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Joedyr Gonçalves Bellas
Joedyr Gonçalves Bellas São Gonçalo/R.J.
Meu Pai Contava Histórias
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Era uma cadeira de balanço, dessas de vime, que eu não vejo mais pela minha cidade. Cadeira que fora do meu avô, talvez do meu bisavô também. Viera junto com a casa, de herança, uma casa ampla, de muitas portas e janelas, tábua corrida e forro de madeira, hoje chamam de lambri, nessa época, a gente chamava de forro. Tudo falava nesta casa. As tábuas rangendo sob os nossos pés, o forro estalando pelo peso do tempo e ao voo de um morcego meio perdido, as árvores e seus galhos gigantes no quintal fazendo sombra e assustando as crianças, um reboco meio solto, os retratos e brasões na parede, um prego enferrujado, uma infiltração no meu quarto que não tinha jeito de acabar com ela. Os mais antigos, quase partindo, diziam que a casa fora construída em cima de um charco Está aí explicada a infiltração do meu quarto, o engraçado é que a casa fora toda construída em cima de um charco, mas a infiltração era somente no meu quarto. Meu pai falava que ali tinha mandinga, tinha caso de amor desatado na traição, na jura de uma encruzilhada. Era Jurema. A linda Jurema, de ancas largas, e cheiro bom de cheirar. Exalava jasmim e rosas. Mas não amava Joaquim, o homem que Jurema enfeitiçara com seu cheiro, sua anca larga e seu jeito de mascar chiclete. Jurema não sabia de Joaquim. Jurema era de Antônio. Antônio era amigo de Joaquim, mas não sabia da paixão desarvorada de Joaquim por Joana, e Joana também não sabia. Coitada, Joana olhava para Joaquim, mas não o via, não o enxergava, não sabia da existência dele. Meu pai parava, respirava fundo, dava um trago a mais no cigarro,
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tossia, balançava a cadeira de balanço com os pés. Aqui nessa cadeira meu avô, seu bisavô, quem sabe, com fumo de rolo na boca, entre as gengivas e alguns cacos de dentes, contava para quem quisesse ouvir que Jurema era de amores, mas se amasiou com Antônio e esnobava Joaquim. Joaquim não era boa bisca. Não era flor que se cheirasse. Não era aquele sujeito que você convidasse para um café em família ao cair da tarde. Joaquim vivia pelo brejo. Andava, sorrateirava, tocaiava. Pitava um cachimbo, ria de canto de boca, pagava uma cerveja pra Antônio, falava bobagens, os dois riam, viam Joaquim se esgueirando pelo charco, falando sozinho, confabulando nas artimanhas dos mistérios, se não é minha de ninguém há de ser, e Jurema foi amolecendo o corpo. Dizem que um dia acharam Jurema sentada no canto do charco, o mesmo canto onde fora construído o meu quarto, chorando, lesada, rindo e se acabando no choro, definhando, e as lágrimas de Jurema jorrariam pelos morros, pelas paredes, pelos céus. Meu pai deixava escapar um sorriso, meus olhos esbugalhavam, e a cadeira de balanço até hoje balança na varanda daquela casa, que não existe mais.