Revista meiaum Nº 14

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Nem tudo que é impresso é jornal

+ XINGU

Onde o tempo passa lentamente

U N°

Darcy tinha razão: nem o paraíso é melhor

14 Ano 2 | Junho 2012 | www.meiaum.com.br

+ OPINIÃO


* Taxa a partir de 0,74% ao mês.

Depois de ser o 1º banco a reduzir as taxas de juros e tarifas, o BRB diminuiu os juros consignados para os servidores públicos. Servidor público federal, traga a sua conta-salário para o BRB e aproveite também as taxas do BRB Serv. Conheça as vantagens que só um banco, que acredita e realiza, tem.

Antônio Dias Gerente do BRB

WWW.BRB.COM.BR

Kátia Queiroz

Superintendente do BRB

É de Brasília. É da gente.


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MAIS UMA VEZ O SEU VOTO VAI FAZER A DIFERENÇA. AJUDE A ESCOLHER A MARCA DA CÂMARA LEGISLATIVA.

A Câmara Legislativa vai lançar a sua logomarca oficial. E, para marcar essa etapa na sua história, onde a população tem mais voz ativa e participação, a marca será escolhida por você. Participe e ajude a decidir qual será a nova cara da Casa do Povo.

Acesse: www.novacamara.com.br/vote e escolha.


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28

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Papos da Cidade

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Opinião – TT Catalão Uma reflexão sobre o jornalismo feito em Brasília

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Fora do Plano

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ÍNDICE

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Reflexões, análises e resmungos de quem vive em Brasília

Uma CPI com mais de 700 páginas de relatório e nenhum resultado

Conto – Hanna Xavier Ferreira

Vocação não se discute

Índios

50 anos depois da criação do Parque do Xingu, como ficam os próximos 50?

Poesia – Luiz Martins da Silva Algumas haiquadras

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Perfil

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Charges do Gougon

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Caixa-Preta

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Conto – Rodrigo Fernandes

Capa

Por que é tão bom trabalhar no Senado

Brasífra-me

Os poemas-enigmas de Nicolas Behr

As histórias de Eva Leite

Gilmar Mendes pergunta, Lula responde

Luiz Cláudio Cunha lembra o que o general Leônidas esqueceu

Naquela segunda-feira, nada lhe tocava o espírito

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Arte, Cultura e Lazer

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Banquetes e Botecos

Os destaques da programação da cidade

Em cada edição, Marcela Benet visita um restaurante. E ninguém sabe quem ela é



Fotos: Leonardo Arruda

Romulo Andrade pág. 26

Artista visual carioca, aprendiz de poeta; em 75 muda-se para Brasília e colabora com o Jornal Ordem do Universo; precursor do movimento ambientalista; participa de mostras de arte; desenha os pictogramas de sinalização da rede Sarah; editor de arte; conspira com a geração Cabeças; atua com oficinas de arte, poesia e cultura brasileira em escolas públicas; colaborador do historiador poeta Paulo Bertran; coordena no Facebook o grupo Cerratenses. Site www.pintoandrade.multiply.com.

Gustavo Serrate pág. 18

Como jornalista, gosta de sujar os sapatos, trazer para o papel recortes da realidade. Pílulas de vida. Também é cineasta-independente-sem-glória, e vive tentando trair a narrativa tradicional com poesia. Mas, antes de tudo, diz ser um candango construindo esta obra inacabada, a cultura brasiliense.

Noelle Oliveira págs. 11, 15 e 28

O estilo “mineirinha come quieta” disfarça a jovem brasiliense descolada. Ela adora histórias, de todos os tipos. Das pequenas fofocas de bastidores aos enredos mais complexos e variados. Bastam alguns minutos e tudo aquilo vira texto. Jornalista de polícia a política, on-line ou impresso, fez de tudo um pouco. Cuidado apenas para não confundi-la: existem duas irmãs fotocopiadas soltas por aí.

Chico Régis pág. 46

É natural de Brasília, filho de migrantes nordestinos, da primeira geração nascida na capital (safra 1965). É formado em comunicação social e atualmente trabalha com ilustração, web e design gráfico. Como ilustrador, tem gosto especial pela área editorial, especialmente na imprensa, onde dispõe de muita liberdade para trabalhar técnicas e ideias, sempre com o intuito de dar maior valor à notícia.

E mais...

Luiz Martins da Silva pág. 26

Jornalista e professor. Em Brasília desde 1970. Tem publicado livros e participado de antologias desde 1977. Fez parte dos movimentos de poesia marginal e dos concertos Cabeças. Conquistou o 1º lugar no prêmio Cassiano Nunes. É um dos apoiadores das ONGs Açougue Cultural (integra o Movimento Viva Arte) e Viva Capital.

Daniel Banda pág. 8 Paula Oliveira pág. 8 Kátia Morais pág. 9 Lúcio Flávio págs. 10 e 53 Suélen Emerick pág.11 TT Catalão pág. 12 Gougon págs. 15, 44 e 45 Hanna Xavier Ferreira pág. 16 André Zottich pág. 16 Francisco Bronze pág. 28 Nicolas Behr pág. 38 Rafania Almeida pág. 40 Luiz Cláudio Cunha pág. 45 Rodrigo Fernandes pág. 46 Priscila Praxedes pág. 48 Marcela Benet pág. 54 Rômulo Geraldino pág. 54

Colaboradores


Carta dos editores

No reino da felicidade

“P

or que não param de criticar e estudam para entrar aqui?” Foi assim que um servidor encerrou o papo ao saber por que nossa repórter Noelle Oliveira fazia tantas perguntas sobre os benefícios por ele recebidos. A missão dela era entender o motivo de o Senado ser o local de trabalho mais cobiçado da capital federal, por gente das mais diferentes formações. Os mesmos atrativos que fazem com que se queira trabalhar lá, porém, viram tabu depois de conquistada a vaga. Não gostam de falar da remuneração, dos benefícios e das regalias com que sonham tantos brasileiros. “Toda vez que a imprensa fala de nós, perdemos alguma coisa”, justificou outro funcionário da Casa. Sabemos que no Senado há pessoas que se empenham muito, que retribuem o lote no paraíso com serviços de qualidade e levam a carreira pública a sério. Por mais que se matem de trabalhar, ainda assim não há lugar melhor para ganhar a vida

em Brasília. As condições, as férias prolongadas, o incentivo ao estudo, o status, a qualidade do serviço médico, as altas remunerações. Nenhum concursado da Casa recebe menos que 22 salários mínimos por mês. É por isso que lá reina a felicidade. Quem entrou não quer sair. E muita gente daria tudo para cruzar os portões do paraíso e encontrar a tranquilidade eterna. Nós não achamos que os servidores do Senado sejam responsáveis pelas mazelas do País ou que as pessoas não tenham direito a querer um futuro melhor, com conforto e a tal “qualidade de vida” de que tanto falam. Na verdade, seria bom se todos pudessem trabalhar em um lugar assim, tirando as distorções, claro. Mas as coisas aqui na Terra são bem diferentes do paraíso, por isso a curiosidade em saber como funcionam as coisas do lado de lá. Darcy Ribeiro disse que o Senado é melhor que o paraíso, uma vez que não é preciso morrer

para chegar lá. Mas o fundador da UnB foi um dos principais responsáveis pela criação de outro paraíso aqui na Terra, resultado do esforço dos irmãos Villas Bôas: o Parque Indígena do Xingu, que completou 50 anos em 2011. Gustavo Serrate passou uns dias por lá, na aldeia da tribo Yawalapiti. Nesta edição, ele mostra, em textos e fotos, como foi a experiência. E alerta para a ameaça à primeira terra indígena homologada pelo governo brasileiro. E já que o assunto é paraíso, Rafania Almeida tratou de encontrar uma Eva. Ela mora no Varjão, mas é piauiense. Ajuda muita gente, luta pelos direitos da comunidade e ensina a criançada a mexer no computador e a pintar. Para esses meninos e meninas, é uma heroína, mas ela também tem seus pecados. A história de Eva Leite está na página 40.

Anna Halley e Hélio Doyle

( ) MEIA

U

(meiaum) é uma publicação mensal da Editora MEIAUM Diretor Editorial: Hélio Doyle Diretora de Redação: Anna Halley Fotografia: Leonardo arruda Projeto gráfico e diagramação: Carlos Drumond Assistente de Produção: Cristine Santos Publicidade Sucesso Mídia Comunicações – (61) 3328-8046 – barroncas@sucessototal.com.br TIRAGEM 12 mil exemplares Impressão Gráfica Imprima (Brasília) – (61) 3356-7654 Os textos assinados não expressam, necessariamente, a opinião da Editora Meiaum. | Contato: editora@meiaum.com.br

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CAPA | Por Pedro Ernesto

Desenho a lápis aquarelado Designer gráfico, atua no mercado brasiliense, é autor de livro infantil e colabora na meiaum desde seu primeiro número. Faz parte do escritório Grande Circular. Veja os trabalhos da equipe em www.grandecircular.com.


Papos da cidade } ilustrações Daniel Banda

bandinha.dinelli@gmail.com

Pelo prazer de incomodar Nunca entendi bem a cabeça dos vândalos. Desse prazer de estragar as coisas dos outros, eu não morro. É inveja? É um ato de autoafirmação na turma? Ou é simplesmente uma satisfação pessoal em destruir? Dizem

por aí que pode ser uma forma de expressão que os jovens encontraram para reproduzir sua insatisfação com não sei o quê. Besteira! Na minha avaliação, é pura sacanagem. Mesmo em manifestações populares, em atos em que as pessoas precisem demonstrar que estão insatisfeitas com algum serviço público, acho desnecessário. Vira e mexe lemos notícias desse tipo. Outro dia foi em São Paulo. Cortaram os cabos de eletricidade de uma linha de trem em protesto contra o péssimo serviço oferecido. Resultado: o que era ruim ficou impraticável até o conserto ser feito. Em Brasília, já quebraram vidraça do Congresso Nacional. Resultado: nenhum que me venha à cabeça. No Rio de Janeiro, queimaram ônibus para chamar a atenção para assassinatos cometidos por policiais em confronto com traficantes. Resultado: nada mudou e, se for olhar, hoje mesmo mais um monte de gente morreu. Esses atos, concordando ou não, tinham justificativa. Mas o que vem acontecendo em Brasília é mais absurdo ainda. Pichadores, que são tradicionalmente imbecis, resolveram estragar, além de muros, monumentos e paredes, carros estacionados na rua. Sim! Você deixa o seu carro embaixo do seu prédio à noite, quando chega do trabalho, e, quando sai pela manhã, se depara com a “obra de arte” na sua porta. Agora, me diga, qual é a graça? O que pretendem com isso? Protestar contra o consumismo? Acho que não. É pura sacanagem mesmo. Outro dia um colega teve uma surpresinha ao ver o seu carro de manhã. Alguém tinha simplesmente arrancado os retrovisores. Do jeito que fizeram, contou, não havia possibilidade de o equipamento ser reaproveitado. Quando é roubo, dá até para entender, não aceitar, mas entender. Mas quando é para destruir... é muita sacanagem! Paula Oliveira


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Prioridade é prioridade O tempo médio para começar um tratamento de radioterapia no Distrito Federal é de seis meses, de acordo com um estudo assinado pelo Tribunal de Contas da União, pelo Ministério da Saúde e pelo Instituto Nacional do Câncer. O governo do Distrito Federal diz que os dados são antigos e que hoje a demora está em torno de dois meses, o que é contestado por pacientes. De acordo com especialistas, o tratamento radioterápico deve começar no máximo seis semanas a partir do diagnóstico comprovado de câncer. Um mês e meio, no limite. Há também muita demora para que um paciente possa se submeter a um exame de colonoscopia na rede pública de saúde do Distrito Federal. Espera-se por pelo menos dois meses para fazer um exame essencial para diagnosticar câncer no intestino. Essa história vai se repetir, como se repete há anos, com diversos outros equipamentos essenciais para diagnóstico e tratamento do câncer e de várias outras doenças. As desculpas são sempre as mesmas. Há menos aparelhos do que são necessários. Os equipamentos quebram e o conserto demora, porque depende de orçamento, licitação, peças que vêm do exterior. Há poucos profissionais qualificados para operá-los. A grande demanda de pacientes dos municípios vizinhos sobrecarrega o sistema. Na verdade, nada que não possa ser resolvido com uma boa gestão e dinheiro. O que pode ser mais importante para um governo do que assegurar a saúde da população e garantir o tratamento adequado das doenças? Garantida a saúde, como sabe qualquer cidadão, o resto fica mais fácil. Ou saúde é prioridade, ou não é. Se saúde é mesmo prioridade, outras despesas têm de ser suprimidas e a prioridade no orçamento tem de ser

para equipar a rede pública (e não fazer convênios suspeitos com a rede privada), contratar profissionais e remunerá-los bem (garantindo que efetivamente trabalhem), assegurar a assistência básica, criar um sistema eficiente de gestão. Dinheiro, há: some-se o que se gasta com festas superfaturadas nas cidades, patrocínio a eventos religiosos, cerimônias protocolares fúteis, carros oficiais, funções comissionadas desnecessárias, administrações regionais inúteis, secretarias demais para uma cidade de 2,6 milhões de habitantes, viagens ao exterior, verbas indenizatórias para deputados e assim por diante. O dinheiro que os deputados distritais pretendem gastar com a reforma do prédio inaugurado há menos de dois anos a um custo de absurdos R$ 120 milhões, por exemplo, daria para comprar muitos equipamentos essenciais para hospitais e postos de saúde. Só com os R$ 165 mil que, segundo se anuncia, serão gastos com dois projetos de arquitetura, dá para comprar dois aparelhos para colonoscopia. Afinal, saúde é ou não prioridade? Hélio Doyle

Mais Bienal A cidade viveu dias de festa com a 1ª Bienal do Livro. Fui logo no primeiro dia saudar e conferir a arte. Na chegada, descobri um estacionamento atrás do Teatro Nacional. Tudo perfeito, pensei. Na Esplanada, guardas interrompiam o trânsito para a gente atravessar em frente ao primeiro pavilhão. Que maravilha que Brasília está aprendendo a acolher gente, pensei de novo. De rasteiras, mochila e os velhos óculos, circulei pelos estandes, namorei livros e encontrei amigos. Como é bom ver reunidos num só lugar cultura e gente com expectativas em comum! Mas não dava para

relevar os riscos de tropeço nos carpetes mal colados aos pisos dos corredores. A cada passo, temia a possibilidade de estatelar-me no chão. Nesse drible, cheguei a um estande à procura da coleção de dicas de gramática do professor Pasquale Cipro Neto. Indaguei sobre a ausência de um dos fascículos. A resposta veio crua: “Tem não, moça, porque não vende. É de pronome e adjunto, coisas que ninguém se interessa (sic)”. Um soco no ouvido. Mas o descaso com a língua é nacional, ponderei. Dias depois voltei para ver Martha Medeiros. Cheguei cedo e sentei-me na segunda fileira do Café Literário, fã que sou da escritora competente e sofisticada. Saí feliz com suas palavras sobre temas cotidianos, que são a argamassa dos bons cronistas. Ganhei meu dia, pensei novamente. Mas foi um exagero de expressão. Logo me deparei com o portão fechado, bem próximo ao estacionamento. Havia uma multidão do lado de fora, querendo entrar, e outra do lado de dentro, querendo sair. Felizmente ele acabou aberto. Lá fora, nova surpresa: os guardas já não estavam por ali fazendo seu trabalho. Agora, ou nos arriscávamos a atravessar o congestionamento da Esplanada ou teríamos que andar até o próximo sinal. Cruzada a pista, nova aventura: buscar o carro num lugar escuro e sem policiamento. Ufa! Passada a confusão, agora é torcer pela segunda edição do evento e esperar sempre o melhor, para não engrossar a lista dos que resmungam por tudo. Kátia Morais

Compre um carro e salve o País Desde aquela crise que teve início em 2008, volta e meia se concedem (e se prorrogam) desonerações e incentivos temporários à indústria, especialmente automobilística. Em troca, as beneficiárias prometem não demitir.


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O último “pacote de bondades” começou a valer em meados de maio e vai até agosto. Está certo que a cadeia produtiva automotiva é longa, cria muitos empregos, tem 20% de participação no PIB industrial. (Deixemos pra lá a ultrassecreta margem de lucro, as condições de trabalho e a baixa qualidade de alguns veículos produzidos aqui). Mas medidas como essa só evidenciam a volatilidade e a perversidade da política tributária do Brasil. São ações que não atacam os problemas de produtividade e de competitividade da nossa indústria, além de reforçarem a dependência desta em relação ao Estado. Fazem alarde com “um conjunto de medidas de estímulo à economia brasileira” como se estas camuflassem a negligência de que os brasileiros são vítimas diariamente. Obrigação do Estado é dar destino correto aos impostos; é oferecer condições a quem quer empreender; é estabelecer leis trabalhistas praticáveis; é investir em infraestrutura de transporte de modo que a logística não pese tanto a quem produz neste território. Não é incentivar todo mundo a comprar carro, não. O papel do Estado é nos dar condições de não precisar de um. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que “as ações são importantes para aumentar a oferta de crédito e estimular a atividade econômica”. Comprar não é tirar o dinheiro do bolso e levar a mercadoria para casa, é fazer crediário e depois ver como pagar. A nova classe C, tão celebrada no segundo mandato de Lula, aprendeu a consumir assim. Atende prontamente à convocação para manter a economia aquecida, sem se preparar para o futuro. Estudo da consultoria MB Associados divulgado na última semana de maio mostra o resultado dessa política. Aproximadamente 14 milhões de famílias brasileiras comprometeram mais de 30% do orçamento mensal com dívidas. A maioria, claro, está

nas classes menos favorecidas: 5,8 milhões na classe C e 6,6 milhões nas classes D e E. Adivinhe qual é o item número 1 na lista de dívidas da classe C? Prestação do carro, que só perdeu para eletro e móveis nas classes mais baixas. A taxa de inadimplência na compra de veículos, aliás, bateu o recorde de 5,9% em abril. Será que o governo vai bolar um “conjunto de medidas” para socorrer essas famílias? Anna Halley

Brasília faz a gente perder a fé no ser humano Perdi a fé no ser humano e, quando olho para Brasília, a cidade em que escolhi viver há mais de dez anos, aí é que esse sentimento de descrença se amplia e me sufoca. Escândalos, corrupção, jogadas escusas, tráfico de influência, banalização do poder, omissão, submissão, negligência, temas e palavras que já viraram clichês e sinônimos ou estão correlacionadas com a capital brasileira. E se vê que a coisa está feia quando nos deparamos pelas ruas com camisetas trazendo a frase: “Sou de Brasília, mas juro que sou inocente”. Anda tudo errado por aqui. É uma cidade onde a vaidade e a soberba passeiam no ar que respiramos. Dá nojo o Supremo com aqueles burocratas da Justiça vomitando regras e conceitos que não atingem de forma positiva a base da pirâmide no Brasil. Para mim não passam de meros pavões ciscando à sombra da Deusa Têmis e que deveriam se olhar no espelho a dizer: “Há quem chega às maiores alturas para cometer as piores baixezas”. O Executivo dá vergonha, quando não pesadelo, medo. Não tem muito tempo e um senador brincou de Space Invaders com os painéis do Congresso e perdeu o mandato, a honra e, quase a confiança do povo, mas não a vergonha na cara. Com um bom vidro

de peroba a tiracolo se elegeu governador para criar uma república de chanchada com dólar, cuecas e meias, escancarada num Big Brother da mediocridade. Menos de quatro anos depois, era o povo que, sem óleo de peroba, exibia um lustroso nariz vermelho na cara, eis a sina crassa, hedionda e cretina do povo brasileiro. O sucessor, bancando o moralista, com pouco mais de um ano de mandato já está envolvido até o pescoço em escutas, tramoias e rolos políticos e bem que o avisaram para trancar a caverna com os quarenta ladrões. E tudo isso acontece porque parte da imprensa local é submissa, omissa e se prostitui à revelia da verdadeira informação para estar de braços e abraços, num romance astral com o poder. Será que um dia teremos um governante honesto, íntegro e capaz de saciar os anseios e as necessidades do povo em quatro anos? Temo que não. Perdi a fé, definitivamente, no ser humano. Estou desenvolvendo um estilo de vida que não precisa, necessariamente, de minha existência. Lúcio Flávio

Círculo vicioso Os professores da rede pública do Distrito Federal têm assembleia marcada para a primeira quinzena de junho. Prometem nova greve caso os pedidos da categoria não sigam para análise da Câmara Legislativa. Profissionais ficaram fora das salas de aula por 52 dias, o que cancelou as férias escolares do primeiro semestre. Nova paralisação ameaçaria o ano letivo. Enquanto isso, a população ainda se recompõe do caos na segurança pública após a Operação Tartaruga da Polícia Militar. Os metroviários também cruzaram os braços recentemente, assim como policiais civis, bombeiros, servidores do Detran, profissionais da Saúde e agentes penitenciários. A pressão


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que atinge o governador Agnelo Queiroz desde que assumiu o comando da capital, em janeiro de 2011, não deve parar. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, 46% da receita corrente está comprometida com a folha salarial e não pode ser esticada. Enquanto isso, o governo precisa funcionar e, consequentemente, contratar. Fez planejamentos e contas que possibilitaram a nomeação recente de 973 profissionais para as áreas de Educação e Saúde. É mais gente atrás de aumento, mas sem eles as coisas não andam. Muitas das categorias que demandam os reajustes desde o ano passado prometem levar as negociações para a mesa novamente no segundo semestre de 2012. É preciso tática e esperar para ver. Noelle Oliveira

Taguatinga: a cidade que para o tempo Na Praça do Relógio os ponteiros apontam dez para as oito da manhã. No meu celular, ainda faltam quinze minutos. Ao meu lado, encostada na parada de ônibus, estava uma pacata senhora com seu relógio apenas menor do que o do monumento. Não me contive. Interrompi sua leitura do jornal matinal: “Moça, você tem horas?” Ela riu. Talvez pela pergunta óbvia ou por tê-la chamado de moça. Em seguida, ela respondeu: “Faltam sete minutos pras oito”. Eu agradeci, ela sinalizou com a cabeça, indicando um “por nada”. Cada relógio mostrava uma hora diferente. Parei para pensar na diferença que os minutos fazem, e quantos deles perdemos diariamente.

Normalmente eu gastaria exatos vinte minutos do centro de Taguatinga até a universidade. Durante a espera pelo ônibus, o tempo parecia congelar. Qualquer espera é torturante, faz o tempo se estender. Tudo parecia seguir seu fluxo natural: O sinal fecha. Pedestres vêm e vão. O malabarista garante suas moedas. Ônibus e carros buzinam. Eu olho tudo acontecer, mas a hora não passa. E lá vem a relatividade do tempo me desconsertar outra vez: os anos passam depressa, mas os dias são longos. Taguatinga completa seus 54 anos feitos de várias pessoas que a atravessam todos os dias. Taguatinga não é feita de tempo, é feita de gente. Gente que vem e vai. Gente que fica. Suélen Emerick


Opinião

A base é uma só

Jornais amarelam, jornalistas não!

Nem tudo o que está impresso é jornal, pode ser só tinta borrada de omissão Texto TT Catalão ttcatalao@gmail.com

A luz queima as folhas daquela edição histórica. O papel do jornalista, hoje, não é só papel. Novos suportes pedem outras narrativas que utilizam diferentes linguagens. Mas a base é uma só (como cantou Tom a letra de Newton Mendonça): crédito se refaz com simples reposição de grana, já a credibilidade exige cultivo diário e coerência perma-

nente. Para contar a história do jornalismo em e de Brasília ainda não surgiu uma obra com a disposição de mexer nas relações do e com os poderes. A promiscuidade entre fonte e jornalista sempre resulta no plantio da manchete (que até não deixa de ser verdadeira) tratada, desidratada, embalada, para atingir alvos específicos sem ferir o pacto

sombrio entre quem ofereceu o furo e quem o trabalha nos devidos fins. Brasília eternizou a frase “não existe almoço grátis” e “aqui, no poder, não há relação entre pessoas, mas entre cargos e cacifes”. Isso gerou uma tensão contínua entre quem tenta ser independente e o quanto se perde o emprego pela tentativa. Honrada, sempre.


A “parada de fracassos” dos movimentos autônomos da capital em busca de uma imprensa realmente digna da sua missão já tem mais história que reflexão produzida sobre essa trajetória. Não precisa ser uma disciplina na faculdade. Nem virar tese robusta para uma enciclopédia. Bastaria, talvez, um pouquinho de senso provocador para tentar alinhar os períodos da imprensa dita brasiliense ou feita no território da capital para descobrirmos importantes pistas na própria história do jornalismo nacional. É um local complexo este aqui. Coberturas nacionais e locais tendem a distinguir e dividir profissionais como se um fosso (principalmente salarial) delimitasse a competência com base na projeção externa ou interna. Há um óbvio trânsito diferente na estratégia, na formação e no desempenho de quem atua para dentro ou para fora, mas há um só organismo permeando a mobilidade e o tônus desse profissional: a própria cidade. E no fundo essencial sempre haverá um só jornalismo. Fora desse contexto não podemos nem catalogar o “mau jornalismo”, pois se ocorre a perda da essência no sentido de um serviço comprometido com a busca da verdade, nem jornalismo é, vira um negócio ou uma jogatina como outra qualquer. Creio que a última tentativa mais organizada de tocar na tal complexidade foi com a publicação Jornalismo de Brasília: impressões e vivências, coordenada pelo Sindicato de Jornalistas Profissionais em 1993. Uma capinha horrível (marrom para provocar a imprensa da mesma cor), mas de uma pulsação, digamos, romântica, que é a marca dos anos mais febris da cidade na política e na cultura. Publicado como ensaios, sem nenhum rigor acadêmico, o trabalho revisto hoje dá pistas (oferece um pré-roteiro) da tal complexidade não só de um jornalismo feito a partir de uma Brasília (e suas pautas, geralmente clichês do que se possa entender como “coisa de

Brasília”) e um jornalismo feito com a linguagem de quem assumiu a mestiçagem do conviver com as muitas Brasílias. E aí não pode faltar o choque cultural do nosso caldeirão antropófago. Confesso que fui remetido ao tema não por nostalgia ou esclerose emotiva, mas pela evidência simples de que não estamos pensando no que fazemos. E assim repetimos, como farsa, o que não deveríamos. Perdemos a autocrítica e alimentamos fantasminhas nada camaradas para criarmos muros e guetos entre gerações como se estivéssemos em trincheiras opostas ou a existência de um talento fosse ameaça ao nascimento de outro. Tudo isso foi provocado durante a cerimônia de sepultamento do jornalista Fernando Lemos e por ver que havia uma trajetória muito original

Se ocorre a perda da essência no sentido de um serviço comprometido com a busca da verdade, nem jornalismo é, vira um negócio.


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Pelo viés da “desprezada” Cultura, o jornalismo também foi trabalhado como linguagem e estética. E às vezes criava fatores para interferir na cidade e não apenas “cobri-la”.

focos para continuar essa narrativa. Senti na pele (com imensa honra), por exemplo, dois saltos estéticos e conceituais do Correio Braziliense que já provocariam um capítulo (daí a reflexão que a morte de Fernando instigou): a fase Oliveira Bastos-Fernando Lemos e a fase Noblat-Chiquinho Amaral. Exatamente pelo viés da “desprezada” Cultura, o jornalismo também foi trabalhado como linguagem e estética. E ousadamente, às vezes, criava fatores entre polêmicas e acontecimentos para interferir na cidade e não apenas “cobri-la”. Considerava-se, até como pejorativo, o ser do Caderno 2 como um jornalista de amenidades e entretenimento eventual, “de segunda”. No entanto foi pela reinvenção cultural que os dois saltos muito colaboraram no conjunto das práticas, óbvio, sem abandonar as técnicas clássicas. Nas atuais fronteiras movediças de redação, diagramação ou design gráfico, mídia impressa, eletrônica, comunitária, expressão individual de blogs e a convergência de tantos suportes, a história do jornalismo feito em Brasília terá outra pauta e outros atores. Mas a base é uma só: nem tudo o que está impresso é jornal, pode ser só tinta borrada de omissão; nem tudo que é clean ou criativozinho é design, é preciso intercorrências concretas entre forma e conteúdo; nem tudo que é messiânico e “puro” vai transformar a sociedade se os discursos não estiverem emprenhados de atitudes comprometidas na vida. Daí que poderíamos retomar a publicação de 1993 (sem louvação imobilizadora do passado) e rever o quadro, agora. Porque um texto medíocre sempre será terrível em papel paupérrimo ou em CD-ROM; uma imagem vazia sempre não dirá nada, apenas enchendo de narcose o hiperespaço de ruído e cor, mesmo em alta definição e assim vai... não existe mau jornalismo. Se não for bom, nem jornalismo é. Boa ) viagem, Fernando. )

entre os protagonistas desse processo, idêntico ao processo da construção física da cidade (pelo brutal trabalho do candango): enquanto se faz, a gente se constrói. Talvez por isso que a cidadania só se dá a quem se doa. Fernando, entre todas as contradições naturais e inerentes do humano, provocou alguns momentos com grande chance de servir para marcas distintas do jornalismo brasiliense em diversos períodos. Principalmente por estar profundamente envolvido nos caminhos do Correio Braziliense, não há como excluí-lo de um estudo sobre o tema. Acordei para o livro do Sindicato ao perceber que os temas foram ambiciosos (bem tratados até, pela velocidade pressionadora da reportagem) sem discriminar o nacional do local. Em 1993 tínhamos uma diretoria com Chico Sant’Anna, Carlos Magno, Fátima Xavier, Jacira Silva, Alexandre Marinho, Marizete Mundim, entre outros. A introdução é daquele que nos devolveu dignidade por ser raiz praticante de tudo que escrevia: nosso Castelinho, Carlos Castello Branco. A revisão e formatação ficaram com o Doyle, e os temas esticaram o arco da abrangência generosa pela ética, o oficial propriamente dito, formação acadêmica, sucursais, jornais desaparecidos (memória), charges e humor, fotojornalismo (grande marca do olhar que pensa), radiojornalismo, telejornalismo, os alternativos (era o termo da época para os que desafiavam o mercadão), o jornalismo sindical, o império dos releases na relação com o poder, o Pacotão (o germe panfletário de luta e prazer da chamada “catigoria”), a história e o papel proativo do Sindicato na construção das tais lutas democráticas e o Jornal de Brasília e o Correio Braziliense pelo peso institucional dessas duas empresas na cidade. Evidente que as novas relações e a própria dinâmica da história e seus reflexos no fazer jornalístico exigiriam inúmeros


Fora do Plano por NOELLE OLIVEIRA noelleoliveira@meiaum.com.br

Sem surpresas

“Somente quem faz coisas erradas deve temer uma CPI”, afirmou o deputado Olair Francisco (PTdoB) em setembro de 2011, referindo-se às promessas da comissão parlamentar de inquérito criada para investigar o Programa de Desenvolvimento Econômico Integrado e Sustentável (Pró-DF). Pelo jeito, na capital federal, ninguém anda fazendo nada errado e muito menos tem medo de represália. É o que fica constatado com o encerramento da comissão que analisou 11 anos de Pró-DF e apresentou um relatório final com 728 páginas e nenhum indiciamento. O ex-secretário de Desenvolvimento Econômico, José Moacir Vieira, afirmou à comissão que, dos 194 processos que analisou após chegar à pasta, em 2011, encontrou irregularidades em 181. “Não há o que dizer. Apenas esse número resume”, afirmou na ocasião. Nada, no entanto, foi para a frente. O texto final é do relator da CPI, o distrital Aylton Gomes (PR), que nem sequer assinou a criação da comissão e acabou indo parar na função mais importante do grupo por indicação da presidente, a distrital Eliana Pedrosa (PSD). Olair é outro que não assinou e acabou no bonde. Mais uma prova de que CPI demanda tempo, dinheiro, e só traz frustração. “Temos certeza de que ao final do trabalho daremos uma resposta à sociedade”, disse Eliana Pedrosa em maio do ano passado. O produto final foi uma lista de recomendações. Fiscalizar é atribuição de um parlamentar e o que não faltava nessa caixa, pelo jeito, era marimbondo.

Troca-troca no metrô Ivelise Longhi, forte aliada do vice-governador do DF, Tadeu Filippelli (PMDB), assumiu a presidência do Metrô-DF mexendo os pauzinhos. Em sua primeira semana por lá, assinou o acordo coletivo de trabalho dos metroviários. Agradou à categoria, que ficou ainda mais feliz com a saída do diretor de Administração, Setembrino de Menezes Filho. Nome articulado no governo, mas que acabou desgastado entre os funcionários após as greves – a última encerrada no início de maio –, Setembrino foi para a Companhia Energética de Brasília (CEB). Ivelise acumula a função. Na dança

das cadeiras, Nilson Martorelli, então diretor financeiro do Metrô, assume a presidência da Novacap. É outro nome ligado a Filippelli que ganha poder. A saída de Martorelli, por sua vez, foi sentida com tristeza por sua equipe do Metrô. A expectativa é que Ivelise dê atenção especial ao projeto de expansão do transporte subterrâneo que prevê a construção de cinco estações: duas em Ceilândia, duas em Samambaia e uma na Asa Norte.

Em clima de quadrilha O deputado Patrício (PT) está mais determinado do que nunca a se reeleger presidente

da Câmara Legislativa. Colegas ligados a ele já preparam o projeto de lei para permitir que o distrital continue na cadeira. A ideia é que o texto seja votado em primeiro turno, antes do recesso parlamentar, em julho. A ideia do projeto ganhou prosseguimento mesmo após o bloco firmado pelo PT e o PRB condenar a possível emenda à Lei Orgânica do DF que permitiria a manobra. Tudo ensaiado. O Buriti não quer Patrício no comando da Casa. O policial, por sua vez, não parece estar muito estressado com o que vem por aí. Andou até adiantando as comemorações juninas e participando de festas caipiras, ainda em maio, pela cidade.


Conto

Vocação

Trambiques premonitórios A arte de falar o que os outros querem ouvir e de levar a vida numa boa

Texto Hanna Xavier Ferreira Ilustração André zottich hanna.xf@gmail.com

Caio não sabia como conseguiria, mas naquele dia teria de levantar um montante considerável de dinheiro para pagar o aluguel e a conta que deixara pendurada no mercadinho do Nôco. Isso porque já tinha engambelado os seus credores por muito tempo e estes deram o ultimato: teria de pagar-lhes naquela terça-feira. Caio, então, teve um estalo. Esses que aparecem quando a necessidade bate à porta desesperadamente. Vestiu-se com trajes de vidente, que possuía desde que sua ex-mulher rica comprara para que ele usasse em uma festa à fantasia. Depois da separação, sem ter onde cair morto, Caio começou a trabalhar em

emaildozottich@gmail.com

bares e restaurantes, mas logo viu que a vida de homem honesto não era pra ele. Na juventude, casou-se com uma mulher de posses e por isso já tinha se adaptado ao lado bon-vivant de estar no mundo: casa chique, comida grã-fina, roupa lavada e engomada, viagens e mais viagens. Mamar nas tetas de outra pessoa, esse era o seu lema. Após a separação, ficou sem nada. Tinham se casado sob o regime da separação total de bens, pois a ex-mulher era pós-graduada em esperteza. Ele nunca conseguiu passar a perna nela no quesito finanças-graúdas. Tal lucidez que a acompanhava apenas se deixava esmorecer quando ele vinha com seus en-

cantos em palavras, mas, mesmo assim, ela não deixava o palavrório de Caio desmanchar por muito tempo a clareza com que via aquela relação. A ex-mulher era a única criatura viva em que sua retórica aguçada não alcançava os seus propósitos sagazes. Caio fazia o que queria apenas usando o seu poder de persuasão. Foi assim que – com aquela roupa de vidente e sua habilidade terapêutica em escutar a fala alheia e os dramas dos outros –, em poucas horas, conseguiu levantar a quantia necessária para pagar as dívidas penduradas. Tudo ocorreu rapidamente. Foi a um salão de cabeleireiros e lá ofereceu seus serviços de vidente.


17 Começou a se aliar aos figurões da indústria e dos jogos de azar. Seduziu-os com o seu discurso de sujeito aliado às causas do segundo setor. Afirmava, com convicção, que ao ingressar no mundo político lutaria pela redução de tributos para as atividades industriais, além de buscar regulamentar os jogos de azar. Depois de duas tentativas sucessivas, alcançou o tão almejado cargo de vereador. Com eloquência e a defesa da ética na política, galgou nas eleições seguintes outros cargos políticos mais poderosos. Passou a deputado federal, depois a senador. Com isso, irradiou seu poder sobre os diversos ramos dos setores econômicos do País. Facilitou o caminho dos seus aliados do crime organizado nas redes governamentais. Tramou para que seus contribuidores de campanha vencessem licitações. Distribuiu cargos para vários apadrinhados políticos nos setores estratégicos de governo. Eis que não contava com uma gravação da Polícia Federal. As escutas vazaram para a imprensa, então seus tentáculos foram expostos. O julgamento público realizou-se. O senador Caio, chamado de Sua Excelência, passou a ser denominado pela população de Sua Excrescência nas rodas de bar. Caio avaliou com seus advogados em que medida seria interessante juridicamente permanecer com foro privilegiado ou não. Decidiu pelo foro. Seus advogados – como bons processualistas, sabedores de todos os meandros recursais possíveis e inimagináveis aos olhos dos cidadãos comuns – conseguiram fazer com que seu processo se desenrolasse a passos de tartaruga. Consequência: os crimes prescreveram. Apesar disso tudo, não conseguiu safar-se da cassação do mandato. Depois de poucos anos, hoje Caio voltou a ser chamado de Sua Excelência e caminha pelas alas do Congresso Nacional, mas nunca fora eleito com o voto de sua ex-mulher. A vida anda em círculos, a política também. Crendices em um futuro promissor, crendices em promessas de campanhas rechonchudas. Nesse meio, lá está Caio, ou melhor, Sua ) Excelência Caio, de vidente a político. )

As mulheres alvoroçaram-se por saber o futuro. Primeiro, porque o vidente era portador de uma voz rouca e séria, que provocava nelas tremeliques, depois porque a articulação do rapaz com as palavras transmitia um ar enigmático de sujeito possuidor de dons transcendentais e, finalmente, porque já estavam desencantadas com o cotidiano, queriam imergir no futuro. Tais ingredientes lhes davam a segurança necessária para despender uma quantia considerável em uma sessão premonitória com o sujeito fantasiado. Esse foi o começo da trajetória de Caio na arte de contar o futuro dos outros com criatividade. Iniciava as sessões falando sobre relacionamentos, depois sobre família, até chegar à vida profissional. Sempre sugestionava algumas viagens que ocorreriam no meio do caminho. Nesse ínterim, observava as reações que seus dizeres causavam sobre os clientes. Constatava, em alguns momentos, que suas falas despertavam angústia e em outros, felicidade. Com isso, desviava o prumo da fala para que as sensações ruins fossem desmanchadas e as boas aguçadas. À medida que suas previsões se desenrolavam, ele as direcionava para que aquelas pessoas saíssem da sessão com ares mais tranquilos e serenos. Pensava consigo que estava sendo um bom samaritano. Afinal, trazia, com suas premonições, histórias bem-sucedidas de vida: amores perfeitos, ao gosto do freguês, vidas profissionais vencedoras. Acrescentava filhos nas previsões de mulheres que queriam tê-los, não comentava sobre bebês nas sessões que sentia não poder falar a respeito. Sapecava alguns problemas de saúde passageiros no meio das falas, apenas para dar certa sensação de realidade aos relatos. Caio descobriu uma boa forma de levar a vida: vidente das almas desconfortáveis com o presente. Com o passar de poucos anos, viu que poderia alçar voos mais altos, pois dinheiro já não era problema, almejava então o poder. Refletiu: agora que estava mais conhecido e respeitado entre as pessoas da comunidade, pensou em se candidatar a vereador.


Ă?ndios


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Onde o tempo passa sem pressa... A criação do Parque Índigena do Xingu, em 1961, começou a preservação de um tesouro da humanidade. Mas como ficam os próximos cinquenta anos?

Texto e fotos Gustavo Serrate jornalista81@gmail.com


A

pós 900 quilômetros de viagem em direção a Canarana (MT) atravessando os portais do Brasil profundo, navegamos seis horas de canoa pelo rio Xingu, carregados de suprimentos e mochilas. Nosso destino é a aldeia indígena da tribo Yawalapiti. Vemos o sol se pôr e a lua nascer, emergindo do horizonte com a mesma vermelhidão do sol. Chegamos cansados, trazendo equipamento e bagagem para a oca onde o respeitado líder político do Alto Xingu, o cacique Aritana, nos recebe. Somos cinco vindos de barco. Além de mim estão os fotógrafos Ueslei Marcelino e Paulo de Araújo e dois membros da Fundação Darcy Ribeiro. Outros membros da expedição já vieram de avião antes de nós e fizeram a diplomacia para a nossa recepção. Viemos registrar as preparações para o Kuarup, a festa anual em memória dos mortos, de grande valor para a aldeia. Neste ano a cerimônia homenageará o antropólogo Darcy Ribeiro (1922–1997) por seu trabalho de preservação da vida e da cultura indígena no Xingu. Oficialmente, o Kuarup neste ano ocorrerá em uma noite de lua cheia de agosto. No ápice da festa, a aldeia unida chora pelos seus mortos e descarrega toda a tristeza para que a alegria volte para suas vidas depois do ritual.


Na madrugada anterior Ă pescaria, os homens cercaram o rio com redes para que os animais nĂŁo escapassem.


22 Dia de índio Nossa primeira refeição é o clássico arroz com feijão e carne de frango, feita com parte dos suprimentos que nos antecederam. Os índios também desfrutam esses alimentos trazidos pelos visitantes. O dono da oca foi quem nos preparou a refeição. A partir do dia seguinte – ficamos lá três dias, outros dois foram dedicados à viagem –, comeremos o famoso beiju com peixe e diversos pratos à base de mandioca, preparados pelas mulheres. Montamos nossas redes e dormimos protegidos pela escuridão da engenhosa arquitetura da oca indígena. Quando acordo, às cinco da manhã do dia seguinte, já há movimento. Na madrugada anterior, os homens da aldeia fecharam o rio para a pescaria. Levam redes, cercando o rio para que os peixes não escapem, e preparam tudo para o ritual

da pescaria, que começa com o nascer do sol. Enquanto o sol se prepara para nascer, são levadas as toras de timbó em direção ao rio. O timbó é uma espécie de cipó com uma seiva tóxica capaz de intoxicar os peixes. Alguns peixes parecem mortos. Estão apenas entorpecidos, fáceis de pegar. O efeito desaparece depois de algumas horas, e os peixes que não foram capturados voltam para a liberdade do rio. A pescaria começa com três crianças da aldeia, armadas com arco e flecha. São os primeiros a pescar. Um dos indiozinhos se chama Macapi, parece ter uns 9 anos. Tem boa mira e é o garoto de personalidade mais agitada da turma. De forma geral, os índios são serenos, tímidos, com poucas exceções. Após as crianças, os adultos entram no rio e terminam o ritual da pesca. Hoje o dia não foi bom, rumores garantem que isso não é

bom sinal. Foram pescados menos peixes do que o esperado, as redes não estão cheias. Muitos yawalapitis falam português com fluência. A maioria das mulheres e crianças domina o nosso idioma, ao menos para escutar com clareza. Já estão familiarizados à nossa cultura desde 1840, quando os primeiros exploradores ousaram enfrentar a mata para desbravá-la. A troca de mercadorias ainda é um hábito comum. Moitara é o nome da cerimônia. No último dia de permanência, nós da cidade oferecemos nossos objetos em troca das mercadorias locais: colares, esculturas, arcos e flechas, entre outras coisas. Eu ofereci minha lanterna, minha rede, uma calça comprida, uma camiseta, sabão e um travesseiro, já que era meu último dia na aldeia. Trouxe para casa muitos colares, pulseiras


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As pinturas corporais são feitas à base do óleo do pequi, de urucum e de resinas.


24 e esculturas para presentear as pessoas queridas. Por causa dos inúmeros Moitaras realizados ao longo dos anos, é comum encontrar índios vestidos com bermudas, calças, casacos de lã e até bonés, mas ainda existe uma maioria tradicionalista. Vivem o tempo inteiro nus, exibindo as pinturas corporais feitas à base do óleo do pequi, de urucum e de resinas. O tempo passa devagar na aldeia. Não há necessidade urgente de mudanças como nas grandes cidades, sempre em desenfreada modernização. Por maior que seja a influência da nossa civilização sobre a deles, ainda são um povo conectado ao aspecto ancestral da vivência humana. Extremamente ligados à natureza, em adoração constante às entidades divinas com danças e trabalho artístico permeando o dia a dia. As crianças desfrutam um Éden temporário – na fase adulta a rotina é de muitas obrigações –, correndo soltas em total liberdade. Tomam banho de rio, riem, brincando de saltar de ga-

lhos em direção à água, ou como se fossem oncinhas, escondidas atrás da mata sorrateiramente, esperando para assustar os desavisados. Vivem enroscadas com a natureza. Mas a vida não é só brincadeira. Além de todos já pescarem desde pequenos, as meninas ajudam as mães na preparação do beiju e das refeições diárias. A hierarquia é clara. Adultos mandam, crianças obedecem. Não há necessidade de gritos, ou de ordens severas. As crianças vivem livremente, mas respeitam os mais velhos. O som do jaguar Desde cedo os meninos se preparam para a luta huka-huka, semelhante à luta greco-romana e praticada por outras tribos do Xingu. Os guerreiros se encaram, e o objetivo é arremessar o adversário com as costas no chão. Algumas técnicas se parecem ao jiu-jítsu. Nossa visi-

ta foi precedida pela do famoso lutador Anderson Silva, atual campeão do UFC na categoria peso médio. Lutando sob as regras dos índios, ele não venceu nenhuma disputa. Na huka-huka, os competidores enfeitam o corpo com urucum e adornos feitos de penas de tucanos. As lutas entre as aldeias ocorrerão daqui a alguns dias, por enquanto os aldeões treinam entre eles. Apesar do clima amigável, a luta é carregada de brutalidade. Já começam arrastando os pés no chão e, com um grito – o som do jaguar –, partem para cima. Quando os ombros se encontram, golpes com as mãos no rosto, nos ombros e nas costelas desestabili-

zam o oponente. É possível também puxar o inimigo por trás dos joelhos para fazê-lo cair. Algumas lutas resolvem-se em segundos, mas há casos de combates demoradíssimos, com até quarenta minutos. É preciso força e resistência física, nada que os exercícios diários de busca por alimento para a aldeia não supram. Os campeões têm seus nomes lembrados por várias gerações e são prestigiados. De uns anos para cá, as mulheres começaram a realizar seus próprios campeonatos de huka-huka,


25 com as mesmas regras dos homens. A posição da mulher tem se transformado sensivelmente ao longo dos anos. Paraíso até quando? Em 2011, o Parque Indígena do Xingu completou cinquenta anos. O Xingu foi a primeira terra indígena homologada pelo governo federal. Darcy Ribeiro e os irmãos Villas Bôas foram os principais responsáveis por esse feito, e têm seu nome reconhecido por isso até hoje. No entanto, o parque está ameaçado por fazendeiros que, contra a lei, invadem as cabeceiras dos rios e destroem quilômetros de floresta para criação de gado. Além disso, despejam esgoto, inviabilizando a existência de índios no decorrer do rio. Chegando de carro na beira do rio, para pegar nossos barcos, passamos por grandes extensões em que de um lado há mata virgem, do outro há devastação, grandes toras de madeira derrubadas, campos abertos, preparados para o gado. O absurdo chega ao ponto de as cercas das fazendas serem feitas com madeira nobre. A preocupação atual do cacique Aritana e dos demais representantes de aldeias são os próximos cinquenta anos. Eles precisam chamar a atenção para si para conscientizar os poderosos a tomarem conta do parque que preserva resquícios ancestrais, um tesouro da humanidade. Duas questões permanecem. O que serão dos próximos cinquenta anos do Xingu? E por fim, como a presidente Dilma Rousseff quer ser lembrada? )

As crianças vivem em total liberdade, enroscadas com a natureza, mas também têm obrigações.

)


Neruda fez este poema num sobrevoo olhando a cidade do alto quando esteve aqui nos anos 60, em companhia de Vinicius de Moraes.

poesia

Haiquadras (*) O sincretismo do haicai com a quadra

Texto Luiz Martins da Silva Arte romulo Andrade dasilvaluizmartins@gmail.com

poeticadocerrado@gmail.com


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I Companhias Quando é madrugada, (Pensamentos vagueiam) Seguem pela calçada Um gato e a lua cheia.

Cigarra Melhor não seria Meu corpo assovio? Delego ao frio, Casca fina de mim!

Arrepios Noites temporais (O Céu e a Terra) Trocam segredos, Com amor e medo.

Devaneios Impossível contar Tantos carneiros. Nuvens ao léu Revolvem novelos.

Passagem A tarde se foi, Parquinho vazio. Tão logo mancebo, A infância dormiu.

Fermentos Cheiro forte (terreno baldio). Saliva de larvas Fechando o estio.

Feto Broto de feijão (na terra encharcada). Pescoço no chão, Futuro no caldo.

Bafos Chá de poeta (chaleira em vapor). Versos de asceta, Verão de torpor.

Umectâncias Paiol úmido (parece degelo). Não tarda o estrume Romper cogumelo.

Oráculo Trevo na estrada (a sorte se lança). Deus joga dados? Senão, prenúncio.

Flamboyants Outra vez, tinturas: Assopros do mundo. Folhas-calendários: Pétalas aos nimbos.

II

Kigos (**)

* Haiquadra. Desde o ano 2000 o autor realiza experimentos na busca de um sincretismo do haicai com a quadra. ** Kigo (japonês). Palavra ou expressão que num haicai funciona como signo indicial de tempo ou de estação.


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O paraíso é logo ali

Muita gente quer trabalhar no Senado Federal, mas carregar o crachá azul é para poucos. Saiba por que este é o melhor lugar para trabalhar em Brasília

Texto Noelle Oliveira Ilustração Franscisco Bronze noelleoliveira@meiaum.com.br

bronze@grandecircular.com


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O

crachá azul preso a uma fita também azul é exibido com orgulho. Afinal, poucos são os que podem pendurá-lo no pescoço. É símbolo do status adquirido pelos 6.238 brasileiros e brasileiras que conseguiram o melhor e mais disputado emprego em Brasília: o de funcionário do Senado Federal – seja como concursado ou comissionado. Quem tem um crachá desses, com a foto estampada abaixo do brasão da República e o nome bem legível seguido de um número mágico, está muito bem de vida. Os salários são altos, altíssimos ou superaltos. A estabilidade

no emprego é garantida, e para quem entrou antes da última reforma da previdência, a aposentadoria é integral. Servidor do Senado consegue empréstimos bancários com facilidade a juros baixos. Tem plano de saúde e médicos à disposição no local de trabalho. Alguns trabalham muito, mas também se pode trabalhar pouco e até não trabalhar. E há mais vantagens, muitas mais. Quando ouviu de alguém que o Senado era um paraíso, o então senador Darcy Ribeiro discordou: “O Senado é melhor do que o paraíso, porque não é preciso morrer para chegar lá”. A lógica irrefutável do fundador


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Um aprovado no penúltimo concurso tripudia sobre a repórter. “Você até sobrevive com seu salário, mas com o que se ganha aqui se vive mais, com qualidade.

É viver realmente.”

beneficiários, melhor não tocar no assunto. “Toda vez que a imprensa fala de nós, perdemos alguma coisa”, alega outro. Um terceiro é bem direto: “Por que não param de criticar e estudam para entrar aqui?”

da Universidade de Brasília serve não apenas para os senadores, mas também para os felizes funcionários da “Casa”, como é chamada pelos que nela transitam. No último concurso público para entrar neste paraíso que fica logo ali, no centro da capital federal – em um prédio de 28 pavimentos, com 100 metros de altura, além dos anexos e do prato emborcado –, inscreveram-se 157.939 candidatos. Apenas 246 serão abençoados e receberão, no subsolo do Anexo II, o crachá em tom celestial que lhes garante o paraíso, bem ali, no andar de cima, e ainda em vida. Os servidores do Senado não gostam quando se fala nos benefícios que têm, nos salários que recebem, nas folgas nas sextas-feiras – e muitas vezes nas segundas-feiras. “Está tudo previsto em lei”, indigna-se um deles. Está mesmo, em leis aprovadas pelos senadores, claro. Para os

Como chegar Estudar muito, mas muito mesmo, é um dos caminhos, o mais difícil, para entrar no paraíso. Como a concorrência é grande, só os que conseguirem as mais altas notas receberão os crachás celestiais. Há quem estude por dois, três anos, até passar – ou não. Muitos passam em outros concursos e ganham bem, especialmente no Judiciário e na Câmara dos Deputados, mas insistem até entrar no Senado. Até subir aos céus. Isso custa caro, para a maioria. Não basta ser inteligente, ter feito bons cursos regulares, ser pós-graduado. É preciso estudar matérias específicas, aprender macetes, decorar normas jurídicas. Alguns conseguem estudar sozinhos, como o hoje consultor legislativo que se isolou por dois meses para se dedicar integralmente à preparação para o cargo que agora lhe garante aproximadamente R$ 25 mil por mês, com direito a tra-

balhar em casa na maior parte do tempo. O diretor do maior curso preparatório de Brasília, José Wilson Granjeiro, estima que em média um candidato ao Senado gaste R$ 30 mil em cursinhos e apostilas. “É o preço que se paga por um terreno no céu”, brinca um servidor que estudou por cinco anos até conquistar seu lote paradisíaco. “O dinheiro é recuperado no primeiro salário recebido no novo emprego”, pondera Granjeiro. Atalho Há outro jeito de entrar no Senado, mais fácil. Não é preciso estudar nem fazer concurso. Basta ser indicado por um senador para exercer uma função comissionada, de livre nomeação. Os salários são altos, mas não tanto quanto os de alguns concursados. Atualmente são 3.136 servidores comissionados. Os benefícios são os mesmos, com exceção de um que faz muita diferença: a estabilidade. Comissionados podem ser demitidos a qualquer momento, mas isso não preocupa a todos. “Dependendo do padrinho político que têm, nunca vão sair dali, ficam eternizados”, explica um aposentado. Os comissionados trabalham nos gabinetes e muitas vezes desenvolvem relacionamentos ou mostram competência que lhes garante permanência longa na Casa. Passam de um gabinete para outro, continuam quando o suplente assume. São assessores e secretários parlamentares, trabalham di-


retamente, em Brasília ou nos estados de origem, com os senadores que os nomeiam. Alguns, os chamados fantasmas, não trabalham, garantidos pela complacência ou conivência dos senadores. Nem todos os funcionários estáveis prestaram concurso. Antes da Constituição de 1988, os senadores contratavam comissionados e os efetivavam, como se fossem concursados. Eram os “trens da alegria”, que hoje têm remanescentes que trabalham, outros que flutuam como fantasmas e muitos que se aposentaram com salários acima de R$ 20 mil. Os poucos concursados da época, aprovados em certames internos, viram de perto a construção do quadro de servidores. “Chamávamos de janela, e foi mesmo um janelão”, lembra um aposentado. Apesar de reclamarem, muitos confessam ter se beneficiado com a nomeação dos apadrinhados políticos. “Se você tivesse a sorte de entrar no mesmo grupo que os peixes grandes, acabava ganhando vantagens concedidas a eles e que recebíamos por tabela.” “No início ninguém queria trabalhar aqui, já que em outros lugares se ganhava muito mais e se tinha status maior”, complementa um servidor que entrou pela janela, em uma das funções mais simples, e permanece na ativa como efetivo, agora em cargo de chefia. “Quem diria que as coisas mudariam tanto.” Por que o Senado é o melhor emprego de Brasília Salários e ganhos indiretos No Senado se ganha muito bem, trabalhando muito ou não trabalhando. O con-

tracheque é a personificação do dito paraíso, repleto de referências a gratificações. Muitas vezes, traz nos cálculos números extras e retroativos que nem mesmo os servidores sabem explicar de onde vêm. Verdadeiros milagres da multiplicação. “Essas surpresas no contracheque aconteciam repetidamente quando nossos ganhos eram ligados aos dos senadores, eram pelo menos quatro por ano”, explica um servidor. “Em compensação, depois que deixou de ser vinculado, meu salário deu um pulo”, lembra outro, que já trabalhou como comissionado no Senado. Mas sempre há algo novo na folha de pagamento, “sabe-se lá de onde”. Em 2011, a Casa resolveu pagar dois anos acumulados de horas extras e o gasto com serviço extraordinário multiplicou-se. Quem procura entender a origem das surpresas não é muito bem-visto. Pelos corredores, conta-se que um servidor foi questionar uma quantia extra recebida e ouviu a resposta: “Por que quer saber? Você quer devolver?” A curiosidade é logo deixada de lado. “No contracheque vem apenas o valor e a lei a que se refere, muitas vezes a gente não tem mesmo nem ideia do que seja”, explica outro servidor. O atual plano de carreira e a estrutura remuneratória do Senado foram determinados, em 2010, pela Lei 12.300. Pela norma, quatro parcelas permanentes compõem o salário de quem conquistou o emprego dos sonhos. Além do vencimento básico – de pouco mais de R$ 3 mil a quase R$ 6 mil, dependendo do grau de escolaridade, se é técnico ou analista –, estão na conta inicial três benefícios: a Gratificação de Atividade Legislativa (GAL), calculada sobre o padrão mais alto de vencimento de cada cargo; a Gratificação de Representação (GR), em que cada um dos cargos tem direito a um extra, equivalente a uma função comissionada; e a Gratificação por Desempenho, variável de 40% a 100% do vencimento básico do servidor, de acordo

com avaliação da produtividade. As três gratificações representam, aproximadamente, 70% da base de remuneração de um funcionário do quadro no Senado. O emprego ainda garante vale-alimentação, em dinheiro, no valor de R$ 740,96 – o que equivale a mais de R$ 35 por dia útil – e auxílio pré-escola de R$ 550 por criança até 6 anos. Um consultor e um advogado da Casa, no patamar mais alto das carreiras, ganham, no mínimo, R$ 25.003,21. Um analista legislativo do topo recebe, como salário básico, R$ 20.900,13; já um técnico legislativo pode chegar ao rendimento padrão de R$ 16.563,02. Um analista concursado entra no emprego ganhando, no mínimo, R$18.440,64; o técnico ingressa com salário de R$ 13.833,64. Há ainda quem ganhe mais que o teto do funcionalismo – R$ 26,7 mil, o equivalente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal –, considerando o que é acrescentado aos já citados valores básicos com a soma dos cargos em comissão. Sem falar em outras benesses, adicionais, indenizações e vantagens pessoais decorrentes da incorporação de adicional de tempo de serviço e de abonos. Até quem já tem os requisitos para se aposentar, mas não arreda o pé de lá, recebe a mais para ficar. É a chamada Gratificação de Permanência. “Tem gente que já era para ter saído há muito tempo, mas gosta do status e se nega a se aposentar”, diz um servidor. Se estar no sonho celestial já é bom, imagine ser chefe? Quem ocupa cargos de comando tem direito às funções comissionadas – valores recebidos dependendo do nível de direção, coordenação ou chefia que o servidor exerça temporariamente. São calculadas sobre o vencimento máximo pago na Casa para um analista legislativo e podem render acréscimos de R$ 1.795,10 a R$ 6.411,08 mensais.


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Chefes também têm direito a aparelho celular. Alguns com conta ilimitada. O menor dos créditos é de R$ 200 mensais. “As vantagens são muitas, sim, mas não se pode confundir”, pondera um servidor. “Aqui se trabalha e muito, com as exceções, como em qualquer outro lugar.” Só que as exceções, quanto a trabalhar muito, no Senado são bem expressivas. É fácil identificar os chefes, quase semideuses. Não carregam só os mágicos crachás celestiais. Broches indicam os diferentes

níveis entre as autoridades e são ostentados como medalhas de mérito, presas aos finos blazers dos mais alinhados ou aos tecidos de modelos ultrapassados, típicos das figuras caricatas de antigos servidores públicos. Dependendo do modelo do bóton, a “patente” concede direitos como elevador privativo, acesso irrestrito ao plenário ou até mesmo vaga especial na garagem coberta. Um mimo e tanto quando se fala em estacionamento em plena Esplanada dos Ministérios. Os servidores de menor graduação também têm lugar para estacionar. Nesse caso, mais distantes – se é que uma vaga na lateral do Congresso Nacional, na via S2, pode ser assim considerada. Seja onde for, os modelos mais caros e modernos de veículos são encontrados por todos os cantos. Alguns, exagerados, ocupam quase duas vagas e

atrapalham as curvas. “Para que tudo isso?” questiona um vigilante. “É para mostrar que é rico”, conclui sozinho. Tantas regalias exigem jogo de cintura nos bastidores. A ideia é que ninguém fique insatisfeito por ali. Tudo é válido em prol do “clima organizacional”. “No caso dos consultores, cargos máximos no Senado, sabemos que muitos já ganham uma gratificação equivalente à de chefe de gabinete, para ter direito a acréscimo salarial, já que apenas um vai ocupar a função de diretor da consultoria,


33 e poucos serão consultores-gerais”, explica um aposentado do órgão. Os consultores são quase deuses, só perdem para os onipotentes 81 senadores. São conhecidos na Casa como os “cabeções”, em razão do alto nível de dificuldade do concurso para o cargo. O equilíbrio de valores necessário para o bom funcionamento do Senado foi colocado em prática, por muitos anos, com o pagamento de horas extras pré-combinadas. “Antes da nova estrutura, muitas vezes não compensava assumir uma chefia devido ao baixo benefício salarial equivalente, uma vez que existiam gratificações inerentes”, explica um servidor. Assim, muita gente ganhava horas extras já estipuladas e combinadas para assumir os cargos, mesmo sem trabalhar nem um minuto a mais. A situação ganhou maior disciplina após os escândalos, em 2009, envolvendo atos secretos que beneficiavam funcionários e o pagamento de horas extras até em períodos de recesso legislativo. “Ainda se pagam horas extras, mas o processo é bem mais demorado e trabalhoso, diminuiu muito”, explica um concursado. Em compensação, o exercício das chefias passou a representar bom incremento para os bolsos. “É um emprego muito melhor do que a média”, resume João Dino dos Santos, consultor concursado da Câmara Legislativa desde 1993, mas que trabalha como assessor especial no Senado desde 2007. Afinal, ser funcionário público da Casa é uma função que não se esgota na Esplanada. O cargo no Senado vai além do emprego público. Abre outras portas. Leia-se: oportunidade de dinheiro extra. Dino é professor de cursinhos para concursos e dobrou o expediente para preparar candidatos para a seleção de 2012. “Como tenho vivência legislativa, muitos grupos me procuraram, fiquei até doente de tanto que trabalhei para conseguir suprir toda a demanda.” O trabalho se reflete na receita. “Servidores do Senado que resolvem dar aulas para as seleções públicas acabam recebendo por

“As vantagens são muitas, sim, mas não se pode confundir”, pondera um servidor. “Aqui se trabalha e muito, com as exceções, como em qualquer outro lugar.” Só que as exceções, quanto

trabalhar muito, no Senado a

são bem expressivas.


34 isso até o triplo de seus benefícios na Casa”, diz Granjeiro, dirigente do GranCursos. Como não é concursado do Senado, o próprio professor Dino pensou em fazer a prova para consultor da Casa, mas devido à idade, 53 anos, desistiu. “Eu teria que ficar mais dez anos na ativa para me aposentar, não compensava, só por isso não fiz”, ponderou. Ser professor é legal, mas há servidores que acumulam o trabalho rotineiro com funções mais ousadas e ilegais, como a de lobista de grandes empresas.Que empresa não quer ter alguém dentro do Senado, que conhece os parlamentares, transita com liberdade e tem acesso a informações, acompanhando de perto as matérias que lhe dizem respeito e facilitando suas relações institucionais? Muitos servidores recebem boas propostas para a função informal, e muitos aceitam, inclusive concursados que exercem funções de chefia. A jornada irregular é cumprida, claro, durante o próprio expediente. Sem muito serviço adicional, os servidores acompanham matérias, andamentos e votações e passam tudo para seus “chefes” indiretos, em tempo real. Os mais antigos têm influência entre os senadores e circulam com desenvoltura pelos gabinetes atrás de informações exclusivas para o “bico”. Até os terceirizados, por lá, ganham mais. “Um vigilante contratado por meio de uma empresa para trabalhar no Senado não ganha a mesma coisa que um que exerce a função em outro lugar”, conta um servidor em cargo de chefia. “Tanto é que, quando os terceirizados saem de férias, os substitutos sempre ficam implorando para ficar por aqui, é um chororô de pedidos para os políticos.” Segundo o Portal da Transparência, o Senado tem atualmente 2.686 terceirizados. Jornada/férias prolongadas Ter um bom emprego não é só ganhar bem, é preciso tempo para usufruir os benefícios. O céu garante isso. Práticas esportivas e viagens estão, em uma sondagem rápida, entre as preferências dos servidores

do Senado para ocupar as horas de descanso. Principalmente quando os passeios são ao exterior. A jornada de trabalho adotada por lá ajuda a garantir esse luxo. Há setores que trabalham em escala nas segundas e nas sextas-feiras, dias de menor movimento. Eles mesmos dizem que estão de plantão, enquanto outros descansam. Serviço em pauta para toda a Casa, só de terça a quinta. Mesmo assim, a obrigatoriedade de bater o ponto não significa que o servidor estará por lá. Existem servidores que chegam à garagem, marcam a presença no ponto biométrico, por meio da digital, e vão embora. As várias máquinas de registro facilitam o processo. Voltam no fim do dia, para registrar o horário de saída. Às vezes, até deixam para fazer o registro depois de “cumprida” a jornada, assim aproveitam e acumulam tempo extra para o banco de horas. As horas a mais, somadas, convertem-se em dias inteiros sem precisar aparecer por lá. Em um mês, o servidor pode acumular até 20 horas e, em caso de jornada corrida, só pode compensá-las na mesma semana ou mês em que foram registradas. Estender os horários de folgas, no entanto, já foi ainda mais fácil. Até 2011, quando o ponto era conferido por meio do acesso ao sistema na intranet do Senado, servidores eram “eleitos” para ficar nos gabinetes até mais tarde e registrar as horas extras para os colegas. Bastava ter a matrícula e a senha para entrar na página pessoal do servidor e garantir o acréscimo, ainda em dinheiro. Hoje, são dois tipos de jornada de trabalho, registradas em sistema eletrônico biométrico. Existe a modalidade comum, com oito horas de trabalho e duas de intervalo, e a corrida, com seis horas seguidas. “Há áreas que precisam adotar o regime de oito horas e não ficam nada satisfeitas, não é opcional, depende do setor”, comenta um servidor que trabalha no período corrido. Em funções de chefia, alguns trabalham nove horas, sendo que 60 minutos são de intervalo. Sem falar nos funcionários da Casa que são liberados de registrar o ponto eletrôni-

co, ou estão sob regime especial de controle de frequência por trabalharem em outros estados. Segundo dados de janeiro deste ano, 2.266 servidores estão nessa situação. É de brechas como essa que se aproveitam os já citados “funcionários fantasmas”. Em feriados, é quase regra enforcar. Os senadores são os mais interessados em viajar para seus estados e não perdem a oportunidade. Início e fim de ano é época de mais dias de descanso. A maioria das equipes reveza-se em plantões, seguindo as determinações das chefias. Uma semana extra de férias é o mínimo garantido por período. As horas não precisam ser repostas. O uso do crachá azul, no disputado espaço da Esplanada dos Ministérios, garante que não haverá sorteio para escolher quem pode viajar em época de temporada. Parte do dinheiro das férias é automaticamente paga em janeiro. Uma forma de incentivar os servidores a viajarem nessa época, quando o serviço é pouco. Mas o esquema costuma não ser dos mais proveitosos, principalmente para quem não tem filho em idade escolar. Para que gastar os 30 dias de férias em um período que por si só já será de folga? “Melhor somar”, avaliam servidores antigos, que deixam para descansar em período de alta produção. Qualidade de vida Um emprego para quem quer trabalhar e ser valorizado. Para quem quer ter plano de carreira e oportunidades. Para quem não quer trabalhar. Ou, até mesmo, para quem tem outros projetos de vida, além do expediente. Ter metade do dia para se dedicar a um hobby, tocar um empreendimento próprio, ficar com família ou, simplesmente, ter muito tempo para não fazer nada. São benefícios que não se contabilizam, proporcionados pelo Éden. “Não é à toa que muita gente acaba ficando com o nariz em pé depois que chega lá”, avalia Granjeiro, o treinador de futuros servidores do Senado. Também não é por acaso que todos são


35 tão prestativos no ambiente de trabalho, que desfilam sorrisos pelos corredores, que as mulheres exibem modelos da última coleção, bolsas de marca e unhas benfeitas. Os homens deixam à vista as marcas nas chaves de seus veículos. “A imagem que você passa lá dentro é importante, principalmente na hora das mudanças políticas”, avalia um inativo que presenciou cenas de servidores preteridos por causa da aparência. “É um jogo de competência, influência política e aparência para se movimentar ali dentro.” Capacitação Se na iniciativa privada o trabalhador tem que se virar para conseguir estudar e, depois, tentar um aumento, no mais sonhado emprego do DF todo o caminho está bem sinalizado e com a certeza da via de retorno. Coisas do dito paraíso. A Casa incentiva o estudo. Pode pagar parte ou todo um curso, bem como remunerar um servidor que tira licença para se aperfeiçoar. Depois, o funcionário público pode fazer jus a uma gratificação, justamente por ter alcançado maior nível de conhecimento. Um ciclo perfeito. Segundo uma espécie de “guia do servidor” acessado pelos funcionários da Casa na intranet, servidor estudante tem o direito de requerer horário especial de trabalho, desde que não haja prejuízo ao exercício do cargo. Nesse caso, é exigida a compensação. Já o Ato Número 10 da comissão diretora do Senado de 2011 fala sobre a política de capacitação e desenvolvimento de servidores. Na capacitação interna, prevê ações ministradas preferencialmente por servidores internos, que recebem a Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso. No caso de capacitação externa, presencial ou a distância, o concursado pode ter as despesas custeadas pelo Senado. Dependendo do curso, a Casa paga diárias, passagens – inclusive para dependentes –, transporte de bagagem, ajuda de custo, mensalidades e seguro-saúde.


36 No caso de mestrado, doutorado e pós-doutorado, o Senado também pode custear total ou parcialmente a capacitação. Mas, se a ideia é ficar de folga, dedicando-se a um curso, e receber por isso, também há solução, garantida a todos os servidores públicos federais de acordo com a Lei 8.112, de 1990. É a Licença Capacitação, concedida após cada quinquênio. O servidor pode ausentar-se da Casa por até três meses, período possível de ser fracionado em, no máximo, três vezes. Durante o tempo, é assegurada remuneração integral, incluindo o pagamento de função comissionada e demais vantagens. Em 2009, houve denúncias de que entre os cursos feitos por concursados estariam aulas de medicina do sono em São Paulo, de judô no Japão, de capoeira em Cingapura, de cultura italiana em Florença e de inglês no Havaí. “Por isso hoje é muito mais difícil ter acesso a esse tipo de benefício, mesmo previsto em lei”, conta uma servidora. Trabalhar no Senado também dá direito a bolsa de estudos para idioma estrangeiro. Trata-se do ressarcimento de até 70% das despesas com matrículas e mensalidades em instituições de ensino de línguas estrangeiras no DF. Conquistada a capacitação, com os respectivos certificados em mãos, os funcionários podem requerer adicional de especialização no valor de até 30% do vencimento básico. Para tanto, de acordo com legislação interna, são levados em consideração treinamentos “pertinentes aos interesses da Casa”. Atendimento médico Profissionais de diversas especialidades, entre os mais gabaritados, podem ser encontrados a menos de um quilômetro da mesa de trabalho de um servidor do Senado. Nada de filas, as consultas podem ser marcadas pelo computador. Para chegar até o atendimento – no centro médico da Casa – basta esperar uma van, gratuita, que leva o servidor ao destino dentro de 20 minutos, no máximo.


37

13.833,64 é o mínimo que um

concursado recebe todo mês. Além do vencimento básico, todos têm direito a três gratificações.

de trabalho. E não para aí. De acordo com servidores, os médicos acabam ganhando muito com atendimentos pelo próprio plano de saúde. Isso porque vários atendem esses mesmos pacientes, para outros tipos de procedimentos, em suas clínicas e consultórios que aceitam o SIS. O plano tem cobertura em estabelecimentos conceituados de todo o País, como o Hospital Sírio-Libanês e o Instituto do Coração (InCor), em São Paulo. Os servidores com até 22 anos pagam mensalidade de R$ 112 a R$ 224 pelo plano, dependendo da idade. Caso fossem contratar um plano particular, os valores variariam, em média, de R$160 a R$ 920, com cobertura não tão eficiente. Além da contribuição mensal, os funcionários da Casa arcam com 30% do valor dos procedimentos que realizam por meio do plano. O pagamento dos procedimentos é feito por meio de desconto em folha. Em caso de valores altos, os descontos mensais não podem ultrapassar 30% do vencimento do servidor. Assim, o total deve ser parcelado, seguindo essa regra, até a quitação. No SIS, filhos e enteados de servidores são considerados dependentes até 21 anos ou até 24, caso cursem universidade. Cônjuges permanecem para sempre, assim como filhos inválidos. “A cobertura é excelente, mas pagamos”, avalia um aposentado. “É um ótimo negócio para os senadores, que po-

dem usar para o resto da vida e não pagam nada”, complementa. Crédito facilitado E uma vez que se ganha tão bem, também se tem facilidades para gastar. Claro que com juros diferenciados, afinal os bancos não encontram clientes tão seguros em qualquer lugar. Os servidores do Senado são atendidos por convênios para aquisição de imóveis no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal. Ativos, aposentados e pensionistas podem fazer a opção, mediante desconto em conta corrente, com redução da taxa de juros. Outra opção é acordo firmado com a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), prevendo desconto em folha de pagamento. “Antigamente tivemos muitas facilidades para adquirir, inclusive, imóveis funcionais, muita gente comprou”, lembra um aposentado que adquiriu um apartamento nessas condições. No acordo com a Terracap as parcelas são reajustadas mensalmente pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) e o desconto só é efetivado se houver margem consignável possível. Em caso de extrapolação, passa a ser emitido carnê, com juros de 12% ao ano, até que a situação seja normalizada. “Já que falam tanto, resta saber se o paraíso aqui na Terra dá direito a outro além da vida, não é?”, graceja um servidor. “Esse é o meu próximo ) objetivo”, conclui um inativo. )

É um pequeno hospital, que faz procedimentos, consultas e exames para senadores, servidores, dependentes e aposentados. Ali é possível, além de se consultar, realizar exames de baixa e média complexidade, como eletrocardiograma, ecocardiograma, radiografias e testes laboratoriais. Segundo dados do Portal da Transparência, em abril de 2012, para atendimento na própria Casa, o Senado tinha 35 médicos, três cirurgiões-dentistas, um farmacêutico, nove enfermeiros, 16 técnicos em enfermagem, dois técnicos em radiologia e um técnico em reabilitação. Também há ambulância e carro para emergências. No recente concurso, há vagas para mais profissionais de saúde. Sem dúvidas esse é o retrato do “céu” para quem frequenta ou conhece o atendimento de uma unidade pública de saúde no DF. Enquanto o sistema público é um problema para brasileiros em geral, para os servidores do Senado a situação é cômoda. Em casos graves eles têm alternativa: um plano de saúde dos mais reconhecidos e aceitos no País, o Sistema Integrado de Saúde (SIS). Vantagem para os servidores em geral e para os profissionais da área. Um médico do Senado ganha cerca de R$ 20 mil, só com remuneração básica, fora benefícios, por 40 horas semanais. Na Secretaria de Saúde do DF receberia aproximadamente R$ 7 mil, pela mesma jornada e péssimas condições


2*

paubrasilia@paubrasilia.com.br

por Nicolas Behr

BRASÍFRA-ME

Personagens, lugares e episódios marcantes da história da nossa capital. Desvende estes poemas-enigmas.

1*

onde até o poeta (que não é bobo) também quer um emprego (de preferência sem precisar ir lá) úúúúúúúúúúú o poeta não tem medo de fantasmas mas sonha em ser o maquinista do trem da alegria

no cantinho descoberto do quadradinho represado os morangos nascem com os olhinhos puxados e se curvam cumprimentando outros moranguinhos o sol nasce na terra dos zarb em forma de originais origamis


5** se choram é de alegria

3* nosso prato típico não é servido em prato a mão o leva diretamente à boca em formato do distrito federal

cheio de ar como os os vazios de brasília

bandolins com saudades dos cavaquinhos

esse suco não está açucarado demais?

se toca, entra no clube

6* 4* serpenteia até encontrar o caminho

impossível não ignorá-lo possível não gostar impossível não apreciar possível não aprovar

não passa pelo paranoá caudaloso bandeirante deságua no corumbá

impossível não ver possível não olhar

nosso maior rio

e o oscar de efeitos especiais vai para o por do sol Respostas: 1 Senado – 2 Brazlândia – 3 Pastel e caldo de cana – 4 Rio S. Bartolomeu 5 Clube do Choro – 6 Oscar Niemeyer

rio disso

39


Perfil

Pintora, escritora, líder comunitária, heroína das crianças. E uma mulher apaixonada, para quem beleza é fundamental

Texto Rafania Almeida Fotos LEONARDO ARRUDA rafania@meiaum.com.br

fotografia@meiaum.com.br



42

E

va Leite poderia ser uma das mulheres de Manuel Bandeira, o poeta brasileiro encantado pelo universo feminino. O olhar, o falar, o sorrir, o pensar, o vestir, o tocar e, principalmente, as volúpias e a sexualidade eram os principais trunfos observados pelo autor. O olho dele já brilharia ao ouvi-la dizer que, assim como a Eva de Adão, sabe mostrar um pouco do paraíso. É intensa, apaixonada, orgulhosa, bruta, misteriosa e reveladora. Transcende a cada atividade. Na pintura, na escrita, nos relacionamentos. É cheia de histórias para contar. O nome é Evanilda Leite Ferreira. “Mas me chame de Eva”, deu intimidade, como já havia feito com toda a comunidade do Varjão, onde mora desde 1991. As portas da casa estão sempre abertas. Gosta de se relacionar, conhecer gente, conversar. Conta que é assim desde pequena. Já foi a menina espevitada que começou a trocar beijos com os garotos atrás da igreja, em São Gonçalo, cidade no interior do Piauí. Cecília Meireles e o artista plástico Romero Britto são suas inspirações na escrita e na pintura. Se estava à frente de seu tempo na década de 1970, quando morava em São Gonçalo, não aceitaria ser retrógrada em pleno século 21. Aos 45 anos, é uma verdadeira líder. Não aceita que a comunidade do Varjão seja tão dependente do governo, apesar de morar em uma casinha doada pelo próprio, em outra gestão. Faz a diferença do jeito que pode. Dentro e fora da casa, promove atividades. Tem uma minibiblioteca e dois computadores, usados pelos jovens para acessar redes sociais e fazer pesquisa. “Eu coloquei aqui para ajudar nos estudos, mas, se querem usar para outras coisas, deixo também.” Ensina as crianças a mexer com o computador, incentiva a leitura e dá oficinas de pintura. Quer que cada uma aprenda a tomar o próprio rumo, sem esperar um “bolsa-qualquer-coisa”. Conta que assim já conseguiu

tirar algumas crianças da bandidagem, do consumo de drogas e do envolvimento com gangues. Orgulhosa, mostra os trabalhos que já fizeram em oficinas ministradas por ela. São caixas decoradas, quadros e outros artesanatos que decoram a pequena casa da artista. Casa pequena, mas que reflete a mente de Eva, colorida e cheia. Viver de outro jeito Fiquei tão envolvida que me esqueci de uma informação. Lembrei quando Eva jogou charmosamente o cabelo “loiro Joelma” para trás, sem usar as mãos. Ela é tetraplégica. Dá toda essa assistência e ensina a arte da pintura usando um canudo para segurar o pincel na boca. Minha amnésia foi parcialmente proposital. É que a postura de Eva faz com que você a veja muito mais como alguém que ajuda do que como uma pessoa que depende dos outros para se virar. “Até porque coitada eu não sou”, determina. O batom vermelho e os shorts curtos são marcas dela. Gosta de estar sempre bonita e arrumada. “Perdi boa parte dos movimentos do corpo, mas não deixei de ser mulher.” Passou horas conversando comigo sobre os amores e desamores da vida. O pai dos dois primeiros filhos, com quem se casou aos 15 anos, as paixões na internet – que já foi um vício e lhe permitiu conhecer pessoas encantadoras do mundo inteiro –, a mulher por quem se apaixonou perdidamente aos 20 anos, que a levaria para conhecer o mundo. Mas a viagem parou na altura de Paracatu (MG), a caminho do Rio de Janeiro, quando a então namorada dormiu ao volante e o carro capotou. Eva, deitada no banco do passageiro sem cinto de segurança, foi arremessada para fora. Deitada na ribanceira, com frio, não sabia se estava molhada da chuva ou de sangue. Era apenas água. Não teve um arranhão. Em compensação, não sentia os braços e as pernas. Como na época não havia celular, o socorro foi dado por um motorista de ônibus, que a transportou de volta a Brasília,

onde ela descobriu que aprenderia a viver de outro jeito. Passou sete meses no hospital Sarah Kubitschek para se adaptar à nova vida. Foi o suficiente para desistir. Viu mulheres e maridos terminando relacionamentos por estarem cansados, por não suportarem a pena ou o sofrimento do outro. Fez o mesmo com a namorada. O orgulho falou mais alto. Parou a fisioterapia e abandonou a reabilitação. Até hoje é assim. Diz que lhe faltam tempo, dinheiro e vontade. Acredita que tem muito a viver e o tratamento lhe tomaria o tempo. “Acho que estou bem e sei que não voltarei a me movimentar”, diz. Por um tempo, mudou-se para uma chácara no Lago Norte. Queria se isolar. Não conseguiu. Logo conheceu um amigo da irmã, que se encantou por ela e a levou para viver no Varjão. Da relação, nasceu Isabela, hoje com 16 anos. É a principal parceira da mãe. Aos 11 anos, aprendeu a cuidar dela. É Isabela quem dá banho em Eva, troca a roupa, arruma o cabelo e tem longas conversas, inclusive sobre os relacionamentos aventureiros da mãe. Heroína das crianças Começou a escrever porque achava que sua vida merecia ser contada. Em 2004, aprendeu a usar o computador, que lhe permitiria ter independência em seu próprio mundo. Publicou dois livros. O primeiro conta a própria história e o segundo traz poesias de amor. Tem mais três salvos no computador, um deles recusado por uma editora, que esperava algo diferente. A autora tratou de uma relação entre duas mulheres. A carta de recusa dizia que a editora queria saber mais da tetraplegia do que da relação amorosa. Eva não modificará o livro e vai oferecê-lo a outras editoras. Ao dominar o computador, viu que poderia fazer outras coisas. Aprendeu a pintar em um programa do Hospital Sarah Kubitscheck. As primeiras obras foram levadas para uma exposição no Ceará, em


43 2006. Eva percebeu que estava pronta para encarar qualquer coisa. Teve trabalhos expostos na Semana de Valorização das Pessoas com Deficiência, no Senado, onde viu que poderia expandir os horizontes. Escreveu uma carta para a Associação dos Pintores com a Boca e os Pés, com sede na Suíça, e foi aceita como bolsista, logo após a exposição. Com a verba, compra material de pintura. “Nunca encarei a pintura e a escrita como terapia”, afirma Eva. “Essa arte é o que motiva a minha vida”. Sem um espaço para ensinar, coloca a casa à disposição da comunidade. “Quando enche muito, dou os cursos do lado de fora. Os cursos são gratuitos. Eva se mantém com uma pensão da ex-namorada que provocou o acidente e com a bolsa da Associação dos Pintores com a Boca e os Pés. Alguns quadros que pinta também são vendidos para reforçar a renda. Mas é pouco para o trabalho que ela faz. Algumas pessoas doam faixas usadas para propaganda nas ruas e madeira para fazer os cavaletes. O resto depende da força de vontade dela e da vizinhança, que colabora sempre que pode, pois todos recebem ajuda de Eva quando precisam. Certa vez, resolveu ministrar um curso para 20 crianças. Apareceram 32 interessados em aprender a arte. Todos encantados com a habilidade de Eva. Em uma edição da Feira do Livro, virou atração entre as crianças, que fizeram fila para pedir autógrafo à mulher que escrevia com a boca. “Era como se fosse uma heroína para eles”, comentou uma vizinha que escutava atentamente a conversa de Eva. O sonho agora é consolidar a Associação das Pessoas com Deficiência do Varjão, que hoje nem sequer tem sede. Não quer que a entidade fique com fama de “reunião de coitados”. Deseja apenas que, juntos, consigam lutar pelos seus direitos. Enquanto isso, segue apaixonada, dizendo que não abre mão da vida e da beleza, que ) para ela é fundamental. )


CHARGES DO GOUGON hgougon@gmail.com


Caixa-preta

por Luiz Cláudio Cunha cunha.luizclaudio@gmail.com

O general, a ameaça e a amnésia

O general e ex-ministro Leônidas Pires Gonçalves é o oficial mais graduado da direita militar que reage à Comissão da Verdade e à investigação sobre crimes da ditadura. É dele a inaceitável ameaça aos críticos da Lei de Anistia autoconcedida pelos militares aos seus criminosos: “Se quiserem fazer pressão no STF, o Poder Moderador tem que entrar em atuação no País”, trovejou o general ao jornal O Estado de S.Paulo. Na ameaça explícita de sua fala ao Estadão, Leônidas tentou limpar sua ficha como chefe do Estado-Maior do I Exército, entre 1974 e 1977, uma das fases mais turbulentas da repressão no País. Neste ponto, tinha comando direto sobre o DOI-Codi da Rua Barão de Mesquita, um dos mais sinistros do período. Com a empáfia dos santos, Leônidas repetiu: “Nunca apareceu nada, nem ninguém, que tivesse alegado ter sido torturado”. Na Globo News, meses antes, garantiu: “Não houve tortura na minha área”. Em 2009, o Dossiê Ditadura — Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil 1964-1985 revelou que o Rio de Janeiro registrou 31 desaparecimentos no Estado. Desses, seis sumiram justamente no período em que Leônidas coordenava a repressão na área.

Acidente forjado Nenhum deles — Armando Teixeira Frutuoso, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, Jayme Amorim Miranda, Orlando da Silva Rosa Bonfim Júnior, Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto e Eduardo Collier Filho — poderá desmentir o general porque estão todos irremediavelmente desaparecidos. Um dos casos de mais impacto da época, no Rio, foi obra do DOI-Codi do general: a estilista Zuzu Angel, que morreu aos 55 anos quando seu carro capotou na estrada da Gávea, em abril de 1976. Há cinco anos ela denunciava ao mundo a tortura e morte de seu filho, Stuart Angel, outro desaparecido na área. “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá

sido obra dos assassinos do meu amado filho”, escreveu Zuzu, uma semana antes de morrer. O acidente foi forjado pelo DOI-Codi da área do general Leônidas, conforme denúncia do ex-delegado do Dops capixaba Cláudio Guerra, que conta os horrores do regime no livro Memórias de Uma Guerra Suja.

A nostalgia de 64 Existe um sétimo desaparecido na conta do inocente general: Itair José Veloso, 45 anos, capturado pelo DOI-Codi em maio de 1975. Do Rio, ele foi levado para uma casa clandestina em Itapevi, SP, onde morreu sob torturas, segundo denúncia do ex-sargento Marival Chaves, do DOI-Codi paulista. No mesmo

ano, Leônidas amargou outra morte ilustre em sua área de atuação: o gráfico Alberto Aleixo, 72 anos, irmão do ex-vice-presidente Pedro Aleixo. Preso pelo Dops carioca, subordinado ao comando do general, ele não aguentou dois meses de tortura. Foi levado para o Hospital Souza Aguiar, aonde chegou 15 quilos mais magro, desidratado, com obstrução intestinal e sangramento na região anal. Não sobreviveu a duas cirurgias, uma hérnia e um aneurisma, e morreu em agosto, cinco meses após a morte do irmão Pedro. O general Leônidas faria melhor ao País e à sua biografia se apelasse ao poder regenerador de sua memória, aos 91 anos, esquecendo a nostalgia golpista que o acomete.


Conto

Ele se viu na

Primeira cela à esquerda Seria possível escapar da pior das prisões?

Texto Rodrigo Fernandes Ilustração chico régis oficinadaspalavras@yahoo.com.br

Numa segunda, enquanto escovava os dentes, teve a funda certeza da vaziez do seu coração. Estava particularmente distraído e só sabia que era segunda e não terça ou quarta, pois fora na noite anterior, durante o Fantástico, que sentira algo estranho. Imaginou que fosse a mudança do tempo, já que desde criança era sensível a essas reviravoltas atmosféricas. Mas, ao acordar e ir do quarto para o banheiro, passou pela sala contemplando sua claridade e percebeu que algo não ia como antes. E essa vaga sensação se tornaria certeza no momento em que espremia a pasta de dentifrício. Ouvia os ecos das batidas do coração como passos num salão abandonado. Não que o sangue deixasse de lhe encher as cavidades como a todos, porém, não conseguia sentir nada, por ninguém, por coisa alguma. Era como se da cabeça aos pés fosse um tubo de cobre por onde corresse só

regisimagem@gmail.com

uma coluna de ar purificado. Pensou na esposa, que saíra mais cedo carregando a filha, pensou na mãe meio adoentada e na nova estagiária, a mulata que gostava de vestidos floridos. Zero. Nada lhe tocava o espírito. Lembrou-se do melhor amigo, na verdade o único, e sentiu por ele o mesmo que se sente por um estranho de quem compramos meia dúzia de peras e nunca mais vemos mais gordo. Olhou no espelho do armário procurando alguma pista do que lhe roubara os sentimentos, mas encontrou apenas vestígios do queixo da mãe, o nariz do avô e os cabelos grisalhos. Estes ao menos não o apavoravam mais. Abriu a portinhola livrando-se do próprio rosto e constatou que os remédios que tomava para os intestinos, pobres reféns da ansiedade diária, não teriam mais serventia. Um a um os atirou ao lixo. Estranho aquilo. Melhor não

ir ao colégio dar as aulas habituais e investigar aquele nada em seu peito. Mas percebeu que esse desprendimento era mais um sinal. O trabalho que tanto o entusiasmava, manhã após manhã, fora abandonado sem o menor remorso. Em qualquer outra ocasião pensaria nos alunos e se sentiria um irresponsável por abandoná-los à ignorância. Dessa vez, porém, enxergou-os apenas como propriedade dos seus pais, os clientes que pagavam seu salário. Somente potes a serem preenchidos por algo, chacoalhados e devolvidos aos seus donos. A casa, que desde sempre lhe parecera fria e impessoal, agora o acolhia. É o melhor lugar para se sentir assim, disse para si. Embora seu atual estado não agradasse, nem desagradasse, achou que fosse transitório, como uma gripe ou uma ressaca. Culpou o remédio. Era isso, a pílula que tomava para dormir talvez tivesse esse efeito


47 dessa vez, pela primeira vez, estava a compreendê-lo e as questões, antes obscuras, agora se tornaram claras. Passara também na prova da loucura, e, convenhamos, nenhum louco duvida da própria sanidade. As mulheres que lhe cercavam a vida voltaram a assombrá-lo. Elas saberiam de imediato, não conseguiria fingir por muito tempo. O sexo, agora resumido ao desejo carnal, talvez melhorasse e recebesse elogios velados nas conversas da esposa com as amigas. Mas e o antes? E o depois? Percebeu que a vida se tornaria um absurdo de dissimulação, monotonia e mal-entendidos. Um inferno não apenas para ele. Marido sem paixão, pai desatento, professor cacete, filho desnaturado. Era o que o esperava. Mais digno seria acabar com tudo, ali. Evitaria aborrecimentos e explicações estapafúrdias, pouparia os outros e a si mesmo. A lembrança do pai tratando seus empregados no armazém da família pareceu-lhe reveladora. Se o fim da escravidão não estivesse há tanto tempo sacramentado, era bem possível que ele colocasse aqueles infelizes no tronco. Eram gritos, xingamentos e ameaças tão sinistras que às vezes voltavam do passado a assustá-lo. Porém, outra recordação sobrepujou a primeira: Seu pai, no casarão escuro e vazio, escutando um velho cantor na vitrola e se acabando em lágrimas enquanto amassava uma fotografia. O velho não era como ele agora, um balão murcho e insensível. Foi até a despensa e retornou com as mãos repletas. Item por item, estava tudo ali, à sua escolha, como se vivesse num lar onde todos fossem possíveis suicidas: a gilete, a navalha, o barbitúrico em boa quantidade, a corda que não arrebentaria com seu peso. Quase satisfeito percebeu que era bom naquilo, pois concebera em pouquíssimo tempo uma série de maneiras criativas de dar cabo de si, bastava meditar sobre qual método seria o menos doloroso. Entretanto, entre a corda e a gilete, descobriu, com um gosto azedo a encher-lhe a boca e um peso a lhe prostrar as mãos, que coragem também é um sentimento, apesar de ) raríssimo mesmo nos melhores homens. )

colateral. Com certeza tinha. Mas, ora, vamos lá, para que se enganar? Usava-o há anos e, além de não provocar mais efeito algum, ainda esquecera-se de tomá-lo na noite anterior. Estava lá o comprimido em cima da cômoda, a boca um traço, zombando da sua tolice. Ligou a televisão e pela primeira vez em muito tempo as banalidades e desgraças humanas não lhe aborreceram. Poderia observar o aparelho o dia inteiro e seria como observar um aquário fosforescente. Havia, porém, um teste e seria bom fazê-lo, assim manda a boa ciência. Foi até a estante e escolheu um CD. Era daqueles discos que, independentemente de suas qualidades, fazem parte de nossas vidas, às vezes sem nem sabermos direito por quê. Colocou-o na máquina estéreo e enquanto esta transformava bits em notas musicais ele esperou, com uma remota lembrança de expectativa. Entretanto, do primeiro ao último acorde, nenhuma nostalgia, nenhuma emoção, nem a euforia que costumava reprimir em nome da etiqueta, dos bons costumes e dos vizinhos do apartamento de baixo. Largou-se no sofá, sem saber o que fazer. Era possível viver daquele jeito, conhecia muitas gentes assim, frias e antipáticas ao mundo. Mas mesmo esses tinham seus momentos de ódio, descontrole ou mesmo alguma ternura. Os hotéis do Centro eram pródigos em receber casais assim, cujos desejos e paixões duravam o período de seis ou doze horas. Mas ao menos no momento do gozo havia amor. Não dá para não amar quem lhe proporciona tal prazer. Quem goza ama. Isso daria um bom adesivo para automóveis. Está certo que nunca fora dado a arroubos dramáticos, mas seria impossível ser assim todo o tempo. Era uma conclusão sem tristeza, pois jamais saberia o que era isso novamente. Bem, talvez o problema fosse outro. Talvez estivesse louco. Era perfeitamente possível, havia casos na família. Procurou num caixote empoeirado um livro que havia muitos anos encarava como um invencível desafio mental. Daqueles volumes que pegamos e largamos e insistimos e desistimos da leitura. Porém,


Arte, Cultura e Lazer cultura@meiaum.com.br

Guy Ferrandis

Allen, Burton e Polanski de uma vez só São poucos os lançamentos nas salas de cinema em junho, mas basta uma olhada nos créditos das produções para saber que serão estreias de peso. Há obras dirigidas por nomes como Woody Allen, Tim Burton e Roman Polanski. O cineasta Woody Allen tem como maior característica o humor. Com quatro Oscars, o último em 2012, por Meia-Noite em Paris, é grande a expectativa pelo seu novo filme, Para Roma, com amor. O excêntrico Tim Burton vem com Sombras da noite, mais uma parceria com o ator Johnny Depp. Roman Polanski já foi indicado quatro vezes ao Oscar, mas apenas em 2002 levou o prêmio, com O pianista. Agora, chega ao Brasil Deus da carnificina (foto), em que o controverso diretor explora mais uma vez as bizarrices das relações humanas.

Cinema – lançamentos

Amor impossível Direção: Lasse Hallström. Inspirado na trajetória do cientista Alfred Jones (Ewan McGregor) – envolvido em um projeto para trazer a pesca do salmão às terras altas do Iêmen. O projeto mudou sua vida e o curso da história política britânica. Drama. Verifique a classificação. Kinoplex em 15 de junho. 107 minutos.

Apenas uma noite

Bel Ami – o sedutor

Direção: Massy Tadjedin. Michael (Sam Worthington) e Joanna (Keira Knightley) Reed são um casal bem-sucedido. No entanto, tudo muda quando os Reeds vão a uma festa de trabalho de Michael, na qual Joanna presencia um momento suspeito entre o marido e sua nova bela colega, Laura (Eva Mendes). Drama. Classificação 12 anos. Kinoplex

Direção: Declan Donnellan e Nick Ormerod. Adaptação do conto de Guy de Maupassant. A história de George Duroy (Robert Pattinson), jornalista que, graças ao seu carisma, se transforma em um dos solteiros mais cobiçados da alta sociedade parisiense do século 19. Uma Thurman e Christina Ricci estão no elenco. Romance. Classificação 14 anos.

em 15 de junho. 93 minutos.

Kinoplex em 22 de junho. 102 minutos


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McAdams e Channing Tatum) sofrem um acidente de carro logo depois do casamento. A mulher, após ficar em coma, desperta sem se lembrar da vida nos últimos meses, inclusive do marido, que tentará reconstruir o amor entre os dois. Drama. Classificação 12 anos. Cinemark e Kinoplex em 7 de junho. 104 minutos.

Prometheus Direção: Ridley Scott. O épico de ficção científica conta a jornada de uma equipe de cientistas e exploradores que testa os limites físicos e mentais de seus integrantes, em um mundo distante. Lá, descobrirão as respostas para os mais profundos dilemas humanos. Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron e Guy Pearce estão entre os atores. Ação. Classificação 10 anos. Cinemark e

A era do gelo

Kinoplex em 15 de junho. 119 minutos.

Direção: Carlos Saldanha. A louca perseguição de Scrat, sempre à caça de sua noz, desencadeia um evento cataclísmico. Manny, Diego e Sid acabam empurrados para alto-mar e terão de achar o caminho de volta. Vozes na versão original de: Chris Wedge, Denis Leary, Drea de Matteo, John Leguizamo, Queen Latifah, Ray Romano, Jennifer Lopez, Jeremy Renner, Wanda Sykes, Drake e Seann William Scott. Animação. Classificação livre. Cinemark e Kinoplex em 29 de junho. 94 minutos.

Deus da carnificina Direção: Roman Polanski. Adaptação da peça teatral homônima, de Yasmina Reza. Dois casais se encontram depois de seus filhos brigarem na escola. O encontro é um desastre, mas serve para dar início à análise conjugal de ambos. Com Kate Winslet, Jodie Foster, John C. Reilly e Christoph Waltz. Drama. Classificação 14 anos. Cinemark e Kinoplex em 7 de junho. 80 minutos.

E aí, comeu? Direção: Felipe Joffily. Três amigos (Bruno Mazzeo, Marcos Palmeira e Emilio Orciollo Netto) se encontram com frequência em um bar para comentar suas aventuras amorosas. Após o fracasso do casamento de um deles, o

grupo se joga de cabeça no objetivo de decifrar os relacionamentos. Comédia. Classificação 14 anos. Kinoplex em 22 de junho. 111 minutos.

Madagascar 3: os procurados Direção: Eric Darnell e Tom McGrath. O já conhecido grupo de animais está em um circo itinerante, na Europa, e tentará retornar a Nova York. Vozes de: Sacha Baron Cohen, Cedric the Entertainer, Jada Pinkett Smith, Andy Richter, Chris Rock, David Schwimmer e Ben Stiller. Animação. Classificação livre. Cinemark e Kinoplex em 7 de junho. 93 minutos.

Para sempre Direção: Michael Sucsy. Baseado em uma história real. Kim e Krickitt Carpenter (Rachel

Sombras da noite Direção: Tim Burton. Barnabas (Johnny Depp) é rico e poderoso, até que comete o erro de quebrar o coração de Angelique (Eva Green), uma bruxa. O playboy inveterado é, então, transformado em vampiro e enterrado vivo, condenado a um triste destino. Dois séculos mais tarde, é libertado de seu túmulo. Comédia. Classificação 14 anos. Cinemark e Kinoplex em 22 de junho. 113 minutos.

Cinema – outros

Mostra Douglas Sirk –

o príncipe do melodrama Sirk (1900–1987) é um dos diretores mais influentes e cultuados do século 20. Tornou-se um dos grandes diretores de melodramas da Universal Studio na década de 1950, usando em seus filmes técnicas inovadoras para a época. Também estão na lista de exibições comédias e filmes ao estilo faroeste. São 34 longas-metragens dirigidos pelo alemão. Até 17 de junho, no CCBB. Entrada franca. Classificação e programação em www.bb.com.br/cultura.


Arte, Cultura e Lazer

Philippe Antonello

Arraiá do Alceu Clima nordestino, bares e decoração temática, com comidas e bebidas típicas. Tudo para receber um dos maiores ícones das festas de são-joão do Brasil: Alceu Valença. Também haverá shows com as bandas Clima de Montanha e Balalaica. 30 de junho, às 21h, na AABB (Setor de Clubes Sul, trecho 2). Ingresso (inteira) R$ 80. Telefone: 8415-1136.

Beatles num céu de diamantes

Para Roma, com amor Direção: Woody Allen. Tendo em seu elenco atores como Jesse Eisenberg, Ellen Page, Penélope Cruz e Judy Davis, o filme é baseado em Decamerão, saga literária de Giovanni Boccaccio. A trama é dividida em quatro eixos que se cruzam: um casal americano que viaja a Roma; um homem comum confundido com uma estrela de cinema; um arquiteto que visita a Itália e dois jovens recém-casados que se perdem pelas ruas da capital daquele país. Comédia. Classificação 12 anos. Kinoplex em 29 de junho. 102 minutos.

Mostra Ingmar Bergman A maior retrospectiva no Brasil sobre a cinematografia do diretor sueco (1918–2007). Mais de 40 longas, curtas, documentários e filmes para televisão. Haverá palestra do documentarista sueco Stig Björkman e curso com o crítico Sérgio Rizzo. 9 de junho a 22 de julho, no Centro Cultural Banco do Brasil. Entrada franca. Classificação e programação em www.bb.com.br/cultura.

www.cinemark.com.br www.kinoplex.com.br Não informaram a programação a tempo: www.itaucinemas.com.br www.cinecultura.com.br

Há três anos em cartaz, o musical vem pela primeira vez à capital, após ganhar dois Prêmios Shell. A dupla de diretores Charles Möeller e Claudio Botelho conta uma história por meio de 50 músicas da banda inglesa. Sem diálogos e acompanhados de piano, percussão e violoncelo, dez cantores-atores contam a fantástica história. Foram quase 200 mil espectadores nas apresentações no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Curitiba e em Lyon, na França. 9 de junho, às 21h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Ingressos (inteira): VIP Gold e Gold Lateral R$ 160; VIP A R$ 120; VIP B R$ 100; Superior R$ 80. Telefone: 3364-0000.

Clube do Choro

Música

II Festival de Ópera de Brasília Depois de reunir mais de 10 mil pessoas em 2011, a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional apresenta a segunda edição do festival, sob a direção do maestro titular Cláudio Cohen. A homenageada é Asta-Rose Alcaide, autora de óperas nacionais que completou 90 anos recentemente. Além dos solistas e intérpretes de cada ópera, as montagens contam com um coral brasiliense de 60 vozes. Na Sala VillaLobos do Teatro Nacional Claudio Santoro. Entrada franca (a lotação ocorrerá por ordem de chegada). Telefone: 3325-6239. | Cavalleria Rusticana: 8, 9 e 10 de junho, às 20h | Carmen: 21, 22, 23 e 24 de junho; quinta, sexta e sábado às 20h; domingo, às 17h.

As homenagens a Chico Buarque seguem até dezembro. Destaque neste mês para o acordeom de Junior Ferreira e convidados. Shows às quartas, quintas, sextas e aos sábados, a partir das 21h. Ingresso (inteira): R$ 20. Classificação 14 anos. Telefone: 3324-0599. | Arismar do Espírito Santo: 6, 7 e 8 de junho | Junior Ferreira e convidados: 9 de junho | Marco Pereira: 13, 14 e 15 de junho | Orquestra de Senhoritas: 16 de junho | Raul de Souza: 20, 21 e 22 de junho | Vagabundo Sagrado: 23 de junho | Pablo Fagundes & Marcus Moraes: 27, 28 e 29 de junho| Adora a Roda: 30 de junho.

Expotchê 2012 É a 20ª edição da feira que apresenta produtos típicos do Rio Grande do Sul. São mais de 300 estandes. Entre as atrações musicais, Guri de Uruguaiana, Nenhum de Nós, Bah!gualadas, Filipe Catto e Luis Carlos Borges. Até 10 de


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de compositores de diferentes gerações da música nacional e internacional. 26 de junho, às 20h30, na sala Martins Pena do Teatro Nacional. Entrada franca. Telefone: 3325-6239.

Milton Nascimento O cantor e compositor chega a Brasília com o show em comemoração ao cinquentenário de sua carreira. Na apresentação, o artista também celebra a amizade com o mineiro Lô Borges, que divide com ele o disco Clube da Esquina e é um dos seus grandes parceiros musicais. 16 de junho, às 21h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Ingressos (inteira): Cadeira Vip Central e Lateral R$ 100; Cadeira Especial Central e Lateral R$ 80; Cadeira Superior Central e Lateral R$ 60. Telefone: (11) 2338-1485.

Gonzagão, 100 anos Sob direção musical de Daniel Gonzaga, neto de Gonzagão, serão apresentados quatro espetáculos inéditos, com vasto repertório do cantor, instrumentista e compositor que encantou o mundo com o seu baião. Luiz Gonzaga nasceu em 1912 e morreu em 1989. A estreia nacional da homenagem é em Brasília, depois segue para São Paulo. A programação começa com Moraes Moreira (foto), Carlos Malta e Pife Muderno, em 24 de junho, às 20h, no CCBB, com entrada franca. Chico César, Quinteto da Paraíba e Marcelo Caldi se apresentam em 29, 30 de junho e 1º de julho, às 21h. O ingresso (inteira) será R$ 6. A programação segue até 15 de julho e está em www. bb.com.br/cultura. Telefone: 3108-7600.

Todos os sons Em seu sexto ano, o projeto aposta na diversidade musical. Por isso, traz o multi-instrumentista André Abujamra. O ex-integrante da banda paulistana Os Mulheres Negras apresenta o repertório de seu terceiro disco solo, Mafaro. Abertura da banda Watson e do grupo Patubatê. 17 de junho, às 17h, no CCBB. Entrada franca e livre. Telefone: 3108-7600.

exposições junho, de segunda a sexta-feira, das 16h às 23h; sábados, domingos e feriados, das 11h às 23h, no Pavilhão de Exposições Expobrasília, no Parque da Cidade. De segunda a quarta-feira, a entrada é franca até as 18h. Nos demais dias e horários, o ingresso (inteira) custa R$ 14. Veja a programação em www.expotche.com.br.

Festa do Seu João Com Lulu Santos, Monobloco, Balalaica e o DJ Mario Fischetti. São dois palcos e uma pista eletrônica, além de pontos para venda de bebidas e comidas típicas. 6 de junho, às 22h, no estacionamento do Ginásio Nilson Nelson. Ingressos (inteira): Pista R$ 130; Camarote R$ 200. Informações: www.verrieverri.com.br.

Festa Junina da AABB Duas noites de shows, com atrações sertanejas, de axé e de forró. Na programação estão a dupla goiana Luiz Paulo e Juliano e a banda Forró com Site. Como manda a tradição, a festa estará repleta de barracas de comidas típicas e brincadeiras. 22 e 23 de junho, às 19h, na AABB. Ingresso (inteira): R$ 30. A entrada é franca para sócios. Telefone: 3223-0078.

Henrique Neto Filho de Reco do Bandolim, o cantor traz o show de lançamento do CD Caminhos abertos. No repertório, além das músicas próprias, o instrumentista toca canções

1º Festival de Land Art Obras de 12 artistas brasileiros. A ideia é transformar o Jardim Botânico de Brasília em museu a céu aberto e incentivar a preservação do Cerrado. A land art é uma área das artes visuais que lida com obras que tenham o meio ambiente como tema e a natureza como elemento dialógico, o que não permite que esse tipo de exposição ocorra em galerias. Até 30 de setembro, das 9h às 17h, de terça a domingo, no Jardim Botânico. Ingresso: R$ 2. Saiba mais em www.1galeriaaberta.com.br.

5º Ecocartoon Mostra de cem desenhos escolhidos entre


Arte, Cultura e Lazer

mais de 700 enviados por cartunistas de 63 países. O tema desta edição é o futuro da água. A seleção foi feita por cartunistas como Paulo Caruso, J. Bosco, Silvano Mello e pelo professor da UnB especialista em água Paulo Salles. Até 15 de junho, de segunda a sábado, das 10h às 22h; domingos e feriados, das 14h às 20h, na praça central do Pátio Brasil Shopping. Entrada franca e livre. Telefone: 4003-7780.

Geometria da transformação O Museu Nacional comemora os 52 anos da capital com 142 obras de 55 artistas, entre pinturas, desenhos, gravuras e esculturas da arte construtivista. O acervo, de propriedade do advogado carioca Sérgio Fadel, traz peças do período entre o início da década de 1950 e o fim da década de 1980, traçando um paralelo com o nascimento da capital do País. Até 24 de junho, de terça a domingo, das 9h às 18h30, no Museu Nacional. Entrada franca e livre. Telefone: 3325-5220.

Índia! São 350 peças – objetos sacros, estátuas, vestimentas, máscaras, pinturas e fotografias – que representam vários aspectos da cultura indiana. Entre os destaques um yantra (altar) com a imagem de Ganesh, a mais conhecida e venerada representação de Deus no hinduísmo. Até 29 de julho, de terça a domingo, das 9h às 21h, no CCBB. Entrada franca e livre. Telefone: 3108-7600.

Laços de família: etnias do Brasil

A mostra reúne o trabalho dos fotógrafos Ary Diesendruck, Gal Oppido, José Caldas, Marcio Scavone e Patrícia Gouvêa. Os registros, feitos em diferentes regiões do País, mostram a diversidade étnica do povo brasileiro, a partir de cem fotos de cidadãos comuns, de seus costumes e crenças. Até 17 de junho, de segunda a sexta-feira, das 9h às 20h45;

sábado e domingo, das 9h às 17h45, no salão de exposições da Biblioteca Nacional de Brasília, 2º andar. Entrada franca e livre. Telefone: 3325-5220.

Yves Serpa Um prato cheio para quem é apaixonado pelo concretismo. A exposição tem 28 obras de diversos tamanhos do artista plástico carioca. A marca do trabalho são figuras geométricas que criam ilusões de movimento e atiçam a curiosidade dos visitantes. Até 28 de junho, sábados e domingos, das 9h às 17h, na Câmara dos Deputados. Entrada franca e livre. Telefone: 3215-8081.

Teatro

Adelaide, a secretária O espetáculo continua em cartaz, desta vez no Plano Piloto. Adelaide é uma secretária bem humorada e dedicada, sempre disposta a atender aos caprichos de seu odioso chefe. Das companhias B e Colapso. Até 17 de junho, sextas e sábados, às 21h; domingos, às 20h, no Teatro Goldoni, Casa d’Itália (208/209 Sul). Entrada franca. Classificação: 14 anos. Telefone: 3451-9103.

Amatores A montagem é da Cia. 2 Tempos, de Brasília. Conta a história de oito atores, selecionados para projeto de um diretor misterioso. Ficam confinados em um teatro para o teste de elenco. A experiência será crucial na vida artística e pessoal de cada um. Até 10 de junho, sábado, às 21h; domingo, às 20h, no Teatro da Escola Parque (307/308 Sul). Ingresso (inteira): R$ 30. Classificação 14 anos. Telefone: 8143-5637.

Amor de Ahh a Zzz Amor para uns é sexo, para outros, turbilhão de emoções. Há até os que acham se tratar só de ligações químicas, mas para o novo espetáculo da Cia. Setebelos, é comédia pura. De 8 a 24 de junho, sextas e sábados, às 21h; domingo, às 20h, no Teatro dos Bancários (314 Sul). Ingresso (inteira): R$ 50. Classificação 14 anos. Telefone: 3262-9090.

Dicionário de Machado Uma trupe circense viaja o País contando a história de um rei autoritário e de um canário filósofo: personagens centrais de dois contos de Machado de Assis. Malabarismos, equilibrismo, trapézios e música tornam o espetáculo encantador para as crianças. Com direção de Pecê Sanváz e Vanessa de Farias, que também atuam. No elenco estão ainda Verônica Moreno, Alex Bernardo, Thiago Moraes e Pê Agá. Até 24 de junho, domingos, às 11h e às 16h, no Teatro Goldoni. Ingresso (inteira): R$ 20. Classificação livre. Telefone: 3451-9103.

Isso é o que ela pensa Escrita em 1985 pelo inglês Alan Ayckbourn, a peça conta a história de uma mulher que lentamente perde a conexão com a realidade. Susan, na meia-idade, de classe média, sofre um acidente em seu jardim. A partir desse dia, passa a se relacionar com uma família imaginária, oposta à sua: figuras idealizadas, privilegiadas em beleza e delicadeza. Com Denise Weinberg, Mário Borges, Clara Carvalho, Mário César Camargo, Francisco Brêtas, Eduardo Muniz, José Roberto Jardim e Clarissa Rockenbach. Direção de Alexandre Tenório. Até 10 de junho, de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 20h, no CCBB. Ingresso (inteira): R$ 6. Classificação 16 anos. Telefone: 3108-7600.

Mágico de Oz Adaptação da Cia. Néia e Nando. A trama fala da menina Dorothy, que é transferida com sua casa e seu cachorro Totó para a fantástica Oz, após um tornado em Kansas. Lá, tudo é colorido, bonito e mágico. Porém, toda a beleza não envolve a menina, que deseja retornar para sua casa. A pequena deve encontrar um mágico, que lhe mostrará como realizar esse desejo. À procura dele, Dorothy vive uma aventura inesquecível. Pelo caminho conhece personagens como o Homem de Lata,


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Arturo López

Teatro Aclamado na Europa, o dramaturgo inglês Alan Ayckbourn é pouco conhecido no Brasil, apesar das mais de 70 peças que escreveu. O artista está sendo apresentado no País graças ao empenho de um grupo de atores e produtores. “O primeiro contato com a obra do Alan foi em Nova York, em 2005”, comenta o ator e produtor Eduardo Muniz, um dos integrantes do elenco de Isso é o que ela pensa, em cartaz até 10 de junho no CCBB. “De lá para cá já produzi oito textos dele no Brasil”, conta. Na trama, o universo feminino está em pauta a partir da história de Susan (Denise

Arte e Estética 2012 A terceira edição do projeto, que a cada ano exibe uma mostra direcionada para a pesquisa de novas linguagens cênicas, apresenta sete espetáculos de grupos nacionais e internacionais. Entre os representantes de outros países está o grupo Teatro Brujo, com a equatoriana Mabel Petroff. O mexicano Bruno Castillo, por sua vez, está no elenco da peça ARS Erótika (foto). No Teatro Espaço Cultural Mosaico (714/715 Norte). Entrada franca. Classificação 16 anos. Veja programação completa em: www.espacoculturalmosaico.blogspot.com.br. Telefone: 3032-1330.

Weinberg), mulher desconectada da realidade que a cerca. Numa encruzilhada sexual, social e cultural, ela tenta reconstruir uma vida de sonhos e fantasia ao lado de uma família depressiva e em conflito. Para Muniz, na pele do filho dessa mãe em crise, a identificação é imediata porque o espectador é convidado a uma jornada cheia de elementos inerentes a todos nós. “A relação com a mãe é péssima, mas ele tem que voltar e ela estará lá para abrir todas as feridas que não cicatrizaram”,

o Espantalho, o Leão Covarde, a Bruxa Má e a Bruxa Boa. Até 30 de junho, sábados e domingos, às 17h, na Escola Parque (307/308 Sul). Ingresso (inteira) R$ 30. Classificação livre. Telefone: 8199-2120.

Manual de sobrevivência ao casamento

O G7 promete ser fiel ao público e respeitá-lo, na saúde e na doença, na alegria e na alegria, para todo o sempre! A peça é dividida em capítulos que revelam como conviver sob o mesmo teto sem matar o seu companheiro e ainda por cima cultivar o amor. Até 17 de junho, sábados, às 18h30 e às 21h; domingos, às 20h, no

Teatro do Maristão (615 Sul). Ingresso (inteira): R$

observa. “Acho que toda mulher, em

50. Classificação 14 anos. Telefone: 8129-4709.

algum momento da vida, olha para trás

Uma última cena para Lorca

e se pergunta se viveu ou está vivendo a

A peça, indicada ao Prêmio Shell em 2005, é uma das primeiras do dramaturgo paranaense Antonio Roberto Gerin e se passa durante a guerra civil espanhola. Federico García Lorca se esconde da perseguição política num quarto secreto. Dois dias antes de morrer, tenta finalizar a sua última peça teatral. A direção é de André Amaro. Até 24 de junho, sextas e sábados, às 21h; domingos, às 20h, no Teatro Caleidoscópio (CLSW 102). Ingresso (inteira): R$ 40. Classificação 14 anos. Telefone: 3344-0444.

vida que sonhou”, reflete o ator.

Lúcio Flávio É jornalista e publicou a íntegra da entrevista em www.meiaum.com.br.


Banquetes e botecos } ilustração Rômulo Geraldino romulog2000@yahoo.com.br

Por Marcela Benet marcela.benet@gmail.com

Quer tomar uma cerveja geladinha debaixo da árvore? Vá ao Paulicéia

1 2 3,5 4 5 Este restaurante é um dos mais antigos de Brasília. Foi inaugurado em 1966 pelo senhor Teixeira, que criou seu filho Raul lá dentro. Raul e sua esposa também criaram seus dois filhos no restaurante, que, agora, os filhos tocam juntos. Um negócio, assim, bem familiar. Sentimos a energia dessa união e a tradição assim que entramos no estabelecimento. A Paulicéia, ou Bar do Raul, como é conhecido pelos íntimos, fica na 113 Sul, no primeiro bloco comercial perto do Eixo. As mesas se espalham no terreno entre a loja e a superquadra. Mais parece um boteco do que propriamente um restaurante. É tradicional entre os botequeiros, sempre com a cerveja trincando. Alterna self-service, à la carte e comida de boteco mesmo. A grande inovação foi há 25 anos, quando passou a servir a comida, no horário do almoço, no sistema self-service. Um esquema que realmente não me agrada, mas que não prejudica a boa fama do lugar. Deve ser a maneira que os donos encontraram para se manter no mercado há tanto tempo. Afinal, não é fácil manter um restaurante aberto durante 46 anos, e sempre lotado. O verdadeiro carro-chefe é a feijoada, às sextas e aos sábados. Em mesinhas de ferro enferrujadas ou de plástico, debaixo das árvores, é servida em cumbucas bem recheadas. Desde o caldinho, que fica num panelão à porta, para você mesmo se servir, ao torresminho combinando com a cervejinha gelada, tudo compõe uma atmosfera completamente descontraída, que faz da simplicidade pura diversão. Nas quartas-feiras é servida a rabada com agrião. Às quintas-feiras, a dobradinha, ambas com clientela fiel e cativa. No cair da noite, várias tribos começam a chegar ao Paulicéia: aposentados que gostam de tomar sua cachacinha na beira do balcão para abrir o apetite, jovens que saem do trabalho, executivos, políticos, dá de tudo. A vedete da noite é a picanha na chapa, que pode ser de carneiro ou de boi mesmo. Uma delícia! E para os incrementados tem a cerveja alemã de trigo Valentine e a dinamarquesa Faxe para acompanhar, cujos preços variam de R$ 18 a R$ 28. Eu prefiro uma Original, boa e barata. Este é o Paulicéia, restaurante e boteco, expressão de que se precisa de pouco pra ser feliz.Uma dica: naquele sábado em que você não está a fim de cozinhar nem de sair, leve a feijoada em uma quentinha para comer em casa. Pode encomendar e só passar para pagar e pegar. Vale a pena!

113 Sul, Bloco A, Loja 20 (61) 3245-3031 Segunda a sexta: 11h-0h Sábado: 11-16h


Uma parceria pela geração de trabalho e renda no país.

A Fundação Banco do Brasil e o BNDES se uniram para promover o desenvolvimento sustentável de comunidades rurais e urbanas que vivem em situação de vulnerabilidade econômica, por meio de programas e tecnologias sociais voltados à geração de trabalho e renda. Em três anos, já foram investidos R$ 110 milhões, envolvendo mais de 113 mil famílias no processo de transformação social.

www.fbb.org.br/bndes-fbb


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VOCÊ A R A P O IT D É R C O MICRO FAZER MAIS.

O PROSPERA é um programa de microcrédito produtivo orientado da Secretaria de Trabalho que tem o objetivo de fortalecer os micro e pequenos negócios e gerar renda para a população. Para solicitar um empréstimo ou obter mais informações, procure uma Agência do Trabalhador. Telefones: (61) 3226-2686 ou (61) 3223-0964.

Mais informações: www.trabalho.df.gov.br


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