4 minute read
Gislene da Silva Oliveira
Gislene da Silva Oliveira Paragominas/PA
Vendedor de Flores
Advertisement
Então é isso! Se Charles Chaplin abandonou tudo por causa de uma vendedora de flores, será que eu vou abandonar tudo por causa de uma bilheteira de festa? Durante muitos anos essa frase não lhe saíra da cabeça. A discussão por causa de seu novo subemprego foi acalorada... o feminismo e o machismo velados, falaram por si, talvez por eles, mas ser “a bilheteira de festa” ficou marcada na sua memória.
Independente e profissional respeitada na sua área de atuação, hoje com a certeza de que essas palavras não lhe causam mais sentimento algum, não consegue segurar o sorriso sorrateiro que insiste em escapar-lhe do canto da boca, ao constatar o equívoco cometido muitos anos antes. Mais uma vez autor e obra se confundem, criatura e criador são amalgamados em meio às informações. Charles Spencer Chaplin, renomado produtor, ator e diretor de cinema, embora tenha protagonizado diversas paixões e vários casamentos, não traz em sua biografia o envolvimento com uma florista. Esta singela história de amor foi experienciada por sua principal criação, o vagabundo e estiloso Carlitos, ícone do cinema mudo, que se apaixonou por uma florista cega, no filme Luzes da Cidade. Ainda com sorriso nos lábios, cantarola um trecho de canção “...um
84
vendedor de flores, ensina seus filhos a escolher seus amores...”, seu pensamento não está mais no passado, agora se detém no presente, na vida presente e no presente que a vida lhe deu. Ainda há quem diga que a Terra é plana, impossível! É re-don-di-nha! E dá muitas voltas, numa dessas a cabeça gira, o coração dispara e você se encontra no avesso da situação. Ela não é mais a bilheteira de festa, vêse diante da tomada de decisões, das escolhas, está apaixonada por um vendedor de flores!
O sorriso mais uma vez não pode ser contido porque se recorda que flores ele nunca vendeu. Ainda menino, vendeu sacolas na feira para desespero da mãe que ainda não conhecia o lado empreendedor do filho, rsrsrs. Ouvir suas histórias de moleque é para ela de uma ternura sem tamanho, é como unir duas pontas de um fio que, por alguma razão em algum tempo, partiu-se, é simplesmente recuperar, em doses homeopáticas, o tempo que perderam nesta vida sem se conhecer.
Como muitos garotos, o seu florista, que nunca vendeu flores, era alucinado por pipa... e numa dessas disputadas e encegueiradas corridas atrás de papagaio, quase troca um animal por outro, pois saiu rasgando o “pinto” numa cerca de arame farpado. Para felicidade geral e futura das moçoilas que viria a conhecer, algumas horas e pontos depois, ficou tudo bem, até o dia em que, por causa de uma bola caída no quintal, ele conseguiu a façanha de ser mordido por seu próprio cachorro, joelhos sangrando, mas com a bola recuperada o jogo continua.
Quase um Frankenstein, não por ser formado por pedaços de origens diferentes, mas por ter feito de si um mosaico em vários pedaços e algumas cicatrizes nos inúmeros incidentes causados pela paixão ao futebol. Goleiro desde a adolescência, consciente da sua vocação para atuar no gol, buscava sempre a qualidade técnica e a arte perfeita para espalmar a bola nas defesas mais difíceis, não media esforços para garantir a vitória dos seus times, ainda que essa viesse acompanhada de um dedo quebrado, um supercílio aberto, ombros deslocados, contraturas, pequenas fraturas, torções e muitos ralados, marcas que pareciam tão ínfimas diante da grandeza de ídolos nacionais como Gylmar, Taffarel, Marcos, Felix. Cicatrizes e dores que não o impediam de comemorar a vitória tomando uma gelada com os companheiros de time, algumas vezes indo direto do pronto atendimento médico para festa de comemoração.
Como ele costuma dizer a ela, seu preto é listo. Sabe um pouquinho de muitas coisas, eletricidade, enfermagem, algumas formas de arte, cozinha bem, diz que trata um peixe melhor que muitos e dança
85
para caramba, mas confessa que não sabe nadar. Até tem algumas histórias de moleque nadando no rio da sua cidade, em uma delas, quase “levou o farelo”, não fosse um amigo, teria ido visitar Netuno, sem direito à volta. Até hoje se pergunta qual a razão de uma pessoa que não sabe nada tentar atravessar um rio? Ser de peixe, signo do elemento água contribuiu? Não se sabe... talvez.
Ela sai do transe, do encantamento e pensa: Então é isso! Se Carlitos abandonou tudo por causa de uma vendedora de flores, será que eu vou abandonar tudo por causa de um vendedor de sacolas? Sorri com a pergunta equivocada, retórica e irônica.
Seu coração sabe. Tranquilo, tem a leveza de quem ama com maturidade. Ela sabe a reposta. Desta vez, não há discussão, não é uma questão de abandono ou de escolha, já não se trata de 08 ou 80. Não há o que escolher, ele está lá na vida presente, há muito que se chegou como um presente. Ter sua companhia é VIDA! Cada gesto, cada sorriso, cada palavra vai deixando flores pelo caminho que trilham juntos, porém separados... Flores dignas do melhor vendedor de flores, de quem quer tomar conta porque só ele lhe conta o que é o amor de muitas vidas...
https://www.facebook.com/gislene.oliveira.56/