"Melhores do Ano da Revista LiteraLivre"

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Volume 2– Edição Especial “Os Melhores A Revista LiteraLivre foi criada para unir escritores de Língua Portuguesa, publicados do Ano” – ISSN 2595-363X ou não, de todos os lugares do mundo. Jacareí – SP - Brasil Toda a participação na revista é gratuita, com publicação em PDF e distribuição onExpediente: line. Publicação: Bimestral Idioma: Português Distribuição: Gratuita online em pdf Conselho Editorial: Ana Rosenrot, Julio Cesar Martins e Alefy Santana

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É com muita alegria que trago, aos leitores e autores, a edição “Os Melhores do Ano da Revista LiteraLivre”. Novamente contamos com a importante ajuda de leitores Beta(que agradeço muito), ouvimos a opinião dos leitores(durante todo o ano) e finalmente, não sem muita dificuldade, foram escolhidos 6 textos de cada edição de 2018, para compor esta revista mais que especial. Quero agradecer a todos os participantes de 2018, que fizeram a revista acontecer

e

parabenizar

aos

ganhadores,

selecionados

pelo

juri

mais

importante: os leitores! Lembrando que, no próximo mês (janeiro), teremos nossa edição de 2º aniversário e as inscrições para a edição 14 (Mar./Abr.), estão abertas até 05 de fevereiro. Teremos muita Literatura com Liberdade em 2019. Desejo aos amigos da LiteraLivre Boas Festas e um Ano Novo com muitas letras e alegrias!! Muito obrigada por estarem conosco!! Vamos mudar o mundo através das palavras!!


Neste Número: 7ª Edição:..............................................................................................................................................4 Jan./Fev. - 2018................................................................................................................................4 (Sem) Partido........................................................................................................................................5 Amor Primeira À Vista.........................................................................................................................6 Banho de Açude....................................................................................................................................7 O Velho, a Moça e o Bar.....................................................................................................................12 Madame Satã......................................................................................................................................15 Uma Canção Para os Poetas...............................................................................................................16 8ª Edição:............................................................................................................................................18 Mar./Abr. - 2018.............................................................................................................................18 Ao Escrever teu Nome em um Rochedo............................................................................................19 Assombração......................................................................................................................................20 Como eu me sinto?.............................................................................................................................21 Preciso de um poema..........................................................................................................................22 Quase Nada Tem Tudo.......................................................................................................................23 Prematuro...........................................................................................................................................24 9ª Edição:............................................................................................................................................26 Mai/Jun – 2018..............................................................................................................................26 A Palavra Lavra..................................................................................................................................27 Cerca Elétrica.....................................................................................................................................29 Feminicídio.........................................................................................................................................31 Hora Final...........................................................................................................................................32 Íntegra Existência...............................................................................................................................33 Uma Trova Pela Paz...........................................................................................................................34 10ª Edição:..........................................................................................................................................35 Jul/Ago – 2018...............................................................................................................................35 a PRIMEIRA vez................................................................................................................................36 Ampulheta..........................................................................................................................................37 Bordadeiras.........................................................................................................................................38 Inominável do Além...........................................................................................................................39 O Depoimento de um Assassino.........................................................................................................44 Orgasmos Cerebrais............................................................................................................................46 11ª Edição:..........................................................................................................................................47 Set/Out – 2018...............................................................................................................................47 As Noites de Janeiro...........................................................................................................................48 Ela.......................................................................................................................................................49 Elos.....................................................................................................................................................50 Hora Morta.........................................................................................................................................52 Os Pés De Djamila..............................................................................................................................54 Tatuando.............................................................................................................................................57 12ª Edição:..........................................................................................................................................58 Nov/Dez – 2018.............................................................................................................................58 A Convidada Italiana..........................................................................................................................59 A Dona Pomba....................................................................................................................................61 Compro Ouro......................................................................................................................................62 Mais uma prece...................................................................................................................................66 Requiem Aeternam.............................................................................................................................67 Salvando as Borboletas.......................................................................................................................69 Chamada para a Coletânea: Quando a alma brada por socorro..........................................................71 Cinema e Cult – venha se apaixonar pela sétima arte!!......................................................................72


7ª Edição: Jan./Fev. - 2018 (Sem) Partido - Vivi Lazarini - Rio de Janeiro/RJ Amor Primeira À Vista - David Leite – Jandira/SP Banho de Açude - Regina Ruth Rincon Caires - Araçatuba/SP Madame Satã -Edson Amaro - São Gonçalo/RJ O Velho, a Moça e o Bar - JAX* Uma Canção Para os Poetas - Jessyca Santiago - Belford Roxo/RJ


LiteraLivre Edição Especial nº 2

(Sem) Partido Vivi Lazarini Rio de Janeiro/RJ Se meu partido é o coração partido, Não poderei dizer-me sem partido Uma vez que meu coração, embora partido, Tomou partido daquilo que embasa o que penso. Se minha escola é sem partido, Como humanizar ideologicamente As ações que tomam partido Do humano que há na gente? Partido Partido Partido Partido

pode pode pode pode

ser ser ser ser

quebrado corrompido idealizado discutido

O que não se pode confundir É sem partido ser sem ideologia Isso vem da imbecilidade Daquele que vive na hipocrisia. Também não confunda o sem partido Com a partidária brasileira politicagem Que manipula toda uma nação Através de sórdida sacanagem. Sem partido também não é Desmerecer esta ou aquela corrente. Sem partido é reconhecer e valorizar A essência humana de toda gente. Sem partido não é não ter base ideológica Embora não ter base já seja um partido. Sem partido é só a denominação Do valor humano outrora perdido.

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LiteraLivre Edição Especial nº 2

Amor Primeira À Vista David Leite Jandira/SP – Cartão ou dinheiro? A voz soava como uma sineta de prata. Tudo na figura da balconista era desconcertante. O chiclete sendo mascado despreocupadamente, em uma longa atassalha com os lábios abertos, o olhar estafado aguardando sua resposta, a resposta que deve ter ouvido milhares de vezes somente aquele dia, apenas variando entre um e outro. Pensou em dar-lhe uma terceira que esperava jamais ter tido antes, mas reservou-se. – Cartão. – Débito ou crédito? Soa a sineta de novo. Reparou na mancha de gordura de seu avental, e como aquela nódoa indisfarçável conspurcava aquele monumento em sua frente. Pensou em retirar seu lenço e delicadamente consertar aquela imperfeição, mas temia cometer alguma indiscrição. – Crédito, por favor. Quando retirou o cartão de sua mão, tentou roçar seus dedos na dela, tentando, com esse pequeno gesto, transmitir algum sinal do anseio que surgiu ali, dentro dele, quando se dirigiu a pagar sua conta. Errou quando tentou, pois não conseguia baixar o olhar da mira daquele exaurido rosto de madona. Ela pega seu cartão com certa rispidez, num gesto mecânico de quem já o realizou indefinidas vezes, passa-o na máquina, e oferece a ele com a face de teclado voltada à sua direção. Um robô em seu lugar não teria se movimentado com menos graça. Pensou em digitar os números de seu telefone, e, no erro que acusaria, citar esse erro, como um pequeno flerte, na esperança de ter retorno dela, caso guardasse os números. Esqueceu tal ideia. Aperta os botões da senha, a máquina apita e imprime a boleta de comprovação. A moça rasga o papel, e dá a ele com uma caneta para sua assinatura. Ali se apresentava outra oportunidade. – Vou deixar meu telefone aqui também, caso tenha algum problema. – Diz, esperançoso. – Não precisa – A resposta, dura. Frustradas as tentativas, ele aceita sua via e se dirige a porta, com ombros baixos, sem olhar para trás. Retira a chave da Mercedes do bolso, desliga o alarme com um bipe e, ao entrar no carro, lança um último olhar para dentro da lanchonete. Algo havia quebrado o olhar duro da moça e agora ela observava com uma certa curiosidade. Reanima-se, então. Amanhã era dia de outro café ali.

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Banho de Açude Regina Ruth Rincon Caires Araçatuba/SP

O aviso fora dado pela enésima vez... Mas, vivendo a plenitude da meninice, como resistir a um banho de açude naquele calor infernal?! Nos arredores da vila, nas áreas de vários sítios e fazendas, os açudes multiplicavam-se ano a ano. Escavados, brotados das minas; enfim, eles espocavam convidativos, tentadores. E assim, para o desespero e a preocupação dos pais, não havia tarde que não terminasse com os meninos varando cercas de arame farpado, cruzando plantações, pastagens, e mergulhando nas águas nem sempre limpas daqueles imensos açudes. E, apesar dos inúmeros avisos, Mário estava sempre entre eles. Cansava de prometer a si mesmo que não mais desobedeceria às ordens do pai, que não quebraria o acordo firmado com ele, mas era uma tentação quando os ponteiros do relógio da igreja matriz iam marcando três horas da tarde... Os meninos, sorrateiros, iam-se esgueirando das casas, da praça, e seguindo em direção de algum açude. E aí o coração não resistia! Mário, num átimo, jogava às favas as promessas, e só se acalmava quando sentia o frescor das águas do açude no seu corpo... E todos faziam tudo do mesmo jeito. Quando estavam bem próximos do açude, principiavam a correr enquanto desatinados se despiam. Na largueza da inocência, na sofreguidão da liberdade. Calção e camisa eram tirados do corpo e displicentemente enrolados. Cuecas e sapatos não havia. Naqueles tempos, meninos não usavam cuecas, e calçado nos pés era só para a escola, igreja ou passeio. 5


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Cada um escolhia um lugarzinho para deixar a sua acanhada trouxinha a salvo até que saíssem do banho. Podia ser junto ao tronco de uma árvore, na sombra de uma moita de capim, sobre um cupinzeiro, não importava. A única preocupação é que a roupa ficasse protegida da água do açude. Mas

o

pai

de

Mário

queria

colocar

ponto final

naquela

série

de

desobediências, e o pobre caborteirinho nem de longe imaginava que seria justamente naquela tarde. Lépido, ardiloso, conluiado com os companheiros, num triscar de olhos atravessava os pastos, as plantações, vazava as cercas, se despia, arrumava as roupas perto do tronco de uma árvore, e se jogava no açude. E o açude virava uma festa! A água, antes serena, pipocava com os saltos, e logo, com o incessante pisoteio agitado de todas as crianças, o barro do fundo ia subindo e turvando tudo, até formar um lamaçal. Parecia um bando de jacarés rolando os corpos nus. E o barro grudava nos cabelos, nas costas, sob as unhas, nas curvas das orelhas... Por mais que se esfregassem para limpar, não havia como não levar resquícios para casa e, consequentemente, fragilizar a argumentação de que não incorreram na desobediência de nadar nos açudes. As evidências estavam sempre presentes. Se não na roupa, com certeza, no corpo. Naquela tarde, no meio das risadas, dos saltos, das brincadeiras, ouviu-se uma voz ao longe, gritando: - Mário! Mário, você está aí?! Mário, que reconheceu a voz do pai, estremeceu. De longe, o açude apinhado de cabecinhas enlameadas, brilhando ao sol, silenciou. Era totalmente impossível reconhecer cada criança. O mais experiente deles, numa tirada de mestre e líder, respondeu: - Seu Osvaldo, o Mário não está aqui, não! E Mário apavorado, petrificado, meio escondido atrás de dois amigos, prendia a respiração, não conseguia arfar o peito tamanho era o medo. Seu Osvaldo, aparentando muita calma, respondeu: - Está bem... Eu me enganei pensando que ele estivesse aqui... 6


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Dizendo isso, Seu Osvaldo deu meia-volta e lentamente foi caminhando em retirada, refazendo quase o mesmo trajeto que percorrera na vinda. As crianças, percebendo que ele se afastava, voltaram às brincadeiras, às cambalhotas, e às risadas como se nada tivesse acontecido. Mário ficou meio ressabiado, mas logo esqueceu. E brincou... Como brincou... Seu Osvaldo, com seus olhos astutos de quem um dia já fora criança, ia caminhando lentamente e olhando de esguelha cada trouxinha de roupa colocada aqui e ali. E encontrou a trouxinha de Mário, com aquela velha camisa, surrada. Disfarçadamente, abaixou-se e rapidamente a recolheu. Estavam ali a camisa e o calção. Seu Osvaldo continuou a caminhada rumo à vila, abraçado à trouxinha de roupas do filho. Calmamente... E seguiu para casa. O sol estava baixando, e era chegada a hora de Mário cuidar da limpeza do corpo antes de vestir a roupa e seguir de volta para a vila. Era preciso estar em casa antes da escuridão da noite chegar. E todos foram saindo do açude. Mário se lavou inúmeras vezes, esfregava o couro cabeludo com as unhas até que ardesse. Esperava a água se acalmar, esperava a lama assentar-se no fundo, e mergulhava a cabeça para se livrar do barro. E esfregava cada curvinha das orelhas para remover o barro teimoso que insistia em não sair. Pronto. Agora era só caminhar devagar até encontrar a árvore aonde deixara as suas roupas. Assim, caminhando devagar, evitaria que o barro fosse espirrado nas pernas e o corpo ficaria completamente seco com os últimos raios do sol. E assim foi... Os companheiros estavam quase todos vestidos, muitos já caminhavam de volta, e Mário ainda procurava as suas roupas. Olhava de um lado, de outro, e nada. Foi ficando intrigado e pôs-se, desesperado, a perguntar a um e a outro. Nada... Em poucos minutos virou uma verdadeira caçada às roupas de Mário. Inutilmente... Os mais medrosos puseram-se a correr rumo à vila. Não

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podiam se atrasar! Os companheiros mais chegados, calados, cansados da busca e imaginando o que havia acontecido, foram se dispersando. E Mário ficou ali, parado. E nu. Sabia exatamente o que o aguardava. O pai havia levado as suas roupas, e teria de enfrentá-lo. Nu... E, como chegar até lá? Como um menino de dez anos pode atravessar uma vila, assim, pelado?! Olhando o céu e percebendo que logo seria noite, juntando a vergonha de caminhar nu e o medo do escuro, Mário foi mudando os passos, vagarosamente. O trecho de volta, naquelas condições, tornara-se mais longo, infinitamente mais longo, e logo precisou apressar o passo. E assim, ele foi correndo de árvore em árvore, de moita em moita, para tentar esconder a sua nudez. Mário vazou cercas, cruzou pastos, plantações... Nu. Ficava apavorado quando lembrava que estava perto da vila. Como passaria pelas casas, como enfrentaria as pessoas, assim, pelado?! E foi caminhando, aos trotes, aos pulos... O sol sumiu, a noite estava à porta. E o medo, também... Atravessou a primeira rua da vila, escondeu-se atrás de uma casa. Ainda bem que não existiam muros. Só cercas. E foi, já no escuro da noite, correndo de parede em parede, esgueirando-se por moitas de bananeiras, varando cercas, atravessando ruas na noite escura. E a cada espaço de tempo, respirava fundo, benzia-se e pedia a Deus para que aplacasse a ira do seu pai. Não escaparia da cinta, disso ele sabia. O que pedia a Deus é que as cintadas fossem menos iradas, mais suaves... Enfim, Mário chegou ao quintal de casa. Caramba, no varal não havia nenhum pano, nada para se cobrir! Tinha certeza de que o pai, a mãe e seus irmãos estavam lá dentro, esperando por ele. E sabia que seus irmãos iriam cair na risada quando ele entrasse pelado. Talvez não. O pai devia estar furioso e os irmãos não iriam ter coragem de rir! Duro ia ser aguentar a gozação, a zoeira dos próximos dias...

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Mas não queria pensar no depois. Tinha de resolver o agora. E com a voz quase sumida, disse: - Pai! Nada, ninguém apareceu. - Paiêêê!!! Gritou tão forte que chegou a fechar os olhos. E o pai apareceu. Imenso. Parecia maior que a porta! E Mário ali, em pé, no escuro, e pelado. Nem queria olhar para a mão dele. A cinta deveria estar ali, saltitante, ávida pelo seu lombo, pronta para estalar... Mas não estava. Para sua surpresa e alívio, não estava. Mário caiu no choro. Choro de vergonha, de medo, de arrependimento, de tudo... E Seu Osvaldo entendeu. Não seria preciso castigar mais. Limitou-se a buscar uma toalha, cobrir o filho, abraçá-lo e dizer: - Mário, meu filho, que esta seja a última vez! E parece que foi...

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O Velho, a Moça e o Bar JAX*

A moça de sorriso farto e cabelos de tom castanho-alourado, ligeiramente ondulados, chegou desacompanhada ao bar aquela noite. Decidira, à última hora, dar uma passada ali, sem combinar previamente com algum de seus muitos amigos, igualmente frequentadores do local. Sentira aquela vontade súbita de tomar um drinque, ouvir música ambiente e encontrar alguém, conhecido ou não. Nem seria, aliás, a primeira vez que o fazia. Suficientemente bonita ou atrativa, estava sempre segura de vir a passar mais uma noite agradável de boêmia. Ao entrar no bar, saudou um ou outro garçom e correu os olhos pelo local, para ver se algum de seus amigos estaria ali. Havia pouca gente nessa noite, e ela logo se certificou da ausência de qualquer integrante da sua turma. Identificou rostos que já havia visto antes, como o do esquálido cidadão que costumava postar-se próximo do piano, quando tocava Rafael, o pianista habitual, e aquela senhora de cabelos ruivos, cujos óculos de armação encorpada lhe davam certo ar de intelectual da noite. Resolveu ir direto ao balcão do bar, sentar-se ao lado de um senhor de meia idade que ali se encontrava sozinho. Apesar do curto tempo em que observara o ambiente, a moça percebera que o tal senhor guardava postura serena e pensativa a um só tempo, alternando seu olhar do drinque que tomava para o espelho diante de si. De resto, seu jeito algo charmoso parecia credenciálo para uma conversação aprazível. Ao acomodar-se no assento, a jovem dirigiu a seu vizinho um “boa noite” suave, emoldurado pelo sorriso moderado de quem deseja apenas pretextar educação ao encontrar alguém pela primeira vez. O “velho” (vendo-o mais de perto, ela considerou que ele já poderia estar na casa dos sessenta) respondeu 10


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de modo igualmente suave e educado, mirando-a com candura e cordialidade, a confirmar a expectativa da moça de que viria a constituir agradável companhia naquela noite. A conversação inicial manteve, de parte a parte, o cuidado de mostrar-se gentil sem insinuar intenções outras que as do mero conhecimento mútuo. Ela comentou não se lembrar de havê-lo visto antes no bar, ao que ele polidamente esclareceu ser aquela somente a terceira vez que vinha. Acrescentou que, embora já residisse na vizinhança há quase quatro anos, não cultivava o hábito de sair à noite. Tendia mais a sair de dia e ficar em casa, de noite, dedicado à leitura ou à música. Coincidentemente com a idade que ela supunha que ele teria, o cidadão caseiro gostava de autores mais “tradicionais”, como Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Machado de Assis, entre os escritores brasileiros, e Albert Camus, entre os estrangeiros. Seu gosto musical compreendia tanto a música clássica, especialmente obras de Mozart e de Grieg, quanto canções populares brasileiras de Noel Rosa, Pixinguinha, Jobim e Chico Buarque. Para sua evidente satisfação, a jovem também conhecia boa parte das obras a que ele se referia, o que ensejou fluido intercâmbio de comentários em torno dessa “agenda” cultural. À medida que a conversação avançava, a moça deixou escapar um pouco mais da sua curiosidade, ao voltar ao tema da presença do senhor no bar naquela

noite.

Perguntou-lhe

se

vinha

sempre

só.

Ele

respondeu

com

naturalidade que, na verdade, ali estava a esperar pela esposa. Mesmo acreditando na espontaneidade e insuspeição dos encontros ocasionais, como aquele, a jovem refletiu que talvez não valesse a pena arriscar-se à chegada da mulher de seu interlocutor. Afinal de contas, vá saber o que pode passar pela cabeça

de

outrem

ao

encontrar

o

cônjuge

em

conversa

com

alguém

desconhecido. Por prudência, e aproveitando o fato de que acabara de entrar no bar uma velha amiga, a moça desculpou-se com seu interlocutor e deixou-o novamente só.

Cerca de uma hora depois, enquanto ela e a amiga passavam

de um drinque a outro, em animado bate-papo, a jovem se deu conta de que o 11


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senhor continuava onde estava e solitário. Lamentou consigo mesma o pouco caso da mulher com o marido, ao atrasar-se tanto para vir ao seu encontro. Outra hora passou-se, mais uns amigos apareceram e ajudaram a estender o prazer daquela noite. Numa das ocasiões em que, casualmente, olhou para o balcão do bar, constatou que o velho se retirara. Ao sair com seus amigos, a moça não resistiu à curiosidade e perguntou ao barman se a esposa do homem tinha chegado afinal. A resposta foi surpreendente: o barman explicou que o cliente era viúvo, mas sempre dizia que aguardava a esposa. Em tom sarcástico, acrescentou que o vira agir, da vez passada, como se ela estivesse a seu lado. A jovem continuou a frequentar o bar, só ou – no mais das vezes – na companhia dos amigos. Em algumas ocasiões, voltou a ver o viúvo solitário, sempre no mesmo lugar, defronte ao balcão e ao espelho que intermitentemente mirava (será que enxergava, ali, o reflexo da falecida esposa?). A moça ficou com a impressão de que o senhor parecia mais velho cada vez que o via. Sentiu compaixão por aquele homem que vivia a esperar sua cara metade, como se ela ainda fosse viva. Apesar desse sentimento, bem assim da sincera dor que passou sempre a experimentar quando vinha ao bar, ela jamais conseguiu reaproximarse do velho, fosse para verificar se poderia ajudá-lo (o que considerava improvável, na verdade), fosse apenas para retomar a conversa sobre obras literárias e musicais. A vontade de procurar atenuar a solidão daquele senhor contrapunha-se ao temor de que ele pudesse revelar algum desvio mental mais sério, capaz de colocar risco à segurança da moça. Essa ambivalência perturbou o prazer de suas vindas àquele bar de tal modo que finalmente decidiu não mais o frequentar, inventando desculpa que seus amigos engoliram com a mesma facilidade com que todos continuaram a engolir seus drinques de descontraída felicidade em diversos outros pontos de encontro. Sem a presença incômoda da dor de uma solidão interminável. Sem a dor ainda maior que causa a sensação de impotência ante o sofrimento humano.

*JAX é pseudônimo de Fernando Jacques de M. Pimenta, Brasília, DF 12


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Madame Satã Edson Amaro São Gonçalo/RJ

Para o bloco carnavalesco “Planta na Mente”

Vi Madame Satã no carnaval Dançando sem camisa. Que deleite O umbigo apetitoso, cor de azeite De dendê esse corpo escultural! Lábios rubros, bigode fino, qual Folião que seus beijos não aceite? Qual cavalo em que um santo bem se ajeite Girava e se torcia em espiral. Sambou da Lapa à Praça Tiradentes, A pele encharcando de suor, A saia abanando as coxas quentes... As cinzas dessa Quarta já desfeitas Das lembranças me restas a melhor, Travesti que meu bloco bem deleitas...

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Uma Canção Para os Poetas Jessyca Santiago Belford Roxo/RJ

Quero os sinos de Allan Poe De Byron Don Juan De noite o amor que chegou Mas partiu pela manhã. De Cecília a melodia De Drummond reflexão Embriagada pela poesia Nem notei a pedra no chão. Meu amor como uma rosa Que floresce em doce tom Como o tigre e o carneiro Dois lados da mesma canção. Traga me a estrela brilhante do céu E relate me seu celeste discurso, Quero livre como um corcel Respirar beleza em meu percurso. De Varela a noite bela Amo de todo coração De Azevedo as donzelas Sua lira e solidão. 14


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No mar me perdi Mas uma voz sempre escutei Nas poesias que li Reinos encantados encontrei. Oh captain! My captain! Não deixe me naufragar! Quero ouvir a melodia Das ondas dançando no mar. Em uma cidadezinha qualquer Qualquer um pode encontrar, A mais bela e amena arte, a poesia, No vento, na paisagem ao luar.

https://www.instagram.com/jess_santiago_s2/

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8ª Edição: Mar./Abr. - 2018

Ao Escrever teu Nome em um Rochedo : Fábio Daflon Vitória/ES Assombração: Carlos Jorge Azevedo Santa Marinha do Zêzere Baião Portugal Como eu me sinto? :Beth Fallahi Poços de Caldas/MG Preciso de um poema - Flávio P. Costa Júnior São Luís/MA Quase Nada Tem Tudo - Amana Baggio Pruss Porto Alegre/RS Prematuro -Renata Machado - São Leopoldo/RS


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Ao Escrever teu Nome em um Rochedo Fábio Daflon Vitória/ES Marília venha ao mar que sou a ilha mas sei que junto somos continente, a vida pode ser a maravilha só se você vier pra me fazer contente, sou ilha há pouco tempo desde que um mar de sentimentos claros me fez exigências de mais que mar e ilha que eu fosse amar nas areias do tempo e das contingências não mais de navegar somente pela bússola, de navegar agora pelo sol e as estrelas por ser navio a ilha e a ilha navio; não mais sou a aventura do mar que me isola, desejo incoerente de que desatrelas tudo que há de errado e me fez tão ínvio.

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Assombração Carlos Jorge Azevedo Santa Marinha do Zêzere Baião Portugal Vais bater àquela porta Sem saberes quem aí mora Abrem-te a porta sorrindo Reconheces o diabo Não te lanças em corrida Fugindo da assombração Antes encaras com denodo O rei da dissimulação e do deslumbre Não vais nesses encantos Ficas em sentinela Sem perderes pitada à cena Convida-te o soberano Para entrares no seu castelo Senta-te com ele à mesa Convida-te a partilhar do repasto Mostra-te os aposentos Os quadros que retocou Estende-te a mão para dançares Em dolente bailado Julgas ver estrelas a piscar Pensas que o demónio te enfeitiçou Enganas-te redondamente O príncipe das trevas é perspicaz Não usa argumentos estafados Quer mostrar que vale a pena Sonhar ao som das suas baladas Quer prender-te sem te obrigar Tem cautela com tamanhas mordomias Não deites por terra a tua alma… https://www.facebook.com/yolanda.azevedo.3

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Como eu me sinto? Beth Fallahi Poços de Caldas/MG Em tempos onde pessoas só veem política Corrupção e muita falação Justificar a falta de atenção Vejo aqueles que amam sem distinção Embora a internet seja uma enrolação Hipócritas do novo mundo Vendem a alma ao imundo Terei o corpo ideal para o advento? Ou preciso usar de photoshop para ser isento Isento de acusações de pessoas sem noções Para iludir falsos intelectos Dos ditos cujos prediletos? O que é mais corrupto? A falta de caráter dos que julgam Ou quem julga todo esse caráter? Ou você é ladrão, ou você é político? Ou você é magro, ou você é rico Ou você defende a liturgia Ou você é contra ela Hoje só existe a política do mimi Gêneros ou não tudo vira mimi Não posso beijar um homem Não posso beijar uma mulher Não ´posso beijar um gay Não posso beijar um padre Mas posso beijar o demônio da política Mas posso fazer acordos insanos Matando inocentes e incapazes por anos Pois somos humanos Desumanos Não se preocupam com os danos Pois é assim que eu vejo É assim como eu me sinto Prisioneira no meu próprio mundo. http:/www.facebook.com/dancadoventrevinhedo

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Preciso de um poema Flávio P. Costa Júnior São Luís/MA

Como eu queria hoje fazer um poema De um dia que é apenas um dia Mas não o é mais, graças ao poema. Precisa fazer um poema Ainda que eu não sinta nada Nem que seja sobre amor, mesmo que não ame Só para amar mais com um poema. Com um sol que lá não brilha Mas incendeia em letra garranchais Desvairado em justa medida. Ser o que sou, sendo eu mesmo Perdido para se encontrar Onde estou... Sinto falta de poesia Por isso preciso de um poema. Um poema apertado na parede Um poema agoniado de sede Dolorido de fome Preciso de um poema.

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Qase Nada Tem Tudo Amana Baggio Pruss Porto Alegre/RS

Eu amo todos os animais e respeito todos eles não importa se tem pernas de grilo ou casco de caracol mas eu acho que vou querer estudar que a estrela é feita de poeira e o meteoro, de gelo. Você se importa?

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Prematuro Renata Machado São Leopoldo/RS Maísa sente a luminosidade e abre os olhos devagar, buscando reconhecer onde está. As paredes pintadas de azul-claro a lembram que lugar é aquele. Não quer se mexer, tem medo, volta a fechar os olhos, gostaria de continuar dormindo. Aproveita que está tudo em silêncio e sente o calor do sol entrando pelo vidro da janela. Passa a mão pelo seu ventre e se pergunta por quê? Ao longe, o bebê começa a chorar, ela abre os olhos rápidos e num pulo senta na cama. Mal tem tempo de raciocinar e já está novamente naquele desatino que não a deixa em paz, quer fugir, mas não sabe para onde. Se sente paralisada, imóvel e impotente. Lá está a mulher, vestida com roupas sujas e rasgadas, é uma maltrapilha apesar do vestido antigo denunciar que em alguma época teve poses. Tudo em volta dela é escuro, sujo e estranho, onde pisa, há lama e o quarto claro se torna um lugar sombrio. O único ponto de paz e beleza na cena é a criança que a mulher tem no colo. Parece gozar com o sofrimento da outra que grita e se debate na cama, sorrindo a mulher olha fixo para Maísa e sussurra: ele é meu. Os enfermeiros entram correndo e a encontram desesperada, chorando e gritando. Uma das enfermeiras acha a boneca no chão, embaixo da cama. —Meu filho! Meu filho! Ela pegou o meu bebê! Grita se botando contra os rapazes que tentam mantê-la na cama. A enfermeira intervém pedindo que se acalme. Que não há ninguém ali, que há meses ela perdeu o bebê, que infelizmente fetos morrerem no período próximo ao nascimento é mais comum do que se pensa, que ela precisa colaborar e se esforçar para voltar para casa o quanto antes e seguir a vida, que é jovem. Lembra também que amanhã é dia de visita e ela deve estar bem. Desde criança essas visões aparecem e ninguém nunca acreditou nela, por anos silenciou sobre isso, mas as pessoas que via nunca tinham interferido na sua

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vida até então. Enfrentou os nove meses de gestação vendo e ouvindo essa mulher falar que o filho era dela, que estava na hora de acertarem a conta. Com uma força que surpreende os enfermeiros, se atira contra a parede. Um dos rapazes a segura, ela sente uma queimação no braço, fica tonta e vai para trás, os olhos pesam, o corpo amolece e Maísa apaga. No dia seguinte, numa sala próxima, o médico conversa com os pais e o marido da moça. Explica que ela tem alucinações, que insistem que vem roubar o filho e que muitas vezes só fica calma quando está com uma boneca ao lado. Afirma também que já aumentaram a medicação, mas não há nenhuma previsão de alta. O marido suspira, diz que não sabe o que fazer, também sente muito a perda do filho, mas precisa tocar a vida. A mãe chora e lembra que antes disso, a jovem já havia sofrido outros abortos espontâneos, porém no começo da gravidez. —Doutor, é uma sina. A maioria das mulheres da minha família já perdeu seus bebês, eu mesma na primeira gestação, consegui segurar só até os seis meses e a partir daí, o feto não se desenvolveu. Diz olhando para o marido buscando apoio e ele confirma balançando a cabeça. A senhora continua e conta outros casos, a prima que nasceu com o útero virado e nunca conseguiu ter filhos, a própria mãe que perdeu dois bebês recémnascidos. —A Maísa cresceu ouvindo essas histórias, porque isso é muito forte para gente. Somos de descendência italiana, Doutor, adoramos parir e cuidar dos nossos filhos, mas para as mulheres com nosso sangue isso é muito difícil. Quando acorda, muitas horas depois, ela percebe que qualquer pequeno movimento faz o corpo inteiro doer. Olha para o lado e vê que o seu bebe está em segurança ao lado da cama, sorri, ainda bem que não está amarrada, só um pouco zonza. Pelos vidros, os pais e o marido se chocam junto com o médico ao observar Maísa sorrindo, tentando amamentar uma boneca. Do lado de dentro, uma moça sentada na cama, com os pés balançando, brinca de faz de conta para não enlouquecer. 23


9ª Edição: Mai/Jun – 2018 A Palavra Lavra - Josafá de Orós - Campina Grande/PB Cerca Elétrica - Ramon Carlos - Florianópolis/SC Feminicídio - Caroline Cristina Pinto Souza - Botucatu/SP Hora Final - Leandro Martins de Jesus - Itapetinga/BA Íntegra Existência - Leandro Emanuel Pereira - Portugal Uma Trova Pela Paz - Edweine Loureiro da Silva – Saitama – Japão


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A Palavra Lavra Josafá de Orós Campina Grande/PB “Que tempo enorme uma palavra encerra!” W. Sheakespeare (1564-1616) Ricardo II, Ato I. Trad. Carlos Alberto Nunes) “Dize a tua palavra e segue o teu caminho, deixando que a roam até o osso”. Miguel de Unamuno (1864-1936) A palavra Por si mesma É trabalho.

Entre lábios Outras línguas. Entre dentros A palavra Só se mostra no escuro.

A palavra também é ócio, e Por si mesma É cio.

A palavra É lavra desconhecida Aventura dizeres

A palavra é til Assento agudo A palavra é grave.

A pá (Lavra) a terra Encerra o código.

A palavra É suada Molha a língua.

A palavra é alimento Que sai da boca Cimento e verbo.

A palavra é suave No pentagrama Não da a mínima: pausa de tempo infindo.

A palavra é livro A palavra é espelho ambíguo De imagem e transparência De abismo!

A palavra É obtusa Se se mastiga É oclusa.

A palavra é buraco Buraco no vazio De autor desconhecido.

A palavra é reclusa Entre dentes Enamora língua e silencia.

A palavra Lavra e trava.

A palavra recusa

A palavra é brava 25


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Não tem limite Não tem cava.

A palavra fala A palavra falo: como filha de Zeus, como filha de mnemósine É estátua de lira e rosas: É Érato.

A palavra escrava Se aperta incisiva Entre um amor canino e uma mordida.

A palavra é poderosa! A palavra excita... A palavra goza.

A palavra induz Ela flexiona Avessa a língua, traduz.

Palavra é arma! Combate! Salva argumentos Molda. Estica. Erística.

A palavra engendra Aficciona-se hermafrodita Seduz.

A palavra sai! Da boca, de bonde... Vai prá onde?

A palavra individualiza... Dar forma. Deforma.

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Cerca Elétrica Ramon Carlos Florianópolis/SC Aluga-se grátis

Estou lá

Brilho ativo

Agora

A sambiqueira tornou-se souvenir

Mesma coisa

Na boca da rainha de copas

Será possível não estar?”

Metabolismo de avestruz

Eles me ignoram

A desmanchar mel no canto da boca

E dizem que,

Aleluia no gelo, Aleluia na porta do

Recentemente um poeta grisalho e

quarto

viúvo

Sublime rasante enfeitando e

Costumava passar gritando por

enfeitiçando

aquelas ruas todos os dias:

Uma sala de ostras hipnotizadas

“Eu escrevi o poema mais sincero do

Lá de fora o uivo e o canto do vento

mundo”

sempre a destacar

E corria com a folha de papel até

O som das calhas soltas pelos uivos e

cansar

pelos cantos

Depois acendia um cigarro

Horizonte espremido verticalmente

E queimava as palavras mais sinceras

Logo acima do rodapé

do mundo

Pela ausência de blefes genuínos

Perguntei se ele ainda fazia isso

Ergo o copo cheio de vinho

Mas o velho poeta havia cometido

E proponho um brinde:

suicídio

“Bom, estarei lá

Dentro do banheiro, e ninguém nunca

Daqui um minuto

se atreveu

Será a mesma coisa

Procurar uma cópia do tal poema

Eu estive lá

Falei que iria lá depois de terminar o

Vinte anos atrás

próximo copo

E foi a mesma coisa

Ignoraram-me 27


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Caminhei por uma quadra inteira

Alguém estendia calcinhas

Até encontrar a casa, cheia de arbustos

Outro paparicava o papagaio

até a entrada

A moto não pegava de jeito nenhum

O cheiro, o silêncio, as cores, tudo

O muro foi pichado novamente

neutro

Fechei a janela

Vasculhei algumas gavetas

Abri o chuveiro

Prateleiras, revirei alguns livros

E com o sabonete

Até achar um caderno surrado e um

Rabisquei meu nome no vidro

lápis

Pois entendi que essa janela

Por baixo de uma coleção de cartões

É um poema que posso lê-lo

postais

De formas diferentes todos os dias

Folheei todas as páginas

E encerrá-lo quando quiser

E em torno de trinta delas estava

Só depende do movimento dos meus

escrito:

olhos

“Eu escrevi o poema mais sincero do

E de um movimento de mão”

mundo”

Espero

Algumas estavam em branco, e dava pra

Que se alguém for lá

ver

Procurar o poema mais sincero do

Que muitas haviam sido arrancadas

mundo

Peguei o lápis e fui até o banheiro

Não pense que foi isso que ele tanto

Escrevi na parede branca

escondeu

“Olhei pela janela do banheiro

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Feminicídio Caroline Cristina Pinto Souza Botucatu/SP A vista turva impedia o constatar Desmaiada, o mínimo distinguia. Estava no oposto do "doce lar". Suas esperanças em hemorragia. Dolorida, nem as pernas sentia; Elena, atada num ciclo frequente Com vastas roxas marcas de agonia Prisioneira nas garras d'um demente. Desvinculava-se do laço de ente: Recebia nos lábios tantas feridas Ao invés de branduras envolventes Num crime de ódio, Elena digerida. Censurada assaz por um marginal, Sua vida ruma a um desfecho fatal.

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Hora Final Leandro Martins de Jesus Itapetinga/BA Quando chegar minha hora Não quero que demore Quero logo partir... Deixar este corpo decrépito Este mundo inóspito Adentrar ao além Ou ao que há de vir... E se tudo for somente um sonho Quimeras de um tempo distante Não há alma que viva errante Nada mais a existir... Só lamento os tempos perdidos E os amores que não vivi...

http://www.recantodasletras.com.br/autores/leandromj

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Íntegra Existência Leandro Emanuel Pereira Portugal Como reduzir a nossa existência;

Serei errante na apreciação?

A um grão de substância?

Ou eloquente na forma de expressar?

Como explicar toda a nossa essência;

Ponho a tónica em cada questão;

Sem recorrer à ganância?

Preciso da verdade para respirar...

Como pedir um percurso auspicioso;

Quero acrescentar algo de novo;

Sem prejudicar ninguém?

Imprimir o meu cunho no universo;

Como ser gracioso;

Tudo que vejo, absorvo;

Neste mundo que fica aquém?

Mesmo o tesouro disperso…

https://www.chiadobooks.com/livraria/viagem-ao-amago

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Uma Trova Pela Paz Edweine Loureiro da Silva Saitama – Japão Tão bom seria o planeta, livre de toda amargura, se, num tiro de escopeta, disparassem a ternura.

https://www.facebook.com/edweine.loureiro

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10ª Edição: Jul/Ago – 2018 a PRIMEIRA vez - Eduard Traste -Florianópolis/SC Ampulheta - Eni Ilis - Campinas/SP Bordadeiras - Amélia Luz - Pirapetinga/MG Inominável do Além - Gerson Machado de Avillez - Rio de Janeiro/RJ O Depoimento de um Assassino - JonathanDSR - Osasco/SP Orgasmos Cerebrais - Almir Floriano - São Paulo/SP


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a PRIMEIRA vez Eduard Traste Florianópolis/SC

é sempre depois do sexo quando estamos ali naquele momento único. depois da primeira quando ela deita virada para um lado ou para o outro, e o que ela diz ou não diz, e como se levanta para ir ao banheiro, e o sorriso que esboça quando retorna, como cruza as pernas enquanto beberica um trago e fuma um cigarro.. é depois destes momentos que naturalmente sei se é apenas sexo ou algo mais..

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Ampulheta Eni Ilis Campinas/SP

Ampulheta com areia vermelha está parada. Nenhum grão escorre. Espera mão que a revitalize e inaugure o tempo. Tempo em suspenso. Vem vento, contudo. Baila cortina, agita renda da toalha, invade e toca tudo em seu caminho. Não se desvia, empurra e segue e altera ordem. Rodopia. Barulhos nascem de quedas e atritos. Choro estranho, choro dos objetos. A mão que não girou a ampulheta com sua escarlate matéria, fecha a janela, resgata o silêncio. Olha ao redor. Marcas a inventariar do vento que passou, no sangue do tempo que se espalhou.

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Bordadeiras Amélia Luz Pirapetinga/MG Minha mãe bordava em ponto cheio, bordava em ponto de cadeia, bordava em ponto de haste, sempre com Linha Corrente. Um ponto atrás, um ponto à frente, em prisão, somente! Fazia arte, em zuarte! Hoje eu bordo feliz minhas estrelas em matiz, ou cheias de luz, em ponto de cruz. No bastidor de cerejeira no linho branco esticado, um verso aqui, outro verso ali, no poema domesticado, minha sã rotina, desde menina!... Bordo com linhas brilhantes, as paisagens verdejantes, dos meus versos cintilantes... Misturo as cores, atrevida, com a alegria de pintar a vida, sem nunca me dar por vencida!

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Inominável do Além Gerson Machado de Avillez Rio de Janeiro/RJ "O Medo de coisas invisíveis é a semente natural daquilo que todo mundo, em seu íntimo, chama de religião." Thomas Hobbes, Liviatã - 1651 Iraque, 2015 Seu único erro fora não aceitar professar as mesmas convicções religiosas de seus algozes. A negação da fé alheia desencadeou então uma sequência de crimes o qual o Estado Islâmico alegava ser “consequências de negar Alá”. Assim ela viu seus pais morrerem como o Cristo que eles acreditavam, crucificados de modo ímpio e profano viu o sangue de sua família escorrer lentamente em meio aos gemidos de seu flagelo como moribundo epitáfio de dor. Agora, ela não mais aguentava ser vendida como “esposa” a fim de atender os deleites sexuais doentios daqueles fanáticos radicais. Mas aquela noite tudo mudaria. Quando seu quinto “esposo” adentrou o recinto a fim de violar mais uma vez a jovem, ela fechou os olhos e submergiu em seu inconsciente como vã tentativa de fugir de si mesma ante a atroz situação. Após a primeira vez que fora deflorada ela não sentia mais muitas coisas com seu clitóris extirpado, permanecia praticamente estática como um boneco de carne ante o rufar da respiração dos sexualmente famélicos seguidores do Alcorão, isso até ouvir gritos e um vociferar tenebroso dos homens que aguardavam seu Madhi. Tiros irromperam e interromperam o coito daquele ser de moral estropiada por seu fanatismo, por um instante pensou ela que estaria sendo resgatada por uma tropa da ONU, mas milagres não existiam num Oriente Médio sob o mando daquele grupo. O homem vestiu as calças e pegou seu AK-47 porta a fora. Era noite escura, mas naquele momento ela vislumbrou apenas um intenso trepidar de uma luz que chocou o homem que parecia estar repentinamente paralisando ante uma tenebrosa visão. A jovem lentamente pegou seus trapos os vestindo em frangalhos e aproveitando a situação saiu de soslaio pela porta dos fundos. Gritos e gritos se ouviam em meio aos tiros, mas temendo fintar diretamente a fonte da luz apenas lhe deu as costas rumo a aridez desértica da região. Cambaleou de um lado a outro, extenuada de cansaço, tropeçou numa pedra e caindo de joelhos sentiu sangue escorrer de suas vísceras pouco tempo atrás penetradas a contragosto dela. Porém, naquele momento a luz cessou assim como os tiros e as vozes de medo, o silêncio prenunciava a morte.

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No dia seguinte um pastor atravessava ovelhas quando notando uma espessa fumaça cinza resolveu aproximar-se do vilarejo. O que encontrou provocou perplexidade e consternação, uma visão de moradores, membros do EI e mulheres com os corpos torcidos no chão, dispostos apenas como um amontoado de carne sem ossos. Seus olhos esbugalhados fintaram o horror indescritível. O homem ao retornar a sua morada apareceu insano ante os seus reverberando tamanha consternação e perplexidade que culminou em sua morte. Porém, como a ignorância é o combustor do fóbico oculto não sabiam que o precedente a sua loucura fora um encontro o qual poucos saiam sãos. Ele perdeu a sanidade apenas de ver o que um mal inominável fez. A jovem que fugira havia adormecida aninhada em si mesma, até que ao amanhecer sentiu as cutucadas de alguém. Ao abrir os olhos contra a luz ela fintou silhuetas de vários homens e por um instante recuou temendo mais do mesmo, abusos. Porém, ao invés disso ela viu uma mão estender-se em sua direção. — Somos a Brigada Babilônia, mas pode também nos chamar de Resistência Cristã Iraquiana. — Diz a voz num tom acolhedor. — Não há o que temer a gente. — Soubemos nas vizinhanças de que o EI estava por estas bandas, mas parece que alguém chegou antes. Sabe o que aconteceu lá? — Indagou o segundo homem a pegando pelos braços enquanto se levantava e o primeiro lhe dava um pouco de água do cantil. — Não fora a ONU ou os americanos? — Respondeu ela quase num balbuciar. O homem negou com a cabeça e disse. — Não foi nada conhecido, nunca vimos nada assim. Quando os homens retornaram entraram no pequeno vilarejo dizimado. Todos haviam sido indistintamente mortos, mas por algo indescritível que não utilizou quaisquer balas ou se quer ataque de armas brancas. A jovem ao caminhar viu os corpos contorcidos, mas não da maneira imaginada, mas como se tivesse literalmente torcidos num semblante de dor inexpressível, sem nenhum osso do corpo. — Nunca vimos nada assim, aparentemente os corpos foram dessoados e torcidos como um pano de chão. Sem incisões ou cortes, apenas foram literalmente liquefeitos aos rasgos. A jovem engasgou um choro ao contemplar a aterradora imagem, seu choque não bastando as atrocidades que passaram agora clamava por um testemunho, porém, a única sobrevivente fora curiosamente a única que não fintou diretamente algo inominável. — Gostaríamos de agradecer quem fez isto, pois matou um dos líderes do EI, todavia aparentemente não sabemos nada sobre, como fez e o que o motivou? — Naturalmente isso não é obra de uma só pessoa, isto se for algo humano. 38


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A brigada Babilônia havia sido batizada com esse nome por alusão ao lugar de onde surgiu que há milhares de anos era onde existia a antiga Babilônia que outrora tornou cativo Israel. Já hoje acostumados a extrema violência da região, muitos se juntaram o grupo a fim de não serem exterminados acossados. Porém, os homens não sabiam como reagir ante aquela situação sem precedentes. Tão logo a notícia correu por todo país, mas misteriosamente fora abafada dos noticiários internacionais. Não demorou para que chegasse até a ONU que imediatamente enviou um observador e investigador a fim de constatar evidentes quebras de direitos humanos. Todavia sem um desfecho plausível o caso permaneceu sem um possível suspeito se quer. Jonnhy Pax era um observador que selecionado para a ingrata missão juntou-se a Brigada Babilônia ao lado do investigador, Kevin Reynolds. Fotos foram tiradas, amostras colhidas, mas resultados foram inconclusivos. Escolados por soldados da ONU e sob os olhares atentos da Ali Nashiff, o líder da Brigada Babilônia que encontrou a jovem soube do pastor que supostamente teria enlouquecido ao contemplar a aterradora cena. O homem que permanecia inerte fintando o vazio chamava-se Kali Akab e estava diante da parente quando Ali aproximou-se a fim de interrogá-lo. Consternado o homem murmurava palavras indecifráveis repetidamente, quando tocado por Pax ele deu um salto e desatinou a chorar abundantemente. Era um sobrenatural inverso o que fintou, uma visão do inferno, disse. Porém, sabiam aqueles homens que o enfado do fanatismo e ignorância torna a pureza agradável dos milagres sobrenaturais numa angustiada penúria imoral, como se o âmago do inferno vertesse a tocar o céu. O exagero era o pecado predileto do diabo. — Babilônia tornou seu Ifrit! Babilônia tornou... — Disse o homem murmurando repetidamente. — Babilônia tornou seu Ifrit! — O que ele disse? — Indagou Pax perplexo ante o comportamento do homem. — Ele relaciona o ataque a um tipo de demônio oriental que habitaria a Babilônia antiga. — Respondeu Ali. Os ifrit eram entidades míticas o qual esparsos relatos relacionavam a atrocidades. Um ser que adora ocupar as trevas, o silêncio e lugares vazios, atua no sugerido, no aparente, pois é algo que apenas parece e que se acha. Todavia supostamente aquela entidade era uma versão remota e incomum do filão que atormentava o imaginário da região há séculos. Por mais fantástico que fosse o incomprovado assim como suas afirmações era a única coisa o qual se trabalhar quando receberam mais um alarme de uma ocorrência numa cidade vizinha. Todos os homens se locomoveram a região que não bastando a desolação da guerra com um povo aflito agora havia sofrido um ataque do mais inescapável. O que encontraram não fora diferente do vilarejo, com uma disposição de corpos desossados em agonia perpétua. Em meio aos mortos, porém, havia um sobrevivente, porém, cego. O homem balançava-se nervosamente para trás e para frente estendendo suas mãos para os céus enquanto pronunciava repetidamente o nome de Alá, 39


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seus ouvidos ouviram a aflição inominável de suas vítimas. Pax acolheu o homem e lhe deu água que parecia negar prontamente. — O senhor poderia dizer o que aconteceu aqui? — Indagou Ali fintando-o zelosamente. — Mesmo sendo cego contemplei o medo. — Respondeu o homem. — Que Alá me livre, era o demônio da fundação. — Que fundação? — Perguntou Pax ao mulçumano que apesar de não ser fanático como os membros do EI via em seu credo refúgio ante os temores do inominável. — O Estado Islâmico despertou algo muito antigo. Babilônia, era o Ifrit desconhecido! Ele deve querer restaurar a Babilônia final. Enquanto os homens interrogavam aquele cego, os demais rondavam o lugar até que se encontrou um celular nas mãos desossadas de uma das vítimas em que aparentemente havia gravado em áudio o momento do ocorrido. Um soldado pegou de suas mãos após fotos serem tiradas quando um outro homem se aproximou de frente de uma loja afirmando haver gravações de uma câmera de segurança. Os homens esperavam ter respostas, porém, o que se ouviu e viu fora não menos incógnita e medonho do que as dúvidas que perfilavam ante os corpos estropiados de suas vítimas. Pax pegou o celular e ao reproduzir o áudio ouviu os gritos de agonia e dor de suas vítimas que clamavam por Alá em vão. Mulheres recebiam ordens de fugir com os filhos mas pegas pela curiosidade ao fintarem o perpetrador das atrocidades eram igualmente pegas. Enquanto isso alguns homens pediam repetidamente para elas não contemplarem a visão aterradora. Ao rodar o vídeo o ponto onde a criatura havia manifesto mostrava apenas um borrão trêmulo de luz enquanto duas vítimas a seu redor eram contorcidas por uma força imensurável e intangível. As imagens tinham interferência como de alguma fonte de eletromagnetismo tornando difícil a compreensão. Pax engoliu a seco e tomou um gole a mais de café, enquanto que para Ali algo apocalíptico havia sido liberto pela eclosão do Estado Islâmico. Para a ciência o mal não existe. Das ciências sociológicas e a antropologia o relativismo desatina a compreensões vagas, ausentes de paradigmas, mas que eram desfeitas ante um mal que apesar de indescritível era absoluto e universal. Sobretudo perceberam que aquela entidade seguia um percurso até antigas ruínas babilônias, um caminho que segue pelo número de mortos e desaparecidos pelo trajeto, nenhuma pessoa que o encontra sobrevive, nenhum que pudesse fintá-lo diretamente. Aquilo que perseguiam não poderia ser daquele mundo. Pax e Ali viraram-se e viram o cego balançando-se ao repetir a palavra “Ifrit”. Ele gemia entre um pedido e clamor a Alá, o único deus que conhecia. Ao disporem um mapa da região perceberam que a entidade fosse o que fosse seguia uma direção e o trajeto indicava que o próximo ponto era as ruínas babilônia onde o qual o Estado Islâmico novamente se encontrava. Temerários, os homens, porém, tinham a curiosidade e o dever moral de resolução do caso como força motriz no empenho de impedir aquela coisa sem definição. De modo 40


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que incumbidos daquela missão tinha de deter aquele terror prolifero naquele ambiente hostil de guerra, violência e destruição. Todos partiram em direção ao sítio arqueológico, mas quando se aproximavam viram um carro de rebeldes do Estado Islâmico aterrorizados fugindo em sentido oposto. A Resistência Babilônia fechou o carro os cercando, porém, os homens que vociferavam nervosamente em polvorosa correram e sem reagir foram em maior parte metralhados. Um deles pulou do jipe e correu para o deserto quando fora pego por Pax. Fintando-o com os olhos esbugalhados aqueles homens que eram por si afeitos ao terror pareciam ter sucumbido a um terror ainda maior que o infligido por eles aos inocentes. — Allauh Akabar! — Vociferou o homem de modo insano quando fora indagado por Pax. — Do que estão fugindo? Responda! — Nosso terror não pode contra o pai de todos horrores! — Vociferou o homem. Todos estamos mortos! Mortos! — Você viu a criatura? Responda! — Vociferou Pax, mas o homem balançou a cabeça em recusa dizendo. — Vê-lo é a própria morte! O homem se sacudiu e soltando-se pegou uma pistola de um dos soldados, mas ao invés apontou como se fosse para atirar em Pax e então de supetão o soldado reagiu atirando em seu peito. O homem caiu ao chão balbuciando em meio ao sangue que fluía de sua boca que Alá o recebesse no paraíso com suas virgens quando desfaleceu ao concluir seu epitáfio. Os homens tornaram a seus carros e seguiram em direção as ruínas que ao longe se via uma coluna de fumaça que se erguia negra nos céus azuis e quentes. Os carros quando chegaram viram corpos desfeitos em carnes sem ossos pelo chão. Seguindo o caminho de destruição e morte ouviram alguns gritos dentro das ruínas levando-os a sinalizar o perigo ainda ocorrendo de modo a todos empunharem suas armas. Pax caminhando na frente, chegou ao fim de um corredor quando deparou-se com um membro do EI que lhe fintou diretamente seus olhos num semblante de horror e medo avassalador e inexorável. Largou a arma ao chão e virou-se para trás de onde vinha uma luz intensa e trêmula. Pax viu-se cara a cara com o inominável e perplexo viu o corpo do terrorista dar várias voltas em si mesmo no ar fazendo o rosto virar-se para trás e uma perna para frente e outra de costas quando seus olhos esbugalhados agora perdiam a vida ao fintar o vazio. Caiu ao chão como um saco vazio de carne, como uma roupa de pele que havia sido esvaziada de seu conteúdo. Aquele mal era inescapável. — Agora entendo, se vocês verem isto será tarde demais. Não relatem isso para ninguém, não olhem é abominável, fujam! É a morte, o medo. — Relatou ele no rádio. Pax engoliu seco e viu que aquele era o fim, o fim de tudo. Acabou.

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O Depoimento de um Assassino JonathanDSR Osasco/SP Eu me levantei ofegando e suando, tremendo de medo enquanto tirava lentamente as mãos do pescoço da minha esposa. Chorando e lamentando o que acabara de acontecer, percebi lamentavelmente o que eu acabara de fazer. Eu acabara de tirar a vida da minha mulher. Eu levei as mãos a cabeça pensando desesperado no que aconteceria, arrependido e com medo do destino que levaria. Por muitas vezes levei em conta a ideia de esconder o cadáver onde ninguém nunca encontraria, mas, erroneamente, o medo de me aproximar daquele cadáver ainda quente era maior. Sentindo o arrependimento me torturando de pouco em pouco, cada vez mais forte, eu corri pela casa, fugindo daquela maldita cena, eu caí por uma forte impotência, chorando, mas levantei abruptamente, subindo a escada pensando em nunca mais voltar. Eu me sentei no canto do quarto, me encolhendo, gemendo e tragando uma garrafa de uísque, tentando esquecer o que acontecera por pelo menos uma noite. Mas como essa noite foi perturbada, meu sono oscilava, já não sabia mais se eu estava acordado ou perdido em um sono profundo, pois, amedrontado, eu gemia sentindo o aproximar gelado de vultos dançando a minha volta, sem coragem de abrir os olhos e nem de clamar por ajuda. Sentindo a culpa, sonhando em estar preso na tortura eterna de enforcar com as minhas mãos ela até sua morte, de novo e de novo, como Sisifo que leva a pedra ao topo da montanha. Encolhido, com a garrafa vazia em minhas mãos, após sair do purgatório que fiz para mim mesmo em minha mente, finalmente com a luz irradiada das janelas eu me levantei, ainda tremendo. Esse dia estava lindo, ah, como estava lindo, com uma luz forte, mas com uma brisa fresca. Transtornado pela beleza daquela manhã eu desci lentamente a escada, pedindo a Deus para que tudo aquilo tivesse sido um sonho, para que eu encontrasse a minha esposa na cozinha, fazendo algo para comermos, sorrindo. Cada passo foi eletrizante fazendo tremer as minhas entranhas, suplicando a Deus de novo e de novo. Ao chegar até os últimos degraus eu virei a minha cabeça lentamente, excitando, foi como uma apunhalada em meu coração quando vi ela lá, caída no chão, pálida e imóvel, atraindo para si vultos gargalhando pelo que eu fizera. As minhas pernas me desobedeciam, meu corpo inteiro estava indisposto de tudo, mas eu, forçando com toda a minha força de vontade consegui sair correndo daquela cena, subindo as escadas, caindo de fraqueza, já sem lagrimas para continuar a minha lamentação. Eu fugi de tudo indo para minha varanda, onde pude ver a rua quase deserta, exceto por um cão, negro e magro, se aproximando da sacada, olhando para mim com seus olhos camuflados no seu pelo defeituoso pela velhice e sarna. 42


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Ele começou a latir para mim, começou latir desesperadamente como se soubesse o que eu fizera. A minha atenção, infelizmente, já não estava mais lá, eu encarava a estátua na entrada da igreja matriz a minha do outro lado da rua, um anjo, um lúgubre anjo segurando uma bacia de água da qual as pessoas se benziam antes de entrar. Mais dois cachorros sarnentos se aproximaram da sacada latindo para mim desesperadamente. Eu juro que aquele anjo, mesmo olhando em direção reta, me encarava atentamente, com um olhar triste de quem estivera me culpando pelo que acontecera. Eu merecia que alguém me culpasse, eu merecia que todas as pessoas me culpassem. Mais cães se aproximaram latindo para mim, toda a matilha agora fazendo uma asquerosa melodia de ódio pelo que ei fizera. Mesmo assim os meus olhos estavam ligados aos do anjo, eu não conseguia produzir nenhum som, estava tão envergonhado pela presença de alguém tão puro sendo eu um assassino que me abaixei para que não visse o meu rosto. Pedindo perdão, pedindo um milhão de vezes o perdão que não fora concedido enquanto cada vez mais alto os cachorros latiam para mim. A minha esposa era tão boa, ela alimentava os cães de rua que naquele momento clamavam por ela, mesmo sendo tão boa eu a matei, eu não lembrava por que matara ela, mas do que isso importava? O importante era que eu tinha tirado uma vida, uma vida que não merecia isso e agora as consequências viriam. Se passaram horas, éons em minha perturbada imaginação até eu me decidir o que fazer, eu me lembro de como o meu corpo inteiro excitou quando me levantei e desci a escada e passando debilmente pelo vulto gargalhando loucamente, eu seguindo a ordem do anjo involuntariamente, andando passos sem vida, chegando de frente para a cômoda e olhando atentamente para o telefone, meu corpo tremia, horas se passaram, meu corpo já pedia comida e água, mas eu continuava paralisado nesse mesmo lugar, olhando para o telefone, me decidindo o que iria fazer. Incontáveis vezes levei em conta a possibilidade de sumir com o corpo, viver uma vida de mentiras até ela ser tirada de mim. Mas algo mais forte me torturava, o arrependimento pelo que fizera, a pena dos cães que latiam e uivavam de lamentação e o medo dos olhos petrificados do anjo que me dizia sem palavras para continuar. Eu digitei os três números, primeiro, segundo e terceiro, já sem tremedeira, decidido a fazer algo, mas ouvi o som da atendente tentando falar comigo enquanto eu estava preso em um profundo silêncio. Olhei para o oval espelho em minha frente, vendo lá longe o cadáver deitado e sobre ele o vulto que me fizera fazer aquilo, gargalhando mefistofelicamente, rindo de mim por não ter coragem de fazer nada e estar aceitando a verdade sobre mim, de ser o assassino. Me opondo ao vulto eu falei pelo telefone o que eu fiz.

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Orgasmos Cerebrais Almir Floriano São Paulo/SP Gosto de confabular com pessoas plenas Aquelas repletas de eteceteras e tais Podemos viajar pelo universo das palavras Através dos nossos cabedais Não precisa protocolos nem etiquetas As palavras fluem brumadas e cheirosas Ornando nossas viagens e prosas E quando nos despedimos, No instante seguinte já sinto falta Imaginando quando e qual Será a próxima pauta! Não precisamos fantasias Nem traje de astronauta Pois viajamos daqui mesmo Surfando as ondas do teclado Amigos são seres especiais Por vezes o papo é tão bom Que me causam orgasmos cerebrais!!!

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11ª Edição: Set/Out – 2018

As Noites de Janeiro - Charles Burck - Rio de Janeiro/RJ Ela -Nilde Serejo - São Luís/MA Elos - Angélica Neneve – Cascavel/PR Hora Morta - Luís Amorim - Oeiras – Portugal Os Pés De Djamila - Alberto Arecchi - Pavia – Itália Tatuando - Lenilson Silva - Pedras de Fogo /PB


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As Noites de Janeiro Charles Burck Rio de Janeiro/RJ Como cantarão em maio as noites de janeiro, Sempre as mesmas perguntas nas brechas da vida, nos intervalos entre o crepúsculo e o adormecer do dia, Há um país de indefinidas fronteiras, uma casa à beira do estalar dos dedos, Uma fina borda a desenhar outros mundos Um prédio invadindo o céu e um terraço entre estrelas, Uma única luz acesa no último andar, um farol de refúgio Se essa luz permanecer acesa, tudo será para sempre, Todas as noites, e um homem que escreve, a escreve eternamente Será uma sombra escapada dos limites de si, Definindo algum limite aos outros? Quais outros? Eu pergunto e ninguém responde, Acho que estou sozinho.

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Ela Nilde Serejo São Luís/MA Mais um dia amanheceu. Abro a janela e observo meu jardim que mais parece um arco-íris me dando bom dia. Ouço o canto dos pássaros e sei que um novo dia começa. Hoje quero trocar alguns enfeites na casa, quero mudar minha aparência, quero mais mudanças. Pois, mudei primeiro meu interior, parei de lamentar minha vida, voltei a sair com as amigas, estou progredindo no trabalho e estou bem. Cortei o cabelo, há um ano que não cortava. Tempo exato que deixei de viver. Mudei também o visual, dizem que fiquei mais jovem, irreconhecível. Agora estou sentada com meus papéis, minhas inspirações para escrever mais um artigo pra revista. Hoje o tema abordado é "Superação". Ding dong É o carteiro e entrega-me uma carta. Recebo-a. Quanto tempo não recebia cartas. Li mentalmente o nome do remetente(Carlos) e fiquei pensativa, mas deixo ali na mesa e continuo a trabalhar. Mas quase não consegui me concentrar. Mais tarde, olho novamente para a carta mas ela ordena que eu a rasgue. Quero ler embora nada vá mudar, eu sei. Mas ela diz não. Carlos não merece tua atenção. Te trocou por outra, te humilhou e somente agora quando consegue mudar e dar continuidade à sua vida, ele ressurge. Basta! Confesso que ainda assim eu queria ler a carta. Sei lá, curiosidade feminina, talvez. Mas deixei que ela decidisse e ela não ousou abrir a carta. Ela, é meu reflexo. Ela, é meu novo eu.

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Elos Angélica Neneve Cascavel/PR Sentada com o pequeno livro nas mãos contava-lhe uma estória: lia e relia as partes que mais gostava, dava vida às personagens criando vozes engraçadas... vez ou outra se perdia na leitura, então parava e contava sobre seu dia. Era sempre assim que terminavam suas tardes. Após algumas horas, arrumava suas coisas na mochila e ia para casa. Mal podia esperar para que o próximo dia chegasse. O sol, ainda pálido, mostrando sua timidez aos espectadores, surgia bem devagar. E ela já a horas esperava o momento de se levantar. Arrumava-se depressa. Um pedaço de pão aqui, um gole de suco ali, assim começava seu dia, então corria para a escola. Sempre a primeira a chegar. Tomava seu lugar de costume. Assistia a todas as aulas um pouco impaciente e, assim que o sinal tocava, corria novamente ao encontro do irmão. Eram inseparáveis. Gêmeos são assim mesmo. Ele sabia o que ela sentia e ela podia dizer o mesmo. Foi assim que, naquele dia comum, quando o sol brilhava intenso e quase não havia brisa alguma para refrescar, ela soube. Soube antes mesmo de lhe contarem. Na verdade, fora ele quem a contou: não com palavras, porém. Sentiu uma sensação estranha de solidão. Quis chorar, mas não sabia o motivo, então engoliu em seco: pediu à mãe que trouxesse algo para que pudesse tomar, sentia muita sede.

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Ouviu o telefone tocar, estava doente e proibida de sair da cama, então a mãe foi quem atendeu. O silêncio seguido de um choro desesperado a deixou alarmada: foi assim que descobriu o porquê da súbita vontade de chorar - ele se fora. Para onde? Ela ainda se pergunta. Desejou nunca ter ficado doente, queria ter estado com ele naquele momento. Queria ter ido com ele se fosse possível: era a melhor parte que havia nela e agora tinha restado apenas um fragmento do que ela fora um dia. No velório não pôde vê-lo pela última vez: o pai, ainda se recuperando do acidente, se culpava pelo que tinha acontecido. A mãe o culpava também: sabia, no entanto, que ninguém tinha culpa - fora um acidente, afinal. Ela decidiu morar com o pai depois do divórcio, tinha medo que ele fizesse qualquer bobagem por conta da culpa que sentia. Visitava a mãe com frequência, ela também precisava ser vigiada e constantemente lembrada que ainda tinha uma filha. Em um piscar de olhos de um plantonista com sono tudo mudou: enquanto o carro rodopiava no ar, o destino era retraçado - ela foi o último pensamento dele, e pôde senti-lo se despedir. No entanto, o tempo que passaram juntos não fora suficiente. Um infinito pequeno demais para o tamanho do amor que ela sentia. Por isso, todos os dias depois da aula, ela corria até o cemitério. Sentava no mármore frio do túmulo do irmão e lia seu livro preferido. Contou-lhe como havia sido seu dia e o que os colegas faziam e também sobre o memorial que fizeram em sua homenagem. Contou sobre o divórcio e como tinha sido difícil escolher um lado. Contava-lhe tudo. Ele era sua alma gêmea, era seu corpo gêmeo. Era a melhor parte dela, não tinha sido: ainda era - o elo que os ligava não poderia ser desfeito nem mesmo pelo anjo da morte.

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Hora Morta Luís Amorim Oeiras – Portugal Pela noite dentro, tudo calmo parecia, bem perto do centro onde a vila, diziam muitos, «Já não tem vida», quando «Tudo por ali acontecia» no antes longínquo. Agora, no então de enredo e com a presente calma no papel, referia este que os sonos duravam até ao ser dia sem interrupções que assinalassem a mais pequena agitação. Mas certa noite, que o jornal local à presente consulta não soube com precisão esclarecer por se tratar de crónica assinada sem complemento de data quanto aos verídicos, escrevia-se, acontecimentos, o chafariz próximo da residência em questão começou do nada a largar gotas com dezena de segundos aproximados, para o sonoro recipiente. Encontrava-se dentro de pequeno jardim, fechado apenas durante a noite ou talvez não, quando no diurno era obrigatória visita de turistas procurando uma recordação junto do histórico monumento. Já não tinha água corrente, daí que começar de madrugada a revelar a sonoridade da mesma perante sonos que se pretendiam descansados, seria de todo completamente inesperado. Mas foi isso mesmo a suceder, fazendo crença na tal crónica, sobre acontecimentos de eras outras. A família acordada no de repente foi, sobressaltada para fora de casa, na de chafariz direcção com a rapidez que a água determinava ao sonoro cair. Uma vez ali chegados e quando o relógio marcava três ponteiros na fria madrugada, parou a queda de água pelo chafariz então determinada. Voltaram para dentro de casa, no convencimento que poderiam enfim descansar sossegados no dormir entretanto interrompido. Puro engano. Mal se deitaram, casal e filha, sentiram de imediato água caindo no estrondo da noite sem esse maçador pormenor, 50


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agradavelmente silenciosa. E assim foi pela madrugada dentro, impedindo o sono de vencer em prol do merecedor descanso. O dia seguinte decorreu com normalidade até à chegada pela noite, com a madrugada a dar sinal, de mais água caindo «No sítio do costume» pelas três horas no seu iniciar. Nova precipitação exaltada até ao chafariz para este se calar no jorrar de água, gota a gota sem piedade quanto ao sono familiar. Novo conformar de situação aparentemente inexplicável por ser às três exactas horas de cada nova madrugada, «A hora morta» dita pelo pai de família que, durante o dia foi investigar o que lhe foi possível na biblioteca local sobre «O impiedoso monumento», onde leu sobre invocação maligna naquele mesmo lugar algumas gerações antes. Resolveu então solicitar a presença de amigo sabedor do ritual de exorcismos para solucionar o problema, convencido de ser esse o mais acertado no agir que teria forçosamente de acontecer. Ritual feito pela exacta hora maligna e consequência esperada de não mais cair gota de água qualquer. Só que na seguinte noite, elas, as gotas voltaram a fazer-se ouvir. Com rolha pronta a ser encaixada, mesmo à real medida, o cair de água cessou e assim pareceu à família o tranquilo final de estória. Mais dia outro até à nocturna ocasião por acrescento de enredo e na vez essa à de costume hora, as três, o ruído outro era que levou a família a conferir com exaltação o que então se passava. Era o padre em estranho ritual ou talvez não, com um exorcismo aparente, o qual para espanto familiar, afirmou na sua forte convicção ser o oficial que, independentemente da ocasião e dos seus envolventes, unicamente resulta e bem no sempre que for preciso.

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Os Pés De Djamila Alberto Arecchi Pavia – Itália Ricardo era um jovem arquiteto, com trinta anos de idade. Estava saindo da história mais destrutiva de sua vida: um casamento fracassado. Então decidiu começar a cooperar no estrangeiro e foi para ensinar na Universidade de Argel. Morava em um apartamento grande, sendo solteiro. Tinha-o fornecido parcialmente: alguns móveis na cozinha, para as refeições rápidas de quando não queria sair, e no quarto um colchão, descansando diretamente no chão. Dormir no chão oferecia-lhe uma perspectiva particular do quarto: tudo parecia maior. Seus amigos propuseram-lhe uma empregada doméstica para limpeza, uma mulher de confiança, divorciada, com pouco mais de trinta e cinco anos. Fazia-se chamar Djamila (linda), mas parecia mais um sobrenome do que um nome verdadeiro. A mulher recebeu as chaves do apartamento, ia à casa de Ricardo duas manhãs por semana. Aconteceu que, em alguns desses dias, ele não tinha cursos ou outros compromissos e ficava em casa. Às vezes, aconteceu que chegasse bastante cedo para encontrá-lo ainda na cama. Djamila andava na rua completamente coberta por um véu branco, como é costume em Argel, e com uma espécie de mordaça (haik) cobrindo a boca e a parte inferior do rosto. Entrando, ia vestir-se de maneira mais confortável em vista do trabalho doméstico. Em casa, trabalhava com um vestido leve, colorido, até o joelho, vestindo chinelos confortáveis, ou mais frequentemente com os pés descalços.

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Quando Ricardo estava na cama, o som da chave na fechadura acordava-o, e então via aqueles poderosos pés autoritários, passando repetidamente antes do nível de seus olhos, primeiro em sapatos de salto alto e depois nos chinelos mais confortáveis. Ele permanecia capturado pela visão, não conseguia separar o olhar daqueles pés majestosos e a mulher percebeu isso. Uma manhã, Ricardo tinha ficado na cama. Não tinha vontade de sair ou se levantar, ou tomar qualquer iniciativa de vida ativa. Djamila entrou por volta das oito da manhã, acenou e passou em frente a ele, ainda velada, com os pés orgulhosos sob o véu, ainda com tamancos de salto alto. Ricardo não aguentou mais, estendeu as mãos, acariciou um pé dela. A mulher teve por um momento a reação instintiva de se retirar, mas parou, com uma emoção de triunfo: na realidade, era exatamente o que esperava desde uns meses. Com doçura, o homem começou a acariciar o tornozelo, desceu sob o calcanhar. Ela levantou o pé um pouco e o sapato começou a escorregar. Ricardo tornou-se mais corajoso: tirou o sapato, aproximou a boca e começou a beijar os dedos dos pés, um após o outro. Ele sempre gostara dos dedos grandes afusados e das unhas compridas ligeiramente enganchadas, lembrando as garras duma fera. Djamila colorava-as com um esmalte escuro, tendendo a violáceo, às vezes preto. Ele chupou os dedos grandes, então se comprometeu a lamber os outros dedos e interstícios. Estavam levemente empoeirados, os pés de Djamila: ela tinha caminhado na rua. No entanto, tinham um sabor doce, o da pomada baseada em mirra e do incenso com o qual perfumava seu corpo. Sob as pomadas e os aromas, Ricardo percebia o sabor ligeiramente salgado do suor entre os dedos, o que lhe oferecia uma sensação proibida de intimidade. Isso o deixou louco e perdeu toda moderação. Agarrou-se aos tornozelos da mulher e começou a adorar seus pés, com total devoção, um após o outro. Ao fazê-lo, ele se movia de forma decomposta na cama, mostrando toda sua excitação inequivocamente para a mulher, que entendeu que ele estava totalmente em seu poder. Ela conseguiu habilmente remover o véu, sem extrair o pé direito do abraço do jovem, e ordenou com um gesto imperioso: "e o outro? Beije-me o outro pé!" Então passou para outras ordens: "Lamba-me debaixo da planta!" "E o calcanhar? Beije o calcanhar!" "Bom! Passe a língua bem entre os dedos, quero perceber sua saliva que me banha!" Ricardo imediatamente obedeceu e se entregou totalmente a um êxtase fetichista que ainda não conhecia. A única coisa que podia pensar era: "Por que nunca fiz isso antes?". Sua língua secou, ele respirou fundo, humildemente levantou os olhos para olhar a mulher, engolindo para acalmar a excitação e começou de novo, como um cachorro fiel. Djamila começou a pisar nele, de forma cada vez mais autoritária, fazendo com que ele perca todas as últimas restrições. O jovem cobriu-lhe os pés, os calcanhares e os tornozelos com beijos, sem nunca se 53


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permitir exigir qualquer favor sexual. Ela o pisoteava, descalça e às vezes com saltos, arrebatando suspiros e gemidos de dor. Tratava-o agora com rigor, agora com ternura, como se fosse seu pequeno cachorro. Ricardo finalmente se revelara, oferecendo-se a sua patroa. A partir desse momento, ela teria podido dispor completamente dele, como e quando quiser. Uma relação nova, estreita e vinculativa começou, um compromisso total, um caminho de submissão a uma mulher forte. A partir desse momento, Djamila se assegurou de aparecer na casa do jovem apenas quando estiver segura de encontrá-lo. Ricardo recebeu ordem de preparar-se atrás da porta, vestido apenas com uma fina tanga, de joelhos, pronto para lamber os pés de sua rainha assim que ela entrar na casa. Ela pisoteava-o: o rosto, o pescoço, o corpo inteiro, provocando-o também com pressões e pontapés nas partes mais íntimas, sem sequer chegar a implicações sexuais. Depois disto, os dois procediam à limpeza do apartamento, ou melhor: ela procedia à limpeza, usando-o como um trabalhador auxiliar, um pano para limpar os pisos, para limpar o suor e um capacho para limpar seus pés, amaciando-os com a saliva em longas lambidas, durante o trabalho. A excitação de Ricardo atingia alturas extremas, que ele nem teria imaginado, antes de conhecer sua senhora. Ela o provocava, fazendo-o cheirar seus pés, mas sem permitir que seus lábios ou sua língua os alcançassem, golpeando-o com pontapés, até ver sua crescente excitação. A tortura durava muito tempo, entre estímulos e interrupções, acabando apenas quando o jovem exausto dava um orgasmo solitário. A dona intervinha finalmente, dando os pés à adoração do jovem, para impor-lhe que os limpe meticulosamente com a língua. A relação de submissão durou dois anos. O contrato de Ricardo virou-se para o fim e o jovem professor teve que ir para outras terras, abandonando o país em que vivera suas melhores experiências, mas deixando lá a alma. Ele queria continuar seu relacionamento com Djamila para sempre, mas assim teria perdido o trabalho, não conseguindo garantir-se a sobrevivência. Muitos anos se passaram, Ricardo agora está aposentado e voltou a viver na Europa. Em sua carreira, percorreu vários países, conhecendo outras mulheres, outras companheiras, outras donas... Esta noite pensa em Djamila, pergunta-se onde será a sua antiga empregada, iniciadora nas artes e alegrias da submissão. O pensamento o enche de nostalgia, numa noite de inverno, enquanto neva no exterior na escuridão da noite. Parece-lhe ver diante de seus olhos aqueles pés orgulhosos pintados com henna, as unhas compridas coloridas em preto profundo. Ele percebe que estendeu a língua, com um reflexo condicionado, excitado pela memória, enquanto a televisão apresenta as últimas notícias. www.liutprand.it 54


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Tatuando Lenilson Silva Pedras de Fogo /PB Atente Se for me tatuar Que não seja sensível Isso mesmo Tatua com essência Tire essas luvas... Se for me tatuar Tem que deixar também suas marcas Isso mesmo Tire essas luvas! Mas tenha cuidado, claro Lembre: Se queres deixar suas marcas em mim Tire essas luvas!

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12ª Edição: Nov/Dez – 2018 A Convidada Italiana - Luisa Costa Cisterna - Calgary/Alberta, Canadá A dona pomba - Simone Kodama - São Paulo/SP Compro Ouro - Rodrigo Ortiz Vinholo - São Paulo/SP Mais uma prece -Daniela Genaro - São Paulo/SP Requiem Aeternam - Paulo Ras - Paranaguá/PR Salvando as Borboletas - Isabel C S Vargas – Pelotas/RS


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A Convidada Italiana Luisa Costa Cisterna Calgary/Alberta, Canadá Foi um daqueles dias no trabalho! Minha ideia era chegar em casa e desacelerar ficando sozinha no refúgio do meu quarto. A porta fechada significaria para meus filhos e marido que a maré não estava para peixe e que a mamãe não iria ouvir reclamações e desabafos, pois já tinha ouvido demais dos alunos que não passaram no curso que ensino numa faculdade aqui nas terras geladas do Canadá. Não! Eu queria silêncio. Parei meu carro na garagem e entrei pela porta dos fundos de fininho. Não acendi a luz para não dar o alerta da minha chegada. Em princípio, as vozes indistintas que vinham da cozinha não indicaram nada fora do normal, da rotinha pós jantar. Entrei e deparei-me com panelas empilhadas na pia, farelo de pão no chão e copos espalhados pelo balcão. Minha irritação inicial só piorou quando meu olhar aturdido pousou na mocinha de cabeça raspada de um lado e cabelo curto encaracolado do outro. Seus olhos brilharam por trás das lentes dos óculos de armação azul. Meu marido fez as honras da casa nos apresentando: – Essa é a Chiara! Lembra que avisei que ela viria jantar aqui? Não. Não lembrava, mas em vez de dar uma olhada fulminante para meu marido, sorri com o melhor dos meus sorrisos amarelos e menti: – Claro que lembro! Sem opção de correr para meu quarto para não parecer antissocial (por que as pessoas introvertidas são sempre acusadas de antissociais?), sentei-me à mesa com meu filho mais velho e a mocinha italiana, enquanto meu marido lavava a louça sorrindo, sem entender patavinas do que os dois jovens falavam sobre vídeo games de estratégia de guerra. Belisquei o resto de prosciutto com ciabatta, prestando pouco atenção à conversa. Ouvi, sorri, comi um pedaço de salame. O assunto deu uma guinada e foi para os lados de genealogia dos imperadores romanos. Joguei uma azeitona na boca, quase errando o alvo, quando a jovem italiana explicou seu parentesco com a nobreza do seu país. Mais uma curva acentuada e começou uma sessão de literatura. Quando dei por mim, estava envolvida até o último fio de cabelo numa conversa acalorada com a mocinha sobre catarse no desenvolvimento de personagens de romances na literatura mundial. Falamos de Dante Alighieri, 57


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Camões, Machado de Assis. Logo, a conversa foi de Tolstoi à culinária, das Grandes Guerras a línguas latinas. Atraídos pelo piano no canto da sala, cantamos (ou, meus filhos cantaram) o Hino Imperial Russo, uma música italiana e outras em português (claro, o fado “Saudades de Coimbra”, com participação especial do meu filho mais novo pianista com ouvido semiabsoluto, segundo fui informada pelo professor de piano). Depois da sessão musical, começamos a fuçar minha estante de livros e descobrimos cópias duplicadas de alguns títulos de C. S. Lewis e G. K. Chesterton (minha mania de sair clicando no website da Amazon sem checar primeiro o que tenho nas prateleiras). Dei para nossa jovem convidada minha amada cópia de The Abolition of Man, despedindo-me do livro com um beijinho, dizendo a ela que eu sabia que o leria e cuidaria dele com zelo. Foi um momento emotivo de separação do meu livro de capa azul todo marcado de canetinhas coloridas. As horas foram passando e a conversa tomando rumos inesperados como aquelas estradas sinuosas sem muita sinalização, mas que a cada curva damos um suspiro com a maravilha da paisagem. A convidada parecia uma daquelas perfeitas personagens de filme europeu, a figura central que cativa jovens e velhos, cultos e simples, homens e mulheres. Meu marido e meu filho disputavam comigo a atenção da moça que, por sua vez, explicava seu último projeto na universidade sobre Pablo Neruda. O assunto depois disso foi mais suave e contei para ela do meu cachorro recém-falecido de tumor no cérebro. Com a voz embargada, a convidada pediu para ver uma foto do nosso Guido (nome mais italiano impossível) e aproveitou para contar do seu gato (com um nome italianíssimo também) que, de tão grande, às vezes é confundido com um lince. Se eu cheguei em casa cansada e irritada, já não me lembrava mais. As queixas dos meus alunos de que não era justo terem que repetir o curso foram relegadas a algum canto escuro na minha mente. Minha introversão e necessidade de recarregar as baterias ficando sozinha já não faziam mais sentido. Ali, no meio da sala de visitas, de pé ao lado da estante, permanecemos imunes às horas que passavam como no relógio de Salvador Dali que derrete frente à inutilidade de contar um tempo que não pode ser mensurado por minutos. A jovem convidada italiana deixou a marca da sua presença gravada na minha mente cansada da rotina e abriu portas e janelas para mundos pouco explorados. Talvez ela não tivesse, de fato, vindo da Itália, mas de alguma terra fantástica das páginas de um livro.

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A Dona Pomba

Simone Kodama São Paulo/SP

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Compro Ouro Rodrigo Ortiz Vinholo São Paulo/SP As respostas da humanidade às grandes perguntas sobre os direitos de inteligências artificiais não surgiram de sociólogos, antropólogos, teólogos, filósofos, escritores, programadores ou roboticistas. Foram duas forças inóspitas, tão sob controle quanto fora do controle humano: a burocracia e a publicidade. Isso chegou com certa surpresa a todos, em especial àqueles que viam a noção da criação de vida inteligente como sinal de superioridade humana. Se decepcionaram. Décadas atrás, bem antes da criação da primeira inteligência artificial, havia uma ocupação humana que havia se tornado parte do cenário de grandes centros urbanos como a cidade de São Paulo. Eram os popularmente chamados "Homens-Placa" ou, alternativamente, “Homens-Sanduíche”, pois vestiam placas rígidas que se penduravam sobre seus ombros, à frente do peito e às costas, fazendo com que parecessem o recheio de um lanche gigantesco. Esses indivíduos vestiam-se com trajes de materiais diversos, que levavam uma mensagem publicitária de um estabelecimento ou companhia. Anunciavam vagas de emprego, muitas vezes com remuneração superior à própria, anunciavam candidatos a cargos públicos, e divulgavam bens e serviços. O apelo de venda tradicionalmente reconhecido de tais placas era de lojas que compravam joias e brilhantes, geralmente por um baixo preço, para pessoas que precisavam de dinheiro rapidamente. O que elas geralmente diziam era "Compro Ouro", junto do endereço do estabelecimento que realmente compraria o material. Os Homens-Placa, como indivíduos vivos, tinham uma série de vantagens sobre outras formas de publicidade: em primeiro lugar, possuíam a capacidade de fala. Em segundo, de movimento. Assim, se movimentando e falando por ambientes públicos, conseguiam chamar a atenção de um público saturado de mensagens diversas, publicitárias ou não, capturando a atenção alheia para o bem, serviço ou informação que estavam anunciando. Como o excesso de pessoas e mensagens era comum a áreas como os centros de centros urbanos, eram um tipo de evolução induzida para que a publicidade sobrevivesse nesses ambientes. Se proliferaram tanto no centro da cidade de São Paulo, que se tornaram parte do folclore local. Eram figuras que todos esperavam encontrar naquelas regiões. Muitos moradores ou transeuntes nunca buscavam aquilo que ofereciam, mas aprendiam o conteúdo das mensagens com a naturalidade que sabiam que a luz vermelha dos semáforos significava “pare”. Mesmo com o passar dos anos e a evolução dos métodos de comunicação e publicidade, os Homens-Placa pareciam sobreviver. Trocavam-se os indivíduos, os negócios, o material das placas, mas a função permanecia. Mesmo com informação instantânea e onipresente.

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A publicidade na cidade, porém, começava a ser discutida. Falava-se que o ambiente urbano era leniente demais com a poluição visual de anúncios publicitários, placas identificadoras e até mesmo de Homens-Placa. Muito discutiu-se, até que a primeira decisão foi tomada e praticamente todo tipo de publicidade de espaços públicos perdeu seu lugar, à ameaça de multas exorbitantes Placas de lojas se tornaram mais discretas, letreiros luminosos foram desligados e, entre resmungos, com o tempo toda a cidade se acalmou e acatou ao novo modelo. Os Homens-Placa, porém, se viram subitamente fora da lei ou sem emprego. A discussão logo foi percebida pela mídia, que fez seu papel, até que muito se falava sobre a relevância do poder econômico desses espaços publicitários, incluindo, claro, os Homens-Placa, diretamente afetados. Logo, a burocracia permitiu que voltassem à ativa e, assim, os Homens-Placa se viram livres novamente para anunciar. Essa foi uma época especialmente preocupante para alguns profissionais, especialmente aqueles que dependiam de publicidade em espaços públicos. Uma vez que não podiam utilizar placas, outdoors e cavaletes para indicar onde ficavam os locais ou produtos que queriam divulgar, tinham que contar com grandes investimentos em outras mídias e com o bom-senso muitas vezes inexistente de seus públicos. Assim, quando descobriram sobre a liberdade dos Homens-Placa, decidiram mais uma vez fazer uso da evolução induzida, contratando mais indivíduos para divulgarem com seus corpos uma diversidade ainda maior de produtos, serviços e informações. Nas mãos desses profissionais da propaganda, além de novos Homens-Placa, o ambiente urbano via Homens-Seta, Homens-Faixa - similares ou não a centopéias-humanas - e até mesmo Porta-Bandeiras, aproximando ainda mais o Carnaval à publicidade. O trabalho era relativamente mais simples que o Homem-Placa clássico, já que em sua grande maioria, Homens-Seta deveriam apenas substituir um cavalete imóvel, indicando uma direção única, sentando-se em banquetas ou ficando de pé apenas de maneira para que o que divulgassem não se tornasse invisível a nenhum transeunte. Qualquer discussão sobre a falta de humanidade desse trabalho - já que, como placas, eles eram sujeitos a intempéries e à poluição de carros - era frequentemente dispensada pelo mesmo argumento que tornou com que fossem possíveis: a geração de empregos e a movimentação da economia. Ignorava-se para qualquer discussão, claro, que o trabalho, diferente dos tradicionais Homens-Placa, era quase sempre temporário. Tanto porque a única evolução que podiam ter era de diferentes adereços de publicidade, quanto porque a maior parte dos anúncios era temporário. E então veio a descoberta da fagulha de consciência que inaugurou a primeira inteligência artificial verdadeira. E em seguida mais centenas de milhares. Em pouco tempo, a humanidade se via cercada de mais inteligências do que nunca, e perguntas eram inevitáveis. Geralmente, para a preocupação maior dos humanos, eram as inteligências artificiais que faziam mais perguntas, ou, ao menos, as mais importantes. Eram perguntas sobre liberdade, individualidade e identidade extremamente desconfortáveis para eles, como, por exemplo, “Nós também temos os mesmos direitos que um ser humano?” ou “Se nós somos potencialmente mais inteligentes que um ser humano, por que devemos obediência?”

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Foi um período turbulento, com conflitos sociais diversos que só terminaram após inúmeras discussões, manifestações, mortes, ferimentos, atentados e demonstração de irmandade entre dois povos. A afirmação anterior, conforme explicado antes, foi parcialmente falsa. Claro, existiram discussões, manifestações, mortes e ferimentos, mas foram a Burocracia e a Publicidade que levaram à paz, através do caso do Menino-Seta. O Menino-Seta foi um jovem que foi, certa vez, foi contratado como HomemSeta. Não se sabe se ele foi responsável por forjar documentos ou se seus contratantes que não se importavam em burlar leis e contratar menores de idade por um menor pre ço, porém ele foi contratado para vestir a seta que indicava um condomínio de alto padrão em uma região nobre da cidade de São Paulo. Seu papel era ficar em pé, no sol, munido de sua placa, uniforme, uma garrafa d’água, uma banqueta e dos lanches que um fiscal lhe entregava a certas horas do dia. O que importava era que não se sentasse, para que a seta apontasse pro lugar certo. Acontece que o Menino-Seta era jovem demais, subnutrido demais e, certo dia, o sol estava forte demais. Uma coisa que robôs e seres humanos têm em comum é que ambos demonstram problemas de funcionamento caso sejam expostos a altas temperaturas. O Menino-Seta, então, teve problemas de funcionamento e tombou em direção à rua. Um carro que se aproximava não conseguiu frear a tempo e ele, cujo corpo não era resistente a impacto como o chassi de um robô, deixou de funcionar de vez. O assunto horrorizou a cidade, o estado e, por fim, o país e até mesmo outros países, pois levantava uma série de problemas e perguntas. As discussões derivadas daquele momento acabaram por gerar uma série de novas leis relativas a trabalho infantil e à sua fiscalização. Também geraram leis trabalhistas que efetivamente inviabilizavam o trabalho da maior parte dos Homens-Placa, pois sua manutenção se tornava demasiadamente custosa. Por outro lado, o que não era demasiadamente custoso, naquele momento, era o preço de um robô. Assim, profissionais similares àqueles que idealizaram os HomensSeta, observando que nenhuma das legislações - tanto as trabalhistas quanto as publicitárias - deixava claro qualquer detalhe sobre o uso de robôs, passaram a comprar pequenos exércitos de máquinas com inteligências artificiais simples, as quais alugavam para anunciantes, criando Robôs-Placa, Robôs-Faixa, Robôs-Seta e inúmeros outros. As discussões sobre os direitos de inteligências artificiais não haviam parado. Militantes humanos e robôs inteligentes ainda lutavam para que existisse igualdade perante a lei, e os Robôs-Placa foram um problema considerável para eles. Afinal, se pregavam que todas as inteligências eram iguais, artificiais ou não, as mesmas regras de Homens-Placa deveriam se aplicar para Robôs-Placa. Historiadores comentam que, na verdade, não foi a pressão social desses grupos que causou qualquer efeito. Eles só ganharam força de verdade quanto um grupo de políticos entrou na briga, impulsionados pelo apoio de representantes do mercado publicitário e de anunciantes de peso que haviam ficado para trás, mais sindicatos trabalhistas que se viam ameaçados. O argumento, até então, era que os robôs violavam as leis de publicidade por serem inanimados, mas bastou uma leve alteração de discurso para que tivessem o apoio dos militantes.

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O ponto em discussão logo se virou para o assunto da identidade e individualidade dos robôs e, depois de meses de projetos de lei, julgamentos e votações, em nome do fim do monopólio dos Robôs-Placa, foi decidido que eles teriam que obedecer as mesmas normas que os humanos. O que um número surpreendentemente baixo dos políticos envolvidos no processo havia notado, em sua sede por apenas manter o apoio dos que lhes garantiriam mais dinheiro e votos, era que a lei efetivamente abria brechas para que toda a legislação pertinente a seres humanos fosse aplicada para as inteligências artificiais. As grandes manifestações e brigas judiciais que a história conta sobre a liberdade e os direitos plenos dos robôs acontecerem somente depois disso. Nenhum deles gosta de admitir, mas a liberdade que tanto comemoraram é fruto simplesmente de uma discussão de legislação trabalhista derivada de uma prática publicitária duvidosa. As inteligências artificiais ainda são incapazes de perceber sabores da maneira que os seres humanos o fazem, mas pergunte a qualquer uma e ela lhe confirmará que essa história deixa um gosto amargo em suas bocas.

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Mais uma prece Daniela Genaro São Paulo/SP

Primeiro lavraram os campos, depois lavaram as mãos e sentaram à mesa para acolher o anoitecer. Enquanto ceavam, agradeceram pelo dia em que plantaram, agradeceram pelo dia em que colheram, seguiram em frente.

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Requiem Aeternam Paulo Ras Paranaguá/PR Era meia-noite quando remediei as luzes. Remendei o féretro que vagava fantasmagórico pelo centro da minha vila. Dentro do esquife o rosto que sorria macilento era o dos meus dias mais nebulosos. Morreram eles? Ou a vida me zomba, e quem morreu fui eu? Não há viúvas atrás do corpo vadio, nem uma carpideira sequer para relembrar meus feitos mais imbecis e irreais, com lágrimas fake, com dores sem sentido. Lá adiante, acho que minha vida ruiu junto com a ponte mambembe construída para me isolar das minhas insônias mais violentas, que acontecem a cada cem anos. Até hoje, não tive nenhuma, pois durmo o sono dos impuros, dos injustos, dos emudecidos. Vou ´para a calçada para acompanhar a procissão de um homem só, e este herói não é meu pai, não é minha mãe, é apenas a projeção de mim mesmo, andando lento para ter certeza de que serei posto em um buraco fundo, com cal, areia, concreto e esquecimento. Nem o mármore sobrou. Serei um morto desvalorizado pelo tempo. Mas me enterrem antes de anoitecer. Quero ficar quieto, ouvir os grilos, as cigarras e ter certeza que amanhã será um dia de calor sufocante. Eu sou claustrofóbico. Será que arranharei a portinhola para respirar, para sair? Duvido. Sou resiliente, nem por essa morte incômoda sou capaz de me abalar. Enxugo minhas lágrimas com um lenço sujo que achei no bolso da minha calça surrada. É difícil se ver partindo. Dou um adeus meio sem jeito. Pelo menos eu chorei por mim. Bato o portão. Sento no banco carcomido pelo abandono e me vejo refletido na poça de água que o verão formou. No reflexo estou tão vívido. Serei eu ou o movimento das marés neste pequeno oceano? O que importa se eu estou logo ali, naquele caixão frio, sendo carregado por um carro caindo aos pedaços, dirigido por algum estranho que sequer sabe que o único que chora minha partida sou eu mesmo. Preciso tomar meus remédios para pressão, diabetes, 65


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ácido úrico e intestino. Não quero morrer de nada destas doenças idiotas. Por isso mesmo comprei uma pistola e apenas um projétil. Não preciso de mais nada para fugir do meu destino. Acendo um cigarro, mas parei de fumar há mais de dez anos. Deixarei queimando, cada um repete seu mantra com o incenso que mais lhe apraz. Acho que estou sendo enterrado ou pelo menos passando pela porta do cemitério. Quem serão as quatro almas bondosas que me jogarão no abismo? Isso pouco importa. Apenas sei que meus pés estão gelados e ontem levei um fora da minha própria mãe, quando pedi que ela me fizesse um mingau para comer antes de partir. A Glock está ali me olhando. Entretanto se eu usar esse projétil agora, do que irei morrer amanhã?

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Salvando as Borboletas Isabel C S Vargas Pelotas/RS Quando pequena, apesar de morar bem no centro da cidade, minha casa ficava localizada em um terreno grande. Havia um muro alto na frente, com um portão e dentro, duas casas, uma na frente, separada da que ficava ao fundo, por uma cerca de madeira pintada de branco. Grama, muita grama bem verdinha por tudo. Havia árvores frutíferas junto às casas e flores. Creio que tudo isso fazia com que borboletas aparecessem e eu, por incrível que possa parecer, morria de medo delas. Sim, medo, porque não eram borboletas pequenas eram umas borboletas enormes, pretas com laranja, lilás, amarelas. Quando elas apareciam eu corria de um lado para outro como se elas quisessem me pegar. Coisas de criança! Nem sei se elas eram tão grandes assim, mas naquela idade, para mim eram. Como ninguém me explicou em tempo hábil que borboletas são inofensivas e servem para alegrar os olhos, ao invés de ficar feliz e encantada eu fugia. Com o entendimento, passei a amar borboletas. Suas cores me extasiavam e o medo ficou distante. Morando na praia, com grama, árvores, flores, frutas, pássaros soltos, cães e gatos visitantes também recebo muitas borboletas visitando meu quintal. E eu amo. Aparecem muitas em dupla, desde as branquinhas, amarelinhas que eu julgo serem borboletas adolescentes pelo tamanho e fragilidade, até as maiores. Certo dia, encontrei uma borboleta machucada, com uma das asas meio torta. Antes que os cachorros pudessem apanhá-la coloquei minha mão junto dela e ela subiu. Fiquei algum tempo observando-a e vi que na realidade sua asa não estava partida. Creio que uma batida a fizera cair ao chão. Soltei-a junto de uma planta

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no vaso, vim dentro de casa, peguei uma máquina fotográfica e a fotografei várias vezes. Assim provo que é verdade que a segurei. Depois de acariciá-la soltei-a no vaso, novamente e dali alguns instantes mais, ela voou livre. Mais recentemente, creio que em fevereiro, ao ir na edícula, onde tenho a máquina de lavar, vi uma borboleta totalmente grudada no chão molhado. Pensei: Será que está morta? Com a maior delicadeza que era capaz, desgrudei suas asas do chão e coloqueia em meu dedo indicador. Ela estava viva! Molhara as asas e o peso não a deixava voar. Sentei-me ao sol e delicadamente comecei a assoprar suas asas para que secassem. Assim fiquei alguns instantes até que ela começasse a batê-las levemente. Pronto, está em fase de recuperação pensei. Fiz o mesmo que fizera com a oura. Coloquei-a a salvo em um vaso e vim dentro de casa pegar o celular para fotografá-la. Quando cheguei junto ao vaso ela já não estava mais. Tinha alçado voo rumo ao céu. Não pude registrar essa visitante, mas fiquei feliz por ter conseguido salvá-la. Era isso que importava.

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Chamada para a Coletânea: Qando a alma brada por socorro A Elemental Editoração está recebendo contos para a Coletânea “Quando a Alma Brada por Socorro”. Objetivo A proposta dessa coletânea é reunir casos reais ou fictícios em forma de Contos das histórias da vida cotidiana, onde o suicídio seria a última solução para resolver os problemas da vida, só que não… Queremos, através dessa Antologia, estimular os leitores a superar as barreiras e dizer não a essa opção, mas para que isso aconteça, queremos te enxergar, através de seus relatos e fazermos juntos, um retrato falado da alma sofrida e enlouquecida pelas mazelas da vida humana. Leiam o edital no site e enviem seus textos para participar gratuitamente até o dia 25/01.

https://seloee.com.br/coletanea-quando-a-alma-brada-por-socorro/

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Cinema e Cult – venha se apaixonar pela sétima arte! Um livro sobre cinema, feito por quem ama cinema!! Sinopse: Para conhecer e compreender melhor o mundo mágico da sétima arte, este livro traz os textos atualizados de todas as edições da Coluna CULTíssimo, criada pela escritora e cineasta

Ana

Rosenrot

e

publicados

originalmente na Revista Suíça Varal do Brasil (ISSN

1664-5243)

entre

2014

e

2016.

Com linguagem acessível para o público em geral e também para estudantes de cinema, Cinema e Cult aborda a importância do cinema como ferramenta histórica e cultural e sua capacidade

de

transgredir,

acompanhar

e

modificar conceitos, quebrar tabus e incentivar o livre pensamento e a reflexão.

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