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João Sereno

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Roberto Schima

Roberto Schima

João Sereno Nova Iguaçu/RJ

O Ponto Turístico

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Pular era morrer. Entre uma pedra e outra, um espaço intransponível. Do outro lado, porém, morava uma paisagem que, se a olhos nus era formidável, no ângulo certo, com o clique certo, poderia ser algo nunca antes visto nesse mundo já por demais imagético. Um chamariz para influenciadores digitais que, por serem atualmente os criadores de pontos turísticos, buscaram desbravar aquele local ainda ermo.

O primeiro a morrer foi o Vando, do DesbraVando. Eu o conhecia da Internet e de uns dois eventos presenciais. Era o mais maluco de todos, aquele que se propunha aos desafios mais perigosos. Foi um álibi achar que ele poderia ter sido displicente. Isso serviu de desculpa pra não pararmos as expedições.

Depois caiu a Mari, do Marijuana Sandaliando. Mas pelo nome de seu blog você há de convir que ninguém achou surpresa. Se estivesse sóbria, daria pra pular ao outro lado, comentou-se. Mas quando morreu o Ándres, todo o universo de digitais influencers da área de turismo ficou desbaratado. O blog dele chamava-se MoChileno e, embora eu não o conhecesse bem, sabia que era um experiente montanhista do Chile. E mesmo com tanta experiência morreu. O que seria de nós?

Então chegou a minha vez. Era uma ordem natural. O meu era o quarto blog mais curtido. O público fez pressão. Mas não foi só isso. Depois que essas pessoas queridas e semelhantes se foram, eu me senti desafiada a pular aquela pedra e descobrir um novo lugar. Por eles.

Como uma navegadora antiga, me joguei em águas desconhecidas. Primeiro porque essa vida que a gente leva nos impulsiona a não parar. As imagens ficam obsoletas muito rápido. Mal colocamos uma

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foto e um relato de experiência num local novo e já estão perguntando: qual é a próxima viagem? A trip do mês passado tem cheiro de dez anos atrás. Acho que os seguidores são tão exigentes porque eles próprios não vivem, senão por tabela. A cada perigo que corro, sentem frio na barriga, quando me arrisco pegando carona, sentem-se livres, quando arranjo um amor de estrada, se apaixonam com o meu coração. Mas não são só eles. É assim que funciona com os patrocinadores. As agências de turismo e os fabricantes de mochila só querem pagar por fotos diferenciadas. Por último, mas não menos importante, porque... bem, quantos likes eu conseguiria? O ego é uma desgraça e, no meu mundo, like vale risco. Então eu cheguei no lugar onde todos Wando, Mari e Andrés morreram e me acovardei. Ponto. Não tenho mais o que dizer. Eu morreria. Então escolhi viver, mesmo que me sentindo careta.

Tão careta que hoje, dois anos depois, volto ao lugar onde houve tantas mortes de blogueiros. O lugar está cheio, mas ninguém se importa em pular ao outro lado. Isso porque uma empresa construiu um teleférico seguro e a travessia agora ocorre numa cadeirinha, de modo que você pode curtir o tão cobiçado visual. Mas não só. Pagando 40 reais (aceitam cartão de crédito) você tem direito a uma lanchonete, um mirante, dez fotos inclusas e acesso à área mais visitada, um cemitério de blogueiros.

Recomendo a visita!

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