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Maria Pia Monda

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LiteraAmigos

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Maria Pia Monda

Belo Horizonte/MG

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31 de novembro

De vez em quando, a cor de um carro perfura a fixidez monocromática da desatenção, atrás da qual ela está entrincheirada; portanto, seu olhar gruda na placa e segue o rastro, até aquele carro se confundir com outros carros, até o ponto em que todos os carros, juntos, se tornam uma fila indistinta de metal brilhante e multicolorido, que se move com a cadência variável marcada pelos semáforos. É a única forma de distração em que ela consegue se segurar para escapar de seu encolhimento. Acredita, espera, que seja suficiente, quando consegue se concentrar, empurrar seu olhar o mais longe possível, para que, talvez, também sua angústia possa se afastar. Um homem, há alguns minutos (ou já se passaram algumas horas?), perguntoulhe se o 5104 passava por aí. Devia ter se sentido realmente perdido para perguntar para alguém que não mostrava nenhuma vontade de responder. De fato, ela não respondeu. Fingiu ser surda, cega. Não que isso lhe custe tanto esforço. Mesmo que seus olhos e ouvidos não tenham problemas, às vezes ela tem a sensação de que eles não funcionam, de que são inúteis. Como agora. Ela simplesmente encara, atordoada, o tráfego. Muitos ônibus passaram, mas ela não pegou ninguém.O que para outros é um ponto de partida, para ela não é nem mesmo um ponto de chegada. É um anteparo, um refúgio temporário e barulhento, um lugar onde ela decidiu parar, não por uma escolha precisa, mas apenas por exaustão. Ela viu aquele banco de longe, o alcançou e sentou-se. E agora lá está ela, sentada, imóvel, naquele abrigo suburbano, meditando sobre quanto tempo ainda vai demorar para que o banco pare de lhe parecer tão frio. Provavelmente, é ela quem não emite, nem admite calor nenhum. Imagina-se e percebe-se como um complemento urbano, uma estátua, mas sem graça, perfeitamente anônima, daquelas tão insignificantes que, mesmo que você passe por ela diariamente, várias vezes por dia, nunca consegue notá-la. E não importa quem a fez, o que ela representa, por que a colocaram lá. Ninguém quer saber, ninguém se pergunta. Afinal, nem tudo necessariamente tem um sentido, um

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significado, uma importância. E pode ser que seja esse o problema dela. Amplificar o valor dos detalhes; sofrer pela incapacidade de explicar tudo; sentir-se inepta em buscar, sem poder encontrar, a razão pela qual o nada e o tudo, tão desesperadamente diferentes, existem, subsistem e persistem apesar de seus esforços para negá-los. Que motivo ela tem, por exemplo, para estar ali, nesse dia, nessa hora, fazendo e não fazendo nada que aparentemente tenha um propósito? Outras pessoas passam na frente dela. Ela as sente, mas mal se deixa tocar pela indiferença, às vezes pela curiosidade, em geral, pelo frio que lhe transmitem. Outras pessoas param para pedir-lhe informações que, no entanto, ela não sabe dar. Na verdade, ela tem certeza de que, mesmo se tivesse as respostas, não as daria. Não por maldade, mas por egoísmo. O que ela possui lhe parece ser tão pouco que, mesmo que não prestasse para nada, mesmo que fosse apenas uma resposta, ela não gostaria de se privar. Então, ela fica calada e respira. Faz somente isso. Inala, exala, se rende, se força. Até que um garoto tem a audácia de sentar-se ao lado dela e perguntar- Você também está esperando pelo 3111? Não. Ela está esperando apenas por si mesma. Espera há tanto tempo que, mesmo que nunca tivesse a força ou a coragem para encontrar-se, ficaria contente com o mero prazer de esperar-se. E não importa se, na maioria das vezes, não é um prazer, mas apenas uma tortura. O que importa é que ela nunca se canse de esperar. Obviamente, ela não diz nada disso ao garoto. Deixa esses pensamentos florescerem e murcharem no silêncio de sua mente. Mas ele pergunta novamente. — Você também está esperando pelo trinta e um onze? E desta vez, algo consegue arranhar a parede de sua indiferença. O número ecoa dentro dela, gerando uma associação bizarra, um raciocínio precário, mas que pode lhe oferecer uma possibilidade de agarramento. 3111. Como o 31/11, como o trinta e um de novembro. Como uma data inexistente, um dia absurdo que, se chegasse a chegar, poderia ser o dia em que ela conseguiria se encontrar. No entanto, o garoto, impaciente com a indolência dela, levanta-se e murmura— Esqueça... Aí vem ele. Depois, ele se aproxima da beira da calçada e faz sinal para o ônibus parar. Ela continua sentada, não se mexe, não diz nada, mas um sorriso leve agora agita seus lábios. Todos esperam por algo. Todos precisam esperar. Alguns por um ônibus, outros por coisas mais difíceis e, às vezes, impossíveis de alcançar.

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