ciência • cuidado • suporte | ano 3 | nº 08
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anos da Pílula
a emancipação feminina
alimentação na TPM nutrição
tumor renal oncologia
envelhecimento crônico-evolutivas
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Expediente EDITOR CHEFE/PUBLISHER ANA GEORGIA CAVALCANTI DE MELO COLABORADOR INTERNACIONAL WILLIAM BREITBART CONSELHO EDITORIAL ANA GEORGIA CAVALCANTI DE MELO ANGELA PORCHAT FORBES RICARDO CAPONERO JORNALISTA RESPONSÁVEL LUCIANO RICARDO RODRIGUES CONSULTOR DE NEGÓCIOS MARCOS CARLI DE ALMEIDA FOTOGRAFIA JOÃO NETO EDIÇÃO DE ARTE E PRODUÇÃO EDITORIAL GRECCO COMUNICAÇÃO WWW.GRECCO.COM.BR COLABORARAM NESTA EDIÇÃO CARLOS ROBERTO MONTENEGRO DAN WAITZBERG DÉCIO POLICASTRO FREDERICO FERNANDES GILBERTO PICOSQUE LEO PESSINI MONICA AIUB RITA DARDES WLADIMIR TABORDA YEDA CAPOVILLA BELLIA REVISTA MEANING ALAMEDA LORENA, 1470 SÃO PAULO/SP CEP: 01424-001 ANAGEORGIA@REVISTAMEANING.COM.BR WWW.REVISTAMEANING.COM.BR OS ARTIGOS ASSINADOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR, NÃO CARACTERIZANDO, NECESSARIAMENTE, A FILOSOFIA DA REVISTA. DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS À YPÊ EDITORA E PUBLICIDADE LTDA. A PUBLICAÇÃO DE PARTE OU ÍNTEGRA DE QUALQUER TEXTO DESTA REVISTA EM OUTRA MÍDIA IMPRESSA, ELETRÔNICA OU QUALQUER OUTRO MEIO SÓ SERÁ PERMITIDA MEDIANTE A AUTORIZAÇÃO POR ESCRITO DA EDITORA.
Nesse ano de 2010, a pílula anticoncepcional faz 50 anos e com ela muitas mudanças aconteceram na vida das mulheres e de toda a sociedade. Era 1.960, quando a FDA (Food and Drug Administration) registrou como “The Pill”, iniciando uma verdadeira revolução na reprodução feminina, na vida sexual, trazendo inovação e liberdade. Como toda inovação, sofreu sanções e críticas no início, sendo permitida apenas para mulheres casadas, mas hoje ela recebe o crédito de ter provocado uma das maiores revoluções sociais do século XX. Após 50 anos, mais de 100 milhões de mulheres tomam pílula, mas mesmo assim, ainda não conseguimos reduzir o número indesejado de gestações, nem controlar o crescimento populacional e a pobreza, apesar do acesso à pílula, não ser a única causa. Infelizmente, ainda existem mulheres que não a utilizam por falta de informação e não a incorporam em seu dia a dia, para se proteger de gestações indesejadas. Apesar de tudo, a descoberta da pílula anticoncepcional foi, realmente, considerada uma revolução em termos de saúde pública, planejamento familiar e comportamento sexual. Nessa edição, comemoramos esse assunto com o artigo do Dr Mauricio Abrão, bem como o Dr. Flavio Gikovate, que nos brindam com suas colocações. Trazemos também aos nossos leitores, a nova coluna de Gilberto Picosque sobre a vida como terapia, o direito à saúde, alimentação na TPM, tumor renal em oncologia, terapia hormonal no homem, envelhecimento , ética , vida saudável e muitos outros assuntos de relevância para nossa saúde física, psíquica e mental. A medicina avança e com ela, a possibilidade de vivermos mais tempo e a obrigação de escolhermos a melhor forma de aproveitá-lo. Devemos refletir, com responsabilidade, de que maneira vamos fazer nossas escolhas, como direcionaremos nossas vidas em busca de qualidade, momentos felizes, serenidade, atingindo a saúde física , mas também a mental e espiritual. Respire e medite, pare nem que seja alguns momentos em seu dia para valorizar a dádiva, o presente que é estarmos vivos. Boa leitura! Para escrever, é preciso permitir-se ser a pessoa que você não quer ser (entre todas as pessoas que você é). Escrever é um bonito ato. Criar algo que dará prazer aos outros mais tarde. Susan Sontag
Ana Georgia Cavalcanti de Melo Publisher
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Colaborador Científico Internacional William Breitbart Professor e Chefe do Depto de Psiquiatria e Ciências Comportamentais Memorial Sloan-Kettering Cancer Center Editor Chefe Palliative& Suppportive Care Journal Presidente da International Psycho-Oncology Society NY-EUA Oncologia André Márcio Murad Professor Adjunto Doutor Coordenador do Serviço de Oncologia Hospital das Clínicas UF-MG Antonio Carlos Buzaid Chefe do Setor de Oncologia Hospital Sírio Libanês - SP Antonio Sérgio Petrilli Prof. Adjunto Livre Docente /UNIFESP Doutor em Pediatria e Ciências Aplicadas/UNIFESP Superintendente Geral IOP/GRAAC - SP Artur Malzyner Oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein. Chefe do Serviço de Oncologia Hospital Brigadeiro - SP Jacques Tabacof Hematologista e Oncologista Clínico Centro Paulista de Oncologia - CPO Programa Einstein de Oncologia -SP
Sexualidade Carmita Abdo Profa. Doutora Departamento de Psiquiatria FMUSP Doenças Crônico-Evolutivas Acary Souza Bulle de Oliveira Prof. Doutor em Neurologia UNIFESP Caio Rosenthal Infectologista do Hospital Emílio Ribas Hospital Israelita Albert Einstein - SP Saúde da Mulher Jorge Souen Prof. Doutor em Ginecologia da FMUSP Maurício Abrão Professor Livre Docente Disciplina de Ginecologia FMUSP Cirurgia Angelita Habr- Gama Profa. Emérita FMUSP Fisioterapia Yeda Capovilla Bellia Fisioterapeuta - FMUSP Especialista em Terapia da Mão - FMUSP Membro da Sociedade Americana de Terapeutas de Ombro e Cotovelo Bioética Pe. Leo Pessini Professor Doutor em Bioética, Camiliano, Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Bioética - Centro Univesitário São Camilo-SP Vice - Presidente Sociedade Brasileira de Bioética Representante Brasileiro na Diretoria da International Association of Bioethics
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Nise Hitomi Yamaguchi Oncologista e Imunologista Doutora em Pneumonologia-FMUSP Editora Chefe Revista da Soc. Bras.Cancerologia Representante do Ministro da Sáude em São Paulo
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3 Editorial 4 Conselho Científico 5 Índice 6 Agenda 8 Pílulas 10 O n c o l o g i a 16 S a ú d e d o H o m e m 18 C a p a - 5 0 a n o s d a p í l u l a a n t i c o n c e p c i o n a l 20 Capa - Pílula anticoncepcional 50 anos de história 22 Ética 28 Nutrição 32 Crônico-Evolutivas 34 Seu Direito 36 O mundo pode ser mudado 40 Fazendo Sentido 42 Vida Saúdavel 44 Turismo
Nutrologia Dan L. Waitzberg
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Ricardo Caponero Oncologista Clínico Hospital Heliópolis, Clínica de Oncologia Médica Presidente Associação Brasileira de Cuidados Paliativos
Professor Associado do Departamento de G astroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Livre docente, Doutor e Mestre em Cirurgia pela FMUSP Coordenador LIM 35 ( Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia do Aparelho Digestivo (META NUTRI - LIM 35 - FMUSP) Diretor do Grupo de Nutrição Humana (G A NEP)
Vania Assaly Doutora em Nutrologia FMUSP
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Vicente Odone Professor Associado do Departamento de Pediatria da FMUSP
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Proctologia José Marcio Neves Jorge Professor Associado da Disciplina de Coloproctologia da FMUSP
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IMAGEM: Stock.Xchng
P Í L U L A S
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Falta de sono pode levar a uma maior ingestão de gordura Dinheiro traz felicidade
Segundo um estudo da Universidade Princeton, dinheiro traz, sim, felicidade. O trabalho, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, mostrou que o bem-estar emocional dos participantes aumentou conforme a renda crescia. Mas isso somente até o limite de cerca de R$ 130 mil por ano. Para um dos líderes do estudo, Angus D eaton, economista da Universidade Princeton, é difícil ser feliz ganhando menos que isso. A pesquisa envolveu 450.000 americanos entre 2008 e 2009, avaliados de acordo com o Índice G allupH ealthways de Bem-Estar, que inclui perguntas sobre a felicidade cotidiana e o nível geral de satisfação. Fonte: O Estado de São Paulo
Adolescentes que dormem menos de 8 horas por dia comem alimentos mais gordurosos do que aqueles que descansam mais, indica um estudo realizado por pesquisadores norte-americanos. Dormir pouco, disseram, pode resultar em alterações crônicas na dieta, levando a um aumento no risco de obesidade, principalmente em meninas. O utros estudos já haviam mostrado que dormir pouco pode levar ao ganho de peso. Nesta pesquisa, foram avaliados 240 adolescentes com idades entre 16 e 19 anos, como parte de um estudo em andamento sobre o sono. Os resultados indicaram que os adolescentes que dormiram menos de 8 horas por dia durante a semana consumiram 2,2% mais calorias provenientes de gorduras e 3% menos calorias de carboidratos. A boa notícia é que cada hora adicional de sono diminui em até 21% as chances de comer uma grande quantidade de calorias provenientes de lanches. Fonte: O Estado de São Paulo
Nutricionista desenvolve cardápio para melhorar a qualidade do sono Boa parte dos brasileiros apresenta problemas no sono – e isso tem reflexos diretos em sua qualidade de vida. Pensando nisso, a nutricionista Marlete Pereira, do Serviço de Nutrição e Dietética do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), bolou um “cardápio do sono”. O menu inclui chás claros, maçã, carne branca, folhas e alimentos integrais. “As pessoas têm hábitos muito ruins de alimentação, que acabam se refletindo na qualidade do sono. É importante reduzir a cafeína, as frituras e o açúcar e não se alimentar excessivamente à noite”, explica. No cardápio entram o chuchu, que ajuda a reduzir a pressão arterial; a maçã, que acalma; a aveia, que aumenta a sensação de saciedade; peixes e frango, mais fáceis de digerir do que a carne vermelha. Já a refeição noturna deve ser menor, sem carboidratos e realizada três horas antes de dormir. Frutas podem ser ingeridas até uma hora antes de deitar.
Suicídios e depressão custam quase US$ 32 bilhões por ano ao Japão Pílula pode salvar vidas a menos de R$ 4 por dia
O tratamento com píulas de ivabradina, que custa menos de R$ 4 por dia, poderia salvar a vida de milhares de portadores de problemas cardíacos, afirma um trabalho realizado por pesquisadores britânicos. O s dados vêm de um estudo que envolveu mais de 6,5 mil pessoas em 37 países – pacientes que já usavam outros tratamentos tradicionais, como drogas beta-bloqueadoras, que ajudam a regular o batimento cardíaco. A vantagem da ivabradina em relação aos betabloqueadores é reduzir o ritmo do batimento cardíaco sem afetar a pressão sanguínea. Os resultados mostraram que a droga reduziu o risco de morte por falência cardíaca em 26% em um período de dois anos. Fonte: g1.com.br
Suicídios e depressão coletiva são um problema de saúde pública no Japão há muitos anos. Apenas no ano passado, cerca de 32 mil pessoas deram fim à própria vida no país – um dos índices mais altos do mundo. Um levantamento nacional, que leva em conta renda perdida, tratamentos e benefícios sociais aponta que suicídios e depressão custaram quase US$ 32 bilhões à economia do país em 2009. É a primeira vez que o país divulga esse tipo de dado. D e acordo com o primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, entre as principais causas para depressão e suicídios estão a perda do emprego e má situação financeira. O estudo mostrou que, se as pessoas que cometeram suicídio no país no ano passado - 26.500 pessoas com idades entre 15 e 69 anos - tivessem trabalhado até o momento de se aposentar, teriam produzido cerca 1,9 trilhão de ienes (US$ 22,5 bilhões) para a economia nacional. Fonte: G1.com.br
Israelenses conseguem importante avanço na luta contra a aids C ientistas israelenses conseguiram destruir células infectadas pelo vírus da aids sem afetar células saudáveis. As informações são do jornal H aaretz. O s pesquisadores, da Universidade H ebraica de Jerusalém, utilizaram um tratamento à base de peptídeos, que acarretou a autodestruição das células infectadas pelo H I V. Para a equipe de cientistas, composta por Avivad Levin, Zvi H ayouka, Assf Friedler e Abraham Loyter, as investigações podem “desembocar eventualmente em uma nova terapia geral” contra a doença. O trabalho foi publicado na revista científica britânica Aids Research and T herapy. Fonte: O Estado de S Paulo
Fonte: U O L Corpo e Saúde e O Estado de São Paulo
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Dor e sensação no
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o Brasil, as crianças e os adolescentes com câncer primário do osso (osteossarcoma e sarcoma de Ewing) tem grande chance (70%) de realizar cirurgias que conservam o membro afetado (cirurgia conservadora). Entretanto em 30% dos casos ainda é necessário a amputação por tumores ósseos malignos extensos que comprometem vasos e nervos ou por tumores resistentes a quimioterapia. Muitos destes pacientes amputados sofrem por apresentar sensação ou dor no membro fantasma. Na sensação fantasma o paciente sente que o membro amputado ainda está presente e este membro pode estar em posições anômalas (fletido, encurtado, em movimento). A dor fantasma é quando o membro ausente dói. A dor é descrita em queimação, pontada, aperto, picadas. A primeira descrição médica da dor e da sensação fantasma ocorreu em 1551 por um cirurgião militar
francês. Ambroise Pare relatou as experiências de seus pacientes que mesmo com o membro amputado continuavam a sentir dor ou sensações no membro ausente. Posteriormente em 1871, Silas Weir Mitchel publicou um artigo intitulado “membro fantasma” cunhando o termo que teve aceitação universal. Atualmente o fato do paciente ter dor ou sensação de que o membro amputado ainda está presente já é bem conhecido. Segundo a literatura médica, cerca de 30 a 70% dos pacientes amputados apresentam dor no membro fantasma e 50 a 90% tem sensação que o membro amputado ainda está presente. A dor pode ocorrer imediatamente após a amputação, após meses ou anos . Outro aspecto interessante é que qualquer parte do corpo amputada pode desencadear dor/sensação fantasma; mama, órgãos genitais, dente, vísceras e etc.
Eliana Caran Oncologista pedi‡trica Doutoura em Medicina - IOP - UNIFESP
Alguns fatores podem aumentar a chance de aparecimento da dor fantasma; dor no pré operatório, falta de protetização, ansiedade, estresse. No IOP-GRAACC-UNIFESP, o grupo de controle da dor tem se preocupado em controlar a dor e a sensação fantasma das crianças e adolescentes com câncer que necessitam de amputação. O trabalho é realizado por uma equipe multiprofissional e inicia-se no préoperatório. O suporte emocional é dirigido pela equipe de psicologia e deve ser o mais precoce possível para estabelecer o vínculo entre o profissional e o paciente. Toda a dor deve ser controlada antes da cirurgia com analgésicos adequados prescritos pelo médico. O médico e a enfermeira devem informar ao paciente e a seus familiares sobre a possibilidade de ocorrer a sensação ou a dor fantasma objetivando o diagnóstico e o controle precoce do fenômeno.A orientação do paciente
é importante para que ele entenda que seu problema é real, freqüente e que procure ajuda quando necessário. A equipe de fisioterapia trabalha no posicionamento do membro doente, aumentando a amplitude de seus movimentos. Logo após a amputação investiga-se a presença da dor ou da sensação fantasma. A investigação é realizada através de diagrama do corpo humano apagando-se o local amputado. Neste diagrama o paciente desenha o seu membro fantasma. Caso ocorra, a dor fantasma é controlada com medicamentos, fisioterapia, TENS( estimulação neural elétrica transcutânea), muscular, trabalho com espelho para reestruturação do esquema corporal e etc. Este trabalho sistemático da equipe multiprofissional tem contribuído muito para o controle adequado da dor e da sensação do membro fantasma com conseqŸente impacto na qualidade de vida do paciente amputado.
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Alguns fatores podem aumentar a chance de aparecimento da dor fantasma; dor no pré operatório, falta de protetização, ansiedade, estresse
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Diagrama do corpo humano utilizado para que o paciente desenhe o membro fantasma
Desenho do membro fantasma realizado por adolescente amputado
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las renais pode causar uma extraordinariamente vasta e variada quantidade de sintomas que podem não parecer obviamente relacionados aos rins. Este tipo de tumor geralmente se dissemina pelas veias próximas, e dessa forma pode causar trombose nestas veias.
Dr. Ubirajara Ferreira Professor Titular de Urologia da Unicamp
Tumor Renal
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s rins são dois órgãos com a forma de feijão sob as costelas, ao lado da coluna dorsal. Eles servem como filtros do corpo para limpar o sangue das escórias, água e o excesso de sal. Eles também produzem um hormônio chamado renina que controla a pressão sanguínea e um hormônio chamado eritropoietina que regula a produção de células vermelhas do sangue. O câncer dos rins corresponde a 2 – 3% dos tumores malignos. No Brasil acomete de 7 a 10 pessoas/ 100 mil habitantes. O tipo histológico mais comum é o adenocarcinoma de células claras. A sua incidência vem aumentando nos últimos anos, não só por conta do incremento da realização dos exames de imagem, mas também pelas alterações do estilo de vida contemporâneo. O risco de câncer renal é mais alto se a pessoa: Fuma cigarros Está obesa Teve exposição prolongada ao amianto, ao cádmio ou a produtos derivados do petróleo Tem alguém na família que teve câncer renal Fez tratamento de hemodiálise a longo prazo Tem entre 50 e 70 anos de idade Tem esclerose tuberosa, uma doença caracterizada por inchaços múltiplos na pele causada por pequenos tumores dos vasos sanguíneos.
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Quadro Clínico A maioria dos cânceres renais se desenvolve sem causar qualquer dor ou desconforto. Cerca de 60% dos casos são descobertos por acaso. Quando os sintomas se desenvolvem, o carcinoma de célu-
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Alguns sintomas incluem: Sangue na urina (hematúria) Dor abdominal Um caroço anormal ou inchaço (massa) no flanco ou no abdome Uma sensação de cansaço constante (fadiga) Perda de peso Febre inexplicada Linfonodos aumentados Em homens, veias aumentadas no escroto (varicocele) Pressão alta difícil de controlar Falta de ar ou dor nas pernas causadas por coágulos sanguíneos Inchaço do abdome devido ao acúmulo de líquidos (“ascite”) Fraturas ósseas
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Prevenção Como 25 a 30% dos carcinomas de células renais estão ligados ao hábito de fumar, pode-se reduzir o risco deste câncer evitando o fumo. No trabalho, deve-se evitar exposição ao amianto e ao cádmio. Para identificar o câncer renal precocemente em pessoas que fazem diálise, solicita-se periodicamente exames de imagem.
Tratamento A cirurgia é considerada o tratamento mais importante para o câncer renal porque as chances de sobrevida sem ela são muito ruins. Porém, a cura do câncer só é obtida se o tumor puder ser removido completamente. A cirurgia não pode curar a maioria das pessoas com doença metastática. Porém, a cirurgia pode dar uma chance de cura do câncer se ele só se disseminou para os tecidos próximos. Para pessoas cujo câncer já é metastático, a cirurgia ainda pode ajudar, até mesmo se não puder curar o câncer. Neste caso, a cirurgia pode remover a área maior do tumor, de forma que restos menores de tumor sejam abordados pelo próprio sistema imune do paciente e pelos tratamentos médicos complementares. Hoje, existem os tratamentos de alvo molecular que
podem aumentar em alguns meses a sobrevida nos casos de doença já avançada. A quantidade de tecido removida durante a cirurgia dependerá da fase e do tipo de câncer. Entre os procedimentos cirúrgicos disponíveis existem:
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Nefrectomia Radical - O rim inteiro, a glândula supra-renal, os linfonodos ao redor e o tecido gorduroso são retirados. Para alguns cânceres, a nefrectomia pode ser feita usando a cirurgia vídeo-laparoscópica que usa incisões menores que a cirurgia tradicional. Nefrectomia Parcial - Só a porção do rim que contém células cancerosas é retirada. Sempre há o risco de que uma pequena quantidade de câncer pode ter ficado para trás. Remoção de Metástases - Remover as metástases cirurgicamente pode proporcionar alívio temporário e imediato da dor e outros sintomas no local, mas não ajuda a pessoa a sobreviver mais tempo.
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Nefrectomia no paciente com metástase a distância Com o advento do uso da terapia de alvo molecular e os bons resultados no que se refere à atividade antitumoral, a necessidade da nefrectomia citorredutora tem sido questionada, quando da utilização de tal terapia. Porém, sem análise científica com metodologia adequada comparando a sobrevida dos pacientes submetidos a nefrectomia e em uso de terapia de alvo molecular com outro grupo que só recebeu este último tratamento, esta questão não poderá ser respondida a contento. Um estudo fase III, comparando sunitinibe isoladamente por 24 meses ou nefrectomia citorredutora seguida de sunitinibe será iniciado em breve na Europa. Este estudo planeja randomizar 576 pacientes, para demonstrar ausência de diferença entre os grupos estudados. É de conhecimento geral que a enorme maioria dos trabalhos publicados sobre terapia de alvo molecular inclui pacientes nefrectomizados previamente. Na análise de um subgrupo do estudo do sunitinibe versus IFN, os pacientes que foram submetidos a nefrectomia tiveram aparente benefício comparado aos que não foram operados. Motzer et al. avaliaram, naquele estudo, a sobrevida livre de progressão (SLP) nos pacientes que tomaram sunitinibe e que foram ou não submetidos a nefrectomia. A SLP media foi de 11 meses no grupo nefrectomizado e de 6 meses no grupo
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não operado. Resultado similar foi reportado por Rosenberg et al., que numa análise retrospectiva de dois estudos fase II com sunitinibe, demonstraram sobrevida média de 20 meses no grupo nefrectomizado e de 10 meses no grupo não operado. Embora tais resultados possam ser questionados, à luz do conhecimento atual, a terapia de alvo molecular deve ser precedida de nefrectomia citorredutora.
de alvo molecular antes da nefrectomia citorredutora, onde se objetivou observar a segurança operatória, duração da cirurgia e o índice de transfusões sanguínea e de complicações de tais pacientes, demonstrou não haver diferença significativa em tais parâmetros operatórios. O tempo de permanência hospitalar e o tempo para início da terapia sistêmica definitiva também não diferiram significativamente.
Seleção de pacientes para a nefrectomia citorredutora
Evolução da técnica cirúrgica da nefrectomia citorredutora
Vários fatores relacionados ao paciente e à doença têm sido implicados na indicação e no prognóstico pós nefrectomia. Estes fatores incluem: performance status, número e sítios das metástases, extensão da citorredução conseguida pela nefrectomia, subtipo histológico do CCR, presença de linfonodos acometidos, cálcio sérico, hemoglobina, LDH, plaquetas e contagem de linfócitos. No sentido de adequar a seleção dos bons candidatos a nefrectomia citorredutora, Halbert et al. reuniram um grupo de cirurgiões e oncologistas para determinar os parâmetros básicos para a indicação deste procedimento, visando a terapia pós-operatória com IFN ou com terapia de alvo molecular. Resumidamente, a cirurgia foi considerada nos casos com baixo risco operatório, com sintomas relacionados com o tumor primário e nos casos com extensão metastática limitada. Em todos os outros pacientes a intervenção cirúrgica prévia foi considerada insegura ou inapropriada.
Muito se tem especulado se a linfadenectomia extensa realizada durante a nefrectomia citorredutora poderia melhorar os índices de resposta ao tratamento sistêmico posterior, porém tais dados não foram comprovados a partir de estudos com boa metodologia científica. Alguns autores têm reportado experiências iniciais na realização de nefrectomia citorredutora via laparoscópica. Um estudo comparou os resultados oncológicos e cirúrgicos de 22 pacientes submetidos a nefrectomia citorredutora videoassistida com 42 pacientes submetidos a cirurgia aberta. Os resultados mostraram que o grupo de pacientes operados por via laparoscópica apresentou permanência hospitalar menor (2.3 versus 6.1 dias), menor perda de sangue (288 versus 1228 ml) e menor intervalo para a terapia sistêmica (36 versus 61 dias), sem diferença significativa no índice de complicações nos dois grupos de pacientes. Existem indícios de que a cirurgia poupadora de néfrons pode ser indicada com segurança nos pacientes com doença sistêmica. A máxima preservação possível de parênquima renal pode facilitar a administração da terapia sistêmica pós-operatória.
Momento para realização da nefrectomia Além dos riscos inerentes ao próprio ato operatório, o principal risco associado à nefrectomia prévia ao tratamento sistêmico é a progressão da doença durante a recuperação da cirurgia. Alguns estudos reportam índices de até 60% de pacientes que ficaram inaptos a receber a terapia sistêmica após terapia citorredutora. O benefício potencial da terapia de alvo molecular antes da cirurgia citorredutora tem sido estudado recentemente. O objetivo desta prática é diminuir o tumor e facilitar a extirpação cirúrgica. Além disso, o seu uso pode selecionar os casos de melhor prognóstico e com mais indicação da intervenção cirúrgica. Alguns estudos com sunitinibe e bevacizumabe antes da nefrectomia têm sido realizados. Numa análise retrospectiva com 70 pacientes tratados com terapia
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Prognóstico Se o tumor é diagnosticado precocemente, antes de penetrar a cápsula exterior do rim, o Câncer Renal tem potencial de ser curado através da cirurgia. Este é o caso para a metade de todas as pessoas com câncer renal. Se o câncer é retirado e as áreas circunvizinhas estão livres de células do câncer na hora da cirurgia, a taxa de sobrevida de cinco anos é de 50 a 70%. A taxa de sobrevida cai para 15 a 35% para pessoas cujo câncer se esparramou para os linfonodos e para o sistema circulatório. A taxa de sobrevida para pessoas com metástases distantes é de 5% ou menos em 5 anos, embora a metade delas sobreviva por aproximadamente um ano após o diagnóstico.
L.BR.04.2010.0074
HÁ 50 ANOS A GENTE REVOLUCIONOU O COMPORTAMENTO DAS MULHERES. NÃO SÓ DAS MULHERES.
www.gineco.com.br
Há 50 anos a Bayer Schering Pharma desenvolveu a pílula anticoncepcional. As mulheres passaram a ter escolhas. Estudar, trabalhar, casar, ter filhos ou não. Escolhas tão comuns hoje não eram opções na época. Com a pílula, não foram só as mulheres que conquistaram novos papéis: os homens também.
Liderança em saúde feminina
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Dr. Luiz Otavio Torres Urologista, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Urologia - Seccional Minas Gerais (SBU-MG)
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Terapia hormonal e seu impacto positivo na libido masculina
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om o avançar da idade, alguns homens podem experimentar sintomas como fadiga, insônia, perda de massa óssea e muscular, aumento da gordura acumulada na região abdominal, dificuldade de ereção e queda no desejo sexual. Ao reunir sintomas e apresentar taxas do hormônio masculino testosterona abaixo do normal – o que pode ser facilmente constatado por um exame de sangue –, o homem com mais de 40 anos apresenta um quadro chamado de Distúrbio Androgênico do Envelhecimento Masculino (DAEM, popularmente conhecido como “andropausa”). O estudo internacional IPASS (International, multi-centre, PostAuthorisation Surveillance Study), apresentado durante o Congresso Anual da Associação Europeia de Urologia – EAU 2010, realizado em Barcelona (Espanha) no primeiro semestre deste ano, apontou melhora significativa em aspectos como desejo sexual, vitalidade, humor e capacidade de concentração de homens maduros, diagnosticados com Distúrbio Androgênico do Envelhecimento Masculino (DAEM), tratados com injeções de undecilato de testosterona (Nebido®, da Bayer Schering Pharma). Resultados preliminares do estudo IPASS, ainda em andamento, demonstraram que após tratamento hormonal com injeções de undecilato de testosterona as queixas de falta de libido caíram de 62% para 11% entre os 937 homens acompanhados pelos pesquisadores até o momento.
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Tratar o déficit de testosterona é importante para a manutenção da saúde do homem maduro. Isso porque a queda das taxas desse hormônio no organismo masculino associada ao avanço da idade está ligada não só a problemas que afetam a qualidade de vida – como a DE e a falta de libido, mas também às doenças metabólicas e cardiovasculares: diabetes tipo 2, obesidade, hipertensão arterial e dislipidemia Esse estudo revela os benefícios do tratamento do déficit de testosterona em homens maduros. Outro aspecto apontado no IPASS também merece destaque: a melhora da capacidade de ereção. No início da pesquisa, 61% dos participantes apresentavam quadro de disfunção erétil (DE) que variava de moderada até extremamente severa. Após receberem a reposição de testosterona, o índice de pacientes que apresentavam DE moderada ou severa diminuiu para 25%. Tratar o déficit de testosterona é importante para a manutenção da saúde do homem maduro. Isso porque a queda das taxas desse hormônio no organismo masculino associada ao avanço da idade está ligada não só a problemas que afetam a qualidade de vida – como a DE e a falta de libido –, mas também às doenças metabólicas e cardiovasculares: diabetes tipo 2, obesidade, hipertensão arterial e dislipidemia (ex: colesterol alto). Além disso, o DAEM pode acarretar sintomas psicológicos como depressão, irritabilidade e
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dificuldade de concentração e também está ligado ao aumento da propensão para osteoporose nos homens. Nesse contexto, quando a terapia hormonal reduz os sinais do distúrbio, melhorando esses sintomas, a qualidade de vida desse homem também aumenta. O tratamento hormonal só é indicado quando o homem tem os sintomas de DAEM e apresenta níveis baixos de testosterona no sangue, o que é diagnosticado por meio de exames de sangue colhidos no laboratório. Quando indicada, não existe limite de idade para a reposição de testosterona. As contraindicações absolutas principais são: câncer de mama no homem e câncer de próstata não tratado. Todo homem que faz uso de reposição hormonal deve realizar um controle sistemático com o urologista, para que seja avaliada a eficácia do tratamento, se há ou não necessidade de ajuste de dosagem do medicamento, além da realização de exames para monitorar eventuais efeitos adversos da terapia.
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Flavio Gikovate Médico psiquiatra, psicoterapeuta e escritor. Autor de 29 livros, entre eles: “Dá pra ser feliz... apesar do medo” e “O mal, o bem e mais além”. Desde 2007, apresenta o programa “No Divã do Gikovate” na rádio CBN Brasil.
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segunda metade do século XX iniciou-se sob o impacto dos desdobramentos da Grande Guerra, que terminou em 1945. Durante os anos em que os homens estiveram nos campos de batalha, as mulheres ocuparam os espaços profissionais a que antes não tinham acesso, o que deu a elas mais autonomia. A entrada de um grande contingente de mulheres no mercado de trabalho marca o início do processo de emancipação feminina. Mesmo quando os homens voltaram da guerra, elas não pararam de trabalhar. As características da sociedade norte-americana, desde então governada por um clima competitivo, também as impulsionava para continuar a trabalhar, uma vez que as famílias ansiavam pela aquisição dos novos bens de consumo que surgiam a cada dia. O dinheiro ganho pelo casal torna-se
útil para a compra do segundo carro ou uma casa ampla. Entre os novos produtos consumidos em massa estavam os aparelhos eletrodomésticos, pois propiciavam mais conforto e entretenimento variado. Neste período, a mulher se tornou mais independente, tanto em relação ao cônjuge e as tarefas domésticas, quanto no que diz respeito à maternidade. Paralelo a estas transformações, a sociedade também esteve sob o impacto das novas ideias. No final dos anos 50, não se pensava mais no sexo como um “pecado” necessário, exclusivo para fins reprodutivos. Erotismo e individualismo deram o primeiro sinal de importância por meio da música: o rock and roll. Sim, porque a música sensual, com casais dançando separados, já era o indício dos novos tempos. Foi nesse contexto que surgiu a pílula anticoncepcional. O momento era favorável, pois já havia sido iniciada a grande “revolução dos costumes”, de modo que ela se transformou em um símbolo de tudo o que estava começando a acontecer. A pílula anticoncepcional alterou a nossa biologia, criou condições para que se modificasse o destino da espécie. Inicialmente, as pessoas acreditavam que a pílula iria “apenas” facilitar a vida sexual dos casais constituídos, possibilitando uma vida sexual descontraída e também o controle total sobre como iriam encaminhar as questões ligadas à reprodução. No entanto, a sexualidade humana ganhou importância própria, além de ter se desvinculado completa e definitivamente da reprodução. As mulheres, já mais independentes, graças ao espaço crescente que vinham ocupando nas atividades profissionais, se sentiram ainda mais livres. A virgindade feminina, até então tratada como um valor inestimável deixou de ser importante e o “tabu” que envolvia o tema se esvaiu em menos de duas décadas.
Ao longo dos últimos 50 anos, as mulheres têm vivenciado um grande número de dilemas e contradições derivados de tantos e tão rápidos avanços. Os anseios relacionados à maternidade continuam fortes na mente da maioria delas, além dos desejos de independência e sucesso profissional. Muitas mulheres ainda privilegiam os aspectos familiares, de modo que mantém o sonho de casar, ter filhos e uma vida familiar semelhante à dos ancestrais. Mesmo quando trabalham, o fazem apenas com o intuito de colaborar com o orçamento doméstico: suas pretensões estão mesmo voltadas para a vida familiar. Quase todas as mulheres, mas principalmente aquelas com maior ambição profissional, hoje engravidam tardiamente – o que pode ser uma condição favorável para que tenham mais maturidade para cuidar de seus filhos. As gestações costumam ser programadas em quase todos os casos, sendo este um dos mais importantes desdobramentos da disseminação do uso das pílulas anticoncepcionais. Cresce, especialmente na última década, o número de mulheres que não sentem forte necessidade de ter filhos, que buscam o caminho da realização individual por meio do trabalho ou mesmo de envolvimentos amorosos em que os filhos aparecem como um empecilho ao estilo de vida mais aventureiro e descompromissado. Optam por não tê-los e sentem-se bem menos culpadas por pensarem mais em si mesmas e na qualidade de suas vidas. A pílula anticoncepcional, uma das descobertas mais marcantes do século XX, desfez o elo entre o sexo e a reprodução de forma radical e definitiva.
anos da pílula Anticoncepcional Uma das descobertas mais marcantes do século XX 18
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Maurício Simões Abrão Professor Doutor em Ginecologia Responsável pelo Setor de Endometriose Clínica Ginecológica HC-FMUSP Presidente da Ass. Bras de Endometriose e Ginecologia Minimamente Invasiva
Pílula anticoncepcional: 50 anos de história
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percepção do problema de superpopulação mundial associada à célebre tese publicada em 1798 sobre o princípio da população pelo clérigo inglês Thomas Robert Malthus (1766-1834), na qual afirmava que a humanidade se multiplicava em progressão geométrica enquanto a produção de alimentos seguia uma progressão aritmética, fato que, inexoravelmente, acarretaria uma crise alimentar global, justificaram o interesse de Gregory Goodwin Pincus pelo estudo da contracepção, nas décadas de 50 e 60 do século passado. Pincus defendia ainda que os potenciais benefícios de um método anticoncepcional oral suplantaria as possíveis repercussões públicas negativas. Foi neste cenário que, em 1960, surgiu o Enovid®, primeira pílula com caráter anticoncepcional aprovada pela U.S. Food and Drug Administration. Coincidente com a segunda onda feminista, ocorrida nas décadas de 1960 e 1970, quando um discurso intelectual, filosófico e político objetivava os direitos equânimes e uma vivência humana liberta de padrões opressores respaldados pelas normas de gênero, Pincus talvez não tivesse a dimensão global que sua descoberta proporcionaria para o sexo feminino, influenciando a tomada de decisões pessoais e profissionais pelas mulheres. A chamada pílula proporcionou uma nítida separação entre sexualidade e reprodução, conferindo às mulheres um controle
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muito mais eficaz sobre o processo reprodutivo. Provocou ainda uma grande alteração no comportamento e na posição feminina perante a sociedade, classificada por muitos como revolucionárias. Graças a ela, as mulheres puderam usufruir de uma maior liberdade sexual e adquirir espaços gradativamente maiores no mercado de trabalho e na igualdade com o sexo masculino. Permitiu um grande avanço no controle reprodutivo, conferindo inteira autonomia à mulher no condução do processo de planejamento familiar. Estes 50 anos de história marcaram ainda a maior inserção das mulheres na força de trabalho cada vez mais especializado. Se o avanço da industrialização, responsável pela transformação da estrutura produtiva, assim como a continuidade do processo de urbanização foram fatores importantes para este este fenômeno, o controle de natalidade promovido pelo descobrimento da pílula anticoncepcional e a consequente queda das taxas de fecundidade tiveram um papel fundamental e não menos representativo em todo este processo. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o sexo feminino representava 17,5% da população ativa no Brasil na década de 60, sendo que, em 1999, as mulheres perfaziam 41,4% da força total de trabalho. O Enovid®, a primeira pílula contraceptiva comercializada, era constituída por 21 comprimidos contendo, cada um, 150 µg de mestranol e 9,85 mg de noretinodrel. Após um ano de uso, começaram a ser relatados os primeiros e mais graves efeitos colaterais relacionados à alta dosagem hormonal, principalmente pelos níveis do componente estrogênico, o tromboembolismo. Desde então, começou-se a pesquisa de novas formulações com doses mais baixas e outros perfis bioquímicos para que se aumentasse a segurança das usuárias. Após a identificação da nítida relação causal entre os episódios trombóticos e a dose do estrogênio utilizado, foi-se reduzindo a dosagem deste componente com a consequência redução da ocorrência de trombose venosa. A partir de 1965, as doses de estrogênio atingiram 50 µg (pílula de segunda geração). Na década de 70, a síntese de um novo progestógeno, o levonorgestrel, permitiu a redução ainda maior do teor do componente estrogênico, atingindo a dosagem de 30 µg, chegando às chamadas
pílulas de baixa dosagem ou de terceira geração. Em 1995, foram lançadas as pílulas com 20 µg de estrogênio (etinilestradiol), denominadas pílulas de baixíssima dosagem. Em 2002, reduziu-se ainda mais o teor estrogênico, atingindo 15 µg de etinilestradiol (ultrabaixa dosagem), a evolução mais atual dos contraceptivos orais, com as menores dosagens de estrogênio com a eficácia contraceptiva comparável às dosagens maiores, no entanto com menores efeitos colaterais. Enquanto o estrogênio foi responsabilizado pelas complicações venosas, os progestógenos se associaram às complicações arteriais. Dependendo do tipo e da dose utilizada, podem alterar o metabolismo lipoproteico e de carboidratos e acelerar o processo aterogênico. Por isso, os pesquisadores se envolveram na síntese de novos progestógenos com perfil metabólico mais próximo ao da progesterona natural. O desenvolvimento destes novos compostos permitiu a redução do componente estrogênico nas formulações contraceptivas. Desta forma, inicialmente recebida com desconfiança pela própria comunidade médica em virtude dos efeitos colaterais causados pela alta carga hormonal presente em sua composição, a pílula anticoncepcional hoje é utilizada por cerca de 80 milhões de mulheres nos EUA e por cerca de 21% das mulheres em idade reprodutiva no Brasil, o que, em 2004, representava mais de 11 milhões de usuárias. A evolução destes compostos permitiu que chegássemos a compostos com 1/10 da dose dos contraceptivos hormonais orais inicialmente descritos Definitivamente, o século XX encontrou na pílula anticoncepcional, conhecida como a pílula reguladora da maternidade, uma das suas mais estupendas invenções.
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Pe. Leo Pessini
Prof. Doutor em Teologia Moral- BioéticaSuperintende da Unidade Camiliana Vice-Reitor do Centro Universitário São Camilo
questões jurídicas, religiosas e sociais envolvidas, corroborando neste sentido para muitos esclarecimentos.
O Filme Mar Adentro
A Morte, Solução de Vida? Alguns comentários éticos sobre o filme Mar Adentro
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o início de 2005, dois filmes fizeram um grande sucesso de crítica e público, são eles: Menina de Ouro, uma produção norte-americana e Mar Adentro, um filme espanhol, produzido pelo cineasta Chileno/espanhol, Alejandro Amenábar, traduzindo nas telas a história verídica de Ramón Sampedro. Os dois filmes versam sobre o mesmo tema: a questão da eutanásia, do morrer sem sofrimentos por opção. Enquanto estes filmes concorriam ao Oscar e ganharam várias premiações, se desenrolava na vida real com ampla cobertura da mídia, dois casos famosos que acabaram sendo acompanhados pela população mundial. Trata-se da jovem norte-americana Teri Schiavo, em estado vegetativo persistente, após uma longa batalha judicial que suspendeu a alimentação que a mantinha viva há 15 anos, viria a morrer, consequentemente, de inanição. O outro caso famoso é a agonia pública do Papa João Paulo II, que após um longo calvário causado por uma doença crônico degenerativa, doença de Parkinson, em fase terminal, recusa retornar ao hospital, opta por permanecer em seus aposentos, e suas últimas palavras são: “Deixem-me partir para o Senhor”. O Papa consciente de seu limite final recusa para si um procedimento distanásico, ou seja, o prolongamento do processo de morrer. Estes filmes e casos que ficaram famosos para o grande público, ajudaram para que tivéssemos um conhecimento ampliado das questões éticas ligadas ao processo de morrer, em tempos de cuidados sempre mais tecnologizados. Além disso, criou-se a oportunidade no contexto acadêmico científico, de muitas discussões éticas sobre a questão da morte e de morrer, da eutanásia, sobre o ‘direito de morrer com dignidade”,
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Iniciemos uma aproximação reflexiva ao filme Mar Adentro, cujo título evoca um poema de amor escrito por Ramon Sampedro intitulado “Os Sonhos” (SAMPEDRO, 2005, p.51). Trata-se de uma obra de arte provocativa, que incomoda e faz pensar pela sua dramaticidade. Este filme conta a história verídica de Ramón Sampedro, um jovem marinheiro espanhol, que aos 25 anos ficou tetraplégico após um mergulho trágico no mar da costa da Galícia. Pulou na água de cima de um rochedo no momento em que a maré havia baixado, e o choque da cabeça contra a areia comprometeu irreversivelmente sua coluna. Ramon viveu praticamente 29 anos após o acidente (“28 anos, 4 meses e alguns dias”...), mas com uma determinação férrea de terminar sua vida, lutou convictamente na justiça pelo direito de morrer. Seu caso foi levado aos tribunais em 1993, numa tentativa para conseguir a legalidade da eutanásia na Espanha, mas o pedido lhe foi negado. Na carta que Sampedro dirige aos juízes, em 13 de novembro de 1996, apresenta um argumento que é muito trabalhado no filme: “Viver é um direito, não uma obrigação”, Ramón coloca em cheque a regulação da vida e da morte pelo Estado e pela Igreja, e acusa “a hipocrisia do Estado laico diante da moral religiosa”. Em janeiro de 1988, em segredo, conseguiu realizar seu intento, assistido por uma pessoa amiga, Ramona Maneiro, que confessou ter ajudado Sampedro a tomar cianureto para morrer, no início de 2004. A confissão foi feita após sete anos da morte dele, quando o delito estava prescrito, e ela não poderia mais ser julgada. No filme, é a personagem Rosa que realiza esta missão.
A discussão pública sobre eutanásia O debate com a Igreja sobre eutanásia, aparece na figura de Padre Francisco, também tetraplégico, que resolve visitar Sampedro. Este está no segundo andar da residência e como a escada é muito estreita, não permite a passagem da cadeira de rodas do padre. Os dois passam a se comunicar com a ajuda de um porta voz, um seminarista, Ir. Francisco, que corre pateticamente de um lado para o outro, levando os recados de um e outro. A discussão esquenta até o momento em que o padre e Ramón passaram a conversar aos berros e sem mediação do lado católico, da importância de se manter a vida, e do lado de Ramón, a denúncia que a Igreja Católica não tem moral para falar de respeito à vida depois do que ocorreu com a Inquisição. “Uma liberdade que elimina uma
vida não é liberdade”, diz o Pe. Francisco em voz alta e, por sua vez aos berros, Sampedro retruca que “uma vida que elimina uma liberdade não é vida”. Em 1998, Ramón consegue encontrar na figura da personagem Rosa, “alguém que realmente me ama é alguém que me ajuda a morrer”, ele deixa em testamento no qual argumenta contra a tese da “vida como obrigação”, sinaliza as tensões e questões de poder que permeiam a vida e a morte: “Srs. Jueces, negar la propiedad privada de nuestro próprio ser es la más grande de lãs mentiras culturales. Para uma cultura que sacraliza la propiedad privada de lãs cosas – entre ellas la tierra y el água – es una aberración negar la propiedad más privada de todas, nuestra Pátria y reino personal. Nuestro cuerpo, vida y conciencia, nuestro Universo”. Há um questionamento da sociedade civil e política como invenções que aprisionam corpos e mentes. Manejar corpos é uma forma de controlar mentes. Fala-se em liberdade e direito, mesmo quando paradoxalmente nega-se a opção de escolher entre a vida e a morte. Este direito é negado em nome da civilidade e da religião. É o que o filme mostra.
No universo das relações entre as pessoas A relação de ajuda pastoral apresentada no filme pelo padre é uma verdadeira caricatura. Neste aspecto, o filme é parcial e tendencioso intervém a voz da fé cristã na figura um pouco ridicularizada deste padre paraplégico. O Padre via TV antes de visitar Ramón, pronuncia-se sobre o caso sem conhecer a realidade; diz que se ele estivesse bem cuidado pela família, ele certamente não desejaria morrer. Certamente faz uma acusação aos familiares de desleixo. Na visita que ele faz à casa, recebe o trôco de Manuela, a devotada cuidadora de Ramón, que questiona o quê o Pe. Francisco disse na TV: “Amo ele como um filho. Não sei se a vida pertence a Deus e não pertence a gente, mas sei de uma coisa, você tem uma boca muito grande” ... Um personagem em oposição direta a figura religiosa do padre é a advogada Júlia, que quer cuidar do caso de Sampedro. De um lado, temos o sacerdote, que pelo seu estado físico representante da doutrina católica, tenta dissuadir Ramón da idéia de morrer, lembrando-lhe dos valores da fé cristã e de outro lado, a advogada Júlia. Esta é portadora de uma doença degenerativa hereditária (Cadasil), que se caracteriza por acidentes vasculares freqüentes que conduzem à invalidez e demência, procura levar a discussão e legitimação do caso para o plano racional e legal. Ao mesmo tempo, Júlia é o canal entre o espectador e as poesias, as viagens e toda a vida de Sampedro antes do acidente. Júlia ajuda Ramón a escrever um livro, publicado com o título Cartas
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del Inferno (traduzido em português por Ed. Planeta, no ano de 2005), obra que deu origem ao filme Mar Adentro. Com ele partilha cigarros, trocam beijos, afetos, impossibilidades, desejos, frustrações e a morte como finalidade. Como interpretar no filme as relações de Ramón com as duas mulheres que entram com ele numa relação afetiva, Rosa e Júlia? Rosa, é uma jovem simples desajeitada do contexto rural, que entra na vida de Ramón após uma entrevista que assiste na TV, em que Ramón expressa o desejo de morrer. O encontro é conflitivo e Ramón a chama de “mulher frustrada”, que o conhece por “piedade”. Ramón impõe sua agenda racional: “Ser minha amiga é me respeitar. Não me julgue”. Ramón lhe dirige uma palavra dura que pode ser uma chave de interpretação do mistério da personalidade de Ramón: “não me ponhas a responsabilidade de dar um sentido à tua vida”. No filme é justamente esta mulher, Rosa, que vai ser solidária com Ramón na opção de dar um fim à sua vida. Júlia vê Ramón a partir do grave problema de saúde que tem e que a deixará completamente demenciada no final do filme. O amor impossível de Ramón e de Júlia cristaliza-se na vontade comum de se dar a morte no mesmo dia, por ocasião da publicação do livro. É um amor que cresce ao abrigo não do desejo de viver, mas do desejo de morrer. Os motivos de Ramón e de Júlia são, contudo, diferentes: em Ramón temos a presença de uma motivação até certo ponto sartriana: ele sente a sua existência como inútil. Júlia tem medo da degradação e da perda da dignidade na altura em que a doença a transforme em vegetal. Frente a esta situação, o filme silencia uma questão muito importante: “Quem é que decide da dignidade da vida, é o próprio que declara que sua existência perdeu toda a dignidade ou não será a tarefa ética dos outros seres humanos, dos acompanhantes, ajudados pela sociedade, de reivindicar e reclamar esta dignidade do doente, lutando, por assim dizer, contra a impressão – eventualmente compreensível por parte do doente – de perda de dignidade? (RENAUD 2006, p. 126)”. Da janela, uma paisagem lindíssima se descortina, traz o vento a remexer as cortinas e os desejos de liberdade e de movimento. Daquela abertura da janela, o mundo todo se descortina a Ramón Sampedro. Já na primeira cena do filme, o espectador é colocado no lugar do protagonista, diante da janela e dos desejos, sonhos e impossibilidades que se apresentam. O protagonista central do filme, ao sobrevoar a terra e o mar, realiza a metáfora da liberdade do espírito. Fala de nossa possibilidade de lutar pela liberdade mesmo em condições extremas e cruéis.
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O sentido da liberdade em jogo Penso que um dos núcleos do filme, é a questão do sentido da liberdade. O filme tenta provar que é na morte que se reencontra a alegria, no caso de tetraplégico ou de pessoas atingidas por uma doença incurável. Faria parte da dignidade da pessoa o fato de poder dar-se a morte, para realizar o desejo de se “libertar do corpo”, do corpo deficiente e doente. Isso não me angustia, tal como se verifica na noite dramática em que Ramón demonstra firmeza no sentido de buscar a morte, grita, compulsivamente: “Por que morrer, por que morrer?” A liberdade é reclamada, mas uma liberdade para quê? Para realizar qualquer coisa de vida? Não, somente para morrer. Uma liberdade-para-amorte será que este o sentido profundo da liberdade ou não teremos que afirmar que existe a liberdade como liberdadepara-a-vida, ou liberdade para um acréscimo de vida? É interessante lembrar as figuras de Gene e do seu marido no filme defensores do movimento Morrer com Dignidade e da Luta pela Legalização da Eutanásia. É significativo e até paradoxal que, Gene, no final de sua gravidez mostre de perto esta gravidez a Ramón ao colocar sua barriga perto do ouvido de Ramón. Estamos frente ao contraste brutal, quase absurdo: quem defende o direito à eutanásia e ao mesmo tempo quem dá com alegria a vida ao nascituro. Talvez o que o filme busca explicitar a tese, de que não é porque se é a favor da eutanásia que se é contra a vida em geral, e, principalmente, contra novas vidas. Podemos interpretar este contraste de outra maneira também. Estamos frente à contradição existencial com Gene. É a mesma pessoa que dá à vida com o nascimento de seu bebê, e luta pela morte do corpo do outro. Como se nascimento involuntário (por parte de quem nasce) e morte voluntária (de quem opta pela eutanásia) tivessem a mesma “dignidade em si” em relação à vida humana. Não seria isto desfazer a reta compreensão entre dignidade da vida e liberdade, como se fosse digno nascer involuntariamente, mas indigno morrer, involuntariamente? A nosso ver Gene mostra uma contradição inerente ao respeito pela vida do corpo. É esta contradição que surge sutilmente nas suas últimas palavras de despedida ao telefone com Ramón: “é mesmo isto (“morrer”) que você quer?”. Perguntamo-nos, se não se esqueceu de um elemento principal: a liberdade em face à dignidade da vida do corpo que está em causa. Para Ramón, o suicídio é visto como libertação do corpo de uma existência “indigna”. O pedido para morrer pode mesmo ser compreensível, face às dificuldades da vida do corpo, da mente ou da alma. Mas
não é por isso que nós, os outros, temos que considerar como aceitável uma solicitação de suicídio ou considerar como eticamente justificável o ato de eutanásia. Esta posição final depende de uma compreensão existencial da liberdade: somos livres para poder exercer esta liberdade em proveito da vida e não ao serviço da morte. Mas como fazer entender esta verdade existencial à pessoa portadora de tetraplegia como no caso de Ramón? Estamos sem resposta. Esta angústia do espectador, o filme explora muito bem (RENAUD, 2006, p. 127-128).
O corpo como denúncia Nada é mais exposto no filme do que seu corpo deficiente nos mínimos detalhes. Quando aparece na TV para fazer seu pedido e ganhar empatia pública e dos juízes, foi pela exposição de seu corpo disforme e imóvel. O objetivo certamente era impressionar, o que acaba na verdade chocando. Por isso, busca-se convencer seus interlocutores morais, de se transportar de seus corpos não deficientes para a sua existência plena de limitações. O silêncio do corpo de Ramón é contrastado com o excesso de falas do personagem. Ramón não deixa dúvida de ser sarcástico, irônico e até cruel. A exibição de seu corpo é acompanhada por afirmações como: “passo toda minha vida num inferno. A vida não é isso!”. O inferno passa a ser seu corpo, sua existência restrita ao quarto totalmente dependente dos cuidados de seus familiares, em especial, sua cunhada, seu irmão e sobrinho Xavier (DINIZ 2004, p. 124). Ramón nega aceitar a cadeira de rodas ao dizer que “isto seria aceitar migalhas do que foi minha vida. Dois metros e uma viagem impossível, uma quimera, por isso quero morrer”, diz Ramón à Júlia, e, isto o deixa mais confinado ainda. Somente vai aceitar utilizar cadeira de rodas, confeccionada sob medida com a colaboração de todos os seus familiares, sob a sua supervisão, enquanto este instrumento de locomoção o leva para o encontro de seu objetivo maior: a morte. A sua vida passou a ser uma imposição, ou seja, a obrigação de sobreviver de migalhas do que foi, e um dever de se manter vivo, garantido pelos seus familiares.
Cuidados sem ternura? O cuidado que Ramón recebe parece perfeito do ponto de vista técnico: Ramón usufrui da possibilidade de escrever, ainda que utilizando uma palheta na boca, de telefonar, etc ... Os cuidados que lhe presta a cunhada são desinteressados e generosos. Mas não podemos esquecer também de que estamos no campo da realidade rural, de uma família de camponeses
bastante unida, que leva uma vida muito simples e rústica, em que as expressões de afeto são muito diferentes do que acontece se estivéssemos num contexto urbano. O paradoxo do caso Ramón, tal como vemos no filme, provém precisamente desta dupla vertente: tem uma vida ativa do ponto de vista mental, uma vida criativa do ponto de vista literário (escreve poesias e até um livro sobre sua experiência), uma imaginação que o situa para além da capacidade dos familiares e, mesmo assim, quer morrer porque esta vida não é “viver”. A junção desses elementos é a razão para tornar a eutanásia sedutora, justificável e compreensível. Vejam, não se pode dizer que são os abandonados e que não recebem cuidados os que desejam a eutanásia. Eis um caso “super bem cuidado”, de tal maneira, que não se pode criticar a família, e, mesmo assim, esta pessoa deseja simplesmente morrer. Podemos até dizer que faltou algo de essencial nos cuidados: conseguir fazer com que Ramón descobrisse e sentisse que sua presença não é “a mais”, mas que tem sentido. Temos o cuidado, sim, mas talvez falte ternura neste cuidar. Neste sentido nunca vemos por parte dos familiares um gesto de ternura, um tocar das mãos, um abraço. O único abraço dos familiares – dos amigos, é um pedido de Ramón ao sobrinho, no momento em que ele vai embora. E a expressão mais dramática desta falta em cuidá-lo, que muitas vezes, não transmite ternura, manifesta-se na explosão do irmão mais velho, que num momento de muita angústia, diz: “há 28 anos todos se tornaram escravos dele”. O filme mostra que o cuidado vital básico do corpo com todas as suas exigências, ainda não é suficiente para ajudar a pessoa tetraplégica a perceber, que sua vida pode
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continuar a ter um sentido para além de todas as limitações inerentes a esta condição física limitante.
Apontamentos finais Ramón Sampedro ferido em seu corpo, mas dolorido ainda em sua inferioridade, acabou por travar uma intensa batalha judicial para que pudesse se dar o direito de morrer. Irredutível na sua determinação, não conseguindo pelas vias oficiais, descobre criativamente uma forma “oficiosa” de realizar o que queria. A paralisia física nem sempre significa o fim de tudo. Pelo contrário, pode ser o início de uma vida de novas descobertas e criatividade. Podemos nos perguntar, por que Ramón Sampedro, todas as propostas de “ressignificação de vida” foram descartadas e em determinados momentos e até ridicularizadas? Temos exemplos notáveis como os de Christopher Reeve (“o Super Homem”) e Stephen Hawking a dar muito mais que motivação aos portadores de necessidades especiais. A cena do “acidente” que é repetida inúmeras vezes em momentos chaves do filme, talvez tenha sido uma tentativa suicidar-se. Penso que é um pouco ingênuo acreditar que alguém que tenha sido marinheiro, conhecido tantos países, singrando oceanos tão diferentes, não conhecia o que estava acontecendo com o mar lá embaixo do penhasco no momento em que se lançou. Simbolicamente, Ramón Sampedro morreu neste momento. No prólogo de seu livro “Carta do Inferno”, o verdadeiro Ramón fala daquele momento crucial: “No dia 23 de agosto de 1968 fraturei o pescoço ao mergulhar em uma praia e bater com a cabeça na areia, desde esse dia sou uma cabeça viva e um corpo morto. Poderia dizer que sou o espírito falante de um morto”, (...) “Considero o tetraplégico como um morto crônico que reside no inferno. Ali – para evitar a loucura – há os que se entretém – pintando, rezando, lendo, respirando ou fazendo algo pelos demais: há gostos para tudo! Eu me dediquei a escrever cartas. Cartas do Inferno”. Difícil encontrar um realismo mais cruel que descrevesse sua própria interpretação de sua condição de vida. Se o Ramón histórico for muito parecido com o Ramón do filme ‘Mar Adentro’, então guardaremos dele uma imagem de um ser humano que, com inteligência e determinação férrea de não mais viver após o acidente, que o deixou na condição de tetraplégico, não conseguiu descobrir um sentido para continuar a viver. A morte é a solução. Nas cenas finais do filme, esteticamente apresentase no contexto de um crepúsculo (simbolicamente o fim)
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maravilhoso, o último diálogo entre Rosa e Ramón. Diz Rosa: “Se é verdade que existe vida após a morte mande-me um sinal?”, ao que Ramón responde rapidamente. “Claro que sim!”, emendando, porém, de uma forma mais reflexiva acrescenta a seguir: “mas, depois que morremos não existe mais nada, é como quando antes de nascer. Vou estar nos seus sonhos. Obrigado do fundo do coração”. (SAMPEDRO, 2005, p.17). Sem dúvida aqui a transcendência da vida não existe, e a sua morte é simplesmente fim de tudo, não existe a perspectiva de um futuro promissor com mais vida no além como nos apresentam a sabedoria das religiões. Com certeza, para muitos, este não é um happy end. Ouvi de muitos deficientes físicos que assistiram ao filme, que consideram Ramón um contra-herói. O acusam de ser um suicida em potencial, antes mesmo do acidente, vendo no salto do penhasco já busca da sua própria morte. Enfim, esta foi a opção de Ramón. Não cabe a nós medir responsabilidades e sermos juízes. Mesmo sem compreender e até discordando da solução final, por questão de valores culturais, morais, éticos e religiosos seria possível assumir a uma atitude de respeito? Ao analisar este filme, lendo as ‘Cartas do Inferno’ de Ramón Sampedro, veio à minha mente inúmeras vezes a história de Victor Frankl, o famoso psiquiatra suíço que sobreviveu no campo de concentração na II Guerra Mundial. Relendo sua obra clássica, O homem em busca de um sentido, leio: “O homem não é destruído pelo sofrimento, mas pelo sofrimento sem sentido”. Cada pessoa humana não deixa de ser um grande mistério e pobre razão aquela que orgulhosamente busca explicar e entender tudo. Ao assistirmos e analisarmos este filme, difícil não nos sentirmos questionados em nossas emoções, certezas e valores de vida. Sem dúvida, trata-se de uma provocação que nos leva a aprofundarmos as “razões de nossa esperança”, de sentido de viver, bem como de partir, sabedores que somos: existe muita morte na vida, bem como, pode existir muita vida na morte.
Referências bibliográficas DINIZ, Débora. “Por que morrer? Comentários sobre o filme Mar Adentro”. ALTER-Jornal de Estudos Psicanalíticos, v.23 (1) 123-127-,2004. QUERRA, Maria José. “Euthanasia in Spain: the public debate after Ramón Sampedro’s case”, in Biothies, vol. 13, n.5, 1999, p.426-432. RENAUD, Izabel Carmelo Rosa. Comentário do filme “Mar Adentro”, em: Cadernos de Bioética, n.40, abril 2006, p. 123-128. SAMPEDRO, Ramón. “Cartas do Inferno”. Livro que deu origem ao filme ‘Mar Adentro’ com prólogo de Alejandro Amenábar. Tradução Lea P.Zylberlicht. Planeta, São Paulo, 2005.
Fevereiro/2010
N U T R I Ç Ã O
N U T R I Ç Ã O
Fernanda Scheer Nutricionista
Os sintomas mais comuns são: Ganho de peso por retenção de líquidos;
TPM - como controlar esse mal Veja como suas escolhas alimentares podem tornar esse um período mais tranquilo ou cheio de desequilíbrios
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tensão pré-menstrual (TPM) é um conjunto de sintomas físicos, psicológicos e emocionais que muitas mulheres sentem no período que antecede a vinda da menstruação, geralmente uma a duas semanas antes do início do ciclo menstrual. Acredita-se que é provocada pelas mudanças nos níveis de progesterona e estrogênio, que fazem alterações em neurotransmissores importantes, como a serotonina. Estima-se que três em cada quatro mulheres que menstruam apresentam a TPM de alguma forma. Esses problemas aparecem com mais frequencia nas mulheres entre 25 e 40 anos e podem variar de intensidade em cada ciclo menstrual.
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Inchaço abdominal; Sensibilidade nos seios; Tensão ou ansiedade; Humor depressivo; Alterações de humor, irritabilidade ou raiva; Mudanças de apetite e desejos por comida; Dificuldades para pegar no sono e insônia; Dores musculares e nas juntas; Dor de cabeça; Cansaço
A alimentação tem um papel fundamental nesse período, pois ajuda a piorar ou amenizar os sintomas acima.Veja quais nutrientes e alimentos priorizar e quais evitar nesse período e porquê. Nutrientes importantes: - Piridoxina (vitamina B6): modula a síntese de estrogênio e progesterona, diminuindo a irritabilidade e a ansiedade e inibe a aldosterona elevada aumentando a diurese e aliviando o endurecimento e inchaço das mamas e a retenção hídrica. Além disso, a Vitamina B6 é co fator na produção de serotonina, um neurotransmissor que tem seus índices reduzidos no período pré-menstrual, causando os indesejáveis sintomas de alteração de humor, depressão e compulsão por doces. Alimentos fontes: cereais integrais como arroz integral e aveia, feijões, couve-flor, banana, abacate, uva-passa, nozes, salmão e soja. - Magnésio: Na fase pré-menstrual, há uma elevação na secreção do hormônio aldesterona. É isso que promove a retenção de sódio e de água pelos rins e o conseqüente inchaço. A ingestão de alimentos ricos em magnésio reduz a retenção de liquidos, as dores de cabeça e a irritabilidade típicas dessa fase. Alimentos fontes: gérmen de trigo, tofu, cevada, chocolate, lentilha, soja em grãos, espinafre e castanha de caju. - Vitamina E: Na TPM, a produção da prostaglandina, causa alguns dos sintomas desagradáveis, como
dor de cabeça, dor nos seios e cólicas. A vitamina E regula a produção desse hormônio, reduzindo os sintomas dolorosos. Fontes: óleos (girassol, milho), azeite de oliva, abacate e em menor quantidade em vegetais folhosos.
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- Cromo: Esse mineral age estabilizando os níveis de açúcar no sangue, ajudando, assim, a controlar a vontade de comer doces. Alimentos fontes: levedo de cerveja, carne, fígado, trigo integral, batata, gérmen de trigo, ovos, ostras, maçãs e espinafre. - Zinco: Participa da regulação e ação dos hormônios esteróides. Alimentos fontes: as principais fontes são de origem animal, sendo a ostra a mais rica. Outras fontes : gérmen de trigo, carne vermelha, fígado, ricota, arroz integral, queijo, leite e ovos. - Ácidos Graxos Essenciais como Ômega 6 (Ácido Linoléico) e GLA (ácido gama linolênico): precurssores da síntese das prostaglandinas (substâncias semelhantes a hormônios), que regulam a ação do estrogênio, da progesterona e prolactina, apresentando ação antiinflamatória e analgésica. Fontes: presente no óleo de prímula e em alimentos como sementes, nozes e óleos vegetais. -Triptofano: aminoácido precurssor da serotonina, responsável pelo aumento desse neurotransmissor no
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cérebro. Diminui a depressão, ansiedade, insônia e a irritabilidade causadas pela TPM. Fontes: carnes, ovos, soja, quinua, lentilhas e leite. - Tirosina: um aminoácido que está relacionado com a produção de dopamina e adrenalina, ambos, neurotransmissores que promovem o estado de alerta, o “pique” e a alegria. Fontes: peixes, carnes magras, aves sem pele, ovos, leguminosas, nozes e castanhas, leite e iogurte desnatados, queijos magros e tofu. O que evitar? Limitar o consumo de alimentos refinados (farinha, açúcar, massas, arroz), já que causarão uma sensação de bem estar falsa, com um aumento imediato de glicemia e seguinte queda, gerando mal estar, irritação e ansiedade. Restringir a ingestão de sal, leite e derivados, café, chá, chocolate, coca-cola, alimentos e bebidas que contenham cafeína, álcool e evitar o tabagismo são medidas importantes para evitar a retenção de líquidos e o aumento de ansiedade comuns desse período.
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Ana Claudia Arantes Médica formada pela USP, especializada em Geriatria e Gerontologia Diretora Médica da Humana Cuidados com a Vida (www.humanavida.com.br) Sócia fundadora da Casa do Cuidar - Prática e Ensino em Cuidados Paliativos (www.casadocuidar.org.br)
O que você vai ser quando crescer? Considerações sobre o envelhecimento
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iante da possibilidade real de envelhecer, como você se sente? A maioria das pessoas parece não estar bem com esta idéia, mas a realidade do envelhecimento está ao nosso lado a cada dia que passa. Talvez fosse melhor que pudéssemos compreender melhor este processo que acontece conosco e fazer parte desta decisão e não apenas escolher ser uma vítima do tempo. No início do século passado, em 1900, nossa expectativa de vida ao nascer seria uma felicidade se pudéssemos passar dos 40 anos. Hoje, nossa vida muitas vezes só encontra sentido exatamente a partir dos 40 anos. Hoje podemos nos permitir vivenciar até mesmo a famosa crise dos 40 anos! E sabemos que temos uma grande chance de ter uma nova oportunidade de repensar nossos caminhos e escolhas também na crise dos 50 e dos 60 anos. Isto tudo porque agora, temos a possibilidade de viver até quase 80 anos! O problema maior que nos ronda é que para chegarmos aos 80 anos ou mais vamos ter de envelhecer. Não existe escolha para isso: cada dia que passa pesa na conta da saúde e do bem estar a depender do que estamos pagando ou investindo por esta qualidade de envelhecer. O mérito (ou a responsabilidade) vai depender exclusivamente das nossas escolhas de comportamentos internos e externos realizados a cada dia, a cada momento da nossa vida.
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Se analisarmos um ser humano sob suas diversas possibilidades encontraremos o primeiro grande erro cometido pelos leigos e principalmente pelos médicos e profissionais da saúde: se uma pessoa for vista apenas sob o ponto de vista biológico, dificilmente vamos ter um envelhecimento de sucesso. Por causa deste problema, vemos as pessoas sendo escravizadas por regras abusivas de dietas, medicamentos, vitaminas e suplementos, além da crueldade da ditadura da beleza física permanente. Dessa forma unidimensional, fica impossível chegar bem nem aos 40 anos, que dirá aos 80. Os avanços da ciência e da medicina são indiscutíveis e também responsáveis de maneira clara sobre a melhora da nossa expectativa de vida. Mas existe o lado B de tudo isso: parece que as pessoas menos comprometidas com a saúde passaram a acreditar que temos fórmulas mágicas que podem resgatar todas as atitudes erradas frente às escolhas sobre os cuidados com nosso corpo. Existe uma falsa proposta de que tudo o que fizemos de errado pode ser resolvido por remédios de última geração, vitaminas e soros milagrosos, plásticas e tratamentos estéticos caros e de risco muito maior do que os benefícios oferecidos. A lei de ação e reação também vale para o nosso dia a dia de cuidados com o corpo. Precisamos saber que aquela escapada sobre uma feijoada, sobre duas ou três sobremesas a mais ou um pileque de fim de semana vão cobrar seus juros não só no dia seguinte da orgia, mas por toda a vida. E além dessas inocentes situações, temos ainda o tabagismo, o alcoolismo, o sedentarismo. Nada disso é novidade. O fato de saber o que é melhor a ser feito não é suficiente para fazer com que seja feito. Se na parte física as coisas podem estar indo bem, ainda temos o grupo que vai depositar foco exclusivamente na dimensão emocional. Por isso a papelaria de auto ajuda vai crescendo assustadoramente nas estantes das pessoas que vão chegando aos trinta, quarenta anos. Metas impossíveis de controle das emoções, treinamentos mentais exaustivos sobre afirmações positivistas, crenças e mitos sobre o uso abusivo e sem fundamento dos antidepressivos e remédios para ansiedade, vão levando as pessoas não ao conforto, mas sim a mais um sofrimento: a ditadura da felicidade constante. Feliz demais ou triste demais: um pêndulo desgastante que envolve toda a vida, obrigando a pessoa à tortura de compreensão emocional permanente e privandoa de simplesmente viver. As pesquisas mostram que envelhecer de maneira socialmente ativa é muito favorável. Existem estratégias imensas a fim de identificar nichos de mercado focados na
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chamada terceira idade. Sabe-se que uma pessoa aposentada vive muitos anos e pode ser um excelente consumidor. Já vi uma reportagem que falava que era bom vender coisas a prazo para pessoas idosas, pois elas prezam muito cumprir com seus compromissos e temem ter seu nome “sujo”. Foi difícil aceitar a mensagem subliminar do texto: que os mais jovens já não se importam mais com o fato de “honrar” seus compromissos e ter o nome “sujo” não significa mais nada. Mas esta apologia também tem seu preço. Pensar em envelhecer de maneira economica e socialmente ativa implica em buscar manter seu padrão de vida. E isto tem sido duramente combatido pela nossa sociedade, a depender da profissão que temos. Altos executivos são facilmente destituídos de seus cargos pela fortaleza do trabalho mais jovem e mais barato. Experiência pode ter seu valor intangível diante da escolha de um funcionário mais jovem de alto desempenho. Parece que as empresas também esquecem que envelhecem e depositam um empenho repleto de futilidade quando optam por excluir seus colaboradores mais experientes enquanto tiram o sangue e alma dos mais jovens. Os mais jovens de hoje serão os doentes de amanhã. Doentes físicos, mentais e sociais. E as empresas também vão pagar esta conta simples, mas muito cara. De novo a lei de ação e reação. Curto, médio ou longo prazo: a conta vai aparecer. Se falarmos então das famílias, encontraremos dilemas ainda mais profundos. Você sabia que seus filhos, mesmo os mais maravilhosos, poderão seqüestrar sua autonomia e independência com a melhor das intenções? Você já fez isso com seus pais? Sim, espere para ver até o seu primeiro dia fragilizado por algum evento de saúde e observe como sempre tem alguém pronto para te dar um sermão e te obrigar a tomar um monte de comprimidos e ainda te proibir de comer isso ou aquilo que você tanto gosta. Se ainda piorar um pouco, você se vê um refém dentro de sua própria casa, com um profissional contratado para “cuidar” de você, mas que não permite um só movimento seu sem que isto seja anotado num caderninho. Total perda de privacidade e autonomia. Assustador, mas pode ser a sua realidade em algum momento da sua vida se você quiser viver bastante. O que podemos fazer diante disso? Cultive as boas relações, dê o exemplo sobre o compartilhar de decisões, de medos, de oportunidades. A família deve conversar sobre tudo mesmo, incluindo o processo de envelhecer e suas conseqüências. Pode ter certeza de que vai ser muito mais tranqüilo para seus filhos se eles puderem saber da
sua opinião sobre assuntos delicados como diagnósticos de doenças graves e perda da capacidade de tomar decisões. Se você é o filho, vai ser muito mais leve para você fazer aquilo que você sabe que seus pais assim o desejaram. O que vejo no dia a dia é que o sofrimento maior de todos que passam por estas situações gira em torno da verdade não dita ou das perguntas não respondidas durante a vida. O fato de termos consciência da nossa finitude parece ser o maior trunfo diante do envelhecimento. Claro que somos inteligentes, mas decidir cultivar a autonomia e a independência agora e até o último dia de vida exige algo mais de nós. Precisamos nos responsabilizar por este processo, nos tornando parte ativa da nossa vida e não apenas vítimas desta jornada. Cada dia que passa estamos mais velhos e temos mais experiência hoje do que tínhamos ontem. Se este viver for mais consciente, temos mais oportunidades de boas escolhas e conseqüentemente mais chance de envelhecer bem. Quando pergunto o que você vai ser quando crescer, não faço esta pergunta direcionada a uma criança de 5 anos. Faço sim ao adulto de 30, 40 anos, que precisa saber que está crescendo interiormente, alimentando sua evolução como ser humano e se tornando cada vez mais um individuo inteiro, íntegro e integrado ao seu meio. Talvez a melhor pergunta seja: “quem você vai ser quando crescer?” Nesta parte entram as considerações sobre a nossa dimensão espiritual. Somos seres espirituais em nossa essência, pois estamos sempre em busca de um sentido para o que vivemos, para o que sentimos e o que realizamos nesta vida. Não falo sobre religião. A religião pode ser apenas uma forma de expressar a nossa espiritualidade e infelizmente, muitas vezes acabam se tornando até opostas! Quantas pessoas radicalmente religiosas fazem coisas absolutamente sem sentido e completamente sem espiritualidade? Eu conheço várias.. A espiritualidade é o nosso eixo, é o alicerce que liga a terra com o céu, sobre o qual giramos nossos olhos e toda a nossa percepção sobre o mundo que nos cerca. Temos este “filtro” sobre a nossa realidade. Se olharmos para a nossa vida e não encontrarmos um sentido, dificilmente poderemos envelhecer bem. Tenho muitos pacientes com doenças graves, mas que estão muito saudáveis. Encontraram uma forma feliz de viver, encontraram sentido até mesmo no sofrimento que passam diante de uma doença grave, irreversível e em progressão. E o mais lindo de tudo isso é que vejo o quanto vivem bem e vivem mais do que aqueles que não chegam perto da oportunidade de com-
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preender sua própria vida e, mesmo sem doenças graves, acabam vivendo de maneira morta. A morte é um processo muito vivo e intenso. Ela chega para todos, é a situação mais democrática do ser humano: quem nasceu, vai morrer. Mas pode ter certeza de que o intervalo é todo seu. Portanto, aconselho que você faça a escolha de ser feliz em todas as suas dimensões. Você pode e você merece. E aí, quando você crescer, vai ser uma pessoa única, inteira, integrada ao Universo.
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Elder de Faria Braga Advogado formado pela PUC-SP Especialista em Direito Empresarial Com atuação centrada na análise de contratos, contencioso societário e “tradução “do direito brasileiro para empresários estrangeiros. Neste trabalho já organizou a entrada e a saída do Brasil de várias empresas, seja como advogado externo, seja como executivo. Sócio de Braga e Gonzalez Advogados desde 1994.
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A Constituição é a regra que diz quais os direitos fundamentais e os princípios que todas as outras leis devem seguir. Ela é a regra de todas as regras, é ela que dá a orientação geral para a criação de todo o sistema de governo de um país
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DIREITO À SAUDE
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nfelizmente, pouca gente já se deu ao trabalho de ler a Constituição Brasileira. Na verdade, poucos sabem pra que serve a Constituição. Correndo o risco de ser repetitivo para muitos, vou contar para quem não sabe: a Constituição é a regra das regras do jogo! Como assim? Imagine que em determinado momento, as pessoas acharam que seria razoável que parassem de resolver as coisas na base da força e que as disputas passassem a ser decididas por alguém escolhido para isso. Foi assim que nasceu a idéia de um sistema jurídico. Alguns milhares de anos mais tarde, chegou-se à conclusão que seria bom saber quais as regras que regulariam a decisão de seus conflitos: surgiram as leis e o registro dos costumes e das decisões dos juízes. Mais alguns milhares de anos e alguns povos entenderam que seria bom haver uma regra sobre como as novas leis poderiam ser feitas e quais valores fundamentais elas deveriam respeitar: surgiram as constituições. A Constituição é a regra que diz quais os direitos fundamentais e os princípios que todas as outras leis devem seguir. Ela é a regra de todas as regras, é ela que dá a orientação geral para a criação de todo o sistema de governo de um país. Ela fala como o Estado deve se organizar, qual o território, quais os direitos da população e os seus deveres, quais princípios os funcionários públicos devem seguir, quais as garantias que as instituições devem possuir etc.
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O ponto central das constituições modernas costuma ser o que se chama “Carta de Direitos”, ou seja a definição dos direitos e garantias fundamentais das pessoas. No Brasil, essa parte da Constituição possui um status ainda maior. As cláusulas referentes aos direitos e garantias fundamentais são consideradas “cláusulas pétreas”, ou seja: não podem ser alteradas nem mesmo por emendas constitucionais. Se você se der ao saudável trabalho de ler a Constituição, vai ficar chocado: apesar de você provavelmente estar lendo este artigo em um consultório médico (lugar pouco visitado por pessoas saudáveis), verá que lá está escrito com todas as letras que todos têm direito à saúde. Isso acontece, porque a Constituição tem normas programáticas. Estar escrito nela que todos têm direito à saúde significa que o Estado se esforçará para garantir o acesso aos serviços médicos e aos meios para que as pessoas possam conservar a saúde. Nesse ponto, sua revolta deve ter atingido um ponto ainda maior, porque esse esforço obviamente não parece ser muito grande. Antes de jogar a revista longe e passar a dar risada toda vez que alguém falar sobre Constituição, deixeme tentar recuperar sua fé. Apesar das aparências, esse artigo não é inútil. Se é verdade que a norma constitucional que garante o direito à saúde é apenas uma orientação geral para o governo, ela serve como guia para a criação de leis e os julgamentos no Poder Judiciário. Isso significa
que é essa norma que garante a sua vida em situações de emergência, onde surge um conflito envolvendo um problema de saúde. É ela que garante que os juízes possam apreciar os pedidos das pessoas que precisam de tratamentos que os convênios se recusam a pagar, ou as que podem ser salvas por medicamentos que o sistema público de saúde não disponibiliza. Quando a lei não é clara, ou é omissa, ou quando a regra de um contrato pode colocar a sua vida em risco, o Judiciário ao examinar a questão irá buscar apoio na Constituição para garantir o direito a quem precisa. Neste ponto, podemos nos orgulhar: o Judiciário tem sido muito eficiente em garantir o direito das pessoas a tratamentos e medicamentos em casos onde é comprovada a real necessidade, seja obrigando o governo a cumprir com o seu dever, seja estendendo a interpretação dos contratos de modo a preservar a vida e a saúde dos pacientes. Isso significa que todo pedido será aceito pelo Judiciário? Não! Significa porém que será apreciado dentro de critérios que privilegiam o direito à saúde. Muitos outros fatores complexos são porém analisados, como as provas apresentadas pelas partes, a sua boa fé e o apoio científico e real necessidade dos tratamentos (ou medicamentos) que estão envolvidos na disputa. Se você tiver um problema sério porque lhe é negado um tratamento essencial, não hesite em procurar além do médico, um advogado.
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Gilberto Picosque Psicoterapeuta Sistêmico Especialista em Terapia de Família e Casal pela PUC-SP
O que precisamos para viver bem?
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ncontáveis pistas científicas, psicológicas, religiosas e filosóficas, já consagradas na direção de excelentes respostas a essa pergunta, já poderiam ter abrandado essa persistente dúvida existencial. Faltaria algum dispositivo mágico que agilizasse “o cair da ficha”? Pois, como clones de Sísifo, reunimos regularmente todas as forças para carregar nossa “pedra” até o alto de nosso discernimento a partir de centenas de horas investidas em terapias sérias, rigorosamente esclarecedoras e muito bem conduzidas tecnicamente, para, ao colocarmos o pé para fora do consultório e das vistas dos terapeutas, vermos todos esses esforços rolarem ladeira abaixo, acelerados por nossos pontos fracos, inseguranças, condicionamentos e ilusões! Mas se a característica definidora da condição humana é poder cultivar-se, colocando o autoconhecimento em prática, porque esse autoconhecimento conscientizado com tanto empenho insiste em esfumaçar-se em sucessivas errâncias, em indesejáveis repetições e em frustrantes mas incontroláveis insucessos perante a menor das provações... e/ou provocações? Haveria padrões de compreensão em que a “ficha cai” somente
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dentro dos limites protetores dos consultórios, onde as aquisições racionais e convicções emocionais fundadas pelos insights não encontram a “ameaça” da instantaneidade da vida? Isso apontaria a existência de algum grau de incongruência entre a terapia e a experiência prática da vida? O trecho de um diálogo extraído do filme Um homem e uma mulher talvez forneça a perspectiva ausente até aqui: DUROC – Conhece o escultor Giacometti? ANNE GAUTHIER – Sim, aprecio-o. DUROC – Ele disse uma frase extraordinária: “Se num incêndio eu tivesse que escolher entre um gato e um Rembrandt, eu salvaria o gato.” ANNE GAUTHIER – “E depois o soltaria”, acrescentou. DUROC – É mesmo? ANNE GAUTHIER – Sim, e é isso que é maravilhoso! DUROC – Sim, é belo. Entre a arte e a vida, preferiria a vida.* Por que optar pela vida de um felino vagabundo ao invés da imensurável densidade cultural contida num quadro de Rembrandt? Para entendermos as bases dessa escolha, teríamos de ter lido o livro O bem estar da civilização que Freud não escreveu! Porque o livro escrito por Freud sugere que sustentar-se na civilização e na sociedade a que pertencemos, para integrar satisfatoriamente o meio ambiente e a comunidade cultural a qual nos identificamos, exige sacrificar tendências, restringir instintos, sublimar intensidades inibindo a agressividade e a sexualidade naturais que nos acompanham desde o berço, refreando até as paixões menos elogiáveis para “adequadamente” não colidirmos com o poder das instituições civilizatórias: matar o gato para salvar o quadro! É desestimulante reconhecer, através desse ponto de vista, que devemos viver e cumprir todas as tarefas de sobrevivência apenas com o que sobrar dos ajustes e remanejamentos repressores recomendados pelos processos civilizatórios. Sob o pretexto dessa lapidação institucional de nossa condição humana para vivermos em grupos sem nos autodestruirmos, talvez tenhamos exagerado a importância das descrições teóricas, gerando crenças interceptadoras da vitalidade estrutural da alma (anima,
do latim e psique, do grego), atrofiando a conectividade imediata e genuína com a vida. A vida pode ser vivida sem que precisemos de boas razões científicas ou culturais para vivê-la, sem que precisemos consultar manuais técnicos de fiscalização de seu funcionamento, sem intelectualizar desnecessariamente nossas intenções e relações. Claro que após termos vivido histórias críticas, tristes ou dolorosas, dentro ou fora de nossas famílias de origem, podemos buscar abrandar o peito e tranquilizar a alma no espaço protegido de alguma relação de ajuda. Mas verifique se, além da contribuição obtida em nossas buscas terapêuticas, não é também depois de muitos passeios com o cachorro, de muitas piadas reparadoras escutadas no colo de amigos, depois de talvez muitas fatias de bolo, caipirinhas, feijoadas, churrascos, promessas para santos, depois de cinemas, feiras, talvez até depois de compras supérfluas em viagens absurdas, que nos reconciliamos com o cotidiano, recalibrando nossa capacidade de enternecimento, reabilitando-nos como boa companhia? Sim ou não? A vida é esclarecedora, surpreendentemente didática, generosa e afirmativa, portanto terapêutica sim, pois, mesmo tendo alcançado o ponto mais puído de nossa interioridade, num mundo que parece não poder fornecer felicidade para todos, a vida irá nos condecorar a existência com mais do que as sobras de nossas forças, esparramando pela realidade os “acasos” reparadores, os “acidentes” redirecionadores de rota e tantos outros encontros revitalizadores que nos tiram do transe humilhante da carência, cauterizando antigas feridas abertas pela solidão, ajudando-nos a sobreviver à descoberta de nossos próprios traços controladores, ressentidos, aduladores e manipuladores, apenas para confirmar a presença da renovação da vida em nós mesmos. Captar esse frescor da existência que propõe nexos tão valiosos, proporcionados por tantos eventos sem hora marcada para ocorrerem, será a pauta de nossa coluna a partir desta edição. Escreva para gilpicosque@ uol.com.br contando: Qual episódio de sua vida teve valor terapêutico para você? Nossa editora Ana Georgia terá prazer em publicar sua resposta, ampliando assim nossas percepções. Afinal a vida de muitos “gatos” pode depender disso! * UN homme et une femme. Direção: Claude Lelouche. França: Warner Home Video. Ano 1966. 1 DVD (103 min.) color., legendado em português.
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Qual episódio de sua vida teve valor terapêutico para você? Minha mãe é admirável por suas demonstrações de sensibilidade, inteligência, honestidade e força. E foi sua força que, há alguns anos, sucumbiu a uma crise de depressão, em que todos foram surpreendidos. Numa tarde eu a vi deitada no sofá da nossa sala, estática, com o olhos abertos expressando um vazio que eu jamais imaginei, que ficaram indiferentes a qualquer palavra e gesto. Essa vivência me ajudou a compreender mais sobre uma ideia falsa de heroísmo,
Qual episódio de sua vida teve valor terapêutico para você? Pode até parecer uma contradição, vida e morte! Mas teve, para mim, um grande valor terapêutico estar com meu pai na última noite de sua vida! Permaneceu em agonia por uma semana! Nas máquinas, com os aparelhos de sobrevida, o soro com morfina nas veias, sua respiração sempre ofegante... Fechei as portas e fiz o que jamais imaginei ter coragem: acariciando sua cabeça, cantei bem alto as músicas que ele mais gostava, hinos que por toda sua existência amou. E, num quase desespero, pedindo misericórdia a Deus, eu suplicava através das músicas um alento para o momento
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lidando não apenas com a humanidade dela mas também com a minha própria, que eu poderia, então, aceitar fragilidades sem negar qualidades, tendo uma maior liberdade.
Denis S. de Carvalho 32 anos revisor de textos
Qual episódio de sua vida teve valor terapêutico para você?
Fátima Boarini Leopoldo e Silva 56 anos Agente escolar de saúde da prefeitura municipal de Piracicaba
Ser agraciada com o perdão da pessoa que gravemente ofendemos e é preciosa para nós, tem um indescritível valor terapêutico. Fato que aconteceu comigo e só foi possível pela ação do grande amor de Deus derramado no coração do ofendido, no meu e o querer que a verdade prevaleça independente da perda que possa haver.
tão sofrido em que ele se encontrava. Sua respiração ficava mais calma, parecia que absorvia cada acorde de minha voz!!! Na madrugada partiu... Eu me senti tão leve e com uma satisfação de dever cumprido!!!
Qual episódio de sua vida teve valor terapêutico para você?
Madalena Schartner 59 anos cantora lírica
O episódio em minha vida que mais se aproximou dessa experiência foi um encontro casual e inesperado que tive com um vidente. Há alguns anos eu estava absolutamente perturbardo emocionalmente, e após uma conversa de uma hora, na linguagem mais simples e ao mesmo tempo metafórica que tive com ele, consegui organizar racionalmente todo o meu conflito.E depois de dois longos anos de insônia e interrogações, aquela experiência devolveume o sono a partir daquela noite.
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Paulo Gomes
40 anos Analista de compras
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Monica Aiub Filósofa Clínica / Mestre em Filosofia-UFSCAR Prof. Titular de Filosofia-Universidade Mackenzie Prof. Titular Curso de Formação Filosofia Clínica/Inst. Packter Fundadora e Diretora / Instituto de Filosofia Clínica de SP
Um toque feminino... Uma abordagem filosófico clínica
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muito comum as partilhantes, mulheres, trazerem ao consultório de filosofia clínica questões específicas do feminino. Algumas de ordem biológica, hormonal, outras de ordem social, cultural. Obviamente, há distinções biológicas entre homens e mulheres, mas qual o alcance de tais distinções? Por exemplo, as mulheres possuem ovários e útero, e são responsáveis por acolher o feto durante a gestação. Isto é fato. Mas podemos derivar daí que é tarefa exclusivamente feminina cuidar do controle da reprodução? Cuidar de todos os aspectos da gestação? Isso seria próprio da natureza feminina ou seria uma construção social? Não estariam tais funções, talvez, um pouco distantes do “ser feminino” de cada mulher? Existe um único “ser feminino”? Uma “essência mulher”? Outro exemplo: Diante de injustiças cotidianas, quando uma mulher se exalta, imediatamente, alguém atribui a responsabilidade de tal comportamento à TPM. Uma reação mais exaltada diante de uma injustiça seria uma questão vinculada ao ciclo menstrual? Ou estaria, a citada mulher, indignada, revoltada com a injustiça, tentando manifestar sua indignação e, talvez, com seu comportamento, tentando corrigir a injustiça? Neste caso, o “ser feminino” estaria em seu estado de normalidade alterado e, portanto, necessitaria de tratamento? Ou há muitas e diferentes formas de se viver o “feminino”, incluindo manifestações exaltadas em favor de um mundo mais justo?
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Acrescentemos a nossa lista de exemplos algumas tarefas destinadas a mulheres e outras a homens, que têm como justificativas aspectos biológicos: “mulheres têm corpos frágeis”; “o corpo da mulher não foi feito para isso”; “mulheres são mais capazes desta atividade porque são mais delicadas”; “esta atividade é muito bruta para uma mulher”, etc. Piorando um pouco a qualidade dos exemplos, aspectos cognitivos vinculados a caracteres biológicos: “mulheres não são suficientemente racionais para este trabalho”; “os cérebros das mulheres funcionam de modo diferente, por isso elas não são capazes de trabalhos que exigem muita concentração num único ponto”; “mulheres são muito emotivas, por isso não devem assumir cargos de muita responsabilidade”, “mulheres tem menor produtividade no trabalho, por isso sua remuneração deve ser menor do que a de homens que exerçam a mesma função”, entre outros preconceitos que, nas crenças cotidianas, encontram fundamentos nas diferenças biológicas entre homens e mulheres. Não há estudos sérios que comprovem tais crenças. Aliás, os estudos sérios a este respeito mostram que as diferenças singulares, de cada indivíduo, são muito mais marcantes que as diferenças de gênero. Por isso precisamos, além do fator biológico, considerar os fatores históricos, culturais, sociais e políticos. Tentando ultrapassar os preconceitos limitantes que se encerram nas diferenciações biológicas, o que vislumbramos são, na maior parte dos casos, questões políticas. É interessante observar que, ao mesmo tempo em que mulheres descrevem seu sofrimento com questões como estas, algumas delas reproduzem tais ideias a seus filhos, reproduzindo, para as próximas gerações, uma forma de vida que tanto lhes trouxe problemas. Seriam tais ideias, como descreve o filósofo Daniel Dennett em A perigosa ideia de Darwin, para além de uma herança genética, uma herança memética? Memes: unidades culturais responsáveis pela replicação de determinadas formas da cultura? Como “vermes do cérebro”, ideias que habitam nossos pensamentos e dirigem nossos hábitos? Se considerarmos que somos constituídos não apenas por nossa herança genética, mas por formas de vida que aprendemos, quais as formas de vida permitidas ao feminino até pouquíssimo tempo atrás? E hoje, quais são elas? Haveria formas de vida especificamente masculinas e outras femininas? Ou haveria tantas formas
de vida quantas pessoas existentes no universo? Ainda que concordemos que nossas crenças dirigem nossos hábitos e nossas ações, também precisamos concordar que podemos questionar nossas crenças, que podemos modificar nossos hábitos, que podemos, inclusive, contar com o fator aleatório, imprevisível, e que este, por vezes, nos faz encontrar outro sentido para nosso existir. Deleuze, em Diferença e Repetição, nos provoca a refletir sobre a filosofia da diferença. Como lidamos com o diferente? A resposta mais comum é tentando destruílo, excluí-lo, eliminá-lo, pois ele representa aquilo que não sou eu, e portanto coloca em risco minha existência. Coloca mesmo? Homens e mulheres precisariam eliminar suas diferenças para que não representassem risco uns aos outros? Ou seria possível viver as diferenças? Celebrá-las? Mas viver as diferenças também não significa chegar à síntese dos diferentes, pois a síntese anula as diferenças, por um processo de absorção. Também não significa que, a partir de agora, é preciso afirmar a negação. Se até o momento o que imperou foi uma forma de vida masculina, agora é o momento do feminino, e os homens que se subjuguem à nova ordem do feminino! Também não é o caso, pois apenas repetiríamos o mesmo padrão, não permitindo a existência do diferente. Viver a diferença seria aceitar a legitimidade do outro, a alteridade, aquilo que não sou eu, e não pensar que tenho o direito de impedir a existência da alteridade por quaisquer razões. Simplesmente encontrar formas de convívio e aprendizagem. O conceito de aprendizagem é a realização de nossa capacidade de plasticidade, de movimentação existencial. A aprendizagem pode ser acerca do que desejamos modificar em nós, ou simplesmente do que não desejamos. Em como vamos conviver com a situação que nos é colocada, ou se optamos por não conviver com ela... O quanto somos capazes de nos movimentar existencialmente? Que instrumentos possuímos ou podemos construir para lidar com as questões cotidianas? É através deste exercício que lidamos com tais questões no consultório de filosofia clínica. Um toque feminino? Ser aquilo que se é, constituir-se para além dos limites estabelecidos pelos padrões.
Referências Bibliográficas DELEUZE, G. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Graal, 2008. DENNETT, D. A perigosa ideia de Darwin. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
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A necessidade do esporte para o bem estar
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verão, especialmente em um país tropical como o Brasil, é tempo de praia e férias. Mas nem por isso você precisa ficar parado nesta estação. Há um monte de maneiras diferentes e divertidas para se levar uma vida mais saudável. O esporte é essencial na vida do ser humano. Um dos esportes mais comuns, além do futebol é o frescobol. Surgido em 1945, na praia de Copacabana, consiste em devolver a bola ao parceiro, sem deixá-la cair, com o auxílio de raquetes. Pela intensa repetição de movimentos, é considerado como um bom exercício cardiovascular. Na parte muscular, trabalha articulações, quadríceps, panturrilhas, braços, ombros e tronco. Para praticar, são necessários apenas um par de raquetes e uma bolinha, que podem ser encontrados em qualquer supermercado, e um parceiro para jogar. Apesar de não parecer, o gasto calórico é bem grande: em uma hora de atividade – em ritmo intenso - é possível queimar até 600 calorias. A natação, um dos esportes mais completos ao alcance do homem,
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também. É um ótimo exercício cardiovascular, trabalha a musculatura do todo o corpo e queima muitas calorias – 460 por hora. Porém, nadar no mar é algo bem diferente de nadar em piscinas. É importante tomar cuidado, é necessário a orientação de bons profissionais e saber mais sobre aquele trecho de mar com os salva-vidas ou até mesmo os pescadores do local. Eles saberão informar sobre correntes, buracos e outros perigos. Dois esportes em que o Brasil tem se destacado nos últimos anos também podem ser praticados na praia: vôlei e futebol. Em qualquer praia do litoral brasileiro, o tradicional futebol não pode faltar. Basta uma bola, alguns amigos, as traves, que podem ser feitas com pedras ou chinelos, e o cenário está pronto. Em uma hora de jogo, é possível deixar na areia até 500 calorias. Já o vôlei pede também uma rede, que muitas vezes pode ser encontrada na própria praia, mantida pela Prefeitura ou pelas barracas de comerciantes do local. O gasto calórico é um pouco menor: aproximadamente 400 calorias. Para os que possuem um pouco mais de habilidade com os pés, pode-se juntar os dois e jogar o futevôlei, outro esporte inventado nas praias cariocas. Com qualquer parte do corpo, menos os braços, os times devem passar a bola para o outro lado da rede sem deixá-la cair. Cada time, normalmente composto por dois jogadores, pode dar até três toques para passá-la para o outro lado. Além de bom domínio de bola, é preciso bastante fôlego e força muscular. Em uma hora de futevôlei é possível queimar até 400 calorias. Aproveite o espaço da praia também para fazer caminhadas, esse sim, o esporte mais barato de todos. Escolha, de preferência, horários em que o sol está mais fraco, como
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no começo da manhã e no final da tarde. Uma hora de caminhada queima por volta de 300 calorias. Se preferir, é possível caminhar pela areia fofa, o que aumenta o gasto energético: 500 calorias. Evite caminhar apenas se apresentar problemas em joelhos ou tornozelos e lembre-se sempre de utilizar calçados apropriados. O ciclismo é outra excelente opção. Esporte de pouco impacto, melhora o condicionamento cardiovascular, queima muitas calorias e trabalha principalmente os músculos dos membros inferiores. Em uma hora, cerca de 530 calorias, em média, são queimadas. Deve ser evitado por quem tem problemas nos joelhos e na coluna. Após andar com sua bicicleta na praia, é bom lavá-la com água e sabão, para tirar os restos de areia e sal, que podem estragar o metal. Quem prefere praticar corrida opta por um esporte que melhora as condições cardiovasculares e queima boas calorias. Trabalha bastante os músculos das coxas, pernas, quadril e abdômen. Se possível, consulte um especialista, pois a prática incorreta pode causar lesões, e utilize tênis apropriados para o esporte. Em uma hora de corrida em ritmo moderado são consumidas aproximadamente 600 calorias. Isso sem falar no surfe, bodyboard, prancha à vela, frisbee... Mas também existem outras opções, que queimam calorias, mas nem por isso deixam de ser uma boa e prazerosa atividade física. Caminhar no calçadão, na areia ou na beira do mar, passear com o cachorro, empinar pipa com os filhos ou até mesmo pescar... só não vale ficar parado. Como é possível perceber, opções não faltam. Basta superar a preguiça e escolher uma delas. Sempre é bom procurar um estilo de vida saudável e é claro, evitando preocupações no futuro.
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Copa do Mundo de Futebol de 2010 atraiu para a África do Sul os olhares de todo o mundo. O que viram foi um país belíssimo, rico e desigual, um caldeirão de idiomas, raças e etnias – parecido com um país da América do Sul, muito conhecido por nós... Após o fim do Apartheid, o famigerado regime de segregação racial que marcou a África do Sul por décadas, o país se abriu para o turismo internacional – é um dos recordistas no crescimento do turismo no planeta. Hoje, o setor representa 7 a 8% do PIB nacional e emprega cerca de 3% do total de trabalhadores sul-africanos. O país oferece centenas de atrações diferentes, como vinícolas, safáris, escaladas, balonismo, bungee jumping, rafting, praias, pontos de mergulho, entre muitos outros. Comece sua viagem pelo Kruger Park, o maior parque nacional da África do Sul, com 19 mil km², criado em 1898. Esse santuário da vida selvagem africana, localizado nas províncias de Limpopo e Mpumalanga, é o mais visitado por turistas de todo o mundo em busca de safáris. Ali, hipopótamos, girafas, zebras, leões, elefantes, búfalos, leopardos, guepardos podem ser observados em seu habitat natural, um deleite para fotógrafos e amantes da vida selvagem. Em seguida, vá à Table Mountain, um maciço de montanhas situado na província de Western Cape. Seu pico atinge 1.086 metros de altura. Há hoje mais de 500 trilhas guiadas no parque, mas pode-se chegar ao topo com menos esforço através de um teleférico. Não perca a oportunidade de fazer um piquenique desfrutando da vista panorâmica da Cidade do Cabo. Dali é possível ver também a ilha Robben, que abriga o antigo presídio onde Nelson Mandela permaneceu encarcerado durante mais de duas décadas.
Por Luciano Rodrigues
Praias A África do Sul possui quase três mil quilômetros de litoral, com belas praias, na costa do Oceano Atlântico e do Índico. No litoral das províncias de Western Cape e Eastern Cape estão as melhores praias para a prática do surf, um dos esportes mais praticados do país. Mas prepare-se, pois as águas que banham a África do Sul costumam ser extremamente geladas!
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Já que você está na praia, vá ao Cabo da Boa Esperança, ponto onde os oceanos Índico e Atlântico se encontram, a 50 km da Cidade do Cabo, no Parque Nacional da Península do Cabo. O navegador português Bartolomeu Dias foi o primeiro europeu a contorná-lo, em 1488, demonstrando ser possível chegar ao oriente por mar. Inicialmente, o local foi batizado de Cabo das Tormentas. Posteriormente, o rei D. João II chamou-o de Cabo da Boa Esperança, pois finalmente o caminho para a Índia pelos oceanos havia sido encontrado.
Vinho A África do Sul é um dos maiores produtores de vinho do mundo: em 2008, o país produziu 800 milhões de litros de vinho, metade destinada para exportação. São cerca de quatro mil produtores, que geram mais de 250 mil empregos diretos e indiretos. As principais uvas da região são chenin, chardonnay, sauvignon blanc, viognier, para vinho branco, e cabernet, merlot, pinotage e shiraz, para vinho tinto. Aproveite para fazer um tour pelas regiões produtores de vinho: Stellenbosch, Drakenstein, Witzenberg, Breede Valley e Breederiver Winelands, além de diversas outras localizadas na província de Western Cape. Conheça os estádios da Copa, fantásticos: muitos
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consideram o Soccer City, em Johannesburgo, o mais belo estádio do mundo. Muito cuidado com o trânsito, pois a África do Sul utiliza a chamada “mão inglesa”, com a direção na direita do automóvel. Quem gosta da noite certamente aproveitará a vida noturna intensa da Cidade do Cabo, em regiões como Long Street, Loop, Wale e Orange Street. Se, depois de tudo isso, ainda sobrar algum dinheirinho, uma dica: Joanesburgo é um ótimo lugar para as compras. Pra finalizar, turistas brasileiros que pretendem ficar por lá menos de 90 dias não precisam de visto.