#21 Marginalidades

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outubro 2004

nu # 21 marginalidades

marginalidades nu # 21 outubro 2004 PVP euro 3.0


editorial Rui Aristides

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o mau e o vilão João Crisóstomo

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architectural thought is a regime Gonçalo Furtado prólogo - hipótese 1 - o bluff

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marginalidade e arquitectura: Neurose 23 ingrid leischner - excertos biográficos Vitor Figueiredo: Jorge Cruz Pinto a condição marginal e a poética do vazio entrevista a Beatriz Colomina Inês Dantas + Gonçalo Azevedo arquitectura em tempos de ressentimento Mário Krüger the atlantic wall Gennaro Postiglione os marginais orgulhosos José Brites do modelo espacial Jack of all Trays FAN ao pulso recreativo da casa nº2

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lixo Pedro Jordão

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p.a.r.a.s.i.t.e.s. Marta Pedro

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a cidadania das comunidades em auto-exclusão Alice Faria

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A NU é a publicação planeada e produzida pelos estudantes do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra. Essencial, imparcial e descomprometida, a NU é uma ferramenta de aprendizagem que tem como objectivo a reflexão e debate em diversos temas relacionados com a arquitectura, enriquecida pela colaboração de diversos arquitectos e académicos de todo o mundo.


ARCHITECTURE IS MORTAL. * Rui Aristides

À definição de um campo de conhecimento está sempre associada uma selecção, enquadramento, delimitação, acção que procura de forma calculista, objectiva e pensada criar uma estrutura compreensível para a existência e proliferação do conhecimento. Tal como qualquer objecto, o conhecimento disciplinar também se destina a um consumo tendencialmente massificado sendo o seu objectivo final, o da aceitação total, o aplauso unânime por vezes hipócrita. Subsequente à definição disciplinar está a visão crítica, frenética, por vezes violenta sobre caminhos tão batidos que ao olho do marginal em potência parecem dramaticamente entediantes, a vontade de fugir ao simples, ao sedimentado torna-se o derradeiro impulso, os mestres transformam-se em inimigos, em alvos a abater. Quando o copo transborda, o caminho inexplorado é o único que resta trilhar e a partir da descoberta traça-se o caminho alternativo. A partir desta situação nascem outros conhecimentos, teorias que crescem fora dos limites desenhados pela disciplina, assumidamente marginais. Estes servem para quebrar a definição da disciplina, servem para oferecer outras interpretações da arte e do mundo, surgindo como apêndices às áreas do conhecimento. A sua existência é algo de congénito, que cresce em paralelo ao “mainstream”, permanecendo durante a sua existência, uma excepção, um objecto aparentemente dispensável. A maior parte destas situações, teorias, mensagens, projectos marginais surgem para melhor desenhar e evidenciar os limites da disciplina, são criadas a partir de uma necessidade de conhecimento completo, limitam a expansão da mesma ao atingir uma área solta do “mainstream”. O processo criativo, por vezes, inevitavelmente ou deliberadamente destrutivo perturba o fio condutor da disciplina, violenta a sua instituição, para que, através dessa violência se procriem novos significados e referenciais. Pode até ser um acto criminoso, um obstáculo, cuja função é reagir e fazer reagir mas é também uma acção composta a partir do preexistente, do estilo dominante, é feita para existir na sua margem, na margem da regra. O marginal é como um assassino, ao renegar as regras quando mata, quando disturba permanentemente e abruptamente a ordem das coisas, criando de imediato uma nova situação, uma redenção criadora. Matar implica destruir, aniquilar, não a existência, mas um momento dela, o objectivo que pretende produz-se de uma peculiaridade, de um infinitesimal no sistema que se expõe, ganha espaço, revoluciona, no entanto a sua escala não é a da revolução. Destapa-se a ferida. Como tal, o assassínio, o que se estende na compreensão, procurando os seus limites é e será sempre punido, punível, marginal mas coexistente. * aluno do 4º ano do dARQ. [outubro 2004] 02.03


O mau e o vilão João Crisóstomo*

O vilão, pensava que era louco, mas tinha a certeza que não o era. Não teria medo de o ser mas receava que o fosse. O livro. O livro está na estante. Doutro modo, não estando a ser lido, haverá outro lugar para o pôr? Quando muito restam umas mesas, porventura um cadeirão... mas de resto o livro tem de estar na estante. Porquê? Porque é lá que tem de estar. A estante serve para pôr livros e os livros têm de ser postos na estante. Certo? Certo, dirão alguns. O quarto. Um quarto. A um quarto corresponde: uma cama, duas mesas-de-cabeceira, uma cómoda (preferencialmente com espelho), um guarda-roupa (de parede ou não) e eventualmente uma cadeira (para ser posta num canto, claro). A cama encosta-se pela sua cabeceira a uma parede e é este o lado oposto ao dos pés quando alguém se lá deita. Verdade? Verdade, responderão os mesmos alguns. Uma casa. Uma cozinha. Ora, à hora da refeição faz parte das obrigatoriedades gravadas na memória estar sentado à mesa, sozinho ou não – o que importa é ter uma mesa tal como foi ensinado e aprendido. A mesma pergunta. A mesma resposta. Breve e absurda, talvez. Mas de certo, virilmente irónica e propositadamente radical – a caracterização dum do mundo do cosmos que é a realidade. Porque não empilhar os livros no chão, dormir ao contrário ou comer de pé num parapeito de janela com o olhar esborrachado através do vidro observando o admirável mundo exterior? Pensa, observa e entende. Repensa, observa mas não entende. Faz por entender e entende. É um ciclo vicioso, intuitivo. Um ciclo que cabe apenas a alguns mas não aos alguns, não aos maus. E isso apoquenta-o. O vilão revolta-se. Mexe-se e remexe-se, torce-se e contorcese, dobra-se e contrai-se, gira e esmiúça-se. Enfim respira. Suspira e conforma-se. Está resignado. Não os percebe mas percebe porquê e percebe também porque o são. Melhor, não os percebe mas entendeos. Só por isso se rende. Mas só rendido a si, nunca a eles. Está resignado. Apenas por agora resignado...

[outubro 2004] 04.05

não tardará a procurar mais e mais porquês e a chamar a si os maus e a especular sobre eles e sobre si e sobre tudo o resto e... Ui!... Por agora resignado. Mas tudo o resto é muito e ainda muito mais haverá. Perpetuamente entreterá a razão. Mas por agora... por agora resignado... O mau e o vilão. Um duelo. Antes de mais, tente-se esclarecer: talvez haja maus e vilões apenas porque não há bons. Não há os maus e os bons. Todos ou são maus ou são vilões. Os maus são maus porque não são vilões e os vilões são vilões só porque os maus sabem que os vilões não são maus, logo são vilões. Os maus não se importam de ser maus. Pouca consciência têm disso. Os vilões veneram ser vilões. Não gostavam de ser maus mas não deixam de ter inveja. Perenemente se assiste, pois, ao confronto que opõe duas partes. Partes genuinamente tão iguais que são tão diferentes talvez apenas em consequência da sorte que calhou a cada uma. A uma calhou a capacidade de ver, à outra a de observar. Melhor, às duas calhou a de ver mas uma foi capaz de a desmontar e


transformá-la na de observar. Capacidade de ver e capacidade de observar – uma tem-se e outra constrói-se, erige-se. Quem vê, olha. Quem observa, pensa. Ver é fácil. Ver é mais fácil. Não se pode pois estranhar que esta postura arraste um maior número de simpatizantes e sócios cativos. Sócios que se movimentam num encolhido campo de manobra, num campo demasiado fechado entre si e perante si mesmo, raramente rompido por súbitas manifestações de inteligência que imediatamente se diluem na perfeita apatia vivida pelos seus habitantes perante a realidade que os rodeia e na irritante relação directa que estabelecem com ela. Observar é mais custoso, menos trivial. Escasseiam talvez por isso as excepções à mole envenenada de quem vê. Há menos quem tenha os sentidos equipados com radar. Só o radar permite subir mais alguns degraus, ter uma visão mais abrangente, expandir o pensamento e deixar- se embrenhar na interrogação, no espírito crítico, na intelectualização, revelando uma obcecação pela realidade que quase obriga a uma devoção como a de um fiel religioso. E tal como um fiel religioso, a grande devoção pode doer. Quem vê não percebe quem observa, rejeita; quase não sabe, aliás, o que é observar. Para quem observa, a maior dor não é a de uma pergunta sem resposta. Talvez seja, no limite, a dor de observar que quem vê não tem dor, a dor de pensar. Com a natural sofreguidão de observar, conhecer e perceber, qualquer reflexão, afirmação, opinião ou acção promovida de uma forma natural e espontânea pelos vilões (que observam) que ultrapasse a realidade enevoada dos maus logo é recebida cheia de exclamações. Tudo isto entra mais visivelmente em cena no palco da Arquitectura. Talvez se possa afirmar que é aqui que este confronto se mais põe a nu. É aqui mais fácil perceber-se o completo divórcio entre as partes. Não parece simples a integração ou aceitação de algumas obras produzidas por arquitectos nos horizontes turvos de alguns. E a rudeza da existência desta dificuldade

aparece condensada nas exclamações ou desabafos ignóbeis do género «É à arquitecto!». Tudo aqui fica patenteado. Se uma vez mais se transpuser o limite do familiar (não só ao nível da arquitectura) daquilo que é taxativamente ensinado, taxativamente apre(e)ndido e taxativamente vivido corre-se o risco de se estar à margem, de pôr a descoberto uma outra vez o dogmatismo instalado. A Arquitectura não se faz por si só. Como uma pedra caída na água, provoca ondas em seu redor. Mas, mais que isso, também ela apenas sobrevive dos estímulos do mundo exterior, qualquer tipo de cultura, qualquer problema. O porquê, o espírito crítico, o intelectualismo vão embasando a Arquitectura, legitimando-lhe dessa forma o cepticismo, a mudança, a quebra que de uma forma criativa assassina a medíocre realidade de alguns. Utopicamente se espera que os maus apertem as mãos aos vilões num plano global (do qual a arquitectura também faça parte). Mas certamente bem mais fácil é ser-se pateta feliz, bem mais fácil é dizer que uma casa é uma coisa branca, com uma porta e duas janelas, um telhado vermelho e uma chaminé a deitar fumo. 1

* aluno do 2º ano do DARQ.

1 não se quererá com isto qualificar a legitimidade ou validade do céptico e do dogmático; apenas reptar consciências para a situação da não verificação de reciprocidade no que toca ao cepticismo entender o dogmatismo;2 2 enfim, passem para a próxima página;


ARCHITECTURAL THOUGHT IS A REGIME PROLOGO – HIPOTESE 1 – O BLUFF * Gonçalo Furtado

A situação das revistas de Arquitectura em Portugal? A reflexão sobre esta questão pode ser realizada sob múltiplas perspectivas e com mútliplos propósitos. A presente, não só partilha um comum desejo de enriquecer teórico-criticamente as plataformas discursivas arquitectónicas, como enfatiza a necessidade do relacionamento com essas. Requerer um comprometimento retórico e uma dinâmica reflexiva auto-crítica, que inademissivelmente são substimadas e contornadas. A justificação desta necessidade remeteria para a história recente da prática da Teoria de Arquitectura em Portugal, que resumidamente poderia contemplar a profunda mediatização recente, a multiplicação de plataformas e actores, a fragmentação da escola em escolas fragmentadas, etc em paralelo com a multiplicação de estudantes-profissionais, protagonismo social, etc. A implementação deste background vem suscitando uma mutação (nem sempre consciente) do conteúdo e mecanismo discursivos, em estratégias precisas ainda que tão superficialmente imberbes e ocultadas. Poderia parecer esotérico neste momento delas falar, mas quanto à validade da sua performatividade, no entanto, constata-se já um antagonismo entre os que reconhecem benefícios e os que as reduzem a algo profundamente perverso. Neste contexto hostil, seria injusto reconhecer a acção de um par de cultureclub dentro do associativismo de uns poucos promotores culturais que conseguem jogar nas instituições, e também de raros editores de revistas apesar de geralmente intuitivamente íntimos. Tudo isso joga e assume um papel no quadro específico que se conforma no período recente. Não deixa de ser sintomática, a progressiva definição e moldagem dos actores, num posicionamento estratégico inter-profissionalizante, sobretudo quando nos recordamos do seu reincidente reencontro em eventos relacionados com aquilo que estruturalmente os unira, nem que fosse numa natureza-essencial potencial, que não era senão a crítica. Quanto ao estrangulamanto da crítica, não é o que mais nos interessa focar agora, isto é, não falamos em termos macro da cultura do estado, ou do estado


da cultura arquitectónica, nos termos em que se veio conformando com os seus benefícios e tristes perversões, mas da necessidade que tudo seja pautado por uma dinâmica reflexiva auto-crítica que sempre as construções culturais devem comportar. Isto é, (e passando de leve a distinção teoria-crítica), constatamos que essa reflexividade auto-crítica nua se contenta com a tímida rede de pressupostoscontributos teóricos e selectividades críticas dessas classes-plataforma. Que é distinto daquilo que até há pouco poderíamos encontrar em alguma práticas teóricas autónomas, e que hoje teria de resvalar para uma teoria da crítica e autocrítica. De facto, e pondo de lado algum trabalho histórico realizado frequentemente difundido com a teoria, contam-se pelos dedos os projectos teóricos existentes, ou se quiserem mais explicitamente – os autores que vêm realizando uma construção teórica pessoal e que a partilham. Trocam-se cartões banais, circula-se pelos vários pólos arquitectónicos, mas sejamos honestos com aquilo que alimenta a teoria contemporânea: um realismo que exija o impossível (cit.). Neste sentido, não há teoria de arquitectura em Portugal. Há plataformas e agentes de acção cultural. Há revistas mais para o formato profissional de massas, mas sem fornecer verdadeiro conhecimento técnico-construtivo; há outras mais sofisticadas algo elitistas e cruzando arte e design fora do contexto italiano; há outras próximas do formato teórico mas sem o rigor academico anglo-saxónico e alimentadas pelos históricos e conversadores, há outras mais confusas alimentadas pela generosidade da importação, e outras de todo confusas. A discussão sobre as revistas em Portugal remeteria assim para múltiplas outras. Optamos aqui, de um modo egoísta e subjectivo, por expor algumas ideias que viso discutindo no escritório para construir PROJECTOS CRÍTICOS.

* arquitecto, docente na FAUP.

[outubro 2004] 06.07


Marginalidade e Arquitectura: Ingrid Leischner - excertos biográficos * Neurose23, Núcleo Para-Arquitectura

Ingrid Leischner nasceu em 1900 em Darmstadt (Colónia), a terra das artes decorativas e ourivesaria da Alemanha. Frequentava, com a idade de cinco anos, a grande fábrica de metais Darmstadt na qual a mãe trabalhava como telefonista. Depois de uma breve formação no campo das artes, e imediatamente após a primeira grande guerra, é convidada a integrar a secção de designers de ourivesaria da fábrica - cargo que ocupa por um curto período de tempo apesar do seu trabalho exemplar. A maior parte dos trabalhos que fazia eram fortemente condicionados pela encomenda – daí, em grande medida a explicação para que nas suas primeiras peças seja nítida a influência Arte Nova – o que se traduzia num processo incompatível com um notório talento artístico em ascensão e uma certa condição de irreverência juvenil. Leischner teve um percurso académico e de formação artística nada convencional; entre a pintura, a escultura e as artes decorativas, na frequência irregular de diversas escolas, a aprendizagem parecia ser um processo erróneo e sem consequências. Começa a interessar-se pela arquitectura precisamente quando o cenário europeu era o da destruição do pós guerra. É nesta altura que Leischner inicia um período de viagem de três anos que se traduziriam nos verdadeiros anos de formação e que representaram, posteriormente e com a necessária distância crítica, o que Leischner chamou de “experimentação arquitectónica por excelência”. Para além do sentido da viagem per se, Leischner levava consigo um objectivo-objecto de estudo bastante claro – a arquitectura vernacular – e dois destinos concretos – o Bangladesh, primeiro, e depois a África SubSaariana. No Bangladesh, a sua atenção centra-se na cidade de Dacca. A parte velha da cidade é caracterizada por ruas extremamente estreitas (cerca de 3m) com

construção muito densa. A frente estreita de cada um dos lotes é destinada a funções comerciais e desenvolvem-se em profundidade (nalguns casos até 30m) os espaços destinados a oficinas e habitação. Leischner elabora uma série de levantamentos – recorre essencialmente ao registo fotográfico – e sintetiza-os numa série de quadro tipológico. Ainda assim, estes estudos não pareciam ser um fim em si mesmo nem o seu interesse parecia ser de natureza tipológica; eram antes uma espécie de contextualização disciplinar dos fenómenos de congestão, e dos mecanismos urbanos de auto-organização. O período relativo à África Sub-Saariana foi passado junto de diversas tribos nómadas. Interesava-lhe sobretudo, mais do que os artifícios usados na contrução dos abrigos desmontáveis, a própria condição do habitar nómada e o fenómeno espacial do movimento. Começa aqui o esboçar das sua teorização em torno das questões do movimento do e no espaço. Em 1926, por motivos dos quais se desconhece a natureza, “cruza-se” com Hannes Meyer em Zanzibar, na Tanzânia, e regressam juntos à Alemanha. É nesta altura e pela mão do próprio Meyer que Leischner chega à Bauhaus de Dessau. Interessada pelas questões relativas à arquitectura e ao urbanismo que se levantavam na escola pela presença e direcção de Meyer (Meyer toma a direcção da escola em 1930, após a saída de Gropius em 1928), Leischner empenhase, paralelamente, em consolidar os resultados da sua pesquisa na ansia de poder encontrar alí um suporte teórico complementar. No entanto, a desilusão acabou por exceder as expectativas que depositara na escola. Ainda que em grande número, as mulheres não podiam senão fazer tecelagem, olaria e teatro, condição que a obrigou, de certa forma, a tomar uma posição reinvidicativa face ao funcionamento da escola e ao


próprio pensamento da arquitectura. Entretanto frequentava os ateliers de teatro, procurando manter uma actividade artística, principalmente na elaboração de cenários, matéria que sempre tinha sido do seu interesse mas, no entanto, secundarizada. Incómoda porque politicamente empenhada e activa, Leischner rapidamente se tornou mais uma peça que, juntamente com outros alunos e com alguns mestres, procurava contrariar a tendência para um academismo de pendor comercial. Esta forte instabilidade interna resultará então na divisão e dissolução da Bauhaus. A ordem e a disciplina de Mies vêm substituir a preocupação relativamente às questões sociais de Meyer. Face a este turbilhão interno na escola, Leischner afasta-se por completo da Bauhaus em 1931, um ano antes das forças nacional-socialistas a encerrarem. O CIAM 8, The Core, interessa particularmente a Leischner, mas o rumo tomado no seu debate e nas propostas só a afastam ainda mais de um organismo já de si fragilizado na busca de consensos. Contrariamente a Sert1, Leischner acredita que maiores vantagens virão não da criação de centros cívicos em espaços fixos, mas sim da total mobilidade destes. “Da mesma forma que nos Estados Unidos, carrinhas de venda de gelados percorrem as suburbanizações, perseguidas por grupos de crianças entusiasmadas na sua gulodice, os núcleos devem ser dotados da instabilidade e incerteza do movimento (...) para assim aliar o conforto comunitário à dinâmica da vida quotidana, evitando a alienação que se tem vindo a comprovar, decorrente do uso da imagem.”2 A cidade não se poderia cingir a estratos identificados, mas a fragmentos evolutivos que comportassem as alterações da circulação de população. Entendendo a cidade como um ponto de mobilidade humana e sem uma fixação geográfica constante,

possível através do uso de tecnologias, desliga-se quase totalmente do aspecto físico da mesma, fazendo uma proposição utópica com base em níveis distintos de interacção: memória, informação, deslocação e densidade (mais tarde desenvolvido noutros moldes pelos Archigram na plug-in city). Ciente do papel de empresas de processamento de dados durante a Segunda Guerra (como a IBM, responsável pelos inventários de material bélico germânico), concebe uma organização social pluralista, marcada pelo nomadismo populacional apoiado na capacidade da reconfiguração automática do programa habitacional. “Cada casa pode ser um lar automático para todos, por pouco tempo que nela residam. Não sendo anónima, a habitação devia conter indícios de identificação do seu habitante, possíveis pelo uso de tecnologia[...] A metrópole morrerá e dará lugar a uma cidade que são todas ao mesmo tempo” 3 Parcialmente recuperada pela Internacional Situacionista, incentiva as manifestações de recuperação e responsabilização social das cidades e suas formas aos seus habitantes e colabora num projecto experimental de Constant para um acampamento de ciganos, chegando mesmo a participar activamente no acontecimento Maio de 1968. Em 1969 impõe-se um exílio da arquitectura, acreditando no falhanço dos Situacionistas e desprezando a arquitectura corrente, entrando em depressão, mas escrevendo a sua obra única. Morre em 1970, vitima de uma reacção alérgica aos medicamentos.

* Carolina Sumares, João Mendes, Manuela Lomba e Rui Pedro Bordalo.

1 Mumford, Eric; The CIAM Discourse on Urbanism: 1920-1960; MIT Press, Boston MA, 2000 2 Leischner, Ingrid; ANIMA: Manifeste contre l'urbanisme actuel; Éditions Lyonnais; Lyon, 1969; 3 Idem, ibidem

[outubro 2004] 08.09


Jorge Cruz Pinto*

A CONDIÇÃO MARGINAL E A POÉTICA DO VAZIO

VITOR FIGUEIREDO

«Poucos são aqueles que aguentam meia hora a olhar simplesmente o mar em silêncio», dizia Vitor Figueiredo. Nas demoradas fumaças de cachimbo com que contemplava a planície em silêncio redescobria a mesma vivência de plenitude do espaço imenso do Mar-Oceano da sua infância. Nos largos horizontes do Mar e na Planície a visão procura ir além dos limites do mundo onde se encontra o vazio pleno que soube traduzir nos espaços arquitectónicos. Há cerca de um ano, Vitor Figueiredo chamou-me ao seu atelier para me mostrar a solução final do projecto para o Convento de Nª Srª dos Remédios em Évora, que há 15 anos vinha desenvolvendo numa procura «até ao paroxismo». A maqueta de parte dos pórticos do pátio, construída em esferovite à escala natural, invadira toda a sala de trabalho com pouco mais de 12m2. Nesse modelo testava ainda pequenas variações de forma - proporção, detalhe e modelação da luz - que informariam a macro percepção da obra. Por entre incertezas redimidas através da experimentação de várias soluções comparadas, fora recusando todo o efeito de fácil modernidade, recuperando o valor do muro espesso, as linhas subtis de contorno de retenção da luz e da sombra e o pórtico de pequeno vão, redizendo assim a escala e o ritmo do edíficio pré-existente que conduz a nova intervenção a uma espécie de assumido anonimato, - «como se nenhum arquitecto por ali tivesse passado» - é um dos seus desejos lapidares. Longe de qualquer revivalismo, procura valores essenciais de intemporalidade - despojamento, luz, escala, proporção, materialidade, - invariantes da vivência estética que podemos incluir na atitude chã que cruza grande parte da história da arquitectura portuguesa. Tido por iconoclasta, irónico e crítico, Vitor Figueiredo sempre renegou o sucesso fácil, distanciando-se das aparências das modas e mantendo-se à margem do mundo da convenção; em contrapartida, habita nesse «cerco fronteiriço», do limite, da marginalidade produtiva inconformista, onde se situam os verdadeiros criadores: os artistas, os místicos, os poetas, os visionários... que não se compadecem com as imposições convencionadas pelo mundo. Desde esse território fronteiriço, indaga os limites e adentra-se no cerco vazio do desconhecido, cultivando-o e devolvendo-o ao mundo 1. É por essa condição marginal que o seu legado não se esgota na arquitectura, nem na transmissão dos seus métodos didácticos, perdurando no inconformismo, na procura, na visão subtil e profunda, na entrega e na dignificação da vida através do processo, da obra e do sentir do outro. É essa condição marginal que sustenta o que podemos designar de anti-projecto; quando perante uma potencial encomenda de um projecto de arranjo de um largo, recomenda ao autarca que nada se faça como intervenção mantendo o espaço urbano existente totalmente incólume. Esta 1 Utilizamos

as expressões a partir de Eugenio Trías, Los Límites del Mundo, Ed. Ariel, Barcelona, 1985


atitude de profundo entendimento e respeito pelo carácter do sítio, contraria o lugar comum dos arquitectos agorofóbicos do mundo da acumulação que sempre se vêem obrigados a preencher o espaço de intenções e pretensões para deixar a marca das suas passagens ou justificar os seus serviços. Sob o inconformismo, o espírito mordaz de Vitor Figueiredo cultiva a ironia como uma forma de crítica e catarse, tantas vezes aliada a um certo sentimento trágico da condição humana. Porém, jamais essa ironia é revertida no projecto, a não ser para denunciar as fragilidades encontradas no próprio processo, deixando apenas no despojamento do espaço a inscrição desse último sentimento onde o mistério perdura. Esse mistério manifesta-se nos espaços arquitectónicos, sob uma forma de revelação que oscila entre uma certa insinuação sensual intencionalmente dirigida ao sentir do utente e uma condição metafísica suspensa dirigida ao espírito. Recordo quando projectámos a pequena Igreja de Albergaria dos Fusos, o propósito intencional de mistério epifânico que houve em torno da luz que inunda o espaço, símbolo de uma Ausência Presente ou de uma Presença Ausente da qual não se vislumbra a sua origem, permanecendo oculta pelo zimbório, sugerindo a suspensão da abóbada no vazio. Com outro sentido, na sua obra da Caixa Geral de Depósitos do Lumiar, o espaço pré-existente é submetido a um processo de transfiguração a partir do tratamento dos limites e dos pilares centrais, mediante o ilusionismo gestáltico-especular de carácter minimal. Paradoxalmente, multiplica os grossos pilares centrais para logo anular e desmaterializar a sua presença ao revestilos a espelho; assim, unifica e amplifica o interior; sob a neutralização do fundo, através do branco aplicado nas paredes e pavimento; faz concentrar toda a atenção no evento significativo criado pelo balcão ondulante revestido a veludo escarlate, que num só gesto sensual pictórico, «como uma fita chinesa», se converte no elemento de impacto sensorial. Também, sob a metáfora irónica e sensual alcunhara a obra da Escola Superior de Artes das Caldas da Rainha, laureada com o prémio Sécil 1998, como a sua «Claudia Schiffer», frente à obra inacabada do Pólo Universitário da Mitra que considerara a sua «verdadeira amante». A primeira imagem figurada traduz o reconhecimento público do Prémio Secil atribuído à Escola de Artes Caldas. Obra, onde em dois elegantes gestos de síntese, linear e curvo, o edifício se desdobra, horizontalmente marcado por subtis sulcos de rentenção das sombras; apoiado nos pilares que se adelgaçam no contacto com o chão, num impulso de flutuação gravítica; enquanto dos interiores brancos se enquadram ao fundo fragmentos abstractos do pinhal envolvente, como se de pinturas se tratara.

[outubro 2004] 10.11


Através da obra do Pólo da Mitra, o sentido do vazio informal redescoberto nos espaços dos terreiros alentejanos funde-se no horizonte distante da planície; e o mesmo elogio perdura nas grandes superfícies brancas e nas perfurações murárias que filtram a luz para os grandes espaços de transição. O vazio reclama a plenitude no seu contrário, na expressão e modelação das potentes massas voluméticas e estruturais, intencionalmente opostas aos cânones ligeiros da modernidade vigente. Parte desta condição marginal em torno do vazio pode também ser lida como resultante de um certo niilismo que se arrasta na dúvida contínua transposta para o acto de projectar, numa procura constante de ir além das margens do mundo. O seu modo de investigação revela o processo de depuração catártica, expresso desde as pequenas variações compositivas de alçados, introduzidas nas fotocópias que lhe servem de matriz e que se multiplicam pelas paredes do atelier, por entre a ironia de recortes eleitos do quotidiano e collages de jornais e revistas, com os quais se recriam novos sentidos. Sobre essas variações compositivas recai a comparação e a reflexão crítica, ao longo de horas de aceso debate, alternadas de contemplações silenciosas e amadurecimentos consequentes, onde o tempo se torna um factor determinante. Ao dizer que «a ideia do projecto só adquire consistência quando se pode comunicar facilmente pelo telefone», relega o desenho para um plano secundário de mediação esquemática, que usa com alguma displicência. Com convicta descrença no total papel operativo desse instrumento, procura sucessivas aproximações à realidade perceptiva através da elaboração de maquetas de estudo a distintas escalas. Do outro lado da Rua da Escola Politécnica, os colaboradores sustentam troços de modelos à escala natural que são avaliados em termos de relações ergonómicas reais, desde as sacadas pombalinas do atelier. Estes são alguns dos muitos métodos experimentais que fizeram do Atelier da Politécnica uma escola viva para muitos jovens estudantes e arquitectos que por lá passaram, num clima de constante investigação, festa e entrega à arquitectura, e que nos últimos anos alargou para o ensino universitário em Coimbra e Lisboa. Como costumava dizer: «a transmissão do conhecimento ainda não é para mim uma coisa capital». Essa atitude pedagógica e ética do Mestre não se esgota no saber de ofício do projecto de arquitectura que cultiva, a par da colecção de modelos de barcos de madeira e do fascínio pelas antigas ferramentas de carpinteiro, que encontra nos passeios à Feira da Ladra, onde reconhece a marca da vida e a sensibilidade do artesão com o qual se identifica.


A arquitectura jamais se esgota na estrita condição disciplinar, movendo-se nos territórios transfronteiriços da cultura. Em cada intenção projectual, Vitor Figueiredo alarga o debate ao mundo da cultura e da vida. A sensibilidade estética alarga-se à paixão pela pintura e pelo cinema, entrecruzada com referências alargadas à literatura, à filosofia, à psicologia e às histórias do quotidiano. Velásquez, Kandinsky, Klee, Fontana, Hogan, O.Wells, Murnau, Cimino, Borges, Argan, Adorno, Lacan, entre outros, são alguns dos seus interlocutores preferidos, trazidos frequentemente ao mundo da concepção e do debate arquitectónico. Sob esta postura, o fazer da arquitectura não é mais que o prolongamento da imanência estética da vida que se manifesta em distintas formas de expressão, e onde a própria vida, os afectos e os sentimentos humanos têm lugar. Independentemente do programa dado – habitação económica, agência bancária, edifício universitário... - cada obra constitui uma entrega em que procura que a qualidade do espaço arquitectónico sustente a dignificação da vida, religando a estética à ética. Os recursos mínimos, a linha dura e a arte povera que marcaram a austeridade dos anos em que esteve ligado aos projectos de habitação económica terão também contribuído para um sentido estético depurado na procura de valores arquitectónicos essenciais e de soluções directamente abertas à vivência. É numa pequena obra de recursos mínimos que Vitor Figueiredo melhor nos revela a poética do marginal e do vazio - na ampliação de um pavilhão desportivo em Oeiras, - na qual projecta os serviços de apoio mantendo com o edifício pré-existente uma relação de certa autonomia claramente expressa pela adição e obliquidade na percepção de um simples muro branco. Por detrás dele, uma sala de planimetria quadrada interioriza-se nas paredes cegas, em contraposição com a luz zenital. Porém, grande parte da intenção poética encontra-se no elemento de mediação exterior: o extenso muro branco é subtilmente retirado do anonimato pela incisão de um risco horizontal, na parte superior a meio da sua extensão, deixando um sulco que denuncia «a falta», sob a percepção mínima da linha que reflecte a luz, tornando-se mais branca que o próprio muro exposto ao sol, como um rasgão metafísico que procura ser preenchido na sua condição de desencadeador aberto ao desejo da imaginação. O muro branco tornado lugar de projecção imaginária e a falta lacaniana da sua poética de ausência reflectem a condição ontológica de ser e nada, num pleno elogio à condição marginal, ao vazio e ao silêncio. É esse mesmo sentimento inscrito na obra de Vitor Figueiredo que perdura no legado cultural do seu saber e nos contornos de ausência com que projecta os espaços, do mesmo modo elíptico em que deixava as frases suspensas. *arquitecto, Professor Associado, Departamento de Arquitectura da FAUTL


O território dos outros

O ovo de Colomina: média e arquitectura Gonçalo Azevedo e Inês Dantas *

Pensamentos soltos ao inserirmos a entrevista neste número da NU, marginalidades: Talvez a arquitectura seja uma actividade marginal em relação à construção corrente. Talvez a investigação seja uma actividade marginal em relação à prática da arquitectura. E talvez tudo isto seja falso.

Beatriz Colomina escolheu a investigação como caminho a seguir na arquitectura. Afirma que hoje vivemos momentos interessantes na disciplina em que se pode juntar um percurso de prática com um de investigação. Ser arquitecto praticante não é apenas sinónimo de construir, as possibilidades da profissão abrem-se e multiplicam-se. Ao preparar a entrevista tentámos estabelecer um fio condutor entre as construções teóricas de Beatriz, e para tal começámos por fazer um diagrama. A preparação das perguntas foi-se baseando nos cruzamentos férteis desse diagrama. Um conceito emergia de forma clara: a forma como os media afectam toda a construção da arquitectura no século XX. O encontro estava marcado para as três num bar em Tribeca, o Edward's. 1500h, Edward's, Tribeca, NY “É ela!” Como num filme, entramos e começamos por escolher o inglês como a língua da entrevista. “Even when we think we know what we are about to write, the moment we start writing, language takes us on an excursion of its own. And if that language is not ours, we are definitely in foreign territory.”1 E naquele barzinho acolhedor na Chambers Street cruzámos o tempo, falámos sobre o mundo que nos rodeava, o papel dos media na contemporaneidade, meio através do qual chegámos a Beatriz Colomina. Nova York dá o pontapé de saída, a memória de uma tragédia e o impacto no manhatismo. Acabamos por chegar aos P.R.2, um pequeno desvio pelos computadores, surveillance e voyerismo com a ideia de mass media sempre presente. Seguem-se as novas técnicas que influenciam mas não extinguem as anteriores. A importância da mediatização

dos projectos e ideias quanto à melhor forma de intervir na arquitectura enquanto disciplina e prática. Tudo se junta. Beatriz apresentou-nos a ideia que até hoje continua a desenvolver: o impacto dos mass media na arquitectura, apresentando-se esta ideia como um autêntico ovo de Colombo. Hoje já é um dado que a arquitectura do século XX foi indubitavelmente afectada, filtrada, pelos media, e multiplicam-se construções teóricas em torno desta ideia. Beatriz continua a ter o mérito de ter sido a primeira a afirmar esta ideia simples, explicitando o raciocínio, e contanos que ainda hoje há pessoas ligadas ao mundo da arquitectura que lhe oferecem resistência. Fala com entusiasmo do programa de doutoramentos que coordena e onde explora na prática as potencialidades mediáticas da investigação em arquitectura. Para nós, o tempo e o espaço ficaram mais curtos sintetizados nas reflexões de Beatriz. Depois da entrevista a nossa percepção da viagem alterou-se também. Nos seus raciocínios encontrámos instrumentos de síntese para o que vimos, dos edifícios de Lake Shore Drive, arranha-céus Big-Brother, à nossa vivência da Manhattan pós-trauma. Em todo o lado passámos a procurar câmaras, mantendo presente a consciência de que a cidade constantemente emite imagens nossas para écrans elsewhere. Não é que o ignorássemos antes mas começamos a projectar essa ideia no espaço à nossa volta, no que existe, e no outro, que remete a nossa imagem para outros espaços, outros suportes, outras materialidades. Passamos a habitar em hiper-texto e o nosso corpo torna-se público através dessa auto-percepção. Não passamos de mercadoria, exposição, actores… somos nós, no território dos outros, quem pensa, constrói e realiza as próprias ficções... E alarga-se agora aquela conversa no Edward´s até às páginas desta Nu; noutra língua confirmando a suspeita de que nos encontramos num outro território.

*Alunos do 6º ano do DARQ.

1– Privacy and Publicity, p.ix. 2– Public Relations.

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vigilância raio x janela

observação

sexualidade publicidade

media

voyeurismo transparência

cidade

guerra fria tv mercadoria arquitectura moderna

corpo


About your writings, would it be possible to point out one main idea connecting your writings in architecture, surveillance, modern architecture, xray, media

Lets start with the vibrant city around us. After Koolhaas´ definition on the Manhattanism till now, how is Manhattanism lived today? Today it is difficult not to think about Manhattan without thinking about September 11. It is almost impossible to separate this city from that event--not just for those of us living here, but also for visitors and even for those who will never set foot here. You think New York and you see the Twin Towers wounded, then collapsing. Everybody that comes to New York now goes to ground zero. They want to see the void. For those of us who saw the events first hand, how could we ever forget? Actually, I live very close, about 200 meters, and witnessed it with my own eyes, from the roof garden of our building. So I really felt it in my body. In the days immediately after you could tell the difference between those who had been close enough to hear the noise of the impact of the planes, to notice the smells, to realize that people were jumping or falling from the windows...and those who were just a few blocks north and didn’t really understand what was happening until they saw it on TV. 9/11 will probably be the most significant event that our generation will have lived through. I think Rem was very affected too. I went with him around ground zero a few days after the event. I had a pass for the area since I live here. It was incredible. There were all these barricades, the National Guard was patrolling the area and you had to show your passport and some electricity and telephone bills to get into your own building. Rem had been on a plane to Chicago the morning of 9/11 and arriving in the airport he saw it on TV. He wanted to be in New York, but there were no planes flying anywhere, of course. So he rented a car and drove all the way to New York in one shot. That is at least 14 hours. So even for Rem, it is impossible to separate New York from 9/11, from trauma. Everything around here, particularly in this neighbourhood, reminds us of that day. And will keep doing so for a while. But it will be years before we can say that Manhattanism was permanently changed by this event or whether the city will swallow the event as just another part of its spectacular logic.

Yes. In fact it is all very consistent, in the sense that I have a very simple realization (in fact, almost embarrassingly simple), which is that the architecture of the 20th century is inseparable from the media, not just because the media is the lens through which we see architecture but because architecture, since the advent of the media, is no longer simply produced in the building site, but in many different, more immaterial sites, such as photographs, publications, journals, exhibitions, fairs, competitions, museums, films, etc. And those contexts are as important as the building site, sometimes more important. Think about all the canonic pieces of modern architecture that were never realized or were temporary buildings. This idea of the importance of the media is so simple that you wouldn’t imagine that it was so polemical when I first articulated it, and that it would not continue to be resisted by architects, but this is the paradox: again and again I have to repeat this very elementary thought to people that should know better. For example, we were this weekend in a seminar in MIT about pedagogy and I made this point again, and somebody said «oh no, you are wrong, what is important in a competition is who wins the competition». But what do we remember better, Le Corbusier’s project for the League of Nations competition, or whatever was built on that site by which architect? Most people don’t even know. So a project that never went through became more important than what actually was built. And what do you think people know better, Rem Koolhaas´s project for the big library in Paris or what actually got built? La Villette of Tschumi did got built but we will never forget Koolhaas’ entry for that competition. At the same time, we will always remember Bernard because of his Manhattan Transcripts or his series of Advertisements for Architecture, even if he had never built anything in the end. Many people think the Barcelona pavilion was the most significant building of the 20th century, but in fact almost nobody saw it. It was there only for a few months and 1929 was a very bad year for tourism. So how is it that something nobody saw, that only lived through publications and photographs could, years later, be proclaimed the most beautiful building of the XX century?


In a way, everything that I have done goes back to this issue. Of course, when any research starts developing it becomes more and more complicated. But if I have to say there is one single thread running through all my work it is this: the impact of mass media on architecture. This is the case even in more recent projects like the “X-ray architecture,” which appears at first sight quite different and people tell me “oh, you are moving away, now you are more interested in the body and in medical technologies.” But the thing is that I see medical technologies as technologies of viewing. So I am just adding one more media to the long list of media (photographs, film, journals…) that have had an effect on architecture. For me, everything I do is part of the same research project. Of course, it is never-ending in the sense that new media creates new situations. For example, towards the end of the twentieth century, computers arrived and architecture projects started to be produced in the space of the computer. This radical change actually helps us see, perhaps with more clarity, what had happened earlier in the century. What about the new book Cold war/ Hot houses, does it follow the same idea? Well, yes and no. This book is a different experiment. It is not my book as an author, it is my book as a teacher. For three years now I have been running the PhD program in architecture at Princeton University and this is the first product of the new orientation of the program. I started thinking about what was happening to PhD programs in architecture in this country. They don’t have a very long history, about 30 years, so it is possible to reconstruct it. And when I arrived here at the end of 1980 I was doing a PhD too, so this is a subject close to me. In Barcelona I studied architecture and I went into a PhD program because I wanted to teach. That was the main reason people were doing PhDs then. In fact, I am part of the first generation that really needed a PhD to become a professor. The previous generation: Kenneth Frampton, Alan Colquhoun, Tony Vidler, etc. didn’t have PhDs, didn’t need them. Now we are in a different moment again. PhDs are no longer just needed to teach history and theory. A lot of people today study architecture, do a PhD and then return to some sort of architectural practice that combines architecture and research. Other people go to work for museums. For example

Michael Hays became the curator of architecture at the Whitney, Mario Carpo is at the CCA in Montreal…. There are all these new spaces that PhDs can occupy. I was also thinking that PhD students for the most part work in complete isolation, which can be very difficult, and the dissertation takes a long time. Looking at the students of architecture in the school, I saw all this energy: there is always a common project, a pin up, a review, and people work very hard because there are all these things happening, these deadlines, and the feed-back that comes with them. I wanted to bring a little bit of that excitement into the world of the PhD. So I developed this idea of organizing the PhD students to collaborate in research projects that produce books, exhibitions, conferences, events, publications etc… The first year, in the fall of 2000, we started with a seminar on post-war America and the students produced papers for the seminar, made presentations, etc, and then in the spring semester we reviewed these papers and the students edited each other’s. They were very interested in the topic so we continued for another year with the same research. The book Cold War/Hothouses is a collection of the edited papers they wrote for that class. I just wrote the introduction. It was an amazing experience because you realize that if you push people you get results that you never thought possible before—these were all students in the first and second year. I think they were very happy with the experiment. This spring we are doing a conference on the history of the PhD in architecture, which also follows a seminar on the topic, and in the fall we will organize a seminar and an exhibition on little magazines. Actually there is a portuguese architect, co-director of the magazine in-situ , Joaquim Moreno, who is doing his Phd on these avant-garde magazines of the 70 ´s. He spoke with Peter Eisenman and we are organizing an exhibition of his collection of little magazines and avant-garde books. I want to introduce students to what is involved in putting together a book, organizing a conference or an exhibition, producing the catalogue, etc. So, maybe you are right, it is basically the same idea, but from a different perspective, doing rather than analysing the effects of media on architecture, introducing the students to the way the media works. It is very important to know how media works in order to survive. Whether you are a PhD or an architect you need to know both how the media works and the

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And which topics are explored? In Cold War/Hothouses? The topics are very surprising, for example: plastics, toys, children, aluminium, the Monsanto house of the future, Playboy magazine…. I mean, I would never have thought of all those things. A student, Beatriz Preciado, did an amazing study of the Playboy penthouse, which was published in the magazine in the 1950s. The apartment was very modern, complete mid-century furniture like Saarinen chairs and so on. I found it very interesting that Preciado took such topic and analysed Playboy as one of the magazines introducing modern architecture and design to the wider public. Unlike other magazines that were addressed to women, Playboy was for men and it made it acceptable for men to be interested in modern architecture and interior decoration. Other students focused on drive-in theatres, on highways, playrooms, toys…. It was very interesting for me to see what they would come up with. I am not interested in cloning myself. And I had been working on postwar American architecture for a long time, so there was that risk. But the students took a completely different approach, focussing less on architects or institutions, as I have done in my work (the Eameses, Bucky Fuller, the Case Study program, MoMA…) and more on the artefacts of post-war America, to demonstrate that there was a very radical idea of architecture in those superfluous, almost frivolous products of mass culture. You have written about the American exhibition in Moscow in 1959 where the Eames showed a film with images of suburbia. What was the most interesting aspect of that exhibition regarding the media? The use of multimedia. In that exhibition the Eameses presented a multi-screen film projected on seven screens suspended within Buckminster Fuller’s geodesic dome. I have been very interested in the Eameses’ multi-screen presentations and installations because they represent one of the first experiments with multimedia. Even before artists made use of these techniques in the Happenings and the Expanded Cinema of the 60´s, architects were already experimenting multimedia and multi-screen forms of presenting information, which I think is fascinating. It also resonates with the reality of today. We live now in a situation in which we are constantly bombarded by images, many more images than we can simply absorb. Everywhere we are completely surrounded by images, which define a new kind of space. The time of the quiet contemplation of an individual in front of

a painting, the absorption needed, may not be even possible for us anymore. It is as if we were all suffering from ADD (Attention Deficit Disorder), constantly receiving images and trying to synthesize them. In many ways, the Eameses understood this new reality before anybody else. What is happening today represents the acceleration of that process that they already saw emerging in the 50´s: the idea that you cannot concentrate on one message at a time anymore. It also has some implications for education, the Eameses thought that you should not try to communicate just one message to students but many, and through many different media, and with so much noise students would not quite understand everything that what was being said, so they would feel the need to make their own connections. And talking about surveillance, in suburbia, in public space and private space… What I am very interested in this regard is in the relationships between architecture and surveillance. I think you could say without exaggerating too much that twentieth century’ architecture is all about surveillance, and this before video cameras! In domestic architecture, modern architecture exposes the interior, that was previously private to the public. Always on exhibit, in museums, galleries, photographs, etc., at a certain point modern architecture itself becomes exhibitionist, showing its insides whether through picture, window or glass walls. Modern architecture is exhibitionist architecture. This represents a form of surveillance as well. On the other hand, surveillance of public space continues to escalate. Right now, there are some groups that are mapping all the surveillance cameras in New York. They had counted in a single corner something like 30 video cameras looking at you. So you think that you are not being watched while you are in the street but actually your faces, your movements, are being recorded, and there are people in control rooms trying to make sense of who you are and what you are doing here, if you are suspicious or not. This backpack you are carrying, does it have anything? are you acting weird or not?. In the corner where I live there appears to be old fashioned lamps in the street, but somebody pointed out to me that those are in fact desguised video cameras, so people don’t know when they are being recorded. And it is almost impossible to move around the city without being recorded.


Anshow do you see suburbia and gated communities, in that sense? Gated communities? That’s paranoia. There will always be people like that. It is crazy. As if we didn’t have enough surveillance already. The condition of suburbia has changed. There is now practically a continuous suburb between New York and Philadelphia. Can we still call it a suburb? I am not sure. Along Route 1 it feels like a linear city. This is also happening in Europe, of course. When I was in Porto, I realised that people are not living in the city anymore, but more and more in suburbs away from the center. Paradoxically in the USA there is a movement to the contrary...

architecture and surveillance, coexist, both defining an inside and an outside, not necessarily coinciding, entering and leaving, inside and outside, mean different things in each. There is always a gap between the two systems. And maybe architecture has to think about that gap. How to occupy that gap. As curiosity, while talking about these new technologies, surveillance or not, you were talking about what your students started doing by taking artifacts to study postwar architecture. And imagine ten years from now if artifacts that you can grab, you can interact with, you can communicate, you can do whatever (virtually), appear… with your experience from the works of your students, how do you think it is going to happen now?

People are coming back… Yes, there are all these cities whose centers were abandoned for years, decades actually, and now there seems to be a renaissance of city centers. People are buying buildings, restoring them and moving in. Many people teaching in schools of architecture all over the country are doing exactly that. You go lecture to a school in the middle of nowhere now and they take you to a restaurant downtown and they show you what is happening, how life is coming back to these places. It is actually amazing. Before they would take you to a restaurant in a mall, which would not be without interest… The surveillance and network phenomenon, how do you think architecture and this kind of technologies can go along? There has always been some form of surveillance and architecture is implicated. The windows may be the first form of surveillance, the first form of an opening between the inside and the outside whose function is not to get in or out. On the other hand, there is an architecture of surveillance systems in the sense that they define aninside and an outside. Outside is where the video cameras don’t reach. These surveillance systems that define an inside and an outside coexist with architecture. So you can be outside and be totally in view, or you can be outside and find a blind spot. I mentioned before that there are groups in New York that track down video cameras in the city. They also produce itineraries that you can follow without being videotaped. This is actually the private within the public. Meanwhile the private is no longer so private anymore. People put their private lives on the net, exposing them to the public. So the two systems,

Well, it is the same in the sense that now, like in the fifties, you can find architecture in a toy or you can find it in a material. In the fifties, plastic changed the way in which we thought about architecture. Today, there are very new materials and there is a lot of research being done in that area. It is interesting that for a long time we didn't think about materials at all, but now it is almost impossible not to do so. When we look back historically we don't have objective eyes, fortunately. We see what we want to see. We see what is interesting to us today, we make connections to contemporary problems. It is perhaps because we have become so interested in new materials that when we now go back to the fifties we see all that plastic and all these materials, like plywood, that were developed for the war effort. During World War II all the architects in the USA worked for the military system and after the war they applied the new materials and technologies that had been developed for the war effort to domestic architecture. The same thing is happening today. Many of the new materials come from war. All these smart fabrics that were developed in the Gulf War and continue to be developed now, will have an impact in architecture.

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And what about computers and the way architects produce architecture? The computer as a new artifact to produce architecture... I don't know about Portugal, but computers have been incorporated into architecture in the USA for quite a while now. It is interesting because now there is even a little bit of a back lash against them… I recently went to a lecture at Columbia where Reinhold Martin talked about the “irrational exuberance” in the USA of the 90´s, the appearance of all the dot.com companies, etc and he related it to what was happening at Columbia University during the same years with all the paperless studios, etc. There seems to be a new emphasis on how architecture is made. The computer has changed that too. We are now in a situation in which the most sophisticated technologies of computer modelling— the laser-cutters, the 3D modellers... I went to the MIT Media Lab last week and saw what they are making and it is really incredible. So, this is the future, but it doesn't mean that you don't have to draw or to make or think architecture by other means. There has always been a persistence of old media with new media. Photography had an impact on architecture but it didn't eliminate drawing and models. Film influenced architecture but it didn't eliminate photography, and color photography transformed the way we saw architecture but it didn't eliminate black and white photography, and so on. There will always be new technologies and the moment they arrive we are so excited by the novelty, and so afraid, that we think they are going to destroy everything. We have to remind ourselves of previous pronouncements such as “the book will kill architecture” or “television will kill cinema”, or “cinema will kill theatre”…

… and Video Killed the Radio Star. Yes... And nothing is being killed in the end, it just changes. It is more expensive to go to the theatre than to the movies. Theatre is very hard to produce, it requires a lot of subventions, but it is still there... Architecture has also become, and it is not so recent, one of these art forms that in their higher form require a lot of support: politicians, wealthy patrons… You can make a building anywhere but if you want architecture, then you need to find sponsors.... In America only 2% of what gets built is done by architects, did you know that? It means that in 98% of what you see there was no architect involved. So what is this 2%? This is the elite. Already in the late 1940s Edith Farnsworth hired Mies to do her famous house and Philip Johnson built his own Glass House in Connecticut, but the majority of people bought a house by a developer in a suburb, like Levittown, or a ranch

style house in California also by a developer. Already in the 1950s those who could afford a house by a name architect were those who could afford a modern painting too.

One curiosity about one of your articles. We just arrived from Chicago and we saw the Lake Shore Drive buildings from Mies which you compared to Dan Graham’s work. Oh. That's why you were talking about suburbia! Doing research on Mies I came upon the thought-that Mies had expressed to a reporter at the time-- that what he really wanted to achieve with Lake Shore Drive--and nobody has ever said anything of the kind-was to bring suburbia to the city. I found this idea really fascinating. For him, the towers were like putting together suburban houses with picture windows one on the top of each other. And the other thing that is beautiful about this project is that he decided to build not one but two towers. With all these transparent walls, one tower becomes the audience for the other. Just like in suburbia where you have a house an another one across the street and you watch, you see whether they are in or they are out.… This is what Dan Graham started to explore in the 1970s in works like “Alteration to a Suburban House” or “Video Projection Outside the Home.” This condition that you could call voyeurism, is a form of surveillance too. You know, and suspect, the ones who always have the curtains closed.… You see that the woman in 8A is having an affair with the guy in 3B. You know that the man in 14F is beating his wife.… Why two towers, and why two facing each other? It makes each tower into a multiplex cinema for the other one. It is like TV, but not fifties TV, more a pre-figuration of the reality TV of today, so in that sense he anticipates the future... Mies Lake Shore Drive is not architecture following media, but architecture really anticipating a form of media that is closer to what we have today.


When we were watching the towers we realized that there was a guy that couldn't see much of the lake and he had a telescope in the window pointed to the other tower. This window was facing the other building... ...and we took a picture. You have to show me that picture... These apartments are just like a voyeur's dream. You can move there with your telescope and night vision machines now, and even at night, and even if they have curtains probably you can get everything... Chicago is great isn't it? There is more architecture in Chicago than in NY. Here it's the whole island that is interesting; there we have some dot's... Yeah, right, you have to go and see Frank Lloyd Wright, Mies, and here the whole is what is interesting.… The entire city as a building… You have to go to Central Park and walk around Central Park, because it's amazing...

Like a PopStar? Exactly. He appeared not only in the architectural section, but in the “Style” section of The New York Times as well. It was interesting to see how people were representing themselves there in order to get the commission. This is a very good case study that could be done of the present. To analyze everything about that competition. And maybe you will discover why Liebeskind won that competition, why he was taken more seriously. Probably, not because he was better but, because he had all these PR firms behind him. That's how society works today so of course it has reached architecture too, since, to say it one more time, architecture is in the media and the media is in architecture. Edward´s, Nova Iorque, 27 de Novembro de 2003

Going back to your work, the publicity aspect, it's a very interesting analysis that you did of Corbusier's work and everything connected to that shouting “you manipulate things as you want them to be seen”, in contemporary architecture how do you think this publicity issue is developed? Like when Corbusier changes the pictures to get his message clear. Oh, of course, we have only become more and more experts in this. Check the World Trade Center competition. It would be very interesting to do a really careful study of how architects chose to present themselves for that competition, what was their strategy. And there was a lot of media, not just models and drawings, but also TV interviews. It's really an image of the present. Liebeskind was the most notorious case. Apparently he hired a public relations firm, that's what politicians do. And there were a number of articles in the New York Times and other newspapers and magazines, that were probably organized by this PR firm, about his glasses, about the cowboy’s boots that he wears...

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Arquitectura em Tempos de Ressentimento Mário Krüger *

O 11 de Setembro de 2001 como acto devastador, demolidor, simbólico e mediático alterou radicalmente, tanto a nível local como global, a expressão de um ressentimento gerador de incertezas e interrogações sobre modos de entender e viver a situação contemporânea. A arquitectura, melhor, uma certa arquitectura que se apresentava com uma forte iconicidade representativa do poder económico e militar dominante, passou a ser um alvo a abater, para provocar o terror numa escala, em tempos de paz, até aí nunca vista e ferir de morte milhares de vítimas. As reacções que afloraram, devido a este acto mostraram, no seu mais profundo ser, as projecções, conscientes ou não, daquelas incertezas e interrogações. O compositor Karlheinz Stockhausen, numa entrevista de rádio, realizada na segunda-feira após o ataque às torres gémeas do World Trade Center, declarou que aquele evento era “a maior obra de arte imaginável para todo o cosmos. Mentes alcançando alguma coisa num acto que não podemos sequer sonhar em música, pessoas ensaiando afincadamente durante 10 anos, preparando-se fanaticamente para um concerto, e logo morrendo, imagine-se o que aconteceu ali.” (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 09/19/01). Apesar de Stockhausen ser considerado, mesmo pelos seus oponentes, como uma das figuras chaves da música contemporânea e reverenciado por uma nova geração de cultivadores da música electrónica como um mentor e de, posteriormente, se desculpar dizendo que queria somente “comparar os ataques a uma produção demoníaca, a uma obra de arte de Lucifer” (Nando Times (AP) 09/19/01) os concertos que estavam, na altura, programados para o Festival de Música de Hamburgo, foram imediatamente cancelados. Mas a um nível mais local, as projecções daquele acontecimento também são profundas e quase inimagináveis antes de o mesmo ter ocorrido. Mesmo a um nível quase imperceptível se fazem sentir.

[outubro 2004] 22.23


Com efeito, reparemos, sequencialmente, nos temas monográficos dos seguintes números da . A # 15 refere-se a Viagens, a # 16 ao Oriente, a # 17 à Revolução Digital e a # 18 às Revistas de arquitectura e às quais se podem, respectivamente, contrapor as viagens do 11 de Setembro, a região de origem dos que, nesse dia, pilotavam as aeronaves que colidiram com as torres gémeas, ao renascente proselitismo da revolução islâmica e, ainda, ao debate que ocorreu no lançamento do número 18 da , onde se confrontaram as tendências para o futuro das “pequenas” revistas de arquitectura: se por aglutinação, para possibilitar uma maior inserção em termos de mercado, ou pela sua presente e prevalente fragmentação, formando uma rede com relativa autonomia, mas segmentada. Também se pode incluir, neste nível mais local, a produção, em CD-Rom, do primeiro videogame totalmente produzido em Portugal e intitulado “Portugal 1111”. Neste jogo, os protagonistas são mouros ou cristãos lutando pela posse da Vila de Soure, onde cada jogador terá de organizar toda a vila em redor do castelo e angariar dinheiro, cultivando e vendendo cereais para poder financiar as batalhas retractando, assim, os aspectos económicos, políticos e militares da reconquista cristã. De acordo com um dos autores do jogo “O CD põe o jogador a pensar como uma pessoa da época. Ultrapassou as minhas expectativas”, confessa o mesmo (Nery, Visão, 15/04/04). Os autores desta reconquista são especialistas em informática, história, design e arquitectura que se apresentam, com efeito, como cruzados do Séc. XXI: para o lançamento do CD, que é recomendado para todas as idades a partir dos 9 anos, programou-se "recriar o ambiente da época e um assalto ao castelo da vila, tal como aconteceu no passado” (Nery, op. cit.). Mas nem sempre foi assim. Não é em vão que a Ibéria muçulmana foi comparada ao Jardim do Paraíso pelo poeta Ibn Jaffaya de Alcira1:

“Oh ! gentes de al-Andaluz! De Dios benditos sois com vuestra agua, sombra, rios y árboles. No existe el Jardín del Paraíso sino vuestras moradas si yo tuviesse que elegir, com esto me quedaría; no penseis que mañana entraréis en el fuego eterno: 2 no se entra en el infierno trás vivir en el Paraíso.”

A perda de al-Andaluz, referida por Osama bin Laden, como algo que não se pode repetir no caso do Iraque, é revelador de um sentimento que está profundamente enraizado no passado da cultura islâmica. “Que Alá a devolva ao Islão” é uma frase que os cronistas têm posto na boca de Boadbil, o último sultão de Granada, ao dar um último olhar ao seu domínio perdido em 1492, após a entrega das chaves da cidade aos cristãos. O local onde isso ocorreu ficaria a ser conhecido como “El Último Suspiro del Moro”. Este sentimento de perda está na génese do terrorismo integrista, onde se defende a existência do estado islâmico não territorial, “que afirma que as comunidades islâmicas no ocidente deveriam ser entendidas como um Estado Islâmico, territorialmente descontínuo, mas onde existe a obrigação de impor a lei islâmica” (Pinto, M. do C., in “A Jihad Global e o contexto europeu”, Terrorismo, coord. Adriano Moreira, Editor Almedina, 2004). Se os árabes pré-islâmicos não levantavam templos, mas lugares para que os homens rezassem, “porque Alá é demasiado grande para se encerrar entre paredes”, os da era da Al-Qaeda sugerem o mesmo mas, agora, à escala da paisagem e do território. Esta mudança de escala coloca uma nova concepção do espaço e da geografia islâmica, na medida em que o proselitismo religioso se difundiu e cresceu devido à maciça imigração para as terras dos Kafir (infiéis). Está estimado que na União Europeia vivam, actualmente, cerca de 15 milhões de muçulmanos que apresentam taxas de fertilização, para a renovação da população, bastante superiores às dos autóctones que

1 - Poeta andaluz, nascido em Alcira (Valência), no ano de 1058 e falecido em 1139, afastado da corte almorávida, dedicou-se a cantar a natureza mostrando excelência ao escrever poesia sobre flores e jardins. 2 - Citado por M. J. Rubiera, La arquitectura en la literatura árabe, Madrid: libros Hiperión,1988, p. 80.


estão em declínio. Neste caso, o poema de Ibn Jaffaya de Alcira de que “No existe el Jardín del Paraíso / sino vuestras moradas“ apresenta um renovado significado. A esta alteração de escala corresponde uma mudança de sentido na arquitectura ocidental, sem que para tal tivesse havido qualquer sinal de transformação ou de ruptura disciplinar em relação a novos desígnios. Com efeito, as torres gémeas do WTC antes do ataque eram consideradas “como nunca tendo obtido o estatuto mítico que mereciam. Ninguém parece ter visto isto tão claramente como os homens que as destruíram" (M. J. Lewis, New York Times, 16/09/02) e, mesmo uma crítica de arquitectura, como Ada Louise Huxtable, comentou “estes são grandes edifícios mas não boa arquitectura” ( Kick a Building Lately ?, New York Times Publishing Company, 1973). Quando muito, antes do desastre, as torres do WTC poderiam ser consideradas como ícones de um capitalismo tardio mas não como obras de referência. Somente depois de Harry Seidler publicar “The Grand Tour” (Tachen, 2003), onde estão registados, de forma compreensiva e numa viagem ao longo de uma vida, os edifícios mais notáveis a uma escala global, se faz uma citação das torres do WTC, comentando-se o facto de que se elas tivessem sido construídas, com estrutura resistente de betão armado, o seu colapso não teria sido tão rápido. Com efeito, após uma hora e meia do colapso da torre sul, o Mula Omar teria dito, numa mensagem interceptada: “as coisas foram muito para além do que esperávamos” (J. L. Anderson, New Yorker, 10/06/2002), sugerindo que a implosão dos edifícios não foi a prevista mas muito mais devastadora do que se pensava inicialmente. Esta pouca resistência das torres tem sido atribuída aos métodos sofisticados de cálculo que os modernos computadores permitem, pela precisão que introduzem ao calcular estruturas onde os coeficientes de segurança trabalham ao limite, reduzindo os custos de construção, ao contrário dos antigos métodos manuais que

utilizavam a régua de cálculo, onde tais limites eram mais generosos. Se o colapso da estrutura não foi o previsto pelos autores da derrocada, o seu resultado mediático, no entanto, foi pontualmente cronometrado para possibilitar um desfasamento de vinte minutos entre os dois impactos nas duas torres, permitindo uma cobertura televisiva e mediática à escala global. Facto corroborado pela tentativa de se colocar uma bomba no TGV que liga Madrid a Sevilha, na linha do AVE, após o atentado de 11 de Março p.p. em Madrid, só que, neste caso, com maior desfasamento e invisíbilidade. A arquitectura de edifícios em altura e o design de produtos industriais para transporte de alta velocidade estão, por serem ambos objectos de culto do terrorismo de massa, assim indissoluvelmente ligados. Será que a síntese que Eduardo Lourenço faz sobre o Séc. XX ( O Esplendor do Caos, 1997, Gradiva), se irá transformar numa pré-monição sobre o XXI, como um “Último Suspiro” ? : “… incorporámos o inferno no quotidiano do mais fascinante e atroz dos séculos. Basta pensar em revista o imaginário deste fim de século … para ter uma ideia do ponto a que chegou um mundo onde o horror se tornou invisível, consumido como pura virtualidade. Pode discutir-se se a desordem em que estamos mergulhados – desde a económica até à da legalidade e da ética – releva ou não, em sentido próprio, do conceito de caos. Do que não há dúvida é que o habitamos como se fosse o próprio esplendor”. No meio desta desordem tem-se colocado, insistentemente, a questão da reconstrução das torres e da sua futura projecção no cenário de N.Y., onde não são estranhas as dimensões relacionadas com a memória do acontecimento e a reconciliação com o passado, mas não com o mediático acto que originou a sua derrocada. Primeiramente, o reordenamento do sítio da Memorial Plaza, elaborado pela municipalidade de N.Y. que,

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mais uma vez, confirmou que os resultados pouco imaginativos das soluções propostas, face à grandeza e significado da tarefa, dificilmente se compadecem com um processo de projecto elaborado a muitas mãos. Em seguida, o concurso, por convite, feito a firmas e a gabinetes de arquitectura de reconhecida reputação, tanto no mundo anglo-saxónico como à escala internacional: Foster, Petterson/Littenberg, SOM et alli, Daniel Liebenskien, Think Design, United Architects e Richard Myer. Por último, as contradições entre a proposta vencedora, apresentada por Liebenskien, e as pressões colocadas pelos proprietários dos terrenos bem como das empresas do imobiliário para se desenvolver, com muito maior intensidade de uso, o sítio do desastre, a chamada “zona zero”. Em resumo, um processo “clássico” de encomenda privada com finalidades públicas, gerado por um capitalismo tardio, extremamente atento às novas formas de aumento intensivo de renda fundiária, agora incorporado a um marketing mediático que se associou a este evento. Mas, desde o início desta odisseia, nem todas as vozes são concordantes com o desenvolvimento deste processo de encomenda nem com os seus resultados. Neste caso, surge como voz autorizada, o novo manifesto de Robert Venturi: “ World Trade Center: Hesitant Thoughts” (www.metropolismag.com/html/vsba/robert_vent uri.html). Diz-nos Venturi: Because of the profundity and uniqueness of the tragedy of September 11—involving the deaths of thousands of persons within a few minutes and then vast ramifications over a long period of time—we should not rush to monumentalize it but wait to absorb via perspective its dense meanings and significance… And perhaps doing little here in a sensitive and sophisticated way can be more effective than doing a lot here in acknowledging the immediate horror and the overall

significance of the event, the event perhaps appropriately referred to modestly and forever as September 11th. Álvaro Siza, ao ser entrevistado sobre o memorial do 11 de Setembro, na Galeria de N.Y. que expôs as suas obras de design e promoveu um repto, a diversos autores, para criarem uma visão do que se poderia construir na “zona zero”, diz-nos que o facto de se ter recusado deveu-se à falta de “disposição” para pensar uma resposta arquitectónica a uma tragédia destas dimensões. Também, à semelhança de Robert Venturi, Álvaro Siza coloca que “foi uma experiência tão emocional, tão traumática, sobretudo para as pessoas que viviam aqui, que não podia sentar-me e pensar[numa ideia]. A arquitectura não é o meio para lidar com isso. A arquitectura está ao serviço das pessoas, mas há sempre um certo distanciamento em relação à emoção”, para acrescentar que percebia porque é que os novaiorquinos acolheram a proposta vencedora com tanta frieza: “Percebo essa reacção. Para os familiares das vítimas, sobretudo, a arquitectura não pode dar uma resposta”. (Siza Inaugura Exposição em Nova Iorque, P. Ribeiro, Público, 10/01/2004). Tanto Venturi como Siza sugerem um novo princípio em arquitectura: o da indecidibilidade face ao da esperança projectual, explicitado primeiramente por Alberti, que cada proposta de arquitectura, por inerência, sempre apresenta. Ou, como diria o poeta Ibn Jaffaya de Alcira: no penseis que mañana entraréis en el fuego eterno: no se entra en el infierno trás vivir en el Paraíso. Full Circle: que seja o Último Suspiro.

* arquitecto, docente no dARQ.

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The Atlantic Wall Gennaro Postiglione*

“Infelizmente os monumentos públicos representam muitas vezes a melhor maneira para atingir uma perfeita amnésia. A memória sobrevive noutro lugar, onde ainda possa oferecer referências vitais no sentido mais humano do termo. A arquitectura não é feita para as verdades oficiais. Na minha opinião, é nesta distinção entre opacidade e transparência, nesta diferenciação, que reside o território permanente da memória” Daniel Libeskind

Memória, arquitectura e espaço público 1 Nas páginas que se seguem gostava de oferecer alguns pontos de discussão acerca da relação entre memória, arquitectura e utilização do espaço público. Como sucede noutros países do mundo onde é urgente um confronto com uma história recente de ditaduras e regimes totalitários, também na Europa o problema da construção de uma memória pública, largamente partilhada, sobre os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial se encontra há muitos anos no centro de conflitos profundos de carácter identitário 2. Estes últimos comportam diferentes níveis: estes entram, de facto, na esfera dos afectos privados e das biografias individuais de muitos milhares de pessoas, implicados na primeira pessoa nos acontecimentos bélicos e de deportações; para além disso, levantam questões de carácter jurídico relativas à denúncia de responsabilidades e de alianças políticas que permitiram levar a cabo eficazmente aqueles objectivos; em suma, tocam temas de relevância nacional quanto às responsabilidades das instituições, de então e de hoje, nos acontecimentos que levaram à instauração de uma ditadura de estado e à situação de amnésia característica de governos democráticos sucessivos, da qual a remoção programática da infra-estrutura defensiva construída pelos alemães ao longo da costa atlântica é um exemplar testemunho. Estas considerações apresentam-se como elemento destruidor e destabilizador no quadro de uma visão tradicional da memória, concebida enquanto processo claramente dividido entre uma reconstrução das recordações somente individual e privada, por um lado, e a cristalização auto-comemorativa de alguns momentos da história nacional de obras do estado, por outro; para os cidadãos (europeus), como foi debatido num encontro recente sobre este tema, a memória é “um bem público”. A impressão extraída dos testemunhos, registos e também da relação destes com o conjunto do projecto de musealização do Atlantic Wall, induz a pensar que somente é importante a fase de concepção e de gestão, o momento criativo e também fantástico que precede a realização concreta dos monumentos; torna-se assim crucial o espaço de tempo em que um luto interminável encontra maneira de se aliar ao desejo reparador e àquele da justiça e da verdade. 1 Extracto da Paola di Cori in Musei e memoria, “area” 56, maggio/giugno 2001 2 Cfr. Noa Gedi e Yigal Elam, Collective Memory. What is it?, "History and Memory", n.1, 1996. [outubro 2004] 28.29



The Atlantic Wall 3 O Atlantic Wall é uma das últimas grandes linhas de defesa deste século. Foi construído pelas forças ocupantes germânicas no período de 1941-1944 ao longo da costa de França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Noruega e Dinamarca. O principal objectivo era prevenir a entrada e permanência de forças aliadas na costa destes países. Durante este período foram construídos mais de 15000 pesados bunkers em betão. Um número impressionante pela quantidade, custos e mão-de-obra envolvida. Para além disso, muitos prisioneiros foram obrigados a trabalhar na sua construção e perderam ali as suas vidas, intersectando histórias privadas com a história social e a memória pública. A infra-estrutura, que constitui um exemplo único no seu género, é de grande valor por muitas razões: a qualidade arquitectónica do seu vasto sistema de construção, a capacidade destes objectos de definirem um novo cânone estético para a modernidade, a relação que estabeleceram com os seus contextos naturais e urbanos tornando-se elementos essenciais para interpretar a paisagem cultural. O maior valor deste sistema de fortificações militares reside, contudo, no facto de ser o conjunto patrimonial mais difundido da cultura europeia que preserva uma memória colectiva da II Guerra Mundial. O estado de abandono de uma grande parte do Atlantic Wall põe em risco quer a sua existência quer os valores que representa. Preservar a sua memória e história é

essencial para uma vontade da Europa de construir o seu próprio futuro. Ao mesmo tempo, torna-se também importante formar e sensibilizar a opinião pública no que diz respeito ao valor desta extraordinária infraestrutura territorial transnacional. Discute-se muito quanto à função do museu na história e na sociedade, e quanto ao seu poder de representação. Preservar, manter, maravilhar (na sua origem como “stanza delle meraviglie”), mostrar, recordar, são todos deveres que o museu cumpre, parece ser adequado se não para satisfazer, ao menos para suscitar. Mas como representar a história à medida que esta se está a fazer, num lugar que ainda não atingiu uma conclusão que permita uma possível «sistematização» e revisão? E como definir um museu cuja existência é formulada para expor e documentar a guerra? Como descrevêlo, com que instrumentos e com que palavras? Sobretudo quando na sua essencialidade desarmante diz tudo sozinho. Quando na sua “arquitectura” eterna e na sua localização em lugares de difícil acesso sugere que o simples acto de olhar, pedido ao público num museu, é impossível e impraticável. A longa cadeia de fortificações bélicas que pontua toda a costa atlântica da Europa Ocidental é um apelo não apenas para o olhar mas também uma chamada de atenção para a história quanto aos acontecimentos que caracterizaram os anos da guerra e as vidas das pessoas que a atravessaram.

3 Cfr. Noa Gedi e Yigal Elam, Collective Memory. What is it?, "History and Memory", n.1, 1996.


The Atlantic Wall Linear Museum 4 Por este motivo o Dipartimento de Progettazione dell´Architecttura do Politecnico di Milano promoveu uma investigação acerca da consistência física, do valor paisagístico e da memória colectiva do património arquitectónico constituído pelos bunkers presentes ao longo da costa ocidental da Europa. Para sublinhar o valor arquitectónico, estético e de paisagem cultural do Atlantic Wall enquanto património cultural transnacional, preservando uma memória colectiva partilhada em solo europeu, a infraestrutura seria salvaguardada e protegida através da criação de The Atlantic Wall Linear Museum. Contextualizando a paisagem fortificada numa série de espaços musealizados ao longo do Wall sendo dadas as inerentes informações infraestruturais necessárias para promover nos indivíduos e nas comunidades um processo de reapropriação da paisagem e da sua memória colectiva. Mais em detalhe delineou-se o plano de realizar três acções principais: a publicação de um atlas, a montagem de uma exposição itinerante e a edição de um webmuseum. A publicação de um atlas, apresentando documentação histórica de mapas das áreas em questão seria o primeiro passo concreto em direcção ao reconhecimento do valor da infra-estrutura, indispensável para a criação de um Museu Linear (Linear Museum). O atlas compreenderia também séries de fotografias propondo uma análise crítica da infra-estrutura e da relação que criou com a área envolvente. Esta campanha fotográfica específica serviria quer de testemunho como de interpretação das estruturas e do seu valor. A criação da exposição itinerante “The Atlantic Wall Traces: Cultural Heritage, Collective Memory and Common Roots for the Forthcoming Europe” apresentaria de forma concisa e evocativa, uma selecção de material (mapas e fotografias) propondo interpretações críticas que estimulariam o desenvolvimento de uma consciência colectiva e partilhada do valor arquitectónico, estético e

paisagístico deste imenso património cultural. Uma elaboração gráfica da cartografia histórica relacionada com tipologia, topologia e outros factores interpretativos constituiriam a apresentação nãoespecializada da infra-estrutura, disponível para o público em geral. Uma apresentação de histórias ocorridas no território: um lugar onde as memórias individuais e colectivas se sobrepõem (nacionais e europeias). O maior objectivo desta exposição é contrapor o processo de desintegração do Atlantic Wall resultante da negligência pública e reapropriar o objecto a uma escala europeia, o seu valor positivo específico como um testemunho de “resistência” e de criação de paz. A criação do Web-Gateway “The Atlantic Wall Linear Museum” enquanto o único sítio onde objectos, paisagem e memória podem efectivamente encontrar-se e onde é possível estabelecer relações entre uma multitude (variedade) de elementos, enfatizando certas características e valores, o website seria um verdadeiro “Web-museum”. Como um instrumento didáctico passível de chegar a um grande número de pessoas, ao longo de um vasto território, o “Web-Museum” representa um arquivo partilhado para conservar e mostrar – seguindo as mais rígidas tradições museológicas - um património cujo valor e vastidão contribuiu para legitimar a existência de uma Europa quer geográfica quer sóciopolítica. Parafraseando Maria Moreno a Pilar Calveiro pode-se afirmar que “faz sentido construir (…) um parque da memória com a ideia de manter a presença deste drama, para consentir a sua reelaboração, a sua compreensão. (…) O monumento, como todos os actos de memória tem a possibilidade de fechar para poder reabrir incessantemente o olhar para o drama da guerra e das deportações; neste sentido encerra um valor de reparação que é saudável.” *arquitecto, phd, docente de Progettazione Architettonica do Politecnico di Milano

4 Cfr. Noa Gedi e Yigal Elam, Collective Memory. What is it?, "History and Memory", n.1, 1996.

[outubro 2004] 30.31


Lembro-me com distinta clareza dos meus primeiros dias de estudante de arquitectura. Numa das minhas primeiras aulas, daquelas em que ainda olhava para tudo com o temor e a hesitação de quem pisa solo desconhecido, o Professor discorreu numa empolgante e agridoce dissertação sobre essa misteriosa personagem: o arquitecto. Ao longo de um discurso categoricamente melhor ilustrado do que o que se segue, vincava-se na consciência da imberbe e deslumbrada audiência a imagem do arquitecto-figuradistinta-omnivalente-iluminada-e-pivôt. “O arquitecto é um intelectual”, “o arquitecto deve intervir na sociedade, cumprindo o seu papel de visionário progressista”, “o arquitecto deve conhecer com exactidão as necessidades das restantes pessoas”, “o arquitecto deve lêr mais do que as restantes pessoas”, “o arquitecto deve estar mais a par dos cartazes culturais do que as restantes pessoas”, “o arquitecto deve ter mais capacidade para debater temas actuais do que as restantes pessoas”, “o arquitecto, uma vez que acode a toda a gente, deve ser mais polivalente do que as restantes pessoas”. Enfim, o arquitecto uma data de coisas a mais do que as restantes pessoas. Tudo parecia bater certo e o orgulho de quem ouvia vinha em razão directa com a impercepção da ironia do discurso. Com o correr dos meses e o acumular da carga de trabalho, mesmo os mais altos bastiões do orgulho embevecido na categoria de aspirante de arquitecto caíam, à medida que mais e mais escasseavam as oportunidades de ida ao cinema e ao teatro, de exercer actividades extracurriculares de complementaridade da formação pessoal, de tomar parte em tertúlias de discussão dos fugazes temas correntes da actualidade ou das perenes necessidades das tais restantes pessoas. Não era tanto o volume de trabalho que nos povoava a mente de interrogações e interjeições; era mais a desconcertante dicotomia entre o que nos era dado como sendo a natureza óbvia das coisas e a consequência prática do que nos era pedido. Foi há quase quatro anos. Quatro anos é pouco tempo, é certo, mas foi o quanto bastou para me aperceber que contradições como aquela não são raras no curso de licenciatura em arquitectura. Numa altura em que se discute o futuro dos cursos que frequentamos no que toca à estrutura, anos de frequência, ciclos de ensino, etc., convém não perder a oportunidade de acertar agulhas quanto à pedagogia de ensino e à natureza dos cursos que frequentamos.

os marginais orgulhosos José Brites *

Mais cedo ou mais tarde, qualquer estudante de arquitectura que tenha já ultrapassado o impacto inicial da entrada no curso coloca-se a si próprio, com a legitimidade de quem labora em função de uma causa que lhe é cara, uma boa lista de perguntas. O que é que define a escola portuguesa de arquitectura? O que é que a caracteriza? Qual é o denominador comum das lusas escolas da arte dita mãe? Existe sequer um

denominador comum entre elas? O que procura para si própria e para os seus formandos a escola portuguesa? Que tipo de arquitecto pretende formar? Teremos nós escolas de cariz artístico, técnico, artístico com meia dúzia de componentes técnicas ou técnica com rasgos de convicção artística? Será que formamos arquitectos na sequência do raciocínio e linguagem de uma europa cada vez mais próxima e de um mundo cada vez mais pequeno ou na tradição da casinha “à la fenêtre” reformulada à imagem dos mais badalados ícones da “escola Siza/Souto-Moura/quadrado-é-queé-bom/branco-é-que-é-bonito”? Estará a escola portuguesa de arquitectura atenta às realidades de um mundo que a cada momento se torna mais rápido e frenético ou votada aos valores da incontornabilidade inquestionável da lavandaria pontuada pelo tanque de lavar a roupa? Ainda há pouco frisava o aspecto de que “o arquitecto deve conhecer com exactidão as necessidades das restantes pessoas”. Sim senhor, não tiro nem ponho. Pensemos, pois, a vida das pessoas. É que dito parece bonito, mas isso das necessidades das pessoas implica uma noção exacta do que são as práticas e as realidades sociais de um universo populacional localizado no tempo e no espaço. As noções aplicáveis a projecto que nos são transmitidas sobre necessidades e sobre pessoas são as que as equipas docentes de projecto assim o entenderem, uma vez que é a eles que cabe a orientação e avaliação dos projectos. É-nos dito que o curso existe com o intuito de ensinar a aprender e não de ensinar a saber; agora, o estudante de arquitectura parte para a vida real habituado a enfrentar uma realidade de borracha onde são mais as premissas do que as variáveis. Raros são os casos em que é solicitada ao aluno uma análise sobre a envolvente nos seus planos social, programático, etc., seguida da elaboração de uma apreciação crítica. E depois há a vertente de projecto propriamente dita. Uma vez que o virtual cliente é o arquitecto regente da cadeira, as balizas são dispostas consoante o entendimento do que é bom e mau por parte da docência, mesmo que de um ano para o outro se mude antagonicamente de discurso. Ao aluno cabe passar os três primeiros meses de cada ano a investigar o que pode e não pode projectar e os restantes a esgueirarse por entre as especificidades de cada professor e assistente, tentando um tiro de sorte aqui ou ali, consoante o desempenho no ano, tiro esse que bem lhe pode valer um ou outro valor. Dizem que nos aproxima da realidade projectual. (Lembra-me aquelas bd’s da parte de trás dos jornais em que pais que pouco devem à extremosidade educam as suas enfezadas crias à razão de adversidades, sob a premissa que lhes forma o carácter.) Parece-me um discurso um tanto falacioso; se a ideia é efectivamente aproximar o aluno da realidade do mercado de trabalho então sugiro que se leccionem cadeiras com vista à formação respeitante ao R.G.E.U., aos controlos de custos, cadernos de encargos, intercâmbio de experiências com cursos de engenharias, visitas às obras, etc.. Dá a ideia que se


fala em pedagogia de aproximação à realidade como forma de contornar a incapacidade de discutir temas contemporâneos da arquitectura. Lá está, o curso existe com o intuito de ensinar a aprender e não de ensinar a saber, mas como aprender se nos são balizadas as possibilidades de aplicação prática do que investigamos?, como ganhar consciência das inúmeras possibilidades de solução do mesmo problema quando a cadeira de projecto funciona numa base não de inclusão, mas de exclusão de hipóteses? Como aprender se é a escola a primeira castradora da vontade discente de obter e praticar diferentes linguagens arquitectónicas? No meio de toda esta conversa, quando se diz que “bom, não podemos fazer como lá fora, por causa das condições climatéricas” ainda me parece um dos argumentos mais válidos (esse sim, inequivocamente enraízado na realidade concreta de todos os dias), mas não é isso que nos impede de puxar pela cabecita, de analisar e discutir propostas divergentes e de manter os horizontes abertos. De facto, no mercado de trabalho a liberdade criativa sofre um valente remoque da especulação imobiliária e da leicidade do cliente, mas essa noção creio que não é alheia a quem pretenda, como nós, entrar no ramo. Não vejo que antecipar o sufoco do jugo mercantil seja solução para o que quer que seja; penso que mais vale munir o futuro arquitecto de ferramentas apropriadas à sua própria forma de fazer arquitectura. E isto não implica perder noção do programa, da realidade ou das necessidades das pessoas. Em vez disso estremecem: “Formalismos!”. Afinal que esperam, que resolva a linha recta os problemas que apontam aos tais formalismos? A normalização também pode funcionar como uma ditadura, sapientíssimos mestres... Outra questão: afinal para que servem as cadeiras teóricas? Servirão de complementaridade à cadeira de projecto ou o seu objectivo, redondamente falhado, é a tal discussão e análise de que falei? Será o seu intuito o, deveras frugal, estímulo que temos à investigação ou ensinar a falar caro a respeito de assuntos desinteressantes e deslocados?

papel de visionário progressista”... Já nem volto à questão de o pior exemplo de todos ser o da margem que a carga horária do curso deixa para intervenções no contexto estudantil, e nem me atrevo a pegar pelo facto das escolas fazerem tábula rasa das actividades extra-curiculares ligadas à arquitectura organizadas por núcleos ou associações de estudantes. Mas porque se insiste no modelo de curso de arquitectura à semelhança de um seminário onde o aluno se fecha sobre a sua actividade, adiando para depois da licenciatura o processo de conscencialização do potencial da sua área profissional? Até quando teremos fotos de revista como prova singular de que a actividade do arquitecto é moldável às mais variadas situações? E porque não procuram as escolas de arquitectura intervir no seu meio urbano, conjugando a experiência dos professores com a vitalidade e o entusiasmo dos alunos? Porque não apresentamos nós projectos e ideias às autarquias com vista à sua realização em vez de nos sentarmos em desconfortáveis bancos altos nas nossas escolas à espera que venham submissamente bradar por auxílio, implorando que se cumpra o mui douto e valoroso ritual do jogo dos volumes debaixo do sol? Porque não funcionam as escolas como equipas de elaboração de projectos que revertam a favor do enriquecimento do património arquitectónico e cultural do nosso país? Teremos medo? Seremos um bando de incapazes? A faculdade de arquitectura de Santiago do Chile foi projectada em parceria por professores e alunos. O edifício da associação de estudantes da universidade de Delft, na Holanda, foi projectada pelos seus alunos de arquitectura. A escola de arquitectura de Barcelona desde há longas décadas que intervém na sua cidade. A falta de investimento como entrave a iniciativas é um mal que nos é terceiro e que nos prende as mãos, mas e se não faltasse dinheiro, ficaria tudo na mesma? Manter-nos-íamos, como hoje, amuados ao lado, ensaiando trejeitos de altivez, encenando tiques de elite?

E já que falámos de ferramentas, onde entram, no meio de tudo isto as novas tecnologias? Mesmo os acérrimos defensores da caneta bic e do lápis de grafite já terão certamente compreendido a importância fulcral e o potencial do manejo de software técnico de desenho, modelação tridimensional, tratamento de imagem, etc.. É abstracto pensar que na aurora do século XXI tenhamos ainda de recorrer, por uma questão de teimosia saudosista, a métodos arcaicos e penosos para produção de entregas, apresentações ou mesmo processos de trabalho. Ninguém questiona a importância do desenho à mão no processo de trabalho, pelo que a imposição de ferramentas e a recorrente proibição de determinados formatos de entrega denota, das duas uma: ou uma fobia infundada ou um severo caso de deslocamento temporal.

Este artigo coloca mais perguntas do que fornece respostas, e isto agora em tom menos agudo, admitamos que o papel de definir, orientar e coordenar uma escola de arquitectura sofre da ingratidão característica das tarefas que implicam agradar a uns e a outros. Sinceramente, não me parece que seja o cabo dos trabalhos a resolução da maior parte das questões que coloquei. Na maioria dos casos, penso que é mais uma mera questão de atitude, de vontade e de flexibilidade do que de meios financeiros ou outros. Acredito que por esse Portugal fora há competência para inverter os processos negativos que abordei (e que infelizmente não escasseiam), substituíndo-os por uma diagonal ascendente de qualidade de ensino. Resta saber se, a par com a competência, há a coragem de o fazer. Até quando apostaremos no autismo pré-fabricado que nos vendem disfarçado de orgulho profissional? Até onde insistiremos em ser marginais orgulhosos?

“O arquitecto deve intervir na sociedade, cumprindo o seu

* aluno 5º ano do DARQ. [outubro 2004] 32.33


Do modelo espacial Jack of all Trays ao pulso recreativo da casa nº2 FAN*

O modelo espacial Jack of all trays ( Florian Wurfbaum, Uta Steinhoff, 1997) é baseado no seguinte facto: Num dado momento cada indivíduo pode estar fisicamente apenas num só lugar. Para além dos movimentos e fluxos imateriais que caracterizam a sociedade de informação e o mundo virtual criado pela Internet, o transporte físico de pessoas e bens tem aumentado continuamente. Uma vez que todos continuamos a querer usufruir do bemestar proporcionado pela utilização de diferentes espaços para diferentes actividades, as deslocações entre esfera privada e ambiente de trabalho aumentam constantemente a par com a exigência de edifícios maiores. Esta realidade leva a que a carga máxima de ocupação dos edifícios nunca esteja totalmente aproveitada traduzindo-se isto num desperdício de espaço. Tendo em consideração que a média semanal de tempo de trabalho é de 50 horas, um edifício de escritórios está vazio cerca de 118 horas por semana. Isto corresponde a uma utilização de 30% da capacidade total de ocupação. Em resposta a esta questão o Jack of all trays é um modelo que desagrega as divisões (células habitacionais) das suas localizações e relações fixas com o invólucro construído. As divisões individuais só existem nos momentos em que estão a ser utilizadas. O volume de espaço das divisões não-utilizadas é ocupado pelas que estão em utilização. O volume de uma divisão é proporcional ao grau de utilização, ou seja, o tamanho de uma divisão aumenta de acordo com a importância e requisitos de espaço da acção a decorrer nessa divisão. Quando se atinge a carga ocupacional máxima a dinâmica interna do edifício começa a alterar a forma do invólucro construído. A fricção, interacção, supressão e mutação das células/divisões na carga máxima requer uma pele perfurada que possa acompanhar este processo. No estado de ocupação máximo as perfurações permitem às células/divisões estenderem-se para além da pele. Por natureza a pele assume a forma de uma esfera, que é a aparência formal inicial das unidades que a vão influenciar - as células. A pele enquanto interface assume uma natureza de media uma vez que comunica as acções que decorrem no seu interior através de uma communicating façade.


Edifício convencional: A maior parte do tempo as divisões do edifício não estão a ser utilizadas. Durante esse tempo as divisões não passam de contentores de mobília e televisões.

Jack of all trays: Ed e Steffi estão em casa. Os seus amigos Peter e Jutta aparecem para tomar um café com a filha Fanny e o cão Harry. Como os vizinhos estão fora há espaço suficiente para a Fanny testar a sua nova bicicleta. Ao mesmo tempo o Félix que vive por baixo recebe uma visita do estrangeiro.

Jack of all trays, lotação completa Domingo à noite, todos estão em casa, a pressão interna do edifício aumenta, a forma da pele perfurada alterase e as células interiores projectam-se sobre o espaço público através da superfície externa. Jack of all trays consiste numa superfície perfurada que no seu interior contém compartimentos mais pequenos. Se a utilização vai para além da capacidade do edifício a pele adapta-se aumentando consoante as necessidades de espaço dos compartimentos no seu interior. Uma mudança de tamanho numa célula tem um impacto directo não apenas nos seus vizinhos directos mas no equilíbrio de todas as células e na forma do invólucro.

[outubro 2004] 34.35


Arquitectura emotiva: O pulso recreativo da casa nº2 ou The Dreaming House Em busca de maior emoção na arquitectura e baseandose na ideia de communicating façade os FAN realizam este verão em Munique uma primeira experiência dentro deste conceito. Um edifício de habitação vai sofrer em breve uma intervenção arquitectónica por um membro dos FAN1. Entretanto o edifício está a ser utilizado para residências e estúdios de artistas e arquitectos. O evento a ter lugar no edifício procura visualizar os efeitos do modelo espacial acima descrito. O objectivo é transformar o estado de espera do edifício numa fase recreativa via uma communicating façade. O interface entre interior e exterior é uma forma de mostrar o estado de sonho do edifício, de apontar o processo invisível que se desenrola no seu interior. Daí que as janelas existentes serão substituídas por membranas flexíveis de borracha vermelha. As mudanças de pressão no interior das divisões fazem pulsar as membranas projectando-as sobre a rua. O movimento de insuflar e esvaziar das membranas permite a visualização do pulso recreativo característico de um ser vivo na fase de sono. Adicionalmente a este movimento ritmado básico a pressão nestas membranas aumenta de acordo com o número de pessoas e visitantes dentro do edifício. Os habitantes do edifício irão abrir os seus espaços privados à cidade num evento de quatro dias dando a todos os visitantes oportunidade de observar um edifício a dormir do exterior e do interior. O nome dela é Hor. Ela implora-te, por favor, põe o teu ouvido na sua boca, não interessa o quão possas estar longe, agora ou sempre. Ela não consegue chegar a ti de qualquer outra forma. Ela precisa da tua voz quando a voz dela falha. Esta fraqueza pode ser explicada pela forma como Hor habita. Porque ela vive, segundo o que ela se lembra, num edifício vazio enorme onde cada palavra que seja proferida em voz alta origina um eco quase infinito.2 Todos os edifícios vazios parecem gigantes. Não conseguimos agarrá-los, não conseguimos compreender as divisões inabitadas dentro deles. Palavras sem resposta afiguram-se cruelmente sonoras e perturbadoras ao mesmo tempo.

Nas suas deambulações diárias pelos halls e corredores Hor encontra por vezes reverberações de um qualquer grito que ela tenha emitido inconscientemente há tempo atrás. 2 Hor e o edifício estão ligados entre si. O eco de Hor mostra de uma forma diferente o seu sofrimento, a sua flutuação e a sua esperança e ambição que comunicam com um mundo diferente, com um mundo ao qual Hor não tem nem terá acesso. O corpo ocupado que o edifício pulsa e respira. Hor pulsa e respira. Uma membrana esticada infiltra-se e é pressionada por entre os buracos nas paredes. Hor está contida nessa membrana. Existe uma troca entre os seus desejos e o espaço que habita.

[outubro 2004] 36.37


Eu sei que peço demais mas talvez tenhas até que parar de respirar para entender as palavras de Hor. Hor não falará contigo com maior clareza do que as vozes que ouves pouco antes de adormeceres. E terás que manter o equilíbrio naquela passagem estreita entre o sono e estado de alerta- ou terás que flutuar como aqueles para quem o em cima e o em baixo são a mesma coisa. Terei já mencionado que o edifício está vazio?E quero dizer, completamente vazio. Quando quer dormir Hor enrosca-se em qualquer canto ou limita-se a deitar onde quer que esteja. Ela dorme até no meio de um hall se as paredes circundantes estiverem demasiado distantes. Hor não tem preocupações de comida. O material de que são feitas as paredes é comestível, pelo menos para ela. 2 O edifício foi construído de tijolos. Do exterior, de onde Hor jamais o verá, ainda parece ser feito de tijolos. No interior sofreu diversas mutações durante o longo tempo que todos estavam ausentes. Começou a sonhar, deu vida a Hor e finalmente deu uma forma ao desejo. Hor vive destes sonhos. Para além da troca de fantasias as necessidades de Hor são poucas. A passagem do tempo não tem qualquer significado para ela. Ela não tem qualquer possibilidade de o medir, apenas através do batimento do seu coração. Contudo o batimento varia. Hor não conhece o dia nem a noite, ela está circundada por uma constante luz crepuscular. Quando não está a dormir, ela move-se sem objectivo. É simplesmente o deambular, uma necessidade que ela procura constantemente satisfazer. 2 Não se consegue ver Hor mas pode-se reconhecer as suas acções de sonho através da sua respiração constante, aí as divisões do edifício tornam-se demasiado apertadas e a membrana encarnada expande-se quase até rebentar. Quando os limites do mundo de Hor parecem desaparecer e se fica uma ideia da falta de dimensão do seu mundo por favor lembra-te do seu pedido: põe o teu ouvido na sua boca. Quando se sonha e se tem consciência que se está a sonhar está-se num ponto prestes a acordar. O edifício acordará em breve, aí Hor terá desaparecido – e as dimensões dentro e fora do edifício serão visíveis e compreensíveis, finalmente.

1

FAN (your Friendly Architects from the Neighbourhood) São um grupo de jovens arquitectos e artistas sedeados em Munique: Florian Wurfbaum1, Ulli Bucher , Achim Kammerer, Frank Phillip. Contacto: www.f-a-n.net 2

Tradução livre de excerto adaptado da obra original de Michael Ende , Der Spiegel im Spiegel


Os graffiti têm a pequena importância de uma interferência, o que é natural, porque é de uma interferência que se trata. Cada parede indevidamente pintada é um episódio de descontinuidade na cidade, uma intrusão na equação, uma interrupção na ordem. A ordem pública é a antítese dos graffiti e o seu alvo. Como qualquer gesto anárquico, são uma expressão individualizada, despreocupada com a vontade do colectivo, ainda que se lhe dirijam. Com boas intenções ou apenas inconsequentes, têm a força de qualquer gesto imposto ao olhar.

(Não esquecer: o espaço é o que o nosso corpo e o nosso olhar quiserem.)

O mais pequeno gesto modifica o espaço, cada lugar, os olhares, as existências. Que dizer dos gestos que se nos colam nos olhos, que preenchem as paredes até não restar espaço para a indiferença? Saturando a parede, desrespeitando os lugares. Como é que os graffiti interferem com o espaço?

(pausa)

O que se retém é o gesto sobre o espaço público. Dúvida: o que é espaço público? Até que ponto é do público um espaço onde lhe colocam restrições? Responder à pergunta é tão fácil como responder ao poeta: diz-nos: "só a palavra exacta é de utilidade pública.1" Mas: o que é a "palavra exacta"?

O que interessa da biografia dos graffiti resume-se numa frase: era uma vez, há alguns milhares de anos, um desenho num sítio errado. Os graffiti aparecem com a definição de espaço público, transgredindo-o. O homem pré-histórico não criava graffiti porque ainda não tinha inventado a (i)legalidade.

graffiti

Ainda não foi escrita, mas a palavra que serve de tema a este desconjunto de palavras é:

(pausa)

Dizer que a cidade é feita de fluxos e de vivências é dizer o óbvio, é admitir que a cidade só existe na descontinuidade. A noção de totalidade da cidade é uma fantasia. Não há fotografia aérea que lhe valha. No fundo, a cidade é um sistema binário. Dois elementos apenas, o eu e o outro, numa possibilidade de combinação infinita. Não podemos escolher interferir com o outro porque não se escolhe uma inevitabilidade. Mas é-nos permitido escolher o modo.

(pausa)

Para rejeitar, temos a lei. É a borracha de apagar das democracias. A lei determina o que é válido na sociedade. Tudo o resto é erro, não encaixa, tem que ser afastado, eliminado. É lixo.

terei que concluir: nada nos define mais do que aquilo que tentamos rejeitar

se eu disser: o lixo define mais uma sociedade do que a sua arte

Lixo. O que é que existe para perceber no lixo? O lixo é o desperdício, o excedente que recusamos, o objecto inútil ou errado, o detrito que queremos transformar em nada. O que é que existe para perceber no que queremos esquecer? Resposta em jeito de hipótese:

Woodsworth

"Art is anything you can get away with."


de uma indeterminada ecoa. Não é de uma Na sua imobilidade, lento quando se pretende spray. Seja arte ou crime,

1. Eugénio de Andrade 2. Sarah Kane – "Falta" / "Crave" in KANE, Sarah – "Teatro Completo", Campo das Letras (2001)

* arquitecto estagiário

"E se isto não faz sentido, então compreendeste perfeitamente.2"

(pausa)

[outubro 2004] 38.39

Resumindo. A maioria dos graffiti são lixo, independentemente do significado que se atribua à palavra. Significa que num contexto urbano são da maior importância. Afinal, o lixo é o gesto mais urbano.

Geralmente, os graffiti são vistos como lixo e por isso gastam-se, todos os anos, em todo o mundo, milhares de milhões de euros para apagá-los e esquecê-los das superfícies públicas. Ao mesmo tempo, vão surgindo milhares de milhões de novos traços nas paredes. Bom esforço… Suponho que a ingenuidade pode ser jogada a dois.

(pausa)

Por exemplo. Dizer que Keith Haring e Jean-Michel Basquiat legitimaram os graffiti é uma ingénua parvoíce. O momento em que trocaram as ruas pelas galerias e foram reconhecidos como artistas foi o mesmo momento em que abandonaram os graffiti. Não interessa se os desenhos são os mesmos. Porque a essência dos graffiti não é o traço mas a parede. A escolha do suporte é a própria mensagem. É uma interrogação à sociedade. As respostas, já se sabe, estão erradas. Mas podem muito bem estar todas certas.

Os graffiti só fazem sentido enquanto transgressão. Enquanto se conquistam as paredes. E quem conquista não pede licença. Os graffiti só fazem sentido enquanto gesto marginal, enquanto arriscam a própria eliminação, como qualquer outro detrito. Quando saem desse domínio passam a ser outra coisa. A legalidade torna a actividade morna, rouba-lhe os propósitos, mata-a por adormecimento.

(pausa)

Pedro Jordão

Marcar uma parede não é necessariamente o mesmo que marcar uma posição. Mas pode ser uma tentativa. Pode dizer-se muito pouco ou nada num acto de mera ingenuidade. Para quem ainda não reparou, é a ingenuidade que faz girar o mundo. Não se perde nada em lutar contra o sistema, seja lá o que isso for, mesmo sabendo que o mais provável é que o sistema só mude por acidente.

A fuga é importante. A melhor maneira de preservar o desenho na parede é abandoná-lo sem contemplações. Deixar o nome do autor como um código, reivindicar cada desenho como um atentado. A comparação não é gratuita, mesmo que de mau gosto. Como no terrorismo, importa acima de tudo comprovar a existência. Estamos aqui. Esta é uma das mensagens. As outras variam. Qualquer bom policial diz-nos que importa conhecer a motivação do crime. Neste caso, a impossibilidade está na volatilidade do gesto.

"Mais cedo ou mais tarde será tarde demais." A frase está fixada na parede capital portuguesa. O desenho que a acompanha foi esquecido, a frase ainda originalidade arrebatadora mas pode ser um bom subtítulo para este texto. transporta um sentido de urgência que faz um certo sentido. Não se pode ser que a própria identidade ou uma mensagem ao mundo passem por uma lata de o que não é, não pode ser, é um gesto de lentidão.

(pausa)

L I X O

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P.A.R.A.S.I.T.E. ‘Prototypes for Advanced Ready-made Amphibious Small-scale Individual Temporary Ecological houses’

Os “parasitas” são objectos para habitar, desenhados para se adaptarem a situações urbanas pouco vulgares e que se “alimentam” de estruturas preexistentes. São o produto final de um projecto organizado por um escritório de arquitectura em Roterdão, que convidou cerca de 30 jovens arquitectos provenientes de toda a Europa e lançou o desafio: criação de novas formas de habitação através do desenvolvimento de estruturas leves, flexíveis e de baixo custo, que pudessem ser instaladas em espaços sobrantes, abandonados, onde já existisse um esquema de infraestruturas e acessos passível de ser reaproveitado.

análise urbana como processo generativo: uma nova entidade urbana O projecto começa em 2000 quando, a convite da Parasite Foundation, equipas de jovens arquitectos e estudantes de arquitectura se empenharam em desenvolver uma série de diferentes parasitas protótipos para volumes habitáveis destinados a instalarem-se em lugares pouco comuns - explorando as vantagens oferecidas por intervenções de pequena escala no tecido urbano já existente. Nasce assim, “Parasites - the city of small things” um projecto de investigação em arquitectura, que mais tarde deu origem a uma exposição internacional, centrado na exploração das possibilidades da construção em pequena escala, através da utilização de novas tecnologias e materiais. Toma como ponto de partida a cidade existente e actua sob o mote: explorar a escassez de espaço urbano de uma forma inovadora e eficaz. A ideia de que a cidade actua como máquina de produção de novas formas urbanas, sendo por isso geradora da sua própria substância é o ponto de partida para a exploração de novas superfícies habitáveis. Redescobrem-se novas possibilidades, diferentes “solos”, novas superfícies que esperam ser trabalhadas e desenvolvidas - o telhado/terraço urbano, a paisagem dos telhados, das coberturas, a roofscape. Parasite, que deve ser entendido tanto como “parasita” como “para-sítio” aplica-se a todo o tipo de localizações urbanas normalmente consideradas não aptas para habitação permanente: antigos edifícios industriais, coberturas de edifícios existentes ou infraestruturas abandonadas. Constituem-se como uma nova entidade urbana que, numa espécie de antevisão a possíveis desenvolvimentos, se servem de ”hóspedes” temporariamente disponíveis, explorando as diversas possibilidades de um lugar, para a instalação de um programa ou actividade, de uma forma descomprometida e experimental. Este projecto surge documentado na publicação “Parasite Paradise - A Manifesto for Temporary Architecture and Flexible Urbanism”, da autoria de Jennifer Allen, Hans Ibelings, Olof Koekebakker, Ivan Nio e Gijs van Oenen.


Las Palmas Parasite. construção económica, reutilizável e ecológica O primeiro protótipo a ser construído em escala real, foi erguido no topo da caixa de elevadores do edifício Las Palmas no Kop van Zuid em Roterdão, durante ano de 2001, Roterdão Capital da Cultura. O ”Parasita” da autoria dos arquitectos Rien Kortekien e Metchthil Sthulmacher foi como que o cartaz de apresentação para uma exposição de protótipos parasitários dentro do edifício ao qual foi acoplado: Las Palmas, um armazém a ser remodelado e transformado em centro internacional de fotografia, filme e tecnologia multimedia no Kop van Zuid. Às condicionantes estabelecidas na base do projecto, sistemas económicos, ecológicos e recicláveis, juntamse os problemas particulares do lugar (fortes ventos e elevado custo das gruas). Tanto a pele exterior como as escadas, paredes interiores, móveis encastrados e que constituem as caixas de instalações são préfabricados. O projecto previa que o protótipo devesse ser convincente do ponto de vista arquitectónico com a sua forma escultórica e do ponto de vista estrutural com uma estrutura portante, reciclável e resistente, através da utilização de painéis pré-fabricados em madeira de pinho com 11,5 cm de espessura (faceado do lado exterior com “plywood” resistente à agua). Estes painéis de madeira laminada de alta densidade suportam e dividem, podendo ser produzidos em grandes dimensões e com diversas espessuras conseguindo, deste modo, formas escultóricas e grandes janelas de canto sem a necessidade de utilização de vigas ou pilares. Este protótipo pode ser desmontado e reutilizado num outro sítio. A forma da estrutura foi determinada pelas linhas de acesso e serviços (utiliza abastecimento de água e electricidade do Las Palmas) presentes no edifício “anfitrião”, através de parâmetros estruturais pré-existentes e pela vontade de conseguir uma aparência escultórica. A casa, que neste caso foi utilizada como objecto de exposição, uma vez que a regulamentação do edifício o impedia de ser utilizado como habitação, veio a funcionar como casa modelo tendo introduzido um inovador sistema de construção sustentável, nunca antes utilizado na Holanda: combina as vantagens da pré-fabricação estandardizada com a possibilidade de adaptação específica ao edifício.

Localização: Roterdão, Holanda Projecto: 2001 Execução: 2001 Promotor: “Roterdão 2001 Capital Europeia da Cultura” em colaboração com a Parasite Foundation/ Korteknie Stuhlmacher Architects Àrea: 80m2 Custo: 150.000 Euros Arquitectos: Korteknie & Stuhlmacher Colaboradores: Iris Pennock, Marijn Mees Consultores: Gerhard Jacobs, Rainer Maderholz ( engenheiros de estruturas) Aichach (construção em madeira) Merk Holzbau Construtor: Merk Holzbau, Aichach, Jasper Kerkofs

O parasita que se segue? na cobertura de uma torre de apartamentos em Hoogvliet, Holanda. * aluna do 6º ano do DARQ. [outubro 2004] 40.41


A cidadania das comunidades em auto-exclusão Alice Faria * A cidadania, como sentimento de pertença a uma comunidade, é sinónimo de habitar o espaço urbano. A cidade apresenta-se assim como um grande condomínio, onde os residentes decidem entre si um destino colectivo, de acordo com uma determinada lógica política. Deste modo, a comunidade urbana, porque se comporta como um sistema aberto, móvel e renovável, sempre regulou os seus crescimentos gerindo o mercado imobiliário, definindo quem tem e quem não tem acesso a casa, garantindo a inclusão ou a exclusão de novos membros. Se antes da revolução francesa era comummente aceite que massas de marginais e indigentes sem qualquer tipo de direitos civis partilhassem o espaço com cidadãos de pleno direito, depois de 1789 tal facto deixou, em teoria, de ser bem aceite. As modernas lógicas de bem-estar social abriam caminho para a construção de um “lar para todos” e com este objectivo promover a civilização e a integração dos novos urbanitas, ainda inadaptados. Durante o século XX o discurso sobre as mais valias saneadoras da habitação constituiu também tema central das discussões de sociólogos e arquitectos. Na mudança de milénio as grandes mutações económicas, a modernização globalizada das práticas sociais vieram questionar o sistema que até aqui parecia funcionar. O crescimento exponencial dos fenómenos migratórios geraram um mundo de partilhas e confrontos culturais que acabaram por alterar as regras bases da integração na grande cidade metropolitana. Em simultâneo o mercado alterou em definitivo as relações do indivíduo com a propriedade, quando definiu os bens imóveis como sólidas fontes de investimento. Longe de fomentar a coesão social, o crescimento económico sublinhou as antigas desigualdades sociais

definindo uma clivagem ainda mais acentuada entre a classe média, economicamente saudável e plenamente adaptada às demandas do trabalho hiper competitivo, e os não integrados, com níveis de formação muito baixos. Mas para além dos eternos confrontos entre classes, novas lógicas relacionais vêem-se surgir. Por um lado há um número cada vez mais elevado de factores e características passíveis de conduzir à descriminação e exclusão social. Por outro, e como reacção, os grupos excluídos tornam-se voluntariamente marginais. Assim o sentimento de pertença a uma comunidade é um conceito cada vez mais difuso e indefinido, porque são várias as comunidades que agora partilham e circulam tangencialmente no mesmo espaço urbano. Muitas delas geraram ritos próprios e encolheram práticas com características de intransmissibilidade. Deste modo o conceito de marginalidade, como imposição externa a um determinado grupo, desaparece. No mundo das livres escolhas cada grupo procura a seu lugar de isolamento. Se o stress urbano das classes médias cria condomínios fechados no campo urbanizado, de acessibilidades máximas, os “guettos” das minorias transformam-se em redutos impermeáveis e isolados, nas franjas das grandes metrópoles. A fragmentação do espaço urbano, em blocos mono vocacionados e mono funcionais, é o resultado material da fragmentação social. Será possível voltar a promover a integração das diferenças, que desde sempre caracterizaram a cidade? Acreditando que tal é possível perguntamo-nos como se poderá trabalhar às várias escalas e como os vários órgãos de decisão.

* arquitecta, licenciada pelo dARQ


[outubro 2004] 42.43



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DIRECTOR Daniel Beirão SUB-DIRECTOR Rui Aristides EDITOR Rui Aristides REDACÇÃO Carlos Guimarães, Carolina Santos, Daniel Beirão, Joana Alves, João Crisóstomo, João Sá, Luis Loureiro, Pedro Vieira, Rui Aristides, Susana Serigado COLABORADORES Achim Kammerer, Alice Faria, Carolina Sumares, Florian Wurfbaum, Frank Phillip, Gennaro Postiglione, Gonçalo Azevedo, Gonçalo Furtado, Inês Dantas, Irina Sales Grade, Jean-Vincent Barsier, Joana Couceiro, João Mendes, Jorge Cruz Pinto, José Brites, Luísa Correia, Manuela Lomba, Mário Krüger, Marta Pedro, Pedro Canotilho, Pedro Jordão, Rui Bordalo, Rui Cunha, Tania, Tiago Borges, Ulli Bucher TRADUÇÃO Gonçalo Azevedo, Inês Dantas REVISÃO Carolina Santos, Daniel Beirão, Jean-Vincent Barsier, Joana Alves, João Sá, Luis Loureiro, Pedro Vieira, Rui Aristides GRAFISMO Eduardo Nascimento, Luis Loureiro, João Crisóstomo, Carlos Azevedo, Rui Aristides EDIÇÃO GRÁFICA Eduardo Nascimento DISTRIBUIÇÃO XM IMPRESSÃO Imprensa de Coimbra, Limitada TIRAGEM 500 exemplares DEPÓSITO LEGAL 178647/02 ISSN 1645-3891

PROPRIEDADE NUDA/AAC – Núcleo de Estudantes de Arquitectura CONTACTOS NU . Departamento de Arquitectura . Faculdade de Ciências e Tecnologia . Universidade de Coimbra . Colégio das Artes – Largo D. Dinis . 3000 Coimbra

A redacção desta revista vem, por este meio, apresentar os mais profundos agradecimentos aos que, dentro e fora do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra, têm ajudado a NU a enfrentar as suas carências financeiras e logísticas.



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