O lixo é seu, e o dinheiro também
+ ENSAIO
Imagens da Síria como ela era
U N°
Buritigate, um caso sem solução O primeiro grande escândalo político do DF foi há 40 anos, passou mais de 30 na Justiça e deu em nada
20 Ano 2 | dez. 2012 – Jan. 2013 | www.meiaum.com.br
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Papos da Cidade
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Brasília 61 visões
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Perfil
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Conto – Rosângela Vieira Rocha
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Reflexões, análises e resmungos de quem vive em Brasília
A cidade pela alma de seus habitantes
Lúbia DuCa e suas contradições
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Uma Síria que não existe mais
Leila era doida para ver como eram os quartos da coreia
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Conto – Maurício de Almeida Ariana, sexo & subversão
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Fora do Plano
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Caixa-Preta
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Brasília – Antônio Carlos Queiroz
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Charges do Gougon
Crônica – João Henrique Pereira
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Arte, Cultura e Lazer
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Brasífra-me
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Banquetes e Botecos
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Capa
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ÍNDICE
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Os bastidores das eleições da Mesa da Câmara Legislativa
Por que Agnelo insiste na PPP do Lixo?
Bolso cheio e taquicardia
Os poemas-enigmas de Nicolas Behr
O primeiro escândalo genuinamente brasiliense
Ensaio – João Tajra
Corruptos não perderam o medo
Joaquim Barbosa canta Roberto Carlos
Os destaques da programação da cidade
Em cada edição, Marcela Benet visita um restaurante. E ninguém sabe quem ela é
Carta da editora
“A gente tem de sonhar”
P
ara nós que moramos em Brasília, Oscar Niemeyer não morreu. Ele está no DNA da cidade, faz parte de nossa vida, de nossos percursos diários, da rotina profissional de alguns. Está nos projetos que deixou prontos para a nossa capital. Nestes dias que se sucedem à partida dele, durante o fechamento desta edição, chamou a atenção não só a importância de sua obra, mas a história de um homem que viveu 104 anos e nunca deixou de trabalhar. O arquiteto carioca escreveu certa vez: “Se trabalhei muito foi por ter como ofício um trabalho que me atraiu e apaixonou pela vida afora”. E atribuiu o bom desempenho às oportunidades que teve de mostrar sua criatividade. “A gente tem de sonhar, senão as coisas não acontecem” é uma de suas citações mais replicadas. Para quem nada entende de arquitetura, a frase é mais inspiradora do que qualquer monumento.
A meiaum ainda é um sonho. Nasceu da vontade de fazer jornalismo sem apatia e com independência – e você há de concordar que isso só pode ser coisa de sonhador. Começamos com menos de dez pessoas. Nestes 20 números, já somamos 110. Com tantos sonhadores juntos, só aumenta a nossa vontade de continuar trabalhando para fazer uma revista com esses princípios. Há muito tempo, Niemeyer disse desejar que Brasília fosse uma cidade de “homens felizes”. Acho que esse é o desejo de todos que temos algum tipo de relação com a capital. De nossa parte, faremos o possível para contribuir, propondo reflexões aos leitores sobre o futuro da nossa jovem cidade. Ficaremos mais felizes, por exemplo, quando a capital deixar de ser território de tolerância com a corrupção e não precisarmos contar casos como o do Buritigate, escândalo de 40 anos atrás que ainda
não se fechou, como mostra Noelle Oliveira na reportagem de capa desta edição. Ficaremos mais felizes quando tivermos governantes que honrem suas promessas e cumpram os prazos anunciados na hora do obaoba, que não troquem seus compromissos de campanha por projetos-supresa. Ficaremos mais felizes quando os que foram eleitos legisladores cumpram seus mandatos em vez de colocá-los a serviço dos outros ou de usá-los como atalho para “outros desafios”. Ficaremos mais felizes quando o patrimônio de Brasília for preservado e os cidadãos, respeitados. Em 2013, continuaremos sonhando. Em fevereiro tem mais.
Anna Halley
( ) MEIA
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(meiaum) é uma publicação mensal da Editora MEIAUM Conselho editorial: Anna Halley, Carlos Drumond, Hélio Doyle (coordenador), Luana Lleras, Noelle Oliveira e Paula Oliveira Diretora de Redação: Anna Halley Fotografia: Luana Lleras Projeto gráfico e diagramação: Carlos Drumond Assistente de Produção: Cristine Santos Publicidade Sucesso Mídia Comunicações – (61) 3328-8046 – barroncas@sucessototal.com.br TIRAGEM 12 mil exemplares Impressão Gráfica Imprima (Brasília) – (61) 3356-7654 Os textos assinados não expressam, necessariamente, a opinião da Editora Meiaum. | Contato: editora@meiaum.com.br
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Siga @revistameiaum | www.meiaum.com.br ISSN 2236-2274 CAPA | Por Pedro Ernesto
Anna Halley e Hélio Doyle (sócios) SHIN CA 1 Lote A Sala 351 Deck Norte Shopping – Lago Norte | Brasília-DF | (61) 3468-1466 www.editorameiaum.com.br
Desenho a nanquim e vetorial Designer gráfico, atua no mercado brasiliense, é autor de livro infantil e colabora na meiaum desde seu primeiro número. Faz parte do escritório Grande Circular. Veja os trabalhos da equipe em www.grandecircular.com.
Luana Lleras
Bruno Bravo pág. 11
Bete Coutinho
Thales Fernando pág. 7 Luiz Martins da Silva pág. 8 Nena Medeiros pág. 8 André Giusti pág. 9 Chico Régis pág. 16 Gougon págs. 19, 46 e 47 Antônio Carlos Queiroz pág. 20 João Henrique Pereira pág. 24 Lucas Muniz pág. 24 Nicolas Behr pág. 26 Francisco Bronze pág. 42 Miguel Oliveira pág. 46 Priscila Praxedes pág. 48 Marcela Benet pág. 54 Rômulo Geraldino pág. 54
Luana Lleras
Saiu do fotojornalismo pernambucano e depois de cinco anos em Brasília vem se acostumando a usar a fotografia como meio de compreensão da cidade. Combina textos e fotos para criar projetos entre o real e o imaginário. Agora apresenta Brasília pela perspectiva da alma das pessoas que a habitam. O projeto Brasília 61 visões traz um retrato a cada edição e exibe o material em construção em www.brasilia61visoes. blogspot.com. Vem encontrando na realidade brasiliense o surrealismo que antes inventava.
E mais...
Rosângela Vieira Rocha pág. 16 Nasceu em Inhapim, MG, e veio para Brasília em 1968. É jornalista, professora aposentada do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UnB e escritora. Tem nove livros publicados, quatro para adultos (romances e contos) e cinco infantojuvenis. Atualmente, ministra palestras e oficinas literárias.
Maurício de Almeida pág. 42
Publicou em 2008 o livro Beijando dentes (Ed. Record), vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2007 na categoria contos. Participou também das coletâneas Como se não houvesse amanhã (Record, 2010) e O livro branco (Record, 2012), entre outras publicações.
João Tajra pág. 36
Autorretrato
Colaboradores
A primeira câmera foi uma Rolleiflex, herdada do avô, aos 9 anos. A primeira viagem, o trem da morte para Machu Picchu aos 19. Depois disso, o então futuro jornalista não parou de viajar, fotografar e escrever. Hoje contabiliza mais de seis anos na estrada e 97 países visitados. Prepara um livro sobre sua última grande viagem ao redor do mundo. E a próxima expedição: de carro pela América do Sul. Veja mais em www.jtajra.com.
Papos da cidade } ilustrações Thales Fernando
thalesfernandob@gmail.com
Seca ou chuva? As estações do ano em Brasília são bem definidas. Temos a época seca e a época de chuva. Todo ano é igual. No meio da seca, as pessoas começam a reclamar da falta de água, do nariz sangrando, da boca rachada. E foi só eu comentar que preferia a seca a enfrentar os problemas da chuva para logo ser chamada de “pessimista”. Eu me definiria mais como “realista”, já que Brasília não tem estrutura nenhuma para suportar tanta água. Em novembro, a chuva ultrapassou 92% a média do mês, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Com as chuvas fortes, vieram também os problemas causados por elas. Ruas e tesourinhas ficaram alagadas em 19 de novembro, forçando muitas pessoas a abandonar o carro a nado. As ocorrências registradas pelo Corpo de Bombeiros eram as mais diversas: queda de árvores, destelhamento de casas, acidentes de trânsito. A recomendação é de que, em dias de chuva intensa, as pessoas não deixem a casa ou o local de trabalho. Caso estejam no trânsito, o ideal é evitar ruas alagadas, em que a água esteja passando do meio-fio e, caso o nível da água esteja muito alto, abandonar o carro. Além disso, o excesso de água sem escoamento faz com que surjam crateras nas ruas. Os locais com asfalto envelhecido ou com a vida útil ultrapassada, como informa o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF), são os mais suscetíveis ao aparecimento de buracos. As poças de água muitas vezes escondem esses buracos, e o motorista desatento pode furar um pneu ou mesmo sofrer um acidente grave ao passar por eles. Enquanto a seca não volta, os brasilienses podem preparar seus guarda-chuvas e botes salva-vidas: a previsão do Inmet é de que as chuvas fortes continuem frequentes, pelo menos durante as próximas semanas. Luana Lleras
Escandalosos crepúsculos Amo este bravo sertão, E aos brados reverencio Secretas brenhas da América, Nascentes de grandes rios. Amo e amplio veredas Que em ânsias de infinito Cruzam num mesmo horizonte Terra e Céu por escrito. Ah! Se por aqui houvera Passados os olhos de Whitman, A recontar do Universo Luxúrias de um grande mito. Quanta coisa a enumerar Para compor um poema Do leque do buriti À flor da canela-de-ema. Quando cheguei por aqui, Já não me haviam contado, Mas logo me apaixonei Por uma flor do cerrado. Por isso fiquei até hoje, Desde meus tempos heroicos: Candango, pau-de-arara, Outro sertão mais ao Norte. Um dia, meus filhos nascidos, Não haverão de medir! Quanta estrada para um homem Até chegar por aqui. Nada a contar de estranho No mundo do natural. Sequer o palmito guairoba, Ou mesmo a flor do pequi. Nada de exagerado
Às vistas de tudo um pouco: A lua, branca, de um lado; O sol, laranja, de outro. Luiz Martins da Silva
Professor, profissão perigo Não sei de quem é a culpa. Acho injusto jogar sobre os pais a responsabilidade de todas as atitudes certas ou erradas dos filhos. Também acho que não convém culpar o fato de o jovem querer ser aceito no grupo ao não levar desaforo para casa. E não concordo com quem pensa que isso seja um problema apenas de valores pessoais, que o mundo está cada vez mais louco e que as pessoas agem como animais. Nem a falta de amor ou de religião deve ser usada para explicar certas atitudes. Ensinar deve ser tarefa bastante árdua. Explicar uma matéria para alguém que teima em não aprender ou que age com arrogância diante da própria ignorância deve ser no mínimo irritante. Somos todos humanos, profissionais, mas humanos. Chega uma hora em que o sangue deve ferver diante de crianças, adolescentes e até adultos resistentes ao aprendizado. Já houve época em que o professor era figura importante na vida de qualquer estudante. Poderia ser duro, exigente, mal-humorado ou seja lá o que fosse – antes de qualquer coisa era respeitado como mestre. Tinha autoridade para dizer o que era certo e o que era errado, dar a nota que o aluno de fato merecesse e até mesmo chamar a atenção dos pais quando o comportamento do filho se mostrasse inadequado. Não acredito que a vontade do aluno influenciasse a nota que o professor estabeleceria para determinada avaliação. Nós é que tínhamos medo do que ele pensava, do que ele poderia fazer. Uma prova surpresa era o pior dos pesadelos. Ou a reunião com os pais. Não sei, estou em
dúvida sobre o que eu mais temia. Já odiei professores. Inclusive um que me deixou de recuperação em física por 0,5 ponto. Foi injusta a correção de prova dele, mas como discutir com o professor? Era ele quem ditava as regras. O que eu fiz com toda a minha raiva e indignação? Estudei que nem uma doida, tirei a nota máxima na prova e passei. Foi a minha vingança. A única vez na vida que eu tirei nota boa em física, eu acho. Mas o mundo está mudado. Nessa mesma situação, só que na faculdade, um aluno não gostou da avaliação do professor do Uniceub e ficou com tanta raiva, tanta raiva, que o agrediu fisicamente, no fim de novembro. Bom argumento para um rapaz que pretende ser fisioterapeuta, lidar com gente e com a saúde dos pacientes. E o pior é que essa situação é mais comum do que deveria ser. Taí uma profissão que já esteve no topo da sociedade e hoje é tratada por muitos com meros empregados e saco de pancadas. Paula Oliveira
10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1... fogo!! Réveillon chegando e, ao contrário da maioria, muita gente já começa a se preocupar com a festa. Melhor: com os fogos que enchem de alegria e beleza a madrugada no primeiro dia do ano. Não nego que seja lindo ver o céu iluminado por dentes-de-leão multicores em shows pirotécnicos que se espalham ao redor do planeta. Essa tradição remonta à Idade Média, quando as festas da nobreza eram decoradas com fogos e cores e se acreditava que os estampidos afastariam os maus espíritos, garantindo as bênçãos para o novo ano. Evoluímos um bocado. Sabemos que hoje se afastam os maus espíritos com grade, cerca elétrica ou bloqueando no Facebook, mas não
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perdemos esse fascínio pelo fogo. Ainda mais com as formas e matizes várias hoje possíveis, tornando sua visão ainda mais apaixonante. Acontece que a outra face desse brilho todo é um tanto sombria. Fábricas clandestinas produzem artefatos de baixa qualidade, levando seus usuários a lotar as alas de queimados no Dia da Confraternização Universal. Isso quando suas instalações não explodem, provocando morte e destruição pela vizinhança. Mesmo os fogos de indústrias que detêm o selo do Inmetro estão sujeitos a provocar tragédias, pois são, muitas vezes, manuseados por crianças ou pessoas alcoolizadas. Não bastassem todos esses riscos, há o
prejuízo ambiental provocado pelo barulho e pelas fagulhas. Animais silvestres ou domésticos entram em pânico, podendo machucar-se seriamente na tentativa de fuga, e aumenta muito o número de cães e gatos desaparecidos no período. Muita gente prefere abdicar da festa para tentar acalmar seus bichos na contagem regressiva, assim como quem zela por idosos ou enfermos também se vê obrigado a redobrar os cuidados. Em alguns países estuda-se limitar o nível de ruído dos explosivos e proibir sua venda a particulares, ficando o espetáculo a encargo dos governos. Minha matilha ia adorar!
Por outro lado, do jeito que o GDF anda apagadinho, pirotecnia por aqui, só mesmo a midiática. Aí, meu caro leitor, é fogo! Nena Medeiros
Brasília on-line Quando percebeu que ela estava on-line no bate-papo, lhe sobreveio a sensação de que injetaram em sua veia uma espuma química gelada, que assaltava vasos e nervos até se acomodar nas laterais da língua. O nome dela doía, cortava, espetava, uma coisa de cada vez e todas ao mesmo tempo, e sempre que o via surgir na tela, na rede ou no e-mail, lhe disparava amalucado o
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coração, que saía de uma quase total inércia rumo a uma desabalada batida, como se fora esportivo italiano acelerando de zero a 100 em tempo mínimo. – Oi, como vc tá? – ele digitou ansioso, agitado feito porção de gelatina que se carrega da cozinha para a sala no prato de sobremesa. Passaram-se alguns minutos. A bolinha verde indicava que ela permanecia conectada, mas nada de resposta. Ele fingia tratar da vida, olhava outros sites, escrevia e-mails pra ninguém. Mas de dez em dez segundos conferia o bate-papo. – Você mora na Asa Norte, não é? – e finalmente ela deu as caras no quadrinho da conversa, sem oi olá boa noite como vai tudo bem. – Moro – e ele ia perguntar por que, mas esperou pra ver pra onde a conversa ia. – Onde? – ela insistiu, fazendo misterinho besta. – Na 216. Por quê? – então resolveu acabar com aquilo. – Porque eu também tô morando na 216… E as reticências fizeram, na cabeça dele, o efeito daqueles acordes barulhentos que sempre seguem as revelações bombásticas nos filmes e nas novelas, sejam eles cult movies, grandes produções ou folhetins mexicanos mal dublados. Avassaladoramente, a espuma química glacial galgou outra vez a principal das veias, endureceu músculos e trincou ossos, para logo, logo dissolver-se em euforia imediata, porque era demais para ele e para todos os sonhos que vinha tendo nos últimos meses a possibilidade real de descer à portaria do bloco e esbarrar com ela encostada em algum piloti. Ué, mas não era no Guará? E perguntou em voz alta para ele mesmo e para os livros, os CDs e as fotos espalhados no quarto, como se fosse sua alegria uma torrente incontida arrebentando diques e represas, levando
pontes. E quando seus dedos já quase tocavam o teclado para prosseguir com a conversa, explode no quadrinho piscante outra frase dela. – Na 216 Sul – ela escreveu e logo depois digitou repetidas vezes a letra K, naquela onomatopeia imbecil de riso. De repente endurecidos, os dedos dele ficaram assim pendurados em algum lugar entre o teclado e o nada, enquanto a decepção dava a seu rosto a forma de um tacho. Desiludidos, seus olhos morreram abertos na tela do computador, esvaziada de sentido em poucos segundos. – Nós sempre estaremos em pontos diametralmente opostos – encerrou deliciada em deixar claro que era intocável, inatingível para ele, que ficou olhando a tela até a luzinha verde sumir, o quadrinho parar de piscar e a frase protocolar com nervos de aço avisar que ela não estava mais no bate-papo.
André Giusti
Quero meu ingresso O desespero e o desrespeito começaram. Quem acessou o site da Fifa para comprar ingressos dos jogos da Copa das Confederações – durante a pré-venda para clientes Visa (patrocinadora do evento) – pode até ter tido a compra confirmada, mas não é garantia de que em junho de 2013 vai assistir ao jogo escolhido. A confirmação do débito no cartão não significa que o ingresso foi adquirido, por mais estranho que isso possa parecer. É o típico: pagar, mas não levar. Tem gente que pagou três vezes, outros quatro, mas ingresso que é bom, nada. Se ao final da transação o número do seu tíquete não apareceu, já era. Mas como saber que é preciso um número, se em nenhuma parte do processo isso foi dito? Bem, em caso de dúvida, a empresa tem um e-mail. As respostas, no entanto, são automáticas. Encontrar um número de telefone para
reclamar exige dose extra de persistência. Primeiro, descobre-se a empresa responsável pela venda – a Match Services. Depois, após horas de pesquisa, o telefone da sede brasileira. Em seguida, é preciso fazer um interurbano para o Rio de Janeiro para, enfim, ouvir da atendente que, realmente, o seu ingresso não foi comprado, por mais que o extrato do seu cartão de crédito prove o contrário. E agora? Onde reclamar? E quem jura que comprou o ingresso e só vai descobrir em 2013? A atendente responde às perguntas quase que tão automaticamente quanto a mensagem por e-mail. “O valor relativo à compra será estornado”, e só. E se não quero que estornem? E se eu quiser meu ingresso? “A senhora deve participar do próximo processo de compras.” O próximo processo a que ela se refere será com base em um sorteio entre os interessados na compra. Em um único dia de pré-venda, no fim de novembro, 74 mil ingressos foram vendidos em apenas 24 horas. Já nas primeiras 24 horas da primeira fase aberta de vendas, em dezembro, mais de 186 mil pedidos foram registrados, novo recorde na história da competição. Se ainda tem ingressos, por que não resolver o problema dos muitos que compraram, após horas de acesso ao site, e não levaram? Não há resposta. A maior parte dos pedidos de ingressos, até agora, foi feita por brasileiros. As entradas serão vendidas até 15 de janeiro e somente pela internet. A Fifa se desculpou pelos transtornos e afirmou que a Match estaria “entrando em contato com as 165 pessoas afetadas”. Nunca recebi uma ligação e é difícil acreditar que apenas pouco mais de uma centena e meia de pessoas passou pelo problema, já que as reclamações invadiram as redes sociais. Se esse é apenas o treino, prepare-se para a Copa do Mundo: a empresa responsável pela venda dos ingressos é a mesma. Noelle Oliveira
Brasília 61 visões Bruno Bravo
bruno.recife@gmail.com
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Lenir de Lima, 50 anos
enir é uma figura grande. Vaga pelo Setor Bancário Sul com
canavial e esteve preso por bater numa pessoa. “Foram eles que
um caminhar pesado e incerto, que entrega algum velho
mandaram.” Quem? “Esses da luz amarela que vivem tirando a
problema com os pés. Para num corredor estreito ao lado
paciência da gente.” E sua indignação atropela o absurdo e tudo
do banco colocando-se no meio da passagem, o saco agora jogado
parece ser de conhecimento geral. As vozes da luz amarela, ao
ao chão, mãos na cintura e cabeça erguida, assim como se tivesse
que parece, levaram Lenir a frequentar clínicas psiquiátricas. “Eles
alguma revelação profética a fazer, e a maré de pessoas que segue
sabem que sou doente.” Ele às vezes sabe, às vezes não.
na sua direção é obrigada a se dividir na bifurcação do seu corpo.
Anuncia um Novo Brasil que está sendo construído em algum lugar
Lenir é um gigante que nasceu no meio do concreto há cinquenta
“depois de Belém”. E você, gostaria de sair de Brasília? “Brasília é
anos. Prefere a Brasília de hoje àquela do início “quando não tinha
uma cidade violenta, mas eu tenho que ficar aqui porque o dono de
nada”. Seu pai era massagista em um clube de futebol e sua mãe
um banco está me devendo uns documentos. Mas se pudesse eu
foi ficando doente até desaparecer. Depois disso algumas rupturas
gostaria de mudar para o meu próprio planeta, um que eu mesmo
aconteceram, no cérebro e no coração.
pudesse construir.”
As referências de Lenir são incomuns. Sabe que já viajou a São
Lenir não sabe, mas em meio às jornadas pelo Setor Bancário Sul,
Paulo, mas não lembra como foi. Já trabalhou em fábricas, em
ele já vive um pouco no seu próprio mundo.
Este retrato é parte do projeto Brasília 61 visões. A intenção do fotógrafo é revelar a cidade pela cara das pessoas, anônimas ou não, e relatar sua relação com a capital.
Perfil
Ela formou-se em artes cênicas, mas não quer ser atriz. Faz moda, mas não quer ser estilista. Veio tentar a vida em Brasília, mas não quer prestar concurso público
Texto Noelle Oliveira Fotos Luana Lleras noelleoliveira@meiaum.com.br
fotografia@meiaum.com.br
A
deusa Vênus de Sandro Botticelli serviu de croqui para a primeira coleção e para o princípio da conquista dos sonhos de Lúbia Ferreira do Carmo. A jovem de riso fácil confessa: não sabe desenhar com destreza as figuras humanas. Aproveitou a pintura da mulher nua, que sai deslumbrantemente de uma concha com seus longos cabelos loiros, para criar os dez looks que desfilou no Capital Fashion Week (CFW) 2012, o maior evento de moda do Centro-Oeste, realizado todos os anos em Brasília. Lúbia DuCa – para os mais conservadores, basta contrair a preposição com o último sobrenome, enquanto os mais descolados podem levar em consideração o trocadilho – foi um dos dois vencedores na categoria Novos Talentos no CFW, após concorrer com 14 jovens estilistas. Ironia do destino, a exposição de suas peças na passarela foi o primeiro desfile de moda a que assistiu pessoalmente. “Eu já tinha uma ideia pelo que via na televisão, mas estar lá é bem diferente. Fui orientada a buscar emoção – se as pessoas se emocionassem, eu estaria no caminho certo. Parece que consegui, eu mesma chorei horrores”, brinca. Lúbia faz moda, mas não quer ser estilista. Precisa da moda para se projetar, para fazer capital e aí, sim, realizar o seu grande sonho, que é trabalhar com teatro. Ela explica. Sua grande paixão são os cenários e os figurinos, a criação, a música e a imagem, nada diretamente ligado ao que faz uma pessoa que trabalha com moda. É uma estilista movida por histórias, e isso a moda nem sempre pode lhe propiciar. “Por enquanto o que eu estou fazendo é tentando aliar uma coisa à outra.” Para criar a coleção de estreia no CFW, inventou um enredo: a história de uma sereia capturada pelas redes de um pescador que só aceitaria viver em terra firme caso o homem lhe garantisse todo o brilho do mar. Surgia assim a coleção Delírios Tropicais de uma Sereia. “Primeiro escolhi a música para me inspirar, Biophilia, da cantora Björk, depois pensei no ambiente, no telão, no cheiro, na pintura para
as unhas das modelos. Só aí fui imaginar e desenhar as roupas”, revela. A ordem de prioridades mostra uma preocupação que transpassa o mundo da moda, apesar de o visual alternativo e jovem enganar facilmente quem não conhece o segredo. Os negros cabelos curtos cortados de forma moderna e a ousadia em fazer estilo, mesmo enquanto veste a camisa de seu time de futebol de coração – o Santa Cruz, de Pernambuco, que joga na série C –, chamam a atenção e convencem os desavisados. “Meu espírito é diferente, não tem jeito”, diverte-se a estilista-artista. Lúbia nasceu em Rondônia, na cidade de Guajará-Mirim, e veio para Brasília quando tinha 15 anos. Em sua terra natal, o único caminho de estudo era o ensino médio profissionalizante para o magistério. “Professora eu não queria ser, por isso resolvi vir morar com meus avós paternos aqui”, lembra. Dos sete irmãos, apenas ela e mais um seguiram carreira artística. “Somos do mesmo signo, de escorpião, vai ver é isso.” Lúbia formou-se em artes cênicas pela Universidade de Brasília. “Foi a capital que despertou esse meu lado cultural. Em Rondônia a oferta de cultura era, e ainda é, muito restrita”, avalia. Logo no início do curso, no entanto, desapontou-se com a possibilidade de se tornar atriz. O trauma foi tamanho que a acompanha até hoje. “A professora colocou pessoas muito diferentes para atuar em uma peça. A briga de egos foi tão grande que nunca mais eu quis encenar”, resume, esquivando-se de detalhes. “A moda também trabalha com o ego das pessoas, lhes diz o que e como se vestir. Não quero ser a responsável pela felicidade ou pela infelicidade de ninguém.” A ideia é se destacar e angariar recursos com a moda para abrir uma empresa de consultoria de imagem artística e fazer o que gosta. “Sei que para isso vou ter que mudar a cultura dos grupos locais, mas estou disposta”, afirma. A timidez potencializa a aversão à exposição desnecessária. Para equilibrar, cria personagens. Além da sereia, para conseguir fabricar suas primeiras peças Lúbia precisou recor-
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mim”, pondera, mostrando que pode ser que não consiga fugir completamente da carreira familiar, o magistério. Depois de formada na UnB, Lúbia fez especialização em moda. Não podia jogar todo o tempo de estudo fora, tinha que encontrar uma forma de criar. Agora, aos 28 anos, faz curso técnico de produção em moda. Mais uma vez invertendo a ordem natural das coisas. “Já que a mão de obra na cidade é muito cara, preciso produzir sozinha minhas peças a fim de viabilizá-las comercialmente”, explica. O curso técnico pós-especialização exige uma maratona diária. Lúbia sai da casa dos avós, no Lago Sul, todo dia às 11 horas rumo ao Instituto Federal de Brasília, em Taguatinga Norte. Chega lá na hora da aula, às 13h30. “Na volta para casa, quando pego o ônibus para o Lago, sempre tem alguém que
me pergunta se trabalho em casa de família, ou se minha patroa me liberou naquele dia”, conta, com a naturalidade de quem odeia vaidades. Até agora, conseguiu vender uma de suas peças. “Depois do desfile, me procuraram para comprar um vestido, eu não sabia nem quanto pedir, acabei recorrendo à ajuda dos profissionais de evento.” A peça bordada foi arrematada por pouco mais de R$ 1,3 mil e muito orgulho nos olhos da criadora. Como novo talento do CFW, a estilista-artista-atriz ainda tem quatro desfiles pela frente. O próximo é no primeiro semestre de 2013. “Já sei qual será a trilha sonora, o cenário, a imagem do telão e o cabelo e a maquiagem das modelos”, conta. E as roupas? “Ainda ) não desenhei nenhuma.” )
rer à ajuda de familiares e de desconhecidos. Lançou uma campanha de doações na internet protagonizada por uma vaquinha. Precisava de R$ 8 mil e arrecadou pouco mais de R$ 6 mil. Foi a vaca quem apareceu nas fotos durante toda a produção das peças e é a ela que Lúbia recorre quando tenta se esquivar do foco das lentes das câmeras. “Posso pegar a vaquinha para tirarmos as fotos?”, logo pergunta. Mas a simpatia, assim como a vontade de ver seus sonhos realizados, é maior do que o receio de se expor ou de quebrar paradigmas da capital do País. “Seria mais fácil vir para Brasília e ser funcionária pública? Financeiramente sim, mas o dinheiro não pagaria o valor da não criação”, avalia. Só aceita fazer um tipo de prova para trabalhar para o Estado: “Só se for para professora de uma fundação pública, preciso pagar à sociedade o que ela investiu em
Conto
Tomates, chuchus e coreia
Na mão do palhaço
De todas as colegas, era a única que já tinha visto uma daquelas casas por dentro. Mas a surpresa foi bem maior do que esperava
Texto Rosângela Vieira Rocha Ilustração Chico régis rosavi@uol.com.br
– Já são cinco e meia da manhã. Está na hora de levantar. Esfregando os olhos, tonta de sono, a menina espreguiça. Só então se lembra de que o lençol está molhado. Mais uma vez sucumbiu ao sonho do banheiro, que sempre a deixa tão aliviada, no qual há um sanitário de verdade e, por isso, não tem de segurar mais o xixi. Depois vem sempre a decepção, o despertar aflito quando se percebe toda fria e molhada, a camisola recendendo a urina. Dessa vez, estava tão cansada com a brincadeira de pique da véspera que nem se deu conta de que tinha urinado. Levanta-se, com tristeza e vergonha por merecer o nome de Maria Mijona, como é chamada por uma das irmãs. Se o pessoal da
regisimagem@gmail.com
rua descobrisse, estaria perdida. Sabe que não tem mais idade para fazer xixi na cama, há muito deixou de ser uma criancinha, já olha as horas no relógio, assina o nome, lê histórias de fadas. – Levanta depressa, Leila, vamos apanhar os tomates. Com a chuva da noite passada, muitos caíram no chão. A voz da mãe está cada vez mais firme. Não tem escapatória, o jeito é pular da cama correndo, levando o colchão e os lençóis para o quintal, colocando-os para secar na cerca de bambu. Lava a camisola no banheiro, mal esfregada mesmo, só para que não seque cheirando a xixi. Detesta o cheiro ardido da roupa e o produz quase todas as noites, con-
tra a vontade. Já pensou em fazer simpatia, a mãe de uma das amigas consegue tirar verrugas dos dedos, bicho-de-pé do dedão e até curar asma, mas não tem coragem de contar à amiga que ainda urina na cama. Se descobrissem, talvez Dalva passasse a estumar cachorros no seu encalço com mais frequência ainda. Todos conhecem o medo que tem de cães e por isso algumas das meninas, filhas das mulheres da zona boêmia, vivem a provocá-la. Não falam zona e sim coreia, e parece que ninguém nunca se perguntou o porquê do nome. Anda até o fundo do quintal, onde encontra a mãe curvada, colhendo tomates e chuchus. O balaio grande já está abarrotado de tomates maravilhosos,
17 enormes, brilhantes, ainda molhados. Depois ela põe o balaio na mesa da cozinha e começa a pesar os legumes, enquanto a mãe vai anotando tudo em pequenos pedaços de papelão. Cuidadosamente, as duas separam os montinhos de meio quilo uns dos outros pelos cartões de papel. Vão assim mesmo, desembrulhados, não há papel de embrulho na casa para tantos chuchus e tomates. Toma meio copo de café fraco, como gosta, sem leite, pois é cedo demais até para o leiteiro, que vem de carroça de burro, trazendo o leite fresquinho da roça. Não vai à padaria para não perder tempo, já que a concorrência entre os verdureiros é grande. Para ser a primeira a chegar, deve fazer tudo muito depressa. Sai de casa tiritando de frio, sem agasalho. O vestido verde de algodão, que tem babadinhos no peito, parece leve demais para as manhãs de junho. Mas não dá tempo de trocar de roupa, agora tem de aguentar firme, segurando o enorme balaio com força. Vai caminhando, enquanto traça o itinerário: primeiro as ruas de cima, que ficam mais longe, onde há o hotel de dona Ruth, compradora de quase todos os tomates. Depois é só fazer o caminho de volta, passando pela coreia, para visitar suas freguesas. Uma delas, a Zulmira, trata-a muito bem e às vezes compra até os quadros de santo que a mãe faz, com imagens da folhinha. No mês passado ficou com o São Bento, o protetor dos caçadores, para enfeitar o quarto. De vez em quando lhe dá até rosquinhas de nata, que Leila adora, para comer com limonada de limão rosa. Dona Ruth, como de hábito, compra quase todos os tomates. Pena que ninguém queira os chuchus, mais pesados e difíceis de vender. A rama da casa cresceu tanto que agora toma quase todo o telhado da varanda: para apanhá-los é preciso pegar a escada e, às vezes, ela chega a subir nas telhas, incentivada pela mãe. São os mais bonitos que já viu, claros, quase brancos,
bem gorduchos. O pai proibiu a subida no telhado, alegando que o preço do conserto das telhas é maior que o lucro das vendas, mas mãe e filha não se importam, pensando apenas no ganho imediato. E depois, indiferente como ele anda, passando tão pouco tempo em casa, como o levar a sério? Sem contar que não pagou à vendinha do Zezé, estão devendo à farmácia e a loja mandou buscar a radiola de volta, por falta de pagamento. Continua andando pelas ruas, batendo de porta em porta. Os tomates já acabaram, mas ninguém se dispõe a comprar os chuchus. Dona Marli, sem mostrar a cara, grita alto, atrás do muro: Você por aqui? Ainda tem coragem de me oferecer chuchu, depois do almeirão amargoso da semana passada? Joguei fora o meu dinheiro, estraguei minha gordura, tudo isso para refogar o almeirão de fel que você me vendeu. Você mentiu para mim, dizendo que era almeirão do bom. Não quero saber dos seus chuchus, não. Devem ser amargosos, também. Agora o sol está esquentando, há cavalos nas ruas, as carroças começam a rodar. Leila sua, o vestido de algodão lhe parece quente, enquanto vai trocando de mão a alça do balaio, cada vez mais pesado com o calor e a canseira. Os chuchus, agora puro chumbo, não desencantam. Seu Roberto do açougue lhe diz que não quer saber de verdura, ora, para que verdura? Verdura é carne. Ainda mais sendo chuchu, que não tem gosto de nada, legume mais besta nunca se viu. Homem entojado, esse. Diminui o passo, cansada de bater palmas e de gritar ô de casa, ô de casa, enquanto as batidas de nó de dedos vão ficando cada vez mais altas. Além dos tomates, saída boa mesmo tem o doce de mamão com coco da mãe, que ela vende na cadeia pública. Todos os presos compram, pagando com aqueles rolinhos de trocados. Ganham esse dinheiro fazendo casinhas de paus de picolés, paus de fósforos, até
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Mas o que quer ver mesmo são os quartos, com cortinas de contas coloridas, que tilintam quando o vento bate. Pé ante pé, chega até a porta do primeiro.
com recortes de flores. A sala, acanhada, tem fotos nas paredes e um sofá forrado de plástico vermelho. Mas o que quer ver mesmo são os quartos, com cortinas de contas coloridas, que tilintam quando o vento bate. Pé ante pé, chega até a porta do primeiro, cuja cama, coberta com tecido de oncinha, está completamente vazia. É um quarto comum, sem nada de diferente, o que a decepciona. Nenhum mistério, tudo lhe parece conhecido, até mesmo o quadro de São Bento na parede e a jarra com flores de papel crepom. Ainda resta o outro, que pretende ver antes que Zulmira volte à sala. Ouve sussurros. Apura os ouvidos. Sim, há gente ali, ouve uma voz feminina esganiçada. De repente, o homem se levanta, nu da cintura para cima. Está de costas e ela não consegue ver o seu rosto. A mulher se mexe, jogando o cobertor no chão. Veste uma camisola transparente preta, contrastando com os cabelos avermelhados. Não é bonita, apenas passável. Leila agacha-se atrás da cadeira, para não ser vista. Escuta uma voz grossa muito conhecida, dizendo vou embora agora, princesa, pois tenho de trabalhar. Sai correndo, passando pela sala como uma bala. Não leva o pedaço de broa, esquecido sobre o linóleo da mesa da cozinha. Mal teve tempo de pegar o balaio. Trêmula, corre até chegar a casa, onde encontra a mãe aflita: você nem imagina o que houve. O gás acabou, não pude nem ferver o leite. Alguém tem de ir lá à rua de cima, encomendar um bujão. Acho que o dinheiro que tem aqui não dá. Estou na mão do palhaço, não sei como resolver. Vai buscar o gás, andando devagar. Agora não tem mais razão para correr e sente muita dor nas pernas. Está faminta e morre de saudade do pedaço de broa que nem sequer provou. Se a mãe soubesse quem ela acabou de ver na casa de Zulmira, aí sim, saberia o que é estar na mão do palhaço, de verdade mesmo. Mas ela jamais ) abrirá a boca. )
de gravetos. Sente dó deles quando pagam com aquelas notas amarrotadas, mas eles ficam tão alegres com o doce na mão que a pena desaparece. E depois, até que dá lucro, pois só compram os cocos e o açúcar, já que mamão verde ela consegue de graça, no quintal de uns conhecidos. Passa em frente à casa de portão amarelo, onde mora Seu Felipe, um farmacêutico que agora bebe dia e noite, dono da melhor biblioteca da cidade. Aproveita para lhe perguntar se ele encontrou o livro que lhe prometeu, do Menotti del Picchia, com o Juca Mulato inteiro, que ela tem loucura para ler. Só conhece A voz das coisas, uma parte do poema, que está no livro da escola. Mas nem são oito horas ainda e ele já está com a voz enrolada, talvez nem lembre quem é Menotti del Picchia. Desanimada, continua oferecendo os chuchus, andando em direção à coreia. Espera ter mais sorte na rua de casinhas pobres, com as paredes descascadas, parecendo de brinquedo. Nesse horário algumas pessoas ainda dormem por ali, embora já se sinta o cheiro do café que sai dos bules esmaltados, colocados nos batentes das janelas. A porta da casa de Zulmira está aberta, e ela entra, confiante. A mulher está de robe ainda, com rolinhos na cabeça, chinelos de pano nos pés. – Entre, menina, vou lhe dar um pedaço de broa. Hoje só tem chuchu? – Já vendi o tomate todo, agora é só chuchu. Estão lindos, não é? – Vou viajar hoje para Estrela do Oeste, acho que vou comprar para levar. Vai ser um presente para a minha amiga Joana. Satisfeita com a venda, guarda rapidamente o dinheiro no bolso do vestido. Está aliviada por ter conseguido livrar-se dos chuchus. Batem à porta e Zulmira vai atender. Leila aproveita para dar uma olhada nos cômodos. De todas as suas colegas, é a única que já viu uma casa dessas por dentro. Gosta das prateleiras da cozinha, enfeitadas por barrados de papel de seda
Fora do Plano por NOELLE OLIVEIRA noelleoliveira@meiaum.com.br
Hora de jogar
Se os deputados distritais não andam lá com muito crédito perante os brasilienses, que dirá entre eles. Chico Leite (PT) bem sabia que não era fácil lançar sua candidatura para a presidência da Câmara Legislativa, mas não devia esperar um veto alarmante do Executivo. Antes de decidir colocar seu nome como candidato ao comando da Mesa, procurou os petistas Arlete Sampaio e Wasny de Roure, e recebeu o aval de ambos. Até mesmo o governador Agnelo Queiroz foi comunicado e não teria apresentado objeções. Pois bem, todos viraram a casaca. Arlete não se manifestou a favor de Chico Leite, e Wasny acabou se lançando candidato à presidência na chapa que tem o apoio do Executivo. Chico Leite nem sequer participou da reunião, foi informado depois e alfinetou nas redes sociais: “A bancada do PT e o governador Agnelo entenderam que o meu nome não era o melhor para presidir a CLDF. Resta-me, pela lealdade partidária, acatar”. Chico não é bobo, lançou a candidatura justamente para acelerar a movimentação na Casa. Não apoiava Patrício nem Agaciel Maia (PTC), resolveu ver no que daria. A resposta foi uma planejada estratégia do Buriti. Na chapa apoiada pelo governador, o vice de Wasny será Agaciel, que já era cotado para a presidência e é o nome preferido do governo. Ele deve assumir o comando posteriormente, caso o grupo seja eleito. Não é segredo que Wasny quer é uma vaga no TCDF, o que já estaria prometido para 2013. Ele jurava que ia levar o prêmio em 2012, mas a vaga passou para Paulo Tadeu (PT). Ficou irritado, mas parece ter um bom motivo para estar às boas novamente e aceitar “desafios” do governo. Quem não merece uma segunda chance?
Mas... será que compensa? Com esse cenário, o deputado Patrício, que alimentou as discussões de uma possível reeleição – após mudança da legislação –, está fora da disputa. O petista teria recebido uma secretaria para chamar de sua de presente de Natal. Dessa forma, aceitou bem toda a articulação. Logo Patrício e Agnelo, que andavam brigados há um bom tempo, desde a escolha do último comandante da Polícia Militar – que desagradou a Patrício. No embrulho natalino de Patrício estaria a Secretaria de
Desenvolvimento Social e Transferência de Renda. O agrado não deixou a distrital Arlete Sampaio nem um pouco feliz. A ex-comandante da secretaria viu seu reduto virar moeda de troca. Apesar do apelo social, será que a pasta convencerá mesmo Patrício? Muitos juram que os olhos do distrital brilham mais por outros comandos, que já teriam sido vetados pelo governador.
Sem bens, mas na Mesa Na chapa apoiada por Agnelo Queiroz para o
comando da CLDF, um dos cargos de secretário deve caber ao distrital Aylton Gomes (PR). Pelo menos uma boa notícia para o fim de ano do parlamentar, que, dias antes, em 29 de novembro, viu a Justiça determinar o bloqueio de seus bens. Tudo após decisão do ministro do STF Joaquim Barbosa derrubar uma liminar do STJ que beneficiava o parlamentar. Aylton Gomes é processado em decorrência da Operação Caixa de Pandora e ficará com os bens indisponíveis até o julgamento do processo.
Brasília
Lixo milionário
A PPP que o governo local pretende firmar vai dobrar as despesas com os serviços de limpeza e só parece bom negócio à empresa que vencer o processo Texto Antônio Carlos Queiroz acqueiroz@yahoo.com
A
audiência pública convocada pelo gDF para a discussão da chamada PPP do Lixo já chegava ao fim quando tomou a palavra o regulador de serviços públicos Silvo Góis de Alcântara. Ele esclareceu que estava ali na condição de técnico, não de político, se precavendo contra a infeliz observação do secretário-executivo do Conselho Gestor de PPP, Márcio Galvão, que havia acusado alguns oradores de “tentar transformar a audiência em palanque”. Silvo se apresentou como servidor concursado da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa) e passou a desfiar impropriedades na proposta da PPP, a começar pelo fato de não atender a nenhuma das principais exigências do artigo 11 da Lei 11.445/2007: a existência de um plano de saneamento básico; de estudo comprovando a viabilidade técnica e econômico-financeira da prestação universal e integral dos serviços, nos termos do respectivo plano de saneamento básico; e de normas de regulação que prevejam os meios para o cumprimento das diretrizes da lei, incluindo a designação da entidade de regulação e de fiscalização. Sem cumprir essas exigências, não é válido nenhum contrato de prestação de serviços públicos de saneamento básico.
Por que, mesmo diante de tantas impropriedades e indícios de malfeitos, e com tanta gente contra, o governador Agnelo Queiroz insiste no processo de contratação da PPP do Lixo? Será que ele quer que o povo do Distrito Federal abra mão dos princípios republicanos e adote o mote de um dos primeiros padres da Igreja, Tertuliano de Cartago (160–220 d.C.), “Credo cuia absurdum” – “Creio porque é absurdo”? A frase doutrinária estabelecia dois princípios para o comportamento dos “bons” cristãos: a fé como base do conhecimento e a autoridade como supremo critério da verdade. Não é possível analisar o grau de autoridade ou legitimidade do governador. Mas pode-se discutir o evangelho em que se baseia a PPP dos resíduos sólidos do DF, o nome do santo e as circunstâncias em que o escreveu: trata-se do prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad, na condição de assessor do então ministro do Planejamento, Guido Mantega, no biênio 2003 e 2004. Uma síntese do texto sagrado de Haddad, defendida pelo governo Dilma como alternativa à privatização selvagem deFHC, está no link da nota 6 de sua biografia na Wikipédia. É o discurso que ele proferiu em 13 de dezembro de 2003, durante o Seminário Internacional Parceria Público-Privada na Prestação de Serviços de Infraestrutura.
Ali se lê que as PPPs seriam “rigorosamente” neutras em relação à questão da privatização versus estatização. “Ela (a Lei das PPPs) não se insere dentro deste contexto.” Curiosamente, o exemplo que ele cita nesse debate é o dos serviços de saneamento básico, admitindo que “há um movimento nacional bem organizado, legítimo nas suas pretensões, que luta por manter o saneamento no âmbito público”. Mas adverte: “A lei, em primeiro lugar, não obriga a contratação e, em segundo lugar, muito menos a concessão do serviço público. Mas, mais do que isso, eu gostaria de sublinhar que a lei de parcerias, de certa forma, pode ser vista como um caminho que admite a participação do setor privado em novas áreas de investimento em infraestrutura, mas que também recupera a capacidade de investimento das concessionárias públicas. A concessionária pública que, hoje, não tem condição de contratar à maneira antiga da 8.666, terá condição de se planejar melhor e alavancar investimentos e se valer deste instrumento”. A principal justificativa, portanto, tal como está na apresentação das características da PPP do Lixo do DF, seria alavancar investimentos que as concessionárias públicas não têm condições ou que, supostamente, já não podem fazer nos termos da Lei 8.666. O documento não dá elementos diretos,
21 mas é provável que de sua discussão é que se extraiu a ideia de que as “privatizações de Lula e Dilma” seriam radicalmente diferentes das “privatizações de FHC”. Entregar o serviço público à gestão privada por 20 ou 30 anos, por esse pensamento, não seria privatização. Parece óbvio que essa leitura esteja contaminada por uma espécie de fetichismo que, a ser verdadeiro, obrigaria os historiadores a reescrever a história do capitalismo, descartando o arrendamento como forma de apropriação privada dos meios de produção. O argumento de Haddad, de que as PPPs se justificam para suprir a incapacidade de investimentos por parte das concessionárias públicas (por diversas razões, incluindo os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal), poderia até ser aceito em determinadas circunstâncias, em nome do interesse público. Mas está longe de se verificar no caso da PPP do Lixo do Distrito Federal. O elenco das características do projeto, na página da internet da Secretaria de Governo, diz que “a execução dos serviços de coleta e disposição final dos resíduos sólidos urbanos é de responsabilidade dos administradores do GDF”. “Contudo”, diz o texto, “as administrações do GDF deparam-se com a escassez de recursos para investir no setor, obstáculo que dificulta a prestação de serviços de qualidade para a população, além de onerar, sobremaneira, as contas públicas”. O gDF não divulga, mas uma planilha do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) revela que os gastos com a prestação desses serviços estão em torno de R$ 180 milhões por ano. O projeto da PPP prevê mais que dobrar esses gastos, sem demonstrar tal necessidade em nenhum dos documentos divulgados. A modelagem econômico-financeira apresentada pela Companhia Paulista de Desenvolvimento ao gDF, que dá base ao projeto, não traz dados elementares para a avaliação de custos, como o crescimento da população do DF nos próximos 30 anos, prazo assumido para a execução do contrato. No lugar disso, um quadro da projeção da população
brasileira até 2050. Ora, se o estudo não tem estimativa para o crescimento da população local e, por consequência, dados sobre o aumento da produção de lixo, como definir que os gastos com o seu processamento deverão dobrar? Em português simples, a proposta da PPP está baseada em chutes. Na verdade, é bem pior. Projeta gastos de mais de R$ 390 milhões por ano durante 30 anos, sem contar a possível prorrogação por mais cinco anos, cujos reajustes também não estão previstos em qualquer fórmula na minuta do contrato. Os custos seriam então da ordem de R$ 11,8 bilhões durante 30 anos. A estimativa de investimentos nesse período seria de R$ 762 milhões. Do ponto de vista econômico, esse negócio é ótimo apenas para a empresa privada que vier a ganhar. Do ponto de vista do interesse público, não faz sentido. Dobrar os gastos, sem garantia de dobrar a qualidade dos serviços, não é um procedimento que se possa chamar de republicano, pelo menos não nos termos do artigo 37 da Constituição, segundo o qual a administração pública obedecerá aos princípios de legalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Faz menos sentido ainda a alegação de que o atual sistema de limpeza urbana, que custa R$ 180 milhões por ano, “onera, sobremaneira, as contas públicas”. Dobrando esses
custos, o advérbio “sobremaneira” terá de ser substituído por outro, mais preciso. Talvez “espantosamente” ou “terrivelmente”. Uma segunda justificativa para a adoção da PPP, sempre segundo a apresentação do projeto pela Secretaria de Governo, é de que “a execução direta dos serviços pela administração do GDF é uma alternativa que há muito tempo não tem dado bons resultados”. “Não somente tem sobrecarregado a folha de pagamento da estrutura administrativa (especialmente os gastos com pessoal) como também tem gerado dificuldade em acompanhar a evolução técnica e os investimentos demandados pelos serviços.” O texto não explica a razão das deficiências do gDF, embora essa situação já fosse bem conhecida pelo governador Agnelo Queiroz ainda na época de sua campanha eleitoral. Tanto que ele se comprometeu a reestruturar o Serviço de Limpeza Urbana para reverter o quadro, sem ter cumprido a meta até o momento. A engenheira sanitarista Kátia Campos, responsável pela reestruturação da Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte na gestão de Patrus Ananias, nos anos 90, tem feito estudos sobre o SLU-DF para seu mestrado no Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB. Constatou que o ór-
R$ 390 milhões
será o gasto anual do governo, por 30 anos, se a PPP for adiante. Hoje são R$ 180 milhões por ano.
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A imprensa calou sobre
a primeira audiência pública, que não houve. E emudeceu sobre a segunda. Por que o silêncio? INVESTIMENTOS Mil R$
Percentual
Varrição (mecânica/manual)
45.705
6%
Serviços complementares de limpeza
78.074
10%
Coleta dos resíduos domiciliares
189.965
25%
Coleta seletiva
57.337
7%
Subtotal 1
371.081
48%
Sedes operacionais
19.349
3%
Usinas de compostagem
9.640
1%
Tratamento de resíduos de serviços de saúde
93.278
12%
Transferência/transbordo
62.353
8%
Aterros sanitários
174.096
23%
Remediação do lixão da Estrutural
41.000
5%
Subtotal 2
399.716
52%
Total
770.797
100%
Fonte: Marcos Montenegro
gão está caindo aos pedaços: “Tem só quatro técnicos de nível superior, e o clima entre os servidores é de total desalento, sem perspectivas”. No debate realizado no PT-DF sobre o assunto, em 22 de novembro, uma pergunta de Kátia ao secretário de Governo, Gustavo Ponce de León, ficou sem resposta: “O que vem primeiro, o sucateamento do SLU para justificar a PPP ou a contratação da PPP para justificar a extinção do SLU?” Comédia de erros Desde que foi convocada a primeira audiência pública para debater a PPP do Lixo, todo o processo que precede a licitação tem sido um comédia de erros, como têm denunciado as instituições que assinaram o manifesto contra a bilionária PPP (ppppodre.blogspot.com.br) e que organizaram um movimento para a combater. Além de não apresentar até agora os custos nas minutas do edital de licitação e do contrato, os estudos técnicos apresentados pela Companhia Paulista de Desenvolvimento só foram publicados na página da internet da Secretaria de Governo depois da frustrada tentativa de realização da primeira audiência pública, em 10 de outubro, na Sala Alberto Nepomuceno do Teatro Nacional, como a meiaum mostrou no número 19. É curioso e, mais do que isso, altamente suspeito, pelos interesses políticos e econômicos que possam estar sendo escamoteados, que a imprensa local, com as exceções de praxe, nada publique. Não entraram na pauta da mídia nem o fechamento do lixão da Estrutural durante dez dias pelos catadores de materiais recicláveis, em protesto contra a PPP, nem os pronunciamentos do deputado distrital Joe Valle (PSB), dos deputados federais Reguffe (PDT) e Erika Kokay (PT) e dos senadores Cristovam Buarque (PDT) e Rodrigo Rollemberg (PSB). A imprensa calou sobre a primeira audiência pública, que não houve, mas que atraiu mais de mil interessados, a maioria catadores. E emudeceu sobre a segunda, de 12 de
23 das nem precisariam de muito dinheiro para entrar no negócio. Cálculos do engenheiro sanitarista Marcos Montenegro, da Superintendência dos Resíduos Sólidos da Adasa, demonstram que, no cenário 1 da proposta, bastaria que a contratada levantasse algo em torno de R$ 60 milhões para cobrir o saldo negativo de caixa no primeiro ano de operação e mais R$ 30 milhões para cobrir o déficit do segundo ano. No primeiro ano haveria déficit porque a empresa teria de fazer o principal aporte (coisa de 20%) dos investimentos previstos para os 30 anos do contrato. Nos 29 anos seguintes, só haveria saldo negativo, devido aos picos de investimentos decorrentes da necessidade de trocar os equipamentos, nos 2°, 11°, 16°, 21° e 26° anos. No estudo feito por Montenegro, os picos dos investimentos verificados nos seis anos mencionados evidenciam um dos maiores gargalos dessa proposta: estarão sendo concedidos por 30 anos seguidos serviços tipicamente executados por meio de contratos de terceirização por cinco anos. A validade coincide com o prazo de depreciação dos equipamentos, como os caminhões de coleta de lixo. Vale a pena fazer outra licitação não apenas para garantir a troca dos equipamentos, mas também para garantir a oferta de tecnologias inovadoras. Um quadro montado por Montenegro mostra que 48% dos serviços previstos na PPP são desse tipo: varrição (mecânica e manual), serviços complementares de limpeza (como lavagem de monumentos), coleta dos resíduos domiciliares e coleta seletiva. Muitos outros aspectos precisam ser ainda esclarecidos, entre os quais o papel reservado aos 4 mil catadores de materiais recicláveis que trabalham no DF. Na segunda audiência pública, dezenas de perguntas foram formuladas ao secretário de Governo, e aguardam respostas. Um pedido de informações e documentos, com base na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) também foi encaminhado ao gDF por uma dúzia de cidadãos para aferir se a proposta viola, como parece evidente, os princí-
pios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Circula na internet uma petição pública pelo cancelamento da PPP; a convocação, nos termos da Lei 12.305, da elaboração do Plano de Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos do DF, de forma democrática e participativa; o encerramento do lixão da Estrutural, implantando urgentemente o aterro sanitário oeste, para assegurar condições de trabalho dignas e remuneradas aos catadores; e a reestruturação e modernização do SLU-DF, com a realização de concurso público. Tudo isso de acordo com os compromissos de campanha do governador. A proposta de PPP é tão absurda que o gDF abrirá mão de recorrer à Justiça brasileira para dirimir as controvérsias que vierem a surgir na execução do contrato. Um tribunal arbitral, a ser constituído por membros nomeados pelas duas partes, com base nas regras de procedimentos do Comitê de Mediação e Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, ficará encarregado de julgá-las. Falando em juridiquês, o gDF abriria mão de exercer o seu “poder extroverso” – o poder de definir obrigações para terceiros, como regulamentar, fiscalizar, fomentar etc. – para ficar em condições de igualdade na relação com o parceiro privado. Até que ponto isso pode ser aceito quando se trata de serviços essenciais, de notório interesse público, como a coleta e o tratamento de lixo? É uma questão relevante tanto para um debate jurídico quanto para um debate político sobre o papel do Estado. Jeová Pereira, diretor do Sindicato dos Urbanitários do DF, no debate promovido pelo PT em 22 de novembro, deu o mote: “Em todo o Brasil, os governadores e prefeitos estão fazendo PPP para tudo; educação, saúde, energia elétrica, habitação, lixo, centros de administração. E dizem que PPP não é privatização. Se não é privatização, é terceirização. Daqui a pouco vão terceirizar os mandatos dos prefeitos, governadores, deputados. O cara vai contratar uma firma e dizer: ) ‘Ó, cuida do meu mandato aí!’”. )
novembro, que também mobilizou mais de mil pessoas, lotando o auditório do Museu Nacional da República. Por que o silêncio? Os serviços de limpeza urbana não seriam assunto de interesse jornalístico? Não tem interesse jornalístico discutir se o gDF quer ou não quer adotar a incineração para tratar o lixo? Com os protestos dos catadores e as denúncias dos ambientalistas, o secretário de Governo informou na segunda audiência pública, e repetiu no encontro promovido pelo PT, que essa alternativa está descartada. Mas, se isso é verdade, por que o gDF não divulga os termos do convênio que Agnelo Queiroz assinou na Alemanha com a empresa Steag em 24 de julho? O presidente da Adasa, Vinicius Benevides, afirmou que “os técnicos do DF estão analisando a viabilidade do aproveitamento dos resíduos para a produção de energia térmica”. O protocolo assinado, salientou, “é de grande importância para o tratamento dos resíduos sólidos do futuro aterro sanitário que vamos construir, pois poderemos contar com a experiência técnica mais avançada do mundo”. Uma fonte garante que já identificou duas empresas interessadas em participar da licitação. A Foxx, do empresário carioca Milton Pilão Júnior, com sede no Rio, assinou no fim de 2011 uma PPP com a cidade de Barueri (SP) para instalar uma usina de geração de energia com capacidade de processar 825 toneladas de lixo por dia. A outra empresa seria a Marquise, de Fortaleza (CE), que, segundo o Valor Econômico de 9 de julho, está associada com a Foxx numa PPP firmada com o município de Osasco (SP), também para gerar energia a partir do lixo. Segundo o Valor de 11 de outubro, a Foxx “tem planos ousados de expansão no setor de saneamento, especificamente na área de geração de energia via tratamento térmico de resíduos, na qual projeta investimentos de R$ 3,2 bilhões em cinco anos”. Nos termos da modelagem apresentada para a PPP do Lixo do DF, as interessa-
24Crônica
Muitas perguntas
Ansiedade, macarrão e pay-per-view Não há uma noite que ele não durma mal. E, quando dorme bem, não há um dia que não acorde mal
Texto João Henrique Pereira Ilustração Lucas Muniz lucasmuniz.arts@gmail.com
Eu não lembro o dia, ou a semana, em que isso me acometeu. Era um cliente importante, daqueles que você não tem direito de errar. Tampouco eu, iniciante, tinha a obrigação de atendê-lo. Mas fui, com abuso e coragem, atrás das informações que ele queria. E acertei em cheio. Meu chefe, frio e inteligente, trucou. Queria aquelas mesmas informações, mas de um órgão oficial. Fui à repartição e, por sorte, a documentação não demorou meia hora. Resultado: eu quase derreti de ansiedade. E se os números forem outros, todo o meu trabalho e o cliente vão para a lata do lixo? E se os números estiverem certos, serão os números perfeitos e, para melhorar, oficiais? E eu,
serei o iniciante que erra de afobação ou serei o ousado que deu certo? Se eu acertar, serei promovido? Se eu errar, serei demitido? A resposta e o arquivo estavam na minha mão. Eram tantos pensamentos que me levavam ao céu ou ao inferno que não resisti. Eu tinha medo de acertar, eu tinha medo de errar. O coração estava rápido e minha ansiedade me descontrolava. Não deu outra: fui ao restaurante da repartição. Comi uma pratada de macarrão. Nem lembro o gosto ou o molho. Apenas a quantidade, que era suficiente para me empanturrar e sossegar minha ansiedade. Sim, pensando entre o céu ou o inferno, acabei no macarrão. Acabou que deu tudo quase certo, mas o que
me lembro mesmo é dos cinco minutos que antecedem a definição (e haja macarrão).
***
Meu nome é João Henrique, já passei dos 20 e poucos anos e da fase festa, faculdade e sonho. Não cheguei, ainda, à fase de filho, mensalidades e prestações. Vivo naquele meio-termo: Salário? Carreira? Aproveitar para viajar ou para economizar? Ficar com a louça suja para economizar na faxineira ou gastar o dinheiro num restaurante? Enfim, são muitas perguntas. Mas o importante mesmo é que tenho uma afirmação. Tenho uma doença. Sou doente, sem cura, sem remédio. E incomoda. Todo dia, sem folga ou pausa, eu tenho taquicardia.
25 meu dia a dia. DVD nunca mais. Sofá duro nunca mais. Meu salário, caramba, parece até que diminuiu. Não sobra nada. Nem consegui, veja você, dar um aumento para a faxineira. E, claro, no meu trabalho eu continuava sem ser visto. E o resultado disso é que meu bolso enchia e meu coração bombava na taquicardia. Bombava na ansiedade. Celular, e-mail, Facebook. Não passo dez minutos sem checar o que acontece por aí. E checo por checar mesmo, para tentar aplacar minha ansiedade. É uma prisão. Mas tudo bem, preso de bolso cheio. Mas aí eu comecei a pensar e, de novo, virei vítima de mim mesmo. Afinal, meu Deus, para que eu ganho mais se, assim, eu gasto mais? E, gastando mais, caramba, eu estou ferrado, acabado. Resultado: assim eu vou driblando a vida. Vou envelhecendo. E, um dia, meu salário vai ser, para mim, normal. Mas meu chefe vai ver na planilha que não é bem assim. João Henrique, você já era. Não é pessoal, é corte de gastos. Desculpe, mas você ganha muito bem. Era para ser bom, eu sei, mas é ruim. João Henrique, você está fora. Não entendeu? Demitido. Viu como estou doente? Não há um dia, na praia ou em casa, em que eu não me pergunte tudo isso. Não há um dia em que não me demitam, lá no futuro, por ganhar bem. Ou, em pensamentos diferentes, que eu não me demita, lá no futuro, por ganhar mal. Não há uma noite que eu não durma mal. E, quando durmo bem, não há um dia que eu não acorde mal. É duro, eu sei. Eu sou vítima da minha ansiedade. E, como um viciado em crack, estou preso na fissura dessa taquicardia. Qualquer coisa fora disso é tédio, é monótono. Sem graça, uma desgraça. E aí, nesse tédio, como eu acordaria bem, se o dia será um saco? Que vida seria essa, sem o coração acelerar? Ansiedade do que, do nada? Peraí, foi gol do tricolor. ) Deixe-me ir, tchau! )
Se estou na praia, fico agoniado por pensar no tanto de coisa que acontece enquanto eu olho o mar e não olho meu e-mail. Mas, como isso é raro, o que incomoda mesmo é o dia a dia. Eu sou vítima de mim mesmo, da minha profissão e do meu salário. Mas sou mesmo vítima da ansiedade. Como disse, são muitas perguntas, todo dia, toda hora. Se estou bem no trabalho: será que estão comentando ou será que, poxa vida, estou finalmente indo bem no trabalho e ninguém está vendo? Se estão vendo, estão falando bem? Ou é, de novo, a pura sorte de um principiante? Meu trabalho é tentar ver o que ninguém vê. O que acontece, muitas vezes, é que ninguém vê o meu trabalho. Se não estão vendo, estou lascado. Meu Deus, quando eu vou ganhar bem, se ninguém me vê? Se eu não ganhar bem, como vou ter filhos? Se eu não tiver filhos, o que vai ser da minha vida, sem filhos nem dinheiro? Se eu não ganhar bem, o que é essa vida, caramba? Então, nesse pique-esconde, eu fui sendo visto. E um dia eu consegui um contrato tão bom para meu chefe que acabei sendo promovido. E agora, meu Deus? Vou ter que checar mais os e-mails, conseguir mais contratos, mais clientes e o lucro não será mais lucro, será obrigação! Meu Deus, por que diabos eu ganhei um aumento? Se eu ganhar bem, o que é essa vida, caramba? Poxa, tenho bruxismo à noite por um trabalho que me dá um salário que me paga um carro zero sem direção hidráulica? Era isso? Mas tudo bem. Enquanto eu não entendia, pelo menos estava enchendo o bolso de dinheiro. Mas, com dinheiro, a TV a cabo passou a ser em HD, afinal eu comprei uma TV em HD. Ou melhor, full HD. E se eu tenho uma TV full HD, é claro que terei um blu-ray. E com blu-ray, é claro que minha sala merece um sofá melhor e um home theater. Poxa, esta vida é o máximo! E assim eu fui aumentando minha normalidade,
1* chapéu de freira entre árvores retilíneas e pilotis retorcidos
paubrasilia@paubrasilia.com.br
por Nicolas Behr
BRASÍFRA-ME
Personagens, lugares e episódios marcantes da história da nossa capital. Desvende estes poemas-enigmas.
foi promessa de sarah a bela capela nome de rua
2*
nossa primeira santa repousa em paz teu pequenino corpo violado
3** atravesso a pé o riacho de nome antigo que arrasta histórias, paus e pneus raso, superficial riacho
faz milagres
o contrário do teu nome
este poema escrito em menos de um minuto
teus olhos d’água choram areia e salgam o paranoá
6* 4* left side suicide right side
riscou nosso primeiro mapa nome perto da cruz, cruz belga
que ponte é essa?
tudo com p mas seu nome começa com g g de periferia o de gente boa g de rap hip pop poeta porreta pede para pronunciar poemas proféticos periferias profanam parnasos paradisíacos padarias politizadas por penetras pirados
anta maior
7* te faz esperar mas é gente também não discute não questiona não critica nowhereman living in paperland o próximo! Respostas: 1 Igrejinha – 2 Ana Lídia – 3 Riacho Fundo – 4 Ponte Costa e Silva 5 GOG – 6 Luiz Cruls – O burocrata
5**
já via estrelas refletidas no lago inexistente
Capa O Buritigate, ocorrido há 40 anos, é um exemplo de como a corrupção pode lesar definitivamente o patrimônio público, sempre com aquela forcinha das delongas judiciais
Malfeito, mas nunc
ca desfeito
Texto Noelle Oliveira Fotos Luana Lleras noelleoliveira@meiaum.com.br fotografia@meiaum.com.br
C
ertidões lavradas na madrugada, apartamentos de luxo trocados por grandes projeções de terras, tudo isso envolvendo militares no governo e lesando o patrimônio público da nova capital do País. O primeiro grande escândalo político noticiado no Distrito Federal data de 1973 e tem enredo digno de filme de Hollywood. De tão grandioso, não foi completamente barrado pela censura da época e acabou denunciado por veículos da imprensa nacional. Ganhou o apelido de Buritigate, referência direta ao caso Watergate, que levou o então presidente norte-americano, Richard Nixon, a renunciar em 1974. Nos EUA, tudo começou com a invasão da sede dos democratas, no prédio que deu nome ao escândalo. Por aqui, a maquinação marcou a imagem brasiliense e rotulou um setor que até os dias atuais é problemático na unidade da Federação: o imobiliário. Mesmo após um processo correr na Justiça por 32 anos para anular o negócio, a questão acabou arquivada no Supremo Tribunal Federal (STF), sem julgamento de mérito ou reposição dos danos aos cofres públicos do DF. Até hoje, o governo local possui imóveis funcionais de luxo herdados dessa época, que não consegue licitar por pendências judiciais.
R$ 96,3 milhões Imagine um apartamento no coração de Brasília, na Asa Sul, com 234,27 metros quadrados de área privativa, quatro quartos, três banheiros, escritório, duas dependências para empregados e duas vagas na garagem. Na verdade, um bloco todo, com 24 unidades, todas com essa mesma planta. Cada unidade valendo, atualmente, cerca de R$ 1,4 milhão, de acordo com avaliação da Terracap. No mercado, entretanto, imóveis com características semelhantes são vendidos por valores de R$ 2 milhões a R$ 3,5 milhões. Some a isso outros 48 apartamentos, também no Plano Piloto, um pouco mais modestos – na época chamados tipo B –, de 112,99 metros quadrados. Tem-se aí um valor total de quase R$ 70 milhões, na avaliação do governo. Para o mercado, são cerca de R$ 114 milhões. Para completar, pense em boa parte dos imóveis de luxo destinada a integrantes da cúpula da equipe do governador, na época o tenente-coronel do Exército e engenheiro Hélio Prates da Silveira, e aos seus parentes. Monta-se, assim, um grande e mal amparado esquema, pago com grandes projeções de terras do Distrito Federal. Quase 40 anos
depois, pouco disso foi desfeito e, menos ainda, recuperado pelos cofres públicos. “Nada muito diferente do que vemos se repetir nos dias atuais”, avalia o procurador do DF aposentado Amaury Carvalho de Aquino, que naquele tempo ocupava a função de procurador-geral do DF. O caso, que aqui também foi chamado de Shisgate – referência à empresa Sociedade de Habitações de Interesse Social Ltda. (Shis), então responsável por programas de habitação de baixa renda –, envolveu uma permuta do governo com a empresa do ramo imobiliário Encol, que acabaria falida em 1999. O resultado: grande prejuízo aos cofres locais e a explosão de uma construtora que mais tarde seria acusada de fraudes por toda a capital. Apesar do escândalo e do alerta de membros do governo para as irregularidades (que na época da censura não vieram à tona), o negócio nunca foi anulado. Resultou em uma ação, arquivada em 2005 pelo Supremo Tribunal Federal, sem julgamento de mérito, e em problemas herdados pelo governo que têm consequência até hoje. Há quem nunca tenha devolvido o apartamento e ca-
sos em que os imóveis foram vendidos pelo Executivo local, mas ainda são questionados na Justiça. Outros tantos servidores públicos, que ocuparam as unidades anos depois, já na condição de apartamentos funcionais, aguardam andamentos na Justiça para que possam adquirir o imóvel por venda direta. Os terrenos, por sua vez, ficaram em sua maioria com a Encol e deram lugar a grandes empreendimentos imobiliários. O último impasse envolvendo imóveis da permuta ocorreu em junho de 2012, quando a Terracap e a Secretaria de Planejamento do DF lançaram licitação de imóveis funcionais do governo local, incluindo 11 apartamentos na 203 Sul, todos ocupados há mais de 20 anos na condição de imóveis funcionais. Os imóveis foram os mais procurados, mas acabaram retirados do certame. E, se depender dos entraves judiciais, essa situação pode não se resolver tão cedo. Poucos, no entanto, conhecem profundamente essa história. O negócio Em época de regime militar, a Encol propôs um negócio à extinta Shis. Era 15 de março de 1973. A empresa ofereceu ao go-
31 verno do DF dez apartamentos de luxo na SQS 203 e 24 mais simples na 215 Sul. Em troca, a Shis daria para a Encol duas projeções na SQN 202, quatro na SQN 313 e seis no Guará (SRIA) ou na SQN 415. Além disso tudo, 2,8 milhões de cruzeiros (o equivalente hoje a cerca de R$ 8,9 milhões). A empresa não era a primeira a procurar o governo para ofertar algo do tipo. Segundo os muitos relatórios apresentados durante os vários anos que o caso Buritigate circulou na Justiça, é possível constatar que propostas assim já haviam sido feitas antes, mas não tiveram o aval do governo. Doze dias após a oferta inicial, no entanto, a Shis respondeu favoravelmente à Encol, alterando os termos do acordo. A diretoria sugeriu que a negociação abrangesse 24 apartamentos de luxo na SQS 203 e 48 na SQS 215. Assim foi feito, porém, pagando mais. O governo deu em troca para a Encol 5,3 milhões de cruzeiros (aproximadamente R$ 17 milhões) e mais que o dobro de projeções iniciais: 25 – cinco na SQN 212, cinco na SQN 313, sete na SQN 111 e oito no Guará. A Shis empregava, assim, 13 milhões de cruzeiros (cerca de R$ 41,7 milhões) no negócio, sendo que na época seu patrimônio era de 17,5 milhões de cruzeiros (R$ 56,2 milhões). O escândalo foi denunciado em julho do mesmo ano pelo jornal O Estado de S. Paulo e virou assunto em boa parte da imprensa nacional. “Muita coisa era censurada, mas foi uma vitória conseguirmos publicar sobre esse escândalo. Os próprios militares da presidência da República ficaram envergonhados com a situação, não havia como a esconder, e isso facilitou a divulgação de parte das informações”, lembra o jornalista Carlos Chagas, que dirigia a redação do jornal em Brasília. Evandro Paranaguá, que cobria política no jornal, foi quem desvendou o caso. Procurado pela meiaum, disse não se lembrar de detalhes. Do periódico veio o apelido gate. “Estávamos tratando muito naquela época do Watergate, então foi uma maneira forte para
chamar a atenção para o que estava acontecendo aqui”, diz Chagas. Nem tudo, no entanto, foi publicado. Não é difícil encontrar nos arquivos dos jornais matérias censuradas sobre o tema e outras tantas colunas que, sem material para o dia, substituíam o conteúdo barrado por versos da obra Os Lusíadas, de Camões. Os imóveis da Encol eram destinados a servidores públicos do alto escalão local e familiares do governador, mediante a promessa de compra e venda. Primeiramente 13 apartamentos foram vendidos, posteriormente mais 13 foram prometidos. Na lista inicial estavam o irmão de Hélio Prates e chefe da Casa Civil, Caio Flávio Prates da Silveira; o filho do governador, Rômulo Prates da Silveira; o sobrinho, Marco Aurélio Prates de Macedo; e o genro, Antônio Henrique de Carvalho Ellery. Dirigentes da própria Shis, como o presidente, Edison Daberlly; o diretor técnico, João Estrela Filho; o diretor financeiro, Moacir Carvalho Ribeiro; e o diretor de Patrimônio Mobiliário, Wilson Brasiliense Cavalcanti, também figuravam entre os beneficiados do primeiro grupo. Ocupantes de altos cargos no governo também levaram imóveis. Entre eles, o então presidente da Novacap, Valdoir Menezes; o secretário de Viação e Obras, Odílio Bittencourt; e o chefe da Casa Militar, major Joaquim Barbosa. Na época, comentava-se nos bastidores que já passava da meia-noite quando foram lavradas as escrituras. Não bastasse o governo local ter pagado caro pelos apartamentos – perdendo terrenos altamente valorizados na Asa Norte –, a Shis os revendeu a preços inferiores ao valor real e em condições excepcionais. Apartamentos avaliados em 500 mil cruzeiros (R$ 1,6 milhão) foram vendidos a 245 mil cruzeiros (R$ 786,6 mil) – com entrada parcelada em 40 meses e saldo em 360 meses. Era preciso comprovar renda mínima de 6 mil cruzeiros mensais para adquirir uma unidade. Em 12 meses, os compradores já teriam o direito de vender os
imóveis – tudo organizado por uma empresa pública de finalidade eminentemente social. Até mesmo os cartórios estranharam a movimentação e os valores. Segundo avaliações da época, os 25 terrenos cedidos pela Shis na permuta valiam em torno de 21 milhões de cruzeiros (R$ 67,4 milhões), ainda assim com grande vantagem para a construtora. No entanto, a Encol pagou pouco menos de 6,4 milhões de cruzeiros (R$ 20,5 milhões) no pacote. Utilizando-se os valores de mercado, calcula-se que, com o negócio, o governo do DF tenha perdido quase 30 milhões de cruzeiros (R$ 96,3 milhões). Era o suficiente, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, para construir 6 mil casas populares. Diante da pressão da imprensa e buscando referendar o negócio, Hélio Prates recorreu ao então procurador-geral do DF, Amaury de Aquino, a fim de conseguir um parecer que analisasse a legalidade da permuta. A conclusão, porém, não foi a esperada pelo governador. Aquino designou o procurador Humberto Gomes de Barros – que em 2008 se tornaria presidente do Superior Tribunal de Justiça – para elaborar o documento. No parecer, que nunca foi publicado, Barros foi taxativo e apontou providências urgentes que deveriam ser tomadas pelo governo para anular a permuta, bem como as promessas de venda. O procurador também considerava que a Encol deveria ser notificada para que não construísse nos terrenos recebidos no acordo, uma vez que as projeções deveriam voltar para o domínio da Shis e os prédios de apartamentos, para propriedade da Encol. O parecer foi arquivado pelo governador. “Ele não gostou e me pediu que aprovasse outro, atestando a validade do negócio. Não aprovei, apenas encaminhei; era contrário ao que eu já havia encaminhado do Humberto Gomes de Barros”, lembra Aquino. Prates buscou outros procuradores e solicitou novos pareceres, elaborados por Carlos Fernando Mathias de Souza e Júlio César Santos – este último, além de procurador,
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Os Imóveis funcionais do governo do DF
O governo do Distrito Federal possui hoje 23 imóveis funcionais, segundo a Secretaria de Planejamento. Onze apartamentos na 203 Sul, dois na 315 Sul, um na 215 Sul (remanescente do Buritigate), um na 403 Sul, quatro casas em Brazlândia, uma em Sobradinho e duas no Lago Sul. Alguns desses a secretaria e a Terracap já tentaram leiloar, sem sucesso. Em alguns casos os imóveis não receberam lances, em outros acabam impossibilitados de ser vendidos por questões judiciais. “Mas a ideia do governo é se desfazer de todas essas unidades, não temos qualquer intenção de continuar as mantendo”, afirma o subsecretário de Logística, Roberto Duarte Gonçalves. E engana-se quem acha que o governo não ocupa apartamentos com funcionários do quadro. Cinco imóveis abrigam servidores, dois deles cedidos nesta gestão. O secretário de Transparência e Controle do DF, Carlos Higino Ribeiro, vive em um apartamento funcional na 315 Sul. O termo de ocupação do imóvel foi publicado no Diário Oficial do DF em maio de 2011. O conselheiro do Tribunal de Contas Manoel Paulo de Andrade Neto também ocupa um imóvel na quadra. O conselheiro já teria demonstrado a intenção de comprar o apartamento, de acordo com as regras de preferência da lei vigente na licitação realizada neste ano. Porém, o imóvel acabou sendo retirado da licitação por “problemas administrativos”. O apartamento da 215 Sul, por sua vez, é ocupado pelo secretário-adjunto da Secretaria de Transparência, Dionísio Carvalhêdo Barbosa. Além desses imóveis, três casas em Brazlândia são ocupadas por servidores da Secretaria de Estado de Agricultura e Desenvolvimento Rural do DF. A Secretaria de Planejamento estuda, ainda, a ocupação de outro imóvel, que está sendo requisitado para moradia de servidor da pasta. Além disso, alguns imóveis são ocupados por órgãos do governo. Uma casa na QL 10 do Lago Sul é ocupada pela Secretaria de Governo e outra em Brazlândia é ocupada pela Secretaria de Agricultura e Desenvolvimento Rural. A ocupação das unidades funcionais é regulamentada pelo Decreto 23.064, de 2002. Segundo a norma, cabe ao gabinete do governador do DF indicar o ocupante para uma unidade residencial. Apenas servidores que comprovadamente não são proprietários de imóveis no DF podem se candidatar. De acordo com a regulamentação, a taxa de ocupação corresponde a um milésimo do valor atualizado no imóvel. O pagamento da taxa deve ser efetuado, preferencialmente, mediante desconto na folha de pagamento. Apenas em casos excepcionais é utilizado o Documento de Arrecadação – DAR. Dos 23 imóveis colocados à venda pelo governo local em junho de 2012, três foram adquiridos – um apartamento na 215 Sul, uma casa no Gama e outra em Taguatinga. A licitação recebeu, ao todo, 32 propostas de compra, a maioria para os apartamentos de luxo da Asa Sul, justamente os do escândalo do Buritigate, que posteriormente foram excluídos do edital. O governo arrecadou com as vendas um valor próximo a R$ 1,2 milhão.
era consultor jurídico do governador. Mesmo sem a aprovação do procurador-geral, Hélio Prates levou ambos os documentos a conhecimento público. “Em meu parecer o que avaliei foi a possibilidade de haver permuta entre bens da administração pública e de particulares, concluindo que isso é legal, como continua sendo. Deixei claro que uma permuta exige valores equivalentes, caso contrário não tem validade, e que por isso era necessário fazer uma avaliação dos imóveis e das projeções. Esse levantamento de valores é uma questão técnica que não cabia ao meu papel”, detalha Mathias de Souza. “Meu parecer foi técnico-jurídico e não político. Parecer político não é coisa de procurador, cujo papel é defender o interesse público”, reitera. Júlio César Santos posicionou-se favoravelmente à permuta, explicando vários dos questionamentos do negócio em seu parecer. Mesmo assim, em alguns pontos, levantou dúvidas, como no trecho em que avaliou a distribuição de unidades a servidores da alta cúpula do governo: “A Shis estabeleceu critérios para a distribuição (...) Foram critérios, ainda que sujeitos a reparos. Não seriam, por exemplo, os critérios que recomendaríamos – mas nem por isso deixam de ser critérios... e válidos”. A meiaum foi atrás do procurador aposentado para comentar o caso, mas não conseguiu contato com ele. Pareceres em vão. Diante do escândalo e pressionados, os beneficiados devolveram os imóveis, menos um deles: Antônio Ellery, filho do general engenheiro militar Eduardo Ellery e genro de Hélio Prates. Por anos, Ellery foi o único morador do bloco A da 203 Sul. Manteve a posse do imóvel e até o vendeu posteriormente. Para tentar sanar parte dos prejuízos com a permuta, o governo comprou da Encol 11 das 25 projeções negociadas com a Shis, pelo mesmo valor por que foram vendidas. Mas logo os terrenos da 202 Norte, os de maior valor, não entraram no segundo negócio. Enquanto a legalidade ainda era questionada, a En-
33 col, a partir de janeiro de 1974, começou a construir em algumas dessas projeções. Os 24 apartamentos de luxo, por sua vez, foram transformados em residências funcionais – 19 do governo e cinco da própria Shis. “Na época a Presidência pressionou o governo no DF a agir assim, ficou muito feio para os militares e eles tiveram que encontrar uma solução, mesmo que apenas superficial”, conta o jornalista Carlos Chagas. Não é preciso ir longe para entender a discrepância de valores do negócio. De acordo com o registrado em cartório pela Encol, antes de iniciar as construções nas projeções adquiridas, a empresa declarou os tais terrenos – estimados em pouco mais de 679 mil cruzeiros (R$ 2,1 milhões) na época da permuta – em 3 milhões de cruzeiros (R$ 9,6 milhões), segundo o memorial de incorporação da empresa. Foi com base nesse valor que foram calculados os imóveis que, construídos na quadra, posteriormente seriam vendidos aos brasilienses. A permuta foi parar no Tribunal de Contas do DF, a partir de representação do procurador-geral em exercício do Ministério Público do DF José Guilherme Villela, que a condenou em um parecer de 48 páginas. Os conselheiros foram unânimes. Votaram com Villela, e o tribunal condenou a transação, em maio de 1974, época em que Hélio Prates já havia deixado o governo. Sugeriram que os envolvidos fossem punidos por meio do Senado ou da Procuradoria-Geral do DF. O procurador recomendou ao tribunal a instauração de ação popular ou penal, ou ainda de um inquérito policial, “destinado a apurar a responsabilidade dos diretores da Shis por crimes porventura cometidos contra a administração pública”. Em setembro de 1974, foi ajuizada pela própria Shis a Ação Civil Originária 224-9, pedindo a anulação da transação. A ação se estendeu por mais de 30 anos, até que, em 2005, foi arquivada no STF, sem julgamento de mérito, devido a um erro técnico. “Tem coisas que parecem que já são propostas
O jornalista Carlos Chagas diz que os militares da Presidência pressionaram o governo local a dar uma solução para o péssimo negócio.
34 para não dar certo, não é? Ainda mais no caso de um erro desse tipo”, critica um advogado que acompanhou o caso. O ministro do STF Gilmar Mendes declarou extinto o processo, alegando que se tratava de ação popular ajuizada por pessoa jurídica, o que não é legítimo segundo a jurisprudência do tribunal. Trinta anos depois, os apartamentos continuavam sob a propriedade do governo local. Nessa época, no entanto, já não estavam vazios. Os apartamentos Com os apartamentos sob sua propriedade, mas questionados judicialmente, o governo local, em 1980, passou a ocupá-los como funcionais. Tanto servidores efetivos como os que tinham cargos em comissão, autorizados pelo governo, passaram a viver nas unidades da 203 e da 215 Sul. Moradores lembram que entre os ocupantes dos imóveis de luxo estiveram figuras como a primeira-dama Sarah Kubitschek, secretários de Estado e vice-governadores. “Mas as condições eram péssimas, os imóveis ficaram muito tempo fechados, se degradando. Para morar ali era preciso reformar”, explica a advogada do grupo de moradores da 203 Sul, Teresa Amaro Campelo, procuradora do DF aposentada que vive em um desses imóveis. Além dos imóveis do Buritigate, naquela época o governo já possuía outras unidades funcionais não relacionadas ao escândalo. Em 1990, quando Fernando Collor era presidente, o DF seguiu o exemplo da União e editou a Lei 128, que dispunha sobre a alienação de unidades residenciais de propriedade da unidade da Federação. A norma assegurava a venda direta para ocupantes desde que: fossem titulares de regular termo de ocupação; estivessem quites com as obrigações relativas à ocupação; fossem titulares de cargo efetivo ou emprego permanente, lotados em órgão ou entidade da administração pública federal ou do DF; e não possuíssem imóvel. “Nunca compramos nenhum imóvel na cidade na esperança de adquirir os
apartamentos”, diz Teresa. O governo iniciava, assim, a venda das unidades funcionais, para os ocupantes regulares ou terceiros – no último caso por meio de edital. Em pouco mais de um ano, tanto o DF como as empresas públicas se desfizeram da maioria de seus imóveis. Restaram poucas unidades, entre elas as do Buritigate. Nessa época, o futuro dos apartamentos ainda dependia de julgamento no STF e, por recomendação da Procuradoria-Geral do DF, eles não foram colocados à venda. Nos anos seguintes, de 1993 a 1996, a Shis tentou judicialmente a reintegração de posse dos imóveis relacionados ao Shisgate, mas não conseguiu desocupar todos (apesar de ter despejado funcionários que não eram de carreira). Um grupo de 11 moradores garantiu decisão no TCDF afirmando que aguardava a resolução da ação do STF para manifestar a vontade de comprar os imóveis, já que preenchiam todos os requisitos. Eram servidores de carreira que, se saíssem dos imóveis, sabiam que não teriam novamente a possibilidade de adquiri-los, já que deixariam a posição de regulares ocupantes, justamente um dos quesitos obrigatórios para a venda direta. No TJDFT a decisão foi no mesmo sentido. “Em setembro de 2007, no entanto, o então governador José Roberto Arruda baixou uma nova legislação para regulamentar a venda dos apartamentos funcionais do governo local, e colocou os do Shisgate na lista”, conta Teresa Campelo. Trata-se do Decreto 4.019, que modificou as regras para venda dos imóveis funcionais. A partir da nova regra, as unidades não podem ser vendidas diretamente aos seus ocupantes. Os servidores que moram nos imóveis têm direito, no entanto, a cobrir o maior valor oferecido por eles. Como não havia mais pendência judicial, os moradores dos 11 apartamentos da 203 pediram na Justiça o cumprimento da venda direta, válida anteriormente. “Foi quando o governador José Roberto Arruda propôs resolver nossa situação administrativamente. Saímos da Justiça e ele prometeu nos vender os apartamentos. Todo o processo
já estava encaminhado, quando ele foi preso”, explica Teresa, referindo-se à prisão de Arruda após acusações de participação em um esquema de desvio de verbas. Os apartamentos sem pendências, por sua vez, foram vendidos seguindo a nova legislação. “Foi a primeira vez que apartamentos da 203 e da 215 foram colocados à venda. No caso da 203, poucos foram vendidos, apenas três ou quatro, justamente devido às condições dos imóveis, mas posteriormente outras unidades foram sendo adquiridas”, conta a advogada. Em diversas licitações, os apartamentos funcionais desocupados foram sendo vendidos. Em 2012, o governo colocou em licitação os 11 apartamentos que têm decisões judiciais a favor da venda direta. Em vão. “Parou todo o processo administrativo e, de repente, somos surpreendidos com essa licitação colocando os imóveis à venda e seguindo as regras de 2007”, indigna-se Teresa Campelo. Os moradores voltaram à Justiça. O governo garante que age legalmente. “Seguimos as orientações da Procuradoria do DF. Atualmente, esses servidores têm, sim, preferência, mas de acordo com a nova legislação. Têm o direito de cobrir o lance mais alto dado no imóvel, pós-licitação, para adquiri-lo”, explica o subsecretário de Logística da Secretaria de Planejamento do DF, Roberto Duarte Gonçalves. “Mas vender os apartamentos de forma direta e pelo preço da avaliação não é legal nem produtivo para o governo”, reitera. Entres os servidores aposentados que vivem nos apartamentos questionados judicialmente estão ex-secretários, membros da Polícia Civil, auditores e vários outros que já ocuparam altos postos no governo do Distrito Federal. Quarenta anos depois Com a existência das pendências judiciais, o prédio de apartamentos de luxo na 203 Sul é, atualmente, misto. Tem tanto unidades particulares como funcionais. “O governo nos delegou até mesmo competência para votar nas assembleias de condomínio”, detalha Teresa.
Os servidores que ocupam os 11 apartamentos, todos aposentados, pagam, além da taxa de ocupação ao governo – em torno de R$ 1,4 mil –, taxa de condomínio do prédio no valor próximo a R$ 1,6 mil. Com tanto tempo de ocupação, várias reformas foram executadas nos imóveis por iniciativa dos moradores. “Para o governo local foi ótimo negócio, nós cuidamos dos apartamentos para eles”, avalia a moradora e advogada do grupo. Bom para ambas as partes. Acabaram investindo em imóveis disputadíssimos atualmente e que, caso consigam comprar por venda direta, vão adquirir por preços muito abaixo do mercado. A taxa de ocupação é descontada no contracheque. Quando ainda não existia o condomínio, qualquer serviço ou reforma precisava ser licitado. “Pagávamos caríssimo, já que os custos eram rateados, e não tínhamos serviço de qualidade”, diz Teresa. A advogada, antes de morar na 203 Sul, onde vive desde 1989, chegou a ocupar outro apartamento funcional do Buritigate, na 215 Sul. “É bem menor, só com um quarto, o que já não comportava a minha família”, explica. Diz que foi o governador da época, José Aparecido de Oliveira, que autorizou a ocupação e a troca de unidade. E não são só os apartamentos ainda em nome do governo que estão envolvidos em ações na Justiça. Mesmo entre as unidades já vendidas a particulares existem questionamentos. Alguns dos que adquiriram os imóveis nas licitações feitas pelo governo local apontam problemas como mudanças nas dimensões de áreas comuns após a venda. Um apartamento da 215 Sul, desocupado, foi vendido na última licitação, por aproximadamente R$ 900 mil. No mercado, um imóvel com características próximas é vendido por valores que vão de R$ 1 milhão a R$ 1,5 milhão. O fim de todos os processos, no entanto, promete demorar. “As histórias só se repetem, práticas do tipo começaram lá atrás e hoje estamos aí, julgando casos como o do ‘mensalão’. Daqui a 40 anos, se as coisas continuarem assim, serão muitas outras história para contar”, resume Amaury de Aquino. )
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Ensaio
Antes da guerra Cenas de uma Síria de quatro anos atrás, com gente sem armas na rua e encantadora para os visitantes Texto e foto João Tajra www.jtajra.com
Novembro de 2008, fronteira da Turquia com a Síria, 8 horas. Depois de muita negociação com oficiais sírios, consegui o visto e pude seguir viagem. O carimbo no passaporte mostrava que eu estava prestes a entrar em outro mundo: corria o ano de 1429 do calendário muçulmano.
Poeirenta, caótica e encravada no meio do deserto do noroeste do país, Aleppo é a maior cidade da Síria e uma das mais antigas povoações humanas no mundo. Logo na chegada, o choque cultural foi grande: praticamente todas as mulheres usam o niqab (tipo de manto cobrindo todo o corpo, mantendo apenas os olhos à mostra). Homens normalmente usam calças e camisas de manga sempre compridas, mas com o tradicional lenço quadriculado enrolado na cabeça ou no pescoço. Qualquer tipo de roupa que deixe partes do corpo à mostra é inadequado, a não ser em crianças. De Aleppo a Damasco, a viagem levou menos de cinco horas. Mesmo menor em tamanho, ganhou o posto de maior importância na Síria a partir da desintegração do Império Otomano: como Aleppo tinha íntima ligação com as cidades do sul e do litoral turco, quando delas foi separada acabou perdendo poder. De grande relevância cultural e religiosa,
Garotos brincam na parede da Cidadela. Crianças são vistas nas sociedades muçulmanas como bens preciosos das famílias. São tratadas com bastante liberalidade. Apenas após a adolescência regras mais rígidas lhes são impostas.
Centro de Damasco: por toda a Síria, uma imagem é onipresente: Bashar al-Assad.
Mãe caminha com seus dois filhos em uma rua do centro de Aleppo. Na cidade, praticamente todas as mulheres nas ruas usam o niqab, tradicional véu islâmico que cobre o corpo completamente. Apenas os olhos ficam à mostra.
pois sempre foi um dos pontos de partida das caravanas do Hajj na peregrinação a Meca, Damasco é uma cidade tão antiga quanto Aleppo. Hoje, entretanto, tem ar mais cosmopolita. Seu centro comercial moderno, com largas e arborizadas avenidas, congrega hotéis e restaurantes de alto nível, onde a língua inglesa é mais comum. Também as mulheres se mostravam um pouco mais à vontade. Muitas usavam apenas o hijab (lenço cobrindo os cabelos e o pescoço). Nas duas cidades, uma figura onipresente velava silenciosa todos os habitantes do país: a foto, em outdoors ou porta-retratos na recepção dos hotéis, de um homem de cabelos bem aparados e bigode ralo. Era Bashar al-Assad, o médico que se tornou presidente depois da morte do pai, Hafez. Durante toda a viagem pela Síria, a imagem de Bashar me acompanhou. As opiniões da população eram, na maioria das conversas, neutras ou positivas com relação a ele. Uma sensação de desconforto, no entanto, sempre estava presente em meus interlocutores:
era como se eles soubessem que alguém poderia estar ouvindo nossa conversa. Em pouco mais de uma semana na Síria, não houve qualquer situação de perigo ou ameaça. O povo, em sua totalidade, mostrou hospitalidade e educação sem paralelos. Apesar de muitos não falarem inglês ou outra língua, sempre havia a predisposição para ajudar, para buscar alguém que pudesse fazê-lo.
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Novembro de 2012, Brasília. Quatro anos depois da viagem à Síria, leio com tristeza, nos jornais e sites, as notícias sobre a guerra no país. Aleppo e Damasco estão entre as localidades mais destruídas, e o front do combate chega a pontos consagrados como os mercados, os centros históricos e os bairros cristãos nas duas cidades e em várias outras. Parte do mercado al-Madina pegou fogo, e a grande porta da Cidadela de Aleppo foi danificada. O mais triste e preocupante, entretanto, são os milhares de mortos. Em sua maioria civis. Pessoas comuns, do povo, as mesmas que sempre receberam tão bem os visitantes a seu país.
Mesquita em Damasco: uma das coisas que o visitante na maioria dos países islâmicos logo aprende é que as mesquitas, mais do que locais de oração, são centros de meditação, estudo e descanso. Todos são bemvindos, desde que tirem os sapatos à entrada e respeitem as regras locais: os horários de reza são vedados para visitas, e algumas mesquitas têm partes separadas para homens e mulheres.
Souk al-Madina: milhares de pessoas circulavam diariamente pelo emaranhado quilomĂŠtrico de passagens e ruelas cobertas por tijolos de barro.
Souk al-Hamidiy: pequena loja apresenta os diversos modelos disponĂveis de hijab, desde os mais simples, em cores bĂĄsicas, atĂŠ alguns mais modernos, com abas contra o sol e de cores fortes.
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Pequeno restaurante em Damasco: se existe uma coisa na Síria que não pode deixar de ser elogiada, é a culinária. Esfirras, quibes, tabule, homus, baba ghanoush: por todos os lados esses pratos estão à venda e, não raro, nas menores tendas estão os mais saborosos.
Conto
Sob o signo de
Ouroboros
Ela queria saber o limite do horizonte
Texto Maurício de Almeida Ilustração FRANCISCO BRONZE mauriciodealmeida@gmail.com
Ariana apoia-se na janela deste sexto andar para ouvir o improvável marulho de carros e, enquanto fuma um cigarro, me abandona às cítaras que tomam em centenas de cordas esta sala. Surpreendo-me ao ouvi-la dizer ainda de costas – eu queria ver o limite deste horizonte apontando os olhos ao indefinido breu desta madrugada, Ariana suspira. Não digo nada. Acompanho o cabelo negro esparramado pelas costas brancas, o torso desnudo de Ariana não fosse a rasura do sutiã lhe amarrando as costas, o corpo curvilíneo, a calcinha vermelha, um pé firmemente apoiado e o outro apenas com as pontas dos dedos ao chão como se bailarina, os pés de Ariana. E observando-a me envergonho tão logo descubro os olhos dela me
bronze@grandecircular.com
pesquisando o olhar, Ariana num rabo de olho que logo retorna à madrugada em ondas, o cigarro anuviando quadras, e não sem querer sinto uma vontade violenta de fumar, Ariana fumando. E não se importando em me flagrar ou ao menos aparentando não se importar, ela diz numa mistura de entusiasmo e confissão – eu queria saber o limite deste horizonte não esperando qualquer resposta talvez por me saber em atenção ao seu corpo, talvez por me deduzir alheio ao que diz, imaginando-me disperso muito embora acredite que compreenderei frases soltas em suspiros, a tênue alteração de sentido numa troca de palavras, e me questiono o que sabe ela, Ariana casada, Ariana mãe aos domingos de churrasco em família e, apesar disso, Ariana
seminua à minha frente dizendo saber que sou o tipo de pessoa que também deseja o limite de horizontes: o que sabe ela sobre mim se recém cheguei? eu tão acostumado a horizontes acidentados e irregulares, que sabe ela sobre o que quero? – Um cigarro eu digo – eu queria um cigarro tentando na verdade expurgar esse desejo que incendiaria noites apaziguando descontroles, providenciando atordoamentos, um cigarro colocando-me ao ritmo calmo de esvair-se aos poucos muito embora ecoe na minha cabeça it’s better to burn out than to fade away it’s better to burn out than to fade away o que sabe ela sobre mim? Digo, no entanto, que parei de fumar, ainda que ela me pareça
indiferente às justificativas, tentando acalmar num discurso torto a vontade de torpor, a calma de brasas lentas e atordoamentos, o arrebatamento de nicotina e calor, Ariana agora fumando como se em êxtase para me provocar e me provocando diz – acho legítima e calo-me para ouvi-la, as pintas escuras inventando constelações em suas costas claras, uma noite ao avesso afunilando-se à cintura, a calcinha vermelha incendiando ocasos, Ariana dizendo – acho legítima a vontade de um cigarro para então tragar fundo antes de enfiá-lo no cinzeiro que permanece muito quieto ao lado dela, Ariana apoiada na janela julgando legítimos o torpor, a calma, atordoamentos e arrebatamentos e por isso está na sala da minha casa nesta madrugada de sexta-feira, o marido sabe-se lá onde, o filho na casa da avó, Ariana entregue a torpores e atordoamentos volta-se a mim, a franja escura quase lhe alcançando os olhos, o cabelo muito liso movendo-se ao ritmo do vento, os lábios secos de Ariana soprando uma lança de fumaça ao dizer – acho legítima a vontade de um cigarro, pois o impulso à morte faz com que se viva mais intensamente e a observo agora de frente falando em morte com algum vacilo ainda que as palavras soem assertivas, uma criança experimentando palavrões para descobrir em que momento não será repreendida, e ela me diz com um brilho inconsequente nos olhos que deveríamos ter feito isso antes, um desejo ingênuo de experimentação, uma rebeldia juvenil, as sobrancelhas firmes desenhando sorrisos, os braços sobre a cabeça, Ariana caminhando pela sala para exibir a satisfação do (ou me convencer de que está satisfeita pelo) prazer irresponsável do sexo & da subversão que cometemos. Ela senta-se ao meu lado, um abraço estendido sobre o encosto, o outro abraçando as pernas sobre o sofá, o joelho dela me cutucando ao tempo
em que ela continua – e, se a gente vive intensamente, coisas novas aparecem e muito intimamente me questiono que coisas novas são essas e até quando buscaremos coisas novas que nem ao certo sei o que são ou para que servem, tantas coisas novas que em quase nada ficam velhas, chatas e óbvias, Ariana nem sequer imaginando que penso essas coisas ainda dizendo – por isso o importante são as experiências num sorriso que invoca imaginações de sábados virados em álcool, o corpo cedendo a uma vontade tão inoportuna quanto intensa, Ariana imaginando-se às sete da manhã sozinha num quarto desconhecido ligando desesperadamente para que alguém explique o que aconteceu e depois rindo desse absurdo que lhe faria bem, sim, Ariana convencendo-se de que, apesar dos pesares, o importante são as experiências, principalmente aquelas que ela nunca teve. Mas, ainda que já tenha me deixado à mercê desta situação, sexo & subversão numa brecha da lógica caseira de maridos e filhos, eu queria dizer a ela que, se a noite paira lenta sobre o planalto central e as cítaras insistem mantras, isso se deve tão somente à minha escolha de escapar do momento anterior a este, no qual me perdia em amantes destiladas e intermitentes até que meu corpo não resistindo mais às investidas em busca de novidade & experiências, pois tais coisas decorrem do impulso à morte que é um aleluia à vida em sua máxima potência e, portanto, exigem uma disposição atlética, um desprendimento santo, uma inconsequência que não se pode suportar indefinidamente, por isso eu digo – há limites, Ariana e penso ainda em dizer que testar os limites é sempre um exercício doloroso e em nada poético, em nada vitorioso, e
que toda conquista implica também ressentimento, resignação e derrota, e não sem querer evito esse único cigarro que é incitar esses limites, o prenúncio do desgoverno de uma noite sem fim que acaba num cinzeiro cheio, o copo vazio, o café batendo amargo na boca, eu outra vez em tempos de antes sentindo no corpo que ninguém sai impune em flertar limites. Entretanto, antes que eu diga existir ainda consequências aos desprendimentos e às afrontas, antes de qualquer coisa, Ariana coloca-se de pé me propondo no susto de uma epifania – vamos viajar já procurando a roupa jogada ao chão, impossível constelação de pintas desfazendo-se debaixo da blusa que ela veste às pressas – para onde? eu pergunto para Ariana fechando a calça, ela então sentando-se para calçar as sandálias e pondo-se rapidamente em pé – temos o fim de semana as mãos sobre a cintura, o rosto levemente inclinado para o lado, aquele brilho inconsequente nos olhos – vamos para qualquer lugar e eu, apesar de aterrorizado ao perceber a iminência de um desastre, deixo-me acompanhar nesse arroubo, nós dois ao carro levados pela euforia desse impulso, Ariana sentando-se ao volante coloca o maço de cigarros no painel e abre a porta para que eu entre e eu entro. Mas, antes da partida, nos entreolhamos envergonhados pelo ridículo do que fazemos, posto que ligar este carro seria nada mais que forjar liberdade numa viagem repentina e estupidamente inconsequente em busca do horizonte que se alcança porque não existe: Ariana liga o carro. Liga o carro e manobra a noite abandonada desta quadra para desembocarmos numa imensidão de asfalto sobre essa planície vazia, um trópico cortando o planalto, uma fileira de postes alinhada em leve curvatura
Brasília em voltas nas quais se anda sem sair do lugar, na verdade todos os lugares o mesmo lugar, e isso me aliviou, a tranquilidade de um lugar óbvio, repetitivo e domesticado.
providenciando luz, e me recordo a primeira paz que senti na brisa fresca deste descampado, vias em paralelo, perpendiculares, a dinâmica de círculos: Brasília em voltas nas quais se anda sem sair do lugar, na verdade todos os lugares o mesmo lugar, e isso me aliviou, a tranquilidade de um lugar óbvio, repetitivo e domesticado, eu certo de que o único movimento jamais feito aqui é a tarde indo lenta ao acaso de ipês inflamados entre as árvores de galhos secos como se a ossatura de uma mão morta no meio do movimento que, no entanto, conseguiu ainda rasgar em cores um pedaço da grama seca, do asfalto quente, do céu monólito azul. E eu quero confessar a ela que gostaria de manter essa tranquilidade e que, justamente por isso, não poderia estar neste carro, incorrendo sempre e outra vez no mesmo erro de ser seduzido pelo prazer de um gozo como se não conhecesse o vazio posterior – Ariana eu digo e me interrompo, pois inevitável que eu estivesse com ela neste carro, afinal, se Brasília tem a segurança do traçado claro em seus limites, as margens do que é seguro na delimitação certa do que deve ser e o que não deveria mas é, neste lugar em que o tempo convoca a sensação é de impedimento, a lógica controlada de quadras, setores, lotes, regiões que possibilitam apenas as voltas de andar em círculos, Ariana e eu enfastiados desse cerceamento incitados a fugas, diminutas deserção e aventuras extraconjugais numa sexta-feira, ela e eu neste carro a esta hora da madrugada indo sem rumo por caminhos que desconheço, à mercê de imprevistos, tentando acreditar, ao menos por agora, quem sabe deste jeito, que a calma transformada em tédio poderá de fato nos libertar do que nos acossa. Por isso eu inquieto sentindo-me avesso, relutante a este movimento de libertação, entretanto Ariana acelerando o carro que corre e correrá de ponta a ponta essas asas (nenhuma metáfora de voo) me impele a abrir o vidro para sentir o vento, meus
45 good morning all it’s a beautiful day e sabe-se liberta por se saber presa, uma lógica óbvia de círculos inescapáveis posto que o dia nascerá muito embora a noite aflita em ansiedades, tensa em inconsequências e descaminhos que, dentre tantos, ela então e em silêncio aciona a seta à direita e imbica o carro numa curva que sei ser um retorno, Ariana assumindo derrota, amargando que fugas e diminutas deserções nada são além de intensas e despropositadas ressacas & arrependimentos, um exercício nada poético, nada vitorioso. Pego o maço de cigarros no painel do carro e finjo-me distraído para olhar Ariana certo de que flagrarei choro, mas o rosto rígido como se ocupada em dirigir não conseguindo, no entanto, esconder a frustração deste retorno, desta madrugada, a frustração que é a frustração de sua vida e por isso Ariana pouco se importa com a fumaça que escapa do cigarro que acendo sem qualquer sensação de alívio ou atordoamento enquanto observo a noite numa queda vertiginosa sobre este lugar onde não há ritmo ou invenção, apenas motores compondo uma harmonia desajeitada, um improviso de acasos, humores e rumores de máquinas lentíssimas se arrastando, grotescos metais que arrotam sons aleatórios ao longo deste desterro de concreto ensaiando curvas distantes, curvas presentes, curvas, até se perderem nas minúsculas caixas de som do meu laptop que byte a byte tentavam reproduzir as cítaras de Ravi Shankar & George Harrison entoando mantras em centenas de cordas para aplacar o engenho frio deste maquinário no qual nós rodamos por suas engrenagens aceitando o tédio que beira o estouro e nunca se realiza em extravaso, Ariana e eu presos ao movimento maquinal deste sistema, rodas de cimento, estrelas de mármore regidas pelo signo de ouroboros: uma serpente mordendo a própria cauda, um cachorro correndo atrás do próprio rabo, Ariana e eu convencidos de que Brasília não tem saída apesar do improvável marulho de carros que espraia longe. ) )
olhos lagrimejando desconfiam desta rodoviária que se aproxima e some sobre minha cabeça e, antes que me localize, ao sairmos deste buraco e encontrarmos a outra asa, ainda confuso com o imbricado nó de ruas em convergência e divergência, a engenhosa geometria de cimento e curvas, eu aceitando finalmente sentir-me outra vez desgovernado, entregue à liberdade que se desvenda em tantas possibilidades à nossa frente e me coloca um brilho inconsequente nos olhos, os olhos que se detêm nos traços grotescos que rasuram o asfalto à frente para terminarem num carro espatifado – e o que mais me mortifica não é o carro revirado, a constelação de vidro espalhada pela rua desenhando aleatórios asterismos no chão ou imaginar o estrondo da pancada, a lataria arrastando-se, os vidros numa chuva, o resfolegar do motor cedendo, não, o que mais me espanta é o silêncio profundo deste momento, a noite leve como se calma, as luzes amareladas dos postes como se eternas, Ariana e eu passando ao lado deste carro virado tão fora do contexto desta rua, um absurdo jogado sobre o canteiro, nós atônitos ao ouvir os pneus estralarem sobre os cacos e ao sentirmos o cheiro de borracha queimada evitamos olhar muito embora passemos lentíssimos, são séculos estes metros, o sangue esquentando o rosto, minhas mãos trêmulas, ela segurando firmemente o volante até que a nossa frente apenas a noite, os postes, o canteiro e a rua em sua ordem vazia a não ser por uma sirene que se aproxima em velocidade, Ariana quieta. Ficamos indefinidamente quietos por entre os prédios sem vida desta maquete ordinária, uma agonia este carro sem rumo e não suportando Ariana sequer respirar, num ato impensado, mínimo imprevisto ao desconcerto que nos assola, ligo o rádio, que denuncia a euforia ciente da tristeza numa guitarra crua e dedilhada em distorções, o lapso da esperança que não suporta a si, uma voz quase tímida em melodias tortuosas, uma voz que anuncia
Caixa-preta
por miguel oliveira carlosmigueldeoliveira@gmail.com
Corruptos ainda não perderam o medo
Os jornais na sexta-feira, 7 de dezembro, continuavam publicando muitas notícias sobre a Operação Porto Seguro e seus inúmeros desdobramentos. O que mais impressiona é o enorme leque de órgãos públicos e personagens envolvidos neste caso de corrupção e tráfico de influência, a começar do gabinete da Presidência da República em São Paulo e da Advocacia-Geral da União, passando por ministérios, agências reguladoras e até o Tribunal de Contas da União. A personagem principal desse caso é Rosemary Noronha, não tanto pelas culpas até agora demonstradas, mas pela função que exercia e pelas relações políticas e pessoais que alardeava ter. Mas havia outra notícia relevante nas edições de sexta, 7. O prefeito de Porto Velho, capital de Rondônia, foi não só afastado do cargo como proibido de se aproximar de órgãos públicos. Roberto Sobrinho, eleito pelo PT, é suspeito de envolvimento com uma quadrilha de pelo menos 19 pessoas acusadas de desviar dinheiro público fraudando licitações. Entre os presos, estavam quatro secretários da prefeitura. A rede de corrupção no estado também se espalhava por vários órgãos.
Assinatura valorizada Dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol se mobilizavam, também segundo o noticiário do dia 7, no sentido de impedir que a Câmara dos Deputados constituísse comissão parlamentar de inquérito para investigar a entidade. O deputado Romário conseguiu bem mais do que as 171 assinaturas necessárias para fazer a CPI funcionar, mas na história do Congresso há diversos casos de deputados que retiram suas assinaturas depois de pressionados ou remunerados para fazer isso. Há até quem assine para depois vender bem caro a retirada da assinatura. Mas as notícias ruins foram antecedidas por uma pretensamente boa, na véspera: o Brasil passou do 73º para o 69º lugar no ranking da
corrupção, entre 176 países. Mas em uma escala de 0 a 100, da ONG Transparência Internacional, está com 43 pontos – quanto mais baixa a pontuação, mais corrupção.
Nota vermelha O país continua, pois, reprovado no quesito corrupção, e basta ler os jornais para constatar isso. Nos do dia 6 noticiava-se, que uma gráfica havia sido usada no Rio para desviar recursos de campanha. Segundo a Polícia Federal, a gráfica emitia notas fiscais por serviços não realizados, o que permitiu que 85 políticos de diferentes partidos desviassem dinheiro de suas campanhas eleitorais. Ainda nos jornais do dia 6: a Polícia Fede-
ral prendeu nove pessoas, no interior de São Paulo, acusadas de participar de um esquema de fraudes contra o INSS. E a Auditoria da Secretaria de Controle Interno da Presidência da República e o Tribunal de Contas da União confirmavam que dirigentes da Secretaria de Portos, vinculada ao Palácio do Planalto, burlaram a lei e contrataram funcionários por meio de uma fundação contratada sem licitação. Nem os contratados fizeram concursos, nem a fundação se submeteu a uma concorrência. Até parentes de servidores havia entre os contratados. Nem com tanta operação policial, nem com as penas do mensalão, diminui a corrupção no País.
CHARGES DO GOUGON hgougon@gmail.com
Arte, Cultura e Lazer
cultura@meiaum.com.br
Luana Lleras
Subvertendo a antítese campo-cidade Por 30 anos, ele amadureceu a ideia de urbanização do campo, que nasceu de um projeto coletivo vencedor de um concurso nos anos 70. Passou dez anos em uma fazenda de Pirenópolis conversando com moradores e observando as dificuldades de viver no meio rural. A partir daí, veio o conceito “Sustentabilidade Planaltina”, em que sugere o desenvolvimento de estruturas ambientais urbano-rurais de baixo impacto ecológico. Esse é o tema do novo livro do professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB Luiz Alberto de Campos Gouvêa, o Jacaré. Com ilustrações do autor, Cidade rural – revisitando uma ideia é a primeira obra da editora da FAU-UnB.
Cinema – lançamentos
As aventuras de Pi Direção: Ang Lee. Inspirado no livro de Yann Martel. Pi Patel (Suraj Sharma) viaja de mudança com a família da Índia para o Canadá em um navio de carga. A embarcação naufraga, deixando-o à deriva no meio do Oceano Pacífico com um tigre. Da luta pela sobrevivência acaba nascendo uma grande amizade. Drama. Classificação 10 anos. Cinemark e Kinoplex em 21 de dezembro. 127 minutos.
Brichos II – A floresta é nossa
(Luana Lleras)
De pernas pro ar 2
O impossível
Direção: Roberto Santucci. Continuação da comédia que mostra Alice (Ingrid Guimarães) e Marcela (Maria Paula) e seu bem-sucedido negócio de sex shops. Agora, elas querem abrir uma loja em Nova York, onde encontram novos brinquedos eróticos. Comédia. Classificação 12
Direção: Juan Antonio Bayona. Inspirado no tsunami que atingiu a Tailândia em 2004. Maria (Naomi Watts), Henry (Ewan McGregor) e seus filhos (Tom Holland, Oaklee Pendergast e Samuel Joslin) desfrutam alguns dias no paraíso tropical. Mas, na manhã de 26 de dezembro, o descanso da família ao redor da piscina é encerrado por uma das maiores tragédias naturais dos últimos tempos. Drama.
anos. Kinoplex em 28 de dezembro. 90 minutos.
O hobbit – Uma jornada inesperada
Direção: Peter Jackson. Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) leva uma vida pacata no condado, como a maioria dos hobbits. Um dia, o mago Gandalf, o cinzento (Ian McKellen), lhe promete uma aventura. Na companhia de vários anões, Bilbo e Gandalf iniciam sua jornada pela Terra Média com o objetivo de libertar o Reino de Erebor, conquistado há tempos pelo dragão Smaug. No meio do caminho encontram elfos, trolls e a criatura Gollum (Andy Serkis) e seu precioso anel. Aventura.
Direção: Paulo Munhoz. O jaguar Tales, o quati Jairzinho, o tamanduá Olavo e seu filho Bandeira são habitantes da Vila dos Brichos. Os vilões Mr. Birdestroy e Al Corcova tentam convencer todos a ceder a floresta em nome de uma suposta modernidade. Sem alcançar o objetivo, resolvem tomar o lugar usando a força. Vozes: Marcelo Tas, Fabiula Nascimento, Antonio Abujamra, André Abujamra e Paulo Munhoz. Animação. Classificação livre. Cinemark e
Classificação 12 anos. Cinemark e Kinoplex em 14
Kinoplex em 25 de dezembro. 85 minutos.
de dezembro. 160 minutos.
Classificação 14 anos. Cinemark e Kinoplex em 21 de dezembro. 114 minutos.
Sete psicopatas e um shih tzu Direção: Martin McDonagh. Marty (Colin Farrell) é um roteirista em busca de inspiração para seu novo filme, Sete psicopatas. Ele acaba envolvido com os esquemas de sequestro de cachorros de seus estranhos amigos (Sam Rockwell e Christopher Walken). Os problemas começam de verdade quando o vira-lata de um mafioso (Woody Harrelson) desaparece. Comédia. Classificação 14 anos. Kinoplex em 14 de dezembro. 110 minutos.
Imagens Filmes
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Cinema Dirigido pela historiadora e pesquisadora Andrea Prates e pelo cineasta Cleisson Vidal, Dino Cazzola – Uma filmografia de Brasília é fruto de um extenso trabalho de imersão no acervo do cinegrafista italiano, que registrou a capital desde a construção. O longa mostra momentos marcantes das décadas de 1960 e 1970. Dino Cazzola (1932–1998) trabalhou na TV Brasília e produziu muitas imagens do centro do poder. Criou a primeira produtora da capital. Viu passar pelo Planalto os presidentes Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. O filme, em cartaz até o fim de dezembro, traz depoimentos inéditos
A viagem
de pessoas que estiveram em Brasília, como o presidente norte-americano John
Direção: Tom Tykwer, Andy Wachowski e Lana Wachowski. Adaptação do romance homônimo de David Mitchell. Seis histórias que, mesmo em épocas e países distintos, acabam se interligando. A maioria dos atores interpreta mais de um personagem. Os personagens se cruzam desde o século 19 até um futuro pós-apocalíptico, cada um narrador de sua história. No elenco, Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent, Hugo Weaving, Jim Sturgess, Doona Bae, Ben Whishaw e James d’Arcy. Drama. Classificação 14 anos. Cinemark em 21 de dezembro e Kinoplex em 25 de dezembro. 172 minutos.
Kennedy (1917–1963). Como brasiliense, senti a riqueza desse material e o vazio de quem não poderá ver os mais de 3 mil rolos de filme – só conseguiram recuperar 30% do trabalho de Cazzola, o equivalente a 300 horas de filmagem. Ele guardou o acervo no sótão de casa.
Zarafa Direção: Rémi Bezançon e Jean-Christophe Lie. Um velho conta às crianças a história da amizade entre Maki, de 10 anos, e Zarafa, uma girafa órfã. O animal foi dado ao rei francês Charles X por Muhammad Ali, do Egito. Em meio a uma longa jornada do Sudão até a França, Maki e Zarafa vivem diversas aventuras.
Cinema – outros
7ª Mostra Cinema e
Direitos Humanos na América do Sul
Não informaram a programação a tempo:
Com 36 filmes de oito países, como Argentina, Colômbia, Uruguai e Chile. Do Brasil, são 22 obras. Entre elas, há títulos inéditos no circuito comercial, como os longas-metragens Hoje, de Tata Amaral, e O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares. O homenageado do evento em 2012 é o premiado documentarista brasileiro Eduardo Coutinho. 12 a 16 de dezembro, no Centro Cultural
www.itaucinemas.com.br
Banco do Brasil. Entrada franca. Classificação e
www.cinecultura.com.br
programação em www.bb.com.br/cultura.
Animação. Classificação 10 anos. Kinoplex em 21 de dezembro. 78 minutos. www.cinemark.com.br www.kinoplex.com.br
O italiano não filmou apenas a cidade sendo erguida e as figuras importantes da política. Registrou também como os candangos faziam para se divertir em uma capital que ainda estava sendo construída. Mostrou o início da vida em Brasília. O filme também relata o esforço para recuperar o acervo. Pelas imagens que foram salvas, dá para imaginar que a cidade perdeu parte valiosa de sua memória.
Priscila Praxedes É jornalista
Arte, Cultura e Lazer Teste de Audiência O projeto passa por vários lugares do Brasil, incluindo sempre a capital na programação. Pelo sexto ano consecutivo, traz sessões com filmes ainda em processo de finalização, apresentados gratuitamente em sessão surpresa. O espectador só fica sabendo ao que vai assistir momentos antes do início da exibição. Após a projeção, o público conversa sobre o filme na presença do diretor. Até 18 de dezembro, todas as terças, às 20h, na Caixa Cultural. Entrada franca. Classificação 16 anos. Telefone: 3206-9448.
Música
Clube do Choro Desde março foram 113 apresentações no projeto Meu caro amigo Chico Buarque, que se encerra em dezembro. Nomes da música nacional e local tocaram grandes clássicos de Chico, o primeiro compositor vivo da MPB homenageado pelo Clube do Choro. Shows de segunda a sábado, a partir das 21h. Ingresso (inteira): R$ 20. Classificação 14 anos. Telefone: 3324-0599. Alunos da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello: 12 a 15 de dezembro | Confraria do Samba e Choro: 17 de dezembro | Cante com a Gente: 18 de dezembro | Eduardo Rangel: 19 de dezembro | Ted Falcon e Pablo Fagundes: 20 de dezembro | Mandrágora: 21
de dezembro | Tex Quarteto: 22 de dezembro.
Easy All Stars Pela primeira vez em Brasília, o grupo de Nova York (EUA) traz o seu novo trabalho, Thrillah, fazendo referência a Michael Jackson. São versões reggae de sucessos do rei do pop. A banda, com nove integrantes, ficou conhecida por fazer versões de álbuns clássicos do rock. 16 de dezembro, às 18h, na Ascade. Ingresso (inteira): R$ 40. Classificação 18 anos. Telefone: 3274-1540.
Hamilton de Holanda O instrumentista carioca traz o projeto Bandolim Solidário, que desenvolve há onze anos. O show é beneficente e conta com o apoio da Abravídeo para arrecadar recursos para o Hospital da Criança de Brasília, da Abrace. 21 e 22 de dezembro, às 20h, no Teatro Oi. Ingresso (inteira): R$ 50. Classificação 12 anos. Telefone: 3424-7121.
Marcelo Camelo O cantor e compositor traz o show Voz e violão. O repertório inclui músicas de Camelo gravadas por intérpretes como Maria Rita, Erasmo Carlos, Roberta Sá e Ivete Sangalo, além de canções da banda
Los Hermanos e da carreira solo de Camelo. Todas as músicas são apresentadas com arranjos inéditos. O show tem participação especial do rabequista suíço Thomas Rohrer. 16 de dezembro, às 22h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Ingressos (inteira): Superior R$ 80; Setor B R$ 100; Setor A R$ 120; Gold Lateral R$ 140; VIP Gold R$ 140. Classificação 14 anos. Telefone: 3364-0000.
Mônica Salmaso A cantora paulista vem acompanhada do pianista e maestro Nelson Ayres e do flautista e saxofonista Teco Cardoso para a apresentação do CD Alma lírica brasileira. 14 de dezembro, às 21h, no Teatro Oi Brasília. Ingresso (inteira): R$ 80. Classificação 14 anos. Telefone: 3424-7121.
Planet Hemp Uma das principais bandas dos anos 90 retorna aos palcos. A formação é quase a mesma: D2 e BNegão nos vocais, Rafael na guitarra, Formigão no baixo mais Pedrinho na bateria (no lugar de Bacalhau). A turnê de reunião da antiga banda começou no Rio e já passou por estados do Nordeste e do Sul. 14 de dezembro, às 22h, no Ginásio Nilson Nelson. Ingressos (inteira): Pista R$ 100; VIP R$ 160. Classificação 18 anos. Telefone: 4003-1212.
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até acontecimentos de 1975, registrando momentos que mudaram os rumos da história no século 20. A exposição também traz fotos de Ruetz feitas em outros países. Até 27 de janeiro, das 9h às 21h, na Caixa Cultural. Entrada franca e livre. Telefone: 3206-9448.
Arte tribal africana A mostra traz 60 peças criadas do século 17 ao 20 pertencentes ao acervo do África Brasil Museu Intercontinental, no Espírito Santo. Colecionadas há 35 anos pelo escritor e curador da mostra, o capixaba Maciel de Aguiar, essas máscaras representam a cultura e a civilização africana. Até 16 de dezembro, das 10h às 18h, no Salão Branco do Congresso Nacional. Entrada franca e livre. Telefone: 3382-3500.
À luz da criação
Brasília: (cidade)
A exposição do pintor venezuelano Armando Reverón (1889–1954) traz 174 peças, entre pinturas, desenhos, objetos e fotografias. A obra de Reverón é conhecida por ser repleta de imagens oníricas, desfocadas, com luz intensa e muitas cores. Até 10 de fevereiro, das 9h às
(parque) [condomínio]
18h30, no Museu Nacional. Entrada franca e livre. Telefone: 3325-2589.
Rebeldes O grupo, originado da telenovela homônima exibida pela TV Record, faz a turnê de despedida. No repertório, canções como Do jeito que eu sou, O amor está em jogo e Você é o melhor pra mim. 16 de dezembro, às 18h, no Ginásio Nilson Nelson. Ingressos (inteira): Arquibancada R$ 80; Cadeira R$ 160; Área Premium R$ 240. Classificação livre. Telefone: 3036-4041.
exposições
1922 – A semana sísmica –
Correspondências modernas Oitenta obras de artistas que participaram da Semana de Arte Moderna, em 1922. Celebra os 90 anos do evento e traz obras de
diversos artistas importantes. Em um único ambiente misturam-se obras de artistas contemporâneos com os representantes da arte modernidade, criando um ambiente atemporal, que variam das instalações multimídia, objetos eletroeletrônicos e demais meios das novas mídias e suportes, em convívio. Até 27 de janeiro, das 10h às 19h, de terça a sexta, no Museu Nacional do Correios. Entrada franca e livre. Telefone: 3213-5076.
1968. Tempos incômodos Com 43 imagens em preto e branco de um dos mais importantes fotógrafos da década de 1960 numa Alemanha dividida. Michael Ruetz fotografou movimentos sociais desde a greve na Universidade de Berlim, em 1966,
[estacionamento]
São 15 obras dos artistas Marcelo TerçaNada e Brígida Campbell, que apresentam uma observação particular da capital federal em fotografias, instalações e impressos. As obras que compõem a mostra foram criadas a partir de andanças pela cidade, com olhares voltados para situações do cotidiano. 13 de dezembro a 21 de janeiro, das 9h às 21h, no Complexo Cultural Funarte. Entrada franca e livre. Telefone: 3322-2076.
Diálogo entre tesselas O Grupo Ciranda do Mosaico apresenta exposição de 11 artistas com 34 obras de arte musiva – trabalhos com mosaicos. As tesselas, peças que os compõem, são feitas de vários materiais (pedras, vidro, areia, conchas, cerâmica, azulejos), cores, cortes e tamanhos. Até 29 de dezembro, de segunda a sexta, das 9h às 17h, na Câmara dos Deputados – Galeria do 10º andar do Anexo IV. Entrada franca e livre. Telefone: 3216-0000.
Arte, Cultura e Lazer Em Brasília – A paisagem interior
na obra de Concha Gómez-Acebo Reúne 28 pinturas da espanhola que retratam o cotidiano, as paisagens urbanas e a natureza de quatro estados brasileiros (Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Amazonas) e do DF. Até 10 de janeiro, de segunda a sexta, das 11h às 21h, no Instituto Cervantes. Entrada franca e livre. Telefone: 3242-0603.
Sorte da arte Mostra comemorativa dos 50 anos das Loterias da Caixa, com 29 telas. Obras de importantes artistas brasileiros, como Djanira, Aldemir Martins, Carybé, Di Cavalcanti, Carlos Scliar e Francisco Rebolo compõem esta mostra, que reúne obras desde a década de 1960. 12 de dezembro a 3 de março, das 9h às 21h, na Caixa Cultural. Entrada franca e livre. Telefone: 3206-9448.
The end factory project A mostra reúne 23 obras da artista Adriana Tabalipa. É composta por pinturas, objetos, instalações e desenhos, registrando 20 anos de produção. As instalações da artista trazem objetos simples do cotidiano, como meias, sabonetes e caixas de remédios. A proposta de Adriana é incitar uma reflexão sobre a sociedade de consumo. Até 13 de janeiro, das 9h às 21h, na Caixa Cultural. Entrada franca e livre. Telefone: 3206-9448.
Um desafio à luz São 102 desenhos, gravuras e pinturas feitas de 1937 a 1973 pelo dinamarquês Asger Jorn (1914–1973). Muitas das obras são sombrias, marcadas por traços nervosos e confusos, resultado do momento vivido por Jorn, no jogo bélico entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética. Até 17 de fevereiro, de terça a domingo, das 9h às 18h30, no Museu Nacional da República. Entrada franca e livre. Telefone: 3325-5220.
Teatro
Comédia em preto e branco Esquetes, música e improviso. Entre os temas abordados está o preconceito, exposto com humor e leveza. A comédia é encenada pelos atores Marcelo Marrom e Rodrigo Capella. 15 de dezembro, às 21h, no Teatro dos Bancários. Ingresso (inteira): R$ 60. Classificação 14 anos. Telefone: 3262-9090.
Domingo no Pátio Em dezembro, as peças serão encenadas pelo grupo Sopa de Teatro. Por meio de crônicas, o grupo vai contar as histórias de Fernandinho, que terá a sua vida tomada pelo espírito natalino e pela descoberta da reciclagem inteligente. Todo o cenário será feito de material reciclável. Aos domingos, às 16h30, no Pátio Brasil. Entrada franca e livre. Telefone: 4003-7780. Será que Papai Noel vem? 16 de dezembro | Já nasceu o DeusMenino: 23 de dezembro.
Jogo de Cena Com Welder Rodrigues e Ricardo Pipo, integrantes da Cia. de Comédia Os Melhores do Mundo, o espetáculo é um evento mensal. Nesta edição, estarão as brincadeiras que provocaram mais risadas durante o ano. A peça apresenta um programa de auditório e a dupla traz brincadeiras, em que a plateia sobe ao palco e concorre a prêmios. 19 de dezembro, às 20h, no Teatro da Caixa. Ingresso (inteira): R$ 20. Classificação 14 anos. Telefone: 3206-9448.
Monstros em pânico – Natal Na cidade de Monster City, durante a tradicional ceia de Natal oferecida pelo Conde Drácula, os convidados começam a morrer misteriosamente. Os responsáveis pela segurança, um ex-general e seu ajudante, Leônidas, têm até o amanhecer para encontrar o autor das mortes e manter vivos os vilões dos filmes de terror. No
elenco, Ana Brandão, Erica Ferreira, Daniel Nakassato, Kenedy Brayan, Gabriel Neves, Gabriel Pasquarelli, Oliver Oliveira e Rafael d’ Carvalho. 14 a 16 de dezembro, sexta e sábado, às 21h; domingo, às 20h, no Teatro Goldoni (208/209 Sul). Ingresso (inteira): R$ 20. Classificação 16 anos. Telefone: 3443-0606.
Nobre vagabundo A peça conta a história de um baiano famoso na cidade pela vagabundagem que morre no dia de seu aniversário. Mesmo assim, seus amigos de vadiagem resolvem levar o defunto para festejar. Direção e texto de Félix Saab e Lucélia Freire. 14 a 16 de dezembro, sexta e sábado, às 21h; domingo, às 20h, no Teatro do Centro de Ensino Especial 1 (912 Sul). Ingresso (inteira): R$ 20. Classificação 14 anos. Telefone: 9211-4525.
Um conto de Halloween O musical é inspirado na animação O estranho mundo de Jack, de 1993, escrito por Tim Burton e com músicas de Danny Elfman. Esqueleto é rei da Cidade do Halloween, local mágico de onde, uma noite por ano, seus habitantes – monstros, fantasmas, vampiros, lobisomens e bruxas – abrem um portal para o mundo dos humanos. Um dia, Jack Esqueleto, cansado da mesma rotina, se depara com a Cidade do Natal e resolve sequestrar o Papai Noel e roubar o Natal para ele e seus súditos e causa várias confusões. 19 e 20 de dezembro, às 20h, no Teatro dos Bancários. Ingresso (inteira): R$ 40. Classificação 12 anos. Telefone: 3262-9090.
Em cena no Planalto Continuação do projeto da Funarte. Foram selecionados espetáculos que se destacaram em diversas regiões do País, incluindo peças inéditas na capital. Até 7 de março, no Teatro Funarte. Classificação, preço e programação em www. funarte.gov.br. Quarteto do Cerrado (infantil): 20 a 23 de dezembro | Caixa de mitos: 22 e 23 de dezembro | A carne do mundo: 3 a 6 de janeiro | Oficina Colapso
Thiago Sabino
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Evento Poucas vezes caio nessa conversa de área VIP, premium e variações. Sempre concluo que paguei caro para não me sentir tão very important assim. Dia desses abri uma exceção. Achei que valeria ficar perto do palco para ver Mônica, Cebolinha e cia. A apresentação estava marcada para as 17 horas e os portões seriam abertos às 15h30, dizia o salgado ingresso. Cheguei ao Ginásio Nilson Nelson pouco depois das 16 horas. Do estacionamento, enxergava a longa fila para a arquibancada. Só de ver a cena me senti VIP, enquanto seguia calmamente para o portão indicado. Avistei outra fila imensa, mas não imaginei que seria a minha. A uma hora daquelas, os VIPs deveriam estar lá
Sofia ou... Sofia?
dentro, protegidos do sol, desfrutando as prometidas guloseimas. VIP infantil
Inspirado no livro Sofia quer trocar de nome, de Arnaldo de Castro Costa. A história de duas mulheres chamadas Sofia – a primeira é personagem principal de uma revistinha infantil, que vive com simplicidade e autenticidade; a segunda, uma mulher real que vive no mundo estressado e competitivo de hoje e, apesar de todo o sucesso aparente, não se sente feliz. É nesse jogo de ficção dentro da ficção que as duas se encontram e se fundem dando início a um intrigante diálogo-monólogo. Com Vanessa Pádua. Direção de Murilo Grossi. 15 e 16 de dezembro, sábado, duas sessões, às 17h e às 19h; domingo, às 19h, na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi. Ingresso (inteira): R$ 40. Classificação 5 anos. Telefone: 3170-4059.
também é open bar. Era naquela fila que eu tinha de entrar. Perguntei por que os portões não tinham sido abertos no horário e levei um fora. Pedi para falar com alguém da produção e levei outro. Quando finalmente abriram os portões, hora de ir ao banheiro. Apesar da decoração de um patrocinador da área de estética, era o mesmo banheiro do Nilson Nelson de sempre: com lama no chão e nada de papel higiênico.
e a Bússola do cômico: 9 e 10 janeiro | Brincadeiras loa e boas: 11 a 13 e de 18 a 20 de janeiro | Navalha na carne: 10 a 13 de janeiro| Palestra sobre direção cênica ministrada por Daniel Herz (RJ): 17 de janeiro | O filho eterno: 18 a 20 de janeiro | Oficina de interpretação de
bambu e o cabaré Esbórnia, com a Trupe Mirabolantes e convidados. Até 16 de dezembro, na Funarte – Sala Plínio Marcos. Classificação, preço e programação em festivalcircobrasilia.blogspot.
Garçons circulavam com bandejas de refrigerante, difícil era conseguir um copo de água. Embora os anjinhos estivessem se lambuzando com picolé e algodão-doce,
com.br. Para o público adulto – Desdobrar: 14 de
faltavam guardanapos. Acho que era para
dezembro | Não alimente os bichos: 13 de dezembro
evitar que os jogassem no chão, já que
| O que me toca é meu também: 15 e 16 de dezembro |
também não havia lata de lixo. Só me
Cia. Nós no Bambu: 14 de dezembro | Cabaré Esbórnia
senti important mesmo quando a Magali
I Festival de Circo de BrasÍlia
Circense: 15 de dezembro. | Oficina de dança acrobática
deu tchau pra mim lá do palco.
O evento reúne dez espetáculos, inclusive para crianças. O festival traz palhaços, acrobacias, poesia, oficinas de dança acrobática com
público infantil – Isto é mágica!: 15 de dezembro |
textos teatrais ministrada por Sérgio Sartório (DF) e Alexandre Ribondi (DF): 23 de janeiro.
Outros
e esculturas de bambu: 14 de dezembro. | Para o Pipino online: 16 de dezembro | Quero ser igual a eles: 16 de dezembro.
Anna Halley É jornalista e prefere a arquibancada
Banquetes e botecos } ilustração Rômulo Geraldino
Por Marcela Benet marcela.benet@gmail.com
romulog2000@yahoo.com.br
Quer ir a um autêntico boteco e tomar um dos melhores chopes da cidade? Vá ao Bar Brasília
1 2 3 4,5 5 O Bar Brasília foi aberto em 2002 pelo restauranter – ou melhor, “botequer” – Jorge Ferreira. Acho que essa é uma boa definição para o Jorge, afinal ele é referência como dono de bares em Brasília, como o Bar Brahma, o Mercado Municipal e o Bar do Ferreira. A decoração do Bar Brasília é fantástica. Remete aos antigos bares cariocas. Há peças de antiquário, como uma estante do ano de 1928 que pertenceu a uma farmácia da capital paulistana, um lustre que decorou o primeiro prédio do Banco do Brasil e também fotos e painéis de personalidades ligadas à história da fundação de Brasília. Suas paredes de azulejos brancos, sua mesinhas de madeiras escuras são um charme! O Bar Brasília já ganhou sete prêmios por ter o melhor chope da cidade. Daí dá para imaginar a qualidade desse chopinho, que, além de cremoso e geladíssimo, é servido numa tulipa de cristal, que lhe dá um toque todo especial. O cardápio de petiscos e acompanhamentos é bem legal: o tradicional bolinho de batata-baroa, carne-seca e catupiry, a isca de fraldinha, músculo ao molho de cerveja preta e o pastel, além da linguiça apimentada, dos bolinhos de aipim com camarão e da picanha na tábua. Tudo bem gostoso! Durante o almoço, de quarta a domingo, o bar serve pratos à la carte com um menu diferente a cada semana. Às sextas e aos sábados não poderia faltar, num autêntico boteco, a feijoada. Mas as opções não param por aí. Tem um arroz de lula que é um espetáculo. Há quem prefira o de bacalhau, mas eu sou apaixonada mesmo é pelo de lula. Muito bem servido, bem temperado, maravilhoso. E, com um chopinho acompanhando, fica perfeito. O ponto forte da casa é o happy hour, sempre cheio. Mas é muito complicado falar isso porque nunca consegui chegar e não ter de esperar um pouco para sentar, seja no happy hour, seja no almoço de sexta ou, pior, no almoço de sábado. O que realmente posso dizer que é o ponto forte da casa é o atendimento. Os garçons são sempre muito gentis e atenciosos, fazendo dessa espera um momento agradável. Esse é o Bar Brasília!
506 Sul, Bloco A, Loja 15 (61) 3443-4323 Domingo: 11h30–17h Quarta a sábado: 11h30 até o último cliente Segunda e terça: 17h até o último cliente
Uma parceria pela geração de trabalho e renda no país.
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A Fundação Banco do Brasil e o BNDES se uniram para promover o desenvolvimento sustentável de comunidades rurais e urbanas que vivem em situação de vulnerabilidade econômica, por meio de programas e tecnologias sociais voltados à geração de trabalho e renda. Em três anos, foram investidos R$ 130 milhões, envolvendo mais de 120 mil famílias no processo de transformação social.
www.fbb.org.br/bndes-fbb