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Giulianno Liberalli

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LiteraAmigos

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Giulianno Liberalli

Nova Iguaçú/RJ

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Segundas Chances

Duas horas da manhã, Antônio subia um viaduto do centro do Rio de Janeiro para se suicidar. Meses atrás teve covid, durante a quarentena seus pais também pegaram, eram só eles três da família na cidade e quando Antônio se recuperou, eles pioraram. Chegou a levá-los para o hospital, mas foi tarde demais, a namorada o deixou durante o isolamento e os amigos tiveram medo de se aproximar devido à doença, nada mais parecia ter sentido na sua vida, mesmo seu trabalho no desenvolvimento de um aplicativo para médicos que promete ser revolucionário conseguia trazer-lhe ânimo. No alto parou em frente à mureta e olhou para baixo, ficou observando o asfalto por alguns minutos, então subiu nela decidido, encarou o céu estrelado e deu um passo rumo ao esquecimento… E foi puxado para trás. Caiu sentado no chão, olhando para cima viu a moça que havia acabado de impedir que se matasse. — Pare! Você não vai querer fazer isso! — Ela olhava para ele baixando sua máscara, sua pele era clara, os cabelos dourados, olhos azuis claros e penetrantes que o analisavam enquanto se levantava. — Moça, o que está fazendo aqui? — perguntou ajeitando a camisa na calça. — Tem ideia de como essa área é perigosa? Espera… Tem mais alguém com você?! Vão me assaltar? — Ha! Ia se matar agora a pouco e está preocupado se sou ou não uma assaltante? É sério? Não sei por qual motivo ia fazer isso, mas está errado, suicídio é um pecado.

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— Você não me conhece, não sabe pelo que estou passando e nem o que houve comigo. — Verdade, eu não sei. Então nós vamos tomar um café, pois está frio demais e aí me conta seu motivo. Como é o seu nome? — Antônio. — Sou Suzana, muito prazer. Vamos. — Decidiu acompanhar sua salvadora, ficou muito curioso com a presença dela ali, pois tinha total certeza de que estava sozinho no viaduto deserto. Sentaram em uma mesa de cafeteria e pediram duas xícaras grandes de café, por alguns minutos se olharam até ele decidir quebrar o silêncio: — O que estava fazendo lá no viaduto? — Perguntou um pouco acanhado pelo olhar dela. — Moro aqui perto, mas estou esperando a sua explicação. — Ela tomou um gole de café, pousou a xícara e apoiou o queixo nas mãos. Ele respirou fundo, suspirou e contou sua história. Quando terminou ela o olhava com empatia. — Sinto muito. A culpa não foi sua. — Ela segurou sua mão — Até as piores situações podem trazer algo de bom. Vá para casa, reflita bastante e o amanhã será melhor. Não vale a pena querer tirar sua vida. — Não sei se consigo acreditar muito nisso agora, mas vou tentar. — Ótimo, estarei orando por você. Antônio ficou um pouco mais, pensando, e foi para casa ao amanhecer lamentando ter se esquecido de pedir o telefone dela. Mesmo refletindo nas palavras de Suzana, os dias ainda passavam de forma lenta e dolorosa para ele, quase não tinha concentração para trabalhar, a tristeza e a sensação de culpa pela perda dos pais o oprimiam demais. Um dia selou todo o apartamento e abriu a válvula de gás do chuveiro, sentou na sala para aguardar a morte chegar. Passados alguns minutos começou a sentir um leve adormecimento, o gás estava trabalhando, morreria logo. De repente um barulho de vidro quebrando, logo uma bola de futebol quicava na sala diante dele, estouraram sua janela. Um pouco tonto ainda, levantou e foi até o vidro quebrado, alguns garotos olhavam da rua em sua direção. — O que estão fazendo? Quebraram minha janela! — Gritou tossindo por causa do gás. — A culpa não foi nossa! Uma mulher pegou nossa bola e jogou aí, do nada! Maluca! — um dos garotos lhe respondeu.

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Voltou para dentro, fechou o gás e tirou o vidro do chão. Desceu e foi pedir ao garoto que descrevesse a tal “mulher maluca” e era exatamente como Suzana! De volta ao apartamento acessou a internet e passou toda a noite pesquisando sobre tentativas de suicídio interrompidas de formas estranhas, leu relatos sobre seres especiais que apareciam para impedir os suicidas de acabarem com suas vidas e por aí vai, enquanto isso uma ideia doida se desenvolvia na sua mente: Como ela chegou na hora de impedi- lo nas duas vezes? O viaduto? Coincidência, talvez. Mas quebrar a janela? Não mesmo, algo mais estava acontecendo… Depois de dias lendo sobre o assunto, decidiu testar sua teoria. Amarrou uma corda ao ventilador de teto, subiu na mesinha de centro e colocou o nó de enforcar em volta do pescoço e pulou apenas para cair sentado, Suzana estava de pé ao seu lado segurando a outra extremidade da corda arrebentada. — Pode ter certeza de uma coisa, Antônio: Essa foi a última vez. Se tentar de novo, vai conseguir. — A raiva dela era clara, ele exclamou tirando a corda do pescoço: — Sabia! Aparecendo do nada para me impedir de me matar três vezes como que por mágica, você não pode ser humana! Quem é você? Qual seu interesse em mim? — Bom, agora não tenho outra escolha a não ser me revelar. Sou uma de muitas entidades que tem a missão de ajudar pessoas com tendências suicidas na Terra, falei antes que é um erro e a punição no mundo espiritual pode ser horrível, você tem um propósito e é importante que cumpra, consegui te impedir nessas três vezes e infringi regras por isso. Agora está por sua conta, estou partindo. — Me conta quem é você, isso é muito louco para a minha cabeça e preciso saber. — Está bem. Eu fui Shoshannah Beatrice e nasci em Pompéia, ano 59 D.C., vinte anos depois o vulcão Vesúvio explodiu e eu não tentei fugir. Ao invés disso matei meus filhos e me suicidei. Acordei com um anjo me explicando que teríamos conseguido escapar, ainda viveríamos muito mais, no desespero cometi esse pecado, não lutei pela vida e fui condenada a ser eterna, vagando pelo mundo com o propósito de impedir que outros interrompam seus destinos antes do tempo. — Isso é terrível, pode ter certeza de que não tentarei mais, eu quero muito viver. Quase dois mil anos que faz isso, meu Deus. Salvou centenas, não? — Sim, perdi a conta, mas você me tocou como nenhum outro, nunca dei tantas segundas chances assim e nunca revelei quem eu sou para ninguém. Fico feliz que escolheu viver, significa que consegui salvar mais um e poderei partir. Depois

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que eu passar por aquela porta você se esquecerá de mim e sua determinação de viver estará mais forte do que nunca. — Ela se virou para ir embora e ele a abraçou. — Fique. — Ele pediu, mas com um toque dela em sua testa Antônio ficou adormecido e ela partiu. Chegou ao limbo se sentindo vazia e solitária, de repente o anjo veio ao seu encontro. — Saudações, Shoshannah. Fique feliz, ele foi seu último e poderás descansar dessa missão, conseguiste seu perdão. — Finalmente... — Ela respondeu, porém um pouco triste porque realmente havia se apaixonado por Antônio. — Estou pronta para atravessar. — Espere. O Criador lhe determinou outra missão e creio que irás gostar dela, nosso amigo ainda precisará de apoio para alcançar seu futuro, é tanto destino dele como o vosso. Adeus. O anjo pôs a mão no rosto dela e tudo virou luz. Semanas depois Antônio estava na mesma cafeteria daquela noite, trabalhando no aplicativo quase concluído, quando ia tomar seu suco uma voz feminina o assustou: — Pare, não vai querer fazer isso. — Disse-lhe uma moça alta, morena e muito bonita ao seu lado. — Como? Desculpe, não fazer o quê? — Teve a nítida impressão de que aqueles olhos castanhos que o encaravam ficaram azuis por uma fração de segundo quando ela falou. — É que comprei muito café e queria dividir, aceita? Ele concordou e sentiu um deja vu agradável passar por sua mente, como se tivesse reencontrado algo perdido por muito tempo e a voz dela lhe dava uma sensação de paz. — Quer dividir a mesa junto com o café? Sou Antônio, muito prazer. — Sou Bia, e o prazer é todo meu. — Respondeu estendendo-lhe a mão.

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