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Teresa Azevedo
Teresa Azevedo
Campinas/SP
Decorando sonhos
Quando voltava à pé da visita que fiz a uma amiga, me deparei com uma casa semidemolida onde não havia muro ou portões, a parede frontal e o telhado dos dois primeiros cômodos já não existiam e as paredes restantes estavam parcialmente sem reboco nem chapisco. O interessante era que, o que restou de reboco e chapisco formava uma bela curva disforme, parecendo ter sido feita com a precisão de uma curva francesa, ressaltando os velhos tijolos à vista. Fiquei parada olhando e imaginando quem teria morado ali, as histórias de amor vividas e muito mais. Como podem perceber sou uma romântica incorrigível, que pode sentir saudades até de pseudo-lembranças alheias a ponto de tentar revivêlas de forma mágica... Decidi decorá-la imageticamente. Comecei por limpar e envernizar os velhos tijolos, depois dei uma demão de tinta marfim marmorizada no restante da parede fazendo um contraponto entre o rústico e o sofisticado. Pendurei na parede pintada um grande retrato de uma bela mulher lendo um livro sentada em uma linda chaise longue em cerejeira envernizada requintadamente trabalhada com fios dourados, estofamento, encosto e braço em veludo pérola, sobre ela um rolinho do mesmo tecido com um pingente tipo franja pérola na lateral, ao lado uma luminária de chão com pés em cerejeira também trabalhada como os da chaise, no canto da parede um grande vaso de palmeira Areca, no chão um lindo tapete felpudo pérola e em um dos cantos na transversal um belo piano de caudas. Sobre ele um maravilhoso vitral a iluminar o ambiente e, em frente, duas poltronas estofadas de veludo pérola e pés trabalhados do mesmo estilo da chaise. Atravessando o arco com acabamento em gesso trabalhado chegava-se no outro cômodo, e em um dos lados dessa parede, três arandelas suspensas em formato de lampião, embaixo delas um pequeno gaveteiro de madeira com pintura bauernmalerei e do outro, uma
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cristaleira antiga em pátina verde escuro repleta de copos de cristais e porcelanas antigos. Na parede em frente a grande porta de vidro fumê, também em formato de arco que dava para o jardim da casa, em um dos lados da porta, um cinematógrafo e do outro uma máquina de música de bar, o chão com um assoalho de madeira de demolição, um enorme tapete persa redondo e sobre ele uma grande mesa de centro redonda, de pátina verde escuro com muitos ingressos de shows, cinema, selos e moedas antigas sob o tampo de vidro, em um dos lados um grande sofá vintage em chenile verde escuro, com pés laqueados de vermelho queimado, sobre ele uma tapeçaria antiga e do outro lado duas poltronas, entre elas um aparador de vidro com pés de ferro dourado e um grande espelho com moldura trabalhada de ferro dourado e no teto um ventilador daqueles dos velhos filmes de ação. E então, com toda decoração feita, pude contemplar a casa em uma noite festiva. Um homem jovem e esguio vestindo um smoking preto e a mulher com um bonito vestido longo, bem acinturado, era a mulher do grande quadro da sala ao lado, essa porém, não lia um livro, mas dançava com o cavalheiro. Ao piano uma bela jovem tocava alegremente para o casal, provavelmente a filha, nas poltronas duas mulheres mais velhas conversavam animadamente e dois senhores fumavam cachimbo, enquanto conversavam e bebiam um brandy em um canto da sala.
Em uma viagem arquitetônica bem exótica, aconchegante e aprazível, desejei estar ali com eles, ouvindo a música penetrando a alma, quando um guindaste destruiu tudo, era alguém me batendo no ombro. Virei-me e um senhor me perguntou: — A senhora conhece um barzinho com o nome de Sonhos da Saudade?
Fixei os olhos nele um tanto chateada por ter me trazido à realidade tão intempestivamente e disse: — Não existe mais, não está vendo? Foi demolido...
teresaazevedo.projetos@gmail.com