LiteraLivre Vl. 5 - nº 30 – Nov./Dez. de 2021
Maria Pia Monda Belo Horizonte/MG
31 de novembro De vez em quando, a cor de um carro perfura a fixidez monocromática da desatenção, atrás da qual ela está entrincheirada; portanto, seu olhar gruda na placa e segue o rastro, até aquele carro se confundir com outros carros, até o ponto em que todos os carros, juntos, se tornam uma fila indistinta de metal brilhante e multicolorido, que se move com a cadência variável marcada pelos semáforos. É a única forma de distração em que ela consegue se segurar para escapar de seu encolhimento. Acredita, espera, que seja suficiente, quando consegue se concentrar, empurrar seu olhar o mais longe possível, para que, talvez, também sua angústia possa se afastar. Um homem, há alguns minutos (ou já se passaram algumas horas?), perguntoulhe se o 5104 passava por aí. Devia ter se sentido realmente perdido para perguntar para alguém que não mostrava nenhuma vontade de responder. De fato, ela não respondeu. Fingiu ser surda, cega. Não que isso lhe custe tanto esforço. Mesmo que seus olhos e ouvidos não tenham problemas, às vezes ela tem a sensação de que eles não funcionam, de que são inúteis.
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Como agora. Ela simplesmente encara, atordoada, o tráfego. Muitos ônibus passaram, mas ela não pegou ninguém.O que para outros é um ponto de partida, para ela não é nem mesmo um ponto de chegada. É um anteparo, um refúgio temporário e barulhento, um lugar onde ela decidiu parar, não por uma escolha precisa, mas apenas por exaustão. Ela viu aquele banco de longe, o alcançou e sentou-se. E agora lá está ela, sentada, imóvel, naquele abrigo suburbano, meditando sobre quanto tempo ainda vai demorar para que o banco pare de lhe parecer tão frio. Provavelmente, é ela quem não emite, nem admite calor nenhum. Imagina-se e percebe-se como um complemento urbano, uma estátua, mas sem graça, perfeitamente anônima, daquelas tão insignificantes que, mesmo que você passe por ela diariamente, várias vezes por dia, nunca consegue notá-la. E não importa quem a fez, o que ela representa, por que a colocaram lá. Ninguém quer saber, ninguém se pergunta. Afinal, nem tudo necessariamente tem um sentido, um