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Patrícia Machado
Patrícia Machado Brasília/DF
O homem do saco existe sim!
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Meus pais sempre me asseveravam da existência do homem do saco. Algumas de minhas amigas diziam já tê-lo visto. Desde pequena, no entanto, eu era incrédula, nem a história do papai Noel me convencia.
O horror provocado pela história do homem do saco, contada repetidas vezes, era oportuno aos adultos. Bastava uma malcriação ou um resmungo para que a figura do homem sujo e malvado fosse invocada, como uma espécie de vingador dos pais ofendidos. Uma ameaça sutil, ou nem tão sutil assim. Mais rebelde que minhas irmãs eu chegava mesmo a desafiá-lo, tentando no fundo afrontar as ameaças paternas: “que venha, que tente me pegar”. Devo confessar, todavia, que essa valentia provinha menos da minha coragem do que do fato de eu ter sido sempre uma menina boazinha, ou pelo menos até a adolescência, o que me tirava imediatamente das possíveis presas do homem do saco: os desobedientes, os preguiçosos, os resmungões, os não estudiosos...
Uma noite meu pai ficou sem seus cigarros, estava cansado, delegou a mim e minha irmã a tarefa de ir buscá-los. Saímos queixosas noite afora, bar a dentro. Eu tinha seis anos. Embora envergonhas na presença de tantos homens bêbados e exaltados, avistamos um que nos chamou a atenção, destacava-se pelo tamanho e a natureza grotesca. Curvada, a criatura buscava no chão tocos de cigarro e nas mesas restos de bebida.
Ele era enorme, feio, braços desproporcionalmente delgados e nas costas um gigantesco saco sujo. Minha irmã me olhou e, sem que uma palavra fosse pronunciada, reconheci em seu rosto o mesmo pavor pelo qual havia sido tomada. “Ele não vai nos machucar”, pensei já tentando descobrir ao meu redor se os boêmios apesar da embriaguez também podiam notar o estranho. O que me assustou. Era como se nem o homem nem nós existíssemos, como se
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fôssemos figuras invisíveis ou viajantes do tempo presos em uma realidade paralela.
E então aconteceu. Ele nos viu, encarou-nos com seus olhos vermelhos e inumanos e começou a se aproximar. Seu passo era lento, penoso, indicando que o conteúdo do saco lhe pesava sobremaneira. Fiquei imóvel, incapaz de um movimento sequer. Tentei gritar por socorro, a voz não saia, como naqueles pesadelos que somos tomados por uma paralisia e tudo que nos resta é esperar que Morfeu nos expulse de seu mundo. E o homem com seu saco sujo de sangue e lama continuou vindo em nossa direção.
A essa altura já me dava por morta, foi quando minha irmã, puxando-me pela mão, gritou: “Corre, Renata”. A perna pesava e tendo demorado para conseguir dar o primeiro passo, tive tempo suficiente para distinguir saindo de dentro do saco o braço de uma criança. Terrificadas, chegamos em casa sem cigarros e sem palavras. Minha mãe, exasperada, perguntava incessantemente: “O que foi?”, “O que foi?”. “O-o-o-o homem do-o-o saco”, respondeu minha irmã tremelicando.