LiteraLivre Vl. 5 - nº 30 – Nov./Dez. de 2021
João Barros Martins Jardim Botânico III, DF
La Petite Mort Madrugada em São Sebastião-DF. Saindo da Praça do Raggae, abraçados, um casal sobe a rua com destino a um prédio no bairro São Francisco. Ela veste um vestido curto e decotado. Leva uma bolsa pequena. Calça um elegante salto alto. Seus cabelos e seus olhos são negros como azeviche. Sua pele é parda e radiante. Seus lábios vermelhos carmesim. Todos os itens do seu vestuário são pretos, como o próprio luto. Ele veste uma camiseta branca, larga e amarrotada, bem como um jeans azul em situação similar. Está descalço. Castanhos, crespos e em tamanho inadequado, seus cabelos e sua barba estão desgrenhados. Seus olhos são pretos e tristes. Seus lábios grossos e sofridos. Sua pele é negra; sua vida é pesarosa. – Lembro-me de quando a vi pela primeira vez – ele fala, olhando fixamente para a companheira, enquanto ambos continuam a caminhada. – Você era tão velha, feia e desajeitada. Assustou-me. Pensei que você era uma bruxa, e não uma deusa. – Lembro-me desse dia – ela responde, agora apoiando o rosto no ombro do companheiro. – você era uma criança tão cheia de vida, alegria e
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espontaneidade. Encantou-me. Pensei que se tratava de um pequeno príncipe caindo da árvore. Não queria vê-lo sofrendo. – Mas logo percebi que, embora estranha, você não parecia querer me fazer mal. Pelo menos, não tão cedo… Sempre tão distante e silenciosa. Aprendi a ignorar a sua presença sem ignorar a sua presença. – Já eu percebi que, embora novo, você já era capaz de me notar. Isso sempre foi e sempre será estranho para mim… Você era um molequinho tão radiante. Embora muito curiosa, resolvi não me aproximar. De repente, ambos param. Ele começa a apalpar os bolsos da calça. Tira a carteira de cigarros e um isqueiro. Acende. Começa a fumar. – Que indelicadeza a minha – ele diz. – Aceita um também? – Não precisa pegar outro – ela responde. – Podemos dividir esse daí. Ele tira o cigarro da própria boca e entrega a ela. Elegantemente, ela dá uma longa tragada. Depois, sopra a fumaça em direção a lua.