vestida de claridade, de anel reluzente no dedo, nos braços de um homem que a beijava e a cobria com mãos de desejos. Aquilo foi como uma faca no coração de João! Depois,

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as palavras dela queimando como brasa a pele de João: “João, você me desculpa? Você é o homem mais bonito desse mundo, João! Mas você é ninguém e eu nasci pra ser rainha!” João nunca mais viu Ritinha, que foi embora viver seu sonho de rainha. Afundado num tempo de angústias, João sobreviveu e se esqueceu do homem, do luxuoso carro branco e das palavras de brasa sopradas pela boca de Ritinha. Mas não pôde se esquecer dela, não soube se esquecer dela. E Ritinha ficou ali, guardada no fundo dos olhos de João, envolta nas plumas de um fabuloso carnaval, pairando sobre a face de todas as coisas. João está agora à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, enquanto um último resto de madrugada se recolhe para detrás da carcunda das montanhas. E João a vê pela última vez. É ela. É Ritinha, no seu abundante corpo de mulata, que sobe à superfície do espelho d’água, requebrando as ancas no cerco dos admiradores. É ela. Cravada nos olhos de João, dançando em torno de João, buscando o corpo de João, naquele carnaval que não deveria ter fim. E João não quer mais suportar, porque a saudade, gota a gota, enche o peito de João. É ela. E João pensa que já não vale mais a pena, que aquilo já não é viver, é arrastar-se, arrastar-se para o nada, porque para ele só existe o nada. É ela. É somente ela. E João abre os braços, tal qual o Cristo Redentor sobre o Corcovado, e se atira na Lagoa Rodrigo de Freitas para morrer afogado. A morte de João Gostoso coube apertada numa curta notícia de Jornal.

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Humano Eva Maciel Guerra Lucas do Rio Verde/MT

Vejam só como é que é A criação de Deus Quando ele decidiu Fazer a mulher No homem o Adão Deu-lhe uma injeção Deixando-o cair num sonão Anestesia geral Tirou-lhe uma costela Começando a fazer ela Transformou aquela costela Clonagem e engenharia genética Que bela era o clone Eva Como se isso não bastasse O corte fechou sem sequela Cirurgia plástica Oh céus quanta arte E como um artesão Fez Eva do outro humano Adão E como um fantástico cirurgião Anestesiou, clonou, e fez plástica Eva feita de uma costela, não da mão A costela no corpo humano é proteção Protegendo órgãos vitais Como os pulmões e o coração Desprezar estes detalhes É não prestar atenção Numa romântica criação Deus como um poeta em ação 5


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Com o propósito divino Fazendo Eva para completar Adão Pois Deus sabia que o homem Não era bicho de solidão Tem necessidade de interagir Chorar, se alegrar e sorrir Se surpreender, entender se divertir Tendo Eva o propósito de aconselhar A mulher que veio edificar, completar E ao homem sempre ajudar Auxiliar é o princípio básico Para a sua existência Servir o homem com competência Mas hei homens não se iludam não Em absolutamente és superior A esta bela e romântica criação Feminino e masculino não É questão de nenhuma competição Deus nos fez um do outro Com beleza única, As nossas diferenças Se encaixam como num quebra cabeça Assim como côncavo e convexos Pensando em Eva nascida de Adão Entenda de uma vez, tenha gratidão Deus nos fez com um propósito Único de harmonia e união gueeramaciel.blogspot.com.br

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O talento está no sangue Helder Guastti João Neiva/ES

Todas as manhãs o ritual se repetia. Levantava da cama, tomava o café da manhã e ia afinar as cordas do violão. Espalhadas por todo o ambiente da diminuta casa, memórias de um tempo de grandiosidade e reconhecimento há muito esquecidos. Por vezes sentia que aquelas fotos estavam ali apenas para assombrá-lo, fazendo-o recordar de um tempo que nunca mais voltará. Toda a glória e sucesso que obteve percorrendo diversos estados junto a seus companheiros de banda, hoje são surreais. A única realização que tem é quando consegue receber cinquenta reais com suas apresentações ao ar livre... Violão afinado. Chegou o momento de sair em busca do pão de cada dia. A verdade é que não fazia isso pelo dinheiro. Até porque, diariamente, a quantia que conseguia adquirir fazendo suas apresentações em praças e calçadas, era mínima, só dava mesmo para comprar o essencial para sua sobrevivência. Pedro Júnior foi integrante de uma banda de rock nos anos oitenta. Uma daquelas bandas que surgem em garagem, com amigos reunidos, cigarros acesos e cervejas geladas. Num golpe de sorte, Pedro e seus amigos de banda foram descobertos por uma grande gravadora. Lançaram vários discos, saíram em turnê, tinham videoclipes sendo exibidos constantemente na televisão, matérias em jornais e revistas e, para aqueles jovens, o que mais importava: muitas mulheres a seus pés. Era incrível, nem Pedro ou seus companheiros poderiam ser vistos como 7


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grandes galãs, mas o sucesso era algo mágico. As mulheres pareciam se derreter a seus pés. Bastava subir ao palco e tocar um acorde de guitarra para elas ficarem ensandecidas e aparecerem depois dos shows nos bastidores. Bons tempos... Colocou o violão dentro da capa, o maço de cigarros dentro do jeans rasgado, o tênis de lona bastante gasto com alguns buracos e a sola meio frouxa, trancou a porta e saiu. Sentiu o vento gelado cortar sua face. Acendeu um cigarro, a fim de desanuviar seus pensamentos e memórias e aquecer seu interior. Andou alguns metros, indiferente a paisagem e pessoas a seu redor. O tempo passou, a dificuldade tornou-se uma constante em sua vida, o dinheiro acabou, a fama e o sucesso se extinguiram, mas a marra e o porte de artista haviam permanecido. Pedro tinha um ar blasé, adotava uma postura de superioridade. Algumas vezes, enquanto performava sobre um caixote ou sentado no meio fio parecia, aos olhos do público, que ele estava fazendo um favor a eles, que deviam agradecê-lo imensamente por estar ali, cantando e tocando para seus ouvidos inferiores, reles mortais. Talvez esta atitude seja uma das razões que fazem com que Pedro não receba muitas ofertas enquanto toca. Mas, honestamente, ele não se importa. É claro que os transeuntes, que não passam de criaturas banais, não conseguiriam compreender sua arte. Sua música era para poucos. Era obra divina. Após meia hora sentado num caixote de verduras vazio que estava largado na entrada de um mercado, Pedro, de cabeça baixa dedilhando algumas notas em seu violão, sentiu que estava sendo observado. Levantou os olhos levemente e notou uma presença austera em frente a si. Empertigou-se no caixote, adotando uma postura ereta e ares de soberano das artes, e começou a tocar freneticamente. Seus dedos deslizavam pelas cordas, produzindo notas e sons elaborados, seu corpo inteiro parecia mover-se em

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consonância àquela melodia. Em sua mente o universo ia tomando forma e cores, criando vida e exuberância. De olhos fechados, sentindo a música preencher seu vazio interior, Pedro, por um momento, sentiu sua espinha gelar. Parou em meio a um acorde complexo. Abriu os olhos. A sombra da figura agigantou-se sobre si. Notou que a pessoa (era um homem ou uma mulher?) havia se aproximado mais dele e estava com a mão estendida. — Companheiro; não sei se você é de fora ou veio do interior, mas, aqui na cidade, quem está se apresentando é que recebe uma oferta de quem está assistindo. Portanto, como eu estava aqui expondo minha alma artística e deixando todo meu talento mergulhar em sua audição banal, você é quem deve me pagar. Não adianta estender essa mão, a não ser que queira me dar os parabéns por ser um artista tão maravilhoso. A criatura permaneceu estática, com a mão estendida. — Escuta aqui, você não vai colaborar não? Tudo bem. Já era de se esperar que um sujeito tão estranho como você não saberia reconhecer um artista quando o encontrasse. Agora, vai ficar fazendo hora com a minha cara? Não tenho tempo para lidar com estupidez, saia da minha frente! – levantou-se abruptamente do caixote e acertou um tapa na mão da figura com sua mão direita. Assim que tocou na mão daquela criatura, que até o momento não havia conseguido decifrar se era um homem ou uma mulher, Pedro Júnior sentiu seu corpo se retesar. Um frio subiu pela espinhal dorsal, um calafrio se fez notar em seu ventre, os pelos do braço e nuca se eriçaram. A visão escureceu. — Mas que merda está acontecendo aqui? – balançava a cabeça feito um pêndulo, mas nada conseguia visualizar. Passados alguns minutos de muita tremedeira e angústia, vislumbrou, com o canto esquerdo de seus olhos, um objeto. Aproximou-se relutante e sorrateiramente, mas, conforme se aproximava, notou a familiaridade do

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objeto e avançou a passos largos. Era seu violão. Assim que pôs as mãos no violão o ambiente pareceu ganhar vida. Refletores apontavam luzes sobre seu corpo. Notou que estava sobre um palco de piso escuro. Colocando as mãos por sobre os olhos, vislumbrou o grande público que o observava. E, como o narcisista que era, começou a tocar as melodias e músicas mais complexas que conhecia, passando os dedos por toda a estrutura do violão, emitindo sons excepcionais, balançando seu corpo envolto naquele rito de prazer e egocentrismo. O suor pingava de sua face. Após o que considerou um grande ato, uma apresentação memorável que com certeza ficaria gravada eternamente na mente de todos ali presentes, Pedro parou de tocar, fazendo uma grande reverência para o público. Esperando os aplausos e a ovação, levantou a cabeça, desconcertado. O ambiente parecia morto. Conferiu mais uma vez por sob a luz dos refletores se a audiência ainda estava presente... Todos estavam em silêncio. — Continue! – ecoou uma voz. Não conseguiu distinguir de onde ela vinha. Parecia que vinha de dentro de seu cérebro. - Não irei continuar seu bando de estú... – antes de terminar sua ofensa, seus braços moveram-se involuntariamente e seus dedos começaram aquela dança frenética tão conhecida por ele. Estava tocando majestosamente, mas sem controle de suas ações. De olhos arregalados e boquiaberto, Pedro Júnior tocou por horas. Seu corpo inteiro suava. Sua camisa estava colada a seu tronco. Seus pés doíam por ter permanecido em pé por tanto tempo. A coluna dava indícios de que necessitava de um descanso. Mas o pior de tudo eram seus dedos. Eles sangravam, calos e bolhas haviam se formado em suas mãos. O sangue escorria e misturava-se às cordas do violão que já estava respingado por suor e por sangue. As lágrimas escorriam de seus olhos, indo ao encontro das gotas de suor

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e sangue que compunham aquela melodia irresistível. Pedro fez o melhor show de sua vida. Eternamente.

http://tempestadeinterior.blogspot.com

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Picolés Bonsucesso Cristina Bresser de Campos Curitiba/PR

Fiuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii Olha o picolé Bonsucesso, custa só dois reais! Dois reais o picolé mais gostoso da temporada. Tem morango, limão, coco, abacaxi, uva, chocolate, manga, milho verde e baunilha. Quem vai querer um picolééééééé? Com licença, vizinha, deixa eu te falar: o Cardoso está me pedindo a quitinete de volta, sabe como é, eu atrasei o aluguel de novo... Aí o Carlinho me emprestou esse carrinho de sorvete só hoje pra eu tentar descolar um troco e conseguir pagar uma parte, aí ele não me despeja da quitinete, tão boazinha, lá no centro. Olha, eu não aguento mais ficar tocando essa flautinha, já até quebrei ela, olha só e vou ter que pagar outra pro Carlinho. O calor tá infernal e eu to de jeans aqui na areia, por favô me dá uma força aí vizinha... Certo, vou comprar um picolé, tem de quê? Tem morango, limão, coco, abacaxi, uva, chocolate, manga, milho verde e baunilha. Me dá um de coco, então (vai saber que água eles usam pra fazer esse picolé?

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Nem é de marca conhecida, Kibon, Nestlé, Deus-o-livre!) De coco acabou, vai um de milho verde? Ah, não, eu detesto milho verde (vai comprar pra fazer caridade ou pra chupar o picolé? Pega qualquer um, oras). Tem de chocolate? Me dá um de chocolate então! Aqui, ó moço, o dinheiro. Não tem trocado, vizinha? Só recebi nota grande hoje. Pelo bolo de notas que sai do bolso dele, o aluguel tá pago até o fim do ano. Quem disse que marketing é assunto de bacana com diploma? Uma mentira bem contada nem precisa de português correto pra emplacar. Nossa que sorvete ruim, parece que to chupando uma lata de nescau gelada! Foi pra ajudar o rapaz ou pra engordar? Joga fora e não reclama. Fiuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii Olha o picolé Bonsucesso, custa só dois real! Dois real o picolé mais gostoso da temporada. Tem morango, limão, coco, abacaxi, uva, chocolate, manga, milho verde e baunilha. Quem vai querê um picolééééééé? Moça, compra um picolé da gente por favô minha mãe pegou esse carrinho prá trabalhar pra poder sustenta a gente desde que meu pai largou ela e deixou a gente na mão. Enquanto ela não vendê tudo hoje a gente não pode saí da praia e tá um calor

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dos infernos. Não fala em inferno Francisco que o pastor briga e manda lavá a boca com sabão. Desculpe maninha num conta pra ele não. Moça, vai comprá? Não quero picolé, to de regime, mas toma aqui esse dinheiro e pega aí um picolé pra cada um! Com esse dinheiro a gente vai compra picolé da Kibon moça, isso sim, porque esse aqui é ruim demais, presta não. Deus abençoe, moça!

http://www.cristinabresser.com.br/

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Súplicas da Solidão Fausto Diniz Belo Horizonte/MG

EAPOE !!! EAPOE !!! mande -me seu corvo Pois dele eu vou precisar Mande-me também a Minerva Para que nos seus ombros, eu possa lamentar.

No calvário de meus desidérios, incessante eu vou clamar Minha solitude eterna, no manto da escuridão Em prantos vão transformar Nas asas do corvo negro, no infinito irei morar.

Das montanhas tenebrosas ouço os ventos a sibilar Das grotas profundas ouço os regatos a chorar Sob as asas do corvo negro, incólume Pairando na imensidão

Abominável que sou, sem forças para soerguer Vislumbro no infinito o eterno anoitecer Minha voz se calou ha muito, nas profundezas de minh’alma Mudo estou sem mordaças para conter. 15


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Vejo-me na solitude a cada instante enlouquecer Ouço distante, bem distante, as ondas revoltas do mar Nos rochedos negros violentas a quebrar Já não tenho mais amores, para nos ombros me acalentar.

Meu tempo já se foi, incólume passado solitário me prostrou Vejo nos meus pensamentos a lua cheia distante Nas ondas perenes solitária a bailar Foi se o encanto da mocidade, nos salões dourados a cantar.

Julgava me imortal,vencedor de mil procelas Armadilhas que meu espírito, impiedosas subjugaram Cansado e entorpecido, busco distante fragmentos de saudades Que em suplícios infindos, atrozes se transformaram.

EAPOE !!! EAPOE !!! Voltai com seu Corvo e sua Minerva Não há mais sentido de ser Morrerei só, minguando ao anoitecer Esta pobre alma, nas profundezas do inferno Simplesmente desaparecer..…

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Viver a minha vida Carlos Costa Leme/SP

Viver a minha vida A minha verdade Jamais viver na falsidade Só para agradar Aqueles que não estarão do meu lado Quando eu precisar Pois é, não da pra saber quem estará Quem permanecerá, até o fim Quem vai dizer sim quando o Mundo desabar E você sabe esse momento chegará Ninguém pode escapar, não adianta se enganar Muito menos trapacear, arregar, dar pra traz A única frase que vai sobrar é a que diz aqui jaz Então olhe ao seu redor Escolha melhor, de valor ao seu suor Não engane a si mesmo Carregue o peso de ser verdadeiro 17


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Como aquele grande homem carregou a cruz Eu sei que uma porção de likes seduz Status, faminha, comentários na fotinha Interesse na imagem, apenas Ninguém quer saber dos seus problemas, dilemas Do seu dia-a-dia, da sua correria, se mata ou não um leão por dia Por isso eu prefiro Viver a minha vida A minha verdade Jamais viver na falsidade Só para agradar Aqueles que não estarão do meu lado Quando eu precisar

www.poeticamente.com.br

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2ª Edição Março/2017

Breve Perfil – Thássio Ferreira Erotic Sapiens – Elicio Santos Sem Sinal - Maria Rosa de Miranda Coutinho Soneto da Moça de Pedra - Paulo Rogério Aires Martins Um Retrato de Mim - Maria Beatriz Jurado Xawdoon - Maya Rubinger


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Breve Perfil Thássio Ferreira Rio de Janeiro/RJ Nas costas tatuara, na pele mais próxima à própria alma, imagem sua de liberdade.

Expirava um pouco de si, sem pressa, porém sem calma, (distraído...) a cada palavra soprada.

Quando sorria, creio fosse de alegria por compartilhar comigo aquele tempo de instantes tantos.

(Poderia dizer assim: menino bonito, interessante, desconhecido e interessado faz-me sempre encanto.) Ma(i)s não direi.

Calo. Dar palavras a 20


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lembramentos é gastá-los. Hei de mais guardá-los somente em mim.

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Erotic Sapiens Elicio Santos Ilhéus/BA

Estou de viagem no teu corpo, amor Me dá direito à nova passagem E que eu só vá até onde você por Sua licença na minha bobagem Eu tô a fim do cheiro bom Que sai da luz do nosso encontro Encanto, nem tanto, mais canto Só no teu porto, tão flor de tom! Estou de viagem no teu corpo, amor Me dá passagem de novo: me atrase! Não vou se você não for Toda à vontade na minha bagagem Meu ponto é você, mesmo no fim Chego quando te avesso em mim Porque nosso roteiro é o mesmo Eu e você o tempo inteiro Não compro seus centímetros, você sabe Só sou sua casa quando a gente se cabe Pele, toque, alma, quem sabe? Nossa pobre, rica, louca, sóbria, verdade.

https://www.facebook.com/Elicio.Santos.Escritor.Brasil/?fref=ts

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Sem Sinal Maria Rosa de Miranda Coutinho Joinville/SC A mulher rude e de poucas palavras havia enfim decidido fazer parte do mundo tecnológico. Esquecida pelo tempo, pois apenas trazia alguns fios brancos de cabelo e conservava uma pele ainda jovial, esqueceu-se ela também de se atualizar no novo século que chegou muito depois do seu nascimento, de sua vivência de infância e de um difícil amadurecimento. Maria foi o nome que recebeu e nada mais a ele foi acrescentado. Estava escrito somente em seus documentos e talvez um dia seja inserido em sua lápide. Na velha casa, separou suas economias. Contou e recontou cada nota de dinheiro que guardava no fundo da gaveta de sua cômoda. Herdou de sua família a cansativa atividade de feirante e embora reservada, sabia oferecer as muitas hortaliças que cultivava em seu quintal com o valor apropriado. Não conseguia, contudo, imaginar quando abandonaria tal lida. Maria caminhou algum tempo pelo centro da cidade até deparar com a loja pretendida. Entrou cabisbaixa sem dirigir-se a ninguém. Tinha receio dos olhares e das perguntas. Sua linguagem revelava seu desconhecimento à modernidade, o que a colocava em um universo à parte. Os estranhos objetos estavam lá, expostos nas vitrines tão alheios a tudo quanto aquela mulher. Sua solidão, apressada pela viuvez precoce, fez dela ainda mais indiferente às novidades urbanas, e agora estava ali envolta ao que não conhecia. Subitamente foi interrogada sobre sua busca. Desafiada pela insistência 23


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da vendedora, Maria relatou sua intenção:

Quero comprar um telefone.

A senhora tem algum modelo de celular de sua preferência?

Não conheço bem esse negócio – Justificou asperamente amulher.

Diversos tipos de aparelhos lhe foram apresentados que receberam o olhar curioso da cliente. Enquanto examinava cada um, pedia explicações sobre seu uso. A compra foi fechada, finalmente, e a mulher se retirou carregando o pacote ¨esquisito¨. A proximidade com a tecnologia, podese dizer que apenas iniciava. Enquanto isso, Maria abraçou a rua com uma fisionomia mais confiante. Seu retorno não fora percebido pela vizinhança que pouco a viam. Sua casa estava como havia deixado: silenciosa, cafona e triste. Antes mesmo de rever o aparelho comprado, abriu uma das janelas para que a luz do dia entrasse – ainda forte – clareando sua sala. Desembrulhou a caixa com uma delicadeza que não lhe era comum e esquecida das orientações da vendedora, tratou de procurar o papelzinho onde anotou os passos para o correto manuseio. Ensaiou a digitação de números aleatórios com os dedos grossos e quase sem tato. Num primeiro momento quis apenas brincar com as teclas do aparelhinho sem qualquer objetivo. Familiarizou-se com os comandos, mas ainda sem entender muito bem todos eles. Estava farta da brincadeira e numa fração de segundos ergueu-se da cadeira lembrando-se de regar a horta. O sol se punha mais rápido naquela estação menos quente, e a mulher enveredou-se pelo quintal determinada a concluir logo a empreitada. Não saía do seu pensamento a nova aquisição. Buscou na memória algum número para o qual pudesse ligar, sem resultado. Enumerou seus velhos conhecidos, de outras regiões do país, e nada. Encontrou dificuldades para 24


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estrear o telefone, e já não era mais a ausência de tecnologia. Enquanto voltava para o interior da casa, refletiu sobre seu isolamento. O celular estava à mesa. Ao seu alcance. Ligado com a bateria necessária. Inútil para Maria. Quem sabe dali alguns dias descobriria um número conhecido para ligar. A mulher cansada – pensativa – recostou seu corpo em sua mobília ouvindo tão somente a própria respiração.

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Soneto da Moça de Pedra Paulo Rogério Aires Martins Mossoró/RN

Guardei-a ansioso No meu coração adolescente E no amor fantasioso Aquele desejo irreverente. Era a moça da janela. Por que estaria ela Encravada na pedra? Seria uma flor da pedra? Sua encantadora beleza Continua mirando a mina E a exuberante natureza. Cresci e voltei ao pé da serra Ela de cabelos altos e tiara Espera vigilante seu amante tabajara.

https://www.facebook.com/paulorogerio.airesmartins

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Um Retrato de Mim Maria Beatriz Jurado Porto – Portugal

Esse olhar de luz cristalizada, Suspenso da volumetria inconsistente De fiapos celestes em fuga, É o de hoje, Como o foi sendo, Muito embora. Como outrora, Falo e calo Ainda e sempre Na proa do arrebatamento, Na agudíssima vibração Do desalento, Tolhida de espanto. Canto O equilíbrio imprevisto e sublime Dos versos do Poeta, Repetindo-me no estremecimento Entre pausas e estâncias. Declino As minhas circunstâncias, Em toada consoante, No ritmo persistente, De quem, de si, Mais não sabe, 27


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Nem compreende. Tão sempre a mesma, Vaga, perplexa, insegura, Nem de si senhora, Não se vislumbrando serva; De tal sorte perdida, Na vontade, contrafeita, Falhados os sonhos Que, agora, por fim, Enjeita; Espera na morte, que augura, O sentido que suspeita.

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Xawdoon Maya Rubinger Belo Horizonte/MG Xawdoon, minha terra encantada País de duendes e fadas De onde vim E para onde retorno Sempre que me sinto só Não tem endereço Nem está no mapa Xawdoon é magia Melodia E meu guia é o coração Sua beleza Irradia pureza Da criança que habita em mim Lá encontro a inocência da infância Minha infância Meu pequeno mundo! Não temos shopping Nem ricos caros de luxo A beleza de lá É como a simplicidade e a pureza Da poesia de Vinícius de Morais Ah, minha terra amada Meus sonhos de menina Que desejo profundo de te reencontrar... Mas os anjos diziam Que só as crianças Possuíam a chave de seus imensos portões O que faço agora Pra voltar a infância? Ou será que Xawdoon Cresceu dentro de mim? www.memoriasdexawdoon.blogspot.com 29


3ª Edição Ele Mora Ali - Day Santana Hoje Não Será Amanhã - Flora Salvador Tito Mãe Meu Porto Seguro - Igor Rodrigues Santos Não é Tempo de Morrer - Maroel Bispo O Poço - Gerson Machado de Avillez Podridão de Partículas - Morphine Epiphany


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Ele Mora Ali Day Santana São Paulo/SP Ele mora ali, só pode ser ele mora dentro do peito dela. Acredito que já tenha criado um lugar bem quentinho e aconchegante pra ficar, porque ele não sai de lá, de jeito nenhum. Entra ano e sai ano, os fogos estouram, a vida ganha novas formas, ela fecha os olhos e faz novos pedidos, mas, ainda assim, ele não sai de lá. Ele mora no peito, na mente, no coração, acho que em cada parte daquele corpo ele deixou um pedacinho, ela já tentou varrer a casa da alma e limpar cada espaço, mas ele parece àquelas sujeiras que impregnam. Ela não consegue esquecer, não consegue não pensar a cada manha, vive fazendo comparações inúteis e todo fim de tarde percebe que está pensando na possibilidade de tudo ter sido diferente. Ela não entende nada a respeito desse amor, não consegue compreender o porquê de tanta obsessão, já se passaram tantos anos, nada se viveu, foram apenas

passagens,

sonhos

interrompidos,

sonhos

dela,

desejos

dela,

momentos dela. Talvez ele nunca tenha participado verdadeiramente de tudo, ela crê que bem no fundo ele não participou de nada. Ele já te esqueceu menina, ele nem se lembra mais do toque da sua mão na dele, não lembra daquele abraço e nem do seu cheiro. Ele não arriscaria contar mais nada sobre aquela conversa, ele já te esqueceu. http://dadaysantana.blogspot.com.br/

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Hoje Não Será Amanhã Flora Salvador Tito Luanda - Angola Hoje não será amanhã Colho do teu néctar Sem esperar que seques Garantindo meu coração Hoje não será amanhã! Disseram-te que sou perverso Com um ferrão deixo tenso Tudo para que fiques longe Pois, elas gostam do meu mel Hoje não será amanhã! Não espero a tua vinda Em noite sem luar Debruço-me ao teu encontro Com cansaços e ardores Hoje não será amanhã! Hoje é o dia Amortalhado chuvoso ou triste Não importa que hoje seja qualquer coisa triste Corre-te um rio dos olhos Em fim… Hoje não será amanhã! Certezas firmes e belas Que nem os olhos podem negar Se te pedirem amor Entrega-te como for Como guerreiro a sua espada O amor és tu, não eu E o hoje não será amanhã.

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Mãe Meu Porto Seguro Igor Rodrigues Santos

Minha mãe que me ensinou a sorrir Minha mãe que tanto amo Você é, e sempre será a razão do meu viver É por ti que ao chora eu chamo Quando sinto frio e dor, quando tenho fome, te chamo Quando tenho medo, quando meu mundo está vazio É você que com seu amor o preenche Quando meu quarto está escuro Logo ele é iluminado com seu brilho Suas doces palavras sempre me trazem paz Suas mãos me guiam e me encontram quando estou perdida Minha mãe, hoje é seu dia, e é com muita alegria Que quero te dizer, Que se eu tiver que um dia renascer Quero ser outra vez sua filha E ter a chance de poder viver Do jeitinho que até agora vivi com você

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Não é Tempo de Morrer Maroel Bispo Feira de Santana/BA

Que vontade louca de sumir O Meu destino mesmo é não ir Não vou por medo das alturas Não vou e mergulho nas agruras É assim a minha simples vida Conduzida pelos ditames da lida Agora é tarde, mas não morri Eu fui moído mas eu persisti Ignorante, percebi logo meu fim Antevi o futuro e disse a mim: Volta! Volta! Que queres fazer? Volta! Não é tempo de morrer

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O Poço Gerson Machado de Avillez Rio de Janeiro "O misticismo surge da intolerável dispariedade entre imensidão de seus desejos e a estreteza de sua realidade." Miguel de Unamuno

João Silveria fintava o céu estrelado cujo fulgor do luar cortava brilhando seus olhos num descontento final, fintava o vazio de seu derradeiro destino compelido por um desejo banal. João então relembrou toda sua história até ali, naquele poço ao ser traído e atraído por seus próprios desejos. Sua vida e a história ligava-se aquele lugar, estavam entrelaçadas com a incógnita história daquele poço erguido em imemoráveis tempos. Para alguns obra do demônio, era uma obra o qual remetia a tempos antecedentes a de Portugal rezava a lenda. Poderia ser como uma lenda qualquer de poço dos desejos, mas aquele era de testemunho combalido não somente por sua origem jamais descortinada, mas por realizar todos os desejos de seus pedintes. Assim João abraçou o mesmo e por meses depositava-lhe os poucos réis que lhe sobravam, e aqui está sua história. João era um negro alto e de físico vigoroso pelo trabalho duro como ajudante de ferreiro, pertencente a uma geração de negros livres ante uma anterior de escravos fora afortunado agraciado pela lei do ventre livre. Tinha olhos negros e profundos, mas um sorriso luminoso principalmente ante seu 35


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alvo de afeto, Justine, uma jovem e formosa moça filha de Joaquim, o ferreiro dono do lugar. O fato é que João perdido em seu platonismo pela jovem temia nunca poder conquistar seu afeto e amor sem as virtudes financeiras dos abastados brancos e por isso apelou ao poço por meses a fio. Poço, pai indireto de muitos segundo seu pai, que lhe contava as histórias desde a tenra idade. De certo muitos testemunhavam a favor de um misticismo envolvendo o poço de maneira que o senhor de seu pai, Zulu Silveira, apenas logrou sucesso com o mesmo. Vindo pra terras de pindorama, falido e condenado pela coroa, pagou por seus pecados em terras tupiniquins até que visando tirar do papel um projeto de moinho e fábrica de farinha clamou ao poço dando-lhe oferendas de dobrões por escravos que o executassem. Assim veio a ele dado por um amigo, escravos como Zulu Silveira, escravos que compelidos ao trabalho edificaram o projeto de seu senhor, Emmanuel Nogueira. Porém, extenuado das longas jornadas de servidão, Zulu Silveira clamava em seu âmago íntimo pelo descanso da liberdade e em segredo pediu ao poço, com poucos dobrões custosos, por uma família livre. Assim fora que engravidou sua mulher de João Silveria quando ainda no percurso da gravidez se anunciou a lei do ventre livre e com notável esperança, Zulu viu se formar no ventre da jovem negra o futuro de uma família livre através de João Silveira. João cresceu ouvindo as histórias do famigerado poço que estava em meio a uma densa floresta no meio do nada, e quando cresceu seu pai pediu para que ele vivesse o que nunca viveu. Fosse ao sabor do vendo que lhe desvelaria os caminhos da liberdade e lhe dissesse aonde eles deram, pois João teria como senhor apenas Deus. Porém, com temor João viu sua liberdade cerceada pelas limitações 36


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financeiras impostas pela sociedade, assim fugiu ao amor por Justine a quem fintava seus cachos dourados em segredo, amar era o significado mais cheio de ternura de sua liberdade, ainda que um amor platônico e meio a sua malfadada desventura financeira. A jovem e bela Justine também teria sido fruto do ocaso do poço ao luar, seu patrão, o ferreiro Joaquim contava-lhe que ao deflorar sua amada mulher descobriu que ela era estéril. Assim Joaquim clamou ao Deus do alto e o poço do baixo o qual a fundura não se podia desvelar, depositou toda semana um dobrão naquele poço até que com os meses a resposta lhe sobreveio pela esperada gravidez de sua mulher. Joaquim que conhecia terras inglesas assim batizou Justine por considerar justiça e gracejo do insondável poço o qual somente se poderia vislumbrar pelo ribombar dos sons dos dobrões caindo em seu fundo. Muitas eram as histórias de desejos atendidos por coincidência e sorte ou destino dos deuses e orixás. Mas João ainda que um crente no Deus dos cristãos passou lá depositar moedas junto com sua fé, na esperança de que seu desejo se concretizasse. Durante o primeiro mês João passou depositar todos os sábados suas finanças e esperanças, mas como num infortúnio não teve respostas a não ser um agourento silêncio do poço. Assim passou-se dois meses e mesmo quando as trevas da noite se adensavam João passou a depositar e depositar. Passou-se então quatro meses, cinco e seis até que numa noite sob a lua cheia João parecia exasperado com aquele lugar. Depositou suas moedas até a última o fundo tocar e murmurou e depois praguejou contra o infortúnio do poço que tragou por gerações passadas adentro fortunas. Tomado então por uma perplexidade mesclada a fúria inclinou-se sob a abertura na esperança de que o fulgor do luar lhe descortinasse algo. Ouviu água, mas apenas de forma 37


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pardacenta consegui contemplar até que o muro que lhe escorava cedeu até o fundo a seu derradeiro fim. Seu corpo estava estropiado e contorcido por fissuras e fraturas expostas quando despertou a fintar o céu estrelado e o luar pela abertura do poço de onde caiu. Sentiu então desvanecer-se suas forças junto ao sangue que escorria de seu corpo junto as fontes cristalinas. João estava em seu fundo e como último esforço virou-se para o lado e contemplo infindáveis dobrões, moedas de todas gerações acumuladas como num grande cofre natural. Seu sangue que manchava as imaculadas águas corria entre as peças de ouro e prata. Naquele momento ele finalmente compreendeu, o poço que lhe atraiu, não lhe traiu, mas apenas cumpriu o que ele sempre clamou em sigilo insondável, morrer rico. Lá estava ele agora cercado de toda riqueza que sonhou e clamou, o depósito de inúmeros pedidos e desejos cujas histórias nunca conheceu, mas que de um modo a outro o levou inexoravelmente até aquele momento.

http://www.facebook.com/Filoversismo

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Podridão de Partículas Morphine Epiphany São Paulo/SP Pura infecção generalizando as entranhas E os meus pés na imundície destas ruas Não se diferem do odor de cada esgoto Abutres possuem o amor pela carne Eles desejam nossos intestinos saboreiam pústulas, enfermidade e depois vasculham outro moribundo

Muitas pessoas não conseguem cheirar as partículas podres da alma Eu saio pelas vitrines com a podridão por excelência Esse ranço de pecados, pus e desprezo Sim, essa invisível projeção fede muito Centenas de pessoas tentam perfumar,

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encobrir e até plastificar a alma Mas, o meu faro alimentado pelo pior sempre as persegue nas calçadas Tentam embelezar seus assassinatos

Não sabem que alma é uma espécie de privada Quando você deposita mentiras, a descarga te suga Não sabem que corpo é um amontoado de vermes Quando você aplica farsa, ele acaba corroendo.

https://www.facebook.com/cristiane.v.defarias

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4ª Edição Bob Dylan: Inevitável Interseção Entre Lírica Musical E Literatura - Gilmar Duarte Rocha Conversa Barata - Aparecida Gianello dos Santos Coração de Uma Mulher - Lenilson de Pontes Silva Dig a Pony (revisitado) - Tim Soares O Estrangeiro - Regina Ruth Rincon Caires Paixão Proibida - África Gomes


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Bob Dylan: Inevitável Interseção Entre Lírica Musical E Literatura Gilmar Duarte Rocha Brasília/DF Sou suspeito em dizer que para mim foi mais do que justa a premiação do Nobel de Literatura deste ano para o compositor, cantor, poeta e escritor norte-americano Bob Dylan. A suspeição decorre do fato de acompanhar a carreira desse músico e poeta desde o meu tempo de adolescência, quando passei a colecionar seus discos e a acompanhar a sua carreira, ou melhor, resgatar um fecundo legado que ele já havia produzidos nos torrenciais, fecundos e caudalosos culturais anos sessenta. Como morava à época no interior da Bahia, no tempo em que a internet ainda residia na cabeça de algum marciano, não era nada fácil conseguir obra de artista ou escritor de vanguarda: tinha-se que realizar autênticas peregrinações pelos centros urbanos onde se respirava algum tipo de cultura. Com a mudança para a capital, e o consequente envolvimento com jovens colegas universitários também interessados em tudo que se denotava novo e avant-garde, fui compreendendo, que, por trás das baladas temperadas com blues, rock & roll e música americana de raiz, existiam letras complexas, bastante distintas de tudo aquilo que entendíamos como lírica de uma melodia. Havia fogo por trás daquela fumaça intrigante. Pois bem, após o anúncio da láurea deste ano, ponderei sobre um depoimento do periódico católico L’Osservatore Romano acerca da premiação: “... compositor de música popular não é literato...”. O prestigiado veículo de comunicação do Vaticano talvez tenha as suas razões em proceder tal asseveração. No entanto, cabe salientar que Bob Dylan, cujo nome de batismo é Robert Allen Zimmerman, filho e neto de judeus imigrantes russos, não é o primeiro melodista a ser contemplado com o renomado prêmio. Rabindranath Tagore, músico e poeta prosador indiano, já amealhou tal titulação na edição de 1913. E não foi contestado por ninguém pelo que eu saiba. Independente da polêmica do estereótipo, se compositor popular é ou 42


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não escritor, jogo as cartas na mesa e ponho em cheque até mesmo a justificativa da Academia Sueca para a concessão do galardão: “... por ter criado novas expressões poéticas dentro da grande tradição da música americana” Achei falto nessa alegação do júri de Estocolmo. Penso que, para ter premiado Bob Dylan com uma honraria que um Guimarães Rosa, um Jorge Amado, um Manuel Bandeira, um Graciliano Ramos – apenas para citar alguns expoentes das letras brasileiras – não tiveram a graça de obtê-la, poder-se-ia ir além, na justificação, talvez fazendo referência às aleias brumosas de Paris, no tempo de Rimbaud, de Baudelaire, de Verlaine, de Mallarmé, do simbolismo francês onde o nosso personagem americano bebeu água da fonte quando jovem. Ou até mesmo revisitar os anos sessenta, percorrendo os becos de Greenwich Village, os pubs e bares sombrios do Soho, do sul da ilha de Manhattan, do Chelsea, onde o músico e poeta iniciante Robert Zimmerman conviveu com expoentes do movimento poético chamado beat (ou beatnik) como Allen Grinsberg, Lawrence Ferlinghetti, Gregory Corso e Michael MacClure, e absorveu toda a efervescência daquela emergente e multiforme poesia como uma verdadeira esponja humana, amalgamando versos de extrema inspiração com o ritmo frenético da música americana de raiz negra. Talvez aqui resida uma explicação melhor para a distinção do Nobel. Tem-se de um lado um oceano de ideias em forma de letras. De outro, um rio caudaloso pleno de versos musicais. Deduz-se, por corolário, que o estuário desse fluxo represente toda a riqueza que o espírito literário requer. Enfim, outro dia, queimando os meus neurônios para dar vida a um personagem do meu próximo romance em progresso, dei de encontro com os versos de uma música de Bob Dylan intitulada Please Crawled Out Your Window: He sits in your room, his tomb with a fist full of tacks Preoccupied with his vengeance Cursin' the dead that can't answer him back You know that he has no intentions Of looking your way, unless it's to say That he needs you to test his inventions Hey, come crawl out your window Use your hands and legs it won't ruin you 43


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How can you say he will haunt you? You can go back to him any time you want to … He looks so righteous while your face is so changed As you sit on the box you keep him in While his genocide fools and friends rearrange Their religion of the little ten women That backs up their views but your face is so bruised Come on out the dark is just beginning

... Peço escusas em não correr o risco de traduzir o trecho em português, mas o coloquei apenas para ilustrar o luzidio que a mensagem dessa canção (no seu inteiro teor) fez invadir o meu espírito e abriu a minha mente para enriquecer o complexo personagem que já vinha trabalhando há algum tempo. Congratulações a Bob Dylan. Congratulações a todos nós, literatos, que não dispensam fonte alguma de inspiração e conhecimento, venha ela dos velhos livros de cavalaria da Idade Média, dos sermões de Padre Vieira, dos autos de cordel, do I-Ching, de Camões, dos livros do apóstolo Paulo, das canções de vaqueiro tão bem absorvidas e traduzidas por Guimarães Rosa, da prosa e poesia genial de Jorge Luís Borges, dos sambas do terreiro de Tia Ciata, da simplicidade de Mark Twain, da complexidade de James Joyce, da Grécia Antiga, fecundo berço da civilização ocidental. Penso que um paradigma cultural foi rompido nessa outorga. Afinal, o universo resume-se tão somente a esse em que vivemos?

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Conversa Barata Aparecida Gianello dos Santos Martinópolis/SP Cientistas afirmam que elas sobreviveram às bombas nucleares que caíram sobre Hiroshima e Nagasaki, vivem há mais de trezentos milhões de anos, além de somarem cerca de cinco mil espécies no mundo e poderem ficar quarenta minutos sem respirar. No reino dos insetos, se existe forte candidato a dominar o mundo, é a barata. Quando criança, meu primeiro trauma com baratas foi saber que voavam. Tudo por causa daquela musiquinha que cantavam na escola: “Havia uma barata na careca do vovô, assim que ela me viu bateu asas e voou...”. Na adolescência, eu dormia com um mosquiteiro na cama (não por causa dos mosquitos). Mesmo assim, uma noite, acordei com uma baratona dentro do véu. Quase tive um ataque ao imaginá-la passeando pelo meu corpo enquanto eu dormia. Pelas horas seguintes tomei três banhos, escovei os dentes uma porção de vezes e ainda dedetizei o quarto. Certa vez, cortei a cabeça de uma barata ao tentar matá-la e ela continuou andando. O que explica a Ciência: o cérebro delas fica em seus corpos. Está aí mais uma coisa incrível sobre esses bichos. E ainda, aquela só não morreu de fome em nove dias (tempo que sobrevive uma batata com a cabeça cortada), porque eu a matei bem morta segundos depois da primeira falha tentativa.

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Conheci um sujeito na internet tão fã de baratas que Jerry O’ Connell, em “Joe e as baratas”, o invejaria. Só de ver uma imagem de barata no lugar da foto de perfil, logo pensei: “não dá pra confiar nesse cara...”. Ele sabia tudo sobre as criaturas, tinha um arsenal de imagens e artigos e, pasmem, fazia até poemas a elas. Isso sim é esquisitice. E eu aqui preocupada com uma fobia... Para encerrar esta conversa barata e desbaratar de vez esse meu medo de baratas, vou contar o pior lance que tive com uma (faz parte da terapia...). Era tarte quando, numa de minhas últimas ações ritualísticas antes de ir para a cama, ao abrir o armário para pegar minha escova de dentes, me deparei com a mais nojenta de todas as baratas da face da Terra. Fiquei sem ação, acho até que ela me hipnotizou, desaparecendo em seguida. Tudo bem, nada de pânico. Desinfetei a escova (não são baratas) e voltei ao meu ritual... Bochecho, uma espiada no espelho e, de repente, vejo a bichona subindo pelos meus cabelos. Senti um arrepio eletrizante que ia da nuca à última vértebra. Eu não sabia se gritava, sapateava ou descabelava. Fiz tudo isso junto, o que me impossibilitou de ver para onde havia ido aquele bicho dos infernos. A minha escova eu vi, minutos depois, boiando... dentro da privada.E, a saber, minha “catsaridafobia” ainda resiste. Bem como as baratas.

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Coração de Uma Mulher Lenilson de Pontes Silva Pedras de Fogo/PB Carinhoso, num pode ficar triste, Cristalino para os olhos de todos. Não há coração mais puro Com tanto afeto e acalanto, E sei que por mais sagrado, Não há de ser inventado. Que não sofras tanto Possamos acreditar Que mal irá passar E todos ficaram juntos, Seu coração e o mundo. Queremos-te por perto E sempre te queremos. Por quanto tempo passe, Nunca haverá um coração puro, Porque o seu coração é único, É um passaporte para o amor... É o que precisa este mundo.

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Dig a Pony (revisitado) Tim Soares Florianópolis/SC Façamos um brinde À tudo o que vamos perder Às mulheres que nunca vamos ter E aquelas que nos farão sofrer Aos abraços que serão negados Aos braços Aos beijos que serão negados Aos lábios Façamos um brinde Às camas de hospitais Aos velórios e funerais Ao amor mal feito Aos flertes E aos vulgares trejeitos À cocaína À heroína E à benzedrina À cachaça de graça À densa fumaça E à desgraça Ao maquinário leproso dos dias Aos copos meio vazios E os vazios de todos nós Façamos um brinde, meus amigos Ao final de todas essas hecatombes particulares Com um pouco de sorte Sairemos todos ilesos E um pouco mais fortes

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O Estrangeiro Regina Ruth Rincon Caires Araçatuba/SP Escada de madeira, avariada. Puída como tudo o que a vista alcança dali. Cassiano, acomodado num degrau, tronco dobrado sobre os joelhos, esfrega o dedo do pé na saliência de um prego pronto a se soltar. Na cabecinha de onze anos, é um vaivém de imagens que analista nenhum conseguiria ordenar. No peito, é só amargura. Sente-se como um alienígena, pior que isso, um terrestre desfocado. Não tem nada a ver com tudo aquilo. A cidade, o mar, a vida da favela... Tudo lhe é terrivelmente estranho! Nem mesmo estes dez meses o deixaram mais familiarizado. Não se afina, é sempre um vendido! Bem que avisara o pai... Não é vida para eles! Como poderia uma família da roça, rude, simplória, acostumar-se numa cidade daquele tamanho?! Pode até ser uma cidade linda, maravilhosa, cheia de modernices, mas os problemas que lhes traz a tornam uma cidade madrasta. Que saudade do seu cantinho! Chega a lhe doer no peito! Sente uma pena tão grande do pai! Está cada dia mais magro, consumido, desesperado. É muito mais difícil do que imaginara! Com a graça de Deus, a mãe havia conseguido colocação na casa de uma dona, lá na cidade. Cuida da roupa e da arrumação da casa. Sai ainda escuro, e volta já à noitinha. Sempre cansada, desgastada. A irmã, no viço dos seus dezesseis anos, não consegue trabalho. Cuida do barraco, displicentemente, e dorme quase o dia todo. Quando escurece, veste a mesma roupa surrada de todas as noites, e sai. Sempre tem uma amiga para visitar, um emprego para ver... Sempre arruma motivo para sair, se bem que o 49


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pai já não está engolindo tudo isso! Cassiano percebe que o velho fica ainda mais abatido quando, vendo a filha sair, encosta-se à porta do barraco e deixa os olhos correrem pela escada, vendo-a desaparecer na penumbra, lá embaixo. Se pelo menos não pintasse tanto o rosto, não usasse aquela água de cheiro tão forte! Cassiano entende tudo, não pode afirmar nada, mas tem a liberdade de, pelo menos em pensamento, maquinar suas premissas. Aliás, é isso que faz o tempo todo! A lógica é uma constante. Tem os pés no chão. Não é dado a aventuras. Por ele nunca teriam arredado pé do mato. Lá estava a dignidade. Pobreza não é a morte, pior que ela é a indignidade da vida que levam agora. Pai teimoso! Não é teimoso... É descabidamente sonhador, só isso! Pensava ter na cidade grande a mola mágica para o sucesso. Não vacilou em vender toda a colheita, pedir as contas, botar os trens num caminhãozinho alugado e rumar para cá. Nem precisa dizer que o dinheiro não deu nem para o começo! Foi suficiente apenas para comprar o barraco. Chegou todo animado e sonhou até com a compra de uma casa! Andava de corretor em corretor, com o dinheiro embolado nos bolsos. Não demorou a se decepcionar e tentar, pelo menos tentar, pôr os pés no chão. E foi este barraco que conseguiu pagar. Desde então, só Deus sabe da penúria. A comida, minguada, como podia... Agora, com o emprego da mãe, pelo menos pão não falta. Leite? Só no sonho... Perceptível até para olhos menos detalhistas, a fome que os aflige. A magreza cadavérica do pai, o raquitismo de Cassiano, com braços demasiadamente longos, evidenciados pela extrema fragilidade do corpo. As pernas, sequiosas de carne, deixam os joelhos saltados, salientes, desproporcionais. O calção nem lhe para na cintura, vive caído, à altura dos quadris e, consequentemente, quase lhe cobrindo os joelhos. Figura triste aos olhos! Tremendamente frágil, chegando mesmo a

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instigar pena. Mais triste ainda é sua inércia. Passa o tempo todo ali, naquela mesma escada, olhando sem perceber, o sobe-e-desce das pessoas. Às vezes encolhe-se, tomba o corpo de lado para dar lugar a um passante mais descuidado, estabanado. Dali só sai para ir ao barraco pegar um pão, e quando escurece. Nem à escola vai! O pai, aborrecido, decepcionado, achou melhor nem tentar a matrícula. A escola do sertão era tão fraca que Cassiano não tem condição de acompanhar o estudo daqui. Cassiano até que gostou! Não tem mesmo ideia pra aprender nada, ainda mais aqui! Só faltava ter que ir pra escola! Seria em outra situação e mais uma vez, um peixe fora d’água. Em meio a tudo isso, nessa aflição, ainda tem o direito de ficar ali, sentado, parado. Graças a Deus não é exigido pra nada! Não tem ânimo mesmo! Se bem que é torturante ficar ali, remoendo todos aqueles martírios na cabeça, mas que fazer?! Dos males, o menor... Duro mesmo deve ser o dilema do pai! Afinal, ele deve se sentir responsável por todo esse transtorno. Cassiano pensa no pai... Hoje ele saiu cedo, como quase todos os dias. Nem imagina o que ele faz pelas ruas. Diz que vai à procura de emprego, mas... Inutilmente. Sempre volta arrasado, mais desiludido que quando saiu. No começo, quando chegou, Cassiano ainda se animava em subir, à noite, até o barraco de Dona Guidinha e passar os olhos pela televisão. Mas eram tantas crianças que se juntavam à porta, faziam tanto barulho que mal dava para Cassiano ouvir o som que saia do aparelho. Não podia reclamar, ia contra a corrente e ali no morro, ou se é mais um ou está morto. Cassiano preferiu se calar. Conhecia bem a política do morro e, aos poucos, foi abandonando o passatempo. Agora, bastava escurecer e ele já se deitava.

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É isso que não conseguia engolir! A violência da favela. O perigo iminente e latente do morro... É assustador! Coisa comum é ver brigas, tiros, mortes. Nem sabe quantos garotos da sua idade morreram por aqui nestes últimos meses! É rotina... Toda manhã os corpos aparecem jogados, perfurados por balas ou castigados por pancadas. Comum acontecer e difícil suportar... Impossível mesmo! Cassiano fica apavorado, temeroso, perdido. Sua irmã chega à porta do barraco. Espreguiça o corpo demoradamente. Dormiu até agora. Já é quase noite! Está chegando a hora de Cassiano entrar. Sente vontade de esperar a mãe, ali. Mas, é perigoso, não convém. O pai está demorando mais que o costume! Cassiano não se sente confortado. Gosta de ter o pai por perto quando a noite chega. Não tem remédio... É noite, e o jeito é entrar. Cassiano ergue o corpo, olha novamente lá embaixo, no pé da escada. Nada... Nenhum dos dois aponta. Entra no barraco. A irmã, exalando um cheiro de flor, enjoativo, tem um espelho nas mãos e passa, repetidas vezes, o batom nos lábios. É bonita a danada! Cassiano olha-a demoradamente e pensa em como seria bom se ela tivesse metade da beleza em juízo. No mínimo sofreria menos no futuro. Esse tipo de vida nunca acaba bem, sempre deixa marcas e dissabores profundos. Está assim, pensando, quando ouve a porta do barraco bater. A danada já saiu e ele nem tinha percebido! Cassiano estremece quando se lembra de que está sozinho. Bem que a mãe podia chegar logo! Olha pela fresta da porta, mas nada vê. Está muito escuro lá fora... Senta-se no banco da cozinha e não consegue ficar sereno. Dentro do peito, a aflição, o desespero, o medo. Não quer ficar sozinho... Por que sua irmã não ficou com ele até a mãe chegar? Menina matreira! Pensa em contar tudo ao pai. Por que ele também não chega?! 52


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Cassiano resolve se deitar. Quem sabe o sono vem e leva toda essa aflição. Amanhã é outro dia... Bobagem! Nem deitado consegue sossego. A cama é um suplício quando está ansioso! Parece que vem vindo alguém... Ainda bem, é a mãe! Tem vontade de correr, jogar-se em seus braços, esquecer toda aquela angústia, mas não tem costume! Não quer que ela saiba que sentiu medo. Já está tão baqueada, chega a dar pena! Ele não se acha no direito de levar queixume algum até ela. Tem de ajudá-la, isto sim! -

Cassiano, cadê o pai?

-

Ainda não voltou. Saiu cedo e não falou nada...

-

E Clarinha?

-

Já saiu. Deve ter ido na casa...

-

Deixa pra lá, filho... Já comeu?

-

Já, mãe.

Nem bem entra e pega na arrumação. Clarinha, ultimamente, tem sido mais desleixada com a casa. Está uma baderna! Cassiano percebe que a mãe, a todo instante, olha pela fresta da porta. Também está preocupada com a demora do pai. Que será que aconteceu? Nunca faz isso! Sabe que a família se sente desprotegida à noite, sem ele. Seu pai podia ser aventureiro, mas tinha muito cuidado com eles. Não fazia nada, é verdade, mas estava sempre presente. Não tinha vícios, ainda bem! Na situação em que estão agora, seria um caos ainda maior se ele não fosse comedido! Não bebia nunca. Admirável em meio a tantas decepções, o pai mantinha caráter firme feito rocha. Não buscava refúgio em vício algum, nem em seus sonhos se refugiava mais! Hoje tem os pés fincados no chão, os 53


LiteraLivre Edição Especial nº 1

devaneios se foram... Está sem saída! Se ao menos arrumasse dinheiro para voltarem para o mato! Mas, como?! Talvez até tenha meios para isso, mas o pior de tudo é que perdeu o ânimo! Tem medo agora... Não quer parecer aventureiro, e sofre terrivelmente. Cassiano torce por essa aventura. De voltar... Quer voltar. É tudo o que mais deseja! Que adianta? Nunca terá coragem de conversar isso com o pai. Imagina! As horas vão correndo. Já é noite alta, o morro está quase todo apagado. E, nada do pai. Que angústia! A mãe, andando de um lado pro outro, não para de rezar. Cassiano fica mais aflito diante da insegurança da mãe. Ela, adulta, desprotegida, e ele, como se sente?! A madrugada chega, junto com ela, Clarinha. Cara amarrotada. Entra falando alto, os cabelos num completo desalinho, agitada. É só o tempo de tirar a roupa, e cai na cama. Nem pergunta pelo pai. Pelo jeito nem tem tino para isso. Está esquisita! Cassiano, apesar de aflito, encolhido sob as cobertas, não resiste ao sono e dorme profundamente. Acorda sobressaltado com os gritos da mãe. É uma sensação horrorosa! O coração lhe bate na goela, nem sabe para que lado da cama descer as pernas... É terrivelmente assustador! Num instante está na porta do barraco. Os olhos, ofuscados pela claridade do dia, teimam em não parar abertos. A cabeça, ainda meio atordoada, fica lerda para perceber o que está acontecendo. Chega perto da escada e olha lá embaixo. Vê a mãe, debruçada. Há muitas pessoas por perto, mas percebe que tem alguém deitado no chão. De repente, lembra-se da noite anterior, da demora do pai... Desce as escadas feito um doido, aos trotes. Difícil abrir

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

caminho por entre as pessoas... Antes não tivesse conseguido. No chão, estirado, pálido feito cera, olhos fixos e semiabertos, o pai. Cassiano compreende tudo... O pai, morto. A mãe, ajoelhada ao lado, está calada, perplexa, incrédula. Não chora, apenas olha. Está como que hipnotizada, sem movimentos. Cassiano sente o chão fugir, a cabeça rodar, não reconhece ninguém entre os curiosos. Todos estranhos... Tão estranhos quanto é aquela cidade, aquele morro, aquele barraco, aquela vida. Sente vontade de gritar, de correr, de entender. Por que tudo aquilo?! O que está acontecendo?! Quando cai em si, está sozinho. As pessoas se foram, o corpo do pai levado não sabe pra onde... Sua mãe... Sua irmã... Cassiano não sabe de nada... Agora está ali, sentado. Na mesma escada, no mesmo degrau, apenas com os seus pensamentos. Quem será que o matou? Por quê? O que a vida quis dele? Perguntas e mais perguntas fervilham em sua cabeça. Inutilmente. É apenas mais uma morte, como tantas outras. Sem explicação, sem fundamento. No morro é assim... Ou se é mais um, ou está morto. Ele não quis ser mais um... Foi só isso!

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Paixão Proibida África Gomes Luanda - Angola Coração meu! Hoje decide ir visitar você naquele lugar escuro Que apagou o seu personagem no futuro Oh! Meu Deus do céu Passo dias e noites pensado como-tens indo Tento sempre procurar teu sorriso em cada canto E em cada lágrima de pranto Refugiar o inrefugiado. Hoje perto de você quero lhe confessar Que sinto tua falta Ao passar-me na mente a forma como me deita Cada toque teu na calada da noite fazia-me desetressar É triste saber que estas aqui Mais longe de mim. Vou partir Porque com o tempo as magoas já não consigo dividir Corre,corre,corre como se eu não estivesse aqui Esse tormento não favorece nosso amor Por favor! Vou partir, mais atenção Sempre estarás no meu coração.

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5ª Edição A Espera de Pantera - Daniela Genaro Aldravias* - Amélia Luz Antes do Voo - Charles Burck Atenção às Perguntas - Eduard Traste Estranho Na Madrugada - Letícia Ucha Não se Queixe, Cante, Dance, Escreva… - Isabel C S Vargas


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A Espera de Pantera Daniela Genaro São Paulo/SP Novelo de lã em nossas manhãs. Brincava a gata, brincavam juntas as duas meninas, desenrolando dias eternos.

No fim do novelo, o fim daqueles dias e da brincadeira da gata com as meninas. Elas voltaram, a gata ficou, miando no silêncio, a saudade e a esperança.

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

Aldravias* Amélia Luz Pirapetinga/MG

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

*Nota:

Aldravia,

nova

forma

de

fazer

poesia.

Seis

versos

univocabulares, emoção condensada com liberdade poética. Criada em Mariana/MG é a forma genuinamente brasileira de fazer poesia.

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Antes do Voo Charles Burck Rio de Janeiro

A morte parecia um arco-íris que se bandeou para os lados do firmamento, voou solta, bendizendo a vida Mas amor chega antes, quando mal o sabemos distinguir, quando mal o percebemos, é o voo antes do existir do céu Aprendi a fazer amor com a fusão dos astros, O cio das estrelas a fomentar o gato, o rabo ao redor do pescoço e o rato a cantar o Barbeiro de Sevilha O abismo resaltado ao lado do prumo, o vazio que se impõe, um anseio do pulo equilibrando a alma que foi antes do corpo O voo a enrolar os corpos com laços de seda, de sentir orvalhos ao rés da tarde quando ainda nem floresceram os olhos O medo em voo difícil a calibrar as asas quando nem desabrocharam as penas, O pássaro falou do medo, o amor de voar, O amor consome o medo, quando não, entala na garganta da alma A previsão do grito se desfaz no pó da secura do não ser A queda livre a ameaçar a quietude do ar, a rota intensa dentro do silêncio do sono Ao sono que chega, damos os sonhos 61


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A compreensão do ato do amor não me traz alentos A bruxa do mal de amar forja o ato de amor a costurar a boca do sapo A lua nova que geme de vontade de ser cheia, os meus arrepios que correm noite adentro feito cavalos de fogos E eu sozinho no vazio dos argumentos, ao fim do abismo Assisto o mar de dentro a se quebrar do lado de fora.

https://charlesburck.blogspot.com.br/

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

Atenção às Perguntas Eduard Traste Florianópolis/SC - o que você faz? você não trabalha? não estuda? não toma banho? não se barbeia? não escova os dentes todo santo dia? e peida sempre alto? e arrota na mesa? e não vai à igreja? e não acredita em Deus? e bebe todo dia? e começa sempre de manhã? e só termina quando acaba contigo? – ela não se calava depois de ver de perto minhas cuecas sujas.. “baby, sou no máximo um mínimo poeta, e olhe lá..” e quando ela olhou eu me fui, ainda em tempo desta vez.. www.estrAbismo.net

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Estranho Na Madrugada Letícia Ucha Porto Alegre/RS Sábado à noite era o dia que os amigos encontravam-se no bar do posto antes de irem para a balada. —Pessoal, sabe aquele vizinho que se mudou para a casa em frente a minha? Pois, ele anda cada vez mais esquisito... – Disse Nicole —Lá vem de novo, você com essa história. Deixa para lá. Todo mundo tem suas esquisitices. – disse Camila dando de ombros, enquanto abria uma lata de refri. —Tenho estudado até tarde, e vejo pela janela que ele sai no meio da noite, sozinho com uma mochila laranja aparentemente sem volume e quando volta ela está bem cheia. Ai,meu Deus ela está vindo para cá. – disse Nicole apreensiva. Camila vira-se e vê somente Alberto e Enzo, os dois amigos que ambas aguardavam na lanchonete. —É aquele que está com a mochila laranja. —E aí, onde será a festa hoje? – pergunta Enzo em tom entusiasmado. —Hoje tem festa da Administração naquela danceteria perto de casa. – disse Camila Nicole observava atenta a todos os passos do homem. Este pega um café e vai sentar-se na mesa ao lado onde os quatro amigos estavam. De canto de olho, Nicole aproveita que o sujeito levanta para pegar uma revista e vê que de dentro de sua mochila está aparecendo um cabo de faca. O homem chega e pergunta porque ela está olhando tanto para suas coisas. Nicole responde: —Perdi minha lente de contato, estava procurando ... Ela saltou de repente, pode estar por aqui. –disse gaguejando. —Hum... Conheço você de vista, somos vizinhos. Meu nome é Ezequiel. Prazer.

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

—Nicole, prazer. – respondeu com a voz trêmula. —Vamos pagando porque temos ainda que comprar os convites para entrarmos na festa. –disse Alberto. Nicole despediu-se e saiu. Enquanto abasteciam o carro, viram o homem saindo da lanchonete. Uma das repartições estava semi-aberta e ele deixou cair um saco plástico sem perceber. —Olha, o cara deixou cair algo. Temos que avisar, pode ser algo importante. Ei, espera – disse Camila. Ezequiel não percebe que era para ele o chamado e segue a pé seu caminho. Ao se aproximarem viram que o saco estava furado e pingando... gotas vermelhas.! —Credo, será sangue?. – disse Nicole enquanto via de longe a figura daquele homem estranho desaparecendo no meio da noite na penumbra da rua mal iluminada —Vamos abrir! – disse Camila. —Você não tem noção mesmo. Imagina , deixar nossas digitais. —Vamos parar com isso agora! Se for algo suspeito falamos com a polícia. – disse Alberto já abrindo totalmente o saco plástico. - São ossos! - gritou Nicole ao ver. —Quieta! O cara pode voltar e nos perseguir depois. Vamos, falar com o meu primo Augusto que é médico ele saberá dizer que tipo de ossos são. Enzo, ligou para o primo que estava de plantão naquela noite. Combinaram de encontrarem-se no hospital. Chegaram e contaram pessoalmente a história para Augusto. Ao olhar os ossos, Augusto franze a testa com ar sério e diz : —Vocês precisam saber de algo muito sério : esses ossos são.... de animais. Posso garantir que não são ossos humanos. Fiquem tranquilos disse Augusto com leve sorriso irônico e completou: -- que suspeita maluca de vocês. —Já que você tem certeza ficamos tranquilos. Desconfiamos porque afinal alguém andar armado com facão e saco pingando sangue é estranho. – disse 65


LiteraLivre Edição Especial nº 1

Enzo. —Bem , eu vou ter que seguir no meu plantão. Despediram-se. —Gente agora a essa hora não terá mais convites para festa. Vamos ver um DVD em casa mesmo? O que acham? Todos resolveram ir para casa de Nicole que tinha uma enorme coleção de filmes. Ao chegarem lá , encontraram os pais de Nicole desesperados. —A Alice sumiu. Passamos pelo quarto dela, e está vazio. Já procuramos por toda casa. —Já viram se ela está no jardim. A última vez que ela teve sonambulismo foi encontrada próxima da piscina. —Sim, já procurei. Nem me lembre disso, depois deste susto a piscina está sempre com rede. Nicole virou-se para os amigos e falou:. —Meus pais ficam assustados mas ela sempre aparece. Vou ter que ajudá-los. —Estamos de carro podemos ir também. Foram todos à procura de Alice. Os faróis do carro iluminavam as ruas do bairro. Na praça avistaram um homem agachado. Roupas pretas, pouco cabelo , barba longa e ... —É ele. O homem da mochila está na praça. – grita Nicole Aumentam a luz dos faróis e veem que uma moça de cabelos longos e castanhos e pijama rosa estava deitada. Olharam melhor e vieram que era Alice quem estava deitada na grama da praça. Nicole saiu correndo desesperadamente em direção a Ezequiel. Seus três amigos a seguem. —Solte a minha irmã ! – disse aos berros. —Calma, eu estava passando por aqui e a reconheci. Estava tentando pegá-la no colo para levá-la até a casa de vocês. Não faria nada de mal. Falando assim, você até me ofende. 66


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—Você sai todas as noites com essa mochila cheia de ossos e você quer que eu pense o quê!? – disse Nicole em tom de acusação. —Não sei nada sobre o que você está falando. Eu apenas sou um homem que sofre de insônia e saio à noite para ajudar as pessoas. Embora não tenha que lhe dar satisfações, costumo dar ossos aos cães de rua que encontro. Apenas isso. Vire-se você mesma para tirar sua irmã daqui. – disse Ezequiel afastando-se e gesticulando muito. —Vamos avisar seus pais que encontramos sua irmã. – disse Alberto. Ligaram e levaram Alice para casa que continuou dormindo sem perceber nada do que havia acontecido.

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

Não se Queixe, Cante, Dance, Escreva… Isabel C S Vargas Pelotas/RS O Mundo atual é repleto de informações. São informações que, muitas vezes as pessoas não sabem lidar e se angustiam. O mundo é célere, não só pela velocidade das informações, mas pela competitividade. Conseguir um emprego se constitui em uma “via sacra ” para quem procura, pois, o número de candidatos é imenso e com candidatos cujo currículo é pequeno e outros que extrapolam nas habilidades requeridas. Então, quem tem pouco não é contratado e quem tem muito também não porque as empresas não querem pagar altos salários para quem é muito qualificado. As famílias fazem uma verdadeira ginástica para atender os filhos, a casa, os empregos. Se a mulher trabalha é difícil por ambos saírem, se só o marido sai é, igualmente difícil porque o orçamento não fecha na receita e despesa. Tudo gera estresse. Como minimizar isto, se não sobra para um programa fora, uma janta em família, um cinema, uma saída no final de semana. E, se há doença? Muitos tiveram de abandonar os planos de saúde, tem de enfrentar as filas nos atendimentos de saúde pública. Esta gama de citações acima, mais o trânsito caótico, a violência, a falta de segurança, o desemprego, o tráfico, a impunidade, os salários atrasados vão minando a saúde mental e física dos indivíduos. Isso é um panorama de norte a sul do nosso país. Quando o indivíduo percebe, isso se está em condições de sanidade para perceber, tornou-se uma pessoa angustiada, estressada, negativa e queixosa. É comum lidarmos com pessoas negativas, pesadas, de difícil convivência, porque só reclamam, só enxergam problemas. A realidade pessoal os tornou assim. Como fazer para mudar esse panorama que se apresenta tão difícil. Às vezes, não é necessário dinheiro, mas, ser uma pessoa resiliente, capaz de suportar a pressão e, se recompor, achar uma saída. Quando a pessoa se torna negativa em excesso, isso é sinal de doença e 68


LiteraLivre Edição Especial nº 1

adoece quem está na sua volta, familiares, amigos. Os que podem se afastam, porque é extremamente difícil suportar uma pessoa assim. É preciso orientar, tirar o foco negativo, sugerir atividades terapêuticas e gratuitas que assim as queixas cessam. A música é uma atividade maravilhosa. Se a pessoa tem som, rádio, televisão, celular onde possa escutar música, cantar, dançar isso se constitui em uma excelente terapia. Melhora ainda, procurar as comunidades de bairro onde é possível cantar em coral, ir a bailes, se divertir em atividade de grupo. É uma prática regular e indicada para os idosos que melhoram radicalmente, cessando a sensação de inutilidade, depressão, as queixas de dores, tudo pelo isolamento que muitos vivem. Outras atividades excelentes são a caminhada, que melhora as condições físicas e ajuda a pensar, elaborar os pensamentos, autoconhecimento e, a outra é colocar os sentimentos para fora. Escrever se constitui em um processo maravilhoso de catarse. Tudo melhora. Procurar um novo aprendizado é bom. Pintar, costurar, trabalhos manuais, estudar, seja um idioma ou fazer o que não conseguiu em outra época. O importante é a pessoa descobrir uma atividade que a faça interessarse por viver e não reclamar. Encontrar algo que dê prazer torna a pessoa mais feliz. A atividade física, o futebol, o cinema, a caminhada, são excelentes para os homens, assim como aprender um instrumento, enfim, empreender buscas para tapar o buraco emocional instalado. Terapias são recomendadas, como massagem terapêutica, aplicação de reiki, artes marciais e também buscar um pouco mais de espiritualidade, o que não é, necessariamente buscar uma religião específica, mas ser mais grato pelo que tem, em vez de se queixar pelo que não tem, ser solidário, saber colocar-se no lugar do outro, fazer caridade doando seu tempo a alguém que precise de um pouco de companhia ou necessite aprender algo que essa pessoa possa ensinar. Viver com amor e prazer é muito importante. http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?pag=5&id=24215

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6ª edição: Contentores - Luís Amorim Cruzamentos - Sandra Modesto Facilitar a Vida? - Mickael Alves O Drama da Surdez - Rosimeire Leal da Motta Piredda O Quadro Dessa Gente - Edison Gil Um Abraço - Leandro Martins de Jesus


LiteraLivre Edição Especial nº 1

Contentores Luís Amorim Oeiras - Portugal «Chegaram os contentores

Obra publicada

E há que conferir os valores

Noutra temporada

Que lá dentro estão

Conforme eu já li.»

E se serão

Os contentores são abertos

Adequados a esta editora

E saem ainda despertos

Literária que mora

Todos os jornalistas

Em zona urbana.»

Encomendados como artistas

«Se não der para esta

Para futura edição

Dará para sua mana

Não importando a imaginação

Para que continue a festa.»

Se a terão ou não

Os contentores são arrumados

Desde que produzam algo

Para serem revelados

Que se possa ler

Seus enigmáticos conteúdos

Como: «Eu fiz algo

De onde saem ruídos

Para vos dar a saber.»

Que deixam confundidos

Os jornalistas são tantos

Os que desconhecem

Que ocupam todos os cantos

As coisas que se encontram

Esperando sua vez

Nos interiores que abanam

Em grupos de três.

Talvez procurando saída

«Vocês poderão não ter

Pois certamente querem

Talento que se possa perceber

Respirar outra vida.

Mas isso não interessa

«Este contentor pesa mais

Pois são conhecidos

Do que aquele ali.»

E toda a gente cai nessa

«É porque têm demais

De comprar livros 71


LiteraLivre Edição Especial nº 1

Dos jornalistas referidos

E houve flores para todos

Nos meios audiovisuais

Os que ficaram em modos

Como os certos sinais

De interior criação

Para bem sucedidas edições

Para escrito como conceito

Com lucros nas intenções

De literária obra

Nossas, sem confusões

Em expectante recepção

Em quaisquer apreciações.»

Cheia de gente

«Existem autores com criatividades

A qual se dobra

De grandes originalidades

Vergada na decepção

Com floridas inspirações

Mesmo à frente

Nas suas imaginações.»

Dos jornalistas

«É verdade

Que apenas dão

Mas são desconhecidos.

Como visíveis pistas

Dá flores de criatividade

Uma certa imaginação

A estes bem-vindos

Que não será por aí além

E vais ver como sairá

Pois cada bem

Prosa ou poesia

Entregue em flor

Que até espantará

Murchou de imediato

Quem não se adia

Causando um rubor

Como super-letrado

De vergonha no acto

Já antes identificado

Ao futuro editor

Em qualquer lado

Que começa a balbuciar

Por onde tenha passado.»

Não sabendo explicar

Assim foi feito

O que se está a passar. https://www.facebook.com/luisamorimeditions

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

Cruzamentos Sandra Modesto Ituiutaba/MG Estava sozinha e usava jeans com chinelos. Subindo a pé naquela rua, notou que lavavam o carro na calçada de uma casa. Esfregavam e enxaguavam juntos; as rodas, pneus, partes do fusca. Branco. O portão estava bem aberto. Olhou cenas reais. Muitas pessoas em movimento. Uma mulher, várias crianças um cachorro, cadeiras, plantas, conversas, risos, tudo natural, não fosse à personagem principal. Uma senhora idosa, sentada em uma cadeira. Usava um vestido florido, os cabelos e a pele denotando a passagem transformadora

do

tempo.

Gesticulava

movimentos

trêmulos,

boca

entreaberta, mas ao derredor, pessoas mais jovens consideravam a mais velha da casa, como parte de um todo. Escolheram não abandonar, não depositar no asilo, queriam, preferiram assim. A personagem à cadeira não entendia nada. Não sabia mais quem era quem, não sabia mais nem quem era ela. E daí? A mulher que caminhava sozinha e usava jeans, era eu. Enquanto andava fiquei me perguntando: Será que tenho medo da morte ou tenho medo de morrer? Vou morrer amanhã, domingo? Vou morrer... Veio-me á memória musical; Gilberto Gil. NÃO TENHO MEDO DA MORTE “Não tenho medo da morte Mas medo de morrer, sim. A morte e depois de mim Mas quem vai morrer sou eu 73


LiteraLivre Edição Especial nº 1

O derradeiro ato meu E eu terei de estar presente Assim como um presidente Dando posse ao sucessor Terei que morrer vivendo”.

https://www.facebook.com/sandraluciamodesto.modesto

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

Facilitar a Vida? Mickael Alves Iguatu/CE

Eu agi, ousei não pensar Na medida do fazer Sem razão, quis vontade Quis gritar coragem Além do ensino do coração O que é de mim mesmo Sem memorizar Ou moldar o ato. Sem titubear, Não pedi paz Pois a guerra me satisfaz Acendi a chama do fugaz Dei o caos onde eu for seguir Deixei a natureza do meu eu Me guiar Onde for caminho Onde for parada Vida, me livre; Dos imperativos, Dos julgos da sociedade, Da perfeição. Lírica dos dias atuais: 75


LiteraLivre Edição Especial nº 1

Até o silêncio é punhal Todo contato é conflito Todo contar é insulto Todos sabem dos ritos Todos seguem o ritual Para garantir o cumprimento do dia Todos dispostos a honrar Vamos venerar a lida! Da vida dos moradores leais Mas fiz revolução Eu nunca mais os irei seguir Para salvar o meu jardim De agrados meus.

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

O Drama da Surdez Rosimeire Leal da Motta Piredda Villa Velha/ES O que há de comum entre mim e LUDWIG VAN BEETHOVEN (o maior e o mais influente compositor da música clássica universal)? A inspiração poética que vem do íntimo e é revelada em nossas criações e a SURDEZ. Os primeiros sinais de ensurdecimento surgiram antes que nós completássemos 30 anos, custamos a assumir e foi impossível esconder porque era óbvio. Minha mãe e minha irmã tinham este problema: é hereditário! Se eu tivesse filhos, alguns deles poderiam desenvolver esta deficiência. Gradativamente ia perdendo a minha capacidade de identificar o som e hoje se tornou grave, faço leitura labial. Assisto pouco à televisão (leio as legendas na tela mas, às vezes, são diálogos longos que não dá tempo para ver as cenas e cansa as vistas). Guardei minha coleção de CDs de músicas eruditas (só me resta fechar os olhos e resgatar em minha memória as maravilhosas sinfonias). Em casa escuto sons na rua e penso que é alguém gritando, entretanto ao abrir a janela vejo que são cachorros latindo. Ir a consultas médicas somente com acompanhante. Outros, sabendo que sou surda, quando me encontram preferem falar com a pessoa que está ao meu lado ou me evitam. E ainda há aqueles que torcem os lábios ou reviram os olhos para cima demonstrando seu desgosto ou os que perdem a paciência e encerram a conversa. Muitos não entendem que eu posso compreender ao olhar para os lábios e se atrevem a fazer comentários que jamais teriam coragem de dizer em minha presença, por exemplo: duas senhoras, uma falou para a outra: “Lá vem à surda!” Ah, agora fiquei invisível: sim, pois muita gente finge que não me vê e passa direto. O ato de ter que repetir palavras provoca um transtorno sobrenatural! 77


LiteraLivre Edição Especial nº 1

Paciência é a virtude que consiste em suportar os males e incômodos sem reclamar, sem se revoltar. Uso um pequeno dispositivo dentro e atrás da orelha direita e esquerda: eles emitem sons mais altos para que eu possa ouvir, comunicar e participar plenamente das atividades diárias. O aparelho auditivo é um simples amplificador de som e com ele eu ouvia bem; infelizmente chegou um dia que não servia para mim. Notei a perda auditiva em 1998. Era secretária e sentia dificuldade para entender claramente e era necessário aumentar o volume dos fones do telefone. Deixei de atender telefone e falar pessoalmente com os clientes. O ar-condicionado ou o ventilador abafava o microfone do aparelho auditivo e dificultava a compreensão. Trabalhava nesta empresa há 26 anos (desde 1989) e em 2007 quando o problema se agravou, me senti ignorada, isolada, abandonada, quase sem serviço. Em minha profissão, dialogar com as pessoas é imprescindível e ergueram uma barreira diante de mim, quase ninguém tinha paciência para falar comigo, fugiam de mim. Fingia que havia entendido para não causar aborrecimentos. Estava começando a sentir dores de cabeça fortes contínuas e o médico me disse que era nervosismo. Fora do ambiente de trabalho, dos locais com ar-condicionado ou ventilador e olhando para quem fala, dá para “ouvir” satisfatoriamente. Porém, faço leitura labial de uma pessoa de cada vez e em grupo não percebo que há outros participando da conversa. Sim, já chorei de tristeza! Mas, tenho senso de humor e quando ocorrem incompreensões e entendimentos equivocados, digo que sou a velha surda do antigo programa da televisão “A Praça da Alegria” (2001). Alcancei o grau mais elevado da perda auditiva que é severa e profunda: de 100%, ouço 8%. Devido a isso, não há outro aparelho auditivo adequado para mim. Existem outros melhores do que este que eu uso, porém

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

muitíssimos caros e não auxiliam a ouvir perfeitamente: exercem a função de estimular os nervos da audição. Ouvir ruídos e vozes incompreensíveis com o aparelho que uso, é um consolo do que conviver com o silêncio total. O implante coclear ajuda a perceber os sons sem compreender a fala. A pessoa não voltaria a ouvir normalmente, então esta última opção está descartada para mim, pois é a minha atual realidade. Tentei aprender libras (língua de sinais), mas não consegui, pois sua gramática não se baseia na Língua Portuguesa. Há uma diferença entre o surdo tímido e o extrovertido. Quem sabe se exprimir com clareza, descobre uma maneira de expressar suas ideias e continuar fazendo parte do mundo dos que ouvem. As pessoas valem mais do que suas deficiências. Beethoven e eu tentamos lutar contra algo que era impossível mudar, mas a sensibilidade que habita em nós sobressaiu e não permitiu que nos deixássemos abater por uma situação que não havia como consertar: há muito mais em nós do que estes problemas inesperados. Discriminar também significa assassinar a alma de uma pessoa, pois é no coração que o efeito é mais destruidor. Quem deseja se sentir humilhado? Reflita sobre o que JESUS disse: “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam...". (Mateus 7:12).

https://www.rosimeiremotta.com.br/

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

O Quadro Dessa Gente Edison Gil Sorocaba/SP Pintaram de cinza o céu que era azul, com uma tinta de fumaça do norte até o sul, também o verde é uma cor que está ausente, chaminé e asfalto quente, é o quadro dessa gente! O rio virou piada, quem escuta não diz nada, transformaram nossa água no aposento da privada, na beirada peixe morto, num produto amarelo, e quem vivia pela pesca, hoje vive do martelo! O estradão que era terra, que foi rota de tropeiro, atualmente está pintado com a cor do desespero, tem carro e moto, carro de frete, caminhão, caminhonete, só não pode ter charrete!

http://fb.com/siredisongil

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LiteraLivre Edição Especial nº 1

Um Abraço Leandro Martins de Jesus Itapetinga/BA Dentro de um abraço Cabem amor e saudade Dentro de um abraço Cabem desejo e vontade Dentro de um abraço Cabem alegria e tristeza Dentro de um abraço Não cabem incertezas

http://www.recantodasletras.com.br/autores/leandromj

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Queremos desejar a todos os nossos amigos Boas Festas e um PrĂłspero Ano Novo! Em 2018 tem mais! Continuem participando! Receberemos textos, imagens, desenhos e etc., atĂŠ o dia 10/02/18


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