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Amanda Coelho e Glauber Araújo

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Teresa Azevedo

Teresa Azevedo

Amanda Coelho e Glauber Araújo Petrolina/PE - Jacobina/BA De Sartre À Audrey Hepburn, Uma Reflexão Acerca Da Liberdade

Fazia muito tempo que um filme não me tocava tanto. Claro, de vez em quando eu choro com um ou outro filme, mas com Uma cruz à beira do abismo foi diferente. Esse filme me tocou, principalmente porque fala sobre um dos aspectos sobre os quais mais tenho pensado nos últimos anos: liberdade e angústia.

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Uma cruz à beira do abismo

Uma cruz à Beira do abismo é um filme de drama de 1959 dirigido por Franz Zinnemann e estrelado por Audrey Hepburn. Em uma das atuações mais elogiadas de sua carreira Hepburn se coloca como uma atriz disposta a fazer concessões pela sua personagem, desprega-se totalmente da imagem construída de elegância e romantismo entregando sua imagem a uma representação do rígido sistema católico para formação de freiras. Zinnemann consegue no seu drama explorar os diversos conceitos éticos da vida para a religião. É colocada de forma nítida a quantidade de sacrifícios que as irmãs têm de fazer para se encaixarem dentro do que é proposto pelo rígido ensinamento. A escolha de Hepburn a meu ver foi certeira, uma atriz já bastante conhecida do público se desconstruindo para viver uma outra vida em tela, não seria justamente o caminho que os que optam pelo clérigo seguem? Muitos falam de vocação, mas nenhum deles nega que tiveram que fazer sacrifícios para estarem onde estão, abrem mão praticamente tudo... de suas famílias, das suas lembranças, do seu passado e muito mais. Tudo para viver a vida ao lado de Jesus ou como o próprio filme traduz: para se casarem com Jesus. Em Uma cruz à beira do abismo temos uma mulher escolhendo, sofrendo, evoluindo, revendo convicções, voltando a algumas

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delas, mudando novamente, num ciclo de amadurecimento. Para isso em vários momentos se põe à disposição de causas maiores do que ela. É perceptível que em vários momentos ela se questiona (quem nunca?), mas escolhe um caminho e segue fervorosamente por ele. Destaco aqui o trabalho de direção, é óbvia a influência da direção no tom do filme, ainda mais em um filme fundamentalmente centrado em sua protagonista, as reações dela são muitas vezes contidas, afinal ela é uma freira, mas a mulher está ali e os momentos em que ela aparece são muito convincentes, é, evidentemente, alguém que fez uma escolha, está cumprindo seu papel, mas sabe que nem tudo são flores, é tão natural do ser humano se questionar, que faz a personagem sair do pedestal da religião e se aproximar de quem assiste, somos tão humanos, respeitamos as tradições, isso se elas não ferirem os outros e forem condizentes com a realidade.

LIBERDADE E ANGÚSTIA

Enquanto assistia o filme eu via na jornada da personagem a minha própria jornada. Todos que escolhem um caminho que demanda sacrifícios, independentemente de qual seja esse caminho, vai compreender as angústias de Sister Luke, seus questionamentos e as suas decisões. Quanto mais eu me identificava com a personagem, mais eu me lembrava das palavras de Jean Paul Sartre. Um dos conceitos fundamentais da filosofia Sartriana é o de liberdade. Para o filósofo o homem está

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condenado a ser livre. E toda sua condição, toda a sua vida decorre disso. Frente a cada decisão, o homem percebe seu total desamparo, já que não há nada e nem ninguém que possa salvá-lo de si mesmo. Para viver uma vida, deixamos para trás muitas outras. E a nós, enquanto humanos, cabe a responsabilidade de arcar com cada escolha. Frente à falta de fundamentos prontos, o homem angustia-se diante da responsabilidade de escolher, pois cada escolha traz consigo o peso da responsabilidade, o peso das escolhas que deixamos para trás. Afinal, ser livre é escolher, é engajar-se, comprometer-se, responsabilizar-se... Diante dessa constante tarefa de escolher e do desamparo que ela carrega, a liberdade traz ao sujeito

uma angustia existencial. Angustia-se pois não é capaz de alterar as condições de existência ao seu redor, tendo muitas vezes que escolher entre o ruim e o pior. Ser livre implica responsabilidades sem nenhuma garantia de futuro. A liberdade que temos e conquistamos não nos tornou brutalmente felizes, pois, quanto mais chances de escolha eu ofereço a uma pessoa, mais oportunidades de angustias se impõem a ela.

Para Sartre o momento da escolha é um momento de morte, porque escolher é fazer renúncia, é deixar alguma coisa. Para Sister Luke, o momento de escolha inicial dela, seu momento de morte, não lhe trouxe muita angústia, porque ela não conhecia ainda a responsabilidade que viria com ela. Sua angústia não vem antes da escolha, mas sim concomitante a realização de sua escolha, quando ela vai conhecendo o tamanho das consequências da decisão que ela decidiu tomar. Em Uma cruz à beira do abismo, Gabriele ou Sister Luke, embora tenha decidido com convicção de que iria ser freira, é no convento que ela irá experimentar de fato a angústia que o

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seu caminho trará. Ao escolher casarse com Jesus, Sister Luke abdicou não apenas da vida que tinha fora da igreja, mas também de muitas outras liberdades pessoais: seu poder de tomar decisão lhe foi tirado; seu nome deveria ser deixado para trás; seus sentimentos deveriam ser renunciados, seus questionamentos também e até mesmo o mérito pelo seu esforço pessoal deveria ser negado. Um dos momentos mais marcantes para mim é quando uma madre superiora pede a Sister Luke que se saia mal na prova de medicina que faria, pois este seria um gesto de humildade, pedido ao qual Luke não atende, e, como punição, ela não seria mandada em missão para o Congo, que era seu maior sonho mesmo antes de entrar para o convento. Como alternativa, Sister luke recebe a tarefa de auxiliar outra irmã em cuidados com pessoas com problemas mentais. Embora silenciosa, a angústia de Sister Luke é perceptível, principalmente porque sabemos o tempo todo que ela é livre pra renunciar essa vida. E é

justamente essa liberdade que angustia a nossa protagonista, ela se questiona a todo momento sobre suas forças, sobre sua capacidade de aguentar o peso de sua escolha, e como ela é a única responsável por decidir o seu próprio destino, parece negar a si mesma que talvez aquele não seja seu lugar, e tenta constantemente testar seus limites para provar a si mesma de que capaz de suportar as provações... como se a vida fosse nada mais, nada menos do que suportar o peso das próprias escolhas. Nós somos os únicos responsáveis por decidir nossa vida e organizar os métodos para alcançar nossos objetivos. Apesar de toda a angústia que a liberdade nos traz, ela é uma dor necessária, pois, como diria Lacan, onde existe angústia, existe verdade, onde existe angústia, existe uma posição de existência. Sister Luke ignorou suas angustias e insatisfações até o ponto de ruptura, até o momento em que decidiu poder escolher novamente e desistir de ser freira. Ter poder sobre suas escolhas outra vez a trará novas angústias, novos vazios, mas, ainda assim, ela escolhe perseguir a possibilidade de uma vida melhor. O final é um fechamento certeiro para tudo que foi levantado, ela escolheu deixar a igreja, percebeu que suas convicções naquele momento não permitiam mais tamanha devoção a algo que lhe limitava, foi uma escolha dela. Aqui não levanto qualquer questionamento sobre a vida no clero ou a dita mundana, apenas que o desenvolvimento de personagem levantou Gabrielle (não mais Sister Luke) a esse caminho. A última cena do filme é bem sugestiva, Gabrielle cruza a porta do convento, o mundo que ela enxerga não revela um cenário muito promissor, é apenas uma rua comum, com uma bifurcação indo a direções opostas. Ela olha para os dois lados. Há uma pausa. Sabemos que ela está escolhendo para que lado deve seguir. Ela é livre para escolher outra vez. Ter consciência das próprias escolhas é, sem dúvidas, uma das maiores maldições que a liberdade carrega, mas, sem dúvidas, é também a maior dádiva da vida humana.

@teslacoill @glauberaf

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