#12 Onde está Coimbra?

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Indice

[editorial] que coimbra? Bruno Gil coimbra é portugal inteiro Alexandre Alves Costa coimbrices Jorge Teixeira Dias coimbra: o sexo da cidade António Correia + Filipe Costa cidade puta José Brites -6! Luís Filipe Rocha campus colibricensis: the wrong direction Paulo Providência bota-abaixo participado Pedro Baía o grito Pedro Jordão cartografia do prazer A. Joana Couceiro baixa, trespassa-se Pedro Canotilho + Mário Carvalhal da coimbra dos teatros e dos cinemas à José António Bandeirinha coimbra dos equipamentos culturais as infra-estruturas da música de coimbra Pedro Seixas uma escola... da noite Carolina Ferreira + Rui Aristides stop making sense Jorge Figueira video-killers in your mountain town Vasco Pinto arquitectura, natureza e amor Gonçalo M. Tavares

reflexões sobre o espaço métrico designado por coimbra

uma cidade no meu olhar Abílio Hernandez Cardoso scre]en[amecrãgrito Eugénio Borges

p 03 p 04 p 06 p 08 p 10 p 12 p 14 p 16 p 18 p 20 p 22 p 24 p 26 p 28 p 30 p 32 p 34 p 36 p 38

home site: igreja do carmo Bruno Gil

p 40

novas imagens, novos postais Inês Dantas

p 42

workshop relvinha Organização do Workshop

p 44


[editorial #12]

Que Coimbra Bruno Gil *

[junho 2003] 02.03


gloriosos como o criptopórtico que os estabilizou no terreno íngreme forçado a conformar-se ao modelo teórico de Vitruvio adaptando-o, também, a si próprio, sem vencedor nem vencido; antes mesmo de conhecer o governo do Conde Sisnando e a tentativa de um moçarabismo autónomo em tempo, já, de guerras santas, ou ainda me ser obscura a dimensão inovadora de Coimbra, construída na dialéctica entre norte e sul, no estímulo da reconquista, receptiva e independente, fronteira da cristandade promíscua de cruzados, monges, colonos, mercadores, bispos e arquitectos com a sua radicalidade exterior sedenta de poder e riqueza, arribando a terra de tolerância antiga onde, entre francos e galegos, moçárabes e leoneses se constituiu a língua nacional; antes disso tudo, esteve gente da Vértice e do neo-realismo coimbrão a passar férias em Moledo, comigo criança maravilhada na polémica em fato de banho que travavam com o António Pedro, única e enorme voz surrealista. Anos depois, na Via Latina, a "Carta à jovem portuguesa" e, logo a seguir, a cidade como cenário inesquecível de encontro, exaltação colectiva, festa, capital das repúblicas da federação onde se construíam torres de assalto às muralhas das novas bastilhas ao som das baladas do Zeca Afonso. Subi as monumentais antes de conhecer o desenho do Cotinelli Telmo e, à vista de um D.Dinis fragilizado por Franco, percebi a violência afirmada pela arquitectura da viragem pós-moderna do Cristino da Silva. Transposta a Porta Férrea é, na leitura da sucessão pacífica dos diferentes gostos e linguagens que se reencontra a dimensão do homem, a sua escala, a expressão da sua complexidade. Como na magnífica estátua de D.João III, obra do mesmo Francisco Franco, vemos o príncipe renascentista, reformador da Universidade de Coimbra e piedoso introdutor da Inquisição em Portugal. Pela mão de Minerva, com ajuda da sua sabedoria, elevei o pensamento às letras, às artes, à música, desci as escadas e, pela Sé Velha, cheguei a Santa Cruz. A sua fachada tomada por ervas daninhas, conferindo-lhe o encanto da ruína, prenuncia terrível maldição. Não se ouvem cânticos nem se avistam fogueiras, pelo contrário, um quadro de vida plena, um café à sua direita com gente que já não sabe que se encontra na Igreja de S.João da Santa Cruz que Frei Brás de Braga, em 1530, encomendou a Diogo de Castilho para evitar que transformassem em café a própria igreja monástica. À esquerda resplandece provocatoriamente o templo do novo poder autárquico no mistério da sua pintura fresca. Aqui em Santa Cruz, certamente por respeito aos restos mortais dos nossos primeiros reis, muitas vezes me recolhi na destrinça do conjunto de representações associadas num todo de tanta potência afectiva, talvez porque referentes a um mesmo impulso inconsciente. Aqui encontrei o José Mattoso que me falou da fundação

[junho 2003] 04.05


do mosteiro e da sua enorme projecção na formação de Portugal. Aqui o Manuel Real me explicou da afirmação precoce, na região, dos grandes programas construtivos franceses, enquanto o Nogueira Gonçalves fazia reviver, dos poucos restos românicos, o que foi a traça insólita da igreja inicial. Do alto da sua enorme torre espiei os movimentos de Almançor. Aqui encontro, presos à obra que produziram, os arquitectos que protagonizaram, em Coimbra, os avanços e recuos que, do manuelino ao chão, desenharam os caminhos de um Portugal venturoso nas rotas do mundo, humanista nas rotas da europa já tridentina e daí neo-escolástica e inquisitorial, militar e expansionista ou finalmente nacionalista na austeridade da restauração. Do que desenharam, no debate da adequação dos novos modelos ou dos do passado a novas situações, percorrendo os sentidos tipológicos da arquitectura e da cidade, são os Colégios Universitários expressão máxima. Dirigimo-nos à rua da Sofia. A Arquitectura entrava definitivamente no rol dos valores culturais a proteger e a empreender, diz-nos Horta Correia à entrada do Centro Comercial da Sofia, e mais, a consciência renascentista do valor demiúrgico do arquitecto faz com que a Arquitectura, para além de signo de poder, seja, ao mesmo tempo, veículo e garante de transformações e reforma das instituições como das almas. Mas, exclamaram em coro os mestres de Santa Cruz e outros que se nos haviam juntado como Isidoro de Almeida que trabalhara em tempos naquele local, nós que dispensámos a vã glória de mandar apenas quisemos transformar em belo o útil! De facto, a partir da reforma dos Estudos, contínuas e intensivas campanhas colocaram a questão não só da qualidade da obra como, sobretudo, da sua eficácia. Enganou-se, neste caso, Frei Luís de Sousa: engana o gosto de edificar e às vezes transporta. E os Mestres de traças, como dispõe de bolsa alhea, folgã de mostrar habilidade própria e mysterios de architectura. Não, aqui folgaram os mestres de outro modo, não sem habilidade ou mistério, acordados ao "bom senso" do gosto austero de um classicismo despido de qualquer ambiguidade pagã renascentista ou de tensão ou conflito maneirista. Eram esses os tempos e eram duros. Salvou-os o saber do ofício, uns da construção, outros do desenho, outros da guerra, provavelmente tudo isto em cada um. A Coimbra que fizeram, seja arcaizante, conservadora ou de compromisso, é parte indissociável de uma das maneiras da arquitectura em Portugal. A Lisboa de Pombal é sua sucedânea, como lhe precede o processo de continuidade tipológica e construtiva do nosso românico e gótico. Levantamos os olhos ao sol e vislumbramos o magnífico perfil do Colégio de Santo Agostinho, também conhecido pelo da Sapiência, agora Faculdade de Psicologia, e ouvimos a proposta de Horta Correia:

O restauro e adaptação a fins escolares deste conjunto original da nossa arquitectura académica constituiria, por parte do Estado português, a reparação possível ao atentado de lesa património cometido com a demolição da Alta nos fatídicos anos 40-50 deste século XX e a melhor maneira de se associar às comemorações dos 700 anos da nossa Universidade. Enquanto todos assim íamos, senti os olhos incrédulos de Antero. O espectáculo que se seguiu desde a ruína da Trindade, ao claustro da Sé Nova e ao Museu de História Natural, aonde nem uma vimos das Onze Mil Virgens, do Colégio de S. Jerónimo ao Real Colégio das Artes, fezme sucumbir sob tristes presságios. Coimbra, pensei, estará submetida a algum insondável desígnio divino? Será que um "non" de Deus bloqueia o seu projecto? Ouvi, pareceu-me que do seu lado, uma gargalhada sinistra: que projecto? Tentei responder, defender da desonra, da vergonha, a cidade, a universidade... Não respondi. 3. Arquitectura E depois, neste texto de 1990, publicado na íntegra numa monumental Via Latina, eu depositava na Arquitectura e na institucionalização do seu ensino alguma esperança regeneradora. E perguntava: mas que escola e para que arquitectura? Sem tradição nem história no campo do ensino institucionalizado, deverá fazer suas a tradição e a história da cidade, por dentro da Universidade entendida como parte indissociável dela. O Curso de Arquitectura de Coimbra deve seguir a cidade nos seus paradoxos constitutivos, não ser de Lisboa nem do Porto sendo ambas as coisas. Ao contrário, será precário, periférico, provinciano. E penso que não lhe farão falta os pecados originais do academismo e da modernidade, se souber colocar-se no lugar e no tempo da intervenção transformadora, a partir da realidade concreta e da capacidade de construção de uma visão própria sobre ela, criando uma estrutura compreensível no contexto das já existentes, realizando uma acção contrária às fórmulas do racionalismo utilitário que, ao quantificar, desqualifica. E nesta densa e pairante camada de ideias e fórmulas que constitui a atmosfera mental das cidades, não deixará arregimentar a sua inteligência dentro da banalidade nem a empurrará para a extravagância. E assim foi... Coimbra, não só por isso, mas também por isso, já não é a mesma. 1990 / 2003

* arquitecto e catedrático da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Docente nas áreas do Projecto e da História da Arquitectura.


Coimbrices Jorge Teixeira-Dias *

Coimbra atingiu um estado de difícil resolução: complexos de identidade, ansiedade, dupla personalidade, autismo, problemas de afirmação, excesso de passado, futuro incerto, enfim...(...) Prenúncio funesto com o Portugal dos pequenitos ali ao lado a lembrar quão pequenito é o país onde floresce a Lusa 1.0 Atenas.(...) País pequeno que de tão pequeno nos parecer, engordou no centro ao ponto de, do Norte para o Sul ou do Sul para o Norte, ser e dever, para já, ser possível passar sem Coimbra tão pouco vislumbrar. Parece que se materializou uma qualquer protecção divina para que os choques psicológicos que sabemos tão prejudiciais à saúde, não permitam àqueles que ainda por ela sentem saudade, confrontarem-se com o que lhes seria negado pela vista, uma imensa construção destruidora, nostálgica e mortífera realidade. Cegos ficariam. Como se isto não bastasse, parece que a geografia já não dá espaço à cidade, metida numa corrente de ar ente o Norte e o Sul cada vez mais longe do Sul 1.1 do Norte.(...) O ar de Coimbra está saturado. Reflexo incontrolável da natureza a avisar-nos que há engarrafamentos a mais. De carros é certo. De edifícios. De casinhas e casotas. Ainda não há de motas. De pessoas. Tudo está engarrafado. Até a saudade e o fado. Podem agora comprar-se garrafas destes últimos. Nas discotecas há quem beba sem saber saudade fora de prazo misturada com uma praxe bolorizada pelo tempo. Tudo com muito gelo, para parecer que ainda está fresco. Não reparam no entanto que Coimbra é, amiúde, a cidade mais quente do país. Entrincheirada que está, por pequenas colinas, sem que o vento por lá passe. Onde está a origem de males tão profundos que não deixam lugar ao sol para que uma cidade prospere neste jardim à beira-mar plantado? Que cena, meu! T’ás a ver? Uma cidade grande para a nossa bitola interna, acima da barreira dos cem mil, orgulhosa da sua vetusta universidade e dos seus relicários históricos, cheia de jovens vestidos de preto a marrar sebentas, fotocópias e alfarrábios, entupida de imobiliário sem tino a descer e a subir vales e encostas, 1.2 e o Mondego ali tão perto. A barreira está no orgulho, mal interpretado assimilado e vestido nos últimos anos, sem voltar a ser provado. Orgulho de quê? Do que já fomos? Sim senhor. O orgulho deve ser bebido de quando em vez, com moderação, se for mal necessário para ultrapassar os problemas diários. Coimbra está embriagada de orgulho, cidade de nariz empinado há tempo de mais, nem vê o que se destrói todos os dias. Chama-lhe vale das flores, no dia em que as mata. Chama-lhe quinta da romeira, e põe-lhe uma cancela à porta: romeira não entra. Chama-lhe Euro 2004 e em vez de um TGV... refaz os passeios. Já ninguém vem a pé da Europa. (...)Em verdade vos digo que se cair a universidade e o emprego público, desaba a alta e a baixa e vai tudo pelo Mondego abaixo. Valha-nos a Rainha 1.3 Santa, que isto já não se desempena com rosas, senhor. A universidade já está em ruínas... não as que se vêem, essas remendam-se com pladur, tinta plástica, pilares a mais disfarçados de colunas jónicas, e todo o tipo de reconstruções ao estilo McGyver (só falta encontrar um uso apropriado para a chiclete) que apenas nos satisfazem a vista. E mal. A universidade é o nosso umbigo. Foi por ela que nos alimentaram... durante 700 anos. Gravidez de duração privilegiada que a pôs no mundo com a concessão da autonomia. Fez-se a festa a 13 de Novembro de 1990. Continuamos a olhar para o umbigo e vamos batendo nos postes da reprovação. Obras rápidas demais para uma cidade que depressa só o faz bem em promessas virtuais. Ou então o que faz, faz mal.


As cidades agora crescem aos encontrões e há muito que Coimbra não apanha com um. Falta uma EXPO, uma Cimeira Ibero-qualquer coisa, um POLIS, uma Capital Europeia da Cultura, uns jogos olímpicos, um programa Milenium, um metro, um teleférico, uma estação de TGV, um museu de arte contemporânea, uma Nova Almada ou Elipse ou Manhattan ou lá o que é, uma Casa da Música, um Parque Tecnológico, um aeroporto, uma zona franca, uma área metropolitana, um túnel sob o rio, uma piscina olímpica, um Alqueva, uma waterfront, um business center, uma ponte do Foster, uma igreja do Siza, uma pousada do Souto Moura, uma classificação como Património Mundial, uma torre para demolir, três elevadores para a alta, qualquer coisa a piscar no mapa e a aguçar a comunicação social tão sensível às cidades dos eventos, (...) ... falta 1.4 tudo! Temos tudo! O pavilhão da EXPO Hannover vem a caminho, desmantelado dentro de contentores para ser de novo reunido em Coimbra... a lembrar o pavilhão do Mies. Também vai passar por uma guerra, o nosso típico conflito entre engenheiros arquitectos e construtores... e o poder local claro. Cimeiras não vejo. Vejo cumeeiras construídas a olhar para vales destruídos. O Polis já chegou. Pelo menos o banal painel dos descontos temporais que nas costas negras grita - ó tempo... volta pra trás! Capital da Cultura já somos. A preços de estudante é que não. O Metro já está prometido. Teleféricos nem pensar. Somos uma cidade com estória! Nada de modernices. A estação de TGV passa perto, para quem tiver andado a treinar a maratona em vez de estudar, chega lá em 2 horitas e 20 minutos. Museu... Machado de Castro! Arte contemporânea uma vez de 2 em dois anos com os encontros dos fotógrafos. Casas da Música temos muitas... e já feitas. Pequenas casas onde ainda se pode beber uma taça de vinho a ouvir um fado cantado por algum ocasional bebedor... Aeroporto. Em Cernache. Aviões telecomandados e Cessnas. Temos tudo. Se quisermos olhar rapidamente, temos tudo. Se pararmos para realmente ver o que temos acabamos a perceber que o que não temos é cultura. A cultura que nos faria perceber a diferença entre um tudo político-demagogo e um tudo cultural que acresceria qualidade de vida aos cidadãos de Coimbra. A cultura que nos faria rapidamente perceber que é muito diferente ver de observar. Pobre Coimbra com a sua condição urbana feita em cacos, centrifugada, rarefeita, descabelada, enrodilhada no seu universo identitário minado por tão 1.5 profundo engrimanço e contradição.(...) E ainda há quem diga que não há melhor arquitecto que o povo. Ora, ora... o que lava no rio? O que só lê jornais desportivos? O que passa a vida no shopping? O que não perde o Big Brother e os seus ainda mais aberrantes 1.6 sucedâneos?(...) Ainda embalada pelo orgulho setecentista da sua empoleirada universidade, a política urbana que se pratica cá em baixo é a da falsa democracia. Faz-se o que o povo pede, ou da maneira que o mantém no seu suposto lugar... Com a multiplicação dos telemóveis já toda a gente sabe quão fácil é pôr esse aparelho ora a tocar incomodamente, a estremecer discretamente ou ainda em silêncio. E é no mais profundo silêncio que se compram casas em Coimbra a preços de Mónaco, como se de uma marina se tratasse, com vista para esse oceano de necessidades que é a Makro ou o Continente. É também em silêncio que se constrói nas encostas, que se impermeabilizam os vales, que se culpa a natureza pelos males que nunca cá existiram. Fosse só a destruição e já não seria mau de todo. Se é da alçada da torre da universidade que saem os engenheiros, os políticos, os jurístas, os projectistas, que hoje destroem Coimbra... não estará também já destruída por dentro essa universidade de que tanto se fala? Ou andamos a importar mão de obra de outras paragens por não acreditarmos nas pessoas que a Universidade de Coimbra credita? Parece-me claro que são uns e outros que andam a fazer arquitectura. E não os arquitectos.

* arquitecto licenciado pelo Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra [Coimbra 2010 – odisseia no espaço prova final orientada pelo Professor Arquitecto Alexandre Alves Costa] 1.0-1.6-Domingues, Álvaro; Coimbra do Choupal, já não és capital? in jornal o Público, 2001 [junho 2003] 06.07


Coimbra: o sexo da cidade António Correia + Filipe Costa *

Era um falo tão grande, tão grande, tão grande... enorme, que pura e simplesmente tomava conta de tudo. Discutimos mais do que uma vez. Ele queria mandar, queria que as coisas fossem feitas à sua maneira, o que me constrangia, inibia, me impedia de tomar as minhas próprias decisões. Nada tinha a ver com a intelectualidade ou integridade, mas sim com pura e simples sublimação. E, de facto, por causa dele eu sou um dessublimado. Gostava de saber porque tenho um falo tão grande, porque é que os outros não têm um assim... Bilbau também tem um agora, mas pelo menos tem outra mentalidade. O meu é já tão enraizado que se torna inconcebível a ideia de sobreviver sem ele. Porque é que há alturas do ano, novembro e maio, em que ele se ergue incontrolavelmente, não me deixando respirar, dominando-me por completo, e outras, no calor do verão, em que simplesmente parece desaparecer, deixando-me inconsolável, desamparado, impotente. Não terei eu também uma palavra a dizer? Olho para ele. Não sei para onde me encaminha. Por vezes sinto que, mesmo quando se ergue, não tem na realidade grandes pretensões em faze-lo. Está por aí, apenas, a controlarme sem saber exactamente como o faz. É omnipresente e toda a gente o sabe, ele não se apercebe, ele não sabe como me responder, porque ele sou eu também e um no outro não encontramos respostas. É uma relação doentia a nossa. O meu psicanalista já por várias vezes me repetiu que será melhor eu encontrar uma companheira para o entreter. Penso que terá a sua razão, mas sou demasiado tímido para o fazer. Entretanto vou-me perdendo à medida que me masturbo pensando em cidades sublimadas. Todos temos um passado, e o meu com ele é de boas recordações, apenas isso. Não me imagino existir, de todo, durante muito mais tempo, ao consentir esta relação como hoje se continua a estabelecer. Necessito de me sublimar, nem que para isso tenha que o arrancar de mim. Amanhã, quando acordar, ele continuará aqui, teimosa e intransigentemente comigo. Na verdade, não desejarei que ele tenha desaparecido. Sei que não sobreviverei se o cortar de mim. Se calhar é ele que, tal como eu, terá de aprender a sublimar-se para que ambos mudemos, para que ambos cresçamos. Só não sei se ele o entende ou se eu o consigo. Amanhã, quando acordar e ambos nos apercebermos da nossa velhice, iremos entender que desta maneira não nos resta muito mais tempo juntos. * alunos do 5º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra


[junho 2003] 08.09


[junho 2003] 10.11

JosĂŠ Brites*

Cidade Puta


*aluno do 3º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra 1

números fornecidos pelos Serviços Académicos da Universidade de Coimbra


- 6!

Luis Filipe Rocha *


*aluno do 6ยบ Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra

[junho 2003] 12.13



A nitidez, por exemplo, pode ser obtida pela distância ao objecto, como em algumas formas de hipermetropismo: quanto mais distante, mais nítido. Assim também em algumas impressões sobre a realidade; enquanto as vivemos, temos uma vaga impressão de desfocagem, de falta de nitidez sobre o que se está a passar. A impressão, enfim, de que alguma coisa não bate certo; só ao fim de algum tempo conseguimos precisar o que não batia certo, pela consciência que ganhamos sobre o vivido. A visita ao pólo II da Universidade de Coimbra é uma experiência de desfocagem: nada do que ali está, quer planos quer edifícios surge com nitidez (ausência de intencionalidade no desenho do espaço público, olímpica indiferença entre diferentes escalas do construído, evidente escassez de investimento material e afectivo); e então, o que é que embacia o olhar? o que é que falta nesses planos? Aquilo que Coimbra, nos últimos 20 anos não conseguiu construir – uma rua, ou antes, uma rua universitária, uma rua ou alameda ou avenida onde os colégios ou faculdades ou equipamentos universitários construam um lugar de identidade, que seja lugar de um Projecto abrangente para a Universidade. Essa desfocagem é em primeiro lugar uma desfocagem sobre o que a Universidade quer ser, sobre o devir universitário.

Duas observações, sobre dois espaços urbanos gerados pela Universidade: a) a impressão de que o largo de D. Dinis seria muitíssimo mais inteligível se o pórtico que ligaria o edifício de Medicina ao edifício de Química se viesse a construir; de facto, uma das impressões mais desagradáveis do plano tal como está implementado, é a continuidade do largo de D. Dinis com a rua Larga, pela axialidade ilimitada que gera e pelo descontrole de escala de espaço urbano que provoca no largo. A existência desse pórtico tornaria mais evidente que o edifício da Matemática não tem “ancoragem” possível com o actual largo, que o largo do Museu e os Colégios das Artes e S.Jerónimo são confluentes no largo de D. Dinis, e que o largo é um espaço urbano informal às portas de um acontecimento. Mesmo a Porta Férrea ganharia de novo algum sentido (e talvez escala) pelo encerramento distante do espaço que a antecede. b) a segunda observação diz respeito à espantosa tensão espacial gerada pelo Aqueduto sobre a Alameda do Jardim Botânico; muitas outras cidades têm aquedutos a seccionarem (ou a gerarem) espaço urbano, como acontece na Praça das Amoreiras em Lisboa; é no entanto curioso utilizar um aqueduto como pórtico de entrada; aí, o aqueduto gera uma fronteira, uma iniciação, um limiar particularmente perturbante e rico pela descontinuidade urbana que provoca e pela monumentalidade um tanto despropositada mas não menos eficaz que imprime. Essa descontinuidade é reforçada pela presença de edifícios de grande porte (antigos conventos, seminário) sobranceiros à Alameda; a monumentalidade da Alameda é também resultado do seu traçado recto e nivelado, que parece mais ser consequência dos alinhamentos da plataforma central do Jardim, do que um qualquer acto deliberado de planeamento; neste sentido, a Alameda é talvez a melhor materialização do papel Contemporâneo da Universidade na Cidade, ligando o papel científico de uma ao espaço urbano de outra. Contrariamente a outros “Passeios” da transição de XVIII para XIX, a Alameda do Botânico não chegou a ter uma frente urbana construída com regularidade (como no Passeio das Virtudes); talvez por isso temos a impressão de uma obra não concluída: a vocação histórica da Alameda do Jardim Botânico parece nunca ter encontrado um interlocutor ou interprete, e assim permanece expectante ou semi-acabada.

Talvez falte ao pólo II um acto de desenho unificador que identifique uma vontade especifica de espaço urbano decorrente de um novo papel para a Universidade. Talvez a intencionalidade da sua construção seja administrativa, não sendo esta razão suficiente para construir uma universidade e uma cidade. Talvez lhe falte afecto. Na ausência de um programa instaurador, não seria a Alameda do Botânico o “pólo” de expansão “natural” da Universidade de Coimbra, o homólogo Contemporâneo da Moderna rua da Sofia?

* arquitecto e professor do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra

[junho 2003] 14.15


Bota-AbaixoParticipado Pedro Baía *

No mesmo dia em que retiram o título de Cidade-Museu da placa da A1, a Câmara Municipal de Coimbra aprova por unanimidade uma nova política urbana proposta por um grupo de estudantes de arquitectura.

How many of these buildings deserve eternal life? Na página 1099 do S,M,L,XL, Rem Koolhaas questiona a permanência, ou não, dos edifícios construídos entre os anos 50 e 90 de qualidade arquitectónica abaixo da média. A propósito de um concurso de extensão de La Défense, revisita o tema da tabula rasa do Plan Voisin de Corbu e propõe demolir todos os edifícios sem significado com mais de 25 anos e preservar os de inquestionável interesse arquitectónico e simbólico. Segundo a visão optimista de Koolhaas, vastas áreas ficariam então disponíveis para construir um mundo melhor, a new beginning for generations to come. A proposta da Tabula Rasa Revisited por Koolhaas assume uma radicalidade diferente do plano de Corbu; o Plan Voisin insere-se num processo violento de destruição do tecido urbano do centro da cidade de Paris, enquanto que o plano de La Défense defende que o carácter de uma periferia desqualificada pressupõe, desde logo, a sua eliminação a curto prazo. A nova abordagem de Koolhaas consiste num reforço da consciência que os edifícios não são eternos, que a dinâmica das cidades passa também pela ocupação natural ou forçada dos edifícios e espaços obsoletos; ocupação esta, que tanto pode ser a um nível físico, de recuperação ou de demolição, como também a um nível programático. [...]

[junho 2003] 16.17

Recuemos... Tudo começa nos anos 40 quando é apresentado à Câmara Municipal de Coimbra o plano urbanístico do arquitecto e urbanista De Groer, de ‘‘Urbanização, Embelezamento e Extensão’’ da cidade. Um dos projectos de De Groer previa a execução de parcelas do tecido urbano da Baixa, com o objectivo de criar uma grande avenida que ligaria a Igreja de Santa Cruz e a Praça 8 de Maio à Avenida Navarro junto ao rio Mondego 1 . O plano de demolições não chega a ser totalmente concluído e, como consequência da interrupção dos trabalhos, um rasgo na malha urbana da Baixa de Coimbra é criado. Fruto de um projecto que nunca chegou ao fim, surge assim um vazio residual, sem sentido. Espontaneamente, a cidade apropria-se do espaço, transforma-o em recinto de feira, em parque de estacionamento, e confere-lhe uma identidade própria ao baptizá-lo com o nome Bota-Abaixo. Comerciantes e utentes da extensa área comercial da Baixa tornam-se agora actores de um novo palco da cidade. Cria-se, então, uma realidade urbana não projectada por arquitectos, nem por políticos, onde o programa para o local é definido pelos próprios cidadãos. Este novo espaço situado na Baixa, entre a Praça 8 de Maio e o rio Mondego, começa a ganhar sentido, constituindo um ponto estratégico importante de reencontro da cidade consigo mesma.


De 20 em 20 anos, de geração em geração, o Bota-Abaixo torna-se um lugar de festa, de esperança.

O Bota-Abaixo deixa de ser um mero espaço residual para se afirmar como um elemento urbano que, fazendo juz à sua história, possibilita a criação de um projecto que evolui no tempo de acordo com a vontade da população. No Bota-Abaixo um novo processo urbano é posto em prática, o conceito de Tabula Rasa Participated. De 20 em 20 anos, no dia da cidade de Coimbra são apresentados projectos e ideias para o espaço do Bota-Abaixo. O projecto escolhido democraticamente pela cidade será construído no local. Passados 20 anos, um outro concurso tem lugar, de forma a substituir o anterior projecto. Nesse dia todos os habitantes são convidados a assistir à apresentação dos projectos, seguida de um referendo local. A demolição do projecto anterior é transmitida em directo para todo o país. Tratase de um dia único, único em 20 anos. Representa como que um virar de página, um novo ciclo, uma outra oportunidade. Neste dia, várias ideias são apresentadas, algumas complexas, polémicas, outras de qualidade discutível, as inevitáveis ideias de mau gosto... Os debates, necessários, sucedem-se; discute-se o futuro daquele terreno, as consequências sociais, espaciais e económicas... Todos pensam, questionam, criticam, sugerem; que fazer com este espaço? No fim, a democracia do povo decide em conformidade.

[2023] Um museu de arte contemporânea da fundação Guggenheim instala-se em Coimbra. Museu tipo bubble, apresenta-se como objecto mutante, reagindo em tempo real, adaptando-se ao visitante segundo a lógica gizmo. Durante este período, várias exposições passam pelo museu, de fotografia, de artes plásticas, de arquitectura... Ciclos de cinema, peças de teatro, espectáculos de dança, raves, desfiles de moda, workshop’s, conferências, debates... A cidade cultiva-se... [2043] Para assinalar os 100 anos das demolições do Bota-Abaixo, reconstitui-se a malha existente dos anos 40 do século XX. O carácter do tecido urbano da altura é mantido, com as ruas estreitas, largos, dilatações e enfiamentos. Através de uma intervenção num sítio histórico que responde às necessidades do seu tempo, dá-se origem a uma revitalização das áreas envolventes. A partir deste momento, o Bota-Abaixo torna-se pedra fundadora do projecto de recuperação de toda a Baixa. [2063] Um silo-parque-verde em altura é construído. No 2º piso, dezenas de crianças jogam à bola e correm aos gritos, enquanto os pais lêem o jornal. No 6º, estudantes de capa e batina estudam ao longo de pequenos montes artificiais com vista para o Mondego. No 3º, casais apaixonados fazem piqueniques à volta de um lago artificial. Ao fundo da Rua da Moeda, grandes pinheiros se erguem. À sombra do castanheiro, o local de encontro de q u a t r o ve l h o t e s p a ra m a i s u m a s u e c a . 1. ECDJ 3, p. 48.

* aluno do 5º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra



o grito Pedro Jordão *

Dados: Nesta cidade, o rio é o vazio maior. Este rio é uma ideia cansada. Por concretizar. Existe. É tudo. Este rio é um bibelot. Parece não servir para nada, mas fica muito bem onde está e nos postais. A cidade celebra o rio nas canções e nos versos mas já não sabe muito bem onde é que ele se encontra. A verdade é que o rio passa muitas vezes despercebido. É o hábito. O que é um rio? Se não fizer cidade, não passa de um risco traçado na terra. Uma fronteira que separa em vez de unir. Nesta cidade, as pontes são poucas ou demasiado incompletas para nos lembrarem que existem duas margens. A ponte, no entanto, tornou-se o mais importante. O rio só serve para ser atravessado. O rio atrapalha. A ponte resolve o problema. Este rio é um elemento não urbano. Entre as duas metades da cidade, o rio é uma terra de ninguém. Ignora-se o rio porque ele esteve sempre lá. O problema do rio é que é demasiado visível para ser notado mas não é suficientemente invisível para se sentir a ausência. O problema do rio é que ainda não é suficientemente desprezado. O que interessa agora é matar o rio o suficiente para não se conseguir mais ignorá-lo. A cidade só o procurará quando estiverem reunidas todas as condições para o esquecer. O problema é o rio protestar baixinho. Ele não sabe gritar. Objectivo: Fazer o rio gritar. Hipótese 1. Esvaziar o rio. Desaparecer a água para esquecer o rio. O rio esvaziado não é rio, é leito. Mas talvez seja mais arquitectura. O leito seco é um espaço novo difícil de ignorar. É uma ferida assumida, rasgada num tecido que até aí lhe era indiferente. É um contentor vazio e o vazio acolhe infinitas possibilidades. A cidade tem que escolher porque a cidade não sabe lidar com o vazio. Não pode permitir o vácuo. Não pode permitir essa violência que a esmaga. O vazio é a verdadeira negação de cidade. É desse silêncio, desse nada, que nasce o maior ruído. O rio morreu para aprender a gritar. Já não se pode virar as costas ao rio, agora que já não o é. A ausência grita sempre mais alto. Hipótese 2. Murar o rio. O rio já não conta. Feche-se, então. Encerre-se por detrás de muros altos a água que corre, para que corra sozinha. É outro modo de nos afastarmos. Os muros têm que ser suficientemente altos para

que não se possa espreitar ou invadir o espaço residual. Olhar para o rio mas não ver nada para além de uma parede. Ou então, revestirem-se os muros com espelhos e forçar o confronto da cidade com o seu reflexo. Usar o espelho para nos afastarmos ainda mais. A distância, contudo, tornanos mais sensíveis ao desejo. Um rio fechado ganha importância. Subtrair esse espaço à cidade. Obrigá-la a confrontar-se com os seus limites. Proibir o rio para que a cidade o deseje. Hipótese 3. Cobrir o rio. Se cobrir a Baixa tem lógica, então também o tem cobrir o rio. Modificar o espaço impondo-lhe um novo limite. Destruir esse espaço com um único gesto. Neste caso, basta colocar uma tampa bem grande. Deixam de ser necessárias pontes porque já não há uma interrupção na cidade. Se o rio era silencioso, agora é mudo. A cidade, entretanto, conquistou alguns metros mais. É preciso construir depressa, selar o rio que ainda desliza por baixo e esquecer esse antigo vazio, esse pedaço de nãocidade. Mas o novo fragmento urbano será sempre diferente. É difícil evitar a cicatriz. As cicatrizes servem para marcar o que não pode ser esquecido. Hipótese 4. Ajardinar as margens do rio. É a sugestão menos lógica mas é a mais original. Todas as cidades que vivem o rio constróem nas suas margens. Debruçam-se sobre a água, multiplicam pontes atravessadas continuamente por aqueles que vivem a cidade como um todo. Mas esta cidade não quer viver o rio. Quer um imenso prado verde das nove às cinco e aos finsde-semana. O que importa é que o rio seja cada vez mais um pretexto para não acontecer nada. O objectivo é chegar ao grau zero. Zero. Não acontecer mesmo nada é melhor publicidade do que acontecer quase nada. O deserto impressiona mais do que a praça vazia. Quando as margens estiverem desertas de vida será lembrado o rio quase esquecido. Hipótese 5. Rio Mix. Como derradeiro cenário podem cruzar-se, aleatoriamente, as primeiras quatro hipóteses, num total de onze combinações. São muitos gritos à escolha.

* aluno do 6º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra [junho 2003] 18.19


Miguel Pereira in EspaçoCorpo março2002

[junho 2003] 20.21

A. Joana Couceiro *

Cartografia do prazer Eu faço tudo pelo CORPO eu especializei-me em CORPO, eu vivo do meu CORPO eu dou-lhe demasiado espaço na minha vida, eu ocupo-me demasiado dele, ele dá cabo da minha vida. Ele enche. Eu sou um animal na minha natureza. Mas eu penso muito e demasiado. E penso muito sobre o meu CORPO e sobre mim e sobre o embate do meu CORPO e de mim no espaço logo a seguir ao espaço do meu CORPO, ...


Cidade. corpo. lugar de ambiguidade. lugar utópico. atópico. fonte de ansiedade e fonte de prazer... Entre a Portagem e o Açude, duas margens de costas voltadas. indiferentes. Movem-se os corpos num cenário estático. E os corpos e o calor dos corpos e a dinâmica dos corpos vão-se diluindo na inércia do cenário. A fachada da cidade são as traseiras de uma avenida. ... e as yujo já lá estão. A literatura Edo classifica as mulheres em duas categorias: yujo, mulher do prazer e jionna, mulher da terra. Ambas alienadas da sua sexualidade. Todo o pensamento erótico se concentrava à volta das yujo, mulheres profissionais que tinham desenvolvido a refinada metafísica do amor. Pela janela do automóvel, mulheres na estrada marcam o ritmo das fachadas... A proximidade física com o rio é quase ignorada dada a opacidade dos edifícios e a ausência de interrupções na continuidade urbana da avenida. E as yujo esperam, ainda... A situação de Yoshiwara, o bairro do prazer com licença de Edo, a uma certa distância do centro da cidade, é o resultado de um plano urbanístico. O mapa desenha um tecido cultural. normas. valores. costumes. rituais. indica a “normalização” da cidade. separa o lugar da maldade. remete para o conceito do que a cidade devia ser. de como os seus cidadãos deviam comportar-se. Mais lento, o carro, anuncia a paragem. Na janela do automóvel, o retrato de uma mulher distante que se deixa observar ainda de borla... A seguir trata-se de negócios; à frente, outras tantas mulheres. De dia, um sector terciário nos edifícios implantados ao longo da avenida. À noite, profissionais do sexo no centro das transacções humanas... ... algumas entram no automóvel. outras continuam à espera. Yoshiwara situava-se originalmente dentro de Edo, mas o governo ordenou que o bairro do prazer se mudasse para mais longe do centro da cidade. uma zona distante. a viagem até lá serviria como rito de passagem de um mundo a outro. Nessa avenida escura, ainda as que ficaram para trás. ... esgotam-se as vibrações dos espaços... ... apoiadas nos muretes. encostadas às paragens do autocarro, aos semáforos. sentadas no passeio... esqueceram-se delas. Mulheres da vida. Mulheres da rua. Meretrizes. Rameiras. Pêgas. Prostitutas. Putas... A sexualidade estava regulada espacialmente. estavam designados os lugares onde os encontros deviam dar-se. mas para lá do mapa oficial existiam numerosas zonas de prostituição sem licença e sem cartografia. ... e todos sabiam. Todos sabem delas. Querem esquecer-se... É que o feminino capta a dupla natureza das coisas: é ao mesmo tempo promessa de prazer e fonte de ansiedade. ... mulher fatal(?) que ameaças a ordem social e representas tudo o que escapa ao controlo da autoridade. mulher que ameaças a subjectividade masculina e inibes as iniciativas dos homens. tu que renegas os papéis femininos tradicionais. personificas o irracional. tu, força desestabilizadora. escapas ao espaço e a imagem da cidade é, afinal, igual a ti... Mas esta cidade em que estamos não é essa do filme noir. Cidade mulher; a sexualização do espaço conceptualizada por e através do corpo da mulher... uma cidade nocturna, sem formas visíveis, obsessões favoritas, refúgios protegidos... ...era este o espaço da modernidade por onde passeavam as personagens do filme noir. Sejamos radicais! Faça-se um rasgo de luz debaixo do viaduto do IC2! Habite-se o viaduto com estas mulheres que esperam, ainda, na avenida. O edifício já lá está. existe. linear. comunica com o rio. dialoga com as margens. une a cidade. Dê-se-lhe uma fachada! Faça-se um cenário, outro. E os corpos e o calor dos corpos e a dinâmica dos corpos, agora misturados no cenário... Seja a cidade um pigalle, um red light district contemporâneos. Viva-se o viaduto. pare-se lá. as yujo já lá estão... que se conheça aquele espaço mais do que de passagem... quando o carro o atravessa acariciando ou esbofeteando a cidade... essa prostituta, também... * aluna do 5º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra


Baixa, trespassa-se Pedro Canotilho + Mário Carvalhal * Calcorreiam-se ruas, ruinhas e ruelas, cruzadas por ruas, ruinhas, ruelas, becos e vielas. O friso da casa que ameaça ruir ao poisar de uma pomba; o cheiro a sardinhas assadas; as meninas da má vida, os amigos do Baco, a roupa a pingar das janelas e uma árvore que assiste atrás de um muro provocam os sentidos deambulantes. A soleira da porta que se baixa à rua que passa e a fachada de pedra sem reboco ostentam uma vida de história e estórias. É a Baixa, encantadoramente desencantadora, esquecida e decadente. A Baixa da Brasileira que já não o é, do bulício dos estudantes que chegam e que partem, mas não ficam. A baixa da cerimónia da memória, das vidas passadas, do tempo…vrggiiiicchc…STOP. A cassete estragou-se; (sempre a tocar, sempre a tocar...) Entre o caos comercial da Ferreira Borges/Visconde de Luz e a pretendente a avenida, Fernão de Magalhães, morre a Baixa. Sim, a mesma em que grande parte das casas estão em estado de ruína, ou pelo menos aparentam, em que estas apodrecem perante olhos impotentes dos seus ocupantes, votados também eles ao esquecimento. A Baixa de Coimbra já foi, no entanto, a zona de mercado por excelência às portas da muralha da cidade. Cedo se desenvolveu extramuros como a freguesia da classe burguesa estimulando, provavelmente, a instalação posterior dos Colégios da Sofia. E foi-se consolidando ao longo dos tempos a ponto de se tornar a zona mais habitada da cidade, na sequência da desertificação da sua congénere intramuros, à medida que a muralha ia perdendo a sua razão de ser. Curiosamente a ponto de, em 1540, D. João III conceder regalias económicas a quem construísse novas casas na área da Almedina. E o processo teve o fim pretendido com a instalação dos Jesuítas e a transferência e consolidação da Universidade, de novo, na Alta. Os construtores encheram os bolsos, o preço das casas foi subindo, assim como, as rendas também o foram. E o resto é história. Séculos volvidos, com a expansão dos limites da cidade para zonas como a Solum, o Tovim, a Pedrulha ou Taveiro, o centro antigo tem ficado tendencialmente cada vez mais deserto, e menos centro. E aqui que reside possivelmente o cerne da questão: Baixa de volta? Como? Do senso comum e do bom senso, é afirmar-se que é necessário gerar um novo tipo de centralidade urbana. Já não sendo geograficamente o centro da cidade é fundamental proporcionar uma possibilidade de articulação urbana que assente exclusivamente na premissa de qualquer urbe do século XXI, o da mobilidade humana. Caído do céu, para alguns, obra do demo, para outros; cogita-se a hipótese do metro de superfície, pomposamente baptizado de Metro Mondego. Igualmente, para uns é a oportunidade de criar [junho 2003] 22.23

um sistema de inserção urbana acompanhado de um plano estruturado de desenvolvimento é, para outros, o reviver do camartelo criminoso da Alta. Rasga-se do Bota Abaixo à Rua Olímpio Nicolau, numa verdadeira ira messiânica. Ora-se aos Deuses pela salvação, dirão os outros, as figuras bem pensantes patrimonialistas, que já habituaram Coimbra à sua eloquência em páginas de jornais de boa fama. Defendem que fique assim, igual ao que está. E assim fica, cada vez mais igual, enquanto o mundo anda para a frente, enquanto cai mais uma telha, enquanto a Baixa fica com menos um habitante, dia após dia, ano após ano. Mas desde o século em que eram lidos os autosde-fé na Praça Velha, já o que anda sobre carris deixou de ser a vapor ou alimentar-se a carvão. Mudar é transformar e não destruir. Escrevemos nós que está na altura de proporcionar a quem nunca teve, mas tem direito, condições humanas íntegras, humanidade. E assim caminha a Baixa, triste e sozinha, vergada pela herança que alguém ditou nunca mudar. Pululam, no entanto, elementos de modernidade em tão malfadadas ruas, testemunhando as inúmeras políticas municipais (ou falta delas) levadas a cabo em função da hercúlea tarefa de recuperação da Baixa. Repuxos, cobertos por grelhas de aço inox e iluminados por projectores de luz ( numa variedade cromática que lembra o melhor estilo dos néons de Las Vegas), bancos de betão e granito de desenho despojado, alinhamentos de laranjeiras racionalmente dispostas, constituem apontamentos de inquestionavelmente questionável valor arquitectónico. Também os passeios são mais vezes pintados que as fachadas do casario; pedra de granito aqui, pedra calcária ali, um remendo de calçada no meio e, ups, outra pincelada mal dada. As casas de madeira e pedra abaulada pelo labor do tempo são transformadas, sob programas camarários de recuperação, em casas de tijolo e cimento à paulada. Muitos são os exemplos de maquilhagem mal feita com que os nossos sucessivos executivos camarários nos têm saudado. E apresentam sintomas de algo que já se percebe como uma enfermidade bastante grave: em Coimbra olha-se para o chão quando se devia olhar em frente. Para não falar da proposta bacoca de cobrir parte das ruas comerciais da Baixa (atentese no facto de aqui já se olhar para o ar!), e a sua tentativa de validação com recurso a nomes do starsystem arquitectónico (política, senão politiquice, à qual têm recorrido muito frequentemente os nossos politiqueiros). Acabe-se com o embuste. A Baixa não louva à libertação misericordiosa do camartelo, nem à consagração dos seus estigmas. Pare-se, escutese, olhe-se e atravesse-se para o lado da realidade. * alunos, respectivamente, dos 3º e 2º Anos do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra




Escrevi este texto em 1995, aquando do lançamento de um conjunto de campanhas de mobilização em torno dos problemas da cidade. Embora centrado na questão específica do Teatro, reflectia já um crescendo de consciencialização, por parte dos cidadãos, da evidente decadência de diversos indicadores de urbanidade. A delapidação dos espaços dedicados a actividades culturais, em particular teatros e cinemas, era apenas uma das faces mais visíveis dessa decadência. Este e outros temas foram escrutinados numa assembleia, para se avaliar quais os mais motivadores, quais os que mais preocupavam os cidadãos presentes. Não sendo o que obteve mais votos, esteve longe de ser o que teve menos, tendo mesmo ficado em terceiro ou quarto lugar, num elenco de temas urbanos tão díspares como o tratamento da frente de rio, os transportes públicos, a recolha de resíduos ou os espaços verdes, entre outros. Passados estes anos, e sob um ponto de vista mais genérico, como se poderá avaliar a situação dos designados equipamentos culturais em Coimbra? Pelo que diz respeito a um Teatro Municipal, ou a uma iniciativa congénere, tudo está na mesma, senão pior. Logo a seguir àquelas movimentações, foi proposta, por responsáveis municipais, a construção do referido teatro nas instalações da gare ferroviária de Coimbra A. Não se fazia qualquer referência ao tipo, à dimensão, às especificidades programáticas, só a localização parecia interessar. Entretanto, numa outra área da cidade, no Pátio da Inquisição, uma companhia profissional de teatro ocupava precariamente as antigas instalações dos serviços de higiene da Câmara. O edifício do antigo Colégio das Artes, marco fundacional da operação urbana da Rua da Sofia, tinha vindo a ser transformado numa espécie de pia de despejos para toda a panóplia de serviços municipais, que não dispunham de instalações. Aí estiveram os chuveiros públicos, o departamento de higiene e recolha do lixo, o asilo para os pobres, para além de diversas repartições técnicas e administrativas. Como consequência, o espaço estava altamente degradado, incompreensível, por entre um sem número de intervenções casuísticas e sem qualquer espécie de critério. A utilização de uma tal área para a prática teatral, se bem que condicionada pela precariedade e pela degradação das instalações, veio, na verdade, colocar o problema da sua reconversão para fins culturais. Foi desse modo que nasceu a ideia de um conjunto que albergasse outras valências culturais, para além da companhia de teatro. Foi também a partir daí que se iniciou o processo de inclusão do Centro de Artes Visuais, que lá funciona neste momento. Algumas outras intenções, quer da parte da Municipalidade, quer da parte da Universidade, foram-se quedando pelo caminho, a remodelação do Teatro Paulo Quintela, a reconstrução do Teatro de Sousa Bastos, o auditório do Convento de S.

Francisco, a construção de um Conservatório de Música... Concretizaram-se, entretanto, a galeria de exposições no edifício Chiado, com um programa indefinido e o espaço a revelar-se desadequado do contexto expositivo; a Oficina Municipal de Teatro, contentor pré-fabricado para albergar companhias de teatro, algumas provisoriamente; e o Pavilhão de Portugal em Hannover, ready-made de expediente que procura superar a proverbial ausência de arquitecturas marcantes na cidade de Coimbra. Ah, estava-me a esquecer da designada Casa da Cultura. Projectada no final da década de setenta e construída em meados da de oitenta, sem qualquer definição estratégica no que diz respeito à localização, foi inicialmente programada para albergar a Biblioteca Municipal e posteriormente adaptada e readaptada para inúmeras valências de ocasião. Ainda hoje não consegue esquivar-se a esse seu fado de casuísmo programático. Em suma, na história dos equipamentos de cultura da cidade de Coimbra, ontem como hoje, os problemas subsistem. Ontem, construía-se despreocupadamente, num processo de faseamento expedito, onde o que menos contava era o projecto e a arquitectura. Hoje, procuram-se os arquitectos e as arquitecturas da moda, mesmo que não sejam os mais adequados ao problema, para auferir maisvalias mediáticas da construção. Ontem, geriamse as necessidades à medida que iam surgindo, mais uma salita daqui, mais um armazém dali, arrumando indiscriminadamente nas diversas gavetas todas as solicitações influentes. Hoje, as influências provavelmente mudaram, mas o procedimento é, sensivelmente, o mesmo. Ontem, o total desprezo por esse tipo de equipamentos só era contrariado pelas pressões externas, vindas dos sectores mais cultos da opinião pública. Hoje, as sensibilidades relativas à estratégia urbana ou à especificidade programática continuam ausentes e procura-se, caso a caso, dar respostas expeditas às poucas solicitações que vão surgindo. Um exemplo muito significativo dessa ausência é a intenção, sobejamente repetida, de transformar a Penitenciária num tipo de equipamento que se tem vindo a designar, vagamente, como “centro cultural”. Se, de um lado, temos a indefinição de programa, a incapacidade para coordenar esforços e intenções no sentido de edificar qualquer coisa de realmente necessário e motivador, do outro lado temos um espaço com uma forte identidade patrimonial, com um programa radicalmente específico — um panóptico —, uma verdadeira máquina judiciária, cujo modelo, concebido em pleno Iluminismo, gloseia o próprio conceito de funcionalidade. Não pressinto que nada de bom possa surgir desta explosiva concorrência de factores. Mas isso será o próximo episódio… Maio de 2003

[junho 2003] 24.25


Quando se fala de música em Coimbra, imediatamente se associa à cidade o fado, ou canção de Coimbra. Mas não se pode resumir só a isso, porque a música de Coimbra não é diferente em relação às outras cidades, e há sempre muita gente interessada em fazer música. Vontade essa de criar que, aparentemente, não é abalada nem pelo facto de em Coimbra não haver uma sala de espectáculos que tenha uma programação regular - já que o Le Son, que nos últimos meses se mantinha como a única, de momento se encontra encerrado - e que crie habituação nas pessoas. A questão dos espaços sempre foi uma dificuldade, Coimbra tem uma grande carência de infra-estruturas, pois não há espaços na cidade para a cultura, e hoje, tal como em anos anteriores, sempre foi necessário recorrer a salas alternativas. E neste aspecto, a Cave das Químicas, no final dos anos 80 e princípio dos anos 90, foi muito importante, pelo simples facto de ter proporcionado a realização de uma série de iniciativas que provavelmente não teriam acontecido sem este espaço. Actualmente, em ano de Capital Nacional da Cultura, faz-se notar essa mesma dificuldade. Este evento nacional, para poder apresentar os espectáculos agendados, teve de inventar espaços, sendo que a maior parte da programação tem de invariavelmente passar pelo Teatro Académico de Gil Vicente –TAGV. De qualquer forma, as bandas vão trabalhando, lutando contra a maré e contra as dificuldades, e ao longo dos últimos anos têm sido muitos e bons os projectos musicais nascidos em Coimbra. Neste momento, no panorama musical da cidade destacam-se os Belle Chase Hotel, a par com outras bandas que têm vindo a surgir nos últimos anos, tais como os Wray Gun, Bunnyranch, Legendary Tiger Man, entre outros. Mas, olhando para trás, podemos distinguir três momentos musicais importantes. O primeiro, em meados da década de 80, está associado ao surgimento de algumas bandas em Coimbra, das quais se destacam os É’mas Foice. Esta foi, certamente, a primeira banda formada na cidade a ter alguma exposição a nível nacional. Depois outro momento, e talvez o mais importante, está relacionado com o aparecimento dos Tédio Boys, uma banda que conseguiu influenciar até o próprio ambiente em Coimbra e que, ao longo de toda a década de 90, criou um culto invejável. Finalmente, já em 1998, foram os Belle Chase Hotel a marcar mais um momento importante da música de Coimbra. A partir daí, apesar de a cidade não possuir uma estrutura preparada para ter e criar condições para o surgimento de bandas, apareceu uma mão cheia de projectos musicais que têm conseguido surpreender pela positiva, e cativar o público não só de Coimbra mas também a nível nacional. * aluno do 5º Ano de Ciências de Informação do Instituto Superior Miguel Torga


As infra-estruturas da mĂşsica de Coimbra

Pedro Seixas *

[junho 2003] 26.27


Uma escola...da noite Carolina Ferreira + Rui Aristides *

[junho 2003] 28.29

“...o cenário, como lugar de onde nasce a acção, preparado para que os corpos se movimentem e fluam com determinados ritmos.”



António Olaio - " Room With A View " [160x90 cm]

Na minha obtusa ideia estou sempre a fazer compromissos, a tentar criar ligações entre o "projecto" e a "realidade", a tentar encontrar uma "viabilidade" para o "conceito". Este é talvez um vício de arquitecto, uma espécie de inteligência prática que nos devora o tempo; obriga-nos a fazer sentido e orçamentos; a ter um contabilista profissional. O que eu acho admirável no António Olaio é que ele se suspende na sua arte, mas não é alheio às mundanidades e problemas do quotidiano; não precisa é de criar uma "relação", ou um "diálogo", entre os dois universos. Pelo contrário, quanto mais intervém e participa, mais distante é a sua visão enquanto artista. São dois mundos que não se entrelaçam, vivem pacificamente em paralelo, cada um com as suas complexidades específicas. Nós arquitectos somos obrigados, por lei, a tentar resumi-los e re-direccioná-los, e no meio da caminhada, transformamo-nos em artistas incompletos e gestores amadorísticos da "realidade". Eu não sei como vive António Olaio em Coimbra, cidade tão encerrada na sua própria mitologia, tão saturada de si mesma, tão rotinada na reconstrução de imaginários que decorrem da sua própria respiração histórica. O que eu acho admirável é o modo como o António Olaio não se dá conta disso - ou vive com isso livremente. Para o António não é só a Mona Lisa que está "homeless" - todos nós estamos um bocadinho. Por isso, o ritual iniciático e selectivo de Coimbra deixa-o indiferente, ou, quanto muito, diverte-o. Em Coimbra, António Olaio escreve e canta em inglês, com sotaque americano, transportandonos para um momento indefinido e mítico, talvez


Stop Making Sense Jorge Figueira *

nos “fifties”, numa presumível américa, na alvorada da cultura pop. Pequenos acontecimentos, o quotidiano e a história da arte!, são-nos propostos com uma espécie de naïveté, uma esperança apática e radiante que é o lugar comum da cultura americana. Por isso, os enunciados poéticos têm o formato de slogans publicitários, e a experiência pessoal que nos relata soa a um calculado déjà vu. António Olaio coloca-se no momento exactamente anterior à explosão da “sociedade de consumo”; um momento anterior à "saturação mediática", mas posterior a qualquer noção de autenticidade, ou "verdade", na arte ou na canção. É a universalidade destas "emoções" que permite a António Olaio comunicar, para lá da excentricidade formal dos seus objectos (face ao contexto concreto). A cultura pós-moderna dos anos 80 é motivada pela procura de uma espécie de senso comum agravado, alterado ou distorcido - que permita "comunicar" – e é nessa matriz que podemos situar António Olaio. Aquilo a que eu chamo um clima “fifties”, seria esse lugar dourado e suspenso onde Olaio pode pós-modernamente evocar o prazer technicolor de observar as suas Sunset TVS. Por outro lado, a cultura DIY do punk, que permite subestimar a “técnica” em detrimento da “atitude”, é também instrumental para perceber o desembaraço cenográfico de António Olaio. O resultado são objectos desconcertantes: o riso é cortado pela severidade aparente, o “drama” é sublinhado pela coloração camp dos gestos. Ou seja: não sabemos se havemos de rir ou chorar. Como na melhor arte, esses sentimentos

equivalem-se, ou anulam-se, a sua razão de ser perde relevância. "Sweat is falling from the sky, in little drops…". Na semana passada, fui a casa do António e ele levou-me ao seu atelier, onde está a terminar algumas telas para uma próxima exposição. A mais acabada chamava-se "Room With a View". Mais uma vez senti-me nesse lugar onde gosto de me sentir: em casa mas desconcertado. Do ponto de vista da arquitectura, e dos "imateriais" de que tanto se fala, é talvez a pintura mais contra corrente que existe. Trata-se de uma paisagem onde a perspectiva de uma janela se excede sobre a vista de uma casa. Uma pequena casa impossível de ser tão cândida e absolutamente casa. Não se tratando de ironia (seria demasiado simples), e não se tratando da “verdade” (uma casa assim não existe), “Room With A View” ocupa o lugar previamente ocupado pela ideia do que é uma paisagem, ou uma janela, ou uma casa – e faznos rir (ou chorar). Às vezes, quando penso na “escola de Coimbra”, penso no António Olaio. A sua teimosia é hipnótica e severa - e o seu humor aparece mais tarde. O António geralmente ri-se quando nós já acabámos (ou quando ainda não começámos a rir). Sem deslumbramentos, a “escola de Coimbra" seria assim um lugar extremamente livre, experimental até; um lugar onde nos rimos depois da graça ter acabado.

* arquitecto e professor de História da Arquitectura Contemporânea no Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra

[junho 2003] 30.31


[junho 2003] 32.33



Arquitectura, Natureza e amor - Reflexões sobre o espaço métrico designado por Coimbra Gonçalo M. Tavares*

Tese 1.

a. Toda a Natureza é mensurável e a cultura é a parte da natureza que já foi medida. Medir é colocar ordem no confuso, sem quantificar não me oriento: perco-me. E o homem perdido tem medo. A floresta é o expoente do natural: aí o medo faz casa. b. A cultura é assim a natureza a que retirámos o medo, como se este fosse uma substância, e esta substância desaparecesse com o acto de medir. Medir é apagar a floresta, é fazer o seu desaparecimento. Fazer desaparecer a Natureza ou ter a ilusão de que ela desapareceu é a marca da cidade. Um vaso de flores não é uma floresta: Podemos rodear o vaso – que não é uma síntese da natureza, mas uma redução – podemos rodear o vaso, mas não rodeamos a floresta – só se estivermos exteriores a ela – somos sim rodeados pela floresta. b1. Percorrer algo é digerir. Digerimos o vaso, somos digeridos pela floresta quando nela nos perdemos. Corolário da tese 1 a1. Se a cultura é a natureza já medida, encaixotada (ou de uma outra forma: se a cultura é a parte da floresta que transformámos em vaso), a arquitectura é o expoente máximo do acto de medir, de controlar. A arquitectura é um medir não apenas quantitativo, mas um medir qualitativo. Digamos: um medir que se preocupa com a componente estética: o resultado da medição não deve apenas ser certo, exacto – verdadeiro – mas também confortável, agradável aos olhos – belo, portanto. a2. Somos então obrigados em pensar a arquitectura como um conjunto de números verdadeiros (põem ordem, acalmam no homem o medo da floresta) e também belos (a medição não provoca apenas tranquilidade, mas também entusiasmo, exaltação; exaltação essa, agora não negativa – não medo – mas positiva – sinto-me bem, sinto-me capaz de saltar.) Existem, em suma, números belos: eis a arquitectura. a3. O arquitecto é aquele que procura os tamanhos verdadeiros e belos das coisas e a sua relação de maior altitude. Não basta ao arquitecto dominar os concretos valores do peso das coisas e da distância entre elas (paredes, vazios, funções, tectos, vazios), o arquitecto deverá também saber manipular os materiais do pressentimento que são a base do ofício do poeta e do artista. a4.

Materiais concretos surgem no mundo humano apoiados/começados pela fita métrica (o humano infiltrado na natureza: tentativa de dominar, através da ordem do número, o animalesco que rodeia a cultura) enquanto os materiais do pressentimento surgem no mundo humano apoiados pelo instinto (instinto: esquecimento súbito, e com consequências, da racionalidade – o animalesco infiltrado no humano). a5. O animal não se esquece que é humano: mede, quantifica, procura a verdade. O humano não se esquece que é animal: pressente, entusiasma-se, exalta-se: procura o belo.

Tese 2.

Coimbra é um espaço-floresta depois de medido e organizado (cidade), a que deram um nome: Coimbra. Depois de colocada a ordem humana por cima do confuso – que ficará em baixo, pacientemente à espera do dia do regresso – o toque humano final (a mão humana toca) é o nomear. Dar nome é um ofício de louco. Depois das quantidades organizadas utiliza-se o alfabeto; dar um nome à organização e à relação de determinados números não é um acto racional. Dar nomes aos números e às suas ligações é a loucura repetida que pela sua regularidade se tornou uma normalidade indispensável à racionalidade humana. Coimbra é um nome louco, como todos os nomes, pois não é um número.

Tese 3.

a. Os altos e baixos (colinas e vales) do espaço já medido a que se chamou Coimbra, remetem para um afastamento interno (um afastamento entre uma parte de si própria e outra parte de si própria), uma oposição que está na base de toda a excitação erótica. Erotismo como instinto ou energia de ligação entre duas coisas (Bragança de Miranda), o alto quer ligarse ao baixo, o baixo quer ligar-se ao alto. A erótica (desejo de ligação) entre as coisas é generalizada, só não se dirige o instinto de ligação para aquilo que já nos pertence, que já se digere. Não desejo o que digiro. O espaço a que chamamos Coimbra, com as suas ostensivas oposições de altitude atravessadas por um rio (oposição também entre líquido e sólido) colocam este espaço, a que se chama cidade, na imoralidade pura, pois o alto não engole o baixo, não o digere, não o faz desaparecer, nem o baixo digere o alto, nem o rio as coisas sólidas; nada é anulado, as oposições entre várias coisas medidas permanecem erectas. (Moral como conjunto de regularidades; imoralidade como o desigual e o imprevisível.) Um espaço imoral, como a cidade de Coimbra, contrasta com uma planície árida ou com um deserto: espaços de altitude média constante e de característica regulares e previsíveis são espaços morais. b. A arquitectura deverá ser, entre outras coisas, uma ciência moral. Ciência moral, mas não moralista. [junho 2003] 34.35


Isto é: não uma ciência que tenha como objectivo aumentar a moral do espaço, não: defender a arquitectura como ciência moral é defender a arquitectura como uma ciência que se preocupa com a relação entre distâncias, tamanhos, cores, não apenas numa relação de verdade ou beleza, mas ainda, e, por último, numa relação de justiça. A arquitectura procura o verdadeiro, o belo e o justo – tese clássica. Isto é: ao número não basta ser exacto, terá de ser também belo e justo. Quantidades belas e quantidades morais. Atribuir adjectivos fortes a não-qualidades como são as quantidades: eis a dificuldade do arquitecto e de qualquer artista ou escritor. c. Mas repita-se: não se exige, claro, uma arquitectura moralista. A ética de uma casa – de um ponto de vista da arquitectura – não depende dos actos que os seus utilizadores executam lá dentro – mas sim, de um modo objectivo e nada vago, das dimensões, das medidas, distâncias entre paredes, disposição de compartimentos e funções. Dirão: porquê colocar mais peso (responsabilidade moral e ética) num ofício que não é mais do que a manipulação do Peso e do Leve? (considerando-se aqui o Leve como o oposto do Peso, como se aquele fosse uma característica com as suas unidades próprias, e não apenas como um negativo, como uma ausência de peso. Leveza não é ausência de peso, mas, sim, presença de leveza. Unidades de Leveza? Precisamos de pensar nelas, encontrar-lhes um bom nome.) Mas qualquer coisa, escrevia, tem uma ética: como pensar a arquitectura (ocupação expressiva do espaço) fora dessa responsabilidade? Um exemplo que me agrada particularmente: Adorno no livro minima moralia fala de umas pantufas Schlapen. Escreve Adorno: “Em várias coisas há gestos registados e, portanto, modos de comportamento. As pantufas – “Schlappen”, slippers – estão concebidas para meter os pés sem a ajuda da mão. São monumentos do ódio contra o vergarse.” Se até umas pantufas domésticas, com a sua forma e o seu modo de utilização, impõem uma filosofia de vida e, portanto, uma moral, como retirar deste combate a arquitectura? Há edifícios que são monumentos ao acto de vergar-se, edifícios que promovem – pela sua forma e pelo seu modo de utilização – um conjunto de actos servis e de sabujice – e outros, pelo contrário, que instalam o instinto do orgulho e da individualidade orgulhosa e criativa nos seus utilizadores. Tal observação parece evidente. Desde as pantufas, à casa, desde a roupa às palavras, tudo julga e tudo é julgado: o mundo é uma unidade moral. Ninguém e nada está de fora. Corolário da tese 2 Que cidade para esta floresta? Com que cultura responder a esta natureza? Que medições (exactas, belas e justas) fazer? Em suma: que arquitectura? Certas cidades exigem uma arquitectura imoral para responder adequadamente a um espaço também imoral, para que entre essa floresta natural imoral

e a cidade medida também imoral se estabeleça uma relação que resulte justa, eticamente aceitável. Diz Robert Musil, num dos seus primeiros ensaios, em 1911: “Não sou o único (...) a defender a posição de que a arte pode não só representar o imoral e o aborrecido, como também amá-lo.” Mais à frente escreve: “Representar algo significa representar as suas relações com outras cem coisas diferentes, (...) da mesma maneira que o entendimento científico surge apenas mediante uma actividade de comparação e relação, igual à que surge em qualquer compreensão humana. E ainda que essas outras cem coisas sejam, uma vez mais, indecentes e doentias: as relações não o são, e a descoberta dessas relações não o é nunca.” Como se entre a arquitectura e o espaço-floresta existente anteriormente se procurasse uma equação moral, uma mistura justa.

Tese final

O que importa não é a verdade, a beleza ou a justiça de cada coisa olhada isoladamente; o que importa é o que resulta da relação entre as coisas, da ligação entre as coisas. A excitação individual não é classificável até assistirmos aos seus efeitos; a excitação (desejo de ligação) resulta na ligação erótica – a ligação erótica consumada entre casa e espaço (floresta-cidade, natureza-cultura) e só aí podemos julgar o trabalho do arquitecto. “Não te curves senão para amar”, aconselhava o poeta René Char. O que poderá fazer então o arquitecto? De um modo simples: medir o espaço; tirar o medo ao espaço de modo que a resultante seja o edifício sobre o qual os homens e as mulheres digam, entre si, alto: lá dentro sou incapaz de me curvar senão para amar. Se tal suceder eis que o arquitecto não fez apenas arquitectura, fez/construiu um fragmento do discurso amoroso. * escritor e professor universitário.

Desenhos de Manuel Albuquerque Tavares, arquitecto


[junho 2003] 36.37


Uma cidade no meu olhar Abílio Hernandez Cardoso *

Lanço o olhar em volta e procuro linhas, formas, volumes. Curiosamente, não procuro cores, ou se calhar não as detecto, falta-me o Outono. De repente, detenho-me numa figura elegante de mulher, parada, do outro lado da rua. À espera de quê, por que razão, ou por quem, espera esta mulher? E porque não sou capaz de dizer o nome desta rua da minha cidade? Os modos da mulher revelam alguma negligência (terá todo o tempo do mundo?), as mãos nos bolsos de fora do casaco. A mão que passa levemente pelo cabelo está enluvada. Que estranho, porque seleccionei este pormenor anacrónico? O pé é pequeno, bem afeiçoado, como se escrevia nos romances realistas do século XIX. Um clarão de seda quase fere os meus olhos. Um carro eléctrico (outro anacronismo nesta cidade que procuro com o olhar) interpôs-se, tocando a campainha. Perdi-a. É sempre assim. No preciso momento... Abro o livro que trago na mão. A mulher está lá, numa outra rua de uma outra cidade e alguém a perde também, mas não eu. É sempre assim. No preciso momento... Olho de novo e tudo mudou. Compreendo que a cidade não é o cenário do momento fugaz que (não) vi, mas sobretudo uma consequência do acto de narração que o meu olhar produziu. Ou o livro que tenho nas mãos, não sei bem. Percebi que o lugar onde estou é afinal fictício. O real a que as imagens que procurei se referem é afinal atópico, porque os gestos, a atitude, o evento que narrei não ocorreu afinal, ou não ocorreu daquela maneira, embora a sua aparência seja suficientemente real. Como num filme. Percebo então que a questão que se põe neste filme que não existe não é tanto esta é uma imagem fiel da minha cidade?, mas sim, o que acontece se eu olhar a cidade – a minha ou outra qualquer, são afinal todas minhas – deste modo? Que espécie de acto constitui este meu olhar? Apropriei-me de um lugar ou construi um? Deixo que o meu corpo se faça travelling até à estação dos caminhos de ferro, à beira rio. Procuro um ângulo e espero. O comboio não tarda a chegar. A locomotiva ocupa parte da curva ao longe, seguida pelas carruagens. Lança fumo, outro anacronismo. Permaneço quieto. A locomotiva cresce até passar à minha beira, do lado esquerdo, e o comboio pára. Os passageiros descem, passam alheadamente por mim (na verdade, eu sei que não me vêem) e transformamse em passantes de um trajecto que não sigo. Lembro-me apenas de uma mulher que abre uma sombrinha por causa da luz excessiva do sol. Perco-a também. É sempre assim. No preciso momento... É por este comboio que eu espero vezes sem conta. Na estação da minha cidade, que neste momento se não chama Coimbra, mas Ciotat. Chamar-se-á Ciotat sempre que a linha diagonal de um comboio parar à minha beira, do lado esquerdo do meu corpo. Percebo que a linha curva do movimento do comboio, as figuras que o meu olhar capta fugazmente, o meu corpo e a cidade, fazem parte de um todo em que tudo se enquadra harmoniosamente. Mesmo quando deambulo e me perco pelos espaços desqualificados em que ela se desfaz, ou por formas arquitectónicas híbridas e vazias de sentido. Neste percurso errático deixo que o olhar me conduza de rua em rua. Em bruscas elipses sucessivas como num filme de Godard. Procedo à montagem das imagens que o olhar busca e absorve, organizo os fragmentos de espaço e de tempo em que elas se me oferecem, e coloco todo o impacto do corpo na leitura dos sinais. A minha cidade é um filme e percorro-a do mesmo modo que percorro o espaço imaginário do cinema: com um olhar em movimento, nómada e definitivamente comprometido com a errância. Por isso, passeio na minha cidade como me passeio por um filme: vagueio e erro, isto é, cometo erros, equivoco-me, engano-me. É assim que a minha cidade se apodera do meu olhar e o meu corpo se deixa conduzir por ele, movendo-se à velocidade dos afectos. A cidade faz de mim um passeante que nela flana por espaços que exigem não ser apenas olhados, mas também atravessados, apropriados. Vivo a minha cidade como se vive uma ficção: habitando-a de um modo físico, tangível. Para nela me perder e para a perder também. É sempre assim. No preciso momento...

* professor de História e Estética do Cinema na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra


s c r e ] e n [ a m e c r ã g r i t o Eugénio Borges*

Cria

o

teu

[scream]

Scream.

(Screen

saver)...

Não existe uma cidade (screen), um sítio, um espaço que não tenha a sua compreensão. No nosso olhar conseguimos ver uma realidade, assumir uma identidade (screen saver), contrapor com novas situações, assumir um papel crítico (scream). [scream] Inventamos duas personagens, elas tiram fotografias, integram as suas ideias de cidade. Um inventa uma cidade, o outro apenas olha e relata, separam-se. A fotografia é rápida, procura objectiva (mente) uma imagem, a de Coimbra contemporânea. As imagens do screen, são objectos de uso quotidiano, usados de maneira sistemática até se tornarem banais, deixando de ter qualquer impacto, de nos surpreender. Coimbra é assim, tem um screen usado que mantém sempre um ar de cidade museu. As mudanças até existem, mas rapidamente entram no jogo do existente, pois não têm qualquer inovação, são banais, ferem diariamente um tão frágil sistema, transformam-no em algo que só podemos conhecer no passado, este sim o único que aos olhos de todos se deve manter. [scream] continuam a tirar fotografias, da universidade, do Gil Vicente, das ruas da baixa, da alta, das praças. Uma das personagens arranja um carro e segue para a não alta e a não baixa, aparecem os edifícios industriais, transformados em nada, com placas e imagens a 3d, – retail park, quinta dos milharais onde até pode trazer os seus pais – um prédio de habitação no meio de outros vinte e oito exactamente iguais, feios. Pois é, e as fotografias... Um tira fotografias o outro apenas escreve imagens, pois inventa uma cidade. [junho 2003] 38.39


*aluno do 5ยบ Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra


Home Site: Igreja do Carmo Bruno Gil * 14 de Junho, 14h30 E começou... Reunidos lado a lado, a lado, a lado, a lado, a lado, a lado. Cai mais um muro. Prof. Paulo Varela Gomes (Darq/FCTUC); Dra. Isabel Jardim (V. Ordem Terceira de S. Francisco); Prof. Fernando Seabra Santos (UC); D. Albino Cleto (Bispado de Coimbra); Prof. Abílio Hernandez (Coimbra 2003); Dr. Carlos Encarnação (CMC); Prof. Lélio Quaresma Lobo (FCTUC); Arq. Jorge Figueira (Coimbra 2003). A sessão de abertura do seminário internacional cidadesofia, aparentemente solene, adquire significado. Extravasa o próprio seminário, colocando na mesma mesa representantes máximos das instituições que vêm sendo a Coimbra cidade. Algo diferente, honesta ou não, a relação evoca cumplicidade, presente e futura, entre as duas governantes da cidade – autarquia e universidade. A mediação concretizada pela Coimbra Capital Nacional da Cultura e curiosamente, ou não, pelo Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra. As vozes lançavam-se. O mote do seminário torna-se assunto de reflexão e debate. Aparte Salamanca e Alcalá (cidades congéneres) serem os exemplos apresentados de cidades universitárias, claramente a mais visada, de longe, é Coimbra. Em efeito boomerang as vozes da mesa reverberam atingindo os ouvintes (uns mais do que outros), devolvidas com valor acrescido. “De Coimbra para o Mundo” a expressão que Paulo Varela Gomes cita do arquitecto Alexandre Alves Costa, quando se referia ao objectivo maior aquando da criação do Departamento de Arquitectura em Coimbra, aplica-se à cidade. Numa mistura de sentimentos, a dedicação à cidade manifesta-se quando se lhe apontam as carências e os defeitos – és feia, alinda-te!; és inculta, cultivate! As palavras atentas deixavam de ser pedras para serem uma oração arquitectónica patriótica; a visada? Coimbra. Aos poucos, a profecia(!), “As conversas de corredor nos anfiteatros... e as conversas de anfiteatro nos corredores”, de Jorge Figueira, aplica-se, conforme protagonismos e formalidades se diluem no mote do seminário: Como podem as universidades produzir e projectar um saber contemporâneo que contribua para o desenvolvimento crítico e sustentado das suas cidades de suporte? Ou, no sentido inverso, de que forma são as universidades envolvidas na gestão política das cidades? Segundo Paulo Varela Gomes, Coimbra evoluirá quando a universidade governar a cidade transformando-a na cidade nº1 do conhecimento, numa Univer[c]idade. Em Coimbra, a imagem da universidade é a imagem da cidade; revitalize-se a universidade; a fluidez da relação física e electrónica numa projectação para o exterior, para fora da Coimbra do interior, para fora da cidade do pinhal é urgente. A continuidade física da universidade, questão levantada pelo arquitecto Emilio Sánchez Gil em relação ao caso específico de Salamanca, torna-se assunto central da discussão do seminário. Qual o significado do Pólo II, que reflexos a curto e longo prazo, uma universidade espartilhada por campus, se aplicarão na gestão urbana da cidade, que vive para esses mesmos campus. Que se faça chegar a cidade ao Pólo II. Se no caso da Alta universitária o poder da arquitectura foi implacável, também o deverá ser na construção programada e planeada da Univer[c]idade. E continua... * aluno do 5º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra Comissários do Seminário Internacional

CidadeSofia, CEARQ/FCTUC: Produção:

Nuno Grande, Rui Lobo Ana Rita Paiva


[junho 2003] 40.41


Novas imagens, novos postais Inês Dantas *

A imagem de uma cidade cristalizada em cartão serve-se fria e com memórias em tinta no verso. Postal-id(entidade) Spot radiofónico ruc : ouve…. O que achas dos postais de Coimbra?hhummmmmm Há séculos com o mesmo postal!E hoje? Qual é a imagem contemporânea de Coimbra?Hummmmmm… Eu kêrria mandarr um postarr bonito parrá casá…. Faz o teu postal!!! Novas imagens, novos postais , concurso de fotografia e imagem aberto a todos os estudantes de Coimbra Conhecer uma cidade através dos seus postais. Memórias urbanas retratadas em cartão. Para uma fácil identificação das cidades as imagenspostal, de carácter turístico, correspondem aos seus pontos mais conhecidos- como disse, numa aula, Paulo Varela Gomes: a torre Eiffel está para Paris como o Big Ben para Londres, como a alta com a torre está para Coimbra… Os postais são uma forma de vender a cidade, enquanto imagem, funcionando como «stills» (momentos congelados) da memória urbana. Beatriz Colomina refere em Privacy and Publicity, que para Le Corbusier a cidade é um conjunto de postais, apresentando-se não como uma realidade material mas enquanto colagem de imagens. Le Corbusier intervinha em postais de cidades acrescentando-lhes em desenho as suas propostas. As imagens-postal de uma cidade podem não ser mais do que uma encenação da sua identidade, apresentando os seus lugares, edifícios, mais publicitáveis. No entanto essa encenação é em si terapêutica.

Os postais são a tranquilidade urbana daquilo que é identificável, que é característico mesmo que não corresponda à realidade vivencial contemporânea. Os postais constroem uma outra realidade quase independente daquela construída. Daí que, o postal encerra em si uma função de intervenção, podendo ter um carácter propositivo daquilo que a cidade poderia ser. Para renovar as cidades temos que começar pelos seus postais! E porque hoje o postal já não é uma necessidade, transformou-se em objecto simbólico de uma contemporaneidade heterogénea. A postais envelhecidos correspondem cidades envelhecidas. Novos postais precisam-se! Querem-se novas cidades… Post-coimbra Ideia: mostrar a diversidade em postal, apresentar novos espaços, novas imagens alternativas às velhas que correspondam a uma realidade vivencial. Explorar o conceito de postal alternativo, imagem mais espontânea da cidade, poderá, em si, forçar o aparecimento de uma imagem. Com a consciência desse desafio premeditado, foi essa a proposta. Transformar o postal em flyer publicitário de Coimbra, vender a marca Coimbra na sua contemporaneidade inevitável. O marketing das cidades: desde o desenvolvimento do conceito marca-país, à marca-cidade onde a arquitectura tem um papel fundamental. E os postais são um instrumento do marketing urbano. Coimbra deveria veicular a sua contemporaneidade sem complexos. Assumi-la na sua heterogeneidade. E fazer disso a sua identidade.

Alguns exemplos das 86 imagens a concurso [de cima para baixo] Colagem de janelas de Coimbra , Luís Filipe Rocha(1º prémio) Montes Claros, João David Baptista (seleccionado) Auditório de Direito, Miguel Steel Lebre (seleccionado) Escadas da Associação, Jorge Vaz Nande (seleccionado) [em baixo] Colagem com a ponte Europa, Joana Corker Parque radical do Vale das Flores, Daniel Sequeira Pólo II, Jonas Baptista Mercado e alta, Luís Filipe Rocha Cartaz do concurso


Torna-se necessário reinventar a imagem da cidade, e como na realidade apenas a(s) arquitectura(s) e o desenho urbano o conseguem, em fotografia basta uma ideia, um enquadramento e uns efeitos photoshop . Veicular uma imagem de glamour de Coimbra: tornar apetecível Coimbra cidade! Como vender Coimbra? Desde a inevitabilidade comercial do Vale das Flores - CoimbraShopping, à Solum, moda e futebol, ao Pólo II (I e III), Coimbra-redoma-wireless, da Coimbra Disney do Portugal dos Pequenitos, à Coimbra real, da Coimbra B, à Coimbra classe A, da Alta Presépio à Baixa étnica - China Town, Cidade 24/7 (sem lojas de conveniência), de Celas ao Ingote… basta escolher que imagem se quer para Coimbra. Coimbra revisited através da postalização dos seus lugares-menos-comuns. No entanto, postalizar os lugares é torná-los mais desejáveis .- a comercialização do espaço, através da sua transformação em ícone, poderá subverter o carácter dos lugares reais ao mesmo tempo que a sua imagem se massifica. Relato radiofónico: Autocarros cheios de turistas entopem a Pedrulha, congestionam o Vale das Flores, todas as estações de metro estão sobrelotadas, a fila para visitar o pólo II está estimada em duas horas, a do estádio em três. A Coimbra–real ao alcance de todos. As fronteiras diluem-se. Enviam-se os postais para longe. E uma nova cidade precisa-se! * aluna do 5º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra

No mês de Abril foi lançado, pelo Nuda, o concurso Novas imagens, Novos postais de Coimbra, aberto a todos os estudantes de Coimbra, com o objectivo de seleccionar quatro imagens para impressão em postal. O júri do concurso foi composto por 5 elementos: Arquitecto José António Bandeirinha, Arquitecto Jorge Figueira, Prof. Doutor António Olaio, Inês Dantas e Pedro Baía (elementos da organização).

[junho 2003] 42.43



cidade . teatro . dança . arquitectura . música . cenografia . artes plásticas . cidadania P`la Organização do Workshop

cbr_x

2. Laboratório de Espaço Cénico e Arquitectura, orientado por João Mendes Ribeiro.

Esta é uma ideia da Pro Urbe-Associação Cívica de Coimbra integrada na realização da Capital Nacional da Cultura – Coimbra 2003.

Durante cinco semanas este grupo de pessoas irá habitar no Bairro da Relvinha construindo, juntamente com os seus moradores, um espectáculo de carácter performativo sobre a realidade física e humana do bairro.

é um projecto de intervenção cultural, definido como um cruzamento de experiências interdisciplinares.

relvinha.cbr_x é a primeira de um conjunto de futuras intervenções e decorrerá no conjunto de bairros que têm como epicentro o Bairro da Relvinha, na zona suburbana industrial a norte de Coimbra. Intervir numa zona periférica da cidade de Coimbra é, no contexto deste projecto, uma forma de agir sobre toda a cidade, criando um espaço para a recriação do seu imaginário e valorização da sua diversidade. Inventar um processo próprio de reflexão e acção sobre o espaço, o indivíduo e as suas relações é o ponto de chegada deste cruzamento interdisciplinar. Pretende-se criar um grupo alargado de trabalho, que inclua pessoas de diferentes áreas de formação: teatro, dança, arquitectura, artes plásticas, cenografia e música, distribuídas por dois laboratórios, cada um com a participação de dez elementos seleccionados através de processo de candidatura.

1. Laboratório de Encenação e Dramaturgia, orientado por Carlos J. Pessoa.

Do trabalho desenvolvido nestes laboratórios, deverá ainda resultar a realização de um Estudo Prévio de arquitectura para um equipamento sóciocultural, que permita aos moradores do bairro procurarem os apoios necessários à sua execução; a definição de um espaço de natureza efémera, pela adaptação de uma construção existente, que permita a prossecução da actividade sócio-cultural no bairro, enquanto não se encontrar concluído o processo de financiamento do referido equipamento. Pretende-se assim realizar uma experiência reequilibrante, que aposte na redução de assimetrias no interior da própria cidade, transformando locais normalmente afastados da produção cultural, em espaços cénicos onde tudo pode acontecer.

relvinha.cbr_x será um acto de criação participado envolvendo activamente a população e integrando sensibilidades e características locais, para restabelecer a possibilidade de entrosar cidade e periferia. A intervenção pretende visibilizar áreas segregadas e realidades complexas, contribuindo para o auto-conhecimento da cidade, bem como dos interesses e desejos da sua comunidade.

[junho 2003] 44.45


Ficha Tecnica #12 #01

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Director Bruno Gil Redacção A. Joana Couceiro, António Correia, Carina Silva, Carlos Guimarães, Carolina Ferreira, Carolina Santos, Inês Dantas, José Brites, Mário Carvalhal, Pedro Baía, Pedro Canotilho, Rui Aristides, Vera Pinto Colaboradores Abílio Hernandez, Alexandre Alves Costa, Eugénio Borges, Filipe Costa, Gonçalo M. Tavares, Jorge Dias, José A. Bandeirinha, Luís Rocha, Paulo Providência, Pedro Jordão, Pedro Seixas, Tiago Hespanha, Vasco Pinto Grafismo António Correia, Bruno Gil, Eduardo Nascimento, Rui Aristides Edição Gráfica António Correia, Bruno Gil Distribuição XM Impressão Imprensa de Coimbra, Lda. Depósito Legal 178647/02 ISSN 1645-3891

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Tiragem 1000 exemplares

Propriedade NUDA/AAC – Núcleo de Estudantes de Arquitectura Contactos NU . Departamento de Arquitectura . Faculdade de Ciências e Tecnologia . Universidade de Coimbra . Colégio das Artes – Largo de D.Dinis . 3000 Coimbra . tel[darq]: 239 851 350 . fax[darq] 239 829 220 . e-mail: revista_nu@hotmail.com [Este número NU#12 teve o apoio de COIMBRA CAPITAL NACIONAL DA CULTURA 2003]




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