Revista Literatas 44

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Maputo | Ano II | Nº 44 | Agosto de 2012

Especial Literatura Moçambicana Entrevista | Pág. 06

“Um escritor calado é um cidadão falhado”

Leituras | Pág. 06

“Charrua” na voz do seu primeiro coordenador

Entrevistas | Pág. 07

“Niguém Matou a Charrua” Entrevista: Pedro Chissano, escritor moçambicano |Pág. 09-13

A AEMO na visão dos escritores


A Forรงa da Juventude Literรกria Leia a sua revista TODOS os dias

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Sumário Entrevistas

pág. 18-21

Editorial |

Personagens

pág. 4

Eduardo Quive

A AEMO e o tempo

3 Escritores falam da AEMO

Entrevista

pág. 09 a 13

Opinião

“Há uma mcrogização da Literatura Moçambicana”

ªNinguém Matou Charruaª

Poesia

pág. 14 e 15

pág.20 e 21

Conto pág. 19

Albino Magaia

Juvenal Bucuane

1 de Agosto de 1982, nasce a Associação dos Escritores Moçambicanos. Somos de hoje, mas atentos aos de sempre. Já ouvimos por muito que a eternidade de um escritor marca-se pela publicação de um livro. É na verdade o escritor que está no centro de uma agremiação como a AEMO que tem na sua história momentos da verdadeira afirmação da literatura moçambicana. E neste número que apesar de ser 44, é seguramente sem contagem porque é única, totalmente dedicada àquela casa onde nascem e vivem escritores, a pesar das posições e contradições que dizem lá haver. A verdade que, felizmente, todos assumimos é que existe uma AEMO, Associação dos Escritores Moçambicanos, entidade que em princípio, tinha que congregar todos escritores nacionais. Um dos marcos daquela instituição, regista-se em 1984, concretamente, no dia 23 de Junho a quando do lançamento da primeira revista literária de Moçambique depois da independência. Trata-se da revista “Charrua”, esse instrumento que aquecido pelo “sol que nunca desce” desbravou a terra e fiz germinar as árvores de que hoje nos alimentos. Podíamos até menciona o nome de todos, mas porque no interior destas páginas estão quase todos eles, vamos nos retratar do Pedro Chissano, quem escolhemos homenagear nesta edição. E porquê Pedro Chissano? Bom, neste momento seria, qualquer resposta que tecesse, colocaria em causa aquela que é a verdadeira pessoa a que nos retratamos. O melhor mesmo, Chissano já fez e trouxemos em cinco páginas. Tudo de uma só vez, os seus “eus”, os amigos, as nostalgias que sente, a vontade que tem, apenas não pudemos trazer o copo de vinho que que acabou enquanto fazíamos a entrevista. Neste tempo em que a Associação dos Escritores Moçambicanos poderá verificar “grandes” mudanças, aliás, apoiadas pelo actual secretário-geral Jorge de Oliveira, encontramos várias opiniões divergentes, mas numa coisa elas convergem, é preciso que se faça alguma coisa. Pois é, o pior mesmo, é ver o leite a derramar, esperar que ele jorre todo para depois sair a chorar feito a saudade que nunca nos deixa viver outros tempos. Caríssimos, quem somos nós para falar de uma instituição que conta com 30 anos de existência? Ainda mais quando o próprio secretário-geral e aqueles que o antecederam nesses cargos assumem o protagonismo nesta edição? Boa Leitura

Luís Bernardo Honwana

Ficha técnica

Centro Cultural Brasil-Moçambique | Av. 25 de Setembro, Nº 1728 | Maputo | Caixa Postal | 1167 | Email: r.literatas@gmail.com | Tel. (+258): 84 57 78 117 | 82 35 63 201 | 84 07 46 603 Movimento Literário Kuphaluxa | http://kuphaluxa.blogspot.com | www.facebook.com/movimento.kuphaluxa

DIRECTOR GERAL Nelson Lineu | nelsonlineu@gmail.com Cel: +258 82 27 61 184 DIRECTOR COMERCIAL Japone Arijuane | jarijuane@gmail.com Cel: +258 82 35 63 201 | +258 84 67 29 929 EDITOR Eduardo Quive | eduardoquive@gmail.com Cel: +258 82 27 17 645| +258 84 57 78 117 CHEFE DA REDACÇÃO Amosse Mucavele | amosse1987@yahoo.com.br Cel: +258 82 57 03 750 | +228 84 07 46 603 CONSELHO EDITORIAL Eduardo Quive | Amosse Mucavele | Jorge Muianga| Japone Arijuane | Mauro Brito.

REPRESENTANTES PROVINCIAS Dany Wambire - Sofala Lino Sousa Mucuruza - Niassa Jessemuce Cacinda - Nampula

Angola: Lopito Feijóo João Tala Cabo Verde: Filinto Elísio

REVISÃO LINGUÍSTICA Jorge Muianga COLABORADORES Moçambique: Lilía Momplé Izidro Dimande Brasil: Rosália Diogo Marcelo Soreano Pedro Du Bois Samuel Costa Portugal: Victor Eustaquio

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FOTOGRAFIAS Eduardo Quive PAGINAÇÃO Eduardo Quive PERIODICIDADE Quinzenal

A revista Literatas é uma publicação electrónica idealizada pelo Movimento Literário Kuphaluxa para a divulgação da literatura moçambicana interagindo com as outras literaturas dos paises da lusofonia. Permitida a reprodução parcial ou completa com a devida citação da fonte e do autor do artigo.


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Personagem | Moçambique

Alguns nomes que dirigiram AEMO Suleiman Cassamo

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scritor e professor moçambicano nascido em 1962, em Marracuene, na província de Maputo, Moçambique. Obteve a licenciatura em Engenharia Mecânica e tornou-se professor universitário. É membro da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) da qual foi secretário-geral, entre 1997 e 1999, e membro e cofundador do Conselho de Redacção da revista Eco. Como escritor, colaborou em jornais e revistas literárias, comoCharrua, Gazeta de Artes e Letras, Notícias, Eco, entre outros. Publicou O Regresso do Morto (1989, traduzido em várias línguas),Amor de Baobá (1997) e Palestra para Um Morto (1999). Em 1994, a Radio France Internacionale (RFI) atribuiu-lhe o prémio Guimarães Rosa pelo conto O Caminho de Phati. A essência das narrativas de Suleiman Cassamo encontra -se na representação da moçambicanidade, não só pela representação dos hábitos e dos comportamentos sociais dos Moçambicanos, como também pelas inclusões de um crioulo luso-africano de origem ronga (a sua língua materna), que aproximam a narrativa à linguagem do discurso oral, trazendo assim uma originalidade ao seu discurso literário.

Hélder Muteia

E

scritor e político moçambicano, Hélder dos Santos Félix Monteiro Muteia, nasceu a 21 de setembro de 1960, em Quelimane, na província de Zambézia, Moçambique. Após a realização dos seus estudos secundários na sua cidade natal, concluiu o curso de Agropecuária do Instituto Agrário de Chimoio, em 1981, começando a trabalhar, no ano seguinte, como codiretor do Projeto Avícola do Chokwe, na província de Gaza. Entre 1983 e 1988, exerceu as funções de subchefe da Pateira da Matola, na província de Maputo, e de chefe do Departamento Técnico da Avícola de Maputo, de 1989 a 1990. Foi, nesse ano, que obteve a licenciatura em Medicina Veterinária pela Universidade de Eduardo Mondlane, em Maputo. Em 1997, tornou-se Diretor Nacional no Centro de Formação Agrária e Desenvolvimento Rural, em 1998, foi designado vice-ministro da Agricultura e Pescas e, em 2000, foi nomeado Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural. A nível político, foi ainda deputado, entre 1994 e 1999, pelo círculo eleitoral de Zambézia, na Assembleia da República, em representação da FRELIMO. Como escritor, escreveu diversas crónicas e artigos para a imprensa, como em Notícias da Beira, Charrua, Diário de Moçambique, Eco, Tempo, Lótus, Forja, entre outros órgãos de comunicação. Vários dos seus trabalhos literários estão incluídos em antologias nacionais e estrangeiras, tais como Contos Moçambicanos ou Sonha Mamana África. Publicou os livros Verdade dos Mitos (1988), Nhambaro (1996). Desde 1984, faz parte da Associação dos Escritores Moçambicanos da qual foi secretário-geral (1992-1996) e presidente do Conselho Fiscal (1996-1999).

Lília Momplé

L

ília Maria Clara Carriére Momplé, nascida a 19 de Março de 1935 na Ilha de Moçambique, província de Nampula, a norte de Moçambique, é Assistente Social de profissão, com licenciatura em Serviços Sociais. Lília Momplé, foi professora de Inglês e Língua Portuguesa na Escola Secundária de Ilha de Moçambique e directora da mesma escola entre 1970 e 1981. Trabalhou como assistente social em Lisboa, Lourenço Marques (actual cidade de Maputo) e em São Paulo, Brasil, em 1960 a 1970. Em outras missões, Lília Momplé foi, de 1992 a 1998, directora do Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural de Moçambique (FUNDAC) e de 2001 a 2005, membro do Conselho Executivo da UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. No seu percurso literário, dirigiu a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) de 1991 a 2001, como secretária geral, de seguida ficou presidente da Mesa da Assembleia-geral da mesma agremiação. O seu primeiro livro veio ao público em 1988, editado pela AEMO, com o título «Ninguém Matou Suhura», uma colectânea de Contos; «Neighbours» romance publicado em 1995 e «Os Olhos da Cobra Verde» obra de contos publicada em 1997, também sob a chancela da AEMO. Ainda na arte, a escritora publicou o «Muhipiti-Alima» um vídeo de drama, editado pela PROMARTE em 1997. As obras da Lília Momplé, já foram editadas em Inglês, Italiano, Francês e Alemão. Neste momento, a escritora faz parte do «Internacional Who´s Who of Authores and Writeres» e desde 1997 é membro de «Honorary Fellow in Literature» da universidade IOWA dos Estados Unidos da América (EUA).

Rui Nogar Escritor e político moçambicano, Rui Nogar, pseudónimo de Francisco Rui Moniz Barreto, nasceu a 2 de Fevereiro de 1935, em Lourenço Marques (atual Maputo), Moçambique. Fez os estudos primários e secundários em Lourenço Marques e começou a trabalhar como empregado comercial e funcionário de agência de publicidade. Para além disso, exerceu vários cargos como o de deputado da Assembleia Popular, Diretor do Museu da Revolução, Diretor Nacional da Cultura e Secretário-Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos. Desde 1964 era militante da Frelimo e foi preso pela PIDE por fazer parte da organização. A obra Silêncio Escancarado (1982) resultou de uma recolha de textos escritos no tempo em que esteve preso. Foi tamém o primeiro secretáriogeral da AEMO em 1982. Poeta, contista, declamador, Rui Nogar colaborou em publicações de imprensa, como Itinerário, O Brado Africano, A Voz de Moçambique, Caliban e África. A sua obra está incluída em várias antologias nacionais e estrangeiras, como Poetas Moçambicanos (1960), Resistência Africana (1975) e No Ritmo dos Tantãs (1991). Rui Nogar morreu em Lisboa, em 1994.

Albino Magaia

Armando Artur

N

ascido a 28 de Dezembro de 1962, na Zambézia, é um escritor moçambicano. Pu blicou "E spe lho do s Dias" (1986), "O Hábito das Manhãs" (1990), "Estrangeiros de Nós Próprios" (1996), "Os Dias em Riste" (2002) – prémio Consagração FUNDAC -, "A Quintessência do Ser" (2004) – prémio Nacional de Literatura José Craveirinha -, "No Coração da Noite" (2007) e "Felizes as Águas" (antologia de poemas de amor). Possui também obra dispersa em revistas literárias, livros didácticos, antologias e jornais nacionais, e outra traduzida e/ou publicada pelo mundo fora. É membro fundador da Associação Pan-africana de Escritores (PAWA). Foi Secretário-Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos. Exerceu o cargo de Vice Presidente do Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa e é actual ministro da Cultura.

Albino Fragoso Francisco Magaia (Lourenço Marques, 27 de Fevereiro de 1947-27 de Março de 2010) foi um jornalista, poeta e escritormoçambicano. Na sua juventude, foi membro do Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM). Foi director do semanário Tempo e secretáriogeral da Associação dos Escritores Moçambicanos.

Obras publicadas Assim no tempo derrubado. Maputo, Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1982. (poesia) Yô Mabalane!. Maputo, Cadernos Tempo, 1983. (novela). Malungate. Maputo, Associação dos Escritores Moçambicanos, 1987. Colecção Karingana. (novela)

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Questão de Fundo

“Um escritor calado é um cidadão falhado”

J

orge de Oliveira que lidera a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) a quatro anos, está neste momento no fim do seu segundo mandato, nesta entrevista que concede à Literatas em exclusivo, declara a sua saída da liderança como mandam os estatudos da associação “Não penso em sair, vou sair! Já dei a minha parte, agora é vez dos outros. As pessoas passam, as instituições ficam.” Nestas declarações, de Oliveira, não está a dizer que vai retirar -se da associação “Continuarei o membro interventivo que sempre fui, porque o escritor não pode calar-se, um escritor calado é um cidadão falhado”. E são estas declarações que norteiam o espírito do secretário-geral da AEMO que ao que tudo indica, sai da cadeira que ocupa, de consciência tranquila “fizemos muito, muito, muito”. O resto ele diz na entrevista que se segue. Eduardo Quive

Literatas: Entra na AEMO em 2008. Em que condições encontra a associação? Jorge de Oliveira: Encontrei a Associação a funcionar normalmente. Sabes, isso de trabalhar com organizações de pessoas que pensam e escrevem para o público aquilo que pensam não é a mesma coisa que lidar com uma empresa ou uma instituição que funciona na base de metas, objectivos, resultados, lucros. Não digo que a AEMO não deve ter tudo isso, também temos as nossas metas e os nossos programas de trabalho, mas é óbvio que a forma como lidamos com os membros e como gerimos a Associação é muito sui generis. Por exemplo, quando tens um prazo a cumprir, a forma como o transmites a um escritor é muito especial. Se te armas em esperto corres o risco de ouvir uma resposta do tipo: O escritor não tem prazo. É claro que o escritor também deve ter prazo, mas temos que saber transmiti -lo sob pena dele nos mandar passear. Portanto, para responder a tua pergunta, encontrei a AEMO de boa saúde e segui em frente. L: A missão de liderar essa associação de escritores pareceu-lhe fácil? O que tem a dizer sobre isso volvidos 4 anos na posição de secretário-geral? J.O: Quive, eu costumo dizer que nada é fácil na vida. As pessoas fazem-se pelo trabalho, pela honestidade, sinceridade e amizade. Foi fácil liderar a AEMO porque tratei as dificuldades com naturalidade, sinceridade, responsabilidade e seguro dos passos que dei. Mas a vida é isso mesmo, trabalhar, trabalhar, trabalhar, gozar, gozar, gozar. Não existe nenhum problema que não se ultrapasse. É preciso pensar, ouvir as pessoas, discutir, e decidir. L: Há quem diga que os escritores não têm trabalhado no sentido de se desenvolver a Literatura em Moçambique… J.O: Os nossos escritores preocupam-se em desenvolver a nossa literatura porque isso faz parte da vida deles. Não vivem da literatura, mas vivem para a literatura. Isso implica que devem contribuir para o desenvolvimento da nossa literatura. E eles têm feito a sua parte. O escritor, por natureza, é uma pessoa polémica, no bom sentido. Se encontrares um escritor que não levante polémica em cada três palavras que disser, esse é um escovinha, não é escritor. Eles têm trabalhado, têm apoiado, mas a forma como o mundo livreiro se encontra estruturado não permite que façam muito mais do que têm feito.

L: Há opiniões que apontam para o fraco papel interventivo da AEMO sobre a situação do escritor e do livro em Moçambique. Poderá falar da sua posição em relação a isso? J.O: Nós somos uma Associação sem fins lucrativos, é preciso perceber isso. A forma como tratamos o livro e a nossa intervenção no mundo literário não é feita como uma empresa que vive em função dos lucros que alcança. Não digo que devemos viver como amadores, ou que não devemos procurar ganhar dinheiro, nada disso! O que digo é que a forma como a AEMO está estruturada não é adequada para se ganhar dinheiro, não é de uma empresa do ramo livreiro. Eu gostaria que conseguíssemos receitas, lucros, dinheiro, e fizemos algumas coisas nesse sentido, mas enquanto não se mudar a filosofia de vida nesse aspecto específico da gestão, não é possível avançar muito mais do que avançamos. Temos que mudar normas, pessoas e procedimentos. L: Na entrevista que fiz ao Pedro Chissano, ele se refere a duas situações que passo a destacar. 1º é o possível “conflito de gerações” que provavelmente terá causado a acumulação de problemas por resolver desde os mandatos que lhe antecederam. Terá encontrado esse cenário? Que posição tomou perante esse problema? J.O: O conflito de gerações existe em todo mundo. Não fui eu que o inventei nem serei eu a resolvê-lo. Isso, em minha opinião, não traz problemas, pelo contrário, é uma forma de se unir a experiência dos mais velhos e a juventude dos mais novos. Se reparares, ao longo do meu mandato, procurei sempre juntar a nova e a velha geração. Fica bonito, é uma coisa agradável de se ver. Às vezes, fico triste quando vejo políticos em discussões porque um é desta e outro é daquela geração ou porque os de uma geração não vêem com bons olhos os da outra. A miscigenação de idades, experiências e gerações é uma coisa muito bonita. L: Pedro Chissano refere ainda a probabilidade de o actual secretariado estar a funcionar num possível abandono. Concorda? Há uma união por parte dos escritores moçambicanos? E a gestão da AEMO reflecte essa união? J.O: O secretariado não funciona a tempo inteiro, nunca funcionou. É preciso não confundir isso com abandono. Temos em vista alterar os estatutos para que se possa contratar, fora da AEMO, um executivo que possa estar na Associação todo o dia e esteja a geri-la numa perspectiva comercial. E isso não é vocação dos escritores, tem que ser alguém formado em gestão. Vamos levar essa proposta e esperamos que a assembleia-geral aprove.

O secretariado não funciona a tempo inteiro, nunca funcionou. É preciso não confundir isso com abandono.

L: Aliás, que acções concretas, fez a AEMO sob a sua liderança? J.O: Não consigo lembrar-me de tudo, fizemos muito, muito, muito, mas posso adiantar-te algumas coisas muito importantes: Criamos o Prémio BCI de Literatura; Elevamos o Prémio José Craveirinha de 5 para 25 mil dólares; Lançamos vários novos autores (Simital, Alex Dau, Clemente Bata, Mukwarura, Léo Cote, Domi Chirongo, Lucílio Manjate, Benjamim Tomás, Chakil Aboobacar, Romão Cossa, Tokwene, Brígida Henrique, Alexandre Chaúque); Realizamos intercâmbio com escritores de outras partes do mundo (Cuba, Portugal, Angola, Estados Unidos de América, Brasil); Conseguimos o selo Made in Mozambique; Coordenamos vários concursos literários; Homenageamos escritores (Marcelino dos Santos, Ungulani Ba Ka Khosa, Calane da Silva); Reeditamos livros desaparecidos da nossa montra cultural há décadas (Suleiman Cassamo, O regresso do morto, Aníbal Aleluia, O gajo e os outros) e, Participamos em actividades literárias internas importantes (festivais de cultura, jornadas literárias).

L: Colocará o fim ao seu mandato na AEMO ou pensa em manter-se? Caso pense em sair, acha que quem podia ser o novo secretário? E que desafios o mesmo poderá ter nessa liderança? J.O: Não penso em sair, vou sair! Já dei a minha parte, agora é vez dos outros. As pessoas passam, as instituições ficam. É muito feio alguém querer perpetuar-se no poder. Pediram-me, sobretudo os muitos jovens que lancei e que tenho apadrinhado na inserção no mundo literário, para ficar, mas eu não aceito de modo algum. A Associação encontrará alguém que dê o seu contributo melhor do que eu, e, mais do que isso, o tal executivo ajudará a gerir o dia-a-dia. Continuarei o membro interventivo que sempre fui, porque o escritor não pode calar-se, um escritor calado é um cidadão falhado. Devemos questionar sempre, tudo e todos, senão não somos mais do mesmo, uma inutilidade social. Isso nós não queremos ser.

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Leituras

“Charrua” na voz do seu primeiro coordenador

J

uvenal Bucuane hoje aos 61 anos de idade, autor de numerosas obras entre poesia e prosa, com a sua mais recente obra lançada neste ano intitulada “Crendices e Crenças”. Foi o primeiro coordenador da Revista Literária “Charrua” este empreendimento que teve o realce da sua edificação em 1984 e mais tarde, em 2005, fica secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos, isto é, o último antes do do actual secretariado liderado por Jorge de Oliveira. “Charrua” e AEMO são dois assuntos breves que da entrevista que fizemos a este escritor, procuramos trazer neste número.

Fui convidado para estar presente na constituição da AEMO porque a quando da proclamação da independência em 1975 eu já escrevia alguns poemas que pretendi publicar no jornal. Consegui publicar alguns no jornal Notícias e na revista Tempo que eram os órgãos mais lidos nessa altura. O meu nome começou a ter alguma visibilidade cá fora, mas muitas pessoas não sabiam que eu era. Mas estou certo que o grupo que estava a trabalhar para a criação da Associação dos Escritores Moçambicanos conheceu esse nome e deve ter andado a procura. E quando descobriram-me endereçaram-me um convite para estar presente em todas sessões da constituição da AEMO. Não tinha voz activa, nem direito a voto, era apenas um observador que ficava para ver o que se estava a passar. Até quando no dia 31 de Agosto exactamente a 30 anos assisti a formação oficial da AEMO. Nessa altura para mim era gratificante estar ao lado de pessoas que já ouvira falar, mas que nunca tinha estado ao pé delas, estou a falar de José Craveirinha, Luís Bernardo Hownana, Orlando Mendes, Albino Magaia, Calane da Silva, Gulamo Khan, Marcelino dos Santos e vários outros estiveram na constituição da AEMO e, claro o Rrui Nogar que na altura foi indicado secretário-geral da AEMO, sendo assim o primeiro. O primeiro presidente foi José Craveirinha. Praticamente esse foi o meu primeiro baptismo, já me sentia não escritor, mas pelo menos já considerado na família dos escritores. Depois da criação da associação, Rui Nogar faz um apelo a todos os jovens que escrevem para aproximarem-se da Associação dos Escritores Moçambicanos, é nessa altura onde vendo essa chance, que cheguei a AEMO e descobri lá muitos jovens que atenderam ao chamamento. Estou a falar do Ungulani Ba Ka Khosa, Pedro Chissano, Hélder Muteia, Eduardo White, Tomás Vieira Mário, Marcelo Panguana, António Pinto de Abreu e tantos outros. Nessa altura o Rui Nogar diz assim “formem grupos, como são muitos, formem dois grupos de leitura e troca de obras, troquem os vossos escritos entre vocês e façam debate crítico daquilo que leram dos vossos amigos.” Fizemos esse exercício até que chegou uma altura que nos apercebemos que tínhamos já muitos textos prontos. E perguntamos-nos, qual é o destino dos tais escritos? A associação não tinha condições para editar aqueles trabalhos em livro, e mesmo se fosse nós não tínhamos ainda, muita tarimba para isso. Na altura nós entendemos que aquilo era uma forma de nos entreter, mas que criou em nós aquele desejo de fazer qualquer coisa para amanhã sermos como aqueles escritores que nós víamos naquela casa a circularem.

Fomos produzindo mais textos até que um dia chegou a ideia de fundar uma revista de jovens. Isso foi muito pol’emico, não foi fácil, porque tínhamos pessoas a favor da ideia e outras contra que diziam-nos “miúdos destes o que ‘e que sabem da literatura para fazerem uma revista literária?” havia esse pensamento enquanto outros abraçavam a ideia e uma dessas pessoas era o próprio Rui Nogar, ele existia que nós estávamos a fazer um trabalho e estava consciente que um dia íamos conseguir. naturalmente que não havendo condições da AEMO levar isso avante ele dávamos o apoio moralmente. Ele incentivava-nos. Mas a tal revista que queríamos criar, sentamos e consolidamos as coisas pelo que demos o nome a revista ficando “Charrua” no sentido de que Charrua desbrava a terra, desbrava a terra, abre o chão para lançarmos a semente. Todos concordaram com o nome. Mas acontece que nós só sabíamos recolher os textos necessários e não sabíamos mais o que fazer a seguir, foi então quando nos lembramos do irmão do Ungulani Ba Ka Khosa, Elias Cossa ele era jornalista e estando dentro desses meandros fizemos a maquetização da revista, em casa dele. Eu penso que fizemos a primeira, a segunda e mais algumas em casa dele. Ele foi o grande maquetizador da revista “Charrua”. Aí a revista ganhou forma. Mas era preciso ilustrar a revista porque não tínhamos ainda a possibilidade de fazermos fotografias é quando nos lembramos que tínhamos um amigo que aliás, era também um dos jovens que aderiu ao movimento jovem da AEMO, o Ídasse Tembe, artista plástico, ele disponibilizou-se para ilustrar a revista e depois dele outros artistas plásticos que apaixonaram-se à ideia aproximaramse a nós. Foi quando saiu a revista e foi um sucesso, mas mesmo assim contra a vontade de algumas pessoas da AEMO. A emoção foi maior ao ver a “Charrua” sair, lembro-me que íamos todos dias à Imprensa Nacional para vermos como é que estava a andar o trabalho. Tínhamos um pequeno grupo de coordenação da revista, mas atrás de nós tínhamos um grupo muito grande de jovens, cerca de 30 a 35 jovens que aderiram a ideia e colaboravam. Mandavam-nos poemas, contos e outras coisas literárias, inclusive desenhos. Assim a nossa revista andou até ao oitavo número. Este foi mais ou menos o meu percurso até a minha consagração como escritor. E a minha consagração como escritor deu-se quando militei na revista “Charrua”, na AEMO. Foi aí que amadureci e muitos escritores que hoje são conhecidos e que tomam dianteira da literatura moçambicana, foram forjados na mesma forja que eu. Estou a falar de Ungulani Ba Ka Khosa, Pedro Chissano, Hélder Muteia, Eduardo White, Tomás Vieira Mário e de outros escritores que posso me esquecer, naturalmente, dos nomes. Mas a grande parte dos escritores que hoje se impõem na Literatura Moçambicana após a independência vem da Charrua. Há naturalmente escritores da mesma época, mas que não foram da revista 06 | 17 de Agosto de 2012


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Leituras “Charrua” como por exemplo, Paulina Chiziane, Mia Couto e vários outros escritores que não são da lavra da revista “Charrua” mas que surgiram nesse tempo. Mas há muitos outros que não saem da “Charrua” mas beberam das suas ideias que foram para eles, uma espécie de adubo para que podessem surgir como escritores porque alguma coisa lis chamou atenção.

Sobre o trabalho da sua direcção na AEMO Fui eleito a secretário-geral da AEMO depois de ter pertencido a vários elencos do secretariado, vogal e duas vezes como vicepresidente até que fui convencido por um grupo de escritores que acharam que podia candidatar-me a secretário geral. Em 2005 tornei -me secretário geral da AEMO e foi numa altura em que a associação enfrentava muitos problemas de carácter financeiro e credibilidade. Na mesma altura havia um grupo de dissidentes da AEMO que estava a criar ou criou a União Nacional dos Escritores (UNE). E essa decadência era cousada por muitas coisas que nem vou nomear, mas eram muito negativas. A AEMO tinha entrado numa rota de descrédito que ninguém mais acreditava nela, sobretudo os jovens, isso porque a juventude é irreverente. É irreverente no sentido de que quer que as coisas aconteçam e ninguém deixa que elas aconteçam. E percebem que estão a perder tempo porque nessa altura a associação não tinha forças no sentido de contar os ânimos desses jovens, se calhar, criando alguma coisa que pudesse os entreter com a causa da própria associação. Portanto, havia uma espécie de anarquia dentre da AEMO em todos sentidos. Surgi não como salvador da associação, mas foi numa altura em que alguns membros comprometidos com a causa e que sentiram na carne aquilo que era a rota que a associação tinha caído, decidiram que nós tínhamos que salvar a Associação dos Escritores Moçambicanos, porque havia a eterna luta entre o velho e o novo, em que se dizia que os elementos da “Charrua” estavam a impedir o desenvolvimento da AEMO e que impedia, igualmente, a entrada dos jovens e que pudessem progredir, publicar, frequentar a casa e tudo que quisessem, porque a associação dos escritores é uma instituição oficial, não é uma coisa qualquer. A AEMO existe e é reconhecida nacional e internacionalmente, mas estava a cair no descrédito. Tínhamos que salvar a associação. Portanto, queríamos recuperar o prestígio da AEMO e grande parte das pessoas que tinham essa intenção era uma maioria oriunda da “Charrua”. Procuraram-me e propuseram-me que eu aceitasse essas funções. Dei algumas voltas porque não me agradava nada ser secretário de uma associação naquela situação. E ia ter sobre mim muitas atenções e depois o risco de ser tomado como quem

vem salvar a associação e se as não saíssem bem o culpado seria Mas eu vi uma vontade séria por parte dos outros e aceitei o cargo. O que aconteceu nos secretariados anteriores, principalmente aos dois ou três que me antecederam, eu sentia que me hostilizavam, havia uma hostilidade daí que tinha me afastado da AEMO, apenas de vez em quando passava e cumprimentava. Mas apesar disso eram meus amigos, encontrávamos fora e conversávamos, por fora da AEMO éramos amigos. Mas eu senti-me claramente

coisas eu.

hostilizado por eles. Eu os conheço mas não interessa falar deles agora. Mas quando assumi o cargo virei a página, tudo estava ultrapassado com vista a devolvermos os melhores momentos à casa. Formei uma equipa e trabalhamos, começamos a ter um grupo de pessoas e instituições que pouco a pouco foram voltando a ser nossos parceiros. Assinamos memorando de entendimento com alguns grupos culturais inicialmente aqui em Maputo e depois fizemos um grande memorando com a CEPAN (Clube de Escritores e Amigos do Niassa), isto devido ao meu feitio, porque eu era muito aberto. Eu aceitava conversar com toda a gente e os jovens do Niassa perceberam que tínhamos como estabelecer essa parceria que ainda hoje perdura.

Mas o essencial é que a AEMO para funcionar, sejamos sinceros, precisa de dinheiro, pessoas honestas e humildes na sua direcção. Tendo isso a AEMO pode avançar, com pessoas prontas a se juntar às outras que também fazem as artes. Porque sem dinheiro as coisas não avançariam. É como se diz, não se pode fazer omeletes sem ovos. Mas a AEMO quando saio já estava a ter alguma visibilidade, chegou a ter alguns equipamentos electrónicos, como computadores e etc. Oferecidos pelo FUNDAC (Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural) na altura da minha direcção. Começou a ter algum apoio da MOZAL para a publicação de alguns autores jovens – eu cheguei a anunciar nessa altura, só não se se avançou, a publicação de 7 títulos. Não sei se essas parcerias foram postas a valer porque a minha saída foi tanto a quanto precipitada. Saí da AEMO porque houve vozes que se precipitaram e gritaram contra como se eu de facto fosse... Mas sai sem renovar o mandato, a pesar de alguns terem vindo ter comigo para convencer-me a recandidatar-me, mas quando vi essa cena recuei. Ouve eleições novas e foi o que aconteceu o que todos sabem. Mas mesmo assim, sempre que há realizações e sou chamado não recuso. Eu sou muito aberto.

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Ideias O passo certo no caminho errado

A SETA PARA O DIA: COMO TORNAR O CÉU VIOLETA

Fala, silêncio e tom António Cabrita

Nelson Lineu - Maputo

Maratona-mo-nos todas as vinte e quatro horas, a meta é alcançar um problema uma mão sujando a outra o vencedor é quem detecta mais dificuldades em nós; ao atingir a meta dissemos é para quem de direito que podem ser todos menos nós.

E

sta maratona descrita por mim é o cenário que vem nos caracterizando em todas esferas do nosso quotidiano. Precisamente aos artistas, aos analistas da praça, aos políticos incluindo os governantes -, mais parece estarmos a lutar para encontrar problemas do que propriamente resolvê-los ou procurar mecanismos para tal, aceitaria até com palmas se ao menos os novos problemas fossem soluções dos anteriores. Há que definir o que é problema? E para quem é? As indagações deviam servir para abrir caminhos – o contrário do que se tem feito actualmente: servem de pedras, fechando ou tornando o caminho estreito, a maior parte das vezes intransitável com armadilhas que interpretam-nos como imagem no espelho a frágil democracia, enfraquecendo deste modo os nossos instintos de sobrevivência. Mas também como André Maurois penso que sem espírito crítico nenhum homem se pode considerar livre. Para esta edição coube-me o desafio resistível, de escrever sobre a AEMO (Associação dos Escritores Moçambicanos). O desencanto é porque quando desembarco nesse barco-escrita a corrente da água deixa-se levar pela admiração, espanto ou indignação. Nesse caso nem uma, nem as duas coisas. Nietzche diz que não devemos ser médicos dos incuráveis. Será que estamos perante esse caso? Será que esse é o motivo do meu pouco entusiasmo? Não se trata de optar pela indiferença, pelas minhas posições em certos fóruns em relação a AEMO, o meu silêncio até aqui pode deixar a desejar. Uma vez sobre o silêncio num poema escrevi: “o silêncio também é música, sendo música: mal tocado cria ruído” É caso para dizer que quando se trata da AEMO actualmente, calados ou não o tom é alto - (um adjectivo por caridade). Mas não vou terminar sem partilhar um episódio: “Certo dia, numa palestra organizada pelo Movimento Literário Kuphaluxa – uma das actividades do em que um escritor faz uma apresentação com o tema: por que ler? - Um estudante perguntou ao orador que por sinal já foi secretário-geral da AEMO: Com quantos anos pode-se lançar um livro ou tornar-se escritor?” A pergunta a priori parece carecer de sentido. Mas para o estudante tinha e muito, assim como o meu enfado ao tentar escrever sobre o tema proposto. Mas perguntas como essa circulam nas cabeças de muitos moçambicanos.

É domingo. O azul do céu desta manhã não tropeça em qualquer fiapo branco, tremendo céu tropical onde nenhum sofá aguardaria os anjos de rilke. Tenho de preparar para amanhã uma aula sobre a ironia e a paródia mas perco-me em vagares, o meu pé encosta-se ao da Teresa, que dorme ainda, volto a espreitar da cama o dia e o excesso de luz cansa-me, desfibra-me, acomoda-me ao leito; decido continuar a ler. Extravio-me à procura da noite, na esperança de achar na dobra de um livro o atalho em que se perdeu. Leio divertido que o jovem Fernando Pessoa ao escrever o ensaio sobre o poeta vitoriano Macaulay terá concordado com a admiração de um certo crítico que assegurava que a poesia deste era de tal valia que «não era possível lê-lo deitado», comentando então Pessoa «que vários críticos não só acham possível ler Macaulay deitados, como também é muito fácil adormecer lendo-o». Perfeito, penso, vou apresentar amanhã este naco na aula. Depois vem-me a dúvida, o facto da Teresa continuar a sono alto apesar da luz do dia já se depositar sobre os corpos como uma côdea pesada não se deverá à circunstância de ter lido as primeiras quinze páginas do meu romance sobre a infância do Pessoa em Durban, que finalmente encetei, após anos de dúvidas? Estará cilindrada pelo ritmo pastoso da prosa, pelos inábeis labirintos que desatei a desenhar, eu que nos chatos páramos já me amanho? Estará assim tão mau? Hum, levanto-me. A Jade na cozinha barra manteiga num pão. Olho para um pires com um redondo bolinho de chocolate enfeitado por um peixe caramelizado na cobertura e meto-me com ela: - posso comer este peixinho? Responde-me a catraia num desdém divertido: - pobre papi, não sabe que aquilo não é um peixe… - e sai para a sala, deixando-me especado. - então se não é um peixe é o quê? - vou eu interpelá-la à sala, no momento em que ela acende a televisão para ver o Ziguezague. - é a forma de um peixe… - responde-me o fedelho, en passant. Volto à cozinha, derrotado, e dou uma dentada no bolo, só para morder a cauda do peixe. É insuportavelmente mau, sabe a sabão. Faço uma torrada e ponho-me a pensar se também eu aos cinco anos distinguia entre as coisas e as suas formas. É provável que sim, o que não saberia era enunciá-lo assim, como quem não quer a coisa, com tal rigor aristotélico. Fico inquieto com esta propensão aristotélica da minha filha, acho mais possível sair um poeta dos erros de Platão que do raciocínio de luminotécnico de Aristóteles. Vou à porta do quarto espionar: a Teresa continua a resgatar-se da leitura do meu livro numa qualquer paisagem submarina. O melhor é ir ouvir música, só a música cura. Abro o armário, tiro um CD dos Opus Ensemble, meto-o no aparelho e sento-me no cadeirão. Passa a Luna, ordeira e carinhosa como sempre, dá a volta ao cadeirão e – vá lá saber-se porquê, teria também ela lido o começo do meu romance e estaria a vingarse? – toca-me com um dedo o alto da cabeça e comenta: Pai, estás mais careca aqui! A música arranca. Aos primeiros acordes sei que a viola de arco me vai dar o ânimo, a seta para o dia.

08 | 17 de Agosto de 2012


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Entrevista

“Niguém Matou a Charrua”

V

ítimas das imigrações como muitos bantus, os Chissanos que são no geral da província de Gaza, subdividemse entre os do Guijá, no Chókwè, região do Limpopo e os de Bilene em Macia e Mandlakazi. Pedro Baptista Chissano, este a quem nós retratamos nesta entrevista, nasceu no Guijá, ao sétimo dia do Março de 1956, filho de pai motorista no Chókwè que depois veio a integrar a empresa pública, que na era colonial denominava-se de Serviços Municipais de Viação (SMV), hoje conhecidos por Transportes Públicos de Maputo (TPM). Aliás, foi essa integração do pai nos SMV, que tornou Pedro, em menino de Lourenço Marques a partir de 1962. Recebeu o nome do seu bisavô, é avô do seu pai, Chicolonhe, nessa altura estava a decorrer o processo de colonização do Limpopo. Portanto, o seu primeiro nome foi Chicolonhe, mas esse nome caiu no desuso, entretanto era usado antes de vir para Lourenço Marques. Daí em diante, fica Pedro Chissano. Um autêntico activista literário, escritor dos outros e poucas vezes escritor de si e como se não bastasse o facto de não publicar as suas obras, tenta sufocar o jornalista que há em si. No seu jeito de falar com aquela nostalgia, Pedro Chissano, vai citando nomes, deixando frases e canções que não saem da sua contemporânea memória e sempre que entende, chora os tempos sem se queixar de nada, apenas da saudade que reconhece ser maior. Super dotado, Pedro cairia um bom historiador e até Antropólogo, consegue harmonizar os termos, às origens e preservar os acontecimentos com os devidos efeitos. Eis a razão de ser a figura que homenageamos neste número que fala da exclusivamente da Literatura Moçambicana e, particularmente, da Associação dos Escritores Moçambicanos. O menino Pedro tem na sua memória “O Chão das Coisas”. Eduardo Quive

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Entrevista Literatas: Como é que sai de Guijá para Lourenço Marques, já agora, Maputo? Pedro Chissano: Saio porque meu pai que era motorista conseguiu um outro emprego nos Serviços Municipais de Viação aquilo que vocês chamam de TPM (Transportes Públicos de Maputo) agora. Isso foi em 1962. Ele foi o primeiro preto a entrar para esses serviços. Estudei na Munhuana, primeira e segunda. Chegado a esse nível disseram ao meu pai “os seus filhos não podem continuar ai” e fomos ao João Belo, onde faço a 4ª classe na Escola Secundária Estrela Vermelha em 1968. Aprendi a jogar basquete ali e outras coisas.

permitido viver em más condições. E ele recebia o suficiente para arrendar uma boa casa, ter os filhos numa boa escola e educar-lhes melhor. Fui baptizado na Munhana entre 1964 a 65. Depois fomos viver na avenida Paiva de Andrade, agora Av. Siad Bar. Grande parte dos prédios que ali estão, vi a construírem. Eu brincava ao lado de uma cantina que se chamava Benfica no Alto-Maé, mas agora aquilo já não existe. Essa gente sempre preocupada em matar a memória, não é? Muda-se tudo todos dias. A memória boa que tenho é do tempo que vivia já no Alto Maé, cá na zona de cimento e não lá nas lagoas, nos Libombos. Quer dizer, começamos a ser cosmopolita, mas entre pobres, porque havia também brancos pobres, aqueles que vinham de Goa. A gente chama Indianos, porque eram de facto indianos. Só que os portugueses chamava-os de Goeses, porque era sua colónia. Portanto, estávamos numa colónia de pretos assimilados e semi-pobres, brancos pobres e ricos, goeses, em fim, brocávamos juntos.

L: Creio que nessa altura já entrava em contacto com os livros, a leitura… P.C: Sim. O meu padrinho de baptismo era chefe do meu pai, um fiscal na empresa dos transportes. Eram pessoas, embora não ricas, mas com cultura. Mensalmente eu recebia um pacote de livros. Além de que é a partir daqui que vou a Escola Joaquim de Araújo, ou Estrela Vermelha, hoje, onde cheguei a bibliotecário de turma. Tinha um cacifo e a minha tarefa era distribuir livros aos alunos. Naquele tempo era no máximo por turma, 35 alunos. Aí decantou-se a paixão pela leitura, porque era obrigado a ler. Ler, ler, ler e interpretar; fazer redacções, etc. Quando vou para a Escola Comercial, aí aconteço como um pequeno redactor. Porque lembro-me que ainda no primeiro ano do comércio iniciávamos a fazer pequenas redacções e o professor por eu ser preto disse numa dessas vezes que apresentei mau trabalho “não vou acreditar que você preto pode escrever desta maneira”. Mas, eu acredito que escrevia bem devido a acumulação de léxicos, por muita leitura. Quando lemos muito há momentos em que as coisas saem sob outras formas, criatividade. Mas na escola comercial não foi tudo. Aprendi a tocar viola. Gravo dois discos no estúdio Delta Publicidade, com um grupo chamado CONCERTO GUITARRA ELÉCTRICA. Gravamos no dia 01 de Abril de 1974, quatro temas: USIWANA, MARIA ROSA, cantadas Estávamos na em ronga por um colega meu que as compunha. O triste equívoco sociedade ai pela idade, já vez o alto nível de intelectualidade de um menino portuguesa. que está a despontar, Pedro Chissano, está lá na capa do disco, Escrito em português FELICIDADE A VOCÊS. Eu tinha 17 anos em L: E quando 1974. chegaram, A letra e música foi feito por mim, quem me ensina é um colega que viveram no bairro já morreu, lá do Instituto Vasco da Gama, chamava-se Octávio David de caniço? Mahumane, a quem gostaria de deixar uma homenagem escrita. Outro é P.C: Não cheguei o Jonny Job Mondlane, esse está vivo. Mas o falecido que cantava “Ussiwana, Ussiwana; Hine hi ta fana na Jesus a nga fela Ussiwanine” é de viver no bairro de caniço no o Ambrósio Dantas Pedro Coisinha, gostaria de deixar este nome entanto, registado por que são companheiros de jornada. Eu tinha 17, Ambrósio quando cá tinha 20 anos, era o mais velho. cheguei A registar que o Ambrósio Dantas Coisinha cresceu na Munhuna onde fiz a fomos viver 2ª classe. O Octávio David Mahumane, conheci na Estrela Vermelha. Os ao lado da brancos começaram a nos chumbar muito na Estrela Vermelha por causa casa do desses velhotes, o Guebuza, Albino e Lina Magaia, Josina, andavam a fugir. Os brancos começaram a perceber que “estes miúdos basta fazerem o 5º ano fogem vão para a Frelimo” então começaram a travar-nos. Tu não passavas de qualquer maneira. Em 72, bastava passar o 2º ano, os gajos travavam-te. Então os pais gastavam muito dinheiro porque ficávamos muito tempo no ensino. Eram 450 escudos por mês. É onde conheço o David Mahumana, mas depois passei e fui para o Comércio. Consegui fazer a Escola Comercial, mas veio em 1974 o golpe de Estado, aí instala-se a confusão. O meu pai tinha muitos filhos, no total somos 14. Eu sou o 10º filho, estão a minha atrás 9 irmãos e 4 á frente. Alguns são célebres como o João Chissano que foi treinador de Costa do Sol, agora é treinador adjunto da Selecção moçambicana de futebol. Mas antes dele tive duas irmãs artistas, a Ana Vasta Chissano e Joaquina Chissano que estiveram na Companhia Nacional de Canto e Dança. Esta coisa de arte persegue-nos. O Alfredo Chissano também está ligado a arte, esteve na Sociedade Moçambicana de Autores e agora no Instituto Nacional do Livro e do Disco com o Ungulani Ba Ka Khosa. Mas voltando às leituras. Em 1974, decido trabalhar, o meu pai tinha já muitas despesas. Fui a Niassa, não porque quis. Quando volto do Niassa tinha a mania de que já escrevia então venho encontrar-me com o Albino Magaia e cruzo-me com o Ungulani aqui (na AEMO), o Armando Artur também andava por aqui, ele era o mais novinho. Senhor Enoque Libombo, que chegou a presidente da Associação dos Negros de Khosa era professor e o Armando ainda a estudar. Moçambique. É pai da Aida Libombo que foi vice-ministra. É aqui na Associação dos Escritores Moçambicanos onde se caldeiam novas Vivemos na casa que era do seu irmão, Alfredo Libombo que arrendou ao meu vontades e o gosto por escrever. Por via disso acaba nascendo a Charrua revista pai. Bem ao lado. Vivemos ali durante dois três anos. Considerava-se bairro de ou grupo que fui um dos fundadores e coordenador. O Tomás Vieira Mário, fui caniço, mas as casas onde vivíamos não eram de caniço, tinha até luz e água. resgatá-lo, andava por ai, eu sabia que ele escrevia muitas coisas, tinha uma Foi quando a vida do menino Pedro começou a mudar. Vivia numa palhota lá de escrita muito bonita. Chamei o Tomás, até hoje ele diz-me “eu tinha medo de onde vinha, mas em Lourenço Marques, dado a profissão do meu pai, não era entrar na associação dos escritores”, bom tinha medo coisíssima nenhuma, não

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Entrevista tinha entrado antes, tinha esse receio. O Albino Magaia já o conhecia pelo nome, mas conheci-o melhor em Niassa, porque ele como antigo combatente na clandestinidade, juntamente com o Malangatana, Samora Machel, a Frelimo, (quando digo Samora é porque era quem estava em frente das grandes decisões), manda-o para Niassa. Nessa altura eu estou a vir de Cuba, 11º Festival Mundial da Juventude Estudante, apanho o Albino Magaia na mesma casa onde vivi. Fui a Cuba em 1978 a chefiar a delegação do Niassa. Fui descoberto lá em Mecanhelas onde estava. Encontrei em Niassa, o Hilário Matusse, estivemos juntos na Escola Comercial, mas brincámos juntos no Niassa. O próprio Hortêncio Langa, ia lá cumprir outra missão, o encontrei. Foi professor no Niassa, mas isso compete a ele dizer. No entanto, lembro-me que a esposa dele ou a mãe dos filhos dele mais velho estava na Rádio Moçambique na altura. Fizemos um pequeno conjunto de amigos lá. Trocávamos livros, conversávamos e essa prática veio reforçar-se na AEMO. Além de nós, fomos conhecendo outros jovens que foram chegando, os da Forja, estou já a ver o Castigo Zita, estou a ver um que está aqui no Ministério da Cultura que já não me lembro do nome. Depois viemos conhecer esses meninos da Oásis, e outros com os quais estamos a fazer de facto este esforço de crescimento mútuo. Depois sois vós a aparecer agora também a incomodar-nos com os livros, embora não tenham surgido aqui, mas estão a fazer as coisas com zelo. É um núcleo positivo que eu acredito, nos ajuda a colocar – alicerces já os temos – mas ajuda-nos a colocar algumas pedras sobre nós próprios. Não nos bastamos a nós próprios, precisamos sempre de maior confortabilidade – se quisermos – estética ou de solidez e a gente vai buscando nos mais novos esses que nos aparecem, vós inclusos lá. Esta é a pequena história do menino Pedro. Depois fui coordenador da Charrua, fui muito trabalhador em levar livros à Impressa Nacional. A pessoa que mais saia daqui para levar livros dos outros a Impressa Nacional, era eu. Tive uma relação muito especial com o Júlio Navarro. Quando ele era chefe das edições daqui, ficava naquele gabinete onde está o Alves, tinha muitos papéis. A minha missão era ler, entregar ao Albino Magaia na altura dizendo que a proposta era lançar este ou aquele livro. E foram muitos, “Magoda” do Hortêncio Langa, livros do Armando Artur e muitos outros. Eu era muito preguiçoso em ter as minhas próprias coisas. Só agora lancei o “Boas Festas Chiquito”, tem o “Algumas histórias e brincadeiras com B grande” eu sei que está pronto, mas só o secretário-geral é que pode dizer quando é que isso sai. Colaborei com muitos jornais, no “Notícias” o “Kikirigóóó” ou o “Canto do Galo” é que produziu o “Boas Festas Chiquito”. Depois fiz o “Polígamo 2” que ainda não sistematizei para livro. Os contos que vão sair são de textos publicados na Charrua e na revista “Tempo” sobre tudo. Colaborei com o “Savana” nos tempos de Juvenal Bucuane, com crónicas. L: Quando entram na AEMO e criam a Charrua, como é que foram recebidos por aqueles que já estavam dentro da associação, como por exemplo, o Rui Nogar? P.C: O Rui Nogar era uma pessoa especialíssima. Provavelmente por causa do passado recente dele: preso político, um indivíduo complacente para com os outros, tolerante. Tu podes ver ao ponto mais alto, como o comportamento de Nelson Mandela com as pessoas que o encarceravam, quando ele sai como os trata. Não quero dizer que a cadeia seja um belíssimo centro de reeducação, mas de reflexão é, muita reflexão. E o Rui Nogar foi muito excepcional. Tivemos problemas com algumas figuras – não é oportuno dizer quem são – mas

nem todos nos deixavam passear por aqui. Há espaços físicos em que éramos ditos “hei hei hei, vocês aqui não ficam”, pessoas da direcção da AEMO que saiu em 1982. Tivemos que provar com trabalho que podíamos ser acoitados na AEMO. Esses trabalhos revelaramse nas próprias edições da Charrua. Mas essas pessoas que não nos queriam ver, vinham com estigmas - é bom que se diga isso – vinham estigmatizadas das redacções dos jornais onde trabalhavam e sobre tudo quando a cor é mais escurinha. Foram maltratados. E aquele estigma, a tendência humana é passar para gerações subsequentes e dizer “sofram lá um pouco mais, não podem ter as coisas de mãos beijadas”. Mas foi boa coisa, porque não há aqui gente que saiu ferida, paraplégica, estamos todos em pé e conversamos até com essas pessoas, salvo, aquelas que já partiram. L: Nota-se hoje alguma inoperância em novos projectos de revistas literárias. Como é que faziam para manter a Charrua? P.C: O problema daquele tempo é que cada um de nós saía do seu local de trabalho e vinha para aqui pensar Charrua. A única coisa que tínhamos em mão para a nossa afirmação era a Charrua. E a partir do momento que saiu o primeiro número, decidimos que todas as semanas – se não todos o dias – tínhamos que nos encontrar. E inventamos aquilo que chamamos “Jantar Literário”às sextas-feiras. Todas sextas-feiras estávamos na AEMO. Os Jantares Literários eram a consagração daquilo que nós fazíamos. Ainda vejo o Ungulani pendurado na janela a ler um dos seus textos, assim um bocado ébrio naqueles tempos, com uma voz um bocado rouca e nós a batermos palmas, pá, “é um texto conseguido”! Isto fazíamos todos nós, uns com maior e outros com menos propriedade. E fomos crescendo. L: Algo chamou-me atenção durante as leituras que fiz de algumas edições da Charrua, foi o facto de ter nos revelado uma escrita sua mais jornalística. Reconhece essa influência? P.C: Provavelmente. Tenho algumas coisas que herdei de jornalistas bons. Há jornalistas bons, por exemplo, um Albino Magaia, um Calane da Silva, um Tomás Vieira Mário – apesar de ele dizer que quem o trouxe aqui fui eu – mas as suas crónicas são boas. Um Machado da Graça, eu já nem quero falar deste Machado da Graça que tenho lido no “Savana”, aquela maneira quase que muito simplista de colocar as coisas, mas a piada dele está lá, ele gosta daquela pintada do riso e está lá. Mas eu li coisas que o Machado da Graça escrevia na “Tempo” em 1981, coisas belíssimas. Essa gente marcou-me, mas sobretudo o Albino Magaia marcou-me profundamente. Para além de que essa gente aguçou o meu sentido de observação, eu gosto de escrever um texto ainda que profundo, mas breve e que te chama atenção para uma realidade – não para tu perderes tempo a ler, duas ou três páginas, não – gosto da síntese que os jornalistas, têm muito disso. Quer dizer, eu escrevi, tu leste, percebeste e podes voar para onde tu quiseres naquela brevidade que te apresento. Nesse aspecto tens razão. Por isso eu chamei ao primeiro livro de cronicontos. São crónicas mescladas de contos. Quem lê “Boas Festas Chiquito” verá que há crónica, mas aquilo é uma história ao mesmo tempo. Agora tu hás-de encontrar essa diferença no livro que ai vem e, provavelmente, eu me sinto pequenino em algumas histórias e brincadeiras. São contos alguns muito densos, o leitor as vezes pode se perder. Mas quando escrevo crónica sinto-me um peixe na água. Sinto-me bem. L: Estavam no tempo em que a guerra era pela barriga e a reconstrução. Havia dinheiro para sustentar uma revista? P.C: Eram tempos difíceis. Não tinha papel no País…

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Entrevista L: Aliás, nas edições número 5 e seis que saíram juntas, Tomás Vimaró, escreveu um artigo sobre essa falta de papel que punha muitos livros a espera de serem impressos… P.C: Nessa altura em que começa a escassear de verdade o papel, começa igualmente, o descalabro da revista. Mas devo dizer que, quem nos apoia em primeiro lugar é a Embaixada de Portugal – isto é bom que se diga porque é história – nós mandatamos o Eduardo Luís de Menezes White – não por ser white – ele foi lá, negociou e conseguiu o primeiro financiamento e naquele tempo fazer uma revista eram 20.000 a 25.000 meticais. Os tais 20.000 fomos dados pela Embaixada de Portugal. Desse dinheiro inicial havia tanto sentido de austeridade, tanto que o dinheiro das vendas – porque nós vendíamos a revista – guardamos para imprimir as edições subsequentes até a morte da Charrua nós é que custeávamos as publicações. Tínhamos um bom tesoureiro, o Juvenal Bucuane, ele sabia muito bem fechar o dinheiro. Penso que os cheques tinham que ser assinados por ele, por mim e por mais alguém que já não me lembro. Luís Carlos Patraquim – só uma dica – foi a Portugal com o dinheiro da Charrua, pediu 15.000 meticais emprestado, o suficiente para sair daqui para Portugal. Assinamos o cheque e ainda agora está lá – está lá, mas é nosso. E não estamos arrependidos pelo apoio que o demos, até hoje quando vou a Portugal, os melhores momentos que tenho é com o Luís Carlos Patraquim. E recordamos isso numa gargalhada daquelas “ó Patraquim pediste dinheiro da Charrua!”. (risos) L: E chegou a devolver o valor? P.C: Não, não, não. Não devolveu. É óbvio que aquela conta o banco já se esqueceu e a Charrua morreu! (risos). L: E foram galgando até a edição oito… P.C: Pois, terminamos na oitava edição, mas isso tinha a ver com o sentido da afirmação. Nós sempre defendemos que a Charrua era como um viveiro onde as pessoas se vão afirmar. E as pessoas se afirmaram. O Ungulani afirmou-se ali. E hoje aparece como um dos maiores do século XX, foi a Charrua. E quando nós começamos a sentir isso, cada um dos componentes foi vendo a altura que tínhamos atingido. O Bucuane já tinha livro, o White também já tinha – esses foram os primeiros a publicar. Depois sai o Ualalapi. O Ualalapi criou barulho neste país. Aí as pessoas foram dizendo para si mesmas “afinal eu posso” e a Charrua foi caindo assim. Os colaboradores primários foram esquecendo a Charrua e a Charrua morreu. É uma morte natural, ninguém a matou. Também não queríamos fazer daquilo um espaço permanente, mas sim, um espaço de afirmação, foi o que sempre dissemos. Mesmo no primeiro editorial nós já dizíamos, que se aqueles velhotes não conseguirem, nós vamos para frente. E alguns foram ficando dirigentes, seja da própria AEMO ou de outras instituições. L: E parece que até hoje as coisas são assim: vamos criando, vamos subindo e ganhando nome e prestígio, quando achamos que estamos próximos do sucesso inesgotável, deixamos para trás o que nos catapultou e vamos assumir aquela grandeza que sempre foi na verdade a nossa ambição. P.C: Começamos a não ter tempo. Alguns ficaram dirigentes como disse, foram nomeados chefes nesses sítios; eu fui nomeado chefe do gabinete no Conselho Municipal e o tempo foi ficando escasso. Que isso, por ser um facto, que não desiluda os nossos seguidores é falso também. Porque os nossos seguidores ficam desiludidos. Eles viam em nós um fio que os puxava. Há textos por aí que dizem “Charrua quem te puxa e quem te quer parar?”. Há textos dessa natureza. Mas ninguém matou a Charrua Essa coisa de chefia é complicada. Começamos a ficar chefe e depois fomos ficando consagrados ao nível de outras revistas. A Charrua já não era uma coisa da praça, tu tinhas que ir a Tempo, ver um texto – é esse o outro lado que gostaria de dizer – o Gilberto Matusse, vem de Portugal com os seus colegas, o Cunha, o Gregório Firmino e olham para a Charrua, como objecto de trabalho. E eles divulgam a Charrua, escrevem, escrevem e escrevem e, nós ficamos um

bocado fortes. Mas a Charrua ficou para trás, provavelmente, injustamente, porque podíamos tê-la como modelo de referência como primeira revista e podíamos continuar dois três contos, poemas e etc, aquilo que a malta publicava com qualidade e com aqueles desenhos do Ídasse Tembe – já me esquecia do Ídasse. E aquelas entrevistas que eu só aprendi a ler na Charrua pelo Tomás Vimaró. Uma entrevista feita ao Manuel Ferreira; uma entrevista feita ao José Luandino Vieira quando ele diz “a Língua Portuguesa calhou na rifa fónica”, ele disse isso na revista Charrua e quem fazia as entrevistas era o Tomás Vieira Mário com aquela experiência de jornalismo que ele tinha, mesmo antes de ir a Roma. Há uma saudade que eu próprio tenho da Charrua. Há aquela nostalgia ao lembrar Charrua, aquelas tertúlias literárias, os Jantares Literários, o Eduardo White em cima de uma mangueira a ler “Os Amotinados” com a Anabela Adrianoupolis. Esses momentos não voltam mais. (instantes de silêncio, entornando na boca algumas gotas do seu vinho). Já houve de tudo aqui na AEMO, teatro lá de cima das árvores, o Eduardo White nessa altura era mais novo – se subisse agora caía de certeza absoluta – (risos). O gajo subia e dizia lá um poema a sua bela maneira “Os Amotinados”. L: Como disse Charrua era um espaço de afirmação como escritores, mas acontece que alguns afirmaram-se como políticos e outras áreas sociais e económicas… P.C: Não. Em qualquer um de nós há um bicho político, isso é velho. Não sou eu e eu acredito que em ti próprio há esse bicho. Acredito ainda que daqui a 10 anos, o futuro chefe de Estado se te convidar para seres ministro da Cultura vais. Eu sei que tu vais. (risos) Agora isso é conversa. O que é facto é que nós arrancamos para Charrua sem qualquer outro interesse se não a escrita. Os que conseguiram ser são. Mas não estou a ver pessoas da Charrua que não são escritores, acho que todos ficamos escritores. Aqueles que caíram na graça do poder do dia foram resgatados para aquilo e o primeiro a abrir o caminho para isso – é bom ser claro – foi o Hélder Muteia. O Hélder não foi lá pedir seja lá o que for, alguém engraçou-se com ele lá de cima e convidou-o, ele aceitou. Eu, em momento bom se me tivessem convidado, teria ido fazer papel, digamos, de governante. Quando digo momento bom, digo momento oportuno, este já não é o meu caso, mas haverá outros que se seguirão. Eu tenho já barba branca, só se calhar for para uma Assembleia Provincial da minha província que é Maputo, aí vou, mas não tarefas pesadas que me obrigariam a andar a ver dossiês e dossiês que não acabam. Eu gosto dos meus camaradas, o Hélder, Juvenal – o Juvenal até tem uma tarefa menos desgastante, digamos, prestigiante – é membro da Comissão Nacional de Eleições aquilo dá prestígio. Ouvem a tua voz como conselheiro e não pertences a nenhum executivo. O Herldér, já esteve numa cadeira desgastante, mas agora está na FAO, isso dá prestígio. Isso é bom para mim, deixa-me gordo, tenho companheiros confiados em boas missões e não sou daqueles que aproveita-se disso para fazer rixas e ter inveja. Ta aí aquele menino que é director do Instituto Superior de Artes e Culturas, o Filimone Meigos, isso também orgulha-me. Nós acompanhamos o Filimone a acabar a sua décima primeira classe. Depois foi para a universidade, batalhou para o que tem. Esta aí o Ministro Armando Artur, críticas há várias, mas está a fazer o seu trabalho. Isto é belo. Agora se todos esses fossem para altos cargos como estão e fosse para fazer confusão, ficaria muito triste ou seja, haviam de dizer é a geração deste que está a fazer porras. Mas fico feliz meu filho pela pergunta que fizeste-me. É pertinente. Tenho ouvido muita gente por aí a dizer “essa gente fica secretário-geral da AEMO e depois são ministros”, acho que é muito simplista dizer isso. L: Há quem diga as pessoas da Charrua eram as que tinham ou tem, capacidades para assumir grandes responsabilidades nas áreas culturais. Concorda? P.C: O pessoal da Charrua estava fardada a cumprir algumas tarefas. Não há hipótese. Não há maneira. Eu já fui convidado para fazer tarefas que não se podem

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Entrevista dizer assim. E eu não era secretário-geral, era apenas da Charrua. E aqui nos cruzamos com o Marcelino dos Santos que ia nos dando algumas missões, por exemplo. Destinos são vários, partindo da AEMO. Podes ir a vários sítios. Podes ser reitor de uma universidade, podes dar aulas, podes ser chamado a secretariado do congresso de Cabo Delgado a partir daqui. Mas não é célula da Frelimo como se fala por ai ou se algum dia foi, hoje já não é. Em algum momento a AEMO foi confundida nesse sentido porque quem a cria é Samora Machel que manda o Marcelino dos Santos. Mas nunca alguém via num Marcelino, um poeta; num Sérgio Vieira, um poeta, num Jorge Ribelo, um poeta. Viam aqueles homens fardados daquele uniforme de lá donde vinham, então era uma célula da Frelimo. Mas não é. L: Tal como vocês foram assistidos ao surgir, foram surgindo, igualmente, na AEMO outras revistas ou grupos depois da Charrua. Sendo que vocês em algum momento foram vítimas de estigmas dos velhotes, terão sabido não “torturar” os mais jovens? P.C: Há uma coisa que o velhote Rui Nogar costumava dizer, aquilo que ele chamava de “características idiossincráticas de cada um dos Homens” que é a tua maneira de ser, a minha maneira de ser e de estar. Há quem olhasse e dissesse “isto aqui?”. O primeiro livro de Armando Artur, foi da Charrua, ele entregou ao Ungulani Ba Ka Khosa para ler, Pedro Chissano sentado ali onde agora é contabilidade – ele sentou em cima do livro – esses meninos pá – Armando ainda hoje não se esquece disso. Ele fez a leitura que fez, numa desses são chefes da Charrua e sei lá, e pediu o livro de volta. Mas isso depende de cada pessoa. Eu nunca tive problemas com as novas gerações. Forja era da minha geração só que entendeu que queria fazer paralelismo com a Charrua. Publicaram dois ou três números, se a memória não me falha. Só que não havia suporte literário para aguentar uma revista de 32 páginas. Enquanto nós tínhamos material, havia escritores no nosso grupo. O Juvenal já escrevia desde os anos 70’, e estavam os seus escritos guardados porque não sabia onde publicar; o Ungulani e eu já tínhamos. O Eduardo White, não tendo esse material, mas com uma grande capacidade de criação estava sempre a produzir, tinha um cérebro blindado. Nós alimentávamos a nossa revista e eles não tinham essa capacidade. L: Mas vocês da Charrua eram vistos também como indisciplinados… P.C: “Nós fizemos muita porcaria”, entre aspas, coisa que tem a ver muito com as idades que tínhamos. Eu sai de Maputo para Niassa com 20 anos e regresso com 26 anos, ainda não tinha 30 – esse dado é curioso – o Ungulani tinha 24 anos, um menino mandado para ser professor no Niassa depois volta, o Armando Artur é que não tinha idade para ser rebelde. O Eduardo era, claramente, rebelde. Mas rebeldia o que era? Era a gente postarse sempre um pouco fora dos cânones do poder político, isso é natural. E havia os mais rebeldes e outros menos, mais disciplinados. Éramos assim. Estava aqui uma senhora que vendia cerveja, já morreu e não me lembro do nome, ela disse que a cerveja que restou nesse dia era para o dia seguinte e ela queria ir para casa. Obviamente que tomamos de assalto a geleira! (risos). Nós sabíamos que lá fora não havia mais cerveja, só aqui. Estou a falar dos anos 1982 a 1984. Não tinhas cervejas por ai, e eu disse quero tomar mais uma cerveja. Tinha que tomar mais uma cerveja. Nós tomamos de assalto ela a gritar, “não Ungulani, hei Pedro! Armando!” éramos rebeldes, mas a nossa rebeldia era marginal. Uma rebeldia de fulcro e não de mexer com os poderes. Essa de que temos que tomar esta cerveja, porquê que temos que tomar amanhã? Lembro-me daquilo que fizeram ao Ungulani quando ele faz um discurso autodiegético num conto seu, em que ele diz que saiu foi roubar um par de sapato para o filho, mas acontece que foi apanhado e espancado e o seu filho veio a passar sem saber que era o pai, também espancou-lhe. O Marcelino dos Santos fez uma reunião na revista Tempo onde o texto saiu e eu disse ao Ungulai “essa é tua retórica literária contra as imposições políticas”, ele riu-se. Ele tinha que encontrar uma maneira subtil de rebeldia, mas não uma rebeldia de rua. Se não pegavam em ti e desapareces. Vivemos momentos difíceis. Não havia esse barulho, manifestar contra o poder era impossível. L: E quanto a própria AEMO quanto uma “instituição” se assim se pode dizer, o

que acha dela? P.C: Isto tem altos e baixos. Esta era uma casa de começo com Rui Nogar, foi uma casa de consolidação com Albino Magaia, com Pedro Chissano – não estou a afirma-lo de forma concludente – terá sido o momento de gente da minha geração também habitar a casa mais livremente.

com a sua juventude que nunca dispensa Acredito que o Hélder Muteia fez algumas mexidas e teve uma secretária-geral adjunta esplêndida a Lília Momplé, eu também tive um secretário-geral esplêndido que é o Leite Vasconcelos. Penso que essas pendles terão conseguido ajudar para que a casa não descarrilasse. Depois do Hélder creio que foi a própria Lília Momplé tendo como adjunto, o Armando, depois da Lília foi Suleiman Cassamo só depois vem o próprio Armando. Há aqui uma sucessão – para ser honesto – de sucessões na direcção da AEMO de dois em dois anos que não é muito sólido. Um sai ainda com coisas por fazer, entra outro também com suas coisas e esquece as do outro, assim vamos acumulando esquecimentos, de direcção a direcção. Isto terá criado qualquer problema estrutural ao nível da coerência programática da AEMO. Isto poderá ter falhado. E depois o outro erro foi exceder as sucessões geracionais. Essas sucessões geracionais a experiência ao cabo destes quatro anos mostra que não são a melhor maneira de resolver o problema na associação. As candidaturas têm que ser supra-geracionas. Se sou da Charrua ou da Oásis não podemos nos candidatar por diferença de geração. Se isso aconteceu, temos que mudar. Tem que se ter a casa como a casa dos escritores e não da geração do dia ou seja, o que nós passamos a fazer aqui foi pensar que a Charrua é um partido, depois a Oásis é outro partido. Quando estamos na Assembleia Geral a tendência é digladiarmo-nos enquanto forças literárias de momentos diferentes e foi preciso que isto fosse esquecido. Agora é isto que estás a ver, a casa caiu num descalabro. O perfil de um secretário-geral tem de ser de disponibilidade a toda hora, se não pode estar a tempo inteiro, que dedique duas a três horas ao dia, mas isso não está a acontecer. O poder quando é concentrado numa só pessoa há um vício de que se cometam erros sem alguém para chamar atenção. E a acumulação de erros pode ser nefasta para vários vectores. Estamos a falar livremente, na associação dos músicos moçambicanos foi o mesmo que aconteceu. O meu irmão Hortêncio Langa foi deixado sozinho. Acumulou erros atrás de erros e há pessoas que falam com muita alegria corelação a isso. Mas ele estava sozinho. E sozinho não se faz nada. Há uma necessidade que a chama do colectivismo na instituição se mantenha acesa e esta capacidade congregacional não existe, porque ela perdeu o lado supra-geracional. Quer dizer quando eu me zango contigo só digo este há-de ver, mas com um mais velho podia se ter um método diferente de abordar o problema. O que nós estamos a tentar fazer e o que estamos a discutir neste momento é esta situação que prevalece. Como mudar essa situação? O que entendo é que isto está mal, é preciso reunirmos todos os escritores, todos, discutirmos os problemas abertamente e arranjarmos uma solução. Se for necessário recorremos ao estatuto da associação caso o erro esteja lá e rectificamos. Você já me massacrou muito pá.

13 | 17 de Agosto de 2012


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Poesia Eis-me aqui de novo

Não posso adiar

Acusação

Armando Artur Ao E. White

Eis-me aqui de novo com mãos frementes com olhos trementes sentado, a ver a noite passar. eis-me aqui de novo monótono, solitário na arena de mil subtilezas de pensamento. lá fora, chilreiam passarinhos os galos cantam o louvor do sol derramam-se ondas de luz sobre os telhados e os terraços. nas ruas, casais de namorados que passam abraçados, crianças que passam, pulando e cantando, - afinal, a vida também vence!... eis-me aqui de novo de mãos ébrias de esperanças apalpando o nevoeiro e fremendo a dor de muitos pensamentos. aqui, sentado, divagando de palavra em palavra nasço , cresço e morro!

Instante Fernando Manuel

Enquanto me a madrugada tépida apalpa o sexo Aqui mesmo, a meu lado bebo o hálito quente o respirar repousado dos que me fazem ser Paro um momento, breve pausa Sinto que neste momento o céu abraça a terra amplexo atomizado em mim Este instante, mesmo que mo roubes a história mo restituirá

Castiçal Hilário Matusse

Eu Sou vela que arde em quem por mim zela, tu meu castiçal que me colhe e me torna vela ao vento

Juvenal Bucuane

Não posso adiar mais Pedem-me que adie constantemente adie este meu grito preso já no elo final da minha frágil contenção! Porque não posso libertar este desejo perturbante como o mar arremessa suas ondas contra os rochedos ou as eleva ameaçadoras sobre os mastros dos barcos violadores em tempos de monções ou simplesmente as espraia mortiças, dormentes no ócio da bonança nas eternamente esponjosas areias da praia? E pedem-me que adie a minha canção… Os homens têm de cessar a barbárie têm de entoar a canção da fraternidade e da paz.

Memória Inconsumível

Hélder Muteia

Aconchegamo-nos, pioneiros bantos e a cada um caberá uma rama de buganvília ao preço de um sorriso largado ao vento de uma lágrima perdida na areia. Mas vejam só o que a toupeira conta ao mar que nos embala: não se vive por nada que não seja uma distância entre o pão e o amor; o sorriso é vão recurso de quem chora sem mesmo nunca saber porquê; e quando um negro morre numa rua qualquer do Soweto morre, mas morre sem vergonha! Não acuso portanto os deuses da morte anunciada acuso, sim, a toupeira destas míseras mentiras.

Balada Africana Clotilde Silva

Guilherme Afonso

Num ponto não equidistante das margens do hemisfério que me enche a mão apetecida abre-se a memória inconsumível dum botão de rosa esplendor da vida e vórtice intransponível da volúpia perversamente reprimida.

nas crostas soltas da noite Carlos Paradona Rufino Roque

nas crostas soltas da noite existe uma brasa pelos ventos levada ali ventos quentes do bosque cruzam-se na negrura a esfolarem crostas da África é que ali é um bosque e sangue são homens destas terras esfolando crostas da noite.

Não me perguntem quem sou, minha raça, minha idade, sou de sangue que gerou o sangue da Humanidade. Não me perguntem a cor deste sonho, minha face, diz-lhes tu, ó meu amor, de que cor é este enlace… Diz-lhes, amor, que quem sou percorreu o mundo inteiro, foi enxada que plantou, foi escravo de roceiro, foi chibalo, foi moleque, foi mineiro no Transvaai, e foi mato de musseques, nas garras do Capital. Diz-lhes, Amor, que quem sou, sendo Homem, em verdade, deu à Pátria, conquistou, o Amor, a Liberdade… Agosto, 85

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Poesia Erot

esteta

POEGRAFIAS Cabo Verde

Filimone Meigos - À Ana e aos restantes que vieram das entranhas de âmago.

E quando soletrar as verdades de sempre que começam hoje? Sabes, amanhã ainda não é a véspera desse dia. A loucura destes versos mutilados pelos factos ou pela guerra do egocentrismo sabe lá quem, todo o céptico infundado toda a penúria da seca ou mesmo a das cheias, tudo isso faz com que amanhã ainda não seja a véspera desse dia. Logo que o dia físico ceda lugar à noite fazendo o ciclo dia-noite-dia, fazendo-se… tanto mais longe dista a véspera desse dia (Que grande pedalada hem!) E não me pergunteis nada ó Deuses de tudo com sapiência em nada quantas bichas temos nós por fazer? E quantos poemas por acabar? E quanto mal vós escondeis? Ah! também não sabeis. Quantas vezes tomais gralha morfológica Por erro de lógica? E o inverso? Que me digam tudo. Quero dar uma palmada em jeito de xi-coração ao leão mais leonino e beijar o lábio mais recôndito da fartura, qual ermo qual quê, qual sonho abortado, quero na madrugada mais quente beijar a areia da praia sentir no seu centro de gravidade como se do magma fosse o bater suave do vosso pranto, embebedar-me com maresia viver, espraiar-me, e porque não libertar-me? Agora entre nós, sussurrando, ó Deus do nada com a mania da sapiência em tudo, quantos amores temos nós por fazer quantos erros por tecer? Não me digam nada. Nada de nada. Estoura-se o último cartucho apenas…

esteta Nelson Saúte

Um facho abre-se para os ângulos da criação, e o esperma que fecunda a ingramatical linguagem dos meus versos, aquiscência da mensagem, eiva-me do hálito quente de teu burilado corpo no sexo do papel

Albino Magaia

Já não é carro cobrador de impostos Nós descolonizámo-lo. Já não é terror quando entra na povoação Já não é Land-Rover do induna e do sipaio. É velho e conhece todas as picadas que pisa. É experiente este carro britânico Seguro aliado do chicote explorador. Mas nós descolonizámo-lo. No matope e no areal Sua tracção às quatro rodas Garante chegada às machambas mais distantes Às cooperativas dos camponeses. Entra na aldeia e no centro piloto Ruge militante nas mãos seguras do condutor Obedece fiel a todas as manobras Mesmo incompleto por falta de peças. - Descolonizámos o Land-Rover Com nossos produtos Comprámos combustível que consome Com nossa inteligência Consertámos avarias que surgem Com nossa luta Transformámos em amigo este inimigo. Nós, descolonizadores Libertámos o Land-Rover Porque também ficou independente, afinal Transformaram-se os objectivos que servia E hoje é militante mecânico Um desviado reeducado Uma prostituta reconvertida em nossa companheira. Descolonizámo-la e com ela casámos E não haverá divórcio. De Tete a Cabo Delgado Do Niassa a Gaza Da sede provincial ao círculo Este jeep saúda quando passa O caterpillar, seu irmão Outro descolonizado fazedor de estradas E cruza-se com o Berliet atarefado Ex-pisador de minas Eles aprenderam com a G-3 Menina vanguardista na mudança de rumo A primeira a saber e a gostar A diferença antagónica Entre a carícia libertadora das nossas mãos e o aperto sufocante e opressor do inimigo que servia. As mãos dos operários que o fabricam são iguais às mãos dos operários da nossa terra. Essas mãos inglesas que o criam Um dia saberão que ajudaram a fazer a revolução e vão levantar o punho fechado da solidariedade. Ruge este militante nas picadas da Zambézia Galga as difíceis estradas de Sofala Passa pelos pomares de Manica Pelo milho de Gaza Pelas palmeiras de Inhambane Na cidade do Maputo descansa. Transporta pelo país os olhos dos estrangeiros amigos que querem conhecer de perto a nossa Revolução - Descolonizámos uma arma do inimigo Descolonizámos o Land-Rover! Aquelas quatro rodas de um motor potente Aquela cabine dos mecanismos de comando Aquelas linhas da carroçaria irmanadas ao medo Já não afugentam o povo: Homens, Mulheres e Crianças do campo fazendo sinal ao condutor, pedem boleia. Nós descolonizámos o Land-Rover Por isso o povo já não foge.

Amosse Mucavele - Moçambique

Ao Corsino Fortes

Uma PRAIA estende-se nos ramos de uma seringa que ondula nas veias encharcadas de mel, sob a alçada de um corpo derretendo-se na ressaca de um vulcão.o mar corre as pressas em rebuliço levando consigo na bagagem as cinzas do FOGO arrancado dos edificíos do ar que pé(lo) lago propociona-nos uma BOAVISTA.de um jardim que não é jardim, que das pedras planta montanhas como uma túlipa diante de um paraíso de rosas. E quando a lâmina entra em cena, a montanha recorta-se em graus de Ilhas. E a mesma lâmina quando conquista o espaço do mar, é fenomenal o quão as gaivotas com as suas asas de vénus. Sobrevoam extraordinariamente a paisagem totalmente coberta de nuvens de SAL. E triste é a BRAVA primavera do desassossego que assola e corta o Arquipélago em pedaços de terra que trazem noticias do mar.

Pásssaro de Cristal

João Craveirinha

Fim de tarde. O pássaro de cristal voando no tempo e na imaginação, passando nas horas de fim de tarde, tardia... e embreagante com nuvens nebulosas, sombrias, melancólicas onde o pássaro, da janela, irradiou... A luz cristalina irradiou o pássaro nas nuvens... Na magia dos sonhos o tempo eterno era transpiração do corpo e da alma, extirpando a sombria e melancólica tarde, pairando..., cantando no imaginar dos tímpanos e com o sopro da tarde, partiu. Os sonhos partiram levando os dissabores. O pássaro de cristal continuou na janela iluminando e brilhando os dias e as tardes, contemplando a eternidade.

15 | 17 de Agosto de 2012


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Conto As Mãos dos Pretos Luís Bernardo Honwana

J

á nem sei a que propósito é que isso vinha, mas o Senhor Professor disse um dia que as palmas das mãos dos pretos são mais claras do que o resto do corpo porque ainda há poucos séculos os avós deles andavam com elas apoiadas ao chão, como os bichos do mato, sem as exporem ao sol, que lhes ia escurecendo o resto do corpo. Lembrei-me disso quando o Senhor Padre, depois de dizer na catequese que nós não prestávamos mesmo para nada e que até os pretos eram melhores do que nós, voltou a falar nisso de as mãos deles serem mais claras, dizendo que isso era assim porque eles, às escondidas, andavam sempre de mãos postas, a rezar. Eu achei um piadão tal a essa coisa de as mãos dos pretos serem mais claras que agoraé ver-me a não largar seja quem for enquanto não me disser porque é que eles têm as palmas das mãos assim tão claras. A Dona Dores, por exemplo, disse-me que Deus fez-lhes as mãos assim mais claras para não sujarem a comida que fazem para os seus patrões ou qualquer outra coisa que lhes mandem fazer e que não deva ficar senão limpa. O Senhor Antunes da Coca-Cola, que só aparece na vila de vez em quando, quando as coca-colas das cantinas já tenham sido todas vendidas, disse-me que tudo o que me tinham contado era aldrabice. Claro que não sei se realmente era, mas ele garantiu -me que era. Depois de eu lhe dizer que sim, que era aldrabice, ele contou então o que sabia desta coisa das mãos dos pretos. Assim: “Antigamente, há muitos anos, Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, Virgem Maria São Pedro, muitos outros santos, todos os anjos que nessa altura estavam no céu e algumas pessoas que tinham morrido e ido para o céu, fizeram uma reunião e decidiram fazer pretos. Sabes como? Pegaram em barro, enfiaram-no em moldes usados e para cozer o barro das criaturas levaram-nas para os fornos celestes; como tinham pressa e não houvesse lugar nenhum, ao pé do brasido, penduraram-nas nas chaminés. Fumo, fumo, fumo e aí os tens escurinhos como carvões. E tu agora queres saber porque é que as mãos deles ficaram brancas? Pois então se eles tiveram de se agarrar enquanto o barro deles cozia?!”. Depois de contar isto o Senhor Antunes e os outros Senhores que estavam à minha volta desataram a rir, todos satisfeitos. Nesse mesmo dia, o Senhor Frias chamou-me, depois de o Senhor Antunes se ter ido

embora, e disse-me que tudo o que eu tinha estado para ali a ouvir de boca aberta era uma grandessíssima pêta. Coisa certa e certinha sobre isso das mãos dos pretos era o que ele sabia: que Deus acabava de fazer os homens e mandava-os tomar banho num lago do céu. Depois do banho as pessoas estavam branquinhas. Os pretos, como foram feitos de madrugada e a essa hora a água do lago estivesse muito fria, só tinham molhado as palmas das mãos e as plantas dos pés, antes de se vestirem e virem para o mundo. Mas eu li num livro que por acaso falava nisso, que os pretos têm as mãos assim mais claras por viverem encurvados, sempre a apanhar o algodão branco de Vírginia e de mais não sei aonde. Já se vê que a Dona Estefânia não concordou quando eu lhe disse isso. Para ela é só por as mãos desbotarem à força de tão lavadas. Bem, eu não sei o que vá pensar disso tudo, mas a verdade é que ainda que calosas e gretadas, as mãos dum preto são sempre mais claras que todo o resto dele. Essa é que é essa! A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão de as mãos de um preto serem mais claras do que o resto do corpo. No dia em que falámos disso, eu e ela, estava-lhe eu ainda a contar o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de se rir. O que achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava disso tudo, quando eu quis saber, e só tivesse respondido depois de se fartar de ver que eu não me cansava de insistir sobre a coisa, e mesmo assim a chorar, agarrada à barriga como quem não pode mais de tanto rir. O que ela me disse foi mais ou menos isto: “Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver... Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem, é apenas obra dos homens... Que o que os homens fazem, é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos”. Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos. Quando fugi para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido."

Excerto da obra «A Janela para o Oriente» de Eduardo White

Nas Filipinas uma lava destila o açúcar e eu bebo, em Manila, uma mestiça que me seduz, vulcânica na sua orientalidade, desde a raiz que lhe vem dos igorots, a falar de amor em tagalo, até à lembrança de Fernando Magalhães curvado sobre Mindanao, mais obscuro ainda nel corazon de su glória, orbital na azul fugacidade dos mares porque em Quezon se incandesce o canhâmo que ali chegou anelante e líquido pelas portas do sexo, o fulgor da copra amendoada e concava, viscosa para sangrar o sabão que o há-de lavar. E tudo isto eu digo a caminho da fertilidade tropical de Terai, no Nepal, e do frio altíssimo dos Himalaias onde um bovino se ri auto-móvel pelo gelo, a pensar, quem sabe, nas tranças de tabaco que seria bem melhor transportar pelas ruas diurnas de Kat-mandu, ou de Biratuagar, ou Lalipur, ou em amarrar-se, mais longe, ao puro sizal da utopia de Corazon Aquino num comício eleitoral nos subúrbios de Devao, meu oriente de quem este chão foi a ponte com o Ocidente e que ainda a vejo e atravesso do quarto da escrita, tu que eu olho sem que ninguém saiba e oiço como o bantu idioma do meu povo no Suriname a roubar ao mar a terra com a força punjante de um negro a gritar em takl-takl todas as mães que deixou, todos os filhos que não amou, tu denso e vegetal no barbudo caçador de tigres da Malásla, esbelto e escuro na flecha adunca do seu nariz, nos longos e azevichados cabelos a voarem de paixão por uma branca a passear-se em Johor Baru, tu mãe do bumuputra Sandokan na solidão do seu sabre, costureira, por ironia, da alta moda de Paris e a passear-se, com loiras e paneleiros trajados de caqui, no dorso medieval de um elefante e a despirse ao ritmo dos tambores taoístas e das mil e tais posições do Kamasutra, meu Oriente dos belos e impagáveis travestis em pleno Laos, a beber Coca-Cola da boca amarga dos marinheiros, a dar o cú mais feminino de Venciane, duro e redondo como não existe em Las Vegas, virginal ainda do pouco uso ou da idade recente no negócio, meu Oriente nos haréns de Bandar Seri Bangwar, na dança do ventre do próprio sultão a rirse de tudo e a coçar os pés altivo e imperial no lustríssimo turbante, nas opalas gigantes dos dedos, ou ainda do velho obeso e cansado Vasco da Gama, em Molucas,

português de fé como minha mãe, deixa que cheguem a esta janela, pelas tuas canoas com balancias e velas, os melões vermelhos da Malásia, a borracha de Sumatra, o amendoim da Birmânla, o cacau de Luzon nas Filipinas, deixa aqui fumar um cigarro enrolado a dedo em Java e uma dançarina de Bangkok para que durma. Mas antes, deixo o Saigão numa jangada, com docinhos de arroz, a banana frita e um pouco de peixe salgado na cozedura para a viagem, deixo o Salgão com alguma tristeza e o meu mulato, lá, gonorreico a chorar num reclame da Cruz Vermelha, vou para Boston sem uma perna, pedrado da vida, perdi-a a matar em nome do velho branco de fraque e cartola e a ler Ginsberg fodido por lhe terem tirado tudo sem nunca ter recebido nada. Saigão venérico de Napalm nas canções de Lenon, a pôr bombas na casa real inglesa e a dizer-se maior que Cristo e a masturbar-se de óculos com o Japão em Yoko, meu Saigão inderrotável até nas papaeiras da Marilyn Monroe, vermelha de dormir com a América toda ou de cheirá -la por um tubo branco a redimir-se sozinha do velho sangue preto de Martin Luther King, Saigão da vergonha, terrorista, da malária a gingar no mosquítico mindinho comunista de Ho Chi Min, invisível, maquiavélica por Maquiavel não ter culpa disso, Maoísta até ver quando, Saigão das bananas a descascar o mundo e a vomitá-lo todo na Broadway, a dançar sapateado com o conformado Fred Astair, nas loiras adolescentes de Nova Iorque brilhantinosamente estéricas com a pilinha de ouro do Frank Sinatra ou na volumosa mandioca do Jimmy Hendrix a tocar com os dentes o hino nacional americano, Saigão doente e triste, mas de pé em Phnom Penh e nas rotas botas do cidadão Giap, oriental em tudo e místico e forte, vejo-te daqui e não sabes, com um barco pronto a meio do peito e as malas por arrumar na consciência.”

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16| 17 de Agosto de 2012


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Conto Fabião Rui Nogar

O

padre da missão falou em Deus. Deus: irmão bom. Falou nos anjos: todos amigos. Falou no céu: oh! céu bom, muito bom. Só não falou nos homens. Homem? Muito complicado mesmo. Todo gente há-de aprender sozinho. É preciso coragem. Coragem e resignação (mas que é “...signação”?). Vida é má. Muito má. Homem também. É preciso aprender sòzinho. Ser bom. Ter bom coração. Quando outra gente faz mal a você é preciso esquecer. É preciso perdoar esse gente. É preciso sofrer. É preciso... Fabião, mufana ainda, o boca muito aberto, os olho muito aberto, mexeu cabeça, mexeu cabeça – compreendeste sim senhor Padre... Padre José passou a mão pela testa, onde as teimosas gotas de suor desfizeram-se, escorrendo por entre os dedos curtos e grossos. Fabião cresceu pouco. Foi tropa: três anos escravo de caqui, corneta e meu sargento. Três anos em que toda mulher chunguila e todo moleque tinha medo do seu cinturão. Fabião era bom. Mas quem sabia? Fabião era soldado. Soldado não é bom: diz moleque, diz mulher. Fabião era bom, mas só ele sabia, mais ninguém. Um dia foi na “Lagoas”. Arranjou mulher de todo gente. Esse mulher estava grosso. Com certeza não viu caqui, não viu cinturão, nem sequer viu Fabião. Sentiu aquele braço forte que segurou ela quando ia cair na escada da cantina. Depois, aquele braço forte seguiu ela até colchão. Mulher está dormir. Ele não sabe ainda como ela chama. Também não interessa. Ele quando voltar ela não conhece ele. Mas ele também não háde voltar. Palavra!... Mas Fabião está a gostar dela. [É] pena, dinheiro é pouco. Bem! Fabião segurou dinheiro todo, deixou no colchão e foi embora. Mulher de todo gente quando acordar há-de pensar dinheiro caíu do céu. Fabião riu. Lembrou Padre José quando falou no céu. Ih! Céu bom, muito bom mesmo! Três dia passou. Enfermeiro molungo deu injecção a Fabião porque doença veio. Enfermeiro molungo é bom. Tropa é bom porque tem senhor enfermeiro que cura doença de mulher. Carregador no cais: um ano contratado. Um ano para perder 4 (quatro) amigos. Um ano enorme e pesado, cheio de lembrança de Padre José que disse: é preciso sofrer. Ah! Padre José!... Padre José! Primeiro: Salvador. Caíu no porão de “Congo Maru”. Deitou sangue da boca e dos ouvidos. Não disse mais nada. Também, quando Salvador falava, pouco gente compreendia. Ele falava outra língua. De muito longe. Agora, palavra! todo gente parece querer compreender Salvador. Agora todo gente gostava saber falar com Salvador. Agora. Depois Agostinho e Cipriano na mesma semana. Ficou parecia papa de farinha. Assim mesmo. Só pele, com osso pisado lá dentro. Agostinho estava trabalhar debaixo de guindaste n.º 10. Cabo que segura aquele saco todo partiu. Era muito saco. Cheio de cimento. Agostinho não teve tempo. Não fugiu. Ficou parecia tinha cola nos pés.

Quando pedreiro vai fazer casa com aquele cimento, há-de ficar casa com pouco sangue de Agostinho. Sangue e vida e medo de Agostinho. Doze e meia. Cipriano está dormir perto chapa de aço. Muito chapa de aço em cima doutro chapa de aço. Passou combóio perto. Chão fez assim assim. Chapa de aço que estava em cima mexeu, mexeu e caíu. Mesmo na cabeça de Cipriano. Cipriano não acordou nunca mais. Ele tinha cabeça grande e duro. Quando jogava borracha dava cabeçada com força. Maningue força. Partia sempre cabeça de outro gente. Cipriano nunca mais vai jogar porrada. Nunca mais vai dar cabeçada. Quando estava quase acabar contrato de Fabião, foi Saúl. Saúl, capataz indígena. Não gritava muito. Não chatiava muito. Carregador gostava dele. Um dia estava entre dois vagão. Via serviço de contratado. Cantava mesma cantiga de contratado, ih! cantiga de contratado é malcriado. Muito malcriado mesmo. Diz coisa que não pode dizer. Por isso contratado gostava daquele cantiga. Por isso trabalha bem com cantiga. Lingote de cobre pesa menos. Vida custa menos. Dez meses passou. Fabião não pode dormir. Tosse não deixa. Ele de manhã cedo vai fazer curativo. Depois vai outra vez buscar tosse lá dentro da mina. Falta pouco para acabar contrato. Tosse não pára. Fabião quando voltar para terra não vem sòzinho. É capaz mesmo, esse coisa que acompanha ele, não deixar Fabião chegar no terra. Fazer machamba, palhota maticada com porta e janela verde com dois risco amarelo, semear milho, amendoim, mandioca, arranjar mulher, gastar libra, pound. Saúl cantava muito bem. Ali perto estava máquina vaivem com manobra. Máquina foi. Escondeu atrás de armazém L. Depois máquina veio. Faz barulho. Não deixa ouvir cantiga. Agulheiro não pode segurar máquina. Voz de Saúl, voz de contratado, voz de máquina é um só. Tudo canta mesma cantiga. Máquina galgou cicatriz de linha. Entrou no caminho errado. Saúl canta maningue bem mesmo! Máquina apanhou primeiro vagão da frente. Chocou. Empurrou. No meio Saúl canta ainda. Vagão correu, agarrou barriga de Saúl – cantiga parou agora mesmo no boca de Saúl – e engatou noutro vagão. Barriga de Saúl engatou também. Cantiga parou. Todo gente correu. Ficou ver tripa de Saúl que baloiça pendurada no engate do vagão. Ambulância gritou e veio levar voz de Saúl. Nunca mais ele vai cantar cantiga de contratado. Cantiga malcriado. Ah! mas a culpa é do cais. Cais não presta. E por isso cantiga é malcriado. E por isso cantiga de malcriado há-de ficar mais malcriado ainda. Muito mais. Fabião quando saíu última vez no Porta Cinco, cuspiu com força para o chão. Fazia frio. Fabião trazia no corpo farrapos de ganga azul desbotada. O céu lá longe era azul também. Azul desbotado. Mineiro do Rand: 16 meses soterrado. Dezasseis meses de medo: o grisú, monstro que não se vê, não se cheira, não se pressente a estoirar a todo o momento. Dezasseis meses! Quem sabe se o amanhã não o é para Fabião? Toneladas de terra equilibram-se sobre as formigas e os homens que as imitam. Num segundo podem transformar-se numa imensa sepultura. Todos sabem isso. Mas são dezasseis meses necessários para Fabião e seus companheiros. Libras, pounds irão comprar amanhã casacos de pele de leopardo, calças de bombazine, peúgas e meias de futebol das mais berrantes, sapatos fortes, grosseiros, etc. etc. E depois, lá na terra, a certeza duns braços de mulher. Fabião economiza. Não compra máquina de costura em quinta mão, nem bicicleta sem roda, nem outra porcaria. Vai fazer palhota maticada. Pintar porta e janela verde com dois risco amarelo. Machamba pequena. Milho, amendoim e mandioca.

A Canção de Zefanias Sforza (excerto) Luís Carlos Patraquim

M

orava no que fora um chalet, na Avenida 24 de Julho, quando os tramways subiam a D. Carlos, depois Manuel de Arriaga, agora Karl Marx, dobrando a Central Eléctrica e subindo, chiando, extenuando-se. "A 24 de Julho é uma avenida coerente". Verdade que a frondosa via, que atravessa a cidade a meio, na sua parte alta, desenrolando-se desde o bairro da Polana até ao Alto Mahé, mantivera a mesma designação. Nome desde o antigamente por causa da sentença do Marechal Mac-Mahon sobre os territórios da Catembe, defronte da baía, que Sua Majestade britânica reivindicava à dita soberania portuguesa e que assim se manteve por ter sido essa a data das famosas nacionalizações, loguinho mesmo a seguir à independência. Zefanias, que não era dado a sinuosidades semânticas, classificava como mesmura essa teimosia

toponímica, alheio a manifestas incoincidências políticas. Nunca lhe consegui uma explicação para o termo. O dito chalet, verdade seja, tinha mais de evocação do que de estatuto, relíquia de uma certa belle époque cujos perfumes cruzaram os oceanos, dobraram o cabo e aportaram na cidade. Aqui uma frontaria em arcos, lavrada, uns muros à inglesa, colunatas modestas, um e outro hotel junto ao porto, o can-can de algumas vaporosas francesas. Mas a cidade era na baixa. No altos, que Mouzinho de Albuquerque ainda subira a cavalo poucos anos antes com medo das emboscadas, a zona fresca propiciava as casas avarandadas onde uma burguesia sempre apavorada com a biliosa mas a prosperar podia dizer que pegava na lancheira e ia para o campo. Poucos sobravam, quase nenhuns, diga-se a verdade, ora substituídos ou acrescentados, ora vergastados pelo tempo.

17 | 17 de Agosto 2012


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Entrevista

F

AEMO na visão de Ungulani Ba Ka Khosa

rancisco Issaú Cossa, é aquele que todos chamamos por Ungulani Ba Kha Khosa, faz parte daqueles que realizaram o “assalto à instituição literária” logo que ela se cria e formou a turma da Charrua que veio a oficializar-se a 23 de Junho de 1984 com o lançamento do primeiro número dessa revista que até hoje não sai do debate literário moçambicano. Eram eles, Pedro Chissano, Juvenal Bucuane (esses dois tendo assumido as funções de coordenadores), Eduardo White, Hélder Muteia Ídasse Tembe, Tomás Vieira Mário/ Tomás Vimaró, Filimone Meigos, Marcelo Panguana, Armando Artur entre outros. Mas uma particularidade levou à distinção de Ungulani dos outros, ele era homem inquieto e com um discurso literário de desassossegar o poder. Na verdade, nesta entrevista Ungulani explica que a sua preocupação mais do que atingir o poder político, estava a obedecer o código de conduta da literatura “ser sincero com o texto”. E é nessa sinceridade que nasceu o seu primeiro livro “Ualalapi” por sinal, a sua consagração como uma referência obrigatória na literatura nacional. Eduardo Quive

L: Estamos aos 30 anos da AEMO, e lembro-me que a bem poucos anos há quem falava da morte da Literatura Moçambicana. O que pensa disso? U.B.K.K: Há em mim alguma perplexidade quando vejo essas coisas. Quando tu vês uma pessoa jovem a iniciar-se nas letras e ele próprio a se liquidar, a dar-se um tiro nos cornos, a dizer que esta é uma literatura morta. Não vejo futuro nessa pessoa. Eu quando comecei a escrever eu preocupei-me em fazer o meu texto, quer dizer, eu estou preocupado em escrever. Mas quando eu começo e faço uma leitura para a minha contemporaneidade e digo que estamos mortos, implica que o próprio fazedor recusa-se a positivar o seu próprio trabalho isto significa ainda, qualquer coisa que é anacrónica, não achas? (apenas encolhi os ombros) Quando vemos lamentações deste nível quer dizer que temos qualquer problemas editoriais. Quando dizes que o nosso texto, a nossa literatura, o nosso trabalho está nesse patamar, não sei como é que podes chegar a outros patamares. L: Indo directo à pergunta que queria que me respondesse a partir da anterior questão: Quando vocês entram na AEMO o professor Gilberto Matusse escreve um artigo intitulado “O Assalto à Instituição Literária”. Hoje aos 30 anos estaremos de facto, a comemorar os 30 anos da Institucionalização da Literatura Moçambicana? U.B.K.K: A questão é esta: nós estamos numa economia de mercado e como economia de mercado, digamos, todo o mundo editorial praticamente está ancorado no sector privado. O sector cooperativo que podíamos dizer que é este sector não tem crescimento e nem significado nenhum. O Estado gradualmente foi-se afastando desse lado interventivo da cultura. Portanto, quando tu olhas para a associação tens que olha-la num prisma de intervenção, num prisma de associativismo, de cidadania, de outros valores que temos que fazer chegar. Agora a associação dos escritores passou por várias etapas, o importante neste momento, é encontrar-se outras formas que se adeqúem ao tempo. L: Mas isso a o que se refere à situação editorial, mas quanto a própria vida literária do país, incluindo os debates que nos referíamos? A literatura funciona em uma rede, temos as editoras, os livreiros, o escritor e o leitor. U.B.K.K: No campo dos debates, provavelmente por natureza deste tipo de sociedade, as pessoas tornam-se cada vez mais egoístas. Os campos de solidariedade tendem a ser diminutos. Mas o que te posso dizer é que realmente a situação da associação dos escritores moçambicanos também reflecte um pouco o marasmo com que a gente vive de ausência de debate, não só na associação, mas como ao nível das universidades esses grandes debates não existem. É o próprio país que também tem essa falta e a associação por estar dentro, reflecte essa situação. É aquilo que falei no princípio, quando transformamos este grande país parece um grande supermercado de venda de acções mercantis e esquecemos a dimensão cultural. E a dimensão cultural faz-se por grandes debates, por cidadania. Vez por exemplo coisas vergonhosas como eu vi agora, nessa cimeira da SADC, algumas personalidades no debate a querer questionar aquelas manifestações dos diversos povos do mundo, quer dizer questionar aquelas atitudes cívicas tem sido habitual. Chegamos ao ponto de questionar isso, como se estivesse tudo dentro do Estado e nada fora do Estado. Quando jovens ainda estão com essa mentalidade é qualquer coisa que chega a ser assustador. Portanto quando tu falas 30 anos da AEMO, foram em que tivemos o nosso crescimento, mas a dinâmica que se quer, na parte dos debates é praticamente nulo, mas devo dizer que é o reflexo de uma situação geral porque até instituições académicas, que devia ser promotoras desses debates, levantando grandes questões sociais e criarem um movimento, aí é que se evitava essa morte. É uma morte

lenta de crescimento e de cidadania que estão praticamente adormecidos. L: Concorda com a opinião que considera ter havido dentro da associação durante esse tempo, conflito entre os grupos que foram se criando por dentro e que ganharam nome de gerações? U.B.K.K: Eu não acredito nos conflitos de gerações. O que eu acredito sempre é que tu como escritor a tua grande luta é no sentido de conseguires publicar o teu texto e de lutares para que ele melhore. Nada de falas. Se olhares para mim, para os Craveirinhas, Magaias, eu olhei-os como pessoas que estão no grupo literário em que eu podia entrar e com o meu esforço podia me impor. É obvio que o mundo literário também é tão sódico como outros mundos. É um mundo tão solto, tão transparente, tão sólido como outros, há golpes baixos, há jogos de misérias que se fazem, há todo isto mundo. Mas a pessoa tem que estar acima por vezes, desses particularismos ou entraves. Onde há um ser humano, há duas ou três pessoas há disto, mas fundamentalmente é o texto que deve prevalecer. De certo modo há alguns que sempre teimaram em falar de gerações e de conflitos, mas muitas vezes por de trás dessas acções há alguma mediocridade que impera. L: Dos escritores moçambicanos que vão se internacionalizando, temos o Mia Couto, o Eduardo White, agora a Paulina Chiziane, João Paulo Borges Coelho e você, naturalmente. Acha que há novos horizontes a abrirem-se para mais escritores moçambicanos no estrangeiro? U.B.K.K: Eu acho que sim. Não te posso falar da poesia que é uma área que respeito muito e tenho uma opinião muito subjectiva sobre ela, mas no campo da prosa eu acho que o espaço não morreu como tal. Eu sou daqueles que digo uma coisa: o grande problema que nós temos aqui não é do aparecimento ou não de escritores que estão na praça. O problema é da massa crítica. Paradoxalmente nós temos gente que sai em número crescente da universidade na área das letras, mas ao mesmo tempo esse número decresce em termos de intervenção crítica. Nós não temos. Eu nasci na literatura no momento em que estavam nascer críticos desde os Noas, Gilberto, Lobo e outros, mas agora não. para tua geração e outra geração vocês nascem com o texto e tem ele e ficam cinco seis sente meses e ninguém fala de si. São esses os grandes problemas que temos que colmatar. Isso se verifica tanto na literatura como nas artes plásticas. Temos um grande movimento de artistas, tu vez aqueles nomes todos, mas ninguém consegue os agregar. Mas quem deve os agregar não sou eu, não é minha vocação, eu não sou crítico. Sou crítico em relação ao meu texto e ao texto do outro, mas mesmo assim, a minha crítica é em função das minhas leituras. Mas uma pessoa que aparece num patamar que é capaz de ver a distância eu posso criticar, em função de que ele não entra na minha linha, é a natureza do escritor. Não colecciono livros sobre a crítica. Agora o crítico esse é que deve ter forças e existir. Por isso que há uns fulanos que são críticos, estudiosos de literatura e que são doutra geração já se utilizaram num mundo em que já se especializaram em determinados escritores e por vezes não temos olhos para o geral. Falta críticos literários, isso é que falta em Moçambique.

18 | 17 de Agosto 2012


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Entrevista

E

AEMO na visão de Eduardo White

duardo White é aquele que foi negociar os 20 mil meticais em 1984 na Embaixada de Portugal que deram vida ao projecto da revista literária Charrua na qual fez parte como membro do conselho editorial desde a sua morte “natural”. Apesar de já ter 50 anos, Pedro Chissano ainda o chama de “menino White”, aquele que subia a mangueira da AEMO para espontaneamente e como só ele sabia, dizer poesia num imbatível dueto que compunha ao lado da Anabela Adrianoupolis. Quase que aborrecido por falar do assunto “Associação dos Escritores Moçambicanos”, mostrou-se conhecedor da actual realidade da Literatura Moçambicana, principalmente ao que se refere aos novos autores. “Basta lançarem um livro já saem a gritar eu sou escritor!” – diz Eduardo White. Eduardo Quive

Literatas: Que lembranças tem do menino White da Charrua? Eduardo White: Da autenticidade, da solidariedade, menos materialistas, não havia essa fome de poder que há agora. Agora toda a gente quer ser outro tipo de gente. Quer usar gravata, quer andar de outro tipo de carro, um AVC, toda a gente quer ser chefe, e por toda a gente querer ser gente este país anda mal chefiado. Eu acho que naquele tempo todo mundo queria ser gente, a minha juventude foi mais feliz e mais autêntica por que era uma idade de procura. Todos nós estávamos a procura. Toda gente lia muito, trocávamos livros, andávamos em grupo, é pa, bebíamos os nossos copos, fumávamos os nossos cigarros, ninguém saia sem outro. Éramos uma família, o que agora já não acontece. Bom isso é também devido ao tempo, mas acho que conservamos muito pouco aquelas coisas. Hoje vejo o meu filho que tem 30 anos, ele ainda tem amigos que são amigos dele desde os 18 anos de idade. Acho que isso é importante conservar. Uma família literária ou um projecto literário é por toda a vida. E quando a literatura começa a ser uma pista de atletismo, ela perde-se. Essa coisa que eu sou melhor que outro, é muito má para uma literatura que está a começar. E é um facto. Relativamente à expressão angolana, se vocês forem a ver, eles publicam tudo e o tempo vai encarregar-se de deplorar, de filtrar e é isso que nós precisamos. Nós precisamos mais jornais com páginas literárias. Naquele tempo todos os jornais tinham um caderno com duas ou três páginas dedicadas a literatura. Hoje não. Tens o “ Notícias” que tem o suplemente cultural, mas o resto já não há. É por isso que há falta de qualidade porque publicar no jornal é bom, para qualquer um. Mesmo para um autor consagrado, publicar no jornal é bom, porque mede o seu nível de escrita e as pessoas que o lê vão tendo noção de que quem ele é. L: Incrivelmente os escritores em destaque hoje na literatura moçambicana são da Charrua! Mas o que aconteceu para que as coisas mudassem? EW: É o capitalismo selvagem. Num governo de capitalismo selvagem, interessa sempre ao poder, controlar o que se escreve e o que se lê. E quem escreve e quem lê. Não é por acaso que as editoras que sobrevivem até hoje e que publicam, são as dos livros escolares. O dia em que essas editoras deixarem de publicar o livro escolar, não há livro em Moçambique. Não há um investimento. Ninguém investe num novo escritor. As vezes vejo jovens, eu próprio quando é para viajar, para obter uma passagem de 20.000 meticais, quase que te arrasta-se, quase que te humilhas, quase que ladras. As vezes digo que se fosse um cantor, talvez safava-me melhor, mas não bom cantor, mau cantor, com uns vídeos com umas mulheres com boas mamas. Neste país o que se patrocina são pernas e mamas. Não é música propriamente dita. Isso eu sempre disse.

L: Mas há quem diga que o Eduardo White não tem sofrido para obter apoios, pelo nome e pela cor… EW: Há quem diga… há muita gente que diz muitas coisas de mim, mas até dizerem é porque há muita gente que não sofre pelo nome. E se eu não sofresse pelo nome imagina, não estaria a beber a crédito numa barraca. Mas quem diz são os que tomam chá no Hotel Cardoso, que andam de carros, esses é que dizem isso e que não escrevem a uma porrada de anos. E que são directores disto ou daquilo e que são ou foram ministros. Esses gajos todos é que dizem, mas se fores lá pedir a eles, sempre dizem estou a construir a minha casa, gastei uma fortuna. Mas eu não estou a construir nenhuma casa, não crio galinhas, não tenho três amantes, faço amor a crédito, tas a ver? De maneiras que estou me cagando para os gajos, redondamente. L: A AEMO completa 30 anos de existência, podemos dizer que são trinta anos de uma instituição literária? EW: É pa, eu nem sei o que é AEMO. Se existe isso ou não eu não sei. O que é AEMO? Conheço a AEMO a uns 10 15 anos atrás, isso ruiu. AEMO é o quê? É um bar? Restaurante? Não sei, não conheço. L: A fase em que une-se a vários jovens na AEMO, formando a Charrua foi crucial para ti? EW: foi crucial sim. Foi boa mas foi má porque se tivesse me dedicado a escola não seria pobre. Teria terminado o meu curso de engenharia civil, desisti no terceiro ano. É que eu tinha muita mecânica de sol enquanto eu queria a mecânica lunar. Depois fui fazer o jornalismo, tive um grande amigo que recebeu-me na altura da TVE (Televisão Experimental de Moçambique, actualmente Televisão de Moçambique, TVM), o Pedro Pimenta era na altura o director geral. Pôs-me ali a fazer alguns directos. E fiquei. Depois fui para a revista tempo. Foi de seguida a Charrua, dei aulas até que tive o meu primeiro emprego. L: Mas quase todos os que saíram da Charrua tornaram-se dirigentes… EW: Mas isso é com eles. Eu não me refiro a esse dinheiro. Estou a falar daquele dinheiro do dia-a-dia, apanhar um taxe ir até ao Museu beber um vinho, mas não posso porque só tenho 100 meticais. É bonito, mas ao mesmo tempo é chato, tenho já 50 anos. Dizem que temos que poupar, mas eu nunca encontro dinheiro para poupar.

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Entrevista Quando encontro dinheiro só serve para pagar algumas dívidas, a água, a luz, o sapato em fim. Comprar uns livritos de vez em quando. L: Há uma nova vaga de autores moçambicanos, refiro-me aos que se quer fizeram parte da Charrua. O que acha deles? EW: Acho que é bom. Mas há muito escritor pedante. Hoje tu lanças um livro e se acham. São todos uns vaidosos. Isso é mau. Lançam e saem a gritar “eu sou escritor”. Acho que um escritor de verdade, não é isso que diz. L: O que tem que dizer quem quer ser ou é escritor realmente? EW: Ya, poeta é puta ao mesmo tempo. Esse é um melhor conceito, sem vaidade, sem grandes coisas. Por exemplo vocês estão a fazer um bom trabalho com humildade, isso é bom. Vão aprender mais do que sendo arrogantes. Sabes porque é que a associação dos escritores hoje é o que é? Ou morreu porquê? Por causa disto, este é este, o outro não é nada. Mas não, todos nós somos. Tu tens os teus leitores e eu tenho os meus. Os teus leitores podem não gostar de mim ou podem gostar de mim por influência tua. Por exemplo o meu filho não me curte nada. Diz que prefere o computador e eu respeito isso. Tem gente que me curte, mas não curte o que eu escrevo. E nem por isso não deixamos de ser amigos e nem deixo de dar importância a o que eles dizem. E quando gostam é porque viram algo de interessante. L: Estava a dizer que o que está a acontecer é bom, ao mesmo tempo que reclama da arrogância dos novos. Então que momentos estaríamos nós a viver? EW: Olha, estamos a passar pelos engravafatados. Os que já são, estão e de vez enquanto saem do guarda-fato. Com ar e são senhores e temos aqueles que querem ir para o Guarda-fato. E devemos partir os guarda-fatos e dizermos a eles que não há guarda-fatos, devemos escrever e ter mais lugares para publicar. Mais jornais que tivessem mais espaço para jovens escritores. Porque a literatura é mais uma forma de intervir. Todos grandes escritores que conhecemos, desde o Gabriel García Marquez, Jorge Amado, utilizaram a literatura como meio de retratar a guerra, de expressar opiniões, etc, etc. Isso é que é importante. Por exemplo vocês tem uma revista electrónica e que a juventude e não só pode a ler baste abrir o e-mail sem gastar dinheiro. Isso é bom, porque os preços dos livros são altos. Até eu há livros que tenho dificuldades em comprar. L: Os preços dos livros te preocupam? EW: Preocupam-me porque não ganho nada. L: Mas sendo um escritor e com uma das obras mais caras entre os escritores moçambicanos… EW: Esses livros que são caros são meus aparentemente. Há um maior investimento por parte do artista, mas ele recebe 10% do preço de capa. Se um livro custar 100 meticais ele recebe 10. E numa tiragem de 3.000 a vender por 100 que serão 300.000 meticais, ele só recebe 30.000. e levaste por ai cinco anos a escrever o livro. O autor está a ser mal pago e isso acontece porque aqui temos poucos leitores, os editores não arriscam a grandes tiragens porque as grandes tiragens diminuem os preços dos livros, tanto nos custos como no produto de oferta e dão a possibilidade de o autor ter mais dinheiro. E depois mesmo os livros escolares que são a maior produção que o país faz, os escritores não recebem direitos do autor, deviam receber. Tudo isso são coisas

importantes. Há estúdios que são feitos e que todos os dias me chegam, sobre mestrados, licenciaturas sobre as minhas obras, mas nunca recebi tais livros. Nunca recebi dinheiro, nunca recebi pedido de autorização, nem livros, nem o convite para ver esses tais lançamentos. Isso desagrada-me um pouco. Há uma coisa que até já escrevi, “ ser poeta pobre e um pobre do poeta”. É pouco dignificante ser poeta. Mas não estou a dizer para vocês deixarem de ser, porque os vossos tempos vão ser melhores. L: acha que serão melhores…? O que te faz pensar assim? EW: Vão ser melhores. Porque acho que os futuros dirigentes serão vocês e se tivermos mais gente escolarizada, lida, letrada, nos destinos deste país, mais importância se vai dar à cultura, mais importância se vai dar ao desporto, mais importância se vai dar a juventude, mais importância se vai dar às livrarias, às bibliotecas – um país sem bibliotecas é … - a tua Biblioteca Nacional não tem nada! A pouco tempo o director do Arquivo Histórico chamou atenção que os arquivos não estavam a ser bem conservados porque estavam numa casa em arredores. Estamos preocupados com outras coisas e isso é mau. É preciso chamar atenção à essa gente. E há gente que escreve ou que diz que escreve, o Presidente da República é poeta e membro número 10 ou 11 ou 07 da Associação dos Escritores Moçambicanos, o Marcelino dos Santos, o Sérgio Vieira – não sei se já deixou de ser poeta ou ainda é - , mas essa gente está no poder e não faz nada. Estão preocupados com as patentes, com o poder, com os carros. Mas há gente no meio dessa gente que ainda – graças a Deus – está a suportar muito o que se faz hoje na Literatura, na Música, como o caso de grandes empresas. L: Outro facto é que há escritores um pouco por todo o país que não são conhecidos interna e internacionalmente… EW: Sim mais que livros tens para levar para fora? Há escritores mas eles não têm livros. Como é que vais chegar lá fora? Até nós que temos livros nos é difícil chegar lá fora! Chegam apenas alguns que tem lóbis. Anda a fazer-se um mau juízo de nós os escritores consagrados. Nem toda história que se conta a nosso respeito é verdadeira. Isso são ilusões que todos dias estamos lá foram. E se estamos lá fora só sabemos depois muitas vezes. São meras ilusões. Hoje tens dois ou três escritores que estão lá fora porque pronto…. É o caso de Mia Couto, Paulina Chiziane – esta merecidamente porque está a fazer um belíssimo trabalho – tens ainda o João Paulo Borges Coelho que só agora começa a sair e ninguém. Aliás o que tens depois sou eu e o Khosa que publicamos livros fora, mas voltamos a publicar outra vez cá dentro, porque publicávamos lá e cá não se lia, é preferível que se leia cá do que lá fora. É ai onde devia entrar a associação dos escritores – lá vem, eu não queria falar dessa porcaria, desse casebre – se a associação dos escritores congregasse escritores poderia se debater e ver-se que saídas se podiam arranjar para esses problemas. Nós estamos mal de saúde em termos de divulgação literária. Muito mal mesmo. O Brasil está a entrar muito bem. Aliás o meu amigo Calane da Silva, gosto muito dele e ele sabe disso, tenho esse precedente com ele, desse brasileirismo que ele tem, que eu acho que faz um belíssimo trabalho, mas falta mandar de cá para lá para que se leia, porque Brasil é potencialmente um grande mercado para a literatura.

“Há uma mcrogização da Literatura Moçambicana”

F

ilimone Meigos, o jovem da Beira que acompanhou enquanto ainda militar, o processo de criação da AEMO, através de um contacto em Nampula com Rui Nogar e Orlando Mendes que apaixonaram-se a primeira como a sua escrita. Chega a Maputo e deixa-se levar pelo ambiente literário que caracteriza de democrático, vivido na Charrua. Hoje, sociólogo, dirige o Instituto Superior de Artes e Cultura (ISArC) é mais um legado daqueles que foram os tempos de gestação de novo sangue da Literatura moçambicana. Contudo quando chega a de fazer o rescaldo daquilo que é hoje a escrita em Moçambique, dá também a mão à Eduardo Quive

Literatas: Entra na Charrua já com ambições como escritor? Tinha já em plano a publicação de um livro? Filimone MMeigos: Eu devo ter sido um dos últimos escritores da Charrua a publicar uma obra. O livro não era um fim em si, obviamente que iria ser, mas não era uma meta. Se for a ver o Pedro Chissano, ou eu, mesmo próprio Aníbal Aleluia, nós só lançamos livros já no fim. Na verdade o que valeu naquele tempo foi a possibilidade de partilharmos vivências, e debatermos a literatura no seu sentido

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Entrevista mais amplo. Nós líamos muito e trocávamos livros e ideias. É isso que me traz muita tristeza porque não se esta geração suposta ser a fiel depositária – o que é normal porque as gerações sucedem-se – não sei se lêem, se trocam livros. Nós fazíamos isso, íamos a casa de um e do outro, embora bebêssemos uns copos, e havia uns mais adiantados outros, já tinham livros e até famílias, como era o caso de Khosa, Chissano e do Bucuane. Nós vivíamos como família. Veja hoje como os filhos de Khosa, ou os do White, os meus filhos, tratam-se como primos, somos tios e eles consideram-nos assim. E não era farsa, provavelmente porque não houvesse diferenciação social como hoje há. Éramos todos iguais, ninguém tinha nada. O Rui Nogar é que tinha que lutar para nos meter na loja para temos uma camisa, calça ou mateiga. E ele fazia questão de dizer ao pessoal das lojas que éramos responsáveis. Ele gostava muito de dizer “cada um com a sua idiossincrasia”. Nós tivemos sorte porque apanhamos uma geração que depositava em nós a esperança e me parece, modéstia parte, que correspondemos a expectativa. L: Corresponderam as expectativas… F.M: Tu lés um “ Ualalapi” de Ungulani Ba Khosa, “ Amar sobre o Índico” de Eduardo White, e tu vês que está ali uma coisa sumarenta. Bem exprimida e as análises que fazíamos um bocado empíricas, porque nenhum de nós tinha ido a escola, mas eram feitas com alguma profundidade. L: Mas também eram tidos como rebeldes… F.M: Sim. Essa é a característica da juventude. Não é rebeldia como rebeldia, mas rebeldia com alguma substância. É um bocado disso que não sinto na geração que nos sucedeu na AEMO. E para o meu gáudio, sinto isso com o Movimento Kuphaluxa, que é – se eu quiser dizer quem é que herdou o espírito ou o modis faciente da Charrua – na minha opinião não é a geração dos jovens que estão na AEMO que faz edita e discute ideias sobre a nossa literatura. A geração que está na AEMO não consegue fazer isso. L: Mas nesse processo de “passagem de testemunho” sendo que vocês aprenderam dos outros, fizeram o vosso tempo da juventude com um certo reconhecimento e terão ensinado aos mais jovens que hoje estão, o que terá falhado? F.M: É um problema conjuntural. O testemunho ficou nas nossas mãos e não foi passado por vários motivos: Primeiro parece-me que a geração sucessora não entendeu o recado. Segundo parece-me que a própria conjuntura fez com que tivéssemos tido uma abordagem diferente. Era outra coisa que não fosse literatura. Nós nunca pensamos nisso. Fazíamos literatura por literatura. Parece-me que a conjuntura

impeliu-nos – quando digo “nos”, estou a incluir-me na nova geração e dou a mão à palmatória – impeliu-nos à Mc rogização da Literatura tal como aconteceu na música e nas outras modalidades artístico-culturais. É a cogumelização, a preocupação com os efeitos rápidos, e ganhos. O que nós na Charrua não tínhamos. Éramos pobrezinhos, mas não pobres de espírito e se leres o Khosa vás achar isso, por exemplo. Mas hoje estamos preocupados com o exibicionismo, marcas de factos e parece-me, infelizmente que esse paradigma vincou – a parte na minha opinião o Movimento Kuphaluxa – mas vincou esse Mc rogização, enquanto a literatura vai para além dos fatos. L: Mas esses todos problemas que se registam que resultados trarão em termos do novo produto artístico. F.M: Toda gente apercebeu-se sem o devido contrafeito que a cultura é um poder. Mas não tem o devido contrapeso, porque não estudam, não lêem, então fica tudo vazio. Esvazia o conceito de arte como o nível mais alto de criatividade e por conseguinte o nível mais alto de intelectualização do mundo circundante. Então, estão todos preocupados com os livros, gingação, meninas e viagens, mas se olhares para eles com tudo isso não são nada. L: Já disse, portanto, que Kalach in Love é uma releitura do programa radiofónico “ O Poema essa Arma”, mas também podem ser as falas de um militar que precisava da paz? F.M: Há ali a antítese da guerra, ou seja, o dilema de ter que pegar numa arma para alcançar a paz. L: E é exactamente isso que quero saber, porque há aqui um cidadão que era militar e tinha que lutar, por outro há aquele que diz “a guerra não é a solução”… F.M: Tínhamos o Apartheid e tínhamos os BA’s, estávamos expostos à apúlia, por um lado, mas por outro, tínhamos como única saída a guerra. Mas como hipótese de trabalho submersa era a paz. Nós podíamos ter uma solução para o Apartheid os BA’s negociando a paz, e esta era a proposta da Charrua. A Liberdade. Na Charrua tínhamos o debate crítico e democrático que não é o que me parece haver agora na AEMO. Não sei que cor tem e o que pensa a geração que agora se encontra na AEMO. L: Acha que há falta de uma ideologia por parte dos actuais gestores da AEMO? F.M: Nós tínhamos uma ideologia que não era exactamente uma ideologia. Mas pelo menos tínhamos um manifesto. Se for a ler Charrua poderá encontrar isso, mas não me parece haver esse manifesto nos que agora estão. Não há

Andes Chivangue: “A literatura moçambicana continua moribunda”

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iante de uma realidade marcada pela escassez de realização de eventos culturais (com destaque para a área da literatura) com grande visibilidade, e pela reincidência dos mesmos escritores na publicação de novos livros, incluindo concursos literários cuja premiação dos vencedores resulta de esquemas de concertação prévia, tal cenário leva a que o escritor moçambicano, Andes Chivangue, revele que “a literatura moçambicana está moribunda”. Chama-se Andes Chivangue e é natural de Xai-Xai, província de Gaza. Conhecido pelas suas opiniões, invariavelmente, contundentes, segundo ele, não passam de simples verdades as quais as pessoas envolvidas na literatura moçambicana protelam o seu tratamento. Considera que no seio dos escritores moçambicanos há um problema pernicioso reinante, a falta de humildade. É nesse sentido que, falando a seu respeito, lhes recorda de que “a literatura é uma prática sagrada, algo muito especial, daí que eu não tenho problemas de assumir que não me considero um escritor. É verdade que aprecio a escrita e esta disciplina artística que é a literatura. Sempre que tiver a oportunidade publico livros, mas nem por isso sou um escriba assumido porque tenho conhecimento de que existem pessoas que se dedicam à literatura como profissão”. Entretanto, ainda que sagrada, merecendo por isso algum respeito por parte de quem lida com ela, a literatura moçambicana, enquanto um sistema digno de tal nome, carece de uma legislação e de políticas eficazes com vista à orientação do rumo da referida actividade artístico-cultural. “Sinto que precisamos de mais acções para transformar o cenário da literatura moçambicana, o que só é possível com a existência de políticas claras para o sector. O outro aspecto, reitero, é a necessidade de os novos escritores serem, cada vez mais, humildes porque o que sucede é que, muitos deles, assim que conseguem publicar um livro pensam que são os maiores escritores do país. Em resultado disso, não lhes são dirigidas críticas”. Há alguns anos, o silêncio pernicioso que marca a literatura moçambicana (o que, sobretudo, contribui para a estabilidade do actual estado da realidade) o escritor moçambicano Dó Midó das Dores, com o qual dinamizou o Núcleo Literário de Xitende, na província de Gaza com Andes Chivangue, promoveu um debate social que decorreu sob o mote A Morte da Literatura Moçambicana. Literatura moribunda

É sobre o mesmo tópico que, muito recentemente, questionamos ao Chivangue actual estágio da literatura moçambicana. na sua opinião, ela, a literatura moçambicana continuava “morta” como considerara há anos ou o cenário sofreu transformação? Para Chivangue ao afirmar que a literatura moçambicana está ´morta` foi (apenas) uma forma de Midó das Dores colocar o problema ao debate. A verdade, porém, é que, presentemente, a nossa literatura está

sobre o Ou seja, se alguma

moribunda”, considera, ao mesmo tempo que elabora um novo argumento. “Se analisarmos os factos, desde quando o nosso debate foi realizado, constatamos que muitas questões ficam sem resposta favorável: Quantos novos escritores surgiram no país? Quantos eventos de grande envergadura, na literatura moçambicana, foram realizados? A verdade é que apenas escritores como Mia Couto, Paulina Chiziane, Ungulane Ba Ka Khosa, Marcelo Panguane, por exemplo, é que, sistematicamente, publicam novos livros. É evidente que há alguns escritores jovens como, por exemplo, Lucílio Manjate, Rogério Manjate, Mbate Pedro que têm tido oportunidade de publicar, mas os números são muito reduzidos”. O que acontece é que “quando nós, eu e o Midó, aparecemos com o debate da “morte” da literatura moçambicana, tínhamos o objectivo de alertar a sociedade sobre esta realidade, daí que realizámos um discurso aparentemente polémico para chamar a atenção sobre o cenário que se estava a instalar a partir dessa

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Ideias Finais

Retalhos

O Alegre Canto da Perdiz (excerto)

E na madrugada morreu Mpudzuini

Paulina Chiziane

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ara suavizar a verdade e penetrar a profundidade, José dos Montes conta histórias antigas. As melhores histórias começam todas da mesma maneira. Era uma vez.... - A voz do sangue convocou este magno encontro – explica José dos Montes , sob nossas veias corre o sangue sagrado das pedras. O céu azul foi chocado nos Montes Namuli, num ovo de perdiz. Nasceu com asas de pássaro, voou e colonizou a terra inteira. Aqui nasceu a primeira estrela, do ovo da mesma perdiz, estalou até ao céu, explodiu e espalhou-se como fogo-de-artifício formando a Via Láctea. É aqui o princípio do mundo. O fim do mundo. Todas as raças nasceram aqui. Dão a volta ao mundo e regressam, porque os Namuli unem todos os que querem bem para que comam numa só concha e bebam a água da mesma nascente. Os braços do canavial ondeiam ao vento, soltando uma fanfarra imensa. Trazendo memórias de todas as origens e a razão da escravidão humana à volta dos cocos, do chá e do sisal. O rio Zambeze, o mar, o palmar e os Montes Namuli unem-se num polígono de diamante. Deus criou esta terra num momento de felicidade e a prendou de beleza extrema, causando paixão exacerbada em qualquer viandante e, por isso, era uma vez.... Histórias de navegadores que se fizeram ao mar em busca de pipipiri numa terra distante. Histórias das onze sereias, todas irmãs, sendo a Zambézia a mais bela. Memórias dos marinheiros e do chicote dos prazeiros. Histórias das donas e sinhás. Da Companhia da Zambézia, do Boror e do palmar. Histórias das mulheres guerreiras que penetram na fortaleza do invasor, roubaram as sementes os homens e construíram a barreira da vida, mostrando ao mundo quem, perante a mulher zambeziana, o invasor não tem omnipotência. Provando que superioridade das raças era simples treta. Histórias dos deusues dos montes que abençoaram a Zambézia com o sangue divino de pretos, brancos, amarelos, numa sopa de raças mais recheada que sopa de pedra. - Somos fazedores de chuva e guardiães da água – explica José dos Montes. – Comandantes da trovoada. Nascemos ao canto das perdizes, gurué, gurué! Construímos nas cavernas. Agricultávamos os cereais cm cornos de antílope. Dos ossos longos das gazelas fazíamos os cachimbos para tabaco dos nossos guerreiros. Vieram os brancos e fomos apanhados como ratos. Escravizaramnos. Todos erguem os olhos para contemplar mais uma vez a imagem da terra mãe na gestação do mundo. Deixando aflorar a emoção no coração do Éden. Contemplando os montes à distância, confirmando tudo o que já sabiam. És filho apenas do ventre da tua mãe. Desde o nascimento estás só e viverás só. És mãe apenas quando o filho te habita o ventre. Depois do parto, cada um ganha identidade própria e segue o seu próprio destino. - Somos de passos silenciosos, que pisam o chão em segredo. Que não aceitam a prisão de uma casa. Passos de aventuras na descoberta do novo mundo. Construímos o lar nas encostas dos montes e fomos arrastados pelas enxurradas, éramos filhos das aboboreiras semeadas nas bermas das estradas, colhidos por qualquer viandante. Palmilhávamos o solo até aos confins da terra. Damos a volta silenciosamente e estamos aqui, no ponto de partida. Aqui tudo começa e tudo termina. O mundo é redondo. A voz inquisitiva dos filhos se ouve. Se os antepassados foram ontem heróis, não se entende que os descendentes saboreiem a parte mais amarga do percurso.

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Eduardo Quive - Moçambique

lazz…!!! Mais uma daquelas suas tossicas matinais, estendido aos primeiros raios solares. Hoje é até justo. É manhã de Julho, faz frio em Mapulanguene, mas nem por isso, madala Sope sempre fora assim. Aos 87 anos de idade, vive os seus quase quarenta anos de solidão sem arredar o pé daquele banquinho de madeira, com o cobertor sobre os ombros, única herança de outra velhice. Passam anos Sope sentado por cima do tempo, as rugas já não são de reclamar, rematiz à mistura do cansaço da vida que não passa para outras esferas já o sossegam como mero sobrevivente. Desde tenra idade o velho Sope partilha os dias com o silêncio de gente, barulho das aves, saudades e escarros que são o seu único romper da voz que se cala desde tempos do seu avô. Faz 37 anos que Mpundzuini, seu filho, morreu. O infortúnio deu-se numa escura manhã de Março quando um grupo de homens e mulheres invadiram o dormitório de Mpundzuini acusando-o de roubo de seis patos lá para outro lado do povoado. Tão sedo para sua idade, Mpundzuini viu a morte a visitar-lhe na madrugada de um dia que se quer estava ao alcance dos seus ancestrais como destinado o seu fim. Os populares que vinham na fúria da desgraça implantada pelo jovem filho de Sope, sem delongas puseram-se a destruir a cabana onde dormia Mpundzuini, repescando-o de seguida para fora. Daí, seguiram-se vassouradas, pedradas e socarias. Esbofeteavam e insultavam o jovem tido como ladrão. O velho Sope apercebeu-se da confusão que se instalara no seu lar sempre sossegado, ainda saiu a gritar que os vândalos parassem, mas era já sem força na sua voz que sempre foi roca. Tossiu e rebentou gritarias, mas não deu em nada. A povoação vizinha estava toda ela intolerante. Como podia lhes roubar patos naqueles tempos de fome à mistura do deixa andar que lhes permitia fazer justiça com as próprias mãos! Mpundzuini ainda olhou para seu velho pai atordoado pelo cenário que vivenciava. Sope viu o seu filho sentenciado a morrer de espancamento, ainda que lhe dessem a justa oportunidade de dizer ao menos se cometera ou não o tal delito. Mas não, que tem a falar um ladrão? E ai de quem ousar a defendêlo. Encravado entre a sova dos homens descamisados em pleno cinco da manhã e das mulheres de capulanas até ao cimo da barriga e bem amarradas, tão jovem que era, Mpundzuini amanheceu espatifado e gritando por dentro que não entende o que se passa. Lá para o centro do povoado, mesmo defronte à casa do régulo, foi feita uma cova onde seria depositado o corpo do hoje julgado ladrão de patos e sem direito à recurso, condenado à morte. De vistas com a cova o velho Sope que seguia a população agressiva para com seu primogénito, sentiu um parto no coração, manchas de sangue sobravam-lhe no rosto que através dos olhos já tinham a certeza do fim que o filho teria. Aquela cova não era para ser sepultado o Mpundzuini, era sim, para enterra-lo vivo. Foi tudo em fracções de segundos. Enquanto a escaramuça persistia, um grupo de homens já tinha preparado a cova que estava na forma horizontal. O outro grupo que vinha doutro lado com o jovem a ser espancado por todos, arrastando-o para aquele sítio, já sabia do que se seguia. Meteram-no na cova que cobria todo seu corpo de pé e de seguida, desataram a enterrar o buraco. Era o fim do castigo que um ladrão que põe fome no povoado merecia. O velho Sope ainda lembra-se desse trágico episódio da sua vida e por isso, tosse sem mais algum interesse. Se lhe vem mais um ou dois copos de Uputsu pouco lhe preocupa, que verdade os homens têm para lhe oferecer que lhe possam doar tanto que ver o único filho a morrer de pé, clamando justiça, olhando para seu velho pai tão inútil para salva-lo para morte ainda em vida? Pensa e relembra o velho sem verter nenhuma lágrima. Que dor maior havia por chorar naquele momento em que já 37 anos passavam?

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