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Pedro de Barros

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LiteraAmigos

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Pedro de Barros

São Paulo/SP

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Que pena de Dona Cora

O que vou contar é verdade.

Ou melhor, é verdade que me contaram isso. Não inventei, mas não posso garantir que alguém não inventou.

Talvez tenha sido real. Talvez tenha sido um sonho.

Deixemos também presente a hipótese de ter sido um daqueles lampejos que vislumbramos na fase intermediária entre estar acordado e adormecer.

De qualquer modo, nosso evento se dá numa casa antiga da rua Joaquim José.

É uma pequena habitação, térrea e com poucos cômodos. Chama a atenção a imagem de Nossa Senhora posicionada em uma cavidade bem acima da porta de entrada.

O grande quintal dá a impressão de ter abrigado um pomar em outros tempos.

Os tempos de Dona Cora.

Cora Ribeiro de Melo era seu nome. Ou apenas Cora Ribeiro, quando solteira.

Era uma bela figura. Pequena, esbelta, de pele clara, olhos e cabelos castanhos e lisos, pouco abaixo dos ombros, os quais penteava com dedicação.

Pouco posso dizer sobre sua juventude. Apenas que havia sido criada para se casar, o que era normal naqueles tempos.

E de fato se casou muito jovem, como era costume. Seu marido, Celestino, era leiteiro, profissão que já não existe.

Logo após o matrimônio, Dona Cora se emprenhou (como se dizia), e depois engravidou de novo, e de novo. E assim sucessivamente.

Pena que sempre perdia os bebês.

Não sei dizer se era algum problema em seu aparelho

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reprodutivo. Afinal, ela nunca consultou um ginecologista na vida.

Os anos foram passando e passando. Ela já se aproximava dos quarenta quando finalmente deu a luz a um menino, o qual batizou de Domingos.

Segundo lhe disse o padre, aquele nome significava, literalmente, “do Senhor”.

A futura mãe sonhava em ver a imagem do filho deitado sobre o peito do pai. Como naquelas fotografias que jovens casais costumam tirar e que ela havia visto na “Revista Feminina”.

Pena que Dominguinhos nasceu sem

pai.

Cora já estava em trabalho de parto quando chegou a notícia.

Uma graúna entrou voando desastrosamente pela janela, sobrevoando seu leito, assustando a parteira e, então, deixando o quarto em seguida. Pouco após uma vizinha veio avisar.

A carroça de Celestino colidira com um automóvel. Talvez um dos primeiros acidentes de carro do Brasil.

O leiteiro morreu na hora. Seu cavalo sobreviveu, mas precisou ser sacrificado.

Qual será a sensação de, simultaneamente, experimentar a alegria de um nascimento junto com a tristeza de uma morte?

Talvez ela passasse por tal mistura de emoções quando abraçava o filho a noite enquanto a criança dormia.

O fato é que Dona Cora precisou começar a trabalhar para poder alimentar o menino. Empregou-se na padaria local.

Os anos foram passando e passando. Dominguinhos crescia belo e corado. Tinha cabelos claros e encaracolados. Mais parecia um anjo.

Pena que sua beleza levou a sua morte.

Não vou dizer como uma coisa levou a outra. É muito triste e eu não gostaria de magoar Dona Cora.

Afinal, dizem que os mortos escutam quando falamos deles.

Acredito que neste instante ela esteja ouvindo enquanto você lê sobre ela.

Vamos dizer apenas que o Senhor levou o que era dele.

Ela estava amassando pão quando chegou a notícia.

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Aquele mesmo tipo de pássaro preto adentrou a padaria, passou bem diante de seu rosto e, então, abandonou o local.

Desta vez foi um inspetor da Guarda Civil que veio avisar.

Dominguinhos foi sepultado junto do

pai.

Pena que Dona Cora não se juntou aos seus quando morreu.

Foi poucos anos depois, quando a tristeza levou.

Por tristeza entenda-se um câncer. Dizem que o estado depressivo favorece a divisão descontrolada de células, levando a destruição dos tecidos humanos.

O padre pensou que os grandes melanomas em seu corpo eram marcas de hanseníase, a famosa lepra. Na época, não haviam tantos médicos e competia aos clérigos atestar as causas das mortes.

Então mandou cremar seu corpo, para evitar que a doença infecciosa se alastrasse.

Deve ser por isso que Dona Cora não descansou e está sempre procurando seu marido e seu filho.

É apenas uma alma carente e confusa, que não deixou aquela casa.

Me disseram que ela foi vista observando um menino dormindo junto ao avô. Deveria estar se lembrando da cena que ela tanto desejou ver.

Há também um relato do abraço gelado que ela oferece aos que dormem onde ficava a cama de Dominguinhos. É apenas amor materno.

Que pena.

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