Revista meiaum

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Ele fica entre o Lago Norte e o Taquari. É cidade ou favela?

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Novo palácio para a Corte Ministros do TSE terão gabinetes de 445 metros quadrados em prédio que vai nos custar meio bilhão de reais

1 Ano 1 | Abril 2011 | www.meiaum.com.br

Nos passos de Carlos Elias, o rei da noite brasiliense

+ VARJÃO

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+ PERFIL

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Niemeyer, Lucio, Israel, Burle, Athos, Ernesto... Sem eles, JK não construiria Brasília. Uma pessoa tem uma ideia brilhante. Mas é preciso uma boa equipe para executá-la.

WHD Comunicação, 11 anos Consultoria em comunicação e política Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia Produção de conteúdo para todos os meios Relações públicas

61 3468.1466 www.whd.com.br whd@whd.com.br Brasília - DF


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Papos da Cidade

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Perfil

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Reflexões, análises e resmungos de quem vive em Brasília

Carlos Elias, compositor, sambista e dançarino, é o rei da noite de Brasília

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Conto – João Pitella Junior

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Fora do Plano

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Prosa – Freddy Charlson

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Artigo – Wellington Almeida

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Artigo – Juliana Santana

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Caixa-Preta

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Arte, Cultura e Lazer

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Banquetes e Botecos

Artigo – Diego Recena

O paraíso do contrabando e da pirataria é ponto turístico

Capa

Saiba quanto nos custará o novo palácio do Tribunal Superior Eleitoral

Artigo – Alberto do Carmo Associar democracia a barulho não é boa ideia

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Crônica – Milena Galdino

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Cidades

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ÍNDICE

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Grávidas, manuais e bebês de verdade

Como é a vida no Varjão, pequena cidade entre o Lago Norte e o Taquari

Crônica – José Tadeu Seixas

O carro quebrou. Chegou a hora de aprender a se virar de ônibus no Plano

As peripécias de um homem para comprar um presente do tamanho do seu amor

Paola Lima analisa os bastidores da política local

61 maneiras de ver o mundo

O cinismo dos que mantinham bons relacionamentos com Kadafi

O que seria de Brasília com verdadeiras unidades de vizinhança

A política nacional por Luiz Cláudio Cunha

Os destaques da programação da cidade

Em cada edição, Marcela Benet visita um restaurante. E ninguém sabe quem ela é


Fotos Nilson Carvalho

Gougon págs. 41 e 48

João Pitella Junior pág. 38

É jornalista e artista plástico, mas foi como chargista no Jornal de Brasília e em publicações alternativas que ganhou maior visibilidade. Publicou três livros de charge política. Dedicase hoje às artes, com foco nos mosaicos, entre os quais os monumentos ao educador Paulo Freire, à frente do MEC; ao líder estudantil Honestino, no campus da UnB; e ao educador Anísio Teixeira, na Escola Parque da 507 Sul.

Carioca, exilado em Brasília desde 1979 por questões de segurança. Devoto de Nelson Rodrigues, fã de F. Scott Fitzgerald e jogador de futebol de botão. Sempre quis ser escritor, mas entrou pela porta errada, virou jornalista e não conseguiu escapar até hoje. Agora escreve um romance. Recluso profissional, vive numa réplica da bat-caverna e só tem 23 seguidores no Twitter, mas no fundo é boa gente.

Luiz Cláudio Cunha pág. 48

Jornalista, gaúcho e gremista. Trocou o sul pelo cerrado em 1980, para se exilar, com prazer, no Lago Norte. Ali trabalha curtindo joias do jazz e da música clássica. É surdo para o resto. Detesta Twitter, Orkut e Facebook, baboseiras que encurtam o mundo e a inteligência. Fã de Churchill, Darwin, Richard Dawkins e de todos que usam a luz da razão e da ciência contra a treva das religiões e dos fanatismos. Vive uma paixão por Inaê, a netinha mais linda do planeta.

Diego Recena pág. 16

Brasiliense, apaixonado pela cidade e surfista do Lago Paranoá. Filho e sobrinho de jornalistas. Começou na profissão ainda garoto, ao acompanhar o pai, correspondente internacional, em crises em Moscou e Paris. Apreciador da alta gastronomia de botequim e devoto de Santo Antônio. Isso mesmo, o santo casamenteiro.

Caroline Vilhena pág. 18

Paola Lima pág. 41

Baiana, em Brasília desde 1994, quando decidiu cursar Jornalismo e mudar de vida. Mudou e descobriu que ser brasiliense lhe parecia ainda mais natural do que ser soteropolitana. Blogueira e colunista, divide o tempo entre os bastidores da política local e as descobertas de Miguel, um brasiliense lindo de quem tem a sorte de ser mãe.

Em Brasília desde 1999, esta paraense de 27 anos mantém o sotaque carregado e não gosta quando perguntam se é carioca. Reza a lenda que passou dois anos com religiosas missionárias na Venezuela e no México. Ela desconversa. Jornalista, professora e empresária. Ama a boa música brasileira, a poesia, um servido prato de maniçoba com farinha e pimenta e o Flamengo.

Moa Oliveira pág. 12

Paulistano, corinthiano, filho de Oxossi com Oxum, jornalista há 35 anos, fundador do Pacotão, apaixonado pela Aruc, Portela e Vai-Vai, já fez um pouco de tudo na profissão e na vida. Seu maior orgulho é saber que ajuda a escrever um pedaço da história da cidade que escolheu para viver e criar seus filhos e netos. Assim como Zeca Pagodinho, deixa a vida levá-lo!

Rafania Almeida pág. 28

Falar e escrever nunca foram problema para esta goiana de Formosa. O desafio é fazê-la parar. Curiosa por todo e qualquer tipo de história, ama livros policiais e cinema. Queria ser médica, mas a curiosidade a fez cursar Comunicação. Já trabalhou no Jornal de Brasília, no Jornal do Brasil e na sucursal do Hoje em Dia em Brasília.

Colaboradores


Alberto do Carmo pág. 24

Belorizontino, adotou Brasília em 1993. Estreou na mídia como correspondente brasileiro de uma revista francesa de aviação, em 1967. Desde então, colaborou com jornais e revistas, fez rádio e TV em Minas, sempre nas horas vagas do seu tempo de professor e técnico educacional.

Wellington Almeida pág. 44

Mineiríssimo e doente torcedor do Atlético. Radicado em Brasília desde 1973, com moradas temporárias em Manaus, São Paulo e Nova York. Jornalista, mestre em relações internacionais e doutor em ciência política, reconhece a força do cinismo e da realpolitik no mundo e no Brasil. Mas, concedendo créditos a Kant e a outras utopias, nada contra a corrente, apostando em uma comunidade humana mais racional e generosa.

Mineiro de Uberaba e brasiliense de coração. Ilustrador, seus trabalhos estão quase sempre no âmbito governamental, utilizando aplicativos de código aberto como alternativa viável de produção.

Juliana Santana pág.46

Pedro Ernesto pág. 24

Goiano de Jataí, vive desde 2006 em Brasília, para onde veio estudar desenho industrial pela Universidade de Brasília. Apaixonado por Dostoievski, pela Rússia, pelos Jogos Olímpicos e pelo Império Serrano, trabalha principalmente com design gráfico e com projetos para crianças.

Rômulo Geraldino pág. 26

Freddy Charlson

pág. 42

Jornalista, historiador, maranhense, católico e flamenguista, não necessariamente nessa ordem. Latino-americano que tem um caso de amor com as letras, com as palavras, com o texto. Aliás, correspondido, na maioria das vezes.

Esta arquiteta brasiliense estudou no Rio e em Milão e hoje produz projetos de arquitetura residenciais, comerciais e corporativos. Na cidade maravilhosa, faz pós-graduação em Edifícios Sustentáveis. Adora trocar ideias sobre a relação do homem com a cidade. Acredita que projetos criativos nascem a partir de debates criativos.

Míriam Guimarães pág. 54

Nasceu em 1982 em Brasília e desenha desde criança. Formou-se em Desenho Industrial na UnB e trabalha como designer gráfica desde 2004. Tem grande interesse em projetos educacionais. Acredita que o design pode melhorar a vida das pessoas e levar a elas informação de qualidade.

E mais...

Kacio Vianna, ilustrador e chargista págs. 8 e 16 | José Tadeu Seixas, jornalista pág. 36 Priscila Praxedes, jornalista, pág. 49

Milena Galdino pág. 26

É jornalista. Mas esse diploma é quase nada (diria o STF). Ela na verdade corre o dia inteiro para ser, além de jornalista, mãe, dona de casa, amiga, esposa, voluntária e ainda ter as unhas feitas e a malhação em dia (sem levar multas de trânsito, por favor...). Nessa rotina eletrizante é que ouve – no supermercado, no spa ou no Congresso – os melhores papos de Brasília.


Carta dos editores

Viva o jornalismo fora de moda

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á muita discussão sobre os valores do jornalismo. Fala-se em imparcialidade, isenção, objetividade, compromisso com a verdade. Valores que, embora tão alardeados no dia a dia, não são encontrados em boa parte de nossa imprensa. Nós não acreditamos em imparcialidade e nos parece que, em seu nome, o que vemos hoje é muita apatia no jornalismo brasileiro. Mas acreditamos que é possível ser isento e objetivo: ter opinião e ter lado, mas não deixar que preconceitos, juízos formados e interesses nos impeçam de mostrar a verdade. Ou seja, não falsear os fatos, não omiti-los deliberadamente, não deturpar as falas. Isso é um real compromisso com a verdade. Na meiaum, não vamos ser imparciais. Vamos buscar a isenção e ser objetivos na observação e na reprodução dos fatos, mas seremos sempre

livres para tomar partido, ter opinião, questionar, interpretar, denunciar. Nós temos um lado: o do interesse público. Temos também um compromisso inarredável com a língua portuguesa, que tem sido tão maltratada em muitos veículos de nossa imprensa. Parece que o cuidado com as palavras saiu de moda, mas não para nós. Talvez estejamos mesmo fora de moda ao lançar uma revista. Dizem que os impressos estão morrendo, que as pessoas leem menos, que agora só há lugar para a internet. Não duvidamos de nada disso, mas ainda assim acreditamos que há lugar para revistas. Há gente que gosta de ler, que admira uma boa reportagem, bem apurada e bem escrita. Que não se contenta com textos curtinhos, superficiais e sem qualquer respeito pela língua portuguesa. Que quer mais: análises, reflexões,

informações de bastidores. Textos e imagens inteligentes. Somos uma revista de jornalistas, na acepção mais ampla do termo: dos profissionais de comunicação que se expressam publicando textos e imagens. Não temos vinculações políticas ou econômicas. Somos independentes e plurais. Respeitamos a diversidade de opiniões e acreditamos no direito de livre expressão. Os jornalistas que se expressam na meiaum têm total liberdade de manifestação, mesmo que não concordemos com suas opiniões. Exigimos, apenas, responsabilidade. Por isso, cada um de nós, equipe e colaboradores, assinamos o nosso trabalho. Quando dizemos que a meiaum é plural, não é um discurso, é um princípio. Anna Halley e Hélio Doyle

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(meiaum) é uma publicação mensal da Editora MEIAUM – www.meiaum.com.br Diretor Editorial: Hélio Doyle Diretora de Redação: Anna Halley Diretora de Produção: Danielly Alonso Editor de fotografia: Nilson Carvalho Projeto gráfico e diagramação: Carlos Drumond Revisão: BIANCA STUCKY Assistente de Produção: Cristine Santos Publicidade Sucesso Mídia Comunicações – (61) 3328-8046 – barroncas@sucessototal.com.br Impressão FCâmara Gráfica & Editora – CSG 9 Lote 3 Galpão 3, Taguatinga Sul Os textos assinados não expressam, necessariamente, a opinião da Editora Meiaum. | Contato: editora@meiaum.com.br

CAPA | Por Cícero Lopes

Diretores: Anna Halley, Danielly Alonso e Hélio Doyle SHIN CA 1 Lote A Sala 349 Deck Norte Shopping – Lago Norte | Brasília-DF | (61) 3468-1466 www.editorameiaum.com.br

Desenho finalizado em aquarela Jornalista ilustrador, começou a desenhar profissionalmente aos 12 anos. É editor de infografia do Jornal de Brasília e empresário.


Papos da cidade } ilustração Kacio Vianna

Um novo foco para menos desemprego em Brasília Em janeiro, o desemprego no Brasil caiu para 6,1%, a menor taxa desde 2003. Mas na capital federal continua variando de 12% a 14%, um contingente de cerca de 200 mil pessoas, sem contar o subemprego. A estratégia aplicada nas últimas décadas para gerar empregos no DF é ineficiente. A equação empregos públicos, construção civil e distribuição de lotes industriais não tem dado resultado. O Pró-DF está longe de atender à demanda de trabalho. Também não será com grandes indústrias que o problema será resolvido. O caminho correto tem duas vertentes: externamente, apoiar projetos de geração de emprego no Entorno. Internamente, apostar no turismo, na alta tecnologia e na produção de bens culturais. Brasília pode ser um hub para voos internacionais. Basta a Anac parar de se render ao lobby paulista e termos mais voos internacionais para cá. Teríamos mais turistas utilizando hotéis, restaurantes, táxis, shoppings, passeando pela Chapada dos Veadeiros e outros locais aprazíveis. Há que se pensar ainda em alternativas mais econômicas para o turismo de jovens. Na indústria, a matéria-prima deve ser a inteligência disponível. Investir em nanotecnologia, informática, biotecnologia, alternativas energéticas, novos conhecimentos. São áreas que remuneram bem, geram empregos sustentáveis e não demandam recursos naturais, como a água, já escassos no DF. A exemplo de outras grandes cidades do mundo, temos que apostar em cultura. Regras adequadas podem dinamizar o Polo – fantasma – de Cinema e atrair produções de fora. O parque gráfico é de qualidade, mas a produção editorial é incipiente. Museus, teatros e até cinemas são escassos. Falta ainda

o Museu do Homem Brasileiro, idealizado por Darcy Ribeiro. Brasília é uma cidade de ideias, de uma nova civilização, como sonhou Dom Bosco, mas nossas autoridades preferem soluções assistencialistas e eleitoreiras. Temos que ser criativos, ousados, propor o novo, definir políticas que ultrapassem governos e sejam capazes de responder aos anseios dos brasilienses. Chico Sant’Anna

Vamos esperar o 52o aniversário Brasília vai completar 51 anos sem muito entusiasmo. O governo do DF vai completar 100 dias sem também despertar entusiasmo. Na cidade, persistem velhos problemas. No governo, persistem velhos métodos. Há um sentimento de paralisia, inação. Os brasilienses estão ansiosos por ver superados tanto os velhos problemas da cidade quanto os velhos métodos de governar. Cobrar ou apresentar resultados em supostamente emblemáticos 100 dias de governo é uma bobagem inventada pela imprensa. Cem dias é pouco para mostrar realizações efetivas, como seriam 90, 98 ou 120 dias. Mas é tempo suficiente para o governo mostrar o que pretende e qual é sua fisionomia. Como Dilma Rousseff tem feito. O que foi mostrado até agora pelo GDF não é muito animador. Há realizações positivas e medidas que podem dar resultados no futuro. Mas menos do que se esperava, mesmo em curto tempo. A expectativa era que, depois de tantos escândalos políticos, corrupção e desatinos administrativos nos últimos anos, o governo mostrasse disposição firme de promover radicais mudanças políticas e administrativas. O governador, eleito com votação expressiva, teria total apoio dos brasilienses para tomar decisões corajosas que confrontassem as máfias políticas,


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empresariais, religiosas e corporativas que tanto mal fizeram – e ainda fazem – a Brasília. Mas a opção preferencial tem sido fazer concessões em nome de uma duvidosa governabilidade. Brasília não quer mais do mesmo. Já que prometeram, quer um novo caminho que seja realmente novo. Aí, os 52 anos serão bem comemorados. Hélio Doyle

Deus nos acuda Se Deus quiser, vou entregar meu trabalho no prazo. Se Deus quiser, não vou contrair dengue no próximo verão. Se Deus quiser, vou fumar um maço de cigarros por dia e não ter doenças graves por isso. Se Deus quiser, aquela obra feita nas coxas não vai desabar. Se Deus quiser, vamos superlotar o barco, encher a cara e não morrer afogados. Se Deus quiser, vou passar no vestibular. Se Deus quiser, minha casa na encosta não vai cair. Coitado de Deus. O Cara é responsável por tudo o que acontece por aí. Se alguém morre, é porque chegou a hora, porque Ele assim quis. Mesmo que a morte tenha sido causada por algum babaca alcoolizado no comando de um carro. Ou por uma tragédia que poderia ter sido evitada se houvesse o mínimo de leitos nos hospitais, se o paciente conseguisse atendimento a tempo. Outro dia mesmo fiquei pensando. Uma pessoa da minha família teve um problema grave de saúde, ficou internada por dois meses em um hospital com estrutura de alto nível. O médico particular não saía de perto dela. A família ia lá todo santo dia. Filhos e netos cumpriam a missão de enchê-la de carinho e de coragem. Numa madrugada, o coração dela quase parou. Quatro médicos despencaram-se para lá e fizeram de tudo para salvá-la. Conseguiram. No dia seguinte, a explicação era simples: Ela não se foi porque Deus não quis.

Não questiono aqui a fé em Deus, mas a falta de fé em nós mesmos, na nossa espécie, nas coisas terrenas. Uma das definições da palavra fé é confiança absoluta, outra é compromisso. Quantas vezes não levamos em conta o esforço sobre-humano do ser humano e tiramos dele qualquer crédito por algo que deu certo? Parece que temos dificuldade de assumir responsabilidades e de atribuí-las a nossos pares, para o bem ou para o mal. De aceitar que nossas ações e nosso modo de vida têm reflexos e é sacanagem colocar a culpa toda Nele. Afinal, há coisas de que somos capazes de que até Deus duvida. Anna Halley

A batalha já começou Quem viu a tímida bandeira colorida e listrada desfilar pela posse de deputados e senadores, em 1º de fevereiro, não poderia imaginar ser o aviso de uma batalha imediata. Mal esfriaram os ânimos mais exaltados da campanha presidencial e os direitos dos homossexuais voltaram à pauta, pelas mãos de dois padrinhos especiais: o ex-BBB Jean Wyllys, agora deputado pelo PSOL-RJ, e a sempre polêmica Marta Suplicy, nova senadora pelo PT de São Paulo. Em menos de três dias no Senado, Marta conseguiu as 27 assinaturas necessárias para desarquivar o PLC 122 – em resumo, o projeto que pretende criminalizar a homofobia e deixar em histeria os evangélicos. Entre os signatários estão figuras pouco associadas ao movimento gay, como o ex-governador e agora senador Blairo Maggi, o senador Renan Calheiros e a senadora Kátia Abreu, mais identificada com a bancada ruralista. Assinar não significa, nesse caso, apoiar a proposta. Houve quem pedisse à senadora discrição sobre a listagem, e quem se colocasse em cima do muro – o que permite antever a complexa tramitação da matéria.

“Não conheço ainda a proposta, assinei para fazer a discussão”, disse Maggi a jornalistas. Na outra ponta do Congresso, mas em ação coordenada, “o primeiro homossexual assumido sem homofobia internalizada e ligado ao movimento GLBT a se tornar deputado federal”, segundo a definição do próprio Wyllys, lançou a proposta do casamento civil gay. “Civil e não religioso”, o deputado frisa. A defesa do casamento o afasta do histórico da luta pela união estável e o aproxima de um segmento do movimento gay tocado por recentes vitórias no exterior – incluindo a vizinha Argentina. Diante dessa avalanche colorida, evangélicos e católicos não estão parados, apesar da reação ainda incipiente. Ao que tudo indica, as frentes em defesa da vida e da família terão que fazer um barulho semelhante ao que fizeram na corrida presidencial para se colocar em pé de igualdade com a curiosa dupla Marta-Wyllys. Ana Duarte

Adeus, minha doce sétima arte! Nunca pensei que falaria isso, mas no meu tempo as coisas eram bem diferentes. Relacionamentos? Celulares? Não! Estamos falando do programa de fim de semana mais comum e mais complicado na capital federal: o cinema. Hoje, as salas “shoppinianas” (de shopping mesmo) nos levam a verdadeiros dramas, tragédias e cenas de terror. E olha que não estamos falando da película em si, mas do ambiente. Tudo bem! Não sou obrigada a ir a shoppings. Mas conte comigo quantas salas decentes fora deles você conhece em Brasília? As da Academia de Tênis? Aquelas que pegaram fogo e onde os chamados amantes da sétima arte (leia-se eu) já enfrentaram batalhas com aranhas e pulgas, disputando espaço na poltrona. Cine Drive-In? Com filmes já


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fora de cartaz, onde você não sabe se presta atenção na tela ou nos carros ao lado? Ah! Claro! O Cine Brasília, palco de um dos maiores festivais de cinema do País. Parou! Quão frequentável aquele lugar ainda é? Qual o último filme a que você assistiu lá? Pois é! No Pier 21, onde teoricamente estariam “as melhores salas”, você não consegue ver um filme se chegar com 15 minutos de antecedência. As baladinhas locais roubaram as vagas de estacionamento disponíveis e a emoção de uma cena. Entre um surto e outro da Natalie Portman em Cisne Negro, a trilha sonora era o impregnante “foge, foge Mulher Maravilha”. O Iguatemi tem salas ótimas nem sempre lotadas – fugiremos aqui daquela cujo teto costuma cair. Mas pagar R$ 11 de estacionamento + R$ 13 do McDonald´s + R$ 20 do filme + R$ 15 do combo de refrigerante e pipoca – esqueçam os quilos a mais, pois não existe cinema sem pipoca –, sem acompanhante, todo fim de semana, é decretar falência múltipla de saldo bancário. Mais fácil ser uma cinéfila atrasada, esperar para comprar o DVD e fazer uma coleção de dar inveja a qualquer viciado em películas. Triste. Rafania Almeida

Em plena temporada de shows, temporais e tsunamis É pau, é pedra... é chuva! Muita chuva! Tantas águas de março que fecham o verão de Brasília que é melhor não brincar com elas, ou o resultado pode ser um show de atrações internacionais cancelado. A água que inundou o palco a céu aberto de Shakira, Train, Ziggy Marley e Fatboy Slim frustrou as expectativas de 12 mil pessoas, na noite de 17 de março. A cantora colombiana e a banda Train se apresentaram uma semana após, reduzindo o impacto de um evento organizado por quem não conhecia ou resolveu ignorar a

bipolaridade meteorológica da capital. O fato é que, tsunamis (ou trovoadas) à parte, a cidade se beneficia da baixa do dólar para viver o momento dos shows internacionais. Se retomarmos apenas o último ano e pensarmos um pouco no que vem pela frente, é fácil se lembrar de Guns N´ Roses, Franz Ferdinand, A-ha, Iron Maiden, Seal e Ozzy Osbourne. Com pouco mais de dificuldade, nos lembramos dos sobreviventes do pop juvenil das duas últimas décadas Backstreet Boys e Simple Minds. Ainda é preciso recordar um fim de semana atípico, em que desembarcaram duas atrações gringas nesta que Lucio Costa cunhou “síntese do Brasil” há 23 anos. Os ingleses do Simply Red e seu soul pop e o DJ novaiorquino Moby. Este, entusiasmado, disse que estava curioso para conhecer a cidade que parece a “meca para nerds da arquitetura”, algo como outro planeta. De síntese do Brasil a outro planeta, o que se pode dizer é que esse caldo de sons brasileiros, estrangeiros (e extraterrenos?) se transformou em inspiração para aqueles que vivenciam a cidade e provam de seus concertos. Prova disso? Dá uma olhada no site (de nome sugestivo) 061 Uha – www.061uha.com. É gente daqui que sintetiza sons do Brasil e do mundo – do americano Ted Falcon tocando chorinho brasileiro à ceilandense Ellen Oléria e seu groove americano. É gente daqui que produz vídeos para internet, de forma independente

Morillo Carvalho

Os trombones da era digital Nunca foi tão fácil botar a boca no trombone. Antes, era preciso mandar carta, ligar para o 0800, enviar fax ou enfrentar fila. Agora, exercer nosso direito de consumidor está muito mais fácil, cômodo e rápido, graças às

redes sociais, como Orkut, Twitter, Youtube e Facebook. Sempre fui consumidora participativa. Reclamo, exijo meus direitos. Já mandei fax para a embaixada reclamando de um hotel em Portugal. Liguei para a Vigilância Sanitária ao suspeitar de um restaurante. Escrevi carta para academia de ginástica. Fiz o gerente de uma pizzaria provar a calabresa para mostrar a ele que não era pepperoni. Agora, até consumidores que nunca buscaram seus direitos são ouvidos. Ao postarem um comentário no Facebook, por exemplo. As empresas precisam ficar atentas, pois um comentário ou um vídeo na internet pode tomar proporções enormes, ser visto ou lido por milhares de pessoas. É preciso estar preparado para identificar os usuários, responder às demandas prontamente e resolver as questões levantadas. Tudo muito rápido. Alessandra, de 30 anos, comprou 2 quilos de carne moída no Extra e os congelou. Cozinhou a carne dois dias depois e, ao comer, percebeu que estava estragada e reclamou no Twitter da empresa. Rapidamente, a assessora de comunicação respondeu à mensagem e telefonou. Dois dias depois, o gerente da loja também ligou e perguntou se ela precisava de ajuda com despesas médicas. No dia seguinte, o açougueiro do Extra buscou o restante da carne armazenada. “Ele me deu 2 quilos de carne moída, com ótimo aspecto, linda e cheirosa, e uma carne com bacon deliciosa como brinde”, conta. A gerente de Marketing Digital do Grupo Pão de Açúcar, Andrea Dietrich, explica que o grupo está onde o cliente está: “Atuamos fortemente nas redes sociais, que se tornaram mais um canal de interação com o cliente”. Se não fosse o Twitter, Alessandra diz que apenas deixaria de comprar no supermercado e ficaria com o prejuízo. Sandra Turcato


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Na internet, nem tudo é o que parece ser. Acompanhe as atividades dos seus filhos na internet. Sites de jogos, redes sociais e comunidades podem esconder adultos que usam falsos perfis para aliciar crianças e adolescentes para a pornografia ou a violência sexual. Fique atento. Relacionamentos virtuais podem levar a problemas reais. Denúncias online: www.disque100.gov.br

Disque

DISQUE DENÚNCIA NACIONAL DE ABUSO E EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES


Perfil

Do Morro do Pinto, do cais do porto e de Madureira aos salões diplomáticos e cabarés de Paris, as andanças deste sambista simpático que alegra as noites brasilenses com seu gingado esperto, faz as damas requebrarem e virou o Gene Kelly do Cerrado

Texto MOACYR DE OLIVEIRA FILHO Fotos NILSON CARVALHO


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Fã dos musicais da Metro, Elias adorava dança, mas nunca arriscou dar um passo de samba na Portela. Precisou ir a Paris para perder a inibição e deslizar pelas pistas.

e você, leitora, frequenta as rodas de samba do Bar do Calaf, do Arena ou do Feitiço Mineiro, é provável que já tenha gingado com ele por esses salões. E você, leitor, se vai a esses mesmos lugares, é quase certo que já tenha sentido uma pontinha de inveja e pensado: “Poxa, eu gostaria de dançar como esse velhinho”. O que vocês, talvez, não saibam é que esse senhor de 77 anos, elegantemente vestido, quase sempre de terno branco e chapéu-panamá, cabelos brancos, sorriso aberto e olhos ágeis e atentos, debaixo dos óculos com grossas lentes fundo de garrafa, não é exatamente um dançarino, nem uma figura folclórica, daquelas que povoam os bares da cidade. Na verdade, o Gene Kelly do Cerrado, como é chamado, é um personagem criado pelo assistente de chancelaria aposentado do Itamaraty Carlos Elias da Cruz. Você que já sassaricou com ele pelas pistas de dança pode não saber, mas fez par com um compositor consagrado e respeitado em todo o mundo do samba. Mineiro de Laranjal – pequena cidade da Zona da Mata, próxima de Miraí, onde nasceu Ataulfo Alves, e de Leopoldina, terra de Noca da Portela –, aos 3 anos mudou-se para o Rio de Janeiro. Foi morar na zona portuária, no Morro do Pinto, imortalizado no famoso samba de Zé Keti, Nega Dina. Cresceu entre bolas de gude, balões e pipas, cenário quase bucólico dos morros cariocas naquela época, tão diferente dos sombrios dias atuais. Carlos Elias fecha os olhos. Relembra os guindastes do cais do porto e das linhas de trem da Central do Brasil, vistos do alto do morro, e se emociona: – Jamais poderia imaginar que essas visões da minha infância iriam se incorporar para sempre à minha vida. Acabei trabalhando na Administração do Porto do Rio de Janeiro e viajei muito nos trens para ir até a Portela, em Madureira. O porto e a Portela chegaram quase juntos à vida de Carlos Elias. Sebastião Marques

Balbino, seu colega de trabalho no porto, era casado com uma irmã de Vilma Nascimento, porta-bandeira da Portela. Numa festa na casa de Balbino, conheceu Vilma e seu marido, Mazinho, filho de Natal da Portela, então presidente da azul e branco de Madureira. Ficaram amigos e, num belo dia de 1960, depois de participar de um baile de carnaval organizado por Elias na Associação Brasileira de Imprensa, Mazinho o convidou para ser diretor social e relações-públicas da Portela. No ano seguinte, ele e Balbino participaram do concurso para a escolha do samba-enredo da Portela para o carnaval de 1962, cujo enredo era Rugendas, Viagens Pitorescas através do Brasil, sobre o pintor alemão que viajou pelo País no século 19. Seu samba foi para a final numa disputa com o consagrado Zé Keti. Por decisão da diretoria, os dois sambas acabaram fundidos. E a Portela foi campeã com ele. Carlos Elias entrava com o pé direito na respeitada Ala dos Compositores da Portela. Entrava como campeão em sua primeira disputa de samba-enredo. A Portela tem também responsabilidade na construção do personagem dançarino que Carlos Elias encarna hoje nos bares. Foi como diretor do conjunto-show da escola, integrado por passistas, ritmistas e dançarinos de gafieira, que começou a prestar atenção nos passos exibidos com habilidade por Carlinhos Garcez, um dos integrantes. “Aqueles movimentos ficaram na minha cabeça. Eu queria dançar, mas tinha vergonha. Hoje, reproduzo esses movimentos e as damas adoram.” A paixão pela dança começou bem antes do seu envolvimento com o samba. Lá pelos idos de 1953/54, Carlos Elias gostava de assistir aos musicais da Metro. Era fã de Fred Astaire, Gene Kelly, Cyd Charisse. Ficava fascinado, mas não sabia dançar. “Um dia, no bonde, vi um anúncio que me chamou a atenção – Academia Moraes. Quantas oportunidades você já perdeu por não saber dançar? –, tomei coragem, me inscrevi e fiz 36 aulas.”


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samba, organizadas por músicos brasileiros em bares, boates e restaurantes. Foi numa dessas casas noturnas parisienses, Favela Chic, que Carlos Elias começou a se soltar e a dar os primeiros passos pelo salão. Animado, retomou as aulas de dança, incorporando a salsa ao seu repertório. “A partir daí, fui perdendo a inibição, misturando passos de salsa com o samba e criando coreografias que faço até hoje e as moças adoram”, vangloria-se. Antes de se popularizar como exímio dançarino, Elias fez coisas importantes para o samba e para a cultura em Brasília. Em 1976, fundou a Boate Camisa Listrada, de vida curta, porém muito animada, criou o Clube do Samba de Brasília, que funcionou no Teatro

Galpão até 1981, a Feira de Música de Brasília e se aproximou da campeoníssima Aruc, afilhada da Portela, da qual é integrante do Conselho de Administração. Essa popularidade, além de torná-lo uma figura conhecida na cidade, fez dele personagem do curta-metragem digital De bem com a Vida – Carlos Elias e o Samba em Brasília, de Leandro Borges, premiado no 43º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em novembro de 2010. Portanto, cara leitora, a partir de agora, quando você dançar com esse velhinho simpático, aproveite. Você está nos braços de um ícone do samba não só de Brasília, ) mas do Brasil. )

Elias precisou cruzar os mares para que a dança entrasse definitivamente na sua vida. Em 1974, o arrocho salarial imposto pelo regime militar provocara o corte de muitos benefícios e gratificações dos portuários, com redução salarial. Por sugestão de sua irmã, que trabalhava no Itamaraty, Carlos Elias conseguiu ser requisitado para o Ministério das Relações Exteriores e se mudou para Brasília, como assistente de chancelaria. Entre idas e vindas, ocupou vários postos no exterior – Buenos Aires, Marselha, Porto e Paris, onde morou por seis anos e encerrou a carreira diplomática. Em Paris, participou de festas e noites de


Artigo

Paraíso dos piratas

A Feira do Paraguai, a poucos quilômetros do Palácio do Planalto, visitada por milhares de brasilienses e turistas, é um centro de contrabando, pirataria e imigração clandestina

Texto DIEGO RECENA Ilustração Kacio


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magine a cena: em um gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto, no centro do poder brasileiro, a presidente da República despacha com o ministro da Justiça. A poucos quilômetros dali, no Setor de Indústria da cidade, uma senhora rica, de férias, compra um bolsa Victor Hugo sem a letra “c” na etiqueta. Ela não se importa por ser uma réplica. Acostumada a visitar os melhores shoppings do mundo, está no meio de um amontoado de barracas para comprar um artigo falsificado. Nesse caso, o produto foi fabricado na China, mesmo país de origem do vendedor da mercadoria. Exceto pelo diálogo entre Dilma Rousseff e o ministro – perfeitamente possível –, toda a cena aconteceu de verdade. Em Brasília, compras semelhantes a essa são feitas de terça-feira a domingo, há mais de dez anos, no mesmo endereço. Não à toa, a famosa Feira do Paraguai, reconhecida pelos eletroeletrônicos vendidos a preços populares, tornou-se também um dos maiores centros de contrabando do Distrito Federal. Os criminosos se aproveitam do ambiente desordenado, legalizado pelo poder público, para se camuflarem entre os comerciantes em situação regular. Nas contas da própria associação de feirantes, a feira chega a receber 30 mil pessoas em um dia, entre eles turistas, atraídos pela fama do local. É difícil combater um inimigo oculto entre mais de 2 mil lojas. Mas o consumo de pirataria, não. É um ato de escancarada ilegalidade. Comprar mercadoria falsificada precisa deixar de ser visto como uma maneira barata de satisfazer as necessidades de consumo. Não é. É um crime. Investigações da Polícia Federal revelam como essa teia criminosa age em Brasília. Atrás de uma prateleira com bolsas, roupas, óculos e relógios contrabandeados, existe uma rede internacional de tráfico de pessoas e trabalho escravo. Os produtos contrabandeados vêm para Brasília em ônibus comuns. Para escapar dos fiscais, os traficantes desembarcam no Entorno e depositam as mercadorias em apartamentos próximos da feira. As residências ficam abarrotadas de quinquilharias e de pessoas. Mesmo sem falar uma única palavra em português, os vendedores ambulantes – geralmente asiáticos – são obrigados a tomar as ruas da cidade como formiguinhas. São chantageados pelos chefões a venderem mais e mais, sem trégua. Muitas mulheres ficam grávidas e têm filhos no País para facilitar a permanência em território brasileiro. Aquela caneta luminosa comprada na última rodada de

cerveja no Beirute contribuiu para o tráfico subornar um feirante e alugar uma banca na feira. Na imensidão de lojinhas, os criminosos se sentem mais seguros para vender. A cada produto pirata vendido, a indústria nacional deixa de produzir, postos de trabalho formais são fechados e o Estado perde em arrecadação tributária. A fama da feira, construída em cima de uma prática de sonegação fiscal, potencializa os lucros dos contrabandistas. A venda em um ponto nobre e legalizado de Brasília é maior do que a do comércio formiguinha de bar em bar. No Paraguai de Brasília, o imigrante não precisa de visto, o contraventor se sente à vontade e o turista não tem uma cota limite para comprar. Somente na última megaoperação envolvendo as Polícias Federal, Civil e Rodoviária, além do Ministério da Justiça, foram apreendidos 40 mil produtos piratas e 120 quilos de roupas. Os agentes fecharam 30 bancas e prenderam os donos, todos chineses. A questão não é de nacionalidade, mas de combate ao crime. A feira também tem muitas lojas em nome de árabes e coreanos. Os fregueses são brasileiros, moradores de Brasília, principalmente, e visitantes. Nessa Babel, a Feira dos Importados só se transformou em centro do contrabando graças ao consumo e ao populismo dos governantes brasilienses. Não chegou a hora de começar a punir quem consome produto pirata? Até quando vamos continuar a levar nossos visitantes para comprar um relógio no nosso Paraguai? Por que os comerciantes honestos não ajudam a expurgar essa rede de tráfico? São muitas perguntas. Independentemente das respostas, não vale a pena se orgulhar desse paraíso dos piratas, contrabandeado de alguma terra sem lei.

Comprar produto falsificado não pode mais ser visto como um inocente ato consumista. É, sim, uma escancarada ilegalidade, que beneficia o crime organizado e precisa começar a ser punida. Por que os comerciantes honestos não ajudam a expurgar essa rede?


Capa


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Mais um

palácio Nova sede do TSE é suntuosa, luxuosa e desnecessária. Por ela, os brasileiros pagarão meio bilhão de reais

Texto Caroline vilhena Fotos NILSON CARVALHO

C

om meio bilhão de reais, muitas obras importantes podem ser feitas. Escolas, hospitais, postos de saúde, casas populares, estradas. Mas, em Brasília, R$ 458 milhões estão sendo gastos em uma obra totalmente desnecessária: a nova sede do Tribunal Superior Eleitoral. Uma construção faraônica com um prédio de oito andares e três cúpulas. São 115,5 mil metros quadrados, onde trabalharão apenas sete ministros, que se reúnem duas vezes por semana, e 776 funcionários. As críticas à obra geralmente se fundamentam nas muitas irregularidades constatadas pelo Ministério Público e no favorecimento a empreiteiras. Nada disso é novidade em obras públicas. Mas pouco se fala no que é mais óbvio: o TSE não precisa desse prédio. Muito menos de um prédio de quase meio bilhão de reais.


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445m2

é o tamanho do gabinete de cada ministro do TSE

A grandeza, o resplendor e a opulência desse e de outros palácios erguidos recentemente em Brasília, como o do Superior Tribunal de Justiça e o do Tribunal Superior do Trabalho, são uma afronta à sociedade de um país onde quase 20% da população ainda tem rendimento inferior a um salário mínimo e cerca de 40% dos lares não têm sequer abastecimento de água, rede de esgoto e coleta de lixo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O TSE terá uma sede luxuosa e mais do que espaçosa, enquanto o programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, sofreu cortes orçamentários de 40% – R$ 5,1 bilhões. Serão cerca de 200 mil casas a menos do previsto para este ano. É reduzida a oferta de moradias para a população de baixa renda, mas são construídos gabinetes de 445 metros quadrados para cada um dos ministros do tribunal. As comparações que confirmam o absurdo da obra podem ser inúmeras. Com R$ 550 milhões, vai ser construída em Foz do Iguaçu, no Paraná, a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Será um complexo de edifícios de 144 mil metros quadrados – com projeto de Oscar Niemeyer, assim como o do TSE. Ou seja: por quase os mesmos valor e área, será construída uma universidade para 10 mil alunos, 500 professores e 500 servidores. No Distrito Federal, a Lei Orçamentária destina à Secretaria de Educação apenas R$ 80 milhões para investimentos em obras. Destes, R$ 73 milhões deverão ser usados na construção de ginásios, quadras poliesportivas e de unidades da educação infantil. Os R$ 7 milhões restantes serão empregados na reforma e na construção de escolas. “São 45 escolas, algumas caindo aos pedaços, e os deputados aprovaram no máximo R$ 200 mil para obras que custariam, na verdade, de R$ 3 milhões a R$ 5 milhões cada uma”, afirma um funcionário da secretaria, que prefere não ser identificado. Na Secretaria de Saúde, a situação é ainda mais precária. De acordo com um dos quatro

projetos de lei que compõem o chamado Pacote da Saúde, a previsão orçamentária deste ano para obras na rede pública do Distrito Federal é de R$ 27 milhões. Esse valor é para a construção de 13 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), de um hospital materno-infantil em Ceilândia e de uma sala bariátrica no Hospital Universitário de Brasília (HUB). O palácio do TSE vai levar dos cofres públicos mais do que os R$ 425 milhões que o governo federal anunciou que liberaria, quando a região serrana do Rio de Janeiro foi arrasada pelas chuvas no último verão, para o Programa de Prevenção e Preparação para Desastres. O Programa de Resposta aos Desastres e Reconstrução, pelo qual são liberadas as verbas após a ocorrência das tragédias, destinou R$ 377 milhões para as 32 cidades do Rio afetadas pelas chuvas. Cerca de 30 mil pessoas ficaram desalojadas. Para obras em escolas, R$ 80 milhões. Para a rede de saúde, R$ 27 milhões. Para as vítimas de enchentes, R$ 377 milhões. Para um tribunal que, além de pequeno, tem suas atribuições questionadas, R$ 458 milhões. “É insultuoso para o País, o próprio Palácio do Planalto é um casebre perto do TSE”, revolta-se Frederico Flósculo, arquiteto, urbanista e professor da Universidade de Brasília (UnB). A construção da nova sede, diz ele, é mais uma obra apenas para deleite da burocracia, sem obedecer a qualquer ordem de prioridades. “É incoerente que a população do Distrito Federal não tenha lazer, educação e saúde, mas tenha de se acostumar a passar em frente a prédios de dimensões extraordinárias como esse.” Pouco trabalho O TSE é o que tem o menor número de ações entre os tribunais superiores. Em 2009, julgou 4.514 processos, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) foi entupido com mais de 103 mil. No mesmo período, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgaram 354 mil e 204,1 mil processos, respectivamente.


21 É um tribunal sazonal. Há muito trabalho durante três a quatro meses de dois em dois anos, quando há eleições. Fora desse período, há pouco trabalho e seus ministros reúnem-se apenas duas vezes por semana, à noite. Nenhum dos sete ministros do TSE dedica-se exclusivamente à Corte. Segundo a Constituição, três são ministros do STF, dois são ministros do STJ e dois são advogados militantes, escolhidos pelo presidente da República. Durante o dia, os ministros do STF e do STJ participam das sessões de julgamento e utilizam seus espaçosos e bem equipados gabinetes nesses tribunais. Os dois advogados-ministros, sempre profissionais bem-sucedidos, trabalham em seus escritórios luxuosos, quando não estão circulando entre os tribunais superiores, cuidando de suas causas. Cumprido o expediente, esses ministros comparecem ao Tribunal Superior Eleitoral. Às terças e às quintas-feiras, dias de sessões, os sete ministros chegam ao TSE pouco depois das 18 horas e saem logo que acabam os julgamentos. Com exceção do presidente, que tem de cuidar das questões administrativas, é raro ver lá um ministro fora desses horários. Cada um recebe um jetom, além dos vencimentos no STF e no STJ ou dos honorários advocatícios. Atualmente, o jetom é de R$ 801 por sessão. Como são oito sessões por mês, dá R$ 6.408 a mais no orçamento mensal. Um ministro do STJ que está no TSE chega a ganhar R$ 31.794 por mês. Muito espaço Apesar de não terem no TSE sua principal atividade, os ministros decidiram que precisam de mais espaço. Muito espaço. Resolveram construir o exuberante prédio ao lado das não menos luxuosas sedes do STJ e do TST, às margens da via L4, a Avenida das Nações. Foram erguidos oito andares – ressaltados por vidros temperados fumê – mais três cúpulas. O espaço total será de 115,5 mil metros quadrados, onde trabalharão os 776 funcionários. Só como comparação: o igualmente

suntuoso prédio do STJ, que tem 33 ministros e 2.104 funcionários, ocupa 146,5 mil metros quadrados e sua construção, em meados da década de 1990, provocou justíssimas críticas pelo excesso de espaço e de luxo. Cada um dos sete ministros em tempo parcial do TSE terá um gabinete de 445 metros quadrados. A sala exclusiva do magistrado terá 120 metros quadrados, espaço que poucos brasileiros têm para morar. No alto do prédio haverá um restaurante com vista para o Lago Paranoá e para a Ponte JK. Os magistrados serão protegidos por 23 pórticos com detectores de metais. Três prédios, em forma de cúpula, em frente ao bloco principal abrigarão três auditórios, com acesso por uma galeria subterrânea. Só o plenário para julgamentos terá 764 metros quadrados. O projeto arquitetônico, encomendado sem licitação a Oscar Niemeyer, custou R$ 5,9 milhões. O orçamento da obra, como de costume nas construções de prédios públicos – em especial de tribunais superiores –, já foi estourado. Era de R$ 89 milhões em 2007, quando o projeto foi anunciado. Ninguém garante que a obra vá custar mesmo R$ 458 milhões, pode ser ainda mais. O contrato original recebeu dois termos aditivos, evidência de falta de planejamento, que leva a mais despesas. O contrato de execução teve 14 termos aditivos e o de assistência técnica à fiscalização da obra já recebeu sete. Em 2008, os recursos previstos para a obra no Orçamento Geral da União aumentaram para R$ 120 milhões. Até novembro de 2010, haviam sido gastos mais de R$ 318 milhões, segundo o site do TSE. Em janeiro deste ano, as despesas já haviam passado dos R$ 360 milhões, de acordo com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). O custo total estimado até a conclusão da obra, prevista para o fim do ano, é cinco vezes maior que o original. O Tribunal de Contas da União (TCU) considera que o custo do metro quadrado deva ser de R$ 2,5 a 3 mil. Na nova sede do TSE, serão quase R$ 4 mil por metro quadrado.

764 m

2

será a área do plenário, que, fora do período de eleições, é usado duas vezes por semana


22 Só para mobiliar e equipar o prédio, o TSE gastará cerca de R$ 76,9 milhões. Mesas, cadeiras, poltronas e móveis para a biblioteca poderão custar mais de R$ 22 milhões. Com as medidas de segurança, geralmente excessivas e megalomaníacas, serão gastos cerca de R$ 6 milhões. As 312 peças de decoração para os sete gabinetes dos ministros custarão R$ 693 mil. Os valores constam dos pregões feitos pelo tribunal.

Para o professor da UnB Frederico Flósculo, é incoerente que a população do DF tenha de se acostumar a passar em frente a prédios de dimensões extraordinárias quando lhe faltam serviços básicos.

Tudo errado Em 2007, quando começou a construção da nova sede do TSE, o Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF/DF) apresentou ação civil pública pedindo a suspensão das obras e a nulidade dos processos licitatórios e dos contratos firmados pelo TSE para a construção da sede. Além dos indícios de superfaturamento e de outras graves irregularidades, o MPF/DF e o TCU avaliaram que a obra do novo edifício-sede do TSE “ofende os princípios constitucionais da economicidade, da moralidade e da finalidade da administração pública”, como diz o texto da ação. Os procuradores da República José Alfredo de Paula Silva, Raquel Branquinho Nascimento e Rômulo Moreira Conrado apontaram a existência de vícios nos processos licitatórios. Os editais teriam estabelecido restrições ao caráter competitivo da licitação, que resultaram no afastamento de diversas empresas e na contratação das empreiteiras OAS e Via Engenharia, restringindo o núme-

A sexta sede Desde que foi criado, em 1932, o TSE já teve três sedes no Rio de Janeiro e duas em Brasília. Nos primeiros anos da nova capital, funcionava em um andar na Esplanada dos Ministérios. Em 1971, mudou-se para o belo prédio que ocupa hoje na Praça dos Tribunais. Assim, o palácio na L4 será a sexta sede.

ro de concorrentes e dificultando a obtenção de propostas mais vantajosas. A ação também mostra a prática de sobrepreço, sendo a proposta vencedora onerosa à União. Sob o número 2007.34.00.036110-0, está desde 16 de fevereiro pronta para receber sentença da juíza da 6ª Vara Federal Ivani Silva da Luz. A essa altura, com a obra praticamente pronta e tanto dinheiro gasto, os efeitos da decisão serão limitados. Em abril de 2008, os mesmos procuradores abriram procedimento administrativo no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pedindo a apuração das irregularidades. A averiguação foi feita e as irregularidades confirmadas, o que resultou em um termo de ajustamento de conduta para que as anormalidades fossem sanadas. De acordo com a assessoria de imprensa do CNJ, a obra está sendo acompanhada desde então pela presidência do conselho, de forma a assegurar que a construção do prédio seja concluída dentro do acordo firmado. Esforço para se justificar De qualquer maneira, nem o MPF/DF, nem o TCU, nem o CNJ entram em um aspecto prosaico: a obra é desnecessária. Mesmo que o TSE precisasse de uma nova sede, não teria de ser tão grande e tão luxuosa. Não faltará, na nova sede, espaço para os 371,29 metros quadrados de armários e as 16 mil urnas eletrônicas que tomam parte dos 25.414 metros quadrados que o TSE ocupa hoje em sete edifícios. Esse é o argumento do


23 tigo do tribunal sofrem de minimalismo crônico”, adverte. Para ele, a necessidade mais urgente é de um novo plenário, que hoje tem capacidade para apenas 78 pessoas e passará a ter 238 lugares. Os argumentos a favor da obra são, no mínimo, inconsistentes. Em quantos julgamentos ou solenidades o TSE terá público de 238 pessoas? E tudo o que o tribunal faz poderia ser feito em um prédio menor e com menos luxo. Mamede Said Filho, advogado e professor da UnB, concorda com a falta de espaço, mas contesta as dimensões do novo prédio: “Os prédios da Praça dos Tribunais se tornaram obsoletos com o passar do tempo, acho necessária a construção de um novo espaço, mas um edifício portentoso como esse demonstra uma visão megalomaníaca, em que verdadeiros palácios são construídos em detrimento da preocupação com o gasto público”. A carência de espaço no prédio atual não justifica o desbunde da nova sede. Para Said, essas obras pecam pelo exagero. “São prédios suntuosos, caros e distantes da realidade brasileira.” O arquiteto e urbanista Frederico Flósculo afirma que é claramente um caso de superdimensionamento de um tribunal que não existe em outros países e cuja necessidade é questionada. “A primeira coisa estranha é: que ênfase é essa? Por que fazer um megapalácio, talvez o maior de Brasília, para uma justiça que ainda está se consolidando, como é o caso da Justiça Eleitoral?”, questiona. Aí vem outro Em nenhum país o órgão que cuida das eleições ocupa tanto espaço ou tem um prédio tão luxuoso quanto o Tribunal Superior Eleitoral. Mas, em breve, essa história ficará no passado, como ficaram as escandalosas construções das sedes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho. O Superior Tribunal Militar, que ocupa um prédio de 13 andares na Praça dos Tribunais, já anunciou que também vai construir sede nova. Não ) quer, claro, ficar para trás. )

secretário de Administração do tribunal, Anderson Corrêa, para justificar a construção do palácio: “A maior deficiência é o espaço para processos, urnas e pessoal, no prédio novo não vamos ter esse problema”. Certamente, não. Mas não é preciso gastar quase meio bilhão de reais para guardar processos e urnas. Corrêa tenta, diligentemente, dar uma justificativa para os gabinetes luxuosamente decorados que os ministros quase não usarão. “As sessões plenárias ocorrem pelo menos duas vezes por semana, mas tem ministro que vem aqui todo dia, dependendo da quantidade de processos para despachar”, diz. A defesa segue por aí. Em ano não eleitoral, justifica a assessoria de imprensa do tribunal, o órgão tradicionalmente intensifica as atividades de capacitação de servidores, além de iniciar o planejamento das eleições imediatamente após o término do pleito anterior. Segundo a assessoria, o planejamento das eleições de 2012 já foi iniciado e, além disso, as sessões de julgamento prosseguem normalmente, assim como os trabalhos administrativos comuns a todos os órgãos públicos. Neste ano, também haverá licitação para a renovação de urnas eletrônicas. O presidente do tribunal, ministro Ricardo Lewandowski, lava as mãos ao comentar a obra: “Nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, coube-me, após assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, terminar a obra iniciada por meus antecessores e que certamente se revelará útil para os trabalhos da Justiça Eleitoral”. Nada mais. O empreendimento tem seus defensores externos. Para o advogado Radam Nakai, é equivocada a ideia de que a Justiça Eleitoral funciona só em época de pleito. Ele destaca que são mais de 5 mil municípios movimentando processos eleitorais, que têm de tramitar até a terceira instância, “O ano de 2009 foi o que mais teve cassações, foram oito ou nove governadores cassados, e não era ano eleitoral”, diz. Outro advogado, Luís Carlos Alcoforado, concorda com a necessidade de uma nova sede. “Algumas dependências do prédio an-

R$ 76,9 milhões

é o custo só para mobiliar e equipar o novo palácio


Artigo

Anonimato à brasileira A guerra suja na comunicação. Nada de silêncios, sim. Mas associar democracia a barulho não é boa ideia. Ao silêncio, a alternativa é a democracia-música. Nem silêncio, nem barulho

Texto Alberto Francisco do Carmo Ilustração pedro ernesto


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U

m chavão não é uma boa maneira de começar um artigo, a não ser que ele seja gritantemente adequado. Parece-nos o caso, ao entrarmos na areia movediça dos limites da liberdade de expressão. Sim, limites. Ilimitado, só Deus. Refiro-me a “Liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome!”. Assim disse Madame Roland, instantes antes de ser guilhotinada, a mando de uma facção radical de um movimento cujo lema era “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Sem comentários. Uma das coisas mais impressionantes sobre expressar-se livre e decentemente está num documentário da BBC que trata dos 20 anos da Revolução dos Cravos. Um militar luso, já a encanecer, declara que uma das coisas mais trabalhosas no pós-revolução foi ensinar aos cidadãos como se manifestar depois de anos e anos de autoritarismo. A princípio continuou o medo de falar. Convencidos do contrário, foi o estágio de falar tudo que lhes vinha à cabeça, xingando, disputando quem devia falar ou não. Daí o trabalho de ensinar a ser minimamente elegante, respeitar o orador, elaborar críticas construtivas, etc. Não sabemos se os “capitães de abril” tiveram êxito total, ou se simplesmente não o tiveram. Mas tentaram. O mesmo não se pode dizer do Brasil, antes, durante e depois das ditaduras ou períodos autoritários. Um indício de atavismo cultural, quem sabe, nos remete a Portugal, de novo. Teófilo Braga registra o modo luso de “criticar” políticos “d’antanho”. Em lugar de criticar abertamente, dizer o que de fato está errado na conduta daqueles, resvala-se para a murmuração quanto a fraquezas pessoais: adultério, vícios, etc. Da improbidade em si, nada. Em suma: fofocas. De quebra, apologia da violência e preconceitos, em pasquins da época. Pasquim (Houaiss): “texto satírico (calunioso) colado em local público; pasquinada”. Exemplos de pasquins lusos: “Bom Rey teemos/ Boa Reyna e bons infantes/ Mas o Governo/ Peor que dantes.” (1641) “Olha a Condessa da Ega/ que anda a cavalo num cão/ Pedindo ao ladrão Junot/ que lhe dê a sua mão.” (Sobre “caso” do marechal Junot, invasor de Portugal, com uma condessa casada.) “Para os franceses – pólvora/ para os de dentro – corda/ para os estrangeiros – fora.” (Máxima dos partidários de Dom Miguel, irmão de Dom Pedro I.) Como se vê, não há muita diferença na distância secular que os separa entre os “modi essendi, faciendi et operandi” dos pasquins portugueses de séculos atrás e a ação de

muitas pessoas na mídia brasileira atual, especialmente nos traços mais importantes: destrutividade e anonimato. O anonimato, entretanto, revela a pusilanimidade implícita. Ou a covardia, idem. Claro, as matérias seriam regidas pelo código de ética do jornalismo. Entretanto, observa-se: os comentários de leitores não estão sujeitos ao referido código. Publica-se TUDO, embora um aviso num jornal registre: comentários impróprios serão “despublicados”. Que verbo é esse, sabe-se lá! Nada é ou foi retirado, próprio ou impróprio. Em todo o governo Lula – e antes – tais espaços foram dominados por um id primitivo, sem superego e ego, este o moderador entre os dois primeiros, vide Psicologia. Ajunte-se a absoluta ignorância geral, inclusive de editores, do Art.331 do Código Penal e de toda uma legislação sobre calúnia, difamação e, sobretudo, acusação sem provas. O suposto alcoolismo do ex-presidente, considerações abusivas sobre supostas condutas da atual presidenta. Nem seu neto, recém-nascido, escapou: “cobra cuida de cobrinha”, sentenciou um leitor, sobre foto de Dilma embalando o menino. A internet também virou vetor de pasquins. Destaque para um, baseado na “profetisa” Neila Alckmin, torcendo para que Dilma tivesse recidiva do câncer. Ou que se envolvera no sequestro do embaixador Elbrick. Não poderia pôr os pés nos EUA, se eleita. Num jornal eletrônico: Sérgio Cabral estava bebendo cerveja com os narcotraficantes e as ações no Morro do Alemão eram de fachada. Variações sobre “bandido bom é bandido morto” e até a ideia de metralhar as favelas com um helicóptero Apache. Lamentável. Liberdade de expressão não é liberdade de agressão. Se ajuntarmos a frase “prefiro o barulho da democracia ao silêncio das ditaduras”, mais nos preocupamos. Nada de silêncios, sim. Mas associar democracia a barulho não é boa ideia. Ao silêncio, a alternativa é a democracia-música: tempos lentos ou rápidos; compassos variados; tonalidades, idem, mas sempre música. Nem silêncio, nem barulho. Tal música propiciaria melhor ambiente. Sem o “isolamento acústico” de alguma regulação de mídia.

“É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (Const.Federal.Tit .II.Cap.I,Art.5º- IV)


crônica

Do manual à realidade

Clube das grávidas

Algumas verdades e muitas mentiras sobre maternidade. E dicas que foram direto para o lixo

Texto milena Galdino Ilustração Rômulo Geraldino

Aos poucos os carros foram parando pelo estacionamento mal iluminado e mulheres, algumas delas enormes, saíam apressadas. Chovia um pouco, alguns dos últimos pingos que a grama verde do Lago Sul veria naquele semestre. Até a próxima temporada de chuvas, provavelmente muitas daquelas mulheres já teriam se multiplicado, gerando uma prole abastada, ultracuidada e, quiçá, muito mimada. Na loja onde o encontro foi combinado, tecidos rosa, azuis, xadrez, cáqui formavam lindos kits de berços, almofadas, abajures com preços salgados. As futuras mamães deslizavam as mãos pelos laços de fitas e pelas bonecas de pano desejando cada pote de algodão e cada trocador com pesponto perfeito. No fundo, no fundo, elas queriam mesmo é que o tortuoso caminho dos nove

meses – que na verdade são dez – chegasse logo ao fim. Algumas se queixavam de dores nas costas, outras, do aperto nas costelas. As que já estavam nos últimos dias antes do parto colocavam os pés calçados com rasteirinhas de strass para cima em qualquer banco que vissem. – E aí, fulana, já escolheu o nome? – Estou entre Noah, Enzo e Téo – respondeu a outra. O que houve com Marcelo, Rodrigo, Carolina e Daniela? – pensei. – Menina, você sabia que fulana está fazendo translactação? Está feliz da vida – contou a mais alta para as colegas da roda, que, naquele refúgio livre dos obstetras e de suas cruéis balanças, deliciavam-se com a torta de chocolate trazida pela dona da loja. – Translactação? É preguiço-

sa, devia ter tentado mais o peito – sentenciou uma aluna assídua do programa de gestante da academia que promovia o encontro. [NR: translactação é um complicadíssimo método em que a mãe precisa ter quatro mãos para conseguir (1) segurar o bebê, (2) amamentar ao mesmo tempo em que o incauto bebê suga o peito, mas na verdade puxa por uma finíssima sonda (terceira mão) a velha fórmula leite em pó + água (que ficaria numa mamadeira escondida na quarta mão). Preguiça não tem nada a ver com isso!] Uma atenta espectadora entrou na conversa: – O pior é que ele nem vai mais gostar do leite dela agora que experimentou a fórmula pronta – previu. Lembrei na hora de uma amiga que, ainda com os hormônios alterados pelo parto, disse que


27 grávidas da internet, contou que se amontoaram no banheiro da casa o obstetra, a doula, o marido, a mãe e o filho mais velho. Quase não houve espaço para a criança sair.] – E se você precisar de uma UTI? Perguntou uma jovenzinha sem barriga ainda, que mal sabia o mundo em que estava entrando, de mulheres à beira de um ataque de nervos, de gente que não suporta ouvir falar em leite em pó ou corte na barriga. Naturalmente, os olhares de toda a loja se voltaram para ela, e a pobre moça foi salva pelo gongo: – Vamos começar, meninas – chamou a enfermeira, muito renomada em Brasília nessa área de recém-nascidos, que cobra uns 200 contos pela consultoria domiciliar (ela vai à casa das mais desesperadas ver por que o bebê não mama direito e supostamente ensina a mãe a amamentar). Descemos (algumas aos trancos e barrancos) até o subsolo. No salão, havia uma banheira com água e várias bonecas peladas. Xampu daqui, fralda dali, depois de uma hora de curso eu virei especialista em banhos de bebês. Depois, cheguei a ensinar o futuro pai, mas adverti logo: se a criança se mexer durante o banho, aí eu não sei o que fazer. Isso realmente não estava previsto no manual de bebês que eu montava. Sim, eu anotava todas as dicas que davam – desde a minha avó até a psicóloga que me acompanhava no pré-natal. Terminada a tal aula de banho, saí com a alma leve, anestesiada. Lembrei-me da infância, de quando eu descia a prumada do bloco de alguma colega na Asa Norte para encontrar minha mãe, depois de horas brincando de Barbie-banho. Quase dois anos desde o curso se passaram, e eu continuo brincando em volta da banheira. Lá dentro, o meu bonequinho – nascido de cesárea e barrigudo de tanto leite em pó – bate as pequenas e ágeis mãos na água e faz muita bagunça entre espuma e bolas de sabão. O manual da grávida? Ah, este deve estar ganhando poeira em algum canto ) esquecido da casa... )

gostaria de matar a modelo das propagandas do Ministério da Saúde que finge amamentar com os cabelos escovados, roupão atoalhado branquíssimo, batom nos lábios e um lindo bebê mamando enquanto dorme. Algum tempo depois eu confirmaria que amamentar seja talvez a tarefa mais difícil que Deus delegou ao ser humano. Na minha inocência, eu achava que nada poderia ser mais difícil que o parto. Aliás, ele sempre aparecia como tema principal desses convescotes. – E você, vai tentar o normal? Quis me esconder atrás da estante lotada de bichos de pelúcia – que, aliás, dão uma alergia danada aos recém-nascidos. Estava ainda nos quatro meses de gestação, mas pelas conversas anteriores nesse mesmo tipo de evento eu sabia que esse terreno era pantanoso. Todas aquelas mulheres sairiam das maternidades com um belo corte acima da região pubiana, mas nenhuma admitiria isso até a hora H (e depois contariam para as amigas que não tiveram abertura – ou, cá para nós, coragem). Não quis provocar os ânimos antes do início do evento que nos esperava: um curso sobre como dar banhos em bebês. – Parto normal, claro! Menti. E menti descaradamente. Menti feio. Lembrei-me do meu obstetra, que certa vez disse: “Um parto que demora quatro horas pode ser chamado de tudo, menos de normal”. Graças a Deus ele é (no linguajar próprio desse mundo grávido) um “cesarista”. Caí nas mãos certas. Minha resposta abriu a brecha para a grávida mais bicho-grilo de todas ostentar: - Eu vou além do normal. Vou ter meu filho em casa, com uma doula e de cócoras. Uauuuuuuuu... Ela quase foi aclamada pelo grupo a presidente de todas as grávidas do Brasil. Mas que raios é uma doula? Pensei. [NR: Doula é uma enfermeira que humaniza o parto – porque, claro, um parto não tem nada, nada, nada de humano. E, de fato, dias depois ela teve mesmo o bebê como previa, no chuveiro de casa. Num depoimento ao grupo de


Cidades


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Bom, bonito e pertinho

O Varjão é logo ali, espremido entre o Lago Norte e o Taquari. Basta atravessar a pista ou descer o morro para chegar a este lugar bem especial

Texto Rafania Almeida Fotos NILSON CARVALHO

É

cidade ou é favela? É cidade. Tem uns 10 ou 11 mil moradores – ou algo perto disso, uma vez que o Censo raramente encontra gente em casa, ou não considera os parentes e agregados que aparecem de repente. Tem água, luz, esgoto, endereço e até administração própria. É favela. Um monte de barracos amontoados, um povo pobre que convive com a criminalidade, tudo desordenado, irregular. E agora? O que é o Varjão? Para quem tem preconceito, sempre será uma favela, reduto de empregadas, jardineiros, vigilantes. Para quem está lá dentro, é uma área pobre, mas nobre. Perto de tudo, mais parecida com uma cidade do interior, onde todo mundo se conhece e quase todo mundo gosta de viver. Para quem resolve dar uma chance, o Varjão pode ser uma boa surpresa. E num lugar muito bonito.


30 Primeiro, um exercício de imaginação. Crianças correndo livres pela rua, jogando futebol, pedalando suas bicicletas e gastando aqueles centavos, perdidos no sofá, na primeira venda de doces que encontram. “Quero seis balinhas, quatro chicletes e dois pirulitos”, pede uma menininha de 4 anos, no mercadinho atrás da avenida principal, na riqueza de seus cinquenta

mites do Plano Piloto, não é periferia. Gente pobre que vive ao lado do rico Lago Norte, basta atravessar uma rodovia. O Varjão é vizinho do pomposo Shopping Iguatemi. Pertinho da Asa Norte e da Granja do Torto, residência do presidente da República. E bem embaixo de um condomínio de luxo, o Taquari, que fica no alto do morro por onde passa a estrada para Sobradinho e Planaltina.

rego do Torto. Em 1964, trouxe a baianada toda e ergueu pelo menos sete barracos pra abrigar a parentada. Ela e o marido trabalhavam no Lago Norte, porém Rafael estava “cansado de ser mandado”. Queria um negócio próprio e montou uma vendinha. Mas quem disse que vender a parente deu certo? O jeito era arrumar freguês. Como? “Ah! Ele saiu ca-

centavos. Pelo menos uns 300 vira-latas passeiam nas calçadas, revirando lixo, observando a paisagem. Um ou outro comerciante senta à porta de sua loja para colocar a conversa em dia com o vizinho. Quer saber onde alguém mora? Não importa o endereço. É só falar o nome ou de quem a pessoa é parente. Provavelmente será virando à esquerda ou à direita depois de um prédio colorido, da serralheria, do salão, do restaurante... Fique tranquilo. Você vai encontrar. Perdeu-se? Está longe de Brasília? Que nada! Esse “universo paralelo” fica logo ali, pela Asa Norte do avião chamado Plano Piloto. É uma exceção no Distrito Federal. Uma vila que surgiu de uma invasão, com cara de cidade-satélite, incrustada em uma das áreas mais ricas do território. Está nos li-

Quando tudo começou Varjão é o reduto de quem sonhava em sair do aluguel, buscava uma oportunidade na projetada capital, trabalhava nas chácaras da região e decidiu por conta própria que ali era seu lugar. Pelo menos é o que conta dona Anita Francisca da Silva, baiana sorridente de 64 anos, mais conhecida como a pioneira do Varjão. O irmão de Anita, que trabalhava como caseiro na chácara de um deputado barbudo de nome desconhecido até mesmo pelos funcionários, chamou o cunhado Rafael Gregório da Silva para ajudá-lo no serviço. Enquanto isso, lá detrás do morro, nascia uma tal de Brasília. Anita morava a uns 80 quilômetros dali, em Formosa, Goiás. Entre essas idas e vindas, o marido Rafael cansou e resolveu que poderia morar pertinho da chácara e do Cór-

tando gente de tudo o que era invasão no DF e trazendo para o nosso terreno. Levantou os barracos e arrumou os clientes de que precisava, gente que morava aqui e trabalhava no que ia surgindo na capital”, conta a pioneira. Foram 15 anos para chegar luz à cidade e mais de 20 para a construção da primeira caixa d’água. Em 1989, o Varjão do Torto já contava com cerca de 3 mil moradores. Aí a história é a mesma que ainda vemos nos jornais locais. Governo derruba barraco, morador levanta de novo, outra vez e mais outra. A comunidade descobriu que sua força era mesmo – e é até hoje – a mulherada. Elas colocavam os homens para fora de casa e entravam na frente dos tratores com criança e tudo, até que o governo desistisse de botar suas moradias no chão. Segundo a administração regio-


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Não é cidade-satélite nem periferia. É terra de gente pobre, vizinha do rico Lago Norte, do sofisticado Shopping Iguatemi e da Granja do Torto.

O primeiro preconceito “Lago Norte? Nada. Era só a QI 2. Inclusive, ofereceram terreno para meu marido na época. Baratinho de um jeito que ninguém acredita. Convertendo não dava uns R$ 1,2 mil. Demos bobeira. Jurava que aquilo ali não ia dar em nada. Tinha nossa terra aqui, bonita, com água limpinha minando. Tudo lindo. Num ia para aquele fim de mundo de jeito nenhum.” Dona Anita, em meio a uma crise de riso


32 nal, a cidade tem atualmente população de 3.830 adultos, sendo 51,7% mulheres. Um negócio bem lucrativo Essa coisa de invasão deu lucro. Hoje esse terreninho cheio de barracos, onde o asfalto ainda é mais de pedestre do que de carro e briga por passagem entre as moradias, tem um dos metros quadrados mais caros da capital. O dono do Quiosque de Conveniências, logo na entrada do Varjão, não quer sair da cidade de jeito nenhum, mas pretende vender o terreno, que ele calcula ter 120 metros quadrados. O barraco de Dario dos Reis Oliveira, o seu Dario, que chegou em 1988, após 20 anos acorrentado ao aluguel, não tem nada de alvenaria. Está avaliado em R$ 260 mil. Maravilha. A bagatela de R$ 2.166 o metro quadrado pela área em frente à estrada, que ainda não tem um posto de gasolina – fica a dica para os investidores. A média do metro quadrado de um terreno no Lago Norte é R$ 1,7 mil, nos limpos sem construção, e R$ 4,5 mil para verdadeiras mansões. Na década de 1980, com a chegada da família de dona Angelina Queiróz, de Alto Paraíso de Goiás, as lutas sociais pela comunidade ganharam força. Foram criadas associações e organizações de moradores e a famosa creche da Tia Angelina, que hoje abriga 200 crianças e tem uma lista de espera com mais 200. Falecida em 1996, dona Angelina deixou um legado para a família. A filha Nair Queiróz Pessoa, que se mudou para o Varjão quando ainda era criança, lamenta que os pioneiros estejam debandando da cidade com a descoberta do pote de ouro em que podem transformar seus lotes. “A maioria da população é nordestina e não veio para cá de mãos abanando. Eles têm seus sítios lá no interior da Bahia, do Piauí”, lamenta Nair. “Vendem e voltam para sua terra natal. É triste porque a cidade vai perdendo suas raízes, sua história.” Corre à boca pequena na cidade que existem lotes de 160 metros quadrados,

na avenida principal, próximos à DF-005, que chegam a custar R$ 600 mil. Dona Anita afirma que três moradores do Lago Norte já compraram imóveis ao lado do prédio onde mora, na avenida principal, para investir. Ela não vende e jura que nem por uma oferta tentadora. Moradora do reduto da classe média brasiliense em ascensão – Águas Claras –, a diretora de Serviços da Administração Regional do Varjão, Andréa Otílio Pinheiro, prevê o futuro da cidade: “Isso aqui não tem mais para onde crescer. É morro e mina cercando o Varjão inteiro. Sabe o que vai acontecer? A cara do lugar vai mudar. Vai deixar de ter o aspecto que tem hoje para virar área de investimento. Não está barato morar aqui, não. Quem não tem dinheiro vai acabar cedendo à especulação imobiliária, vai sair daqui e dar espaço para uma nova cidade, mais evoluída”. Gente boa e trabalhadora A riqueza do Varjão mesmo está na mão de obra. Gente disposta a trabalhar é o que não falta. Manicure, pedicure, cabeleireira, serralheiro, cozinheira, jardineiro e por aí vai. O desemprego não chega a 30%. Segundo a administração, os homens ainda são os chefes de família, mas as mulheres varjonenses, como se autodenominam, dizem que não. “Ele também coloca dinheiro em casa, mas quem manda aqui sou eu”, rebate Ivonete Gonçalves da Silva, de 34 anos. “Os homens vira e mexe ficam desempregados, as mulheres trabalham no que aparece ou inventam emprego”, explica. Diferentemente da maioria de trabalhadores do Varjão, empregada no Lago Norte – 68,5%, segundo a administração –, Ivonete trabalha em um supermercado no Sudoeste. No segundo casamento, é mãe de cinco filhos naturais e de dois adotivos não oficiais – história longa que se resume em duas adolescentes filhas de parentes e amigos que ela decidiu criar porque, com ela ali, ninguém fica sem família. Homem não tem vez com ela. Deu mole,


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Seu Dario colocou a melhor camisa para sair na revista e fez questĂŁo de exibir os diplomas de senador e de deputado por um dia. Morador do VarjĂŁo desde 1988, estĂĄ vendendo o barraco por R$ 260 mil.


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manda embora mesmo. “Se encher a minha paciência, não fica. Dos meus filhos eu dou conta de cuidar.” Brava, não é? Assim é a maioria das mulheres do Varjão, cujas famílias são compostas principalmente por avós, mães, tias e filhas. “Elas casam e separam muito facilmente, as meninas são criadas por mães solteiras, divorciadas ou viúvas e aprendem a ser as donas do lar também”, diz Andréa, que convive diariamente com essas histórias. Voltando ao foco, no Varjão se encontra todo tipo de mão de obra. É pertinho do Lago Norte, então o patrão paga menos em passagem do que se contratasse alguém do Gama, de Valparaíso, de Ceilândia. Para quem não sabe, não há ônibus desses lugares direto para o Lago Norte. Vai no máximo até a Rodoviária e de lá, sim, para o bairro nobre. São quatro passagens por dia, 20 por semana e 80 por mês. Agora é

só calcular o valor dos bilhetes. Além disso, é fácil chegar lá e arrumar alguém para trabalhar. Sempre surge algum “carrão importado” procurando mão de obra. Também aparecem clientes. Que o digam Mari e Bia, as irmãs de 29 e 37 anos donas do salão Mari Fashion, o mais famoso da cidade. As mineiras vieram para Brasília por motivos de saúde, como muitos que decidiram morar aqui. A mãe tinha câncer e só conseguiu tratamento na capital. Mari Luiza Cruz morava no Rio de Janeiro com a madrinha. Por isso o sotaque “mineirioca”. Maria Florinda da Cruz dos Santos, a Bia, já está no Varjão há 15 anos e acolheu Bia há oito, depois da morte da mãe, em 2002. Hoje, as duas são procuradas especialmente pelas “madames de Brasília” para fazer unhas, sobrancelhas e colocar aplique no cabelo. “Propaganda aqui funciona no boca a boca”, conta

Bia. “A empregada chega lá com o cabelo mais bonito que o da patroa, que, curiosa, pergunta onde o serviço é feito. Assim, vem pra cá, descobre que é barato e espalha para as amigas.” Quem não quer pagar metade do preço que pagaria em um salão chique em uma área nobre e ter um serviço tão bom quanto ou “até melhor”, como garante Bia? “Se estiver insatisfeita com sua sobrancelha, vem aqui que eu conserto mesmo, garanto”, insiste Mari, mais conhecida como a Beyoncé do Varjão. Mari levou apenas dez minutos para ficar “gatinha” para a foto, depois de soltar os cabelos e fazer uma maquiagem caprichada de dar inveja em qualquer atriz capa da revista Nova. Ela até prometeu para a repórter uma maquiagem igual à da Beyoncé. Outro exemplo do “bom, bonito, pertinho, gostoso e barato” são os quitutes da dona Maria. Já comeu um pão de queijo que não seja de vento e custe apenas 25 centavos? Pois dona Maria Araújo dos Reis, de 60 anos, moradora do Varjão há 13, faz. Só o fermento que ela usa para os biscoitos custa R$ 68. Ou seja, coisa de qualida-


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de, como ela mesma afirma. A prova é que gente de todas as partes, especialmente de Sobradinho e do Lago Norte, aparece lá para comprar aos montes. “Difícil é agradar ao povo daqui”, reclama. E revela o segredo do precinho do bolo de cenoura por 60 centavos, biscoito por 25, rosquinha por 30: “Eles acham tudo caro e perguntam se é coberto de ouro. Se fosse lá fora, venderia mais caro, mas aqui dentro é impossível”. Aprenda, reclame e pechinche também onde mora. No caso de dona Maria, ela está se cansando das reclamações de preço e pretende se mudar do Varjão. Corra e encha seus armários. A lojinha fica na quadra 6, conjunto D, casa 7. Lotadas mesmo são as serralherias. E elas dificilmente servem ao próprio Varjão. Fazem portões e janelas para Lago Norte, Lago Sul, Asa Norte e Asa Sul, Cru-

zeiro e DF a fora. Claro! O boca a boca de sempre. Diarista conta para a patroa que o marido faz portão bem, a patroa conta para o marido, que espalha na empresa, e assim segue. Esse não é tão mais barato. Segue a média dos padrões de outras serralherias. Mas como lá no Varjão é uma ao lado da outra, fica mais fácil conseguir um desconto. E têm a vantagem de trabalhar até no domingo. Óbvio. É quando a clientela tem tempo. José Adilson Sousa Araújo, de 35 anos, mora em Planaltina e trabalha no Varjão. “Falta mão de obra. Todo mundo aqui dispensa serviço porque tem muito para fazer e pouca gente para trabalhar.” Atenção, desempregados! Aproveitem os cursos de serralheria. O Varjão tem oportunidades. José ganha R$ 1,3 mil por mês e divide o serviço com o patrão, outro serralheiro e mais um ajudante.

Cuidado! Como em qualquer favela, ou em qualquer cidade, é preciso tomar cuidado com a criminalidade no Varjão. Mas fique tranquilo. Passamos cinco dias lá e em vez de ter equipamento roubado ou abordagens violentas, recebemos o carinho da população. Ganhamos biscoito de dona Maria e dona Anita não queria que as visitas fossem embora sem tomar um sorvete. A maioria das cerca de 7 mil crianças do lugar o recebe sempre com um sinal de positivo, um sorriso, ou vários abraços na creche da Tia Angelina. Carinho puro. Não dá para negar que o principal problema da cidade seja a briga de gangues do tráfico de drogas. Sempre alguém chamava a equipe no canto para pedir que ajudássemos a levar mais segurança para a cidade e acabar com o tráfico, cada dia mais forte. Pedido esse maior até mesmo que as solicitações por banco, banca de revista e agência dos Correios, que não têm previsão de chegar ao Varjão. Assaltos praticamente não acontecem. Violência é registrada geralmente nas famílias com problemas de alcoolismo ou entre as gangues. Como uma grande família, em briga de casal a vizinhança já se mete logo, separa e fica por isso mesmo, sem feridos, sem polícia. Delegacia também não há, apenas um posto da Polícia Militar. Durante as visitas, fotógrafo e repórter receberam apenas uma advertência: “Por estes dias, não venham à noite”. Gangues entraram em conflito em uma festa e um dos membros, que andava armado pelas ruas, foi morto com cinco tiros. “Não estava assim antes, mas depois dessa morte pedimos para quem é de fora evitar vir à noite, só por segurança”, aconselha uma moradora. Apesar de o Varjão ter ficado em segundo lugar no ranking da violência do DF em 2009, com 6,5 mortes para cada 10 mil habitantes, os moradores se defendem e dizem que os mortos são pessoas ligadas ao tráfico. “O que é uma vergonha para uma cidade que fica a uns 30 quilômetros do Congresso Nacional”, desa) bafa outro varjonense. )

As irmãs cabeleireiras Mari e Bia fazem sucesso entre as madames do Lago Norte; o serralheiro José Adilson chega a dispensar serviço por falta de gente para ajudá-lo; e os quitutes de dona Maria Araújo são bons e baratos.


Crônica

Pelo acaso e pelo avesso

O Plano Piloto foi à rua

Para quem foi criado andando de carro com a vovó, depender de transporte público em Brasília por alguns dias torna-se uma odisseia

Texto José Tadeu Seixas Foto NILSON CARVALHO

Esta é uma história de amor que começa assim, pelo acaso e pelo avesso. O carro quebrou. José, que existe de verdade e mora ali na Asa Norte, era preguiçoso e resolveu deixar de lado o carro por uns dias. Ficava até com sono de pensar em levar o Fiat preto à oficina, ouvir o mecânico sugerir trocar até o filtro de ar e gastar um tanto de dinheiro. Ele foi criado em Brasília e adorava aquelas cenas que mostravam pessoas andando a pé, como acontece nos filmes de Hollywood gravados em Nova York. Então resolveu colocar a si mesmo um desa-

fio. Ele tinha uma amiga que era jornalista e, durante as eleições, tinha como trabalho grudar em Marina Silva. José seria, então, “marineiro”. Viveria de carona de Fabiana, todo dia depois do trabalho. “Oi, como foi seu dia? Ah que bom.” Faz uma piada aqui, conta uma história ali. “Obrigado pela carona, beijo tchau.” Afora os beijinhos de carona e as piadas sobre ser marineiro, o resto seria por conta de ônibus, táxi e metrô. Aí começa a história. O primeiro passo era descobrir o horário dos ônibus, desafio e tanto para aquele rapaz criado no Plano Piloto (ou só Plano, como ele

descobriu ouvindo as pessoas na parada que moram nas “satélites”). Foi à internet, conseguiu alguma informação. Primeira descoberta: ou você pega o ônibus na hora certa ou corre o sério risco de perder pelo menos mais meia hora de espera. Aí veio uma pergunta idiota: “Pego a parada no sentido sul ou norte?”. Nada conseguia responder àquela pergunta, já que Zé não queria nem sul, nem norte. Queria apenas subir da 5 norte na L2 para a 2 norte da W3. Resolveu do pior jeito possível. Acordou mais cedo e se arriscou com o ônibus. Apren-


37 Como bom rapaz criado no Plano Piloto, ele tem medo de ser assaltado, ficar na parada até tarde e por aí vai. Mas, como bom rapaz criado no Plano, não perderia os prazeres de um cinema no sábado à noite. Zé não chamou a Fabiana. “Carona é carona, encontro é encontro.” Anote aí e faça as contas. Táxi: R$ 20 para ir ao Pier 21, R$ 20 para voltar do Pier 21. Outros R$ 20 para ver o filme (vale a pena falsificar a carteirinha?). Mais aquela pipoca gigante, um refri e um sorvete na volta. Aproveitou a ausência de Fabiana para ver um filme de terror daqueles que nenhuma menina de olho azul se arrisca a ver. Não precisa nem dizer o óbvio. Foi a última vez em que Zé resolveu brincar de ser “marineiro”. Até José Serra sabe que Marina Silva não se deu bem na eleição, como aconteceu com Zé. Ônibus, se possível, nunca mais: se apaixonou por Fabiana. E de quebra consertou o carro e passou a admirar quem chama Asa Sul e Asa Norte ) de Plano. )

deu então os segredos de Brasília (anote aí, caso você também tenha sido criado no Plano Piloto à base de Fiat). 1)Todos os caminhos levam à Rodoviária. 2) O Grande Circular é o pai dos perdidos. Então com essa fórmula ele se virou. Pegava o Grande Circular para ir ao trabalho, mesmo sabendo que deveria ter uma Zebrinha que seria mais rápida. Mas aí teria que saber o horário direitinho, o que é muito chato para quem foi criado andando de carro com a vovó. Resolveu então o problema da manhã. O caminho que de carro levava 5 minutos passou a tomar 50. Como será que deve ser para quem, de carro, leva 50 minutos para ir ao trabalho? De ônibus viram 5 horas? Parêntese: é curioso como as pessoas andam de carro em Brasília para ir até mesmo à padaria. Pode ser pelo status, pelas vias largas, pelos ônibus velhos. Tanto faz o motivo, mas José se pegou em meio a uma dúvida idiota, para que a resposta antes era sempre o carro: para ir da 405 norte ao McDonald´s da 207 norte, vou a pé ou de ônibus? Decidiu pagar a taxa de entrega. Almoço de domingo. Na ausência de uma família na cidade e sem as caronas de Fabiana, José resolveu matar um tempo no shopping. Como era fim de semana, inovou: metrô. Fez tudo no roteiro mais Marina Silva possível. Pegou um ônibus até a Asa Sul, subiu a rua, comprou um picolé e foi ao metrô. É incrível como o metrô de Brasília só leva a um lugar: ParkShopping. O resto são pontos centrais nas satélites, onde na maioria dos casos é preciso mais outro ônibus para chegar em casa. Pois então foi ao ParkShopping. Um livro na Fnac, um sanduíche e por aí vai. Com o horário de verão, deu para esticar até umas 18h sem problemas. Ligou para Fabiana, fez piada sobre andar de metrô e ela só sorria, sem dar muita trela. Vieram as dúvidas de como seria a noite, para farrear, nos dias em que não pegaria carona com Fabiana depois do Beirute.

O primeiro passo era descobrir o horário dos ônibus, desafio e tanto para aquele rapaz criado no Plano Piloto (ou só Plano, como ele descobriu ouvindo as pessoas na parada que moram nas “satélites”). Primeira descoberta: ou você pega o ônibus na hora certa ou corre o sério risco de perder pelo menos mais meia hora de espera.


conto

Lembranças sem preço

No shopping, por Giovanna

O calvário de Heitor por um sofisticado e elegante shopping de Brasília para encontrar um presente à altura do seu amor

Texto João Pitella Junior Ilustração Cícero

— Esta bolsa custa dez mil reais, senhor. — Dez mil? Você não acha demais? — Bem, senhor, não é uma bolsa da Feira do Paraguai. É uma autêntica Louis Vuitton e nós estamos no melhor shopping de Brasília. Heitor sabia exatamente o que era uma Louis Vuitton, mas nunca tinha ouvido falar da tal feira e preferiu não entrar no mérito. Acostumado aos shoppings caros de São Paulo, ele não se intimidava com a empáfia das vendedoras das lojas de grife, e só tinha perguntado o preço para não correr o risco de ser enganado. No comércio é assim: se você não pergunta, eles cobram de acordo com a sua cara. No caso dele, o prejuízo poderia ser grande. — Vou pensar e depois volto.

E pensou mesmo. Pensou na primeira coisa que tinha reparado em Giovanna, quando a conheceu há duas décadas: ela gostava de erguer a mão para receber um beijo, como faziam as moças dos filmes clássicos. Quando acontecia isso, Heitor podia imaginá-la de luvas de renda, vestida de princesa, com o cabelo interminável preso em cachos. Era uma imagem que valia dez mil reais. Só por ela eu faria isso, ele julgou. Era a única mulher que merecia, no século 20, um beijo de cavalheiro antigo. Sem saber, ela evocava nele algum romantismo atávico, superado, mas nem por isso menos verdadeiro. As coisas não precisam ser modernas para ser legítimas. E Giovanna, consciente dos seus gestos, tinha a perspicácia de voltar a falar como

garota contemporânea depois daquela encenação medieval. O charme só aumentava. Sim, mas tudo isso valia antes, quando o abraço de Giovanna ainda podia anular o mal que ela era capaz de fazer. Se fosse naquela época, ele já teria sacado o cheque de burguês paulista e levado a bolsa milionária. Agora alguma coisa havia mudado, ele pensou, enquanto continuava a caminhada pelos corredores quase vazios de segunda-feira à tarde. — Pode ir lá que é garantido. Nesse shopping, o senhor vai encontrar alguma coisa à altura dela — havia dito um dos executivos da filial de Brasília. O tempo era curto, mas Heitor não era daqueles homens que ficam perdidos em shoppings. Você pode acreditar, ele sabia o que estava fazendo.


39 Caminhou mais um pouco e balançou a cabeça, irritado, quando viu a loja que vendia lanchas. Uma delas parecia um pequeno transatlântico. Em todas as suas viagens pela Europa e pelos Estados Unidos, ele não se lembrava de ter visto um barco de luxo na vitrine. — Só podia ser coisa de Brasília – pensou, mais inconformado do que surpreso. Não custava perguntar o preço. E que vendedor negaria a informação àquele senhor de cabelos grisalhos, terno Armani e sapatos Ermenegildo Zegna? — Trezentos mil, senhor. Trezentos mil. Seria pouco para pagar a sua memória preferida do rosto de Giovanna: ela inclinava a cabeça levemente para trás e dava uma gargalhada insolente, de tão espontânea, que parecia irrigar até os seus olhos de vermelho. Não era uma risada de mulher distinta da sociedade, como se esperava que ela fosse, mas quem reclamaria? Heitor costumava fazer um exercício de devoção: sentava em frente a ela e admirava, com fascínio selvagem, o espetáculo daquele súbito avermelhamento. Heitor sentiu a própria mão buscando o cheque no bolso, para preencher os trezentos mil reais. Ela gostava do mar. Na hora, ele nem lembrou que a sua cidade, assim como Brasília, não tem litoral. Mesmo assim, uma outra recordação o impediu de sacar a carteira. Houve um dia em que Giovanna lhe negou um sorriso e continuou andando daquele jeito só dela, como se flutuasse discretamente um milímetro acima do solo, enquanto se afastava com a mais dolorosa graciosidade. Só um poeta renegado perceberia, mas naquela manhã o cabelo de Giovanna estava um pouco mais curto, e ainda mais bonito. Então, para filtrar o veneno que já lhe tomava o sangue ele tentou, rapidamente, enxergar o egoísmo oculto sob a carcaça da Musa Suprema. O truque mental funcionou antes, e agora também. A conta bancária estava preservada.

***

Heitor andou mais alguns metros, e desta vez até riu em voz alta: uma loja de carros importados. Quem pensaria em colocar isso num shopping? Futilidade das vaidades. Um dos modelos parecia feito para Giovanna: imponente, mas despojado, clássico e com um toque moderno. Ela ficaria tão bonita naquele carro. E talvez voltasse a parecer jovem, como na época em que a sua beleza, agora com os primeiros sinais de desgaste, conseguia ofender tanta gente. O cartaz grudado no vidro do carro informava o preço: cento e cinquenta mil. Nem sempre eles haviam precisado de tudo isso, pelo menos não nos primeiros passeios. Heitor ia buscá-la nas tardes de sábado e Giovanna, sentada no banco do passageiro, soprava o cabelo com impaciência para desgrudá-lo da testa. Estava quente demais e nem ar-condicionado eles tinham. Outra pessoa, claro, simplesmente usaria as mãos para arrumar o cabelo, mas não Giovanna. O calor era tanto que ela não tinha forças para erguer o braço, ou aquele sopro displicente seria só um gesto calculado para culpá-lo pela pobreza do carro? Foi então que ele quis ficar rico. E Heitor não conseguia se livrar daquela cena, todos os dias quando acordava muitos anos depois. O cabelo de Giovanna esparramado no rosto, a mão dele procurando o joelho dela debaixo do vestido, enquanto dirigia desatento. Eu deveria ter sido mais carinhoso. Por que tocar as pernas antes mesmo de cumprimentá-la direito? Só um bobo machista. Cifras, cifras. Boas para quem não tem vida. Cento e cinquenta mil reais por um carro. Giovanna mereceria muito mais, se não lhe sonegasse a felicidade dos pequenos gestos. Não, não, é melhor parar com isso, por favor... Até ele reconhecia que esse era um pensamento “de velho” — felicidade, sonegar pequenos gestos; ora, Heitor, deixe de ser ridículo. Daqui a pouco você vai


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***

Por que não uma coisa mais simples, que não transmitisse tanta ansiedade? Um bom livro é o melhor presente, como dizem os donos de livrarias. Heitor entrou na loja imensa que já conhecia de casa, agora tão bem instalada em Brasília. Enquanto andava sem auxílio entre as prateleiras, tentava calcular se essa era maior do que a do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Alguém lhe disse, no escritório, que Brasília também tinha um lugar chamado Conjunto Nacional. Ficou com vontade de conhecer. — Não, chefe, vai nesse shopping novo, que é bem mais chique. Vai por mim — havia dito o funcionário bem informado da filial de Brasília, no intervalo da reunião de trabalho. Qual seria o livro perfeito para Giovanna? Ele checou a prateleira de best-sellers: “1808 e 1822 motivos para esquecer”, “Comer, rezar e deixar de lembrar”. Não, nada disso. Talvez fosse melhor o “Diário da Princesa”, ou “A História da Beleza”. Não, Heitor, você tem 45 anos. Em vez de comprar um livro, ele poderia escrever um para ela, se soubesse. Afinal, Heitor conhecia a biografia de Giovanna melhor do que ela mesma. — Eu conheço as partes que ela ainda não viveu, aquelas que escrevi na minha mente. Qual seria a primeira frase do livro para Giovanna? Por ela eu trocaria todas as minhas memórias, eu que acumulo lembranças. Por ela, que tem o monopólio do meu sofrimento. Vocabulário de capitalista apaixonado. Heitor arrancou da estante da livraria um exemplar de “O sol também se levanta”, de Hemingway, e parou assustado diante da frase seca, intensa, devastadora: “Eu comecei a pensar em Brett e todo o resto foi embora.” Você não precisava ser tão incisivo, Papa Ernest. Na seção de música, Heitor encontrou a coleção dos CDs da Legião Urbana, “remasterizados” para enganar os fregueses e numa caixinha bonita. Quase quatrocentos reais, mas ele nem reparou no preço, pois lembrou de algo que Giovanna lhe escreveu num dia perdido. “É sempre só você que me entende do início ao fim”. Não

foi isso o que o Renato Russo falou? Heitor seria feliz se pudesse dizer o mesmo dela. Ah, e por que ela escreveu aquilo? Como você conseguiu tanta gratidão? Só por um dos gestos mais simples de alguém que queria fazer tanto. “E quem irá dizer” que algum dia algum homem aprendeu alguma coisa... Talvez fosse melhor procurar outra loja.

***

De volta ao corredor do shopping, Heitor viu o inefável cinema e pensou no primeiro filme a que assistiu com Giovanna. O primeiro filme que ela viu enquanto ele olhava para ela. Era algo simplório, uma aventura com o Sean Connery já maduro, mas tentando ser atlético como o James Bond dos anos 60. Patético, mas funcionava. E todas as vezes em que os dois, juntos no sofá da casa antiga, viam aqueles filmes tão esquecíveis, com a pipoca esparramada no chão. Ah, o conforto da mediocridade! E se ele comprasse um passaporte eterno para o cinema, que era o mesmo de São Paulo? Assim, ela poderia ver todos os filmes que tanto adorava. Quanto custaria isso? — Não temos esse serviço, senhor. Se tivessem, não conseguiriam repetir depois de infinitas projeções a melhor cena: os dois em frente à tela e o pescoço dela caindo, lentamente, no ombro de Heitor.

***

Então, parou em frente à vitrine da joalheria. A coisa estava ficando perigosa, até para ele, porque ali nada custava menos de quatrocentos mil reais. Heitor se lembrou da primeira noite com Giovanna. Foi a única vez em que ele sentiu, fisicamente, a passagem do tempo. E daquele tempo, você sabe, nem toda aquela vitrine poderia comprar um segundo. Ele queria encontrar de novo a mão que se erguia para receber o beijo. De novo os olhos vermelhos. O sopro impaciente no cabelo. Onde você escondeu tudo isso, Giovanna? — Será que aquela Giovanna existiu? Por ela, o que eu não compraria... Agora, Heitor se surpreendia ao perceber que estava cansado em um shopping. Seria fácil dizer, como todos falam, que “isso nunca me aconteceu antes”, mas era preciso agir. Era ela que já não existia, ou ele que havia desistido de inventá-la? Heitor foi caminhando lentamente até a saída do shopping e entrou no carro que o esperava, com motorista de luvas brancas, como naqueles filmes baratos. ) — Toca pra Feira do Paraguai. )

virar o Saint-Exupéry. Nem essa autocrítica o impediu de recordar uma frase do francês voador: “Avaro não é aquele que evita gastar a fortuna em presentes, mas aquele que não dá a luz do seu próprio rosto em troca da tua oferenda.” Apesar de ter aquele nome antigo, mais obsoleto do que o Orkut com fotos abertas, Heitor queria ser descolado. É melhor usar citações modernas nos seus devaneios, meu caro. Pensando bem, nada de delírios. O seu voo de retorno sai em poucas horas. Foco, Heitor, foco. Compre logo esse presente.


Fora do Plano por PAOLA LIMA

Vai um vídeo aê?

“Uma nova gravação vai ser divulgada.” Essa frase tem sido suficiente para causar frenesi nos bastidores políticos da capital federal. Ninguém esquece o verão de 2009, quando uma coletânea de gravações, produzida e divulgada pelo ex-secretário de Governo Durval Barbosa, derrubou deputados, secretários e o governador. O escândalo que manchou a reputação de Brasília parecia estar sendo superado quando, no início de março, um novo vídeo foi revelado com a deputada federal Jaqueline Roriz (PMN) recebendo dinheiro de caixa dois. A gravação trouxe de volta a indignação e a descrença da população com a classe política. Entre os políticos, a nova denúncia reacendeu a apreensão. Quem será o próximo? Haverá próximo? A tensão é fruto de um fato simples: a certeza de que, sim, existem mais vídeos. Segundo o próprio Durval, sua videoteca reuniria mais de 200 exemplares. E se os 31 que foram revelados causaram tamanho estrago, o que esperar dos outros 150 que o ex-secretário diz ainda existir – e que teriam sido entregues ao Ministério Público?

Fofocas reais Nesta tensão da expectativa, o prejuízo político acontece mesmo sem a revelação das gravações. Apenas a menção de que uma autoridade aparece em um desses vídeos pode colocá-la sob suspeição. A facilidade em acreditar no que antes poderia ser considerado apenas fofoca tem justificativa. Por um bom tempo, corria nos bastidores políticos da cidade a história de uma gravação em que o então presidente da Câmara Legislativa, o ex-distrital Leonardo Prudente, colocava dinheiro nas meias. O boato era tratado como lenda urbana, fofoca política criada por adversários. Até o dia em que as tristes cenas foram reveladas. A partir disso, qualquer suspeita de gravações ganha contornos de verdade. Para grupos adversários, tornou-se vantajoso

lançar sobre o inimigo o boato de seu aparecimento em um vídeo, mesmo que essa gravação jamais seja apresentada. Ou ainda que ela exista, em alguns casos, causa mais impacto deixá-la guardada e alimentar as especulações sobre o que de fato existe nela do que revelá-la de uma vez.

O peso da imagem De outro lado, denúncias sem vídeos perderam muito de sua força. Sem uma boa imagem, têm repercussão mais modesta. Foi o caso recente das entrevistas concedidas pelo ex-governador José Roberto Arruda a revistas nacionais duas semanas após a divulgação do vídeo de Jaqueline. Arruda afirmou ter ajudado, com dinheiro do esquema desvendado pela Caixa de Pandora, a eleição de líderes políticos na-

cionais. Sem provas concretas – ou seja, não há nem uma gravaçãozinha de um deles embolsando a grana –, as declarações, por mais graves que tenham sido, ficaram vulneráveis. Todos os citados desmentiram as acusações. O assunto perdeu impacto. Em meio a essas distorções, Brasília vive hoje um momento peculiar no que se trata de moralização política. Denúncias correm o risco de se perder por falta das contundentes imagens produzidas pelos vídeos. Boatos ganham força diante da convicção da população de que a sujeira ainda não acabou. Neste cenário, todos perdem. Políticos são colocados na vala comum da imoralidade. Instituições vão caindo cada dia mais em descrédito. E a população se afasta de seu principal instrumento de exercício da democracia – a política.


Prosa

Sem meias palavras

Numerologia

O que os números significam para você? Na lista deste jornalista, cheio de imaginação e cheio de graça, tem de tudo. Faça a sua própria e mande pra gente Texto Freddy Charlson

1 E, no princípio, era o Verbo. 2 Eu e você, você e eu. Juntinhos. 3 Que tal a gente aproveitar esse friozinho e fazer um mènage-a-trois? Um threesome? Um rendez-vous qualquer? 4 Como dois e dois são quatro. Sei que a vida vale a pena. Embora o pão seja caro. E a liberdade pequena. 5 Os dedos de qualquer mão, menos em uma mão do Lula. Esquerda ou direita, ex-presidente? Na verdade, agora tanto faz... 6 Cês tão tudo doido, é? 7 Conta de mentiroso, número da sorte, as maravilhas do mundo antigo, do mundo moderno... o que é ser moderno, enfim? 8 Biscoito. 9 Rrrronaldo! 10 Mocidade Independente de Padre Miguel: dez, nota dez! 11 R.I.P. Twin Towers. 12 Apóstolos (até tu, Judas!); signos (sou de Áries, ou Carneiro, pelo menos antes da “reforma ortográfica” dos signos); trabalhos de Hércules (só alguém sem cérebro para encarar Cérbero, o

cão de três cabeças). 13 Vocês vão ter que me engolir! 14 Catorze ou quatorze? 15 E eis que o sonho da menina era ser debutante, mas não para usar um belo vestido rosa de paetês e tirar onda com as amiguinhas. Ela queria mesmo era dar para todo o Corpo de Fuzileiros após o baile... 16 Já posso votar? Quanto você quer no meu voto? Já posso colocar o Tiririca no poder? 17 Primo. 18 Agora não devo mais fazer besteira, nem roubar, nem matar, nem brigar, nem transar com ninguém “de menor”, porém posso dar uns cavalos de pau aí na rua. Tô habilitado, mano! 19 Número singular, o único sucessor de dezoito, o único antecessor de vinte! 20 Vintão. Puteiro ralé (qual não é?) em que a garota de programa faz programas por meros vinte reais (dez pra ela, dez pra casa). Dúvidas? Procure a @B_Surfistinha. 21 Pronto, virei adulto. Fodeu de vez... 22 Dois patinhos na lagoa.

Na boa, odeio cantador de pedras de bingo. E vendedor de pedras de crack. 23 Os cromossomos que recebi de meu pai. Alguns vieram com defeito, outros com prazo de validade vencido. Tem como devolver? 24 Viadinho! Viadinho! 25 Então... é Natal. 26 As letras do nosso alfabeto com a entrada dos entrões K, W e Y. Bem que poderiam ser apenas o KY... 27 Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Kurt Cobain. Mor-re-ram. 28 Apressadinho, hein? Parece até que esse menino nasceu de sete meses! 29 Que tal fazer aniversário de quatro em quatro anos? Que tal ser bissexto? 30 Balzaquiana, fruto de Honoré de Balzac, a fêmea que pode viver o amor em sua plenitude, oh! Cuidado senão fica pra titia. 31 No guichê de atendimento, o gerente assume um ar professoral: “Quer dizer que você não conhece a alínea trinta e um?! Mas será o Benedito?! Significa


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União Soviética. É o tal AK-47, arma mais fácil de encontrar em revoluções terceiro-mundistas e nas mãos de traficantes cariocas do que tapa-sexo em dias carnavalescos. 48 Dane-se o frio Alasca (alô, Sarah Pallin!) ou o quente Havaí (beijomeliga, Magnum!), a terra do Tio Sam tem quarenta e oito estados contíguos. 49 Heliotrópio. Heliotrópio. Heliotrópio. Quarenta e nove anos de casados e fulano comemora bodas de heliotrópio... que vem a ser uma variedade de calcedônia de cor verde-claro a verde-escuro, com pontuações vermelhas (devidas a jaspe ou a óxidos de ferro). O nome tem raiz grega e significa trópico solar. Então, tá. 50 Brasília, coroa gostosa, mesmo um tanto judiada, uma Pandora a ser descoberta. 51 Uma boa ideia, sem acento. 52 Número de semanas em um ano. A merda é que em apenas quatro delas eu posso coçar o saco! 53 Ai, se meu Fusca falasse... 54 Vira pra lá, vira pra cá e os cinquenta e quatro quadradinhos do cubo de Rubik, ficam cada vez mais coloridos e com cores iguais distantes umas das outras. Bazinga! 55 Em algarismos romanos dá LV, muito embora a sigla LV seja mais famosa por representar uma marca fashion, cara e de gosto duvidoso, porém – e talvez por isso – não saia dos braços das madames que amam Louis Vuitton. 56 E não é que a bonitinha da Shirley Temple tinha cinquenta e seis cachinhos bonitinhos na sua cabecinha bonitinha feitos por sua mamãe? Huuum, será que a Mamãe Temple também era bonitinha? 57 Sérgio Glu Glu Mallandro nasceu em cinquenta e sete. Oliver O Gordo Hardy morreu em cinquenta e sete. Cá entre nós... teria sido uma troca justa, yeah, yeah? 58 O penúltimo minuto de uma hora, o penúltimo segundo de um minuto. É melhor se apressar... 59 Deputados federais que tomaram posse este ano e são processados por algum motivo. Que tal crime contra a Lei das Licitações? Que tal peculato? Que tal corrupção? Escolha, caro leitor, o seu deputado e o crime correspondente. Não vai dar para quem quer... 60 Cuidado com o pardaaaaaal! 61 Meiaum. Oito abaixo do meiano) ve, mas tão sexy quanto... )

erro formal no cheque, ora. O banco não pagou porque estava preenchido errado. Você deve pagar em dinheiro ou fazer outro cheque bem escritim”. E o peão analfabeto, parado, com o olhar perdido, sem entender nadica de nada. “Mais informações com o Banco Central. Próximo!” 32 Não confio em ninguém com mais de trinta, não confio em ninguém com trinta e dois dentes. 33 Idade de Cristo. 34 Curte uma espanhola? Quer fazer uma? E que tal com um produto original? Ligue para a Espanha, ué. Este é o código internacional de discagem a distância. E boa sorte com a Carmem. Qualquer uma. 35 Bitolado é quem não curte a magia do cinema. Tintim por tintim, milímetro por milímetro. Que faça-se a luz, Lumiére. 36 Krytpon, não o planeta de Jor-El e Kar-El, mas o elemento químico. Um gás nobre. Aliás, algum gás é nobre? 37 Calígula toma posse como Imperador de Roma no ano trinta e sete d.C. Hoje, o Imperador de Roma é um certo Adriano, também nome romano. Sim, infiéis, prova de que todos os caminhos levam a Roma... 38 Quer provar a fúria do meu trêsoitão, mané?! 39 Açoitado, torturado, humilhado com este monte de chicotadas. E o Cara ainda disse: “Perdoai-os, Pai, eles não sabem o que fazem”. 40 Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão, mas cadê o Ali Babá? 41 Ali Babá. Agora o bando está completo. 42 Machãozinho! Machãozinho! 43 E pra você eu deixo apenas meu olhar quarenta e três, aquele assim, meio de lado, já saindo, indo embora, louco por você. 44 Maria Sapatão, Sapatão, Sapatão, de dia é Maria, de noite é João. 45 O juiz corre para o centro do campo, olha para o cronômetro, ergue os braços e... fim de papo no Maraca! 46 O número de cromossomos humanos. Aí, nesse caso, tem os que recebi da minha mãe, também. Huuum, vou pegar mais leve. Graças a Deus, ela está vivinha da Silva. 47 Avtomat Kalashnikova odraztzia 1947 goda. Para os que acham que a coisa está russa, está mesmo. A Arma Automática de Kalashnikov, modelo de 1947, é um trabuco calibre 7,62 x 39 mm criado em 1947 por Mikhail Kalashnikov e produzido na


Artigo

Quem escreve ao coronel? A novidade na crise da Líbia foi a descoberta das conexões kadafianas com a elite acadêmica e intelectual da esquerda chique e liberais reformistas na Europa e nos Estados Unidos

Texto Wellington Almeida Arte Carlos Drumond


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ano começa quente no cenário internacional. Não falta assunto. Assistimos atônitos às mobilizações populares que já derrubaram e continuam colocando em xeque algumas ditaduras no “mundo árabe”. A revolta política contra os regimes autoritários em diversos países do norte da África e do Oriente Médio é, de longe, o acontecimento político global mais relevante desde a queda do Muro de Berlim. Tunísia, Egito, Argélia, Marrocos, Jordânia, Iraque, Iêmen, Bahein, Omã... e Líbia. É aqui! Hosni Mubarak renunciou no Egito. O governo da Tunísia foi o primeiro a ir para o espaço após a revolta civil de janeiro, mas Kadafi é que é o cara. Mesmo que se mantenha no poder bombardeando ferozmente os opositores organizados e a população civil, provocando a diáspora de centenas de milhares. Ninguém simboliza melhor a opressão e as ilusões com os duros regimes dos paraísos petrolíferos, edificados e mantidos de forma explícita ou implícita pelas potências ocidentais desde o fim da Segunda Guerra, do que o coronel Kadafi, com suas túnicas africanas, fardas enfeitadas e seu patético livro verde. Um filho tardio (e mais pobre) do livro vermelho de Mao Tsetung. Criou-se nas primeiras semanas da crise na Líbia amplo consenso internacional na malhação ao coronel. As denúncias sobre a pressão por parte dos lobbies de seus amigos vendedores de armas nos Estados Unidos e na Europa calaram, por enquanto, a sua defesa. China e Rússia, por objetivos geopolíticos e estratégicos, se opuseram inicialmente a uma possível resolução do Conselho de Segurança da ONU para a criação de uma zona de exclusão aérea no país. O posicionamento dessas duas potências acabou sendo até agora a maior defesa de Kadafi, pois os Estados Unidos não querem, a princípio, bancar uma iniciativa dessa envergadura de maneira unilateral, como fizeram no Iraque no governo de baby Bush, com alto custo político. Mas apoio público relevante não ocorreu nenhum, já que ninguém mais leva a sério as opiniões de Chávez, outro coronel em apuros para se manter ad infinitum no poder na Venezuela, que atravessa forte crise econômica e registra índices epidêmicos de violência urbana. A demonização é inevitável na política. E Kadafi a merece pelo que já fez e está fazendo. Mas esse amplo consenso público pela sua saída do poder esconde, ao mesmo tempo, o cinismo de sempre da direita civil e militar e dos “liberais” que vêm fazendo bons negócios com ele nas últimas quatro décadas, além das antigas e novas ilusões das

correntes ortodoxas e moderadas da esquerda que não se cansam de pegar carona em projetos furados, como cura terapêutica para suas derrotas, em vez de apostar radicalmente na democracia e na organização da sociedade no “ocidente” e no “oriente”. É por isso que a juventude árabe está gritando, lutando e morrendo. Algumas correntes da esquerda sempre tiveram encantamento por segmentos da elite cabocla em inúmeros países da periferia capitalista que chegaram ao poder mobilizando as massas com discurso nacionalista e anti-imperialista. O traço comum desses governos, em geral, é a incapacidade de manter-se no poder sem coerção. Para esse tipo de pensamento, opções como Kadafi são um mal menor. A novidade na crise da Líbia, porém, foi a descoberta das conexões kadafianas com a elite acadêmica e intelectual da esquerda chique e liberais reformistas na Europa e nos Estados Unidos. Ficamos sabendo, entre outras coisas, das suas relações com nomes como Anthony Giddens, ex-diretor da London School of Economics, autor de inúmeros livros importantes de sociologia, e Joseph Nye, que junto de Robert Keohane é o principal expoente de um pensamento não belicoso que se contrapõe à sede de guerra dos falcões de plantão do Pentágono, crivado como soft power e que teve grande influência na administração Clinton e, atualmente, na de Obama. As notícias ainda fragmentadas dão conta de que os dois participaram de uma consultoria internacional com objetivo de ajudar a melhorar a imagem de Kadafi. Como defesa, surgiu a versão de que o trabalho tinha o propósito generoso de aproximar a Líbia de países democráticos. Pode ser, mas o fato é que foram pegos com a boca na botija e as explicações não foram convincentes. Esse grupo, com outros à direita e à esquerda que agora querem distância do ditador, também precisa escrever ao coronel se despedindo com uma desculpa qualquer. Ele talvez esteja ocupado jogando bombas em seus conterrâneos, mas em algum momento vai abrir o e-mail ou o Facebook.

Ninguém simboliza melhor a opressão e as ilusões com os duros regimes dos paraísos petrolíferos, edificados e mantidos de forma explícita ou implícita pelas potências ocidentais.


Artigo

Cidade boa-praça

As unidades de vizinhança de Brasília, compostas por quatro superquadras, deveriam ser espaços de convivência. Mas o que se vê é falta de infraestrutura

Texto Juliana Santana Reprodução esboço de Lucio Costa, parte do Plano Urbanístico do Plano Piloto/Arquivo Público do DF


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m viagem a Nova York, conheci uma loja de design com produtos de um reconhecido estúdio holandês, no badalado Soho. Entre tantos objetos interessantes, encontrei um com o qual eu tinha uma relação íntima e afetiva. Um livro de fotografias do autor holandês Erik Van Der Weidje. Capa dura, revestido com linho rústico. Seu título, impresso em tom de azul anil: SUPERQUADRA. A cada página folheada, eu alimentava o orgulho de ser de Brasília. Sou filha de uma superquadra, sou fruto dessa experiência moderna e enriquecedora. Todo brasiliense tem a sua superquadra como a extensão de sua casa, seu jardim, o seu quintal. Como é a sua superquadra? A minha amanhece com o som da bolinha de tênis quicando na quadra. Ao longo da manhã, as babás vão se reunindo debaixo das mangueiras para o banho de sol dos bebês, enquanto os mais velhos se encantam com o vaivém da criançada em patinetes, bicicletas e nas brincadeiras de pique-pega. Há também o lugar dos jovens para a roda de viola e o cantinho dos enamorados. O genial Lucio Costa foi assertivo em seu memorial descritivo do Plano Piloto ao falar das superquadras: “... embora autônomas, se encadeiam umas às outras, permitindo às pessoas encontrar-se, conversar, conviver e compreender-se...”. A superquadra é o módulo estruturador das unidades de vizinhança (UVs), concepção do projeto habitacional de Lucio. O conceito de UV surgiu nos anos 20 por Clarence Perry e se consolidou na Carta de Atenas, de Le Corbusier, em 1933. A unidade de vizinhança de Brasília é composta por quatro superquadras. Cada superquadra é intercalada ora por comércio local, ora por área de influência. Nessas áreas de influência estão os equipamentos urbanos, como cinema, igreja e escola. Em outras áreas foram instaladas praças, com quadras esportivas, bancos e mesas. Porém, o que se vê ao caminhar por esses espaços são mobiliários sem manutenção, calçadas danificadas e falta de conservação dos jardins. A iluminação pública deficiente e o não policiamento local contribuem para que se tornem locais de consumo de drogas e de outras violências urbanas. Agora, imaginemos esses espaços ocupados, vivos, alegres e pulsantes. Verdadeiras praças, validando sua vocação como áreas de influência. A praça que imagino nas UVs possui uma arquitetura que vai além da preocupação

com seu traçado paisagístico. Ela tem qualidade na especificação dos materiais. O mobiliário é pedagógico, ergonômico e resistente. Nos jardins, árvores frutíferas e espécies da flora nativa atraem a fauna e tornam a área uma síntese dos ecossistemas brasileiros. Como é muito seco em Brasília, não podem faltar fontes e espelhos d’água para criar um microclima mais ameno e agradável. E, sem dúvida, a praça deve ser acessível: instalação de rampas, sinalizadores para deficientes visuais e auditivos. Compatibilizar o projeto arquitetônico com infraestrutura é o modelo para as cidades serem sustentáveis. Pisos permeáveis, pavimentos drenantes, poços de recarga do lençol freático e bacias de detenção são medidas estruturais para que nos períodos de chuvas a cidade não sofra com alagamentos. Hoje existem muitas ideias criativas para infraestrutura, como projetos inspirados em parques de skates, que se tornam verdadeiros piscinões de água nas estações chuvosas, e assim contribuem para a redução da velocidade da água da chuva, amortecendo os picos de cheia. Soluções de eficiência energética, como placas solares e iluminação por meio de LED, diminuem o consumo de energia elétrica. Mas não basta ter infraestrutura e mobiliário, plantar árvores e achar que a praça vai ser ocupada. Uma praça tem que ser viva. É numa praça que as pessoas criam relações sociais por meio do esporte, da cultura e da construção do conhecimento. Por isso a importância de ter equipamentos urbanos atrativos. Anfiteatros para festivais de manifestações artísticas e instalações plásticas são instrumentos de difusão de cultura. Ciclovias, quadras poliesportivas e de areia, áreas verdes, equipamentos esportivos e de jogos proporcionam qualidade de vida e integração. E por que não pontos de comércio? Feiras livres, cafés, bancas de revista, quiosques de flores criam movimento na praça e diversificam seus usuários. Tudo muito bem conservado, claro, com segurança pública eficiente, fiscalização e cobrança da sociedade organizada. Essa é a praça que imagino, uma praça viva. Numa cidade-jardim, uma cidade boa-praça.

Não basta ter infraestrutura e mobiliário, plantar árvores e achar que a praça vai ser ocupada. Uma praça tem que ser viva.


Caixa-preta

por Luiz Cláudio Cunha

O cinismo e o medo dos generais

Barack Obama cultiva uma virtude de que os generais brasileiros desdenham: a verdade. No discurso no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o presidente dos EUA reconheceu o que os comandantes militares insistem em negar desde a redemocratização, em 1985: “No Brasil, vocês lutaram por duas décadas, durante a ditadura, pelo direito de ser ouvidos, pelo direito de ser libertados do medo”. Dias antes, o jornal O Globo revelou um espantoso documento enviado pelos chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica ao passivo ministro da Defesa, Nelson Jobim, bombardeando o projeto do próprio governo que cria a Comissão Nacional da Verdade (CNV), destinada a investigar crimes da ditadura, como torturas, mortes e desaparecimentos. “Passaram-se quase 30 anos do fim do governo chamado militar”, lamentam-se os oficiais-generais, incapazes de identificar o finado regime de 1964 pela palavra que o define: ditadura. Nascida do golpe que derrubou o presidente eleito, trocado pelo rodízio no poder de cinco generais, com atos de força que esmagavam a Constituição, com aparato repressivo que prendia, torturava e matava, julgando civis em tribunais militares e com a política sufocada pelo regime que cassava e exilava líderes civis em nome da santa “segurança nacional”.

Agora, a legalidade Perfilados com o cinismo e prisioneiros do medo, os generais ainda rotulam tudo aquilo como um “governo chamado militar”. Assustados com o debate iminente no Congresso sobre a CNV, se protegem: querem o fim do anonimato para quem entregar documentos, o que sempre constrange a verdade, e exigem que os depoentes sejam convidados, não convocados. Os quartéis que aterrorizaram o País sob o tacão do AI-5 hoje são legalistas, exigindo respeito à decisão de 2010 do STF que negou a revisão da Lei de Anistia. Bloqueou-se assim a punição aos torturadores, como fazem com altivez Argentina, Uruguai e Chile, onde brotaram ditaduras

semelhantes à brasileira. Alegam que nossa anistia foi fruto de “consenso nacional”, outra mentira conveniente para manter a impunidade. Foi, na verdade, gestada no ventre da ditadura e digerida pela sólida maioria na Câmara de Deputados: 221 cadeiras da Arena, 186 do MDB. Ainda assim, a anistia passou raspando – 206 votos contra 201. Um dos signatários da lei de agosto de 1979 era o chefe do SNI, general Octávio Medeiros. Em abril de 1981 explodiu antes da hora a bomba do Riocentro, que matou um sargento e feriu um capitão do DOI-CODI. O Exército apurou que o ato terrorista foi planejado pelo coronel que chefiava o SNI do general Medeiros no Rio.

Autoanistia complacente Em dezembro, a Corte de Direitos Humanos da OEA condenou o Brasil por unanimidade, exigindo que os agentes do Estado terrorista sejam investigados e, se for o caso, punidos. Ou seja, a gentil anistia brasileira, segundo o juízo internacional, não passa de uma complacente autoanistia. Ou um blefe para sufocar a justiça e ocultar a verdade. Do Rio, Barack Obama viajou a Santiago do Chile, onde prometeu abrir os arquivos americanos sobre o sangrento regime do general Pinochet. É aquele horror que os indulgentes generais brasileiros devem classificar como um “governo chamado militar”.


Arte, Cultura e Lazer

Nixon. Suspense. Verifique a classificação. Cinemark e Kinoplex em 22 de abril. 93 minutos.

As mães de Chico Xavier Diretores: Glauber Filho e Halder Gomes. Ruth (Via Negromonte) tem um filho adolescente que enfrenta problemas com drogas. Elisa (Vanessa Gerbelli) tenta compensar a ausência do marido dando atenção total ao filho, Theo (Gabriel Pontes). Lara (Tainá Müller) é uma professora que enfrenta uma gravidez indesejada. Essas três mulheres buscam conforto junto a Chico Xavier (Nelson Xavier). Drama. Classificação livre. Kinoplex em 1° de abril. 109 minutos.

Cinema – LANÇAMENTOS

Bróder

Diretor: Francis Lawrence. Jacob Jankowski (Robert Pattinson, na foto) é órfão e vive uma grande depressão. Entra num trem e acaba em um mundo maluco de circo. Conhece a domadora de cavalos Marlena (Reese Whiterspoon), casada com August (Christoph Waltz) e surge um triângulo amoroso. Drama. Classificação livre. Kinoplex em 29 de abril. 100 minutos.

Diretor: Jefferson De. O reencontro de três amigos que dividiram a infância: Jaiminho (Jonathan Haagensen), jogador de futebol em ascensão no exterior; Pibe (Silvio Guindane), um sacrificado corretor de imóveis; e Macu (Caio Blat), o jovem protagonista que se mantém no bairro, flertando com a criminalidade.

ÁGUA PARA ELEFANTES

Drama. Classificação 14 anos. Kinoplex em 21 de

A fera Diretor: Daniel Barnz. Kyle (Alex Pettyfer) era um jovem bem-sucedido e cobiçado pelas damas. Uma misteriosa mulher lhe lança uma maldição: ele precisa encontrar alguém que goste dele de verdade. Caso não consiga dentro de um ano, sua beleza dará lugar a um rosto cada vez mais desfigurado. Drama. Classificação livre. Cinemark em 29 de abril. 86 minutos.

A garota da capa vermelha Diretora: Catherine Hardwicke. Valerie (Amanda Seyfried) é apaixonada pelo forasteiro Peter (Shiloh Fernandez), porém seus pais a prometeram em casamento ao abastado Henry (Max Irons). Valerie e Peter planejam fugir, até que a irmã mais velha de Valerie é morta por um lobisomem. A

abril. 92 minutos.

população recorre a um famoso caçador de lobisomens, o padre Solomon (Gary Oldman). Aventura. Classificação 10 anos. Cinemark em 21 de abril e Kinoplex em 22 de abril. 120 minutos.

A minha versão do amor Diretor: Richard J. Lewis. Um passeio pela vida de Barney (Paul Giamatti), um homem de 65 anos, politicamente incorreto, alcoólatra, fumante de charutos e amante do hóquei. Drama. Classificação 14 anos. Cinemark e Kinoplex em 29 de abril. 132 minutos.

A missão proibida – Apollo 18 Diretor: Gonzalo López-Gallego. Vídeos russos sugerem que a missão norte-americana Apollo 18 realmente aconteceu, apesar de ter sido supostamente cancelada pelo presidente

Como você sabe Diretor: James L. Brooks. Lisa Jorgenson (Reese Witherspoon) é cortada da equipe de softball e perde o rumo. Acaba se envolvendo com Matty (Owen Wilson), jogador de beisebol. Paralelamente, Lisa conhece George (Paul Rudd), um homem de negócios acusado de um crime financeiro. No primeiro encontro entre Lisa e George, cada um conta sobre os piores dias de suas vidas, o que os aproxima. Comédia romântica. Classificação livre. Cinemark em 1° de abril e Kinoplex em 22 de abril. 116 minutos.

Conspiração Xangai Diretor: Mikael Hafstrom. Paul Soames (John Cusack), agente secreto americano,


Arte, Cultura e Lazer

investiga o assassinato de seu melhor amigo. Com a ajuda do oficial da inteligência japonesa Tanaka (Ken Watanabe), Paul concentra a sua investigação no gângster Anthony Lanting (Yun-Fat Chow) e em sua bela esposa Anna (Li Gong). Paul e Anna se envolvem. Drama. Classificação 14 anos. Cinemark

Blunt), dançarina de balé. Ele acredita que ela é a mulher dos seus sonhos, mas percebe que esforços ocultos atrapalham o romance. Drama. Classificação 10 anos. Cinemark e

em 8 de abril. 105 minutos.

Diretor: Wes Craven. Sidney Prescott (Neve Campbell) é autora de um livro de autoajuda e retorna a Woodsboro para promover o lançamento. O retorno de Sidney também traz Ghostface de volta, colocando Gale (Courteney Cox), Dewey (David Arquette), Jill (Emma Roberts) e toda a cidade em perigo. Terror. Classificação 12 anos. Cinemark e

Eu sou Número 4 Diretor: D.J. Caruso. Nove jovens alienígenas fugiram do planeta Lorien, ameaçado pelos Mogadorians, para se esconder na Terra. Quando se tornam adultos, desenvolvem poderes sobrenaturais. Mas os invasores estão dispostos a pegá-los e isso precisa acontecer na sequência certa. Um, Dois e Três já foram assassinados e agora o Número Quatro (Alex Pettyfer) será o próximo alvo. Ação. Verifique a classificação. Cinemark em 15 de abril. 109 minutos.

Fúria sobre rodas Diretor: Patrick Lussier. A história de Milton (Nicolas Cage), que sai da prisão para uma última chance de regeneração. Ele tem a missão de acabar com um culto de magia negra liderado por Jonas King (Billy Burke), que assassinou sua filha. Aventura. Classificação 12 anos. Cinemark e Kinoplex em 1° de abril. 104 minutos.

HOP – Rebelde sem páscoa Diretor: Tim Hill. O coelho da Páscoa é atropelado por um homem preguiçoso e fica impedido de pular porque quebrou a perna. O motorista precisa aprender o trabalho do coelho e salvar a Páscoa. Animação. Classificação livre. Cinemark em 29 de abril e Kinoplex em 22 de abril. 116 minutos.

Os agentes do destino Diretor: George Nolfi. David (Matt Damon) é um político prestes a se eleger para o Senado. Conhece então Elise Sellas (Emily

Kinoplex em 15 de abril. 105 minutos.

Pânico 4

Kinoplex em 15 de abril. 111 minutos.

Rápida vingança Diretor: George Tillman Jr. Depois de cumprir dez anos de prisão, Driver (Dwayne Johnson) só tem um objetivo: vingar a morte de seu irmão, assassinado em um assalto mal planejado. Mas um policial veterano (Billy Bob Thornton) e um matador de aluguel (Oliver JacksonCohen) querem atrapalhar seus planos. Ação. Verifique a classificação. Kinoplex em 1° de abril. 98 minutos.

Rio Diretor: Carlos Saldanha. A história de Blu, uma raríssima arara-azul, que estava muito bem em sua vidinha de cativeiro em Minnesota, mas acaba no Rio de Janeiro, deparando-se com muita confusão. Animação. Classificação livre. Cinemark em 8 de abril. 107 minutos.

Sequestro Diretor: Wolney Atalla. O trabalho da Divisão Antisequestro da Polícia Civil de São Paulo, acompanhado durante quatro anos. A realidade e a rotina de quem lida com esse tipo de crime. Documentário. Classificação 12 anos. Kinoplex em 29 de abril. 94 minutos.

The roommate Diretor: Christian E. Christiansen. Sara (Minka Kelly) acaba de chegar à universidade e descobre que precisa dividir o quarto com Rebecca (Leighton Meester). A colega de quarto se torna obcecada por ela e coloca sua vida em risco. Suspense. Verifique a classificação. Kinoplex em 1° de abril. 91 minutos.

Thor Diretor: Kenneth Branagh. Após se desentender com Odin (Anthony Hopkins), Thor (Chris Hemsworth) é enviado para a Terra. Desmemoriado, leva uma vida como se fosse um homem comum e conhece Jane Foster (Natalie Portman), por quem se apaixona. A morte de Odin faz com que o reino de Asgard fique nas mãos de Loki (Tom Hiddleston), o irmão de Thor. Loki quer eliminar Thor por considerá-lo uma ameaça a seu poder. Ação. Classificação 12 anos. Cinemark e Kinoplex em 29 de abril. 90 minutos.

Uma manhã gloriosa Diretor: Roger Michell. A carreira de Becky Fuller (Rachel McAdams) como produtora de TV não vai bem, assim como sua vida amorosa. Demitida de seu programa de notícias, surge a oportunidade de dar uma turbinada em outro, trazendo o âncora Mike Pomeroy (Harrison Ford), que não tem a menor vontade de apresentar matérias de moda e fofocas de celebridades e não quer trabalhar em dupla com a apresentadora Colleen Peck (Diane Keaton). Becky encontra espaço para abrir seu coração e se encantar por Adam Bennett (Patrick Wilson). Comédia. Classificação 12 anos. Cinemark e Kinoplex em 1° de abril. 102 minutos. Cinemark Iguatemi: 3577-5140; Pier 21: 3223-7506; Taguatinga Shopping: 3352-4708 www.cinemark.com.br Kinoplex: 3329-1617 www.kinoplex.com.br


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Música

Natalie Cole provou, nos mais de 30 anos de carreira, o talento necessário para não viver sob a sombra de Nat King Cole. Aliás, foi inteligente ao se aproveitar no momento certo da visibilidade que seu pai poderia lhe dar. Começou tentando se afastar do clichê da hereditariedade: seu estilo próprio chamou a atenção no primeiro CD, Inseparable, que lhe rendeu o primeiro Grammy. Mas, depois de ter a carreira interrompida em decorrência do uso de drogas, recorreu à ajuda do pai. Lançou, em 1991, o álbum Unforgettable... With Love, com os maiores sucessos dele. Com uma ajudinha da tecnologia, fez um dueto com o pai, falecido 15 anos antes, na faixa-título Unforgettable. Resultado óbvio: milhões de cópias vendidas, mais prêmios e o auge da carreira. Natalie é uma aula de música. Cantando soul é potente, com um som quente

Música

NATALIE COLE

à la Aretha Franklin; nos álbuns de jazz

Nove vezes ganhadora do Grammy, a cantora e compositora Natalie Cole volta aos palcos com a turnê An evening with Natalie Cole. Ela interpretará músicas de Still Unforgettable e outros sucessos da carreira. 12 de abril, às 20h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Ingressos

veis. É também uma aula de carreira.

mistura Ella Fitzgerald e Barbra Strei-

(inteira): VIP superior R$ 200; Especial R$ 300; VIP Lateral R$ 400; VIP R$ 500. Classificação 16 anos. Telefone: 9983-4585.

sand, com controle e afinação impecáAlcançou estilo único sem se despir da óbvia carga em seu sangue. No dia 12, desembarca pela primeira vez em Brasília com nove Grammy Awards na bagagem. Torço para que algum filho

Ana Carolina – Ensaio de cores

VIP Lateral R$ 180. Classificação 16 anos. Telefone

de artista desiludido por não ter o mes-

não informado.

mo sucesso do pai leia isto aqui: Quer

Apresentação única do projeto Ensaio de cores, que mistura a música com a apresentação de telas pintadas pela cantora, que estarão expostas no foyer do auditório. Parte do valor arrecadado com a venda das telas será revertida para a Associação de Diabetes Infantil. 29 de

de abril, às 22h, no ginásio Nilson Nelson. Ingressos

abril, às 21h, no Centro De Convenções Ulysses

(inteira): Arquibancada R$ 120; Especial R$ 200; VIP

Guimarães. Ingressos (inteira): Balcão Superior

R$ 400; Premium R$ 500. Classificação 16 anos.

R$ 100; Plateia R$ 160; Plateia VIP R$ 250; Plateia

Telefone: 4003-1212.

um conselho? Vá ao show.

Bee Gees by Robin Gibb Apresentação do cantor e compositor inglês Robin Gibb, um dos integrantes do Bee Gees, com o show Bee Gees by Robin Gibb. 15

Bruno Gafanhoto É músico profissional, formado pela Universidade de Brasília (UnB). Professor do Instituto de Bateria Bateras Beat e baterista da banda brasiliense Zero10.


Arte, Cultura e Lazer Brincadeiras musicais O grupo Palavra Cantada apresenta Brincadeiras musicais, show de músicas infantis com conteúdo poético, humor e arranjos refinados. 2 de abril, com duas sessões, às 15h30 e às 19h30, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Ingressos (inteira): Área VIP R$ 180; Área especial R$ 120; Área superior R$ 80. Classificação livre. Telefone: 3368-4135.

Clube do Choro Em 2011, o Clube do Choro do Brasil traz a Brasília nomes consagrados da música instrumental brasileira, além de revelações ainda pouco conhecidas do público. Shows às

de Toquinho. Até 3 de abril, com sessões às 15h Teatro

A Lua vem da Ásia A loucura é o tema central do espetáculo. O protagonista, um homem incomum em busca da compreensão e da justificativa da vida e da morte, conta momentos de sua vida, desafiando, com muita ironia, a lógica do mundo em que vive. Com Chico Diaz, direção de Moacir Chaves e supervisão de Aderbal Freire-Filho. Até 3

14 anos. Telefone: 3224-0599. Sebastião Tapajós: 30 e 31 de março e 1° de abril. Sivuquinha: 2 de abril. Wagner Tiso e Márcio Malard (piano e violoncelo): 6, 7 e 8 de abril. Salamão Di Pádua: 9 de abril. Marco Pereira e Rogério Caetano (violão): 13,14 e 15 de abril

abril, às 21h, e 3 de abril, às 20h, no Espaço Cultural Brasília Shopping. Ingressos (inteira): R$ 40. Classificação 14 anos. Telefone: 2109-2122.

Cinco Da Cia. Teatral Neia e Nando, a história de cinco adolescentes que são punidos, tendo de ir à escola num sábado para escrever uma redação. Obrigados a conviver por um dia inteiro, os jovens entram em conflitos. 31 de março e 1° de abril, às 18h, no Espaço Cultural Brasília Shopping. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ anos. Telefone: 2109-2122.

Grupo Boca do Mundo Música popular para coro, como forma de incentivar a criação de novos arranjos e a inclusão desse gênero nos programas de coros de Brasília e do Brasil. 13 de abril, às 18h, na Livraria Cultura Iguatemi Brasília. Entrada franca e livre. Telefone: 2109-2700.

Pocket show Sete Etes A Banda Sete Etes, de Brasília, toca sucessos que marcaram a música pop brasileira, como Fogo e Paixão, Cama e Mesa, e Amor e Poder. 30 de março às 19h30, na Fnac de Brasília (ParkShopping). Entrada franca e livre. Telefone: 2105-2000.

quando o tesão é cego

Telefone: 3349-4113.

Armandinho Macedo (bandolim): 20, 21 e 22 de abril.

Ana Reis: 30 de abril.

O homem de Buenos Aires ou

Ingressos (inteira): R$ 15. Classificação 16 anos.

5 para alunos do Colégio Sigma. Classificação 14

Léo Gandelman (saxofone): 27, 28 e 29 de abril.

Telefone: 3310-7087.

às 20h. No Centro Cultural Banco do Brasil.

de abril, de quinta a sábado, às 21h; e domingo,

Gafieira em concerto: 16 de abril Marlene Souza Lima e Grupo: 23 de abril.

Ingressos (inteira): R$ 15. Classificação livre.

Produzida pela Cia. Plágio de Teatro, apresenta as confusões das relações e impressões dos brasileiros em relação à América Latina. Sérgio Sartório é o uruguaio Jorge Quiroga, que encontra três brasileiras com temperamentos bem distintos. 1° e 2 de

quartas, quintas, sextas e aos sábados a partir das 21h. Ingressos (inteira): R$ 20. Classificação indicativa

e às 17h, no Centro Cultural Banco do Brasil.

O mágico de Oz A montagem, com roteiro baseado na obra e livro original de L. Frank Baum, se destaca pelo uso de tecnologia. O teatro contará com telões centrais e laterais de projeção, e logo na entrada o público receberá óculos especiais, para poder assistir a cenas especialmente filmadas em 3-D e o chamado efeito 4-D. 9 e 10 de abril, às 15h e 19h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Ingressos (inteira): Poltrona VIP R$ 240; Poltrona especial R$ 160; Poltrona superior R$ 100. Classificação livre. Telefone: 3248-5221.

Menininha Espetáculo musical infantil que reúne músicas dos álbuns Arca de Noé 1 e 2, de Vinicius de Moraes, e Casa de Brinquedos,

Exposições

Apo Fousek dos 3 aos 100 Apo Fousek, jovem artista paulistano, montou uma exposição com pluralidade de meios e suportes como pranchas, skates, tecidos e garrafas. São 105 obras. Até 17 de abril, das 9h às 21h, na Galeria Vitrine da Caixa Cultural de Brasília. Entrada franca e livre. Telefone: 3206-9448.

Arte de Minas Gerais A exposição 2x Minas x2 reúne esculturas, quadros e objetos assinados por quatro artistas plásticos de Minas Gerais: Amílcar de Castro, Manfredo de Souzanetto, Marcos Coelho Benjamim e Rodrigo de Castro. Até 18 de abril, de segunda a sábado, das 10h às 22h, e aos domingos, das 14h às 20h, na Referência Galeria de Arte (Shopping CasaPark). Entrada franca e livre. Telefone: 3361-3501.

Casulo Projeto do artista mineiro Darlan Rosa composto por quatro peças gigantes concebidas para ser tocadas e descobertas pelo público. Exposição permanente, no Centro Cultural Banco do Brasil. Entrada franca e livre. Telefone: 3310-7081.


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Dores da Colômbia

Orange gardens

Exposição com parte das obras de Fernando Botero. São pinturas a óleo e 44 desenhos, feitos entre 1999 e 2004, que registram a violência que há muitos anos atinge a Colômbia. Até 1° de maio, das 9h às 21h, na Galeria

A artista visual Cris Bierrenbach apresenta a nova montagem da instalação Orange gardens. O público percorre um labirinto feito de tijolos fotografados e impressos em tecido transparente. Até 24 de abril, das 9h

Principal da Caixa Cultural de Brasília. Entrada

às 21h, no Complexo Cultural Funarte – Galeria

franca e livre. Telefone: 3206-9448.

Fayga Ostrower. Entrada franca e livre. Telefone: 3322-2076.

Fotografia em revista Mais de 500 imagens de 162 profissionais publicadas em revistas da Editora Abril. Até 24 de abril, de terça a domingo, das 9h às 18h30, no Museu Nacional da República. Classificação 16 anos. Entrada franca. Telefone: 3033-2929.

Luzes do futuro As abstrações do artista cearense Mano Alencar, conhecido como o “poeta das cores”. A exposição reúne 30 telas com Brasília como inspiração. Até 9 de abril, de segunda a sexta, das 10h às 19h, e aos sábados, das 14h às 18h, no Espaço Cultural Marcantonio Vilaça – Edifício do Tribunal de Contas da União. Entrada franca e livre. Telefone: 3316-5074.

Mariko Mori – Oneness Mostra ampla e abrangente da artista japonesa contemporânea Mariko Mori, que utiliza o design e a arte de vanguarda para compor elementos de engenharia de ponta, interativos e de forte impacto físico e visual. Entre os trabalhos estão o Oneness, um círculo de seis figuras confeccionadas em technogel (material novo, entre o sólido e o líquido) que interagem ao toque do visitante. Até 3 abril, das 9h às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil. Entrada franca e livre. Telefone: 3310-7087.

A beleza do caos A dinamarquesa Soren Dahlgaard, com A beleza do caos: pintura expandida, reúne objetos decorativos ou utilitários do cotidiano, como plantas e pães. Até 1° de maio, no Espaço Ecco. Entrada franca e livre. Telefone: 3327-2027.

Livros

Além do arroz com feijão, de Maílson da Nóbrega

Editora: Civilização Brasileira O livro apresenta a vida de Maílson da Nóbrega – ministro da Fazenda de 1988 a 1990 – desde a infância no interior da Paraíba. As transformações sociais no Brasil desde a década de 1940 são retratadas paralelamente à vida do hoje renomado consultor. 7 de abril, às 19h, na Livraria Cultura Iguatemi. Telefone: 2109-2700.

Mapas do acaso, de Humberto Gessinger

Editora: Belas Letras Humberto Gessinger fala de momentos especiais da sua intimidade desde menino, contando novas e velhas histórias dos Engenheiros do Hawaii que nunca foram publicadas. 4 de abril, às 19h, na Livraria Cultura Iguatemi. Telefone: 2109-2700.

de todas as religiões.

7 de abril, às 19h30, na

Livraria Cultura CasaPark (auditório). Entrada franca. Telefone: 3410-4033.

Bate-papo Alan Marques O repórter fotográfico Alan Marques, da Folha de S. Paulo em Brasília, falará sobre a cena política brasileira desde a década de 90 a partir de seu livro Nunca Antes – Uma viagem em 88 fotos pela era Lula. 31 março, às 19h30, na Fnac de Brasília (ParkShopping). Entrada franca e livre. Telefone: 2105-2000.

Líderes que fazem a

mudança funcionar, com Alessandro Marques

Alessandro Marques, pesquisador do comportamento humano, aplica seus conhecimentos em programação para auxiliar pessoas e organizações a melhorar seus resultados, conquistar seus objetivos e melhorar a qualidade de vida. 13 de abril, às 19h30, na livraria Cultura CasaPark (auditório). Entrada franca. Telefone: 3410-4033.

Terças psicológicas: ciúme,

do normal ao patológico, com Fábio Augusto Caló

Trata do ciúme, emoção natural, mas que, quando não controlada, pode trazer desde meros inconvenientes até problemas sérios, como agressão física e verbal. 19 de abril, às 19h30, na livraria Cultura CasaPark (auditório).

palestra

A Ciência da Kriya Yoga, com Gonesh Baba

A Ciência da Kriya Yoga é uma antiga prática espiritual de concentração, meditação e reenergização que busca desenvolvimento simultâneo da mente, do corpo, do intelecto e da alma. A técnica não exige a prática de posturas e exercícios físicos complexos, sendo praticada por pessoas

Entrada franca. Telefone: 3410-4033.

Terças psicológicas:

sexualidade masculina,

com Fábio Augusto Caló Uma discussão, sob o enfoque da psicologia, dos principais problemas sexuais masculinos e seus determinantes. 26 de abril, às 19h30, na livraria Cultura CasaPark (auditório). Entrada franca. Telefone: 3410-4033.


Banquetes e botecos } ilustração Míriam Guimarães

Por Marcela Benet

Quer comer bem? Vá ao La Chaumière

12345 O ambiente é de um bistrô parisiense tradicional. Poucas mesas, simples e, claro, comida excelente. O La Chaumière é um dos mais antigos restaurantes de Brasília. Abriu em 1966, mas em 1973 a proprietária Lucette, francesa, resolveu voltar para seu país. Não queria que a casa fechasse e então a vendeu, em condições especiais, a um garçom que mostrava inegável gosto pela cozinha. Desde então, Severino se confunde com o La Chaumiére. É a família de Severino que toca o negócio. Os pratos são feitos por sua mulher, Maria das Graças, e agora também pelo filho Alex. O restaurante é pequeno. As mesas ficam muito próximas, o que não é bom para aqueles que querem mais privacidade, seja para articulações políticas, lobbies, namoros. Pra quem não tem tantos segredos e aprecia um local agradável e boa comida, isso é o de menos. Eraldo, modelo de garçom atencioso e educado, conhece os fregueses mais contumazes pelo nome e sabe qual é o prato preferido de cada um deles. O serviço é excelente. Severino sempre aparece para conversar com os clientes. Algumas vezes surge paramentado como chef, mas é mais comum encontrá-lo de paletó e gravata. A sensação que o cliente tem de ser alguém especial é reflexo do carinho dos donos pela casa. Como entrada, pães de alho quentinhos, torradas, rabanetes temperados e um patê de fígado maravilhoso, produzido ali mesmo. A carta de vinhos é boa, mas nada espetacular. Há opções interessantes, mas não muito diversificadas. Quando fomos, num dia de semana, escolhemos um Chianti reserva Piccini da região da Toscana, Itália. Mas o cardápio é perfeito. Pode ter a certeza de que não se arrependerá, seja lá o que você pedir. Nós escolhemos Filé Lyonnaise e Peixe Meunière. O filé derrete-se na boca e o peixe tem textura espetacular. A batatinha soutè – uma das marcas da casa, ao lado da farofa – é cortada pequenininha, o que dá mais vontade de comê-la. Tudo é especial! Isso tem um preço. O La Chaumière não é barato, os pratos estão na faixa de R$ 70 a R$ 90. Mas, para quem gosta de bom serviço e de boa comida, vale a pena cada tostão. Como toda regra tem sua exceção, e nada é perfeito, depois de tanta satisfação faltou um café à altura. Não há como esconder: o café do La Chaumière é ruim. Mas quem vai se importar? La Chaumière SCLS 408 bloco A loja 13 (61) 3242-7599 Domingos: 12h – 15h 3ª a 6ª: 12h - 15h e 19h – 0h Sábados: 19h – 0h


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