ciência • cuidado • suporte
| ano 3 | nº 07
eaning eaning eaning Prevenção no Câncer
eaning
preocupações existenciais saúde mental
assistência nas fases da vida saúde da mulher
quedas em idosos terapias complementares
1984-0861
eaning
Planejando a Família
Valorizando a Mulher
UIII Set 2008/577/BR
Ciência para uma Vida Melhor
Poucas coisas tiveram mais impacto na sociedade do século XX que a chegada da pílula contraceptiva. Ela permitiu que o casal escolhesse o momento certo para começar sua família. Atualmente, ela previne a gravidez nãoplanejada para mais de 80 milhões de mulheres. Como pioneira, a Bayer Schering Pharma é atualmente considerada uma das maiores e mais inovadoras empresas do mundo na área da contracepção. Isto vai além da tradicional pílula para o planejamento familiar, pois agora existe uma grande variedade de métodos à base de hormônios para prevenir a gravidez, permitindo que cada mulher de qualquer classe social discuta com seu médico qual a melhor opção contraceptiva disponível para ela. É a Bayer Schering Pharma contribuindo para a realização da mulher através da liberdade de escolha. Isso é Bayer, e se é Bayer, é bom. www.bayer.com.br www.bayerscheringpharma.com.br
E
d i t o r i a l
Expediente Editor Chefe/Publisher Ana Georgia Cavalcanti
de
Melo
Colaborador Internacional William Breitbart Conselho Editorial Ana Georgia Cavalcanti Angela Porchat Forbes Ricardo Caponero
de
Melo
Jornalista Responsável Luciano Ricardo Rodrigues Consultor de Negócios Marcos Carli de Almeida Fotografia João Neto Edição de Arte e Produção Editorial Grecco Comunicação www.grecco.com.br Colaboraram nesta edição Carlos Roberto Montenegro Dan Waitzberg Décio Policastro Frederico Fernandes Gilberto Picosque Leo Pessini Monica Aiub Rita Dardes Wladimir Taborda Yeda Capovilla Bellia Revista Meaning Alameda Lorena, 1470 São Paulo/SP CEP: 01424-001 anageorgia@revistameaning.com.br www.revistameaning.com.br Os artigos assinados são de responsabilidade do autor, não caracterizando, necessariamente, a filosofia da revista. Direitos autorais reservados à YPÊ Editora e Publicidade Ltda. A publicação de parte ou íntegra de qualquer texto desta revista em outra mídia impressa, eletrônica ou qualquer outro meio só será permitida mediante a autorização por escrito da editora.
Nessa edição, abordamos a prevenção como foco principal dos cuidados em saúde. Vimos nesses anos, sempre apontando a necessidade urgente de medidas frente aos cuidados após o diagnóstico e tratamentos e, também incluindo os cuidados paliativos como tema central: assistência integral, contínua e extensiva aos pacientes, familiares e cuidadores. Na verdade, chamando sempre a atenção para a importância da divulgação da informação para a sociedade e de uma melhor formação dos profissionais de saúde que nessa área atuam, o nosso foco é a prevenção, mas também buscar a garantia de acesso aos meios diagnósticos e tratamentos. Por um lado, é muito gratificante saber que as áreas envolvidas na saúde estão começando a se mobilizar e a escutar o que as outras esferas têm a dizer. É importante que essas discussões, debates e fóruns multi e interdisciplinares aconteçam para que recomendações sejam sugeridas na busca de soluções criativas para acesso à prevenção, diagnóstico e tratamentos. Por outro lado, é preocupante, principalmente em relação ao câncer, o que temos como estatísticas atuais e futuras, levando à necessidade urgente de ações prioritárias nessa área, já que, atualmente , este já é encarado como um problema de saúde pública. As esferas municipais, estaduais e federais têm seus papéis muito claros, mas com dificuldades na implantação de muitos programas na prática. Há que se compreender que toda a sociedade deve se mobilizar para que o panorama da saúde se modifique ou que simplesmente ações já recomendadas, sejam realmente cumpridas em nosso país. Participamos de várias iniciativas nessa área e juntos, estamos procurando ouvir a voz do paciente, mas para tanto, esse paciente precisa ser informado e após esse momento, precisa saber quando, como e onde buscar a assistência devida. Abordamos aqui, algumas matérias sobre a importância da nutrição no câncer, bem como atividades físicas , prevenção no câncer de mama, as várias fases da evolução da mulher, prevenção do tabagismo, quedas em idosos, seu direito,ética, questionamentos sobre o que mudaríamos no mundo e vários outros assuntos de interesse de nosso público. Esperança de um mundo melhor, essa é a nossa força motriz! Cada um de nós procura a felicidade e, como um grande presente, podemos encontrá-la em um único movimento: o de amar o próximo, como a nós mesmos! Todos os dias! Boa leitura!
Ana Georgia Cavalcanti de Melo Publisher
C
i e n t í f i c o
Colaborador Científico Internacional William Breitbart Professor e Chefe do Depto de Psiquiatria e Ciências Comportamentais Memorial Sloan-Kettering Cancer Center Editor Chefe Palliative& Suppportive Care Journal Presidente da International Psycho-Oncology Society NY-EUA Oncologia André Márcio Murad Professor Adjunto Doutor Coordenador do Serviço de Oncologia Hospital das Clínicas UF-MG Antonio Carlos Buzaid Chefe do Setor de Oncologia Hospital Sírio Libanês - SP Antonio Sérgio Petrilli Prof. Adjunto Livre Docente /UNIFESP Doutor em Pediatria e Ciências Aplicadas/UNIFESP Superintendente Geral IOP/GRAAC - SP Artur Malzyner Oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein. Chefe do Serviço de Oncologia Hospital Brigadeiro - SP Jacques Tabacof Hematologista e Oncologista Clínico Centro Paulista de Oncologia - CPO Programa Einstein de Oncologia -SP Nise Hitomi Yamaguchi Oncologista e Imunologista Doutora em Pneumonologia-FMUSP Editora Chefe Revista da Soc. Bras.Cancerologia Representante do Ministro da Sáude em São Paulo Ricardo Caponero Oncologista Clínico Hospital Heliópolis, Clínica de Oncologia Médica Presidente Associação Brasileira de Cuidados Paliativos Vicente Odone Professor Associado do Departamento de Pediatria da FMUSP
Sexualidade Carmita Abdo Profa. Doutora Departamento de Psiquiatria FMUSP Doenças Crônico-Evolutivas Acary Souza Bulle de Oliveira Prof. Doutor em Neurologia UNIFESP Caio Rosenthal Infectologista do Hospital Emílio Ribas Hospital Israelita Albert Einstein - SP Saúde da Mulher Jorge Souen Prof. Doutor em Ginecologia da FMUSP Maurício Abrão Professor Livre Docente Disciplina de Ginecologia FMUSP Cirurgia Angelita Habr- Gama Profa. Emérita FMUSP Fisioterapia Yeda Capovilla Bellia Fisioterapeuta - FMUSP Especialista em Terapia da Mão - FMUSP Membro da Sociedade Americana de Terapeutas de Ombro e Cotovelo Bioética Pe. Leo Pessini Professor Doutor em Bioética, Camiliano, Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Bioética - Centro Univesitário São Camilo-SP Vice - Presidente Sociedade Brasileira de Bioética Representante Brasileiro na Diretoria da International Association of Bioethics Nutrologia Dan L. Waitzberg
Professor Associado do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Livre docente, Doutor e Mestre em Cirurgia pela FMUSP Coordenador LIM 35 ( Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia do Aparelho Digestivo (METANUTRI - LIM 35 - FMUSP) Diretor do Grupo de Nutrição Humana (GANEP)
n d i c e
o n s e l h o
3 Editorial 4 Conselho Científico 5 Índice 6 Agenda 8 Pílulas 10 A t u a l i d a d e s 12 S a ú d e M e n t a l 18 C a p a - P r e v e n ç ã o e m c â n c e r d e m a m a 22 Capa - Nutrição e prevenção de Câncer 26 Oncologia 28 Saúde da Mulher 31 É t i c a 34 Crônico-Evolutivas 36 Seu Direito
Í
C
38 O mundo pode ser mudado 42 Terapias Complementares 43 Fazendo Sentido 44 Turismo
Vania Assaly Doutora em Nutrologia FMUSP Proctologia José Marcio Neves Jorge Professor Associado da Disciplina de Coloproctologia da FMUSP
eaning Imagem: Stock.Xchng
A
A
g e n d a
FÓRUM DEBATE POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA TRATAMENTO DO CÂNCER
g e n d a
“O Forum teve o objetivo de começar a juntar todas as peças de um grande quebra-cabeças”, destaca Luciana Holtz, psicooncologista e presidente do Instituto Oncoguia. “Acreditamos na importância de ampliarmos o diálogo e aproximarmos todos os envolvidos no mundo do câncer, afinal, estamos sim falando de um problema de saúde pública e também de todos nós. Como sociedade civil, temos o compromisso e o dever de ajudar de forma organizada à busca de soluções contribuindo assim para a implementação de políticas públicas que se ajustem a realidade atual do país e atendam às necessidades dos pacientes de câncer no que se refere ao diagnóstico e tratamento. Desta forma, estaremos garantindo o direito constitucional destas pessoas à saúde, a uma melhor qualidade de vida e em muitos casos de cura”.
Filosofia Clínica é Levada ao Grande Público em Lançamento da Paulus filosofia
N A
cada ano, surgem 500 mil novos casos de câncer no Brasil “O câncer é um problema de saúde pública e de todos nós”. Com esta orientação, governo, médicos e associações de pacientes se reuniram no ultimo dia 27 de maio de 2010 para debater o acesso universal à saúde, em especial aos tratamentos de câncer no Brasil. O I Fórum de Discussão de Políticas Públicas em Oncologia foi organizado pelo Instituto Oncoguia, entidade sem fins lucrativos dedicada a defender os interesses e os direitos dos pacientes com câncer - doença que atinge hoje 500 mil novas pessoas por ano. O evento aconteceu em São Paulo,no anfiteatro do CIEE, apoiador do evento. Foram discutidas questões determinantes para o funcionamento adequado do sistema de saúde brasileiro. Especialistas como Dr. Auro del Giglio, Dr. Paulo Hoff, Dr. Claudio Noronha entre outros renomados especialistas convidados apresentaram um retrato epidemiológico do câncer no Brasil, as políticas públicas relacionadas à prevenção, diagnóstico e tratamento em vigor nas redes pública e privada; os processos utilizados na definição das prioridades para inclusão de novas terapias; as implicações orçamentárias das ações judiciais em busca de serviços de saúde e a importância da educação e da comunicação como instrumentos de fomento para uma participação ativa da comunidade no desenvolvimento e controle destas políticas.
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
a época das grandes navegações, que tiveram início no século XV, o homem deu um grande salto qualitativo na História. Graças a esse empreendimento marítimo, o Novo Mundo foi descoberto e “mares nunca dantes navegados” foram explorados e conquistados. A que se deve tamanha ambição? A resposta está no desconhecido, no novo, naquilo que o homem ainda não sabia nomear, mas que lhe proporcionaria formas de explicar o universo e geraria uma nova forma de pensamento. O lançamento da PAULUS, Como ler a filosofia clínica — Prática da autonomia do pensamento, trabalha com essa temática pelo viés da filosofia, que surgiu justamente da tentativa de encontrar explicações para diversas questões, sobretudo as de cunho existencial, que pareciam não ter respostas. Aliada ao nome “clínica”, essa filosofia é uma metodologia que aplica nos consultórios o ponto de vista filosófico para aliviar as angústias da alma. Daí a definição “filosofia clínica”. “Tendo sua origem na proposta do filósofo brasileiro Lúcio Packter, a filosofia clínica procura mostrar que muitos dos problemas encontrados em hospitais são de ordem existencial, e não médica”, relata a autora, Monica Aiub. Essa primeira ponderação, que dialoga de modo brilhante com a filosofia prática da década de 1980 — movimento da filosofia cujo objetivo era trazer a reflexão filosófica de volta aos problemas existenciais —, flerta com uma afirmação muito feliz do filósofo e psiquiatra alemão Karl Jaspers: a filosofia incomoda, pois “tira a estabilidade do mundo”. Sair da “zona de conforto” na qual muitos se instalam exige decisões seguras, personalidade e con-
fiança, atributos que a modernidade acaba minando. Com o propósito de extirpar medos e quebrar tabus, esta obra traz, em 12 capítulos, alívio para aqueles que ainda não conseguiram responder seus questionamentos e propõe debates que se estendem para toda a vida, como os que contemplam a busca pela felicidade e a efemeridade das relações humanas. Como ler a filosofia clínica — Prática da autonomia do pensamento faz parte da coleção Como ler filosofia, que se insere na proposta editorial de auxiliar todos aqueles que se interessam por essa fantástica vertente de pensamento. Suas obras facilitam a interação com o texto por disponibilizar, no final de cada capítulo, metodologias que propõem estender o pensamento teórico para a realidade de cada leitor. Monica Aiub é filósofa clínica, presidente da ANFIC — Associação Nacional de Filósofos Clínicos —, fundou e dirige o Instituto Interseção — Instituto de Filosofia Clínica de São Paulo. Autora de livros e artigos sobre Filosofia Clínica e Filosofia da Mente.
Sugestões de leitura
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
P
P
í l u l a s
Emagrecer dormindo?
Você também é daqueles que sofre pra emagrecer? O sonho de boa parte das pessoas é desenvolver um método capaz de ajudá-las a perder peso sem muito esforço. Pesquisadores afirmam que, sim, isso é possível. Isso porque o corpo humano utiliza dois tipos de combustíveis para gerar energia: gordura e carboidratos. Dependendo do treinamento realizado, é possível ‘adaptar’ o organismo a queimar gordura – bastaria para isso praticar exercícios aeróbicos de longa duração. Isso faria com que a queima de gordura passasse a ocorrer 24 horas por dia. Mas quanto exercício aeróbico é necessário para despertar esse mecanismo de queima de gordura? De acordo com uma pesquisa do American College of Sports Medicine, realizada em 2009, treinar de 250 a 300 minutos semanais é o suficiente – ou cerca de 40 minutos diariamente. Mas, antes de sair correndo igual a um louco por aí, vale o alerta: o maior índice de desistência nos programas de treinamento acontece nos primeiros três meses. Então comece devagar e vá aumentando sua carga de treino aos poucos para chegar à sua meta. Uma vez que seu organismo ‘trocar’ de combustível, ele vai queimar gordura continuamente: no cinema, no trabalho ou até dormindo. Fonte: UOL Corpo e Saúde
m e a n i n g
|
Mulheres que fumam são dez vezes mais propensas a enfartes O Instituto Nacional do Câncer (Inca) lançou uma campanha para alertar às mulheres sobre os danos à saúde causados pelo cigarro. De acordo com o órgão, o fumo, aliado a fatores específicos relacionados à vida feminina, pode aumentar em até dez vezes o risco de enfartes. O INCa afirma que as mulheres que fumam e usam pílulas anticoncepcionais têm dez vezes mais chances de sofrer ataques cardíacos e embolia pulmonar do que as não-fumantes que usam o mesmo método de controle de natalidade. O risco de doenças do sistema circulatório também aumenta em 39% e as chances de desenvolver doenças coronarianas, em 22%. O motivo é simples: o medicamento facilita a formação de coágulos e o cigarro obstrui as paredes dos vasos sanguíneos. O tabagismo é responsável por 40% das mortes de mulheres com menos de 65 anos em todo o mundo. A escolha do tema do Dia Mundial Sem Tabaco em 2010 foi uma iniciativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), que aponta a mulher como principal vítima das campanhas publicitárias dos fabricantes de cigarros.
Pessoas em melhor condição física queimam gordura mais eficientemente
í l u l a s
Alimentos orgânicos podem ser mais benéficos, diz estudo Um estudo financiado pela União Europeia apontou que alguns tipos de alimentos orgânicos trazem mais benefícios à saúde do que alimentos convencionais A pesquisa, realizada pela Newcastle University, na Inglaterra, mostrou que legumes e frutas orgânicos contêm até 40% mais antioxidantes do que seus equivalentes não-orgânicos. O leite orgânico, por exemplo, pode conter entre 50% e 80% mais antioxidantes do que o leite normal. Trigo, tomate, batata, repolho, cebola e alface orgânicos contêm entre 20 e 40% mais nutrientes do que seus equivalentes não-orgânicos, de acordo com a pesquisa.
A Região Sul possui a maior incidência de casos de câncer de próstata do Brasil, com cerca de 67 casos para cada 100 mil habitantes – o segundo tipo de câncer mais comum do País. Os dados são do Instituto Nacional do Câncer (INCa). Como boa parte dos tipos de câncer, o diagnóstico precoce é fundamental para o sucesso do tratamento. Basta visitar o urologista com periodicidade mínima anual a partir dos 45 anos e realizar os procedimentos que detectam a doença, entre eles o exame clínico (toque retal) e a monitoração de exames de sangue por meio do teste PSA. O diagnóstico precoce é fundamental para um tratamento menos nocivo, bem como evitar a proliferação do tumor por meio de metástases, que podem, inclusive, afetar os ossos e o sistema linfático. Homens que contam com histórico familiar de câncer de próstata devem procurar um especialista a partir dos 40 anos de idade.
Outra sobre emagrecimento: pessoas em melhor condição física queimam gordura de modo mais eficiente do que aquelas fora de forma. A descoberta foi divulgada por um estudo publicado na revista médica “Science Translational Medicine”. Quando uma pessoa se exercita, ocorrem muitas mudanças na química do sangue. Ao usar a energia do corpo, surge no sangue uma grande quantidade de subprodutos, substâncias químicas ligadas ao metabolismo, ou “metabólitos”. Os pesquisadores utilizaram técnicas para identificar a presença de cerca de 200 metabólitos no sangue de voluntários antes, logo em seguida e uma hora depois do exercício por dez minutos em uma esteira. Pessoas que estavam em boa forma tiveram um aumento de 98% na “queima” de gordura, açúcar e aminoácidos; as em pior forma só atingiram um aumento de 60% a 70% nesses índices. Além do emagrecimento, a descoberta poderá ajudar no desenvolvimento de terapias para doenças cardiovasculares, diabetes e até mesmo para melhorar o desempenho esportivo.
O Food and Drug Administration (FDA), órgão do governo norteamericano que regulamenta a comercialização de alimentos e medicamentos avalia a aprovação de um remédio para aumentar o desejo sexual da mulher. O chamado “Viagra feminino” – a droga flibanserina – tem obtido bons resultados em testes no tratamento mulheres com pouco desejo sexual. O comitê consultivo do FDA se reúne no próximo mês para avaliar a aprovação da droga - inicialmente desenvolvida como antidepressivo, sem muita eficácia, e que apresentou um aumento no desejo sexual feminino como efeito colateral.
Fonte: Bibliomed
Fonte: UOL Corpo e Saúde
Fonte: www.fd.gov
Fonte: Instituto Nacional do Câncer
Região Sul é recordista em casos de câncer de próstata
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
Fonte: Blog Vivendo Leve
FDA pode liberar Viagra feminino
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
A
A
t u a l i d a d e s
Frederico Leon Arrabal Fernandes Médico Assistente da Disciplina de Pneumologia Responsável pelo Laboratório de Função Pulmonar InCor - HCFMUSP / ICESP
Livre-se de todos os cigarros, isqueiros, cinzeiros e tudo que lembre fumar. Se mantenha ativo! Caminhar ou praticar um hobbie ajuda o tempo a passar e diminui a necessidade de cigarro. Beba muita água ou sucos gelados.
Como parar
de fumar?
O
s benefícios de parar de fumar são bem conhecidos. Mas o poder viciante da nicotina associado ao hábito diário e a pressão do grupo de amigos ou família tornam a decisão de largar o cigarro muito difícil. Difícil sim. Mas nunca impossível. Ninguém nasceu fumando. O tabagismo é recente na história da humanidade. Grandes personalidades e gênios da humanidade nunca fumaram. Você pode, por tanto viver sem o cigarro. Viver mais e viver bem!
1. Tomar a decisão de parar Somente você pode decidir parar de fumar. Outros podem
preocupação. Mas lembre-se você pode ficar sem fumar. E lembre-se dos benefícios que essa atitude irá trazer. É necessário
desejar ou pedir que você pare, mas a decisão é somente sua.
grande comprometimento com essa data. Marque no calendário
Existem várias idéias que reforçam essa decisão.
e sempre conte quantos dias faltam para sua chegada.
• Acreditar que você pode ficar doente se continuar
Até a chagada da data escolhida existem algumas atitudes
álcool e café ou encontrar com fumantes. E o mais importante: NÃO FUME!
3. Lidar com a abstinência do cigarro
Procure alternativas ao cigarro. Use vegetais, balas sem açúcar ou chicletes para acalmar a vontade de fumar. Atividades. Exercício e atividades ao ar livre diminuem a vontade de fumar. Procure caminhar ou realizar algum trabalho manual. Respire profundamente. Durante os períodos de fissura, respire profundamente! Tragar um pouco de ar fresco é revigorante e não faz mal. Durante as respirações lembre-se dos motivos que o levaram a parar de fumar. Evitar a abstinência não é fácil. Se você esta conseguindo,
A falta de cigarro leva a abstinência. O organismo do
merece um prêmio. Separe o dinheiro que você habitualmente gasta-
fumante esta acostumado com uma dose de nicotina diária.
ria com cigarro e, no fim da semana ou do mês se de um presente.
Isso é dependência! Sem a nicotina aparecem alguns sintomas
Lembre-se que o melhor presente você já ganhou!
físicos e psicológicos. Conhecer os sintomas é a melhor forma de se preparar e lidar com eles. O hábito de fumar esta conectado a praticamente todas as
Uma vida saudável e mais longa sem cigarro.
4. Tratamento farmacológico
suas atividades. Acordar, tomar café da manhã, assistir televisão,
Para lidar com os sintomas de abstinência, a dependência física,
ler o jornal e no trabalho. Essas atividades funcionam como um
existem medicações que são de grande valia. As modalidades de trata-
gatilho que leva a acender o cigarro. Esses gatilhos fazem mesmo
mento são a terapia de reposição de nicotina e os antidepressivos.
quem esta muito determinado a parar ter vontade de acender um cigarro. A vontade intensa de fumar é chamada fissura.
Terapia de reposição de nicotina
Nos momentos de fissura, o organismo esta pedindo por uma
A reposição de nicotina mantêm o organismo com doses cada vez
dose de nicotina. Aparecem os sintomas de abstinência. É comum
menores da droga, reduzindo os sintomas físicos de abstinência sem ex-
o fumante então racionalizar. Isto é: Inventar desculpas para si
por o fumante aos efeitos nocivos dos outros componentes do tabaco.
mesmo. Procurando motivos para fumar. • Esses pensamentos são recorrentes e devem ser evitados.
As modalidades de reposição de nicotina mais usadas são os adesivos e a goma. Adesivos fornecem uma quantidade fixa de nicotina através
Vou fumar até passar esse momento ruim.
da pele. Conforme o tratamento progride, são usadas doses de-
Sem fumar não vou resolver esse problema.
crescentes de nicotina a cada dia. O adesivo deve ser aplicado
• Hoje não é um bom dia. Amanhã eu paro
em uma área de pele limpa e sem pelos no período da manhã.
Parar abruptamente na data escolhida. Lembre-se de
É meu único vício.
Sua duração é de 24 horas.
de fumar.
parar de comprar cigarro nos dias anteriores a data e evite encontrar
A vida não tem graça sem fumar.
• Acreditar que os benefícios em longo prazo de parar de fumar
com fumantes nesse dia.
fumando.
que podem ser tomadas. Escolha uma delas como seu plano.
• Acreditar que você pode fazer uma tentativa sincera de parar
As gomas têm um início de ação rápido, liberando nicotina
Essas racionalizações podem colocar tudo a perder.
que é absorvida pela mucosa oral. Deve ser mascada até se
Diminuir o número de cigarros gradativamente.
Levar você de volta ao vício. Lembre-se: O cigarro é mais um
sentir um gosto apimentado. Então colocada entre a gengiva e a
Tomada a decisão de parar, é necessário buscar ajuda.
Estabelecer um numero máximo de cigarros por dia até a data
problema. Não um amigo. Ele não ajuda a resolver nenhuma
bochecha por um período de 2 minutos até ser mascada de novo.
Essa ajuda pode ser tratamento médico ou o apoio de um
escolhida. Reduzir um ou dois cigarros por dia ajuda o organismo
dificuldade da sua vida. Apenas obscurece os problemas, co-
Esse processo deve ser repetido durante 20 a 30 minutos. A goma
“padrinho”. O padrinho pode ser um amigo ou parente,
a tolerar melhor a falta de nicotina.
locando uma cortina de fumaça entre você e eles. Fica ainda
pode ser usada a cada hora como única terapia, ou combinada
mais difícil reconhecer e resolver situações de estresse!
com o adesivo, para ajudar nos momentos de fissura.
RETOME O CONTROLE DA SUA VIDA!
Terapia com antidepressivos
superam a ilusão de prazer imediato que o cigarro oferece.
ex-fumante ou não fumante, que possa dar apoio. Alguém a quem recorrer nos mementos mais difíceis.
2. Escolher uma data e ter um plano Uma vez tomada a decisão de parar e escolhido um padrinho ou ajuda médica, esta na hora de escolher uma data. Escolha uma data nos próximos trinta dias. É importante ter tempo para se preparar e para seguir um plano, mas o limite de um mês existe para evitar que você racionalize e mude de idéia! Esse é um passo importantíssimo e que muitas vezes trás
10
O caminho até deixar de fumar é longo e muitas vezes árduo. Mas caminhar passo a passo é garantia de sucesso. Não existe uma única maneira de parar de fumar, mas todos os caminhos passam por três etapas. Tomar a decisão de parar Escolher uma data e ter um plano Lidar com a abstinência do cigarro
Evite situações em que a vontade de fumar é grande. Evite
t u a l i d a d e s
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
Atrasar a hora do primeiro cigarro. Cada dia atrasar uma hora o primeiro cigarro da manha. Com isso o cigarro pouco a pouco vai saindo da rotina. O plano pode conter ajuda de remédios. Seja reposição de nicotina ou antidepressivos. Até a chegada da data pratique a frase: “Não, obrigado eu não fumo!” Fale alto e imagine-se recusando a oferta de cigarros. Conte para seus amigos e para sua família a data e o plano que você escolheu. Tenha certeza que todos vão apoiar sua decisão. Na data escolhida para parar de fumar:
Aqui estão algumas dicas de como manter seu compromisso de ficar sem fumar. Evite pessoas e lugares que vão tenta-lo a fumar. Com o tempo você vai lidar mais facilmente com as tentações. Mude seus hábitos. Use sucos e água gelada ao invés de álcool. Mude os caminhos que você usa no dia a dia. Faça uma caminhada ao invés de pausa para o café.
Alguns antidepressivos, como a bupropiona e a nortriptilina tem ação de reduzir os sintomas da abstinência de nicotina. Essas medicações alteram as substancias químicas no cérebro associadas a fissura. Podem ser usadas isoladamente ou em combinação com a reposição de nicotina. Seguindo esses passos, com determinação e ajuda o caminho para se livrar do vício fica mais simples e as recompensas ainda maiores!
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
11
S
a ú d e
M
T
e n t a l
e r a p i a s
C
S
o m p l e m e n t a r e s
a ú d e
M
e n t a l
William Breitbart Chefe do Serviço de Psiquiatria Vice-Chairman Departmento de Psiquiatria e CiÇencias Comportamentais Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, NYC, NY, EUA Presidente International Psycho-oncology Society Editor Chefe do Journal Supportive and Palliative Care
Preocupações existenciais
enfrentadas por seres humanos, especialmente por aqueles com doença clínica.
A
través das obras de Viktor Frankl (1959/1992), Irvin Yalom (1980) e outros, eu passei a conceitualizar, e então incorporar as preocupações existenciais universais enfrentadas por todos os seres humanos à minha abordagem terapêutica com pacientes de câncer. Como seres humanos (homo sapiens com sabedoria e capazes de pensamentos mais profundos), nós, em oposição a outros seres, tendemos a nos preocupar com três questões básicas: 1) De onde eu vim? 2) Por que estou aqui? 3) Para onde vou? (ex: o que há depois da morte)? São essas as principais questões que envolvem a experiência religiosa ou espiritual. Carl Sagan (2006) diria que a base espiritual humana é a busca pelo entendimento de nosso lugar no vasto mistério do universo. Na verdade, essa pode ser também, em sua essência, uma busca religiosa. A palavra “religião” vem do latim religio, cujas raízes são re (de novo) e ligare (ligar), essencialmente ela se refere a um esforço de reconectar ou religar. A tentativa dos seres humanos de ligar essas questões de onde viemos, por que estamos aqui, e para onde vamos, é essencialmente uma tarefa “religiosa”. A busca pela transcendência ou conexão com algo maior é também, em sua forma mais básica e simples, um esforço “religioso” (mesmo que seja teísta ou ateísta). A noção de “Simetria” também é levantada por essas três questões básicas, principalmente no sentido de que as questões “para onde vamos” (o que há depois da morte), e “de onde viemos” são, na verdade, similares, se não representam o mesmo
12
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
lugar (ou estado, ou não-estado, ou nada). Esse conceito de “Simetria” atribuído inicialmente ao filósofo grego Epicuro, sugere que nós voltamos para o mesmo lugar de onde viemos. Para os indivíduos cujo sistema religioso de fé envolve os conceitos de uma alma imortal e vida após a morte, são fornecidas respostas confortantes a essas perguntas. Para os que não acreditam nesse sistema, o conceito de Simetria pode também ser confortante e abrandar alguns dos medos associados à ideia de ser relegado ao “esquecimento” após a morte. Epicuro não acreditava na imortalidade da alma após a morte, e sim que depois da morte não havia nada; nada a temer, nada de dor, punição, ou julgamento. No entanto, ele acreditava na Simetria, que o lugar para onde vamos é similar ao de onde viemos, sugerindo que a experiência da morte se assemelha à experiência “pré-nascimento”. Para muitos dos meus pacientes que têm medo da morte (especialmente da não-existência, da obliteração), existe certo conforto no fato de a experiência pré-nascimento não ter sido angustiante ou torturante, e de a experiência pós-morte poder ser tão inofensiva quanto. Recentemente, eu investiguei a etimologia da palavra “obliteração” frequententemente usada para descrever o estado em que entramos após a morte. Ela tem diversas conotações negativas, entre elas “aniquilação” e “inexistência”. No entanto, eu encontrei uma variação mais reconfortante do sentido de “obliteração” relacionada ao conceito de esquecer e perdoar, como uma anistia. Eu passei a tentar
pensar em “obliteração” como uma situação em que todos são perdoados e nada é lembrado; um estado de paz, sem passado, sem futuro, só o presente. Yalom (1980) e outros pensadores existencialistas descreveram quatro (ver Tabela 1) preocupações existenciais humanas principais: Morte, Liberdade, Isolamento e Ausência de Significado. A Inevitabilidade da Morte é um temor constante que se encontra logo abaixo da superfície de todos os seres humanos. A ansiedade causada pela morte se manifesta quando as nossas tentativas de nos adaptarmos, ou de minimizar ou negar a morte falham, especialmente em momentos de perda, de morte de pessoas próximas, ou quando somos confrontados com limitações da vida, como quando recebemos o diagnóstico de uma doença que ameaça a vida, como o câncer. O pesadelo já foi definido como um sonho falho em que a ansiedade provocada pela morte se manifesta. A liberdade, ou o fato de termos liberdade para fazer o que bem entendermos de nossas vidas, de sermos autores de nossas próprias vidas, é outra fonte de preocupação existencial. O conceito de liberdade existencial sugere uma falta de estrutura externa, imposta ao curso e ao formato de nossas vidas (talvez com exceção de predisposições genéticas com as quais nascemos como altura, sexo, inteligência, doenças, etc.), e uma falta de base assustadora resultante da ideia de que somos os principais responsáveis por nossas vidas. Os conceitos de Responsabilidade, Arbítrio, e Culpa Existencial derivam dessa liberdade plena. A necessidade de responder pela vida ou “responsabilidade”, torna-se fundamental quando tomamos consciência de nossa liberdade existencial. É através do exercício de nosso livre arbítrio que criamos a vida que escolhemos viver, a pessoa que queremos ser. A culpa existencial surge quando somos desviados ou impedidos de exercer o arbítrio e a responsabilidade de fazer uso de nosso próprio potencial. O isolamento, ou solidão suprema é uma preocupação existencial de grande importância, principalmente quando pensamos em nossa morte. O isolamento existencial não se refere à solidão intra ou interpessoal, ou ao isolamento social, mas sim à noção de que teremos que enfrentar os principais desafios de nossa existência sozinhos (ex: nascimento, morte). Com sorte, teremos a companhia daqueles que nos amam, mas no fim, eles não poderão seguir a jornada até o final conosco. O isolamento existencial é abrandado pelos nossos esforços como seres humanos de amar e sermos amados, de nos transcendermos, de nos conectarmos com o que é superior a nós. Os seres humanos reagem à questão existencial da ausência de significado através do arbítrio, da busca, e da criação de significado, para que possam suportar a vida. Na falta de um
significado evidente atribuído à vida, nós buscamos significado em um mundo incerto. Essa busca por significado cria o nosso senso de valores; quando há um porquê, há um como. Frankl (1959/1992), cujo trabalho de grande influência na busca pelo significado será citada posteriormente, acreditava que são três os problemas existenciais inevitáveis na vida (a “tríade trágica”): sofrimento, morte, e culpa (culpa existencial que nunca acompanha nosso potencial
A Importância do Significado nos Cuidados ao Final da Vida O meu grupo de pesquisas conduziu uma série de estudos para investigar a importância do significado e do bem-estar nos cuidados da fase terminal (Breitbart, et al 2000; Nelson, et al, 2002; McClain, Rosenfeld, & Breitbart (2003). Demonstramos que o bem-estar espiritual, e, em particular, o significado, tem um papel fundamental, como agente atenuador, na proteção contra a depressão, a desesperança e o desejo de antecipar a morte em pacientes terminais de câncer. Além disso, constatamos que o desequilíbrio do bem-estar espiritual tem uma ligação significativa com o desespero no final da vida (definido por desesperança, desejo de antecipar a morte, e tendências suicidas), mesmo depois da verificação da influência da depressão. Em seguida, ao dividirmos o bem-estar espiritual em dois componentes, um medindo a noção de significado e o outro, a espiritualidade ligada à fé religiosa, constatamos que a falta de significado foi mais fortemente associada ao desespero ao final da vida (ex. a habilidade em manter uma noção de significado foi associada a níveis mais baixos de desesperança, desejo de antecipar a morte, e tendências suicidas). Essas descobertas são significativas diante do que sabemos sobre as consequências da depressão e da desesperança em pacientes com câncer. A depressão e a desesperança são associadas a taxas significativamente mais altas de suicídio, tendência suicida, desejo de antecipar a morte, e interesse no suicídio com assistência do médico (Breitbart & Rosenfeld 1999, Breitbart et al 2000). Nossas descobertas (Breitbart, et al 2000) demonstram que a desesperança é um indicador independente e sinérgico do desejo da morte, e que a influência que ela exerce no desejo de morte é tão poderosa (e independente) quanto a da depressão. Tais dados, (que demonstram que a perda de significado e a desesperança, independentemente da depressão, levam ao desespero ao final da vida) são um forte indicativo de que intervenções não-farmacológicas e psicoterapêuticas precisam ser desenvolvidas para ajudar pacientes com desesperança e que não veem mais sentido no final da vida. Foi então que começamos a desenvolver uma série de intervenções, aplicando os conceitos de Viktor Frankl sobre a importância do significado para a existência humana.
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
13
S
a ú d e
M
T
e n t a l
Psicoterapia Centrada no Significado em Pacientes com Câncer Avançado A importância do bem-estar espiritual e o papel do “significado”, principalmente na moderação da depressão, da desesperança e do desejo da morte em pacientes terminais de câncer e AIDS demonstrada pelo nosso grupo de pesquisa, nos levou a enxergar além do tratamento da depressão com antidepressivos nessa população, e a focar em novos esforços para desenvolver intervenções não-farmacológicas (psicoterapia), que possam abordar questões como desesperança, perda de significado e bem-estar espiritual em pacientes com câncer avançado no curso final da vida. Esse esforço levou a uma investigação e análise do trabalho de Viktor Frankl, e seus conceitos de logoterapia ou psicoterapia baseada no sentido (Frankl 1959, 1992). Apesar de a logoterapia de Frankl não ter sido desenvolvida para o tratamento de pacientes com câncer ou doenças graves, os seus conceitos de significado e espiritualidade têm claramente, em nossa opinião, aplicações no trabalho psicoterápico com pacientes de câncer avançado, já que muitos deles procuram orientação e ajuda para lidar com questões de como manter o sentido da vida, a esperança, entender o câncer e a morte iminente no contexto de suas vidas. A principal contribuição de Frankl para a psicologia humana foi a conscientização do componente espiritual da experiência humana, e da importância do sentido da vida (ou a vontade de encontrá-lo) como um instinto ou força propulsora da psicologia humana. Dentre os conceitos básicos de Frankl estão: 1) Sentido da vida – a vida tem um sentido e nunca deixa de tê-lo até o seu último minuto; o sentido pode sofrer alterações nesse contexto, mas nunca deixa de existir; 2) A vontade de encontrar um sentido – o desejo de encontrar um sentido para existência humana é um instinto elementar e uma motivação básica do comportamento humano; 3) Livre-arbítrio – nós temos a liberdade de encontrar um sentido para a existência e de escolher a atitude que tomaremos diante do sofrimento; 4) As três principais fontes de sentido na vida resultam da criatividade (trabalho, realizações, dedicação a causas), experiência (arte, natureza, amor, relacionamentos, papéis), e atitude – a atitude que tomamos diante do sofrimento e das questões existenciais; 5) O sentido existe dentro de um contexto histórico – portanto o legado (passado, presente e futuro) é um elemento-chave para manter, ou acentuar o sentido da vida. A nova intervenção que nós desenvolvemos e chamamos “Psicoterapia Centrada no Significado” é baseada nos conceitos descritos acima, e nos princípios da Logoterapia de Frankl, e foi concebida para ajudar pacientes com câncer avançado a manter, ou acentuar a noção de sentido, paz, e propósito em suas vidas, mesmo quando se aproximam de seu final (Greenstein e Breitbart, 2000; Breitbart 2002; Breitbart et.al., 2004). Inicialmente, nós
14
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
e r a p i a s
C
S
o m p l e m e n t a r e s
conduzimos um experimento piloto randomizado, através de uma intervenção de oito semanas (sessões semanais de 1h30) de Psicoterapia em Grupo Centrada no Significado (MGCP). As sessões foram baseadas nos conceitos de sentido elucidados por Viktor Frankl, com a utilização de um manual de tratamento altamente desenvolvido que incorpora uma mistura de didáticas, discussões e exercícios experimentais, que giram em torno de temas específicos relacionados ao sentido da vida e ao câncer avançado. Nossas descobertas (Breitbart, et al, under review a) sugerem que a Psicoterapia em Grupo Centrada no Significado é uma intervenção altamente eficiente, que aumenta a noção de significado, bem-estar espiritual e esperança, ao mesmo tempo que diminui o desespero ao final da vida. No entanto, ficou bastante evidente para nós durante o teste clínico que, que o formato grupal para intervenções psicoterápicas em pacientes com câncer avançado, próximos ao final da vida, apresenta muitos desafios e limitações. A rigidez de horário necessária para conduzir sessões grupais com pacientes não-internados nessa população resultou em altas taxas de ausência e de baixas. Nós começamos a considerar o fato de que um formato breve, flexível e individual de Psicoterapia Centrada no Significado poderia ter vantagens sobre um formato grupal em uma população de pacientes com câncer avançado. Nós então modificamos a intervenção original e desenvolvemos um formato individual (Psicoterapia Individual Centrada no Significado – IMCP), que também recebeu um manual. Nós conduzimos um grande experimento piloto controlado e randomizado de IMCP com uma amostra de 104 pacientes com câncer avançado. Esse estudo demonstrou a viabilidade, a praticidade, aplicabilidade, aceitação e eficiência da intervenção IMCP, além dos efeitos poderosos do tratamento em formato individual, que foram ainda maiores do que os demonstrados em nosso estudo de intervenção grupal (Breitbart, et al., under review, b). A Psicoterapia Individual Centrada no Significado consiste em uma intervenção de sete sessões (sessões de 1 hora por semana) que utiliza uma mistura de didáticas, discussões e exercícios experimentais, que giram em torno de temas específicos relacionados ao sentido da vida e ao câncer avançado. Os temas das sessões são idênticos àqueles da Psicoterapia em Grupo Centrada no Significado, dentre eles: Sessão 1 – Conceitos e Fontes de Significado; Sessão 2 – Câncer e Significado; Sessão 3 – Fontes Históricas de Significado: Legado (passado, presente e futuro); Sessão 4 – Fontes Atitudinais de Significado: Deparando-se com Limitações da Vida; Sessão 5 – Fontes Criativas de Significado: Criatividade e Responsabilidade; Sessão 6 – Fontes Experienciais de Significado: Conectando-se com a Vida através da Beleza, do Amor, e do Humor; Sessão 7 – Conclusão: Reflexão e Esperanças para o Futuro.
Como cada sessão foca em questões relacionadas ao sentido e ao propósito da vida diante de um câncer avançado e de um prognóstico limitado, elementos de apoio e a expressão de emoções são inevitáveis. No entanto, estes são limitados pelo foco em exercícios experimentais, didáticas e discussões relacionadas aos temas que focam no significado.
Além do Significado: Integrando Conceitos de Arbítrio, Significado e Cuidados Eu adquiri bastante conhecimento terapêutico no cuidado de pacientes com câncer em fase terminal, através do meu trabalho de desenvolvimento e condução de testes clínicos com intervenções psicoterápicas centradas no significado, estruturadas e registradas em manual. No entanto, permaneceu comigo uma noção de que ainda havia muito mais a ser estudado, e muito conhecimento a ser adquirido para que fosse possível trabalhar de maneira mais efetiva com pacientes que lidam com a morte. Ainda havia muito a ser aprendido, e mais transformações eram necessárias em mim, e em minha abordagem com os pacientes. Então, comecei a voltar a minha atenção aos trabalhos de filósofos existencialistas, e a uma série de textos sagrados, que pudessem me levar mais a fundo nessa jornada. Nós que trabalhamos com medicina paliativa muitas vezes ignoramos os ensinamentos dos grandes livros e textos sagrados de nossas civilizações, o que nos prejudica muito. A sabedoria está em obras diversas como a Morte de Ivan Illich de Tolstói, O Livro de Jó, ou Ser e Tempo de Martin Heidegger. São cada vez mais comuns nas áreas de cuidados paliativos e psico-oncologia, programas de treinamento que apresentam as obras aos estudantes, como uma forma de disseminar conhecimento sobre como cuidar de seres humanos. Ler e discutir A Morte de Ivan Illich tornou-se uma maneira bastante popular de passar ensinamentos a nossos colegas mais jovens sobre o processo da morte e o potencial de redenção e crescimento que temos, mesmo nos últimos momentos antes da morte. O Livro de Jó, no entanto, não é associado a uma fonte de ensinamentos que podem ser aplicados a intervenções clínicas na medicina paliativa por muitos de nós da área de cuidados paliativos. Acredito que isso aconteça por diversas razões: a) O livro de Jó é visto como um texto puramente religioso com poucas aplicações práticas; b) Talvez os ensinamentos do Livro de Jó sejam misteriosos, não muito claros, e sujeitos a interpretações diferentes, por muitas vezes divergentes; c) Apesar de não ser uma razão determinante, acredito também que muitos de nós não teve o cuidado de realmente ler o Livro de Jó, só sabemos o que ouvimos de outros sobre os ensinamentos que ele nos traz. A verdade é que nos últimos 23 anos venho trabalhando no cuidado de pacientes terminais, e já fiz centenas, senão milhares, de referências a Jó em
a ú d e
M
e n t a l
discussões sobre o sofrimento, e ainda assim, eu nunca realmente tinha me permitido tirar um tempo para ler o texto, eu mesmo, de maneira completa, com a mente aberta. Ler o Livro de Jó não é uma tarefa fácil. Existem muitas versões, com diversos tamanhos e narrativas. Também não faltam controvérsias sobre qual é a versão exata, e comentários sobre as interpretações dos ensinamentos desse poema épico. Grandes pensadores, de Spinoza a Carl Jung, reagiram à história de Jó com diferentes pensamentos, compreensões e conclusões, no que diz respeito ao que ela revela sobre o relacionamento entre homem e Deus. A maioria dos debates focou na questão da coexistência de Deus com o diabo; e em se Deus é um Deus “pessoal”, envolvido nas questões dos seres humanos, que pune quem peca, recompensa aqueles que merecem, atende às preces, ou se é um Deus “natural” incognoscível, misterioso, cujas ações não podem ser compreendidas pelos seres humanos. Essas são questões fundamentalmente religiosas, mas que, no entanto, aparecem no cenário dos cuidados paliativos com bastante freqüência. “Por que isso aconteceu comigo?”, “O que eu fiz para merecer isso?”. Nós ouvimos essas perguntas com frequência, como clínicos de cuidados paliativos. Apesar de essas serem questões em sua maioria religiosas, relacionadas à relação dos indivíduos com Deus, elas são também, essencialmente, preocupações existenciais. Frequentemente, os pacientes buscam em nós clínicos um conforto, consolo, e até mesmo respostas. Recentemente, eu me propus a ler o Livro de Jó. Optei por lê-lo traduzido, com introdução de Stephen Mitchell (1992). Stephen Mitchel é um poeta e tradutor de textos sagrados nascido no Brooklin, cujo trabalho eu já conhecia e apreciava. Gosto, em particular, de suas traduções da poesia de Rainer Maria Rilke, e dos Salmos. Mitchel oferece não apenas uma tradução moderna e acessível, mas também um contexto histórico e referências que enriquecem a experiência da leitura. Definitivamente, esse foi o meu caso durante a leitura de sua tradução do Livro de Jó. Eu aprendi, por exemplo, que nós não sabemos realmente quem é o autor do Livro de Jó, quando e como ele/ela escreveu a obra, e nem para que público. Um dos maiores paradoxos dessa grande obra de arte judaica é que o herói é Gentio, como provavelmente o autor também foi. Algumas autoridades estimam que esse poema épico, que trata do problema do sofrimento de inocentes, tenha sido escrito entre os séculos XVII e X a.C. Apesar da incerteza sobre a origem judaica do autor e do herói de seu poema, a história de Jó é o grande tema judaico da era pós-Holocausto, o tema da vítima inocente. Alguns desses elementos com certeza me chamaram atenção, eu, como filho de sobreviventes do Holocausto. De fato, há uma grande quantidade de temas existenciais
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
15
S
a ú d e
M
S
e n t a l
e espirituais com os quais podemos nos envolver ao ler o Livro de Jó. Eu, como clínico que cuida daqueles que sofrem durante o processo de morte, foquei realmente em dois temas, devido à sua relevância para o meu trabalho. Primeiramente, me chamou a atenção a conexão entre a experiência de sofrimento de Jó e a experiência de muitos pacientes que atendemos. Quando Jó é acometido pela doença em sua pele e ossos, a descrição da sua experiência me lembrou a experiência de um paciente que eu atendi com leucemia, que tinha recebido um transplante de medula óssea, e que sofria da doença do enxerto contra hospedeiro. Jó sentiu a sua medula óssea explodir de dor, sua pele estava rachada e flácida, e ele gritava de desespero, até mesmo implorando para que a morte acabasse com o seu sofrimento. “Foi exatamente por isso que eu passei, eu rezava para morrer, para que o meu sofrimento pudesse acabar” foi o que o meu paciente contou, quando discutíamos a experiência de Jó. Eu fiquei impressionado com a precisão da sua descrição de sofrimento. Em seguida, eu fiquei admirado com a repetição da questão de ser “Reto” e “Íntegro”, que me chamou a atenção como um conceito clínico e psicoterápico no atendimento àqueles que sofrem frente à morte. Os termos “Reto” e “Íntegro” aparecem logo no Prólogo do poema, quando Deus diz para o acusador (Satanás). “Você viu o meu servo Jó? Não há ninguém como ele na Terra: um homem reto e íntegro, que teme a Deus e evita o mal.” Nesse momento, os termos “reto” e “íntegro” são usados provavelmente para descrever Jó como um homem que se desvia do mal, um homem íntegro, bom e devoto, que teme a Deus. No decorrer da história de Jó, os conceitos de “Retidão” e “Integridade” aparecem diversas vezes, com significado e sabedoria ainda mais ricos e mais fortes. O próximo encontro com os conceitos de “Retidão” e “Integridade” vem logo depois que Jó fica sabendo que perdeu toda a sua riqueza material, e que todos os seus filhos foram mortos. Jó se levanta, rasga a sua túnica, raspa a cabeça, e se deita com o rosto na poeira, jogando terra em sua cabeça. E então ele diz: “Nu saí do ventre de minha mãe, e nu voltarei pra lá. O Senhor me deu, e o Senhor me tirou; bendito seja o nome do Senhor.” Algumas pessoas podem focar na aceitação da palavra de Deus por Jó, no entanto, o que me chamou a atenção foram os atos iniciais de Jó ao 1) Jogar-se ao chão, vindo de sua “retidão”, literalmente se entregando à poeira de onde ele veio (o húmus da humanidade); 2) Rasgar suas roupas, um simbolismo da desintegração ou ruptura da “integridade”, que era a sua identidade antes de perder tudo que ditava o sentido de sua vida. Nesse momento, as ações de Jó também podem ser relacionadas ao ato judaico Teshuva, ou arrependimento por um pecado cometido contra Deus. É interessante observar, que o termo Teshuva também significa “retornar”, o que sugere que
16
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
as ações de Jó tinham o objetivo de levar Deus a restaurar o seu estado de “Retidão” e “Integridade” através do arrependimento. De fato, no final do Livro de Jó, Deus devolve toda a riqueza de Jó, e o dá um número ainda maior de filhos e netos, restaurando a sua identidade e seu relacionamento com o transcendente. Ele retoma o seu estado de “Retidão” e “Integridade” Eu fiquei muito interessado em saber como esses conceitos de “Retidão” e “Integridade” poderiam beneficiar o meu trabalho clínico com pacientes terminais. Eu vejo o conceito ser “Reto” e “Íntegro” como uma manifestação de “Arbítrio”. Quando alguém é “Reto”, é capaz de exercer seu arbítrio no mundo. Exercer o arbítrio, ou o livre-arbítrio, no caso de um paciente com doença terminal pode significar ter a “coragem de continuar a viver frente à morte”. Ter a coragem de ainda ter desejos e vontades na vida, apesar de sua finitude. Reavaliar as prioridades diante de um prognóstico limitado e decidir focar em certas prioridades (ex: passar mais tempo com a família, não fazer quimioterapia paliativa e focar na dor e no controle de sintomas, fazer um testamento, ou continuar trabalhando até quando for possível). Quando os pacientes são forçados a ficar na cama por fadiga, ou dor incontrolável (Não Retos), sendo destituídos da capacidade de exercer seu livre-arbítrio, há um sofrimento evidente. O conceito de permanecer “Reto” pelo maior tempo possível frente ao processo terminal é, na minha opinião, um conceito importante em termos de planejamento de tratamento e objetivo no cuidado ao outro. O conceito de “Integridade” passou a ser para mim, a habilidade de um paciente de enfrentar uma doença com risco de morte “mantendo-se conectado a tudo que tem significado, valor e propósito em sua vida”, até mesmo durante o processo terminal. Manter-se conectado aos entes queridos e resistir ao “isolamento” que vem daqueles que querem “proteger” uns aos outros de medos e preocupações; relacionar-se e dividir esses medos e preocupações; e estar mais próximo é vital nesse momento. Ser “Íntegro” representa um esforço de “preservar a identidade” pelo maior tempo possível, apesar das perdas reais ou futuras, e da destruição causada pela doença progressiva. Recentemente, durante o tratamento de um senhor que estava lutando contra um mieloma avançado, nós discutimos os conceitos de “Retidão” e “Integridade” envolvidos nesse processo terminal, em nossas sessões de psicoterapia. Os conceitos chamaram bastante a sua atenção, e eu senti que eles estavam totalmente ligados aos seus anseios de como encontrar uma “maneira de viver, enquanto estava morrendo.” “Retidão” e “Integridade” pareceram ser conceitos úteis, apesar de eu sentir que algo estava faltando. Se eu usasse os conceitos de “Retidão” e “Integridade” como duas pernas de um banco, o banco pareceria um pouco instável,
não-finalizado. Parecia que faltava mais um princípio básico, mais uma perna do banco para torná-lo estável, completo, realmente útil. Foi quando eu descobri o “Cuidado”.
Ser cuidadoso Martin Heidegger foi um filósofo existencialista alemão, um tanto polêmico, cuja obra mais conhecida é intitulada Ser e Tempo (Heidegger e Stambaugh, 1996). Heidegger se aprofundou em nosso conhecimento sobre a natureza (ou experiência) de “ser”, a “intencionalidade de ser” (o valor da consciência), a temporalidade de nossa existência, e outras questões existenciais importantes como “responsabilidade” e “angústia”. Heidegger também descreve o que ele chama de “Estrutura do Cuidado” do “ser” (Dasein), e “ser no mundo” é essencialmente “Cuidado”. Os conceitos de “Cuidado” e “estrutura de cuidado” de Heidegger são reconhecidamente complexos. No entanto, eu passei a entender o “Cuidado” como um conceito duplo. Por um lado, “Cuidado” se refere ao nosso engajamento no mundo como seres ativos com as pessoas, causas e ideais com que nos importamos. Por outro lado,
a ú d e
M
e n t a l
“Cuidado” também se refere ao “autocuidado”. O autocuidado é a compreensão de que precisamos nos preservar (tomando conta de nós mesmos), para que possamos ser capazes de cuidar dos outros e do mundo. Em nosso Grupo de Psicoterapia Centrada no Significado, nós conduzimos um exercício experimental sobre “Responsabilidade” em uma de nossas sessões. Durante o exercício pedimos que os membros do grupo respondam à seguinte questão de estímulo “Você é responsável por quem e pelo que?”. Como co-facilitador dessas sessões, me surpreendi diversas vezes com as respostas dos pacientes terminais de câncer participantes do grupo. Na maioria das vezes, os pacientes respondem “Primeiramente, sou responsável por mim mesmo. Se eu não cuidar de mim, não posso ser responsável por mais nada nem ninguém.” Por diversas vezes, eu fui surpreendido por essa resposta, já que a minha lista de respostas nunca incluiu “cuidar de mim mesmo”. Eu aprendi que não se tratava de egoísmo, mas sim de uma importante lição de que vida que aqueles com boa saúde frequentemente ignoram, mas que doenças graves, como o câncer, nos relembram de maneira intensa.
Referências bibliográficas Breitbart, W., Rosenfeld, B., e Passik, S. Interest in physician assisted suicide among ambulatory HIV infected patients, Am J Psychiatry , 1996, 153:238-242. Breitbart, W., Chochinov, H. M., Passik, S. D. Psychiatric aspects of palliative care. Em: Doyle, D., Hanks, G. W., MacDonald, N., editors. Oxford Textbook of Palliative Medicine, 2a Edição. Nova York: Oxford University Press, 1998; p216-247. Breitbart W, Rosenfeld B. Physician-assisted suicide: the influence of psychosocial issues. Cancer Control , 1999, 6:146-161. Breitbart W, Rosenfeld B, Pessin H, Kaim, M, Funesti Esch J, Galietta M, Nelson CJ, Brescia R. Depression, hopelessness, and desire for hastened death in terminally ill cancer patients. JAMA . 2000, 284:2907-11 Breitbart W. Spirituality and meaning in supportive care: spirituality- and meaning centered group psychotherapy interventions in advanced cancer. Support Care Cancer. Maio de 2002; 10(4):272-80. Breitbart W, Gibson C, Poppito SR, Berg A. Psychotherapeutic interventions at the end of life: a focus on meaning and spirituality. Can J Psychiatry. Junho de 2004;49(6):366-72. Breitbart W, Rosenfeld B, Gibson C, et al. Meaning-Centered Group Psychotherapy for patients with advanced cancer: A pilot randomized controlled trial. (Under review a). Breitbart W, Rosenfeld B, Poppito S, et al. A pilot randomized trial of Individual Meaning-Centered Psychotherapy versus Massage: Enhancing spiritual well-being in advanced cancer patients. (Under review b). Connor, S. R., Pyenson, B., Fitch, K., Spence, C., & Iwasaki, K. Comparing Hospice and Nonhospice Patient Survival Among Patients Who Die Within a Three-Year Window. Journal of Pain and Symptom Management, 2007, 33, 238-46. Epicurus. The Epicurus Reader: Selected Writings and Testimonia, traduzido e editado por B. Inwood e L.P. Gerson, (1994), Hackett Publishing Company, Inc. Frankl, V. F. (1959). Man’s search for meaning, 4a edição. NY, NY: Simon & Schuster, Inc. Frankl, V.F. (1969). The will to meaning, second edition. NY, NY: Penguin Books. Greenstein M & Breitbart W. Cancer and the experience of meaning: a group psychotherapy program for people with cancer, American Journal of Psychotherapy 2000 Fall;54(4):486-500. Griffiths C, Norton L, Wagstaff G, Brunas-Wagstaff J. Existential concerns in late stage cancer. Eur J Oncol Nurs. Dez 2002;6(4):243-6. Heidegger, M., and Stambaugh, J (1996). Being and Time: A Translation of Sein and Zeit (SUNY Series in Contemporary Continental Philosophy), NY. NY: State University of New York Press. McClain, C., Rosenfeld, B., & Breitbart, W. The influence of spirituality on end-of-life despair among terminally ill cancer patients. Lancet, 2003, 361, 1603-7. Mitchell,S., The Book of Job, 1992, HarperCollins Publishers,Inc. New York. Nelson, C., Rosenfeld, B., Breitbart, W., and Galietta, M. Spirituality, depression and religion in the terminally ill. Psychosomatics, 2002. 43:213-220. Sagan C (2006) The God Hypothesis, in The Varieties of Scientific Experience: A Personal view of the search for God, edited by A. Druyan, Penguin Press, Nova York, p.147-168. Strang P, Strang S, Hultborn R, Arner S. Existential pain--an entity, a provocation, or a challenge? J Pain Symptom Manage. Mar 2004;27(3):241-50. Strang, P. Cancer Pain: A provoker of emotional, social and existential distress. Acta Oncologica. 1998; 37 (7/8), p. 641-644. Strang, P. Existential consequences of unrelieved cancer pain. Palliat Med. Julho de 1997;11(4):299-305. Yalom, I. D. (1980). Existential Psychotherapy. New York: Basic Books.
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
17
C
C
a p a
Rita Dardes
Doutora em Ginecologia pela Northwesten University Medical School/ UNIFESP Responsável pelo Ambulatório de Alto Risco para Câncer de Mama no Climatério- UNIFESP Diretora Médica do Instituto Avon.
Como reduzir o risco
de câncer de mama?
O
câncer de mama afeta a mulher em 99% dos casos e seu pico de incidência ocorre entre 50 e 60 anos. Basta ser mulher e envelhecer que podemos ser alvo deste vilão. Temos que ter em mente que não existe uma providência mágica que podemos aniquilar com o risco do aparecimento do câncer de mama, mas a combinação de várias medidas pode fazer uma diferença!! Nos últimos anos o cenário mundial do câncer de mama tem demonstrado um incremento na detecção precoce e avanço no tratamento do câncer de mama. Mais tumores são diagnosticados em estadios iniciais, o aumento da sua
18
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
incidência está diminuindo e ainda a mortalidade por câncer de mama tem caído em países desenvolvidos (ACS, 2010). No Brasil, felizmente a porcentagem de detecção precoce está aumentando na última década, no entanto, a mortalidade ainda não apresenta uma curva descendente (INCA, 2010). Mas o câncer de mama ainda é o câncer feminino mais prevalente no mundo e é o número um em mortalidade no nosso país. O câncer de mama é muito familiar em nosso meio: uma vizinha, uma tia, uma amiga ou mesmo uma de nós já teve câncer de mama. É um câncer popular entre as mulheres e também de grande impacto por ser uma doença que afeta a nossa sexualidade. Não existe uma explicação única para o aparecimento desta doença em uma mulher e o não aparecimento em outra. A não ser quando a mulher tem história familiar importante ou mutação de certos genes, justificando assim um alto risco para o desenvolvimento da doença. Mas estes fatores não estão presentes na maioria dos casos de câncer de mama. Além do mais, nós não podemos fazer muito diante destes fatores associados ao aumento do risco, ou em relação a outros, incluindo a idade avançada (o risco de desenvolver a doença em 10 anos passa de 1 em 48 na idade de 40 anos para 1 em 26 na idade de 60 anos), menarca antes dos 12 anos, não ter tido filho ou ter o primeiro filho após os 30 anos e menopausa após os 55 anos. Os pesquisadores têm encontrado uma associação entre os fatores nutricionais e o risco para câncer de mama. Embora nem todas as associações têm demonstrado estratégias de redução de risco reduzido comprovado em estudos. Por exemplo,
a Sociedade Americana de Cancerologia (ACS) acredita que não existe evidência científica suficiente para recomendar, por exemplo, o aumento de ingesta de soja, vitamina E, vitamina C ou selênio. Os pesquisadores encontraram pequena evidência de que o consumo rico em gordura aumenta o risco para câncer de mama e de que o aumento do consumo de frutas e vegetais são protetores. Portanto, tais achados são observações porém não um consenso na literatura. Mas há evidências de que podemos reduzir o risco por meio de certas medidas de estilo de vida saudável, tais como o aumento de exercícios físicos, entre outros, e vários estudos clínicos sugerem que certas estratégias medicamentosas são promissoras e efetivas. Vamos então sumarizar em 7 conselhos que podemos seguir para reduzir o risco para câncer de mama. Estamos excluindo a mastectomia profilática que se enquadra à mulheres de extremo risco para desenvolver a doença (mutação gênica...).
1. Ganho de peso Muitos estudos mostram que o ganho de peso é um fator de risco para câncer de mama na mulher da pós-menopausa. Um estudo da ACS demonstrou que mulheres que ganharam
a p a
9 a 13,5 kg durante a fase adulta tiveram o risco aumentado em 40% de desenvolver câncer de mama na pós-menopausa, quando comparadas às mulheres que ganharam não mais do que 2,5kg. A gordura periférica é o grande produtor de estrogênio por conversão, permitindo que o seu nível circulante permaneça em alta mesmo após a falência ovariana que ocorre na menopausa. Sabemos que o estrogênio está associado à promoção da carcinogênese mamária. Um estudo das enfermeiras americanas,”Nurses’ Health Study (NHS)”, publicado em 2006 concluiu que o ganho de peso a partir dos 18 anos ou após a menopausa aumenta o risco de câncer de mama da pós-menopausa - exceto naquelas que estão usando terapia hormonal (TH). Nas mulheres usuárias de TH, a fonte externa de hormônio é muito mais alta do aquela produzida pela gordura, então a produção hormonal periférica não contribuí para o aumento do risco. Os pesquisadores deste estudo também encontraram que mulheres que perderam 10kg ou mais depois da menopausa diminuíram o risco de desenvolver a doença. O que fazer? Faça o máximo para evitar o ganho de peso na fase adulta, e tente entrar na menopausa com um peso saudável. Se você estiver em sobrepeso, tente eliminar peso!!
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
19
C
C
a p a
3. Álcool Mulheres que consomem 2 drinks por dia, apresentam um risco aumentado de desenvolver câncer de mama. Não sabemos exatamente o mecanismo que o álcool pode elevar o risco. Acredita-se que o álcool possa elevar os níveis séricos de estrogênio, um importante fator no desenvolvimento do câncer de mama. Pode estar ligado portanto com a carcinogênese ou com a inibição dos mecanismos de defesa do corpo. Muitos estudos, incluindo o estudo das enfermeiras americanas, sugerem que o aumento do risco de câncer de mama associado ao álcool ocorre principalmente em mulheres que não adquirem adequada quantidade de vitamina B e ácido fólico. O que fazer? Mulheres em geral deveriam limitar o uso de 1 drink por dia. E as mulheres que tiveram câncer de mama ou que apresentam risco elevado para a doença deveriam evitar o consumo de álcool. Se você bebe diariamente, certifique-se que tenha um suplemento de ácido fólico suficiente (pelo menos 400 mcg por dia), ele pode ser suplementado por meio de multivitaminas ou em forma de folato, em comidas, como folhas verdes, ervilhas, feijão-seco ou cereais enriquecidos com produtos de grão integrais.
2. Nível de atividade Muitos estudos demonstraram que mulheres que praticam atividade física regular apresentam risco reduzido de desenvolver câncer de mama comparadas às mulheres sedentárias. Você pode reduzir o risco entre 20%-30% se mantiver 3 a 4 horas por semana de exercícios físicos moderados (caminhada, yoga) para intensos (corrida, aeróbicos). Os exercícios também demonstraram redução de recorrência da doença.em mulheres tratadas por câncer de mama . O exercício regular atua de diversas formas. Ele pode ajudar a mulher a manter o seu peso ideal; pode influenciar os hormônios circulantes e reduzir a sua exposição a eles, em especial no tecido mamário. Pode influenciar os níveis de insulina séricos, fatores insulinêmicos e seus receptores, que são fatores que estimulam o crescimento de células de câncer de mama. O que fazer? Para reduzir o risco para câncer de mama a ACS recomenda atividade física moderada para vigorosa de 40-60 minutos pelo menos 5 vezes por semana. Isto seria um passo a frente da recomendação para reduzir doenças crônicas adquiridas na fase adulta, tais como, hipertensão e diabetes, que seria 30 minutos de atividade moderada diariamente. Os exercícios realizados em programas de academia, ou grupo de caminhada/corrida é uma maneira assertiva de atingir o objetivo desejado.
20
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
4. Vitamina D Existem evidências que a vitamina D ajuda a proteger contra diversos cânceres, incluindo o câncer de mama. Um estudo demonstrou que mulheres que tinham dieta rica em vitamina D, ou apresentavam níveis séricos apropriados desde cedo apresentavam risco reduzido em 50% para câncer de mama. Para atingir níveis bons de vitamina D, toda a mulher de 50-70 anos deveria suplementar com 400UI por dia. O que fazer? Os especialistas estão recomendando já iniciar 800-1000UI de vitamina D por dia em adultos, particularmente naqueles que não estão produzindo vitamina D suficiente da luz do sol, para proteger os ossos e particularmente para a redução do risco de câncer. As fontes naturais de vitamina D são limitadas, e não são todas as pessoas que podem ficar expostas a luz do sol para a produção de vitamina D na pele. A melhor maneira é suplementar com vitamina D por meio de multivitaminas e pode adquirir uma extra de 400UI de vitamina D em suplemento com cálcio.
5. Riscos medicamentosos O tempo de exposição ao estrogênio é um fator de risco para câncer de mama, portanto existe uma preocupação em mulheres usuárias de anticoncepcional oral (ACO) e TH. O estudo das enfermeiras demonstrou que mulheres
a p a
“
Nos últimos anos, o cenário mundial do câncer de mama tem demonstrado um incremento na detecção precoce e avanços nos tratamentos usuárias de pílulas por 10 anos tiveram discreto aumento do risco para câncer de mama, no entanto, este risco declina com a parada de 10 anos da pílula. O estudo WHI (Women’s Health Initiative ) demonstrou que longo período de uso de Terapia Hormonal combinada aumenta discretamente o risco para câncer de mama, embora esse risco reduza novamente, 5 anos depois da parada de Terapia Hormonal. A terapia com estrogênio isolado não demostrou aumento do risco. O que fazer? ACO e TH apresentam riscos e benefícios. Devemos discutir com nosso ginecologista se podemos ou não utilizá-los e por quanto tempo. O médico deve levar em consideração se a mulher é de risco muito elevado, que neste caso, deveria evitar a utilização de medicamento hormonais.
6. Densidade Mámaria As mamas são denominadas densas se elas apresentam menos tecido gorduroso e mais tecido glandular e conectivo. Esse achado é mais comum em mulheres jovens, mas eles podem se vistos em mulheres mais velhas, especialmente em mulheres usuárias de TH combinada (E + P). Além disto, a densidade mamária pode ser um traço genético. Por razões não totalmente esclarecidas, mulheres com mamas densas apresentam um risco aumentado para câncer de mama. De fato, a densidade mamária perde em risco apenas para o fator idade e o fator mutação de BRCA1 e BRCA2. Uma possibilidade seria que o tecido denso contem mais células e conseqüentemente é mais influenciado pelo fatores de crescimento que fazem as células se dividirem. O que fazer? Infelizmente tumores benignos ou malignos se tornam difíceis de serem vistos na mamografia. Isto porque os tumores e a densidade da mama aparecem brancos na
”
mamografia e o tecido gorduroso aparece escuro e propicia o contraste dos tumores. A mamografia digital tem demonstrado uma melhora na detecção em mulheres com mamas densas. No entanto é essencial que toda mulher que apresente mamas densas faça complementação de exame com ultrassom de mamas. A ressonância magnética das mamas tem se mostrado um grande aliado na detecção do câncer de mama de mulheres de alto risco e em especial em mulheres com mamas densas.
7. Quimioprevenção Em 1998,o NSAB-P1 estudo, randomizado, prospectivo para prevenção com mais de 13.000 mulheres de alto risco para câncer de mama demonstrou que as usuárias de tamoxifeno (Novaldex) 20 mg dia por 5 anos apresentaram risco reduzido de desenvolver câncer de mama comparado ao placebo em 49%. Um outro estudo preventivo para câncer de mama o “Study of Tamoxifen and Raloxifene (STAR)”, publicado em 2006 demonstrou que o raloxifeno (Evista), já aprovado para prevenção da osteoporose, atua tão bem quanto o tamoxifeno para prevenir o câncer de mama invasivo. Os inibidores da aromatase que são aprovados para o tratamento de câncer de mama estão em estudo para a prevenção. O que fazer? Se você for uma mulher de alto risco para câncer de mama devido história familiar, idade, mutação genética ou outros fatores, fale com o seu médico sobre a possibilidade da utilização de tamoxifeno ou raloxifeno. Tanto as mulheres da pré, quanto da pós-menopausa podem utilizar o tamoxifeno, mas somente as mulheres da pós-menopausa podem utilizar o raloxifeno. Ambas as drogas podem promover sérios efeitos adversos, como por exemplo, o tamoxifeno pode aumentar o risco para câncer de endométrio, portanto você e o seu médico devem pesar os riscos e os benéfícios cuidadosamente.
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
21
C
C
a p a
Dan L. Waitzberg
Professor Associado do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Livre docente, Doutor e Mestre em Cirurgia pela FMUSP Coordenador LIM 35 ( Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia do Aparelho Digestivo (METANUTRI - LIM 35 - FMUSP). Diretor do Grupo de Nutrição Humana (GANEP)
Letícia De Nardi Campos
Nutricionista, Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Pesquisadora do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia (METANUTRI - LIM 35 - FMUSP). Especialista em Nutrição Clínica pelo Grupo de Nutrição Humana (GANEP).
saúde no mundo. Ele fornece uma base sólida de evidências para consulta e uso por parte de gestores, profissionais de saúde ou indivíduos informados e interessados. Recomendações WCRF/AICR, 2007 A tabela a seguir apresenta as metas e recomendações feitas pelo Painel do Fundo Mundial para Pesquisa em Câncer, junto
a p a
com o Instituto Americano para Pesquisa em Câncer. As metas de saúde pública são para as populações e, dessa forma, para profissionais de saúde. As recomendações são para pessoas, como comunidades, famílias e indivíduos. O Painel também enfatiza a importância de não fumar e de evitar a exposição à fumaça do tabaco.
Prevenção de Câncer: Alimentos, Nutrição e Atividade física
O
câncer apesar de ser uma doença muito grave, é uma doença de caráter preventivo, ou seja, ela pode e deve ser prevenida. O câncer é uma doença de genes vulneráveis à mutação, especialmente durante o longo período da vida humana. No entanto, as evidências mostram que apenas uma pequena parcela dos cânceres é herdada. Os fatores ambientais (externos) são mais importantes e podem ser modificados. Estimativas apontam que cerca de 30 a 40% dos casos de câncer poderiam ser prevenidos - porcentagem esta que representa em torno de 3 a 4 milhões de pessoas no mundo (1). Desta porcentagem passível de prevenção, temos que de acordo com a Sociedade Americana de Câncer, todos os cânceres causados pelo fumo de cigarros e consumo excessivo de álcool poderiam ser completamente prevenidos (2). Um terço das mortes por câncer são relacionadas à obesidade, sobrepeso, atividade física e nutrição e portanto a prevenção também se faz possível. Em adição, os cânceres relacionados a agentes infecciosos, como o papiloma vírus humano (HPV) por exemplo, também poderiam ser prevenidos através de mudanças comportamentais, vacinas ou tratamento adequado. Por fim, muitos casos de câncer de pele poderiam ser prevenidos com adequada pro-
teção solar e não utilizaçaõ de bronzeamento artificial (2). Em 2007 foi realizado pelo Fundo Mundial para Pesquisa em Câncer, junto com o Instituto Americano para Pesquisa em Câncer (the World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research - WCRF/AICR), relatório sobre alimentos, nutrição, atividade física, composição corporal e risco para câncer (3). O objetivo do Relatório foi examinar toda a pesquisa pertinente, usando métodos meticulosos, para gerar uma série de recomendações sobre alimentos, nutrição e atividade física, que sejam voltadas para a redução do risco de câncer e sejam adequadas a todas as sociedades. O Relatório foi realizado em diversos estágios. Primeiro, uma força-tarefa de especialistas desenvolveu um método para revisão sistemática da volumosa literatura científica. Depois, equipes de pesquisa coletaram e examinaram a literatura baseada nessa metodologia. E, por último, um Painel de especialistas avaliou e julgou as evidências e elaboraram recomendações. Os resultados estão publicados no Relatório completo, (3) e versão resumida, traduzida para o português pelo Instituto Nacional de Câncer - INCA (4). O Relatório constitui guia para futuras pesquisas científicas, programas de educação em prevenção de câncer e políticas de
Tabela - Metas e recomendações feitas pelo Painel do Fundo Mundial para Pesquisa em Câncer, junto com o Instituto Americano para Pesquisa em Câncer (the World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research - WCRF/AICR), 2007. (3,4) Recomendação 1
Metas de Saúde Pública
Recomendações pessoais
Observações
A mediana do índice de massa
Assegure-se de que o peso corporal
1 “Limites normais” se referem às varia-
GORDURA CORPORAL
corporal (IMC) do adulto deve
durante o crescimento na infância e na
ções apropriadas emitidas pelos governos
Seja o mais magro quanto
estar entre 21 e 23, dependendo
adolescência projete3 na direção dos
ou pela Organização Mundial de Saúde
possível dentro dos limites
dos limites normais para diferen-
limites inferiores de normalidade do
(OMS). 2 Para minimizar a proporção
normais1 de peso corporal.
tes populações2.
IMC aos 21 anos de idade.
da população que se encontra fora dos
A proporção da população que
Mantenha o peso corporal dentro dos
limites normais. 3 “Projete” neste contexto
tem sobrepeso, ou é obesa, não
limites normais a partir dos 21 anos
significa seguir um padrão de crescimento
deve ultrapassar o nível atual ou
de idade.
(peso e altura) ao longo da infância que
ser preferencialmente mais baixo
Evite o ganho de peso e aumentos na
leve a um IMC, quando adulto, nos
em 10 anos.
circunferência da cintura ao longo da
limites inferiores de normalidade. Tais
fase adulta.
padrões de crescimento são especificados na Força-Tarefa Internacional de Obesidade e nos gráficos de referência de crescimento da OMS.
2
ATIVIDADE FÍSICA
A proporção da população que é
Seja moderadamente ativo fisicamente,
1 O termo “sedentário” se refere a um
Mantenha-se fisicamente
sedentária1 deve ser reduzida à
o equivalente a uma caminhada acelera-
NAF de 1,4 ou menos. O NAF é uma
ativo como parte da rotina
metade a cada 10 anos.
da2 por, no mínimo, 30 minutos
forma de representar a intensidade
diária
O Nível de Atividade Física
todos os dias.
média de atividade física diária. O NAF
(NAF)1 médio deve estar acima
À medida que seu condicionamento físi-
é calculado como o gasto total de energia
de 1,6.
co melhorar, procure exercitar-se mode-
expresso como um múltiplo da taxa
radamente por 60 minutos ou mais, ou
metabólica basal.
por 30 minutos ou mais, de atividade
2 Pode ser incorporada em atividades ocu-
física vigorosa todos os dias.2,3
pacionais, de transporte, domésticas ou
Limite hábitos sedentários tais como
de lazer.
assistir à televisão.
3 Isso é devido ao fato de a atividade física de duração mais longa ou de maior intensidade ser mais benéfica.
22
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
23
C
C
a p a
ALIMENTOS E BEBIDAS 3
A densidade energética média da
Consuma alimentos com alta densidade
1 Alimentos com alta densidade ener-
1 Essa recomendação leva em conta que
Limite o consumo de bebidas
consome bebidas alcoólicas em
consumo deve ser limitado a não mais
existe um provável efeito protetor para
alcoólicas.1
energética1, 4 raramente.
NHO DE PESO
para 125 kcal por 100g.
Evite bebidas açucaradas.2
com um conteúdo de energia de mais de
maior quantidade que os limites
do que dois drinques por dia, para
doença cardíaca coronariana. 2 Crianças
Limite o consumo de ali-
O consumo médio de bebidas
Consuma alimentos do tipo fast-food5
225-275 kcal por 100g. 2 Isso se refere
recomendados deve ser reduzida
homens e a um drinque por dia, para
e mulheres grávidas não devem consumir
raramente ou nunca.
principalmente às bebidas com adição de
em um terço a cada 10 anos.1, 2
mulheres.1, 2, 3
bebidas alcoólicas. 3 Um “drinque” con-
açucaradas2 pela população deve
6
açúcares. Sucos de fruta também deveriam
ser reduzido à metade a cada
Evite bebidas açucaradas.2
tém cerca de 10-15g de etanol.
PRESERVAÇÃO, PROCES-
O consumo médio de sal de todas
Evite alimentos salgados ou preservados
Métodos de preservação que não usam ou
SAMENTO, PREPARO
as fontes alimentares deve ser
em sal; preserve os alimentos sem uso
não precisam usar sal incluem: refrigera-
Limite o consumo de sal.1
menor que 5g (2g de sódio) por
de sal.1
ção, congelamento, dessecação, engarrafa-
Evite cereais e grãos mo-
dia, na população.
Limite o consumo de alimentos proces-
mento, enlatamento e fermentação.
fados.
A proporção da população que
sados com adição de sal para assegurar
tica pouco processados, tais como nozes
consome mais de 6g de sal (2,4g
uma ingestão de menos de 6g (2,4g de
e sementes, contribuam para o ganho de
de sódio) por dia deve ser reduzida
sódio) por dia.
peso quando consumidos como parte das
à metade a cada 10 anos.
Não consuma cereais ou grãos mo-
dietas típicas, sendo essas e muitos óleos
Minimize a exposição às aflatoxi-
fados.
hortaliças fontes valiosas de nutrientes.
nas de cereais e grãos mofados.
ser limitados. 3 Isso não inclui bebidas.
10 anos.
4 Limite os alimentos processados com
7
alta densidade energética (ver também a Recomendação 4). Não foi demonstrado que alimentos com alta densidade energé-
5 O termo fast-food se refere a alimentos
Suplementos Alimentares
Maximize a proporção da po-
Suplementos nutricionais não são
1 Isso pode nem sempre ser factível.
de conveniência, disponíveis prontamen-
Ter como objetivo o alcance
pulação que atinge a adequação
recomendados para a prevenção do
Em algumas situações de doença ou
te, que tendem a ter alta densidade ener-
das necessidades nutricionais
nutricional sem suplementos
câncer.1
inadequação alimentar, os suplementos
gética e são consumidos freqüentemente
apenas por intermédio da
alimentares.
e em grandes porções.
alimentação.1
8
podem ser valiosos.
ALIMENTOS DE ORI-
Na população, o consumo médio
Consuma, pelo menos, cinco porções
1 Isso é melhor ainda quando composto
Espe-
AMAMENTAÇÃO
A maioria das mães deve ama-
Ter como objetivo amamentar as
1 A amamentação protege tanto a mãe
GEM VEGETAL
de hortaliças sem amido1 e de
(no mínimo, 400g) de hortaliças sem
por uma quantidade variada de diversas
cial 1
As mães devem amamentar;
mentar exclusivamente por seis
crianças exclusivamente2 até seis meses
quanto a criança.
Consuma principalmente ali-
frutas deve ser de, no mínimo,
amido e de frutas variadas2 todos os
hortaliças sem amido e de frutas de
as crianças devem ser ama-
meses.2, 3
e continuar com alimentação comple-
2 “Exclusivamente” se refere ao leite
dias.
diferentes cores, como vermelha, verde,
mentadas1
mentar, a partir de então.3
humano somente, sem nenhum outro
Cereais (grãos) pouco processados
Consuma cereais (grãos) pouco pro-
amarela, branca, roxa e laranja, e incluindo
alimento ou bebida, inclusive água.
e/ou leguminosas, bem como
cessados e/ou leguminosas em todas
produtos à base de tomates e bulbos
3 De acordo com a Estratégia Global para
outros alimentos que sejam fonte
as refeições.3
como o alho.
a Alimentação de Lactentes e Crianças de
Limite alimentos processados (refina-
2 Cereais (grãos) pouco processados e/ou
Primeira Infância das Nações Unidas.
contribuir com um consumo
dos) que contenham amido.
leguminosas devem contribuir com, pelo
Espe-
médio de, pelo menos, 25g diários
Pessoas que consomem raízes e tubércu-
menos 25g, em média, de polissacarídeos
cial 2
de polissacarídeos não amiláceos,
los ricos em amido4 como itens básicos
não amiláceos, diariamente.
mentos de origem vegetal.
600g diários.2
natural de fibra dietética devem
na população.
Todos os sobreviventes de câncer3 devem receber assistência nutricional de
1 Sobreviventes de câncer são pessoas que
SOBREVIVENTES DE
um profissional apropriadamente treinado.
estão vivendo com um diagnóstico de
CÂNCER1
Se for capaz de fazê-lo e, a não ser que aconselhado de outra maneira, tenha
câncer, incluindo os que se recuperaram
da dieta também devem garantir uma
3 Esses alimentos têm baixa densidade
Siga as recomendações de
como objetivo o cumprimento das recomendações de alimentação, peso
da doença. 2 Essa recomendação não se
ingestão suficiente de hortaliças sem
energética e assim promovem um peso
prevenção de câncer.2
saudável e atividade física
aplica àqueles que estão se submetendo a
amido, de frutas e leguminosas.
saudável.
tratamento ativo, sujeito às qualificações
4 Por exemplo, povos na África, América
no texto. 3 Isso inclui todos os sobrevi-
Latina e região do Pacífico Asiático.
ventes de câncer, antes, durante e após o tratamento ativo.
ALIMENTOS DE ORI-
Na população, o consumo médio
Pessoas que comem carne vermelha1
1 “Carne vermelha” se refere às carnes de
GEM ANIMAL
de carne vermelha não deve ultra-
regularmente devem consumir menos
vaca, porco, cordeiro e cabra, de animais
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer.
Limite o consumo de carne
passar 300g por semana, incluin-
de 500g por semana, incluindo pouca
domesticados, incluindo aquela contida
Resumo. Alimentos, nutrição, atividade física e prevenção de câncer: uma perspectiva global / traduzido por Athayde Hanson Tradutores - Rio de Janeiro: INCA, 2007.12p. Tradução de: Summary. Food, nutrition, physical activity and the prevention of cancer: a global perspective.
vermelha1 e evite carnes
do pouca ou nenhuma quantidade
ou nenhuma quantidade de carne
em alimentos processados
processadas.2
de carne processada.
processada.2
2 “Carne processada” se refere às carnes preservadas por defumação, curadas ou salgadas, ou pela adição de produtos químicos de preservação incluindo aqueles contidos em alimentos processados.
24
Se bebidas alcoólicas são consumidas, o
alimentação3 deve ser reduzida
energética.1
5
A proporção da população que
QUE PROMOVEM O GA-
mentos com alta densidade
4
BEBIDAS ALCOÓLICAS
gética são aqui definidos como aqueles
a p a
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
Referências: 1. Danaei G, Vander Hoorn S, Lopez AD, Murray CJ, Ezzati M; Comparative Risk Assessment collaborating group (Cancers). Causes of cancer in the world: comparative risk assessment of nine behavioural and environmental risk factors. Lancet. 2005; 366(9499):1784-93. 2. American Cancer Society. Cancer Facts & Figures 2008. Atlanta: American Cancer Society; 2008. 3. Food, Nutrition, Physical Activity and the Prevention of Cancer: A Global Perspec-
tive. Washington, DC: World Cancer Research Fund International, American Institute for Cancer Research, 2007. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. Resumo. Alimentos, nutrição, atividade física e prevenção de câncer: uma perspectiva global / traduzido por Athayde Hanson Tradutores - Rio de Janeiro: INCA, 2007.12p. Tradução de: Summary. Food, nutrition, physical activity and the prevention of cancer: a global perspective. ISBN 978-85-7318-130-2.
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
25
O
C
n c o l o g i a
Carlos Roberto Brunetti Montenegro Especialista em Radioterapia pelo Colégio Brasileiro de Radiologia Ex-estagiário Charles Sammons Cancer Center-Dallas/EUA Radioterapeuta Hospital Beneficência Portuguesa - SP
Câncer do Colo Uterino
N
os últimos anos, a atenção das neoplasias foi desviada da esfera ginecológica para a detecção e terapia do câncer mamário. Porém, frente à realidade nacional de falta de recursos,informação e dificuldade no acesso a saúde devemos voltar a atenção a esta patologia tão comum e frequentemente encontrada em estágios avançados, principalmente em nosso país. Uma vez que a paciente possui vários anos, desde o início de sua vida sexual ativa até o diagnóstico de câncer avançado, ela possui pelo menos 10 anos para evoluir com lesões do colo de útero iniciais para fase invasiva , agressiva e com maior dedicação a terapia complexa. Sabe-se que da forma micro-invasora à invasora temos 4 a 5 anos de evolução para diagnóstico e realizar cirurgia mais conservadora, mas, se a patologia mostrar margens comprometidas, nova cirurgia deverá ser realizada em busca da cura. Muitas pacientes após o último parto abandonam o acompanhamento ginecológico e somente, aos 50-60 anos retornam com lesões cancerosas infiltrativas, às vezes extensas, na vagina ,bexiga e reto, dificultando condutas mais radicais. Atualmente, os fatores de risco têm sido muito divulgados e devem ser valorizados, como: vírus HPV ( papiloma vírus humano), grande número de parceiros sexuais, higiene, grande número de gestações e início precoce da atividade sexual. Na verdade, no grupo de risco, a citologia oncótica e a colposcopia são determinantes no diagnóstico de lesões incipientes, na necessidade de biópsia dirigida e na cauterização de lesões precursoras. Sintomatologia suspeita deve ser valorizada e nesse momento, abre-se espaço para informação e atuação de voluntárias e coleta de citologia em grande escala.Corrimento,dor e/ou sangramento na relação sexual,alterações urinárias,inchaço de membros inferiores são comuns nos casos avançados. A decisão de qual terapia mais se adapta ao caso clínico virá
26
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
r ô n i c o
EOv no cl ou
lt oi v g ai a s
“
Atualmente, os fatores de risco têm sido muito divulgados e devem ser valorizados, como: vírus HPV (Papiloma Vírus Humano), grande número de parceiros sexuais, falta de higiene, grande número de gestações e início precoce da atividade sexual. do exame ginecológico e dos exames complementares, que indicarão em qual estadiamento clínico a paciente está e quais caminhos a serem seguido: cirurgia e/ou radioterapia e/ou quimioterapia.Nos estágios iniciais: a cirurgia é mais adequada e nos casos mais avançados, a combinação radio- quimioterápica é utilizada. A Radioterapia pode ser utilizada de duas formas: interna (braquiterapia) e externa (teleterapia). A Braquiterapia: procura concentrar alta dose de radiação dentro do tumor e em sua periferia, é o tratamento mais importante para controlar a doença central. Já na Teleterapia, a radioterapia externa, busca-se a diminuição do tumor, melhorar a geometria para a Braquiterapia, controlar o sangramento e tratar áreas de potencial evolução sequencial do câncer de colo de útero. A Quimioterapia possui duas funções: 1. aumentar a eficácia da Radioterapia e 2. atuar fora do colo de útero, onde a doença sub clínica já pode estar em crescimento. É utilizada de maneira endovenosa, semanal, concomitante à Radioterapia ou em esquemas mais agressivos na doença metástatica em intervalos de 3 semanas. No início da terapia devem ser tomadas providências pararealmente saber o local de avanço do câncer e assim, deve ser realizada tomografia computadorizada, cistoscopia, retosigmoidoscopia ,RX de tórax e exames laboratoriais, visto que frequentemete é observado já no diagnóstico, exclusão renal pelo comprometimento compressivo de ureter e pelo sofrimento renal sequencial. Após completado o tratamento, a paciente deverá ser sub-
”
metida à exames colposcópicos, RX de torax e laboratoriais e ter certeza do controle tumoral. O sequenciamento com Quimioterapia pode ser necessário em certas situações. Casos mais graves podem receber cirurgias amplas de derivação ureteral, intestinal, pela existência de fístulas ou pela perda do controle tumoral. A paciente poderá receber colostomia ou nefrostomia e outras derivações urinárias e intestinais,se a doença não responder a Radio -quimioterapia ou mesmo, por quadro de dor incontrolável ou infecções e fístulas incômodas sem resolução clínica. O que realmente gostaria de salientar é a necessidade do exame periódico, preventivo, no tratamento de lesões precursoras e, quando houver indicação, na combinação de exame ginecológico com a avaliação mamográfica. Idosas devem ser orientadas a manter o controle periódico dos seus exames e o governo e a sociedade devem fornecer os meios para tal. Tanto isso é verdade, que nos países escandinavos, o câncer do colo de útero apresenta uma incidência muito baixa e o câncer do endométrio possui índice várias vezes maior que o colo de útero, simplesmente pelas medidas preventivas tomadas pela comunidade e assumidas pela população feminina. No Brasil, o câncer do colo uterino, é motivo de preocupação frente a grande incidência nas famílias de baixa renda, nas idosas e justamente em casos em que o número de filhos é grande,levando assim, a sociedade e o governo a agirem em busca da prevenção e da detecção de estágios precoces da neoplasia do colo de útero.
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
27
S
a ú d e
d a
M
S
u l h e r
Wladimir Taborda Médico Ginecologista e Obstetra Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo Professor de Pós Graduação do Depto de Obstetrícia da UNIFESP e do Depto Materno Infantil do Hospital Albert Einstein, São Paulo Assessor de Gabinete do Secretario de Estado da Saúde de São Paulo Consultor do Hospital e Maternidade São Camilo, São Paulo
PRIORIDADES PARA ASSISTÊNCIA A SAÚDE DA MULHER NAS DIVERSAS FASES DA VIDA
H
á muitas mulheres em cada mulher ao longo de sua vida. Mais do que uma imagem poética, esse reconhecimento de suas múltiplas identidades em uma única mulher reflete um fato biológico. Da puberdade à terceira idade, passando pela fase reprodutiva e pelo climatério, a mulher muda interna e externamente e vive personagens femininos distintos, cada um com expectativas e necessidades próprias. Do ponto de vista médico é muito importante reconhecer que a exposição a diferentes fatores de risco varia constantemente ao longo da vida da mulher e que o ginecologista tem uma oportunidade ímpar para prevenir as doenças mais comuns, ao oferecer assistência clínica continuada e por tempo prolongado, construindo uma visão global e integrada dos aspectos mais importantes nas diversas fases da vida desta mulher.
ADOLESCÊNCIA O marco inicial da assistência à saúde da mulher é a primeira menstruação, que ocorre por volta dos onze ou doze anos de idade. Este é um momento especial para qualquer menina e deve ser cuidadosamente acompanhado pelos pais, que devem oferecer segurança e principalmente boas informações, isentas de preconceitos. É a oportunidade ideal para a primeira consulta com o ginecologista, não só para confirmar que as coisas estão em ordem e não existe qualquer disfunção, mas principalmente para iniciar o processo de prevenção de doenças e informação sobre saúde reprodutiva. Assim, ao longo da adolescência o foco da atenção médica envolve principalmente a promoção de saúde, com muita informação
28
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
sobre saúde reprodutiva. Os detalhes sobre reprodução humana e os conceitos de ciclo menstrual, ovulação, menstruação e concepção devem ser discutidos nas consultas médicas e também com os pais, sempre que possível, de forma livre de preconceitos. Deve-se ter em mente que a primeira relação sexual ocorre por volta dos 17 anos para a maioria das meninas no Brasil e a questão da gravidez da adolescência é um problema real, com números alarmantes de até 25% de gestações antes dos 19 anos de idade. Este não é um problema restrito às famílias mais desfavorecidas do ponto de vista sócio-econômico, embora seja mais comum nesta camada social, que representam cerca de 80% da população brasileira. Desta forma, é importante oferecer informações sobre sexo seguro, sobre métodos anticoncepcionais, e especialmente sobre doenças sexualmente transmissíveis (DST) para meninas entre 12 e 19 anos de idade. Atualmente é possível vacinar meninas que ainda não tiveram a primeira experiência sexual contra a infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV), causador de lesões no colo uterino que podem evoluir para câncer. As vacinas atualmente disponíveis, embora ainda com custo bastante elevado, conferem ampla proteção contra os HPV 16 e 18 e virtualmente eliminam as chances de a mulher desenvolver lesões malignas relacionadas a estes subtipos virais. De outra parte, as evidências científicas atualmente disponíveis revelam que não adianta muito vacinar meninas que já tiveram relações sexuais, especialmente com mais de um parceiro. Outras vacinas anti-HPV estão em estudos e muitas informações devem estar disponíveis nos próximos anos, favo-
recendo a abordagem preventiva contra câncer de colo uterino, rotineiramente realizada por meio de exames de citologia (Teste de Papanicolaou) e colposcopia, bastantes efetivos na prevenção desta doença, infelizmente ainda comum no Brasil. A informação e prevenção sobre os riscos relacionados ao consumo de álcool e drogas são também uma prioridade de saúde na adolescência. A maior dificuldade é evitar o hábito de fumar tabaco e de ingerir álcool, drogas consideradas lícitas e socialmente aceitas. No Brasil é muito fácil para o jovem comprar e consumir estes dois tipos mais comuns de drogas, muitas vezes associados a ritos de passagem e também ponto de afirmação e identificação de grupos de adolescentes. Os pais e a escola assumem um papel central na prevenção e informação sobre os riscos associados, mas o que conta mesmo é o exemplo dos amigos e colegas. É claro que ajuda bastante se a abordagem familiar for positiva, sem falsos moralismos, mas nada garante que o jovem fique longe das drogas a não ser a sua própria escolha. Creio que o diferencial são os valores transmitidos pela família e amigos, que podem influenciar a decisão de cada adolescente, assim como a postura assertiva do médico, que deve ser um confidente e fonte de confiança permanente. Outro aspecto importante é a informação e prevenção sobre os riscos de acidentes automobilísticos, especialmente nas grandes cidades. Trata-se de uma verdadeira epidemia que assola o País, com números assustadores, cujas vítimas são jovens na grande maioria dos casos. A associação com consumo de álcool e drogas é evidente e somente a educação dirigida para o problema, assim como atenção da família pode oferecer
a ú d e
d a
M
u l h e r
algum efeito protetor. O médico não deve esquecer de reforçar estes cuidados, ao atender uma jovem adolescente.
FASE REPRODUTIVA A partir dos 20 anos a mulher entra na chamada fase reprodutiva, que costuma ser considerada pelos médicos até os 35 anos. Atualmente este conceito está restrito à reprodução espontânea, já que é cada vez mais comum a opção de adiar a maternidade em prol da carreira profissional, elevando-se as taxas de gravidez a partir de 35 e 40 anos, em muitos casos com auxílio de técnicas de reprodução assistida. Nesta fase é prioritário o planejamento familiar, de modo a conciliar a expectativa individual de cada mulher com o desejo e o momento de constituir a família. Significa evitar ou ter filhos de maneira consciente e programada, lançando mão das modernas técnicas de anticoncepção atualmente disponíveis. O médico tem um papel preponderante ao definir riscos e benefícios e vantagens e desvantagens de determinados métodos para cada mulher. É importante lembrar que nenhum método serve igualmente para todas as mulheres e nem para todas as fases da vida. Além do Planejamento Familiar, todas as mulheres devem estar atentas para a prevenção e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis - especialmente para o risco de aquisição de infecção pelo HIV - já que nesta fase a atividade sexual costuma ser mais intensa. A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) é uma doença que já não tem limites sociais e comportamentais, sendo as mulheres casadas e monogâmicas
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
29
S
a ú d e
d a
M
u l h e r
o grupo que mais cresce nas estatísticas de novas infecções. Neste contexto, emerge o papel do parceiro sexual que mantém relações extraconjugais sem segurança e acaba transmitindo a infecção para sua mulher. Novamente a alternativa é a informação de qualidade, discutida com franqueza no consultório médico, visando reduzir os riscos de aquisição das diferentes DST. A maioria das mulheres concebe um bebê entre os 20 e 40 anos, sendo a opção pela gravidez um dos momentos mais cruciais na vida de qualquer mulher. O processo de gestação é uma das experiências mais emocionantes da vida do casal e nas ultimas décadas os progressos da medicina foram de tal magnitude que dificilmente um único médico será capaz de oferecer todas as informações disponíveis. Assim, a assistência pré-natal assume um papel central na prevenção de problemas para a mulher e para seu filho, constituindo uma das mais importantes prioridades na fase reprodutiva. Nutrição, exercícios físicos, atividade sexual, queixas comuns e aspectos emocionais são tópicos que devem ser abordados rotineiramente pelo médico ao longo do pré-natal, em busca de resultados favoráveis. Além disso, a gestação funciona como um teste de triagem para uma série de problemas que poderão evoluir a partir dos 40 anos como o diabete e a hipertensão arterial. Mulheres predestinadas pela constituição genética a desenvolver estas doenças geralmente são “desmascaradas” pela gravidez e o médico atento não deixará passar esta oportunidade de diagnóstico e prevenção de problemas futuros. Muitas mulheres também dedicam-se intensamente à carreira profissional nesta fase, acumulando riscos adicionais. Assim, o número de mulheres candidatas à check-up executivo periódico está aumentando gradualmente em decorrência do avanço em postos de comando nas empresas. Protocolos de check-up baseado em evidências científicas permitem a estratificação por níveis de risco e proprcionam mais diagnosticos precoces e e melhor qualidade de vida.
CLIMATÉRIO E MENOPAUSA O climatério é um periodo de transição da fase reprodutiva para a não reprodutiva que incicia-se aos 35 anos e termina aos 65 anos. Do ponto de vista prático o climatério é considerado a partir dos 45 anos, com a constatação das primeiras alterações endócrinas decorrentes da menor atividade ovariana e da falta de sincronia entre os sinais neuronais no hipotálamo e o sistema nervoso central. A menopausa é a ultima menstruação da mulher e ocorre em torno dos 50 anos para a maioria das mulheres. Todas as mulheres passarão por ela e é importante que a encarem como um evento natural que marca o final da fase reprodutiva. Nos meses que antecedem a menopausa ocorre uma redução progressiva da produção
de hormônios sexuais femininos pelos ovários, o que pode provocar alguns sintomas desagradáveis. Alguns podem ser passageiros como as ondas de calor, a fadiga, a insônia ou a diminuição da libido. Outros podem ser mais duradouros como os problemas vaginais e urinários, mas mesmo que se tornem permanentes, não ameaçam a vida e podem ser tratados com diferentes terapias. Existem doenças perigosas nesta fase da vida, entretanto, que podem passar despercebidas como o câncer de mama, a osteoporose, a doença cardiovascular e a doença de Alzheimer. A alta incidência do câncer de mama nos países ocidentais, associada ao impacto dos exames de rastreamento na sobrevida das pacientes a partir do diagnóstico precoce, justificam uma atenção especial. As mamografias tornam-se rotineiras a partir dos 40 anos e anuais a partir dos 50. Por essas razões, é fundamental que todos os profissionais de saúde informem de maneira clara que a menopausa pode estar associada a doenças que devem ser adequadamente investigadas e prevenidas. Assim, é comum a que os médicos soliciem exames preventivos como mamografia e ultra-sonografia, desnitometria óssea e avaliação cardiovascular em mulheres com 50 anos ou mais. Muitas medidas benéficas podem ser adotadas como reduzir o peso, praticar exercícios físicos habitualmente, parar de fumar, tomar sol e divertir-se. Outras opções de tratamento incluem a Terapia Hormonal (TH) e suplementos nutricionais que podem trazer benefícios para a vida das mulheres. A TH provou ter grande valor para a prevenção de osteoporose e redução de risco de câncer de cólon, mas sua utilização prolongada está associada à elevação do risco de câncer de mama, doença cardiovascular, acidente vascular cerebral e tromoboses em geral. Assim, atualmente a TH é indicada em bases individuais e sempre com acompanhamento médico criterioso, pelo menor tempo possivel. Os médicos também deve ter em mente que as mulheres de 50 anos ou mais experimentam muitas mudanças em diversas áreas da vida – na família, trabalho e lazer. Nesta fase os filhos casam-se e saem de casa, os parceiros também estão em fase de transição, o equilíbrio entre o trabalho e a vida se modifica e todas estas mudanças podem gerar ansiedade e insegurança. Alterações do humor e depressão são comuns e o médico deve estar atento a todas as possibilidades. Finalmente, é importante que os médicos – e especialmente os ginecologistas – percebam o papel transformador que podem exercer na vida das mulheres em todas as fases de sua evolução e as ajudem a vivê-las de maneira saudável e otimista, respeitando a individualidade de cada uma, e reconhecendo as necessidades específicas das diversas mulheres que existem em cada mulher ao longo da vida.
É
t i c a
Pe. Leo Pessini
Prof. Doutor em Teologia Moral- BioéticaSuperintende da Unidade Camiliana Vice-Reitor do Centro Universitário São Camilo
O ROSTO DINÂMICO DA ESPIRITUALIDADE CAMILIANA
P
ara conhecermos o sentido e o que significa espiritualidade camiliana, temos que conhecer algo de seu fundador, Camilo de Lellis (1550-1614), que criou uma Ordem Religiosa, conhecida como Camilianos, que atuam hoje no mundo da saúde, em trinta e seis países dos cinco continentes. No Brasil, os primeiros Camilianos chegaram em 1922 e tem uma expressiva presença na área da saúde, quer na área da assistência, mantendo inúmeros hospitais e clínicas, bem como na área educacional, formando profissionais da saúde.
1. Camilo de Lellis ( 1550-1614) Camilo era o segundo e último filho de uma mãe idosa e de um pai ausente. Sua mãe o concebeu já idosa ( com mais de 60 anos segundo os relatos da tradição!) após a morte do seu primeiro filho que faleceu antes dos vinte anos. O pai de Camilo era um militar, sempre em campanhas fora de casa. A mãe de Camilo morreu quando ele tinha 14 anos e Camilo andou vagando de um campo militar para outro até a idade em que pudesse engajar-se como soldado. Ele lutou juntamente com seu pai, mas aprendeu os vícios dos campos militares, em particular, a jogatina. Aos 20 anos de vida, perde
seu pai. Logo após surge uma ferida na perna direita que lhe traria problemas para o resto da vida. Isto lhe deu também a primeira experiência de hospital como paciente, no hospital São Tiago dos Incuráveis, em Roma. Ele foi descrito como um paciente difícil, sempre achando um jeito de sair para jogar. Foi o jogo que o levou a perder tudo o que tinha e lhe abriu a porta da conversão. Quando trabalhava para os capuchinhos, teve uma profunda experiência da misericórdia de Deus e se converteu. Por duas vezes tentou ser capuchinho, mas em ambas as tentativas, a ferida de abria e o levava de volta para o Hospital São Tiago. A segunda e a terceira experiência como paciente, após a conversão, prepararam seu coração para o encontro com o mundo dos doentes e despertou a compaixão por eles. Em ambas as circunstâncias trabalhou como enfermeiro, e mais tarde após a terceira hospitalização, tornar-se-ia o administrador. Foi a partir desta experiência de ser paciente e provedor de cuidados, numa instituição em que se contratavam mercenários para cuidado dos pobres doentes, que Camilo teve a inspiração de iniciar uma comunidade de homens para cuidar dos doentes. Este é o início da Ordem dos camilianos.
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
31
É
É
t i c a
Alguns elementos da espiritualidade camiliana Amor ao doente Camilo dizia que o pobre e o doente são o coração de Deus, são a pupila dos olhos de Deus; neles servimos Jesus Cristo, Nosso Senhor. Na sua carta testamento Camilo exorta seus seguidores a continuar fiéis na permanente disposição de optar pelos mais pobres e doentes, com todas as exigências que este compromisso comporta. Aos trabalhadores de então que cuidavam dos doentes, grande número de mercenários, sem preparação alguma, ficou célebre seu grito de “colocar mais coração nas mãos”. O Bom Samaritano é a medida do cuidado. Para Camilo não deveria existir lei que atrapalhasse o cuidado dos doentes. Ele lembrava que sacerdote e o levita na parábola do Bom samaritano mantiveram as mãos limpas de acordo com a Torah, mas seus corações ficaram manchados pela recusa em tocar o corpo ferido do homem que necessitava de cuidados. Por outro lado, mãos que estavam sujas por cuidar dos doentes e feridos eram um sinal de pureza de coração. Camilo convidou seus seguidores a dar a vida pelos doentes, com a disposição de cuidar deles, mesmo com o risco da própria saúde e vida. Naquela época, muitos camilianos morriam no cuidado dos doentes, porque pouco se conhecia em termos de prevenção de proteção contra as infecções. Na visão de Calisto Vendrame, ex-geral dos Camilianos, “ o Dom que mais se destacou em Camilo, que moldou e marcou profundamente sua espiritualidade, foi seu extremado amor para com os doentes e para com todos os sofredores. Esse amor tornou-se a verdadeira paixão da sua vida, absorveu todo o seu tempo, unificou toda sua atividade. A partir do dia da sua conversão, quando chegou ao verdadeiro conhecimento de DeusAmor, ele não viveu mais para si mesmo, não suportou mais ser prisioneiro do pequeno mundo de seus interesses pessoais: livre de tudo e de todos e também de si mesmo, entregou-se única e inteiramente a Cristo que ele via e servia nos doentes”.
Cuidar com sensibilidade feminina Camilo dizia aos seus seguidores de amar o paciente como a mãe cuida de seu único filho doente. O amor para com os doentes é um componente essencial desta espiritualidade. Aos que trabalham com eles dizia Camilo “Primeiramente cada um peça a graça ao Senhor que
32
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
lhe dê um afeto materno para com seu próximo, para que possamos servi-lo com toda caridade tanto da alma como do corpo, porque desejamos, com a graça de Deus, servir a todos os enfermos com aquele amor que uma mãe amorosa cuida de seu único filho enfermo”.
pés, secar camisas ensopadas de suor, aplicar cautérios, umedecer os lábios, por vinagre sob as narinas, lavar e enxugar as mãos, dar comida na boca, entre tantos outros atos. Um de seus célebres ditos é que “não seria boa aquela piedade que cortasse os braços da caridade”.
Cuidado holístico e acolhida incondicional
Escola de caridade
Camilo seguia mais a hierarquia das necessidades humanas, do que a hierarquia das exigências da Igreja. A Igreja exigia por norma que os doentes ao entrar nos hospitais deveriam primeiramente se confessar. Camilo lutou contra esta regra, dizendo que precisávamos, primeiramente, atender às suas necessidades de cuidados de saúde e depois então, respeitando sua liberdade, levá-los ao sacramento da reconciliação. Camilo desejava que os camilianos provessem cuidados globais aos doentes. Todos os camilianos, partilhavam das mesmas tarefas de cuidar, serviços de enfermagem e acompanhar espiritualmente o doente. A hospitalidade era uma virtude muito presente no coração de Camilo.Durante as epidemias, quando os hospitais estavam abarrotados, Camilo abria as igrejas e casas para os doentes sem teto. Ele pessoalmente ia pelas esquinas das ruas mais pobres de Roma, e sob as pontes, em busca dos doentes para carregá-los a um lugar em que eles pudessem receber cuidados.
Na tradição católica, os candidatos à santidade são avaliados pela sua caridade, não por suas experiências místicas ( exemplo recente de beatificação de Madre Tereza de Calcutá). Camilo via, sentia e sofria com a presença dos mercenários trabalhando nos hospitais sem cuidar bem dos doentes. Ele ensinou aos seus seguidores a mostrar pelo exemplo, a forma correta de cuidar. Assim as instituições camilianas são vistas como “escolas de caridade” , motivando os outros também ao cuidado amoroso para com os doentes. As entidades camilianas hoje procuram colocar em prática esta intuição original de Camilo. Assim lemos na Carta de Princípios das Entidades Camilianas: “Quanto à valorização da vida e da saúde, os camilianos, seus profissionais e respectivas entidades respeitarão todas as suas dimensões – biológica, psíquica, social e espiritual. Empenhar-se-ão em promovê-las e cuidá-las, até o limite de suas possibilidades, segundo os valores éticos, cristãos e eclesiais, dentro de uma visão holística e ecumênica, repudiando tudo quanto possa agredir ou diminuir sua plena expressão.
Liturgia ao pé do leito O Evangelista João fala do sacramento de Jesus lavando os pés dos seus discípulos na Quinta feira santa . Para Camilo a maior liturgia acontecia ao pé do leito do doente. Tudo o que acontecia com o doente tinha uma dimensão sacramental. Poderíamos dizer, que era a liturgia do banho de leito, liturgia da alimentação, liturgia de estar junto de alguém que está prestes a se despedir da vida. Tudo isso são atos de amor e que se transformam em ações sacramentais do ato de cuidar. Os trajes sagrados com que se vestia para atender os doentes eram: “ uma roupa pesada, ornada com dois famosos urinóis. Além disso, levava três pequenos frascos presos à cintura, um de água benta, outro de vinagre e um terceiro de água fervida para refrescar a boca dos doentes. E também um vaso de cobre onde pudessem cuspir sem incômodo. E mais duas panelas de ferro para preparar sopas para os mais fracos. Além disso o crucifixo e o livro de orações para os moribundos”. Certamente com todo este aparato, a figura de Camilo pareceria um mascate exótico. Os ritos eram cortar cabelo, pentear, cortar as unhas, aquecer os
Cuidar é uma obra de arte, que une ética e estética Camilo tinha um apreço todo especial pela música e freqüentava Igrejas para ouvir música. Compara o cuidado aos doentes como uma sinfonia musical. Dizia “Agrada-me a música dos doentes no hospital, quando muitos chamam ao mesmo tempo: Padre, traga-me água para refrescar a boca; arrume minha cama, esquente meus pés...”. esta deveria ser a música agradável também para os ministros dos enfermos”. As vozes dos doentes, muitas vezes tumultuadas, desordenadas, estridentes, sobrepondose uma às outras, aos seus ouvidos, era uma “música” que soava como harmonia inefável. Também afirma aos seus seguidores que precisam ter um certo talento artístico ao aproximar-se suavemente das camas, sem barulho, caminhando em meio às galerias de leitos, sem arrastar os pés, com passo de dança. Por fim ele se refere ao Hospital do Santo Espírito, hoje patrimônio da humanidade e que se localiza na entrada da cidade do Vaticano, onde trabalhou durante 30 anos, como sendo um belíssimo jardim cheio
t i c a
de flores perfumadas e frutas. Incrível o que tínhamos eram odores insuportáveis.... Uma das mais brilhantes criações deste artista e gênio da caridade é de ter introduzido no cuidado aos doentes, a idéia da beleza.Educava-se artisticamente para saber escutar, saber ver, aprender a distinguir os perfumes. O serviço não é somente “algo bom”, mas “algo lindo”. Assim Camilo resgatou uma dimensão de caridade descuidada, sombria, mal-humorada, introduzindo nela fachos de luz, cores, emoções, notas alegres e perfume. Estas características nos dão uma visão de como Camilo, filho do século XVI, soube interpretar e realizar profeticamente os sonhos presentes no coração humano, fazendo diferença frente a tanta indiferença! Ele resgatou a essência da espiritualidade evangélica, profundamente terna e humana, em meio a uma instituição religiosa que vivendo na glória da riqueza, dos ritos e dogmas esquecia do ser humano pobre doente, às suas portas. Frente a esta escuridão, ele ousou criativamente acender uma luz.Acredito que estas verdades tão antigas e tão atuais da espiritualidade camiliana,podem servir de inspiração para nossa ação profissional, que ao unir competência científica com ternura humana, torna-se uma ação humanizada e humanizante no mundo da saúde.
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
33
C
r ô n i c o
- E
v o l u t i v a s
Dor total Daniel Neves Forte
Médico especialista em Clínica Médica e Terapia Intensiva Médico das UTIS do HC-FMUSP e do Sírio-Libanês Responsável pela Equipe Multiprofissional de Cuidados Paliativos Hospital Sírio-Libanês
D
or é definido como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a uma lesão presente ou potencial. Nos últimos anos, inúmeros estudos sobre o tema têm contribuído para seu melhor entendimento e melhor tratamento. Buscaremos aqui esclarecer algo sobre os principais tipos de dor, seu diagnóstico, suas implicações, assim como algumas das técnicas envolvidas no tratamento. Desde os mais remotos tempos, a humanidade enfrenta o problema da dor. No Egito Antigo, a dor era entendida como possessão de espíritos malignos, enquanto chineses e gregos de 2.500 anos atrás já descreviam técnicas para amenizar a dor dos enfermos. Mas foi somente em meados do século XIX , que analgésicos passaram a ser utilizados com maior eficácia para o controle da dor, inicialmente com o éter, o clorofórmio e o óxido nitroso. Desde então, inúmeros avanços ocorreram, e hoje praticamente todas as dores podem ser controladas ou aliviadas. Sabemos hoje que o fenômeno da dor possui diversos mecanismos e interações bastante complexas. Em geral, a destruição de células ou tecidos libera mediadores inflamatórios que acionam as terminações nervosas distribuídas pelo nosso corpo. Através de reações químicas dentro da célula da terminação nervosa, um sinal elétrico é gerado e conduzido através do sistema nervoso periférico até a medula espinhal. A informação é então transmitida através das compridas células nervosas da medula até regiões profundas do nosso cérebro, como o tálamo. Daí, a informação pode ser enviada para as mais diferentes áreas do cérebro, tornando consciente a percepção da dor. É um mecanismo essencial à vida, pois nos alerta de que nosso corpo está sendo agredido, de forma que podemos reagir para nos proteger dos estímulos nocivos. No entanto, este mecanismo básico pode ter diversas variações. Por exemplo, em alguns casos, as terminações nervosas de determinada região do organismo podem estar extremamente sensíveis, de forma que mínimos estímulos geram sinais exacerbados de dor. Em outros, uma dor sentida no peito pode significar que células do coração estão em sofrimento, ou uma dor no ombro pode referir uma inflamação no pulmão. Cabe ao médico reconhecer através da história, do exame físico e, eventualmente de exames,
34
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
os diferentes tipos de dor, uma vez que certas doenças apresentam padrões específicos de dor, e tanto o diagnóstico destas doenças, quanto o tratamento dos diferentes tipos de dor, diferem. Este conhecimento sobre as características físicas da dor foi ampliado na década de 1960 pela médica inglesa Cicecly Saunders, que cunhou o conceito de dor total. Incluiu além dos aspectos físicos da dor, seus aspectos emocionais, sociais e espirituais. Recentemente, estudos utilizando ressonância magnética funcional do encéfalo e eletroneuromiografia comprovaram a influências de aspectos emocionais sobre a percepção da dor. Observou-se que sensações agradáveis podem amenizar a sensação de dor, tanto referida pelos indivíduos, quanto registrada através dos exames. Inversamente, indivíduos submetidos a sensações desagradáveis têm a dor amplificada. Cuidar da dor total é uma das bases do cuidado paliativo. Definido pela Organização Mundial de Saúde como uma abordagem que busca oferecer qualidade de vida para pacientes e familiares que enfrentam doenças graves e potencialmente fatais, os cuidados paliativos podem ser oferecidos em qualquer fase da evolução destas doenças. Entende-se hoje, conforme a recomendação das melhores sociedades de medicina do Brasil e do mundo, que o cuidado paliativo pode ser oferecido junto com o cuidado que busca a cura. Cuidados curativos e cuidados paliativos não competem e tampouco são excludentes entre si. Assim, por exemplo, logo no diagnóstico de um tumor, pode-se oferecer a quimioterapia ou a cirurgia como cuidados curativos, enquanto se tomam medidas para otimizar a qualidade de vida de quem passa por tais tratamentos. E qualidade de vida está diretamente relacionada a controle de dor. Mais ainda, sabe-se hoje que pacientes com dor crônica intensa apresentam resposta imunológica debilitada e maiores índices de depressão. Aliviar a dor física com medicamentos pode ser tão importante quanto proporcionar uma boa adaptação psicológica à doença, através de suporte emocional e espiritual, quando se pensa em dor total. Entende-se assim que o ser humano não é só um corpo biológico, mas algo muito mais complexo, e que sua dor precisa de atenção para ser cuidada nas suas mais diversas dimensões de existência.
Fevereiro/2010
S
e u
D
S
i r e i t o
Décio Policastro Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo Conselheiro e Coordenador do Comitê de Ensino Jurídico e Relações com Faculdades do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA Sócio fundador de Araújo e Policastro Advogados
Cuidados Paliativos
Q
uando o doente percebe que a evolução da enfermidade o levará implacavelmente para a morte e a vida se aproxima do fim, quase sempre aparecem outros sintomas de natureza física, psicológica e emocional. A médica sanitarista Maria Goretti Sales Maciel define paciente em processo de morte, como o que apresenta sinais de rápida progressão da doença e vida estimada de semanas a mês, e por fase final da vida, o período em que a expectativa da extinção da vida pode ser estimada em horas ou dias (Definições e Princípios in Cuidado Paliativo, CREMESP, 2008, p.22). A exposição de Motivos da Resolução 1805/2006 do Conselho Federal de Medicina faz ver que torna-se essencial ao médico reconhecer a importância da necessidade da mudança do enfoque terapêutico diante do enfermo portador de doença em fase terminal, para o qual a Organização Mundial da Saúde preconiza a adoção de cuidados paliativos, ou seja, uma abordagem voltada para a qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de seus familiares, frente a problemas associados às doenças que põem em risco a vida. Tal atuação busca prevenir e aliviar precocemente o sofrimento, através de uma avaliação precisa e criteriosa para o tratamento da dor e de outros sintomas, sejam de natureza física, psicossocial ou espiritual. O tratamento paliativo surgiu da idéia de as pessoas enfermas e familiares receberem a morte de forma mais humana, menos sofrida e melhor compreendida. Paliar significa amenizar, atenuar; paliativo traduz a concepção de atitude efetiva, com efeito de abrandar um mal ou resultado, ainda que temporariamente. Nada tem a ver com ortotanásia, eutanásia, suicídio assistido ou medicamente assistido e distanásia. A primeira se dá quando são suspensos os esforços terapêuticos e os meios artificiais de prolongamento da vida. Exigem decisão médica e autorização do paciente, se consciente, ou de seu representante legal. Com a eutanásia, cujo sentido etimológico significa boa morte, provoca-se
36
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
a morte para suprimir uma agonia dolorosa e cessar o sofrimento. Nosso direito considera a eutanásia crime de homicídio privilegiado com diminuição da pena. No suicídio assistido a pessoa, desejando morrer, recebe auxílio de outrem para concretizar sua vontade. Induzir, instigar, persuadir alguém ao suicídio, assim como prestar auxílio para que o faça, constitui crime. Na distanásia recorre-se a todos os recursos para prolongar a duração da vida, com o que, anunciada a morte, ela ocorrerá de maneira lenta e natural, porém sofrida ao doente. As necessidades dos pacientes terminais são diferentes dos doentes em que ainda existem chances de cura ou quando há possibilidade de aumento da sobrevida com algum benefício ou bem estar ao enfermo. Entretanto, antevendo-se pouco tempo de vida, o objetivo principal do tratamento paliativo é proporcionar melhor qualidade ao que resta de vida ao enfermo, preparando-o para a morte. Busca-se abrandar a ansiedade, o desespero, o sofrimento, a dor, o medo dos momentos finais da existência, com ajuda psicológica e espiritual de equipe multiprofissional: psicólogo, assistente social, fisioterapeuta, religiosos e outros, agregada à continuidade da assistência física prestada por médicos e enfermeiros. Se for possível, uma vez que o sentimento de pesar pela perda de alguém, na maior parte das vezes, é inevitável, o amparo pode se estender aos membros da família para que possam receber a morte com maior compreensão e serenidade. Na palavra abalizada de Léo Pessini, “As questões éticas envolvidas em Cuidados Paliativos baseiam-se no reconhecimento do fato de que o paciente incurável ou em fase terminal não é um resíduo biológico por quem nada mais pode ser feito, um ser necessitado de anestesia, cuja vida não deve ser prolongada desnecessariamente. Estamos sempre diante de uma pessoa, e como tal, capaz até o momento
final, de relacionamento, de tornar a vida uma experiência de crescimento e de plenitude.” (Cuidados paliativos: perspectivas contemporâneas in Revista Brasileira de Cuidados Paliativos, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 26, 2008). Os hospitais e os profissionais de saúde de várias partes do mundo estão reconhecendo cada vez com mais intensidade, os princípios de solidariedade humana almejados com os cuidados paliativos. Em nosso país, embora limitada a alguns hospitais públicos e instituições particulares, a prática já é adotada. O médico, diz o novo texto do Código de Ética Médica, não pode abandonar o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável, mas deve continuar a assistí-lo ainda que para cuidados paliativos. Isso quer dizer que, esgotados os meios de tratamento, o médico deve dar o melhor de si para confortar o enfermo fora de possibilidade de cura, até o final de seus dias. A Lei paulista 10.241/1998 incluiu entre os direitos dos doentes, atendimento digno, atencioso e respeitoso além de recebimento de auxílio do profissional adequado, para a melhoria do conforto e bem-estar, incluindo assistência moral, psicológica, social ou religiosa. A Portaria 19/GM, de 3.1.2002, do gabinete do Ministro da Saúde, instituiu no âmbito do SUS, o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos. No final daquele ano foi expedida a Portaria 3.150 criando a Câmara Técnica em Controle da Dor e Cuidados Paliativos, à qual, entre outras atribuições, coube se pronunciar a respeito das diretrizes nacionais sobre o controle da dor e cuidados paliativos, incluindo a formação e qualificação de profissionais. Em dezembro de 2005 surgiu outra Portaria, a 2.439, estabelecendo regras para a Política Nacional de Atenção Oncológica: Promoção, Prevenção, Diagnóstico, Tratamento, Reabilitação e Cuidados Paliativos. Há notícias que o Conselho Federal de Medicina, por intermédio da sua Câmara Técnica de Terminalidade da Vida, preocupa-se em elaborar uma resolução para definir condutas a serem seguidas para pacientes incuráveis em fase terminal. O tratamento paliativo é flagrantemente diferente do tratamento inútil ou extraordinário. É certo que o médico não pode acelerar a morte do paciente ainda que a pedido deste ou de seu representante legal, mas deve compreender os limites da ciência médica e reconhecer quando não é mais possível controlar o incontrolável. Tanto é assim que o Código de Ética Médica determina ao profissional oferecer, nos casos de doença incurável e terminal, todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade do paciente ou, na impossibilidade, a de seu representante legal. A eutanásia e a obstinação terapêutica são condenadas pela Igreja Católica: “Distinta da eutanásia é a decisão de
e u
D
i r e i t o
renunciar ao chamado «excesso terapêutico», ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para a sua família. Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência «renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes». Há, sem dúvida, a obrigação moral de se tratar e procurar curar-se, mas essa obrigação há de medir-se segundo as situações concretas, isto é, impõe-se avaliar se os meios terapêuticos à disposição são objetivamente proporcionados às perspectivas de melhoramento. A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana defronte à morte.” (João Paulo II, Encíclica Evangelium vitae, de 25.03.1995, sobre o Valor e a Inviolabilidade da Vida Humana). Os familiares têm o direito de recusar o abuso ou excesso terapêutico, porém “...seja qual for a razão, o que se recomenda nos casos de doentes terminais (assim definidos pela ciência médica) é o registro da exigência da família em cessar o tratamento, pelas formas possíveis (declaração assinada, testemunhas etc.), para que não venha qualquer de seus membros, no futuro, alegar omissão na conduta médica ou hospitalar.” (Sebastião, Jurandir. Responsabilidade médica civil, criminal e ética. 3ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 253). É conveniente acrescentar aqui breves informações sobre um documento que alguns chamam de testamento vital. É uma declaração escrita que a pessoa deixa com a família ou com alguém próximo, na qual expressa o desejo de ser submetida a determinados procedimentos médicos caso venha padecer de doença incurável impossibilitando-a de manifestar a vontade e cuja irreversibilidade leve-a à fase terminal. Quase sempre esse querer se resume a medidas paliativas com o intuito de manter o conforto e alívio da dor enquanto aguarda a hora final ou, então, na suspensão do tratamento. O escrito não tem a mesma força que os testamentos formais regulados na lei civil. Consequentemente torna-se inseguro afirmar que a vontade do enfermo será atendida. Caberá aos familiares, junto com o médico, decidirem se acatarão ou não o desejo do declarante. Quando possível, devem respeitá-lo sem, todavia, ultrapassar os limites da lei e da ética. Há quem entenda que um bom profissional e uma boa equipe solidarizam-se com os familiares e mesmo após o óbito, dão atenção aos impactos trazidos pela morte do paciente, seja comparecendo ao funeral, seja com uma simples ligação telefônica para expressar condolências.
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
37
O
m u n d o
p o d e
s e r
O
m u d a d o
Gilberto Picosque Psicoterapeuta Sistêmico Especialista em Terapia de Família e Casal pela PUC-SP
O mundo pode
ser mudado?
E
xperimentado como um universo expansor de repertórios individuais, o mundo modela nosso discernimento, ao capturar nosso vir-a-ser em sua rede de provocações e distrações. Mas compreendido como uma confusão de acasos, o mundo dissipa nossos modelos de conduta mais elevados, desalinhando os apoios e fórmulas racionais com que contávamos administrar nossos impulsos. Inteligir o mundo, é então, autocompreender-se. Esta é a providência mais delicada na atualidade: gerir a vida após a demolição de todos os valores tradicionais “universalmente” válidos ocorrida no último século! Sem leis, normas ou padrões autoritários que balizem nossa ação no mundo, facilmente oscilamos entre repetir condicionamentos sociais baseados nas noções de determinismo divino e repressão subjetiva, e adotar certo niilismo preguiçoso, que barateia e vulgariza a experiência da existência. E foi pensando o mundo de hoje, como esse chão deslizante onde ninguém consegue firmar o pé, que esta coluna estabeleceu-se como difusora de reflexões e opiniões acerca de mudanças possíveis e desejáveis “ao mundo”, através das respostas dadas a quatro perguntas padrão. Além de algum desejo nostálgico de retorno aos velhos tempos em que Deus administrava todos os destinos, uma profunda fé no potencial reorganizador da história da humanidade, como recurso para sanar a condição crítica despertada pelo tempo atual, esteve sempre presente nas respostas recebidas. Apesar disso, relendo os textos que constam nas edições anteriores da Meaning para esta coluna, surpreendi-me com a intransigência com que vinha analisando o mundo atual. Uma sensação de “estar pegando no pé do Mundo” além do necessário também surgiu quando procurei organizar minhas ideias para a redação do texto desta edição.
38
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
De onde viria essa tonalidade fiscalizadora que passou a impregnar minhas linhas de raciocínio? Observei que o que abastecia minha fúria era minha impotência perante a erosão de quase tudo o que já me estruturou. Aprofundando a reflexão, flagrei em mim a ingênua tendência a aguardar, algum dia, alguma resposta que tranquilizasse minhas próprias angústias frente aos golpes que este tempo atual impacta sobre tantas sensibilidades! Estava lá, disfarçada, a velha esperança em utopias redentoras capazes de equalizar crenças opostas e visões de mundo antagônicas, como se, para a recriação do Paraíso, bastasse o bater dos tambores do maravilhismo de nossos ideais. Frustrei-me... Como é difícil adotar uma mentalidade pósmoderna e assumidamente renunciar à maciez de um Projeto Unitivo que solucione o caleidoscópio de vivências erráticas que marcam as identidades contemporâneas! É difícil menos por estarmos diante de alguma falência da imaginação, mas mais pelo inédito desta época que calcula que a experiência singular seja obrigatoriamente uma irreverência a qualquer teoria generalizadora rascunhada por nossas filosofias, teologias, sociologias e psicologias estocadas em nosso patrimônio cultural. A mesma singularidade que, paradoxalmente, pede para ser protegida e estimulada em todos os consultórios de psicologia. Que não se confunda esta postura com as antigas prescrições pré-modernas de comportamento, pois é mérito exatamente desta época estabelecer que o psiquismo passasse a ser considerado como autor de significados ainda não convencionalmente apreensíveis, portanto, criador de sentidos e caminhos. Acompanhar os desdobramentos de nossa subjetividade, individual e coletivamente, nos encoraja a tentar escapar dos modismos que nos capturam para explorar e nos alienar em nossas fragilidades. Encoraja-nos a aproveitar melhor a época em que vivemos. Como campo coletivo de permutas de capacidades, o
m u n d o
p o d e
s e r
m u d a d o
mundo atual aguarda a amplitude de olhares que sofistiquem as coerências dessa multiplicidade de inteligências que ora se expressam sem mais nenhuma proibição, sob a direção não diretiva da pós-modernidade, escancarando nossa cumplicidade para com a Vida, alforriadas das ficções que já regularam nosso potencial por eras. Viver conforme a própria criatividade permitir parece ser o grande direito adquirido no mundo de hoje. E foi a partir desta perspectiva que aquele tom crítico e obstaculador da fluidez de minha redação desapareceu! E considerar a Vida como uma grande promotora de insights inspirou-me a transformar a pauta desta coluna em uma nova proposta: a partir da próxima
edição da Meaning, aguardamos seus comentários a respeito de como a vida, a partir de algum episódio específico, lhes trouxeram novos horizontes, novos caminhos, novas visões de mundo. A vida como terapia será nosso próximo espaço de encontro, e, como sugere Clarice Lispector: “Não se preocupe em entender; viver ultrapassa qualquer entendimento.” Na edição anterior, contamos com as colaborações de José Ângelo Gaiarsa, Camila Rabello de Carvalho, Geraldo Toledo e Regina Martins. Nossa editora-chefe, Ana Geórgia, e eu queremos expressar nossos agradecimentos a todos que enviaram respostas, reflexões e depoimentos, desculpando-nos por deixar de publicar algumas, apesar da sabedoria contida em todas elas.
1) Quais sentimentos o mundo atual evoca em você?
investimento na Formação para o Desenvolvimento Humano aponta como caminho seguro para a transformação da sociedade contemporânea do século XXI.
De luta.
2) Quais mudanças você proporia para o mundo?
4) O que ajuda você a viver num mundo ainda sem essas mudanças?
Gostei muito da proposta do povo de Butão.
A minha contribuição para que elas, “as mudanças”, aconteçam.
3) O que garantiria a concretização dessas propostas? Acredito na humanidade. A humanidade vive um momento limite. A reação social humana é inevitável. Toda crise provoca crescimento, amadurecimento. O
Dulce Barbosa
Mineira e avó de Danilo
1) Quais sentimentos o mundo atual evoca em você?
2) Quais mudanças você proporia para o mundo?
De grande compaixão e cuidado. Hoje em Santa Catarina há muito sofrimento e sofremos todos juntos, sempre mantendo o pensamento de como minimizar a dor de todos os seres. Tenho também grande esperança. Nós, como humanidade, estamos alcançando patamares novos de consciência e atuação. Isso é bom. Sempre nos transformando e tenho fé em nosso instinto de sobrevivência. Já percebemos que ou ganhamos todos juntos ou perdemos todos. Assim, pouco a pouco, vamos nos tornando mais amorosos e ternos entre nós, seres humanos, e também com toda a natureza.
Mudança do modelo mental. Não somos mais exploradores, mas compartilhamos a vida com todas as outras formas de vida, em grande harmonia. Assim, a mudança principal é na capacidade de nos percebermos a vida da Terra. Quando Xaquiamuni Buda teve sua experiencia iluminada disse: “Eu, a Grande Terra e todos os seres, simultaneamente nos tornamos o Caminho”. A partir dessa realização ele mudou. Minha proposta de mudança é a da iluminação, a compreensão mais clara de quem somos nós e qual nosso papel na vida da Terra.
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
39
O
m u n d o
p o d e
s e r
O
m u d a d o
3) O que garantiria a concretização dessas propostas?
4) O que ajuda você a viver num mundo ainda sem essas mudanças?
1) Quais sentimentos o mundo atual evoca em você?
Nosso instinto de sobrevivência garante a concretização. Sabemos que estamos todos interligados, interconectados com tudo que existe. E estamos nos transformando. Sempre há os que vão à frente, como a ponta de uma flecha. Outros e outras estão se transformando e percebendo que a harmonia e o respeito entre todos os seres gera bem estar e bem aventurança. Quem não quer ser feliz?
A certeza de que estou sendo a mudança que quero no mundo. Ainda sou muito insuficiente, mas procuro observar e ouvir para entender - testemunhar, então refletir em como agir para que o maior número de seres não sofram, e então procuro ações amorosas de transformação. Trabalho voluntário, palestras, aulas e principalmente sentar em Zazen e penetrar a essência de mim mesma, que é a essência da vida.
A delicadeza desta pergunta me faz pensar que é a delicadeza mesmo que, ao aparecer, pode causar espanto, de tão incomum. A delicadeza como sentimento espantoso. Isso daria uma tese. Sua pergunta me provoca outras. Quando você fala em “mundo atual”, fico pensando: “será o mundo que vemos pelos jornais e revistas, televisão e meios de comunicação em geral” pode ser considerado o “mundo atual”. Será que “mundo” é o que é noticiado? O que está fora dos meios de comunicação também seria “mundo”. Confesso que sua pergunta me evoca um “sentimento do mundo”. De um “outro mundo”. E quando penso em um tal sentimento me lembro de outro sentimento, antigo e bem filosófico: “dor do mundo”. A dor que os antigos românticos sentiam quando pensavam no fim da natureza. A dor de existir que machuca a cada vez que perdemos o sentido que, arduamente, temos que construir todos os dias. O “mundo atual” me desperta o sentimento de respeito: não entendo o mundo, ele é grande demais e preciso ter atenção ao que ele pode significar.
Monja Coen Sensei
Missionária oficial da tradição Soto Shu - Zen Budismo
1) Quais sentimentos o mundo atual evoca em você? O principal sentimento que me aflora atualmente é a necessidade de desenvolver a capacidade de adaptação.Com a atual revolução comportamental, cultural e de valores, que o mundo atravessa e com a velocidade que esta é propagada pelos veículos de comunicação, a necessidade de adaptação é sem dúvida o sentimento que o mundo mais me exige hoje em dia.Para as pessoas já “formadas”, há uma ardua tarefa de se adaptar aos padrões atuais, muitas vezes diferentes daqueles que fomos criados, para os quais fomos preparados (vide a crise financeira, a explosão da diversidade sexual, os avanços tecnológicos e científicos, às vezes,quase inaceitáveis para nossa formação!!!)
2) Quais mudanças você proporia para o mundo?
A mudança mais necessária, ao meu ver, que o mundo necessita hoje é a mudança no perfil dos educadores...entendo por educadores aqueles que participam do processo de desnvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano, visando a sua melhor integração individual e social, sejam eles pais, professores, enfim qualquer pessoa que sirva de exemplo ao outro em formação.Em diferentes graus todos nós somos educadores,somos exemplos para alguém de alguma forma. A educação é a base de tudo, mas como pode um educador preconceituoso de formação formar uma pessoa sem preconceitos??? Como se pode transmitir os atuais valores, que foram alterados pelo mundo no decorrer dos tempos, se nossos próprios valores são frutos de uma verdade retrógrada, que não se enquadra no mundo atual? A adaptação é um ato pessoal,
40
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
sem o mimetismo ou a camuflagem usados somente para se sobreviver.Ela deve ser verdadeira para que nós passemos adiante os valores contemporâneos, modificados através dos tempos, aceitando-os e acreditando realmente neles.
3) O que garantiria a concretização dessas propostas? É dificil de se responder...mas a mudança pessoal faz com que vc melhore sua vida, pois viver é a capacidade de se adaptar ao meio e sentir-se bem, enquanto sobreviver é só a capacidade de se adaptar ao meio pra não morrer!!! Em qualquer proposta para melhoria do mundo nós devemos nos perguntar: O que verdadeiramente eu estou fazendo para contribuir com isto??? Antes de tentar mudar o mundo nós devemos começar a mudar nós mesmos!!!Só vejo a aceitação da necessidade de adaptação e a propagação desta idéia como uma forma de construir um mundo melhor, para que as gerações vindouras já venham “prontas”, e é claro aptas também a se adptarem, pois o mudo continua em constate mutação.
4) O que ajuda você a viver num mundo ainda sem essas mudanças?
O que me ajuda a viver neste mundo é justamente o desenvolvimento desta capacidade, pois acredito que quem não se adapta não resiste, morre!!!A vida termina quando seu potencial de enquadramento ao “novo” deixa de existir...quando mudar, se adaptar se tornam tão difícil, que não vale mais a pena viver...
Márcio Gerzely Médico
2) Quais mudanças você proporia para o mundo?
m u n d o
Sentimentos bastante contraditórios. Medo de tanta violência, perplexidade frente às constantes descobertas e, ao mesmo tempo, destruições , alegria diante das conquistas humanas e tristeza com a falta de respeito, principalmente, com o ser humano.
2) Quais mudanças você proporia para o mundo?
s e r
m u d a d o
uma “granada” pronta a explodir nas minhas mãos. Ou, no mínimo, para minimizar o tom, em uma “batata quente”. Farei malabarismos enquanto a idéia esfria? Enquanto isso vou pensando no “meu mundo”, ou nos pequenos mundos, os “microcosmos”, por oposição ao grande e simbólico “macrocosmos”. Eu jamais proporia mudanças ao macrocosmos, mas ao microcosmos de nossas vidas, eu pediria “respeito” por cada um, por cada coisa que vive, por tudo o que foi criado pela natureza ou pela inteligência humana.
3) O que garantiria a concretização dessas propostas? Autocrítica. Cuidado com o que cada um pensa de si mesmo e dos outros. Menos prepotência, menos agressão e mais atenção aos próprios passos e em todos os sentidos que envolvam passos alheios.
4) O que ajuda você a viver num mundo ainda sem essas mudanças? A sensação de que trabalho por isso. De que escolhi meu caminho e pagarei o preço das minhas escolhas, da vida que vivo, das pessoas que amo ou com as quais convivo.
Marcia Tiburi
Estou aqui, com o “mundo” da sua pergunta como se fosse
1) Quais sentimentos o mundo atual evoca em você?
p o d e
Filósofa e escritora
Uma mudança de mentalidade, as pessoas sendo mais solidárias, mais amorosas, menos egoístas e consumistas. Como trabalho na área da educação, acredito que ela pode ser um fator importante para esse trabalho de renovação.
4) O que ajuda você a viver num mundo ainda sem essas mudanças? A esperança de que essas mudanças aconteçam, a crença (quase romântica) de que elas se concretizem.
É um tremendo desafio. Um mundo renovado, voltado às relações interpessoais e de responsabilidade com o meio ambiente. Um mundo que recusa o imobilismo diante das destruições, e que promova a qualidade de vida: o bem-estar, o estar bem.
Walkíria de Assis Consultora Pedagógica
3) O que garantiria a concretização dessas propostas?
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
41
T
e r a p i a s
C
F
o m p l e m e n t a r e s
M
COMO PREVENIR QUEDAS EM IDOSOS
ais de um terço dos adultos com 65 anos ou mais sofrem quedas nos Estados Unidos a cada ano, conforme estudos publicados pelo Center of Desease Control and Prevention (Hornbrook et al. 1994; Hausdorff et al. 2001). Após os 65 anos de idade o risco de queda aumenta, sendo a principal causa de ferimentos e lesões relacionadas com a piora na qualidade de vida dos adultos e principalmente das pessoas idosas. De acordo com uma pesquisa realizada em 2007 na população brasileira, o percentual de idosos que caem é de 34,8%. Entre os que sofreram quedas, 12,1% tiveram fratura como conseqüência. Existem alguns fatores como idade avançada, sedentarismo, fraqueza muscular, rigidez articular, uso de grande quantidade de medicamentos, incontinência urinária, problemas de visão e de equilíbrio que podem predispor às quedas. Além das conseqüências de uma queda, a maior preocupação está relacionada com o medo de cair novamente, podendo levar o idoso a um isolamento social e a quadros depressivos. Para envelhecer com melhor qualidade de vida, é necessário adotar estratégias que ajudem a reduzir o risco de quedas nos idosos, dentre elas: providenciar iluminação adequada nos ambientes, retirar objetos perigosos do caminho (tapetes, passadeiras, mesas de centro),adaptar ambientes conforme a necessidade (barras de apoio nos banheiros e chuveiros, elevar a altura do vaso sanitário, colocar rampas de acesso nas escadas e faixas antiderrapantes nos degraus), usar calçados adequados
42
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
nas práticas esportivas e no dia-a-dia principalmente com solado de borracha e cano mais alto para evitar entorse de tornozelo. Adaptações nos ambientes e a prática de atividades físicas diminuem o risco de quedas. A caminhada, o Tai Chi Chuan, a dança de salão, a natação ou simplesmente caminhar dentro da piscina, exercícios de fortalecimento muscular (musculação) são boas opções. Estas atividades melhoram o equilíbrio corporal, a propriocepção (que é a consciência do corpo), a resistência e a força muscular. Enquanto fizermos a prevenção, nunca saberemos do que nos poupamos.
S
e n t i d o
A amizade
Yeda Bellia
Fisioterapeuta FMUSP Especialista emTerapia da Mão pela FMUSP Membro da Sociedade Norte-Americana de Terapeutas de Ombro e Cotovelo Diretora da Clínica de Fisioterapia Yeda Bellia
a z e n d o
como uma forma de cuidado
E
ntre as formas de cuidado presentes na filosofia antiga, Muitas das pessoas que buscam o consultório de filosofia clínica a amizade é de grande valor. Na Ética a Nicômacos, trazem como queixa a solidão. Não a solidão de não ter com quem Aristóteles afirma que com os amigos as pessoas são mais conversar, mas de não ter quem as ouça, quem pense junto com elas. capazes de pensar e de agir. O próprio termo filosofia tem em Por isso optam por procurar a escuta de um profissional. Às vezes, sua composição o termo filos, originário do grego philia, que quando buscamos nossos amigos, encontramos pessoas ensimesmasignifica o amor, com sentido de amizade. das, incapazes de ouvir algo diferente de sua própria voz. Em alguns O encontro com o outro, com o diferente, provoca a reflexão, casos, nem conseguimos expressar a questão que nos fez procurar o pensamento que movimenta nossas crenças, colocando-as sob aquela pessoa, porque ela não se dispõe a nos ouvir. Fala sobre si, sobre investigação. Assim, as crenças que orientam nossas ações são seus pensamentos, suas necessidades, suas dores, suas conquistas. E colocadas em dúvida, investigadas, movimentadas. Jean Pierre nós não encontramos lugar para partilhar o que necessitávamos partiVernant, em As origens do pensamento grego, apresenta como fator lhar. Mesmo quando nos propomos a ouvir e, em algum momento, primordial para o surgimento da filosofia o encontro entre o povo questionamos o relato apresentado, somos simplesmente ignorados. grego e os povos do oriente, propiciado pelas viagens marítimas. É Faz-se um monólogo ao invés do diálogo. neste momento histórico que o ser humano questiona sua crença Em outros casos, o amigo já traz a solução pronta, antes nos deuses da mitologia como responsáveis por seu destino. Tal mesmo de ouvir qual é o problema. E se não aceitamos aquele questionamento movimenta seu pensar e provoca o surgimento caminho de imediato, ouvimos expressões do gênero: Você é de uma sociedade organizada de modo a trazer para o próprio ser teimosa! Não quer se ajudar.; Para que você me conta se não humano a responsabilidade sobre sua vida, sobre seu destino. quer ouvir?... Algumas pessoas chegam a romper com o outro O filósofo, amigo do saber, aquele que busca constantemente quando este não segue seus conselhos. a sabedoria, duvidando de suas próprias certezas pode, como A filosofia exige outra postura. O filósofo não tem respostas afirma Platão no diálogo Teeteto, perder-se em seu caminho prontas; seu papel é colocar em dúvida não apenas as crenças caso sua reflexão seja solitária. Ele precisa do outro, do amigo que alheias, mas também as suas próprias ideias. Se o filósofo ficar questione, provoque, movimente seu pensar. Seja para rememorar preso a uma crença, sem colocá-la em investigação, deixa de ser a verdade um dia contemplada ou para nos provocar a pensar filósofo, assumindo uma postura dogmática. Todos corremos este melhor o mundo em que vivemos analisando os contextos nos risco, que tem como melhor forma de prevenção o diálogo, o quais estamos inseridos, a amizade é vista, na filosofia antiga, questionamento, no qual somos chamados a sair de nossa posição, como uma importante forma de cuidar de si – lembrando que a nos dispor a pensar junto com o outro. o cuidado de si implicava, naquele tempo necessariamente, no Assim, a filosofia, que é essencialmente uma atividade solitária cuidado da polis, da vida em sociedade. por exigir a autonomia de pensamento, o pensar por si mesmo, Deleuze e Guattari, no livro O que é a filosofia?, sugerem é também uma atividade que só acontece com o diálogo. Como que o filósofo, amigo do saber, amigo do conceito, torna-se rival pensar por si mesmo e pensar junto com o outro ao mesmo temdo outro, disputando a posse da sabedoria sofia. E quem é o po? É um exercício que supõe a abertura, a disposição para ouvir o filósofo hoje? Amigo do saber ou amigo do outro? É possível ser, outro, tentar acompanhar seu argumento, colocá-lo em confronto concomitantemente, amigo do saber e amigo do outro? com suas próprias ideias, sem impor sua forma de pensar, mas Quando nossas crenças são questionadas, como reagimos? também sem ser absorvido pela ideia do outro. O encontro na Colocamos nossas crenças em investigação, refletindo junto com o alteridade é a amizade, capaz de ampliar nossas formas de pensar outro, ou tentamos defendê-las a qualquer preço, como se fossem e de existir, nos tornando mais capazes de cuidar de nós mesmos, verdades absolutas? Acompanhamos o pensamento do outro, e dos outros e do mundo no qual vivemos. com isso nos permitimos perceber nossos possíveis erros ou ouviMonica Aiub mos a exposição do outro buscando argumentos para provar que Filósofa Clínica / Mestre em Filosofia-UFSCAR estamos certos e o outro errado? Aprendemos, com a coexistência, Prof. Titular de Filosofia-Universidade Mackenzie novas formas de vida ou ficamos indignados com quaisquer formas que não sejam compatíveis com a nossa, tentando eliminá-las Prof. Titular Curso de Formação Filosofia Clínica/Inst. Packter Fundadora e Diretora / Instituto de Filosofia Clínica de SP ou simplesmente desconsiderando sua existência?
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
43
T
T
u r i s m o
Brasília, 50 anos S
onhada por Juscelino Kubitschek e idealizada por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, a capital é muito mais do que apenas prédios, política e maracutaias. Inaugurada em 21 de abril de 1960, em pleno Brasil Central, Brasília passou anos cercada de desconfiança. Poucos apostariam que uma metrópole de cerca de 2,5 milhões de habitantes a quarta mais populosa do País surgiria ali, em meio à aridez do cerrado. Hoje, Brasília é uma cidade consolidada, com vida própria, muito além dos poderes (e podres) da política nacional.
Arquitetura A cidade se desenvolveu, mas os principais pontos turísticos de Brasília ainda são as construções assinadas
44
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
por Oscar Niemeyer, como o Congresso, a Catedral Metropolitana, o Museu Nacional e outros tantos prédios e obras que foram fundamentais para que a capital nacional ganhasse, em 1987, o registro como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). A Praça dos Três Poderes é o centro político do Brasil. Lá estão o Congresso Nacional (sede do Senado e da Câmara dos Deputados), o Palácio do Planalto (Poder Executivo) e o Supremo Tribunal Federal (Poder Judiciário). O que pouca gente sabe é que é possível conhecer um pouco mais: basta agendar a visita. Para conhecer a Câmara dos Deputados é preciso ligar para (61) 3216-
u r i s m o
Por Luciano Rodrigues
1772 ou enviar e-mail para visitas@camara.gov.br. Já no Senado, a visita dura cerca de 50 minutos e pode ser marcada pelo telefone (61) 3311-1582. Também merece uma visita o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, e o Memorial JK, que conta um pouco mais sobre a história e a vida do grande idealizador da cidade.
Urbanismo Lúcio Costa, gênio do urbanismo brasileiro, costuma ser deixado de lado quando se fala de Brasília. Mas o projeto que criou a cidade é um espetáculo à parte. As avenidas largas, quase sem cruzamentos, idealizadas para que o trânsito fluísse livremente, o famoso formato de avião do Plano Piloto, despertam críticas e elogios
m e a n i n g
|
e d i ç ã o 0 7 - A n o 3
45
T
u r i s m o
de todos os tipos, mas representam, ainda hoje, uma revolução imagine há 50 anos. Duas avenidas principais formam a estrutura inicial da cidade, projetada para receber apenas 500 mil pessoas na época: o Eixo Estrutural, que une as regiões residenciais da cidade, e o Eixo Monumental, onde se concentram os símbolos do poder nacional. O Eixo Monumental, aliás, já foi considerado pelo Guinnes Book como a avenida mais larga do mundo, com seis faixas de tráfego em cada sentido e 250 metros de largura. Recentemente foi inaugurada a belíssima ponte Juscelino Kubitschek, que vale a visita. Inaugurada em 15 de dezembro de 2002, a estrutura da ponte tem um comprimento de travessia total de 1200 metros e largura de 24 metros com duas pistas, cada uma com três faixas de rolamento. Foi considerada por diversas publicações especializadas em arquitetura como a mais bela ponte do planeta.
Natureza Mas nem só de prédios e construções vive a cidade. Imperdível é o Lago Paranoá, aonde milhares de brasilienses vão todos os finais de semana. Vá direto ao Pontão, uma espécie de condomínio localizado no Lago Sul que reúne lojas, bares e restaurantes. O Paranoá foi criado artificialmente, durante a construção da cidade, com o objetivo de aumentar a umidade em suas proximidades. É formado pelas águas represadas do rio Paranoá, e tem 48 quilômetros quadrados de extensão, profundidade máxima de 38 metros e cerca de 80 quilômetros de perímetro, com algumas praias artificiais, como a “Prainha” e o “Piscinão do Lago Norte”. Destaque também para o belo parque Sarah Kubitschek, que leva o nome da primeira-dama do Brasil quando a capital foi inaugurada. Fundado em 1978, é o maior parque urbano do mundo, com cerca de 4,2 milhões de quilômetros quadrados, superando até mesmo o Central Park em Nova York.
Fevereiro/2010