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Ricardo Ryo Goto
Ricardo Ryo Goto
São Paulo/SP
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Elementar, Meu Caro Watson
“Senhor, dai ao culpado o arrependimento” – Prece de Cáritas “Quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra”-João, 8-7
Após cometer o primeiro homicídio da história humana, Deus perguntou a Caim: “Onde está teu irmão ?” ao que Caim retrucou :”Não sei. Acaso sou eu protetor do meu irmão ?” Então o Senhor exclamou: “Que fizeste ? Ouve ! Da terra o sangue do teu irmão clama a mim. Portanto, agora és mais amaldiçoado que a terra que abriu a boca para tragar, de tuas mãos, o sangue de teu irmão”.
Eis aí um processo penal completo: uma vítima, um algoz, um juiz. Um motivo, um meio, uma ocasião para perpetrar o crime. Uma denúncia, uma acusação, um julgamento, uma condenação. Sem nenhuma chance de defesa, afinal o réu era confesso, a prova do crime era inconteste e não havia nenhum álibi. E acima de tudo o juiz era Deus, o Todo-Poderoso.
De todos os crimes ocorridos na face da Terra, desde então, parece que os homicídios são os que mais engrossam a lista dos não resolvidos. Por que ?
Em maio de 1976, em Goiânia, num processo judicial, o juiz acatou o depoimento de um morto e absolveu o acusado. O pretenso homicida, em casa da vítima, havia manipulado uma arma de fogo que disparou acidentalmente, matando seu amigo. Em 27 de maio daquele ano, o médium Chico Xavier recebera a mensagem da vítima inocentando seu amigo. O juiz acolheu a carta como prova pois o laudo grafotécnico atestou que a assinatura do falecido era igual à que tinha quando em vida. Da mesma forma que este falecido intercedeu para inocentar o amigo, por que as vítimas não nos enviam mensagens indicando os detalhes de seu assassinato, apontando o responsável ? Teríamos uma economia de recursos e de tempo, uma justiça mais ágil, abreviando o sofrimento dos que ficaram. Quando Santo Antônio estava em Pádua (Itália), interrompeu uma pregação para, sob efeito de bicorporeidade, se deslocar até Lisboa (Portugal) a fim de impedir a execução de seu pai acusado injustamente de um crime. -Meu pai não é assassino, não matou este que está sepultado.
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Os presentes pediram provas. O Santo aproximou-se do túmulo e perguntou: -Homem, em nome de Deus, peço que digas que não foi meu pai o teu assassino.
O cadáver levantou-se do túmulo e disse em alto e bom som: -Esse homem não é meu assassino, ele não me matou.
E retornando ao túmulo, as autoridades pediram a Santo Antônio que lhe perguntasse quem era o assassino. -Não o farei, minha missão é absolver e não condenar.
Quem teve a oportunidade de acompanhar alguns capítulos de uma série de TV chamada “Padre Brown” (personagem criado pelo escritor G.K. Chesterton) deve ter percebido que este incomum sacerdote, com uma irresistível queda para a investigação criminal, tinha por método provar que o inocente era inocente pela confissão de culpa do verdadeiro criminoso.
Ou seja, após minuciosa análise do caso, confrontava o culpado com todas as evidências colhidas, fazendo com que este reconhecesse a autoria do crime e a necessidade de se entregar à justiça para evitar a condenação de um inocente e para salvar sua própria alma da perdição eterna.
Como no caso de Santo Antônio, padre Brown não deseja a condenação, e sim a absolvição física do inocente de ser castigado pelo que não fez e a absolvição espiritual do culpado pela confissão do que fez. Porque, pela confissão e arrependimento, o culpado se redime e pode ser perdoado por Deus, o que é mais importante do que ser inocentado pelos seus pares.
Quando Jesus passou por aqui a nos ensinar maneiras de bem viver, disse: “misericórdia quero e não sacrifício”.
Estaria se referindo ao fato que de, como seres imperfeitos, somos suscetíveis a erros e portanto devemos reconhecê-los (confessálos) em nós e ao mesmo tempo perdoá-los nos outros (não condenar) ? E que, para tanto, “não deveríamos Julgar para não sermos julgados” ?
O Deus que acusou, julgou e condenou Caim era a antropomorfização de um homem primitivo, cheio de medo, rancor, violento e movido basicamente por instintos animais.
O do Cristo é a metáfora do homem compassivo e piedoso, cujo Deus espera de nós, espíritos em evolução, alcançar luz suficiente para não fazer ao próximo nada do que não desejamos a nós mesmos.
Talvez por isso seja tão incomum que os mortos se levantem de suas tumbas para denunciar seus assassinos.
Esperam que estes se sintam suficientemente arrependidos para assumir suas culpas, enquanto aqueles procuram em si a necessária misericórdia para perdoá-los.