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Saulo Barreto Lima

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Rosângela Martins

Rosângela Martins

Saulo Barreto Lima São Luís/MA

À Deriva

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“Não se faz um bom nadador dentro de um barco.”

Imagine uma embarcação qualquer, que comporta um número considerável de pessoas se deslocando de um ponto a outro, notadamente, de uma terra firme a outra. E aqui, sugiro que pensemos numa travessia de um trecho do mar ou de um rio, levando em consideração que essa distância seja ampla, se comparada a capacidade física de uma pessoa mediana. Idealize, igualmente, que no meio dessa embarcação – como disse, absurdamente comum como qualquer outra, com pessoas viajando, apensadas as suas bagagens e normalmente ansiosas por chegarem aos seus respectivos destinos – um sujeito qualquer decide pular na água. Isso mesmo, repito: numa referida embarcação com pessoas viajando de um lugar para outro, um desses tripulantes abandona a nau, decidindo se apartar de seus semelhantes, pulando no mar ou num imenso rio, como queiram. A primeira vista, não havia nenhum motivo plausível para que o mesmo tomasse essa atitude, nem por parte dos passageiros, nem muito menos por conta das condições do barco. Uns conversavam, se distraíam com algum dispositivo eletrônico, já outros dormiam... Ninguém o havia distratado, nem muito menos ofertado um mínimo de incentivo para o que mesmo fizesse aquilo. Como ficara quieto e calado a viagem toda, assim permaneceu, até que saltasse barco afora. Aliás, não haveria, nem necessitaria justificar o seu ato a ninguém dali. Ele não conhecia ninguém, nem ninguém o conhecia. Ressalte-se, também, que o sujeito, tenha pulado somente com a roupa do corpo, sem nenhum auxílio de nenhuma boia ou colete de salva vidas, que, diga-se de passagem, o barco possuía em abundância. Relevante afirmar, também, que não se tratava de um suicida, esquizofrênico, louco ou qualquer outra tipologia clínica patológica fora dos padrões psicológicos toleráveis socialmente. Um ou outro passageiro olhou o mesmo pulando. Uns, deram com os ombros, retornaram para os seus respectivos aposentos e seguiram suas viagens normalmente, como se nada tivessem visto. Não se chocaram, nem se alegraram com aquilo. No máximo, como reflexão pessoal - face ao fato presenciado extrairiam somente de que não teriam coragem de fazer o mesmo.

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Outros, para desencargo de consciência, dever cívico e obrigação humanitária trataram de informar ao capitão o inesperado ocorrido. Depois de tomar ciência do infortúnio, o capitão, em uma rápida conversa entre aqueles que haviam lhe informado o fato, decidiram que nada poderiam fazer, e que os mesmos seguiriam suas viagens, normalmente. Afinal era uma embarcação movida a motor, parar a mesma para tentar resgatá-lo ou até mesmo saber o porquê que ele tomou essa atitude, estava fora de cogitação. Para o capitão gatariam muito tempo, além de muito combustível. Para os passageiros, muitos iriam se atrasar nos seus compromissos. E para ambos, a possível volta poderia incorrer no risco da vazante da maré encalhar o barco próximo já do cais de destino. Isso acontecendo, correriam o risco de passar a noite toda pedindo resgate, e aí não seria somente um sujeito que necessitaria de socorro, mas dezenas deles. Enfim, ponderaram tanto o capitão como alguns passageiros, que não valia a pena voltar para saber o que houve, afinal tinha pulado, por decisão consciente do próprio, e assim sendo, assumiria qualquer risco. Se fosse uma criança ou um cego, aí sim suas atitudes poderiam até se dá de forma diferente. Pois bem, o sujeito pulou, caiu na água, submergiu, molhou-se, voltou à superfície para respirar e num primeiro momento, avistou o barco ao qual viajava seguindo seu curso natural. Com forte e potente motor, seu deslocamento geravam contundentes marolas, fazendo que seu corpo bailasse de acordo com o sobe e desce do mar. O barco se distancia, e ele percebe que alguns passageiros vão para o fundo do navio para lhe observar somente, nada mais que isso. A embarcação vai ficando longe, cada vez mais até que some no horizonte, cessando também aquelas ondas formuladas por seu deslocamento. O sujeito era jovem e sabia nadar. Por um momento, “boiando” pensa consigo e vê que sua realidade havia mudado drasticamente. Em poucos minutos estava viajando num lugar confortável, acompanhado por inúmeras pessoas com quem podia interagir, com vistas a alcançar qualquer intento que pudesse imaginar; mas agora estava à deriva, sem nada nem ninguém que pudesse ajudá-lo. Sem falar que se estivesse no tal barco, chegaria bem mais rápido ao seu destino. Olha de um lado para o outro, para o norte, sul, leste e oeste; abaixo, vê um mar turvo, acima, o sol escaldante; à noite, notadamente, se depararia com a lua, e mesmo assim aos horizontes, somente veria os limites delgados que separam o céu e o mar. Terra? Não havia expectativa nenhuma para vê-la, ou melhor, saberia que teria de se esforçar muito caso algum dia, quisesse admirá-la ou até mesmo pisá-la. Enfim, se situando e cônscio de sua nova realidade, o mesmo se põe a nadar. E segue nadando, nadando e nadando. Sua vida, a partir daquele ato consciente

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voluntário, se resumiu somente a isso, nadar. Afinal, o que mais poderia fazer naquela situação senão fosse nadar. No barco, certamente se prestaria a realizar milhares de outras coisas, não muito diferente daquilo do que os outros na sua mesma condição também o fariam. Seu destino se apresentava coercitivamente agora com um único norte. Ele sabia que tinha de nadar, pois caso parasse, consoante às leis da física, afundaria. Aquilo que parecia ser seu carma virou seu vício, sua única fonte de prazer tornando sua vida, resumida a uma única prática, qual seja: nadar. Enquanto experimentava o sabor amargo, mas prazeroso de sua saga individual, os outros tripulantes haviam chegado à terra firme, aparentemente em vantagem por terem chegado primeiro. Mas, ele mesmo presumindo isso, não sente nenhum resquício de arrependimento, ainda assim mesmo “atrasado”, preferiria mil vezes nadar. Aliás, minto, havia arrependimento sim, de não ter se lançado mais cedo do barco ou até mesmo de ter se eximido de embarcar nele. Naquele momento já não mais pensava nos fins, mas sim nos meios. Chegar ao destino não mais lhe importava, mas sim o que teria de fazer para lograr a esse intento. Na sua mente, levando em consideração também, que logo chegaria a um destino qualquer e que logo em seguida, se poria a buscar outro; e que esse outro, por sua vez, se daria através de seu nadar, ele assim continuava, somente a nadar e nadar. O fim era o seu meio, mas mesmo assim, apesar de todo seu esforço, não havia certeza se esse meio o levaria a um determinado fim. A única certeza era de que esse meio - que o mesmo julgara ser sua salvação - o levaria a um determinado “fim”, digo; não ao fim desejado, mas o fim que redundaria na sua extinção.

Escrito na madrugada de insônia do dia 02 de setembro de 2015

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