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João Vitor Tóffoli

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Rosangela Maluf

Rosangela Maluf

João Vitor Tóffoli Vacaria/RS Minha Última Chamada Para O Paraísoe

Recentemente pude abraçar minhas dores junto das minhas mais diversas formas de agonia. Era noite e eu aguardava em uma sala branca, não havia cortinas negras, porém, estava próximo a uma estação de trem. Tantas as pessoas sentadas em suas cadeiras, tossindo e com os seus olhares perdidos, enquanto eu, decidi me acomodar ao chão e apoiar as minhas costas na parede para ver se a dor poderia passar, mas, estava apenas piorando e eu continuava pensando.

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Reconheço que o atendimento daquele local iria demorar, mas naqueles instantes pude perceber minha vida se esvaindo conforme as inúmeras possibilidades de desfrutar da vida, agora não passam de chances extintas. Sinto tristeza, sinto pena, mas não me arrependo de nada do que fizera outrora, tudo que amei, amei tão loucamente sozinho que desconheço se fora eu ou o destino, afinal, qual de nós que podem realmente ver as cordas?

Após uma longa demora e de tantas vezes ouvir aquela voz robótica citando cada nome dos que aguardavam, chegara a minha vez, mas é até engraçado, perante tantos nomes quase que esqueço o meu, mas o que importa? Terá relevância quem o cravar em uma sepultura. Obtenho notícias das quais já temia, mas não me surpreendo com o resto que será de mim conforme os dias. Eu estou doente e o meu grau de comorbidade é instável e não há grandes chances de cura. Devo beber bastante líquido, tomar remédio e além de isso, me isolar. Esta última parte se tornou rotineira e, portanto, não impactará em grandes diferenças.

Compro as medicações e retorno para a minha moradia e lá, eu vagarosamente contemplo cada canto de minha casa, vou tragando de minha nostalgia, mas um em específico no qual eu fico estagnado, minha coleção de livros e quadrinhos, praticamente uma parede cheia do que compõe parte de minha vida e do que supriu um vazio existencial de dias passados. Jamais tive bons momentos com os meus amigos, assim como nunca estabeleci laços, pois, devido a minha condição, desconfio de qualquer ação das pessoas.

Posso parar e refletir sobre tudo o que perder ou até mesmo aquilo que não pude viver, mas do modo que apreciei, tudo fora da maneira que eu quis e caso houvesse uma

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segunda chance, faria tudo exatamente da mesma maneira. Estive só desde o princípio e próximo ao fim, me contam que devo ficar sozinho, para mim, parece até uma piada de um dia ruim, mas é só uma situação, o modo que melhor encontrei para navegar no abismo e que fora desvendar a solidão quando, na verdade errei a palavra e esta em si era, solitude.

Minhas costas doem incessantemente, me sinto fraco, a tosse não cessa e a minha garganta está inchada, ainda que eu tome os meus medicamentos, eles aliviam apenas por um breve período e após isso, os enfermos voltam. Estou há alguns dias sem dormir e a ansiedade está cada vez mais constante. Não conto mais quanto tempo me resta, apenas aguardo e procuro manter minhas atividades rotineiras, limpar a casa, ler, ouvir música, porém, não tenho a agilidade de antes e às vezes preciso tenho de parar devido ao ataque de tosse, não almejo que essa dor pare, que continue, para somente assim descrever a sensação do que um dia eu julguei como mera ilusão.

Toda a minha jornada, me dediquei a literatura, procurei nos livros o que em nenhum momento eu pude encontrar em um ser humano, originalidade. Talvez nem eu tenha isso por eu ser uma junção de diversas obras que inundam o meu coração.

Ao final, muitos mudam, alguns se arrependem, eu não farei nenhum e nem tão pouco o outro, fiz o que fiz, deixei o que deixei e morrerei sozinho da mesma maneira que enganei.

Minha última chamada ao paraíso será aquela da qual abdico das emoções e sensações ao tentar desconstruí-las. Enquanto isso, hei de habitar o inferno quando vou dedicar diversas horas ao tentar desmistificar as obras literárias, sem ao menos ter de trocar as palavras com os demônios para de tal modo, dizer que talvez um dia eu já fora um anjo.

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