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Eni Ilis

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Roberto Schima

Roberto Schima

Eni Ilis São Paulo/SP

A Roca

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A roca está velha, carcomida. Não será substituída, então, não se pode danificála, mas há que usar com vagar. E range a roca a cada volta do fuso que de tanto, muito uso carrega um cansaço sem tempo. quase ninguém sabe da roca, mas ai está. Quase ninguém saberia manejá-la, mas ainda em uso. Imprescindível uso. O fio no fuso. O fuso da roca. A roca no tempo. Tempo que faz ranger a roca. Tempo que caleja os dedos que movem o fio sem fim. A roca está velha e não será substituída. Muito novelo se fez à sua margem. Não importa. Importa que a roca fia o fio no fuso e não empedra os dedos de quem a maneja. Sim. Há que saber o que importa. Hoje, o rangido que arranha o silêncio e se acumula nas dobras dos dias. Fiapos que se amontoam, não dissolvem. É preciso diligência, paciência para pegar todo esse acumulado. E tanto rangido que se encrespa nas mãos que já estão acostumadas. Tanto rangido que segue o movimento lento dos dedos e dos dedos para a roca. Quase ninguém sabe, mas o rangido vira fio o fio sem fim nos dedos calejados de quem maneja a roca. Maneja e sabe que a roca está velha porque envelheceu com ela, sabe que não pode parar, por isso, segue. Faz fio sem fim no fuso da roca que range a cada volta. Não há o que inventar, porque a roca ai está e as mãos também e a volta que a roca faz, não volta, range. Cada rangido, uma volta. Tanto rangido, nenhum sussurro. Tanta volta, nenhum retorno. As mãos calejadas já sabem, por isso, o rangido não assusta, o cansaço não esmaga. Não. O rangido é o fio, o cansaço a casca que se solta. Só isso? Sim, porque aqui a roca que está velha e há fio a fiar, há os dedos calejados a manejar a manivela, a sentir o fio girar no fuso e o fuso a ranger. Nada para a roca. Para as mãos calejadas, sim. E não é o cansaço. É outra coisa. Quase ninguém sabe, mas há quem saiba, porque as mãos recebem o amontoado, as mãos entregam os novelos. Sim, há quem saiba e saiba do tempo do fuso na roca a fiar o fio sem fim. E aqui há retorno que entrega e recebe e leva e espalha. Espalha esfiapa o rangido que fica gemido perdido naqueles que escorregam no tempo.

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