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João Barros Martins

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LiteraAmigos

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João Barros Martins

Jardim Botânico III, DF

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La Petite Mort

Madrugada em São Sebastião-DF.

Saindo da Praça do Raggae, abraçados, um casal sobe a rua com destino a um prédio no bairro São Francisco.

Ela veste um vestido curto e decotado. Leva uma bolsa pequena. Calça um elegante salto alto. Seus cabelos e seus olhos são negros como azeviche. Sua pele é parda e radiante. Seus lábios vermelhos carmesim. Todos os itens do seu vestuário são pretos, como o próprio luto.

Ele veste uma camiseta branca, larga e amarrotada, bem como um jeans azul em situação similar. Está descalço. Castanhos, crespos e em tamanho inadequado, seus cabelos e sua barba estão desgrenhados. Seus olhos são pretos e tristes. Seus lábios grossos e sofridos. Sua pele é negra; sua vida é pesarosa. – Lembro-me de quando a vi pela primeira vez – ele fala, olhando fixamente para a companheira, enquanto ambos continuam a caminhada. – Você era tão velha, feia e desajeitada. Assustou-me. Pensei que você era uma bruxa, e não uma deusa. – Lembro-me desse dia – ela responde, agora apoiando o rosto no ombro do companheiro. – você era uma criança tão cheia de vida, alegria e espontaneidade. Encantou-me. Pensei que se tratava de um pequeno príncipe caindo da árvore. Não queria vê-lo sofrendo. – Mas logo percebi que, embora estranha, você não parecia querer me fazer mal. Pelo menos, não tão cedo… Sempre tão distante e silenciosa. Aprendi a ignorar a sua presença sem ignorar a sua presença. – Já eu percebi que, embora novo, você já era capaz de me notar. Isso sempre foi e sempre será estranho para mim… Você era um molequinho tão radiante. Embora muito curiosa, resolvi não me aproximar.

De repente, ambos param.

Ele começa a apalpar os bolsos da calça. Tira a carteira de cigarros e um isqueiro. Acende. Começa a fumar. – Que indelicadeza a minha –ele diz. – Aceita um também? – Não precisa pegar outro – ela responde. – Podemos dividir esse daí.

Ele tira o cigarro da própria boca e entrega a ela.

Elegantemente, ela dá uma longa tragada. Depois, sopra a fumaça em direção a lua.

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– Como você ficou tão jovem, tão bonita, tão sexy…? – ele pergunta, ao admirá-la.

Ambos voltam a andar, compartilhando o cigarro em silêncio por alguns minutos. – Lembro-me de quanto você começou a fumar – ela fala no meio da caminhada, quebrando o clima taciturno. – Foi na faculdade. Você falava e gesticulava, e todos prestavam atenção. Daí você tirava um cigarro, acendia e tragava displicentemente, como se estivesse pensando na complexidade do mundo. Ficava assim por alguns minutos. Tão intelectual! Depois, voltava a falar e a gesticular, segurando o cigarro entre os dedos indicador e médio da mão direita… – Lembro-me que você aparecia um pouquinho mais nessa época. Ficava no grupo, nas conversas, mas fazia pouquíssimas intervenções. Para mim, você já não parecia uma bruxa tão velha. Inusitadamente, você assumiu a aparência de uma velha menos velha, sem encantos, porém, estranhamente, com ares professorais.

O casal chega ao prédio.

Ele joga longe a bituca e começa a apalpar os bolsos da calça de novo. Dessa vez, tira um chaveiro. Escolhe uma chave e abre o portão menor. Estende a mão direita, apontando para o interior. –First ladies– ele fala.

Ela entra.

Ele para sob o umbral e, sem motivo aparente, começa a chorar.

– É estranho te ver assim – ela diz. – Cadê aquela sua alegria?

Ele termina de entrar e, em ato contínuo, seca o rosto com as costas das mãos, ensaiando um sorriso de canto de boca. – Esquece isso – ele fala, justificando-se. – Eu mesmo não entendi até agora o que aconteceu comigo nesses últimos meses… – Sem elevador, sem porteiro… – ela diz, olhando em volta. – Pois é, não cheguei muito longe na vida.

Ela tira os sapatos, para carregá-los com a mão direita.

Eles se abraçam e começam a subir as escadas.

Em um dos patamares, a luz está com defeito.

Acende, apaga, acende, apaga.

Eles começam a se beijar e a trocar carícias, como se não houvesse mais ninguém no prédio ou na face da Terra.

Os fluidos corporais aumentam. O tesão lateja. – Mole, quente e molhada – ela fala no momento em que encontra um espaço entre os beijos. – Ainda falta muito para o seu apartamento? – Tá quase – ele responde. –

Vem.

Ele puxa a mão dela.

Ambos sobem mais um lance de degraus e param em frente ao apartamento. – É este – ele fala, procurando uma chave no chaveiro.

Abre a porta.

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Ambos entram.

O apartamento não é pequeno, mas, certamente, a ausência de móveis consegue deixá-lo ainda maior. Ao fundo, vê-se uma cama, com um colchão sem lençol; na parte da frente, uma pia, um tanque, um fogão e uma geladeira.

O banheiro se encontra atrás de uma porta ao lado da cama.

No meio do apartamento, um vazio que poderia ser ocupado por um sofá, televisor ou outro indício de conforto (ou normalidade), mas onde alguns livros se encontram empilhados de forma desorganizada. – Minimalista – ela fala sorrindo. – Só um minutinho, porque tô apertado – ele fala, indo para o fundo. –Pode ficar à vontade – conclui, fechando-se no banheiro.

Ela fecha a porta do apartamento atrás de si. Joga os sapatos e a bolsa em um canto. Depois, senta-se na cama. Testa o colchão com sentadinhas. Sorri. Escuta o barulho da urina dele caindo na água do vaso sanitário. Em seguida, o som da descargada, o chuveiro ligando.

Ela levanta e vai em direção à geladeira.

Dentro, não há nada além de uma garrafa de vinho pela metade. – Você continua um romântico –ela fala em voz alta. – Quê? – também em tom elevado, ele pergunta do banheiro.

Ela volta para cama bebendo direto da garrafa. No caminho, nas paredes, nota as marcas de quadros recém-tirados; no chão, percebe sinais de móveis recém-levados. Senta-se na cama, bebendo o vinho em pequenos goles.

Ele sai enrolado em uma toalha branca. Senta-se na cama ao lado da companhia, encostando as costas na parede.

Ela se levanta em seguida. – Minha vez – ela diz, entregando a garrafa e, em seguida, entrando no banheiro, mas sem fechar a porta.

Suspende o vestido, abaixa a calcinha, senta no vaso e faz xixi. Fica em pé, sobe a calcinha e, rebolando, abaixa o vestido para o lugar.

Ele se excita ao ver a cena. Coloca o vinho de lado e tira a toalha.

Ela volta, sobe o vestido de novo, coloca a calcinha de lado, senta e cavalga.

Depois de alguns minutos de suor, saliva, unhas, arranhões, odores característicos, vestido jogado, calcinha rasgada, olhos virados, olhos fechados, mordidas, gemidos, suspiros, tapas, enforcamentos, cabelos puxados, abraços apertados, línguas se entrelaçando, línguas entrando, dedos entrando, vai e vem, cama batendo, colchão ensopado, carne batendo, ele explode como nunca antes havia explodido na vida.

Ela grita.

Ele olha no fundo dos olhos dela. E lá dentro, em alguma região do espaço-tempo, ele é atraído pelo

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magnetismo daqueles dois buracos negros.

Ambos estão flutuando sobre a Terra agora. Abraçados e ofegantes, contemplam o contorno dos oceanos e dos continentes. Vêm a lua. Ao longe, admiram o brilho do sol.

Ele caia.

Ela fica e sorri.

Ele cai ainda mais rápido e apaga, como um morto.

No dia seguinte, ele acorda nu no chão ao lado da cama.

Sobre o seu peito, um bilhete assinado com um beijo carmesim.

“Não tenha tanta pressa.

“Aproveite a vida um pouco mais.”

Ele é aquecido pelo calor do sol entrando pela janela.

Sente-se forte novamente.

Blog: http://joaodebarro.blog.br/

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