[editorial] check-in Bruno Gil [edit] maomé e a montanha Inês Dantas orfumi,cctaiqmeoape Manuel Graça Dias um vírus chamado globalização Bart Melort lugares Stefano Boeri
03 º 04 º 06 º 08 º 10 º
cidade do méxico Filipa Magalhães
14 º
guggenheim 22º54’S 43º12’W Lucas Simões+Renato Fregnani
16 º
regionmaker - hipercatalunha MVRDV
18 º
[entrevista] didier fiúza faustino A. Joana Couceiro+Marta Pedro+Pedro Baía
22 º
vers une architecture d’action
contrageografias globais da mobilidade Saskia Sassen transportes: the singapore way Joanne Teh roam Anthony Hoete viver nU espaço Filipe Costa [1º acto] wsw pavilhão londres João Fôja+Jorge Teixeira Dias+Patrícia Miguel [prova final] gps Ana Blanco [contaminações] via_nada Edgar Santinhos+Inês Sénica+Rita Cachão+Tânia da Fonte [cheese-ham files] #15 Sílvia Benedito [?] Beatriz Colomina
30 º 34 º 36 º 38 º 40 º 42 º 44 º 46 º 47 º
[editorial] Bruno Gil*
CHECK-IN. As rotas são fictícias e as viagens são o destino. O corredor de embarque, atravessado sem se olhar para o sítio que se deixa, revela identidades difusas. A NU revê-se nos ecrãs lenticulares do aeroporto JFK1. A própria ramifica-se e precipita-se instantaneamente em destinos.
1
No projecto Travelogues (2001), da dupla Diller+Scofidio, os passageiros do aeroporto JFK são tornados imagem por noventa ecrãs lenticulares dispostos ao longo dos corredores de embarque.
Reúnem-se análises construídas no destino. A NU exporta-se e importa vozes exteriores. São elas que constituem este número e o densificam. A mobilidade e a globalização, indissociáveis, são a temática.
IMAGEM – Desenhos de projecto dos ecrãs de Diller+Scofidio * aluno do 6º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra Notas: .por lapso, no artigo territórios de subversão da NU#14 Oposições não se referiu que Jorge Figueira e Ana Vaz Milheiros são os comissários do Paisagens Invertidas (Ordem dos Arquitectos 2003) autores do conceito geral do filme e eventos Paisagens Invertidas. .No artigo "Cheese-ham Files#14 O(p)positions" da NU#14, não foi referida a contextualização dos projectos "Inserções", "Rua da Sofia" e "SMS". Todos eles surgiram como co-iniciativas da área “Cidade e Arquitectura”, com o apoio de Coimbra 2003 Capital Nacional da Cultura.
A
N U
globaliza-se.
[dezembro 2003] 02.03
[edit]
MaomĂŠ e a Montanha inĂŞs dantas*
[dezembro 2003] 04.05
O românico foi uma maneira internacional, cada corporação tem a imagem que merece e os arquitectos podem-se exportar Manuel Graça Dias *
[dezembro 2003] 06.07
3) Ao mesmo tempo, os políticos portugueses mostram apetência pelo "valor acrescentado" que o trabalho de um arquitecto de prestígio internacional poderá trazer se ficar ligado a determinadas acções e empreendimentos (Gregotti, Calatrava, SOM, Koolhaas, Solá-Morales, Gehry, Nouvel, Foster, Ito, entre outros). Será esta a "transnacionalização" que referem? Resultados da chamada "globalização"? [Mas, mais uma vez, não estamos perante um fenómeno novo; basta recordarmos Boutaca, Chanterene, Ruão, os irmãos Castilho, Nasoni, Ludovice, Magnini, Pèzarat, Auzel...] 4) Quanto às "imagens corporativas", das chamadas grandes empresas, pouco sei. Só sei que não serão, as mais das vezes arquitectura. A imagem corporativa mais famosa é a dos MacDonald's. Não é preciso dizer mais nada quanto aos propósitos pouco nobres dessas regras que originam pavimentos de tijoleira industrial com a junta larga, lambrins rematados por réguas de madeira pintadas, rapazes e raparigas vestidos de soldadinhos americanos brancos atrás de um enjoativo balcão de fritos. Quando não havia essa mania das "imagens corporativas" e os bancos (por exemplo) não eram todos iguais (iguais as agências dos mesmos bancos mas iguais também os diferentes bancos no que passaram a exibir como "diferenças" -- cores fortes, balcões e caixas em aglomerados lacados, granitos no chão e tectos falsos de plástico --), a Caixa Geral de Depósitos teve um período de interessante produção com chamada de arquitectos contemporâneos muito qualificados para o desenho de diferentes situações (Vítor Figueiredo, Hestnes Ferreira, Byrne, Carrilho da Graça); datam também dessa época os fantásticos Borges e Irmão, de Siza Vieira, em Oliveira de Azeméis ou Vila do Conde. 5) Recordemos que um "bom objecto arquitectónico" deverá ser capaz de ir acolhendo diferentes funções ao longo da sua vida, independentemente do objectivo inicial que lhe tenha estado na origem; não deverá ser demasiado "marcado" por esta ou aquela função [que na maior parte dos casos, se excluirmos situações muito específicas, como centrais nucleares ou complexos hospitalares, se resumem, finalmente, a três ou quatro acções humanas muito simples: descansar, trabalhar, divertir(-se) e deslocar(-se)]. Esta reflexão, conclamo-a, no sentido de erradicar de vez aquela possibilidade tecnocrática, também muito da família desta visão das "arquitecturas corporativas" e que pretende que entre os arquitectos existiriam especialistas [como na medicina]. Como se fizesse sentido então, depois de feita a
clínica geral (licenciatura), passar dois anos a estudar um programa funcional arquitectónico, "habitação colectiva" ou "centros comerciais" ou "estabelecimentos de ensino", recebendo depois a respectiva "especialidade" (como acontece com um ortopedista, um obstreta, um otorrinolaringologista), para passar a ser um "às" da respectiva matéria: Fulano de tal, arquitecto, "especialista em habitação colectiva" ou "especialista em centros comerciais" ou "especialista em instalações desportivas"! Pequeno pobre mundo este o dos "especialistas" (em programas funcionais)... Nenhum programa tem a complexidade que se pretende fazer crer! Nem a determinância! Um programa é uma sucessão de áreas, listagem de necessidades, feita por homens (falíveis) como nós e destina-se a ajudar-nos à construção da composição arquitectónica final. Que tem de, deve (só assim terá valido a pena), ultrapassar esse mesquinho estrito útil... 6) Hoje as agências bancárias e essa tal vontade de ter "imagem corporativa" (que, finalmente trata os públicos como atrasados mentais, insensíveis à arquitectura e aos valores da arquitectura, já que seria necessário dar-lhes sempre os mesmos ambientes, sob pena de perderem a fidelização...), são mais do género concurso de danças de salão: mudam os pares, mas mantêm-se os passos, a codificação, o estreitíssimo espaço de manobra e inventiva que os homens e mulheres suados e vestidos de igual nos conseguem aproximar. 7) Por mim, continuo a achar que a Arquitectura é a arte do diferente, das diferenças. Da construção, amplificação e promoção da(s) diferença(s). Diferentes lugares, sítios, cidades, regiões, países, continentes; diferentes pretextos, programas e orçamentos; diferentes pessoas e sociologias (clientes, decisores e utilizadores); diferentes gostos, vontades, pedidos, desejos, sonhos, necessidades. Diferentes autores. Diferentes respostas. Diferentes oportunidades. Diferentes experiências. Por isso é uma arte cosmopolita e transnacional! Não que um projecto se possa "exportar" para outro(s) lugar(es)! Um projecto é único, local, agarrado como uma lapa às suas condicionantes, ao seu sítio, ao ali, para onde foi feito e pensado. Quem se pode exportar (de programa para programa, de cidade para cidade, de país para país, de continente para continente), são os arquitectos, os seus saberes e capacidades que são, por definição, e ao contrário da arquitectura, verdadeiros "todo-o-terreno". * arquitecto, docente na FAUP e FAUTL, director do Jornal dos Arquitectos
M
Definição. O fenómeno da globalização instalou-se entre nós, contaminando-nos. Sem que o pudéssemos evitar, tornou-se numa das principais questões da actualidade. Por um lado, é como se existisse uma espécie de pathos metafísico, “uma sensação de que nada pode ser feito, que é algo inevitável e que pode corroer a civilização em apenas algumas semanas”. Por outro lado, temos uma posição ainda mais céptica e que afirma: “não temos uma economia totalmente globalizada, mas sim uma economia internacional e políticas nacionais de resposta a esta questão. A globalização tem tanto de exagero como de ideologia e conceito analítico”+ (Shiv Visvanathn, India Seminar, 2001). Em todo o caso, é claro que a verdade se situa algures no meio. Todos nós temos a noção de que as coisas estão a mudar. Chamamos-lhe globalização. Uma palavra ou conceito que apela mais à nossa imaginação que muitas outras palavras-chave. “Basicamente, a globalização indica um aprofundamento qualitativo do processo de internacionalização, que reforça o funcional e enfraquece a dimensão territorial de desenvolvimento”+ (Katz, 2000). As suas origens remontam a tempos longínquos, contudo, só recentemente a geografia foi sujeita a alterações dramáticas, alguns até lhe chamam o fim da geografia.Será que podemos ainda falar de “lugares” numa sociedade que se tornou fluida, mais uma rede do que um espaço? A globalização manifestase nos mercados em expansão, numa crescente internacionalização e standardização. Em suma, por todo o lado encontramos mais e mais do mesmo. Redefinir. No Berlage Institute investiga-se, agora, este tema
do ponto de vista das Multinational Corporations (MNCs), como actuam e porque actuam segundo este modelo de economia global. O objectivo é investigar se existe – ainda – a relação entre MNCs e as suas localizações/implantações, ou se estas se tornaram independentes e freeflowing no espaço económico. Se economia e tecnologia são os factores chave do fenómeno da globalização, também as MNCs e os governos nacionais constituem os seus actores chave. No entanto, existem ainda outros factores que indicam que, apesar de se estar a verificar uma dramática mudança e relocalização por parte das multinacionais, estas registam ainda uma grande afinidade por determinadas localizações. Se olharmos para as razões pelas quais as empresas se internacionalizam, verificamos que têm claramente que ver com os baixos salários praticados noutros países, com tentativas de penetrar noutros mercados- como a Ásia- ou simplesmente com o aumento da competição com empresas semelhantes. Contudo, o porquê não será tão importante como o modo de o fazer - aos arquitectos interessa a sua materialização e implantação físicas. Repensar. A importância de realizar esta pesquisa, reside na necessidade de repensar disciplinas como a geografia, o planeamento e a arquitectura. Não apenas devido ao fenómeno da globalização, mas devido ao facto da própria sociedade – ou cultura – precisar de ser definida sempre que ocorrem mudanças estruturais. Se conseguirmos chegar a um consenso em relação a este sistema mundial de várias escalas – economia, geografia, demografia, política e cultura, etc. – obteremos, seguramente, soluções mais inteligentes e futuros desenvolvimentos. “Cabe aos arquitectos traduzir a informação local num determinado desenho, encontrando as soluções adequadas a um contexto específico. Agora que a informação local adquire um carácter cada vez mais multi-dimensional, torna-se imperativo para os arquitectos, compreender o sistema espacial
global e, como consequência, acomodar os requisitos das ‘cidades e regiões globalizadas’ e contribuir para um desenvolvimento estratégico de identidades competitivas.”+ (Waterhouse, 1996). É então neste contexto, que os arquitectos precisam de se questionar, a si e à sua profissão, bem como de se reposicionar neste sistema de multi-escalas. Reposicionar. Podemos-nos questionar sobre o porquê da necessidade de reposicionamento destas questões. Se olharmos para momentos da história nos quais tenha existido um repensar fundamental da arquitectura, ou uma mudança no modo como esta é representada, chegamos facilmente à conclusão de que, apenas em determinadas alturas, existe a real necessidade de inventar. Estes momentos levantam as questões da invenção de novas tipologias bem como de novas maneiras de viver. A questão é que este tipo de situações apenas são válidas aquando de mudanças estruturais da sociedade, de tal forma que se torna desnecessário e pouco eficiente produzir novas maneiras de viver, trabalhar, ocupar os tempos livres. A produção arquitectónica talvez nunca tenha sido tão elevada; está a despontar uma nova e bem-humorada arquitectura, estão a ser criadas novas paisagens fluidas, mas o que estará na base de tanta novidade? Quais serão as condições de toda esta nova criação? Damo-nos conta de que muito mudou no último século, sendo bem provável que a velocidade e a aceleração deste fenómeno global apenas irão aumentar. Estaremos no meio de uma nova sociedade ainda dependente de impróprias e desactualizadas formas de lidar com este novo sistema global? Contexto. “A vida das pessoas em todas as partes do mundo parece ser definida por acontecimentos, decisões e acções que tiveram lugar bem longe do sítio onde vivem ou trabalham.”+ (M. Castells - End of Millenium – 1999). A cidade é o sitio por excelência. “É em torno da
cidade que os teatros da globalização apresentam as suas produções dramáticas. A cidade é, então, aquele lugar confuso e ambíguo onde se constróem novas experiências” + (Shiv Visvanathn, India Seminar, 2001). As nossas cidades são os contentores de cultura, sítios de debate e experiências. Perguntamo-nos, neste contexto, onde residem as fontes de resistência e invenção. A posição anti-globalista é, por si só, limitada. Não há benefícios em adoptar uma visão restrita do problema. É necessário jogar e cruzar toda a complexidade. No entanto, o movimento anti-globalista possui uma ideia base que não pode ser negada; a forma como estamos a prosseguir talvez não seja a mais favorável, talvez não seja a melhor forma de resolver a questão. Resistência vs. Invenção. Torna-se gradualmente mais clara a necessidade de adoptar esta nova ordem mundial, não por ser inevitável, mas porque é nossa obrigação, enquanto arquitectos e investigadores, interpretar, pesquisar e manipular, inventar e criar novas formas de interagir com um mundo cada vez mais globalizante. A partir daqui, temos a materialização de uma nova arquitectura, científica e imaginativa com várias dimensões de informação espacial. “Uma arquitectura cujo futuro se afastará mais dos ‘belos volumes sob a luz’ e menos da organização de programas. Numa cidade que depende igualmente da activação programática dos seus vazios, bem como na manutenção do seu volume construído; uma cidade representada por uma arquitectura que é cada vez menos material; uma arquitectura que é, em primeiro lugar um processo e só depois fragmento.”+ (Alex Wall,1994). Este artigo constitui um começo, um convite para um debate, um pedido para reinventar ainda mais. É uma tentativa de localizar e hibridizar os sonhos de globalização e democracia. *arquitecto, aluno do primeiro ano de pós-graduação no Berlage Institute, em Roterdão +tradução livre
[dezembro 2003] 08.09
[dezembro 2003] 10.11
nos aparece radicada na biografia dos factos urbanos locais, nas tradições que o identificam e distinguem. Não existe lugar que não nos fale da sua história, antes e para além da nossa.
estádio-ilha polifuncional no porto de Génova, Boeri Studio
1. Se dermos ouvidos a alguns anúncios alarmantes parece mesmo que, nas sociedades contemporâneas, a crescente mobilidade de ideias, imagens e indivíduos esteja a provocar uma certa erosão na quantidade e qualidade daqueles espaços particulares cuja nossa frequência nos leva a considerar lugares. Lugares onde nascer, viver, encontrar-se, abandonar-se à contemplação; lugares a conquistar, a atravessar, a ver passar, de onde escapar; lugares da memória, do espírito, do intelecto. Lugares do esquecimento e do eterno retorno. Uma conspícua literatura ensinou-nos que a essência de um lugar está numa mais-valia que alarga as qualidades receptivas de um espaço, que de outra maneira seria banal; um pedaço de solo, ou uma construção, ou as duas coisas juntas, tornam-se um “lugar” quando conseguem metabolizar na sua essência mineral, um valor simbólico que excede a simples disposição da matéria e sua funcionalidade. Reconhecemos um lugar, ou melhor, reconhecemo-nos num lugar quando penetramos física ou mentalmente num espaço e conseguimos sentir uma reverberação, um eco dos nossos estados de alma, e quando este eco regressa a nós como se tivesse sido liberto pelo espaço em si, ao ponto de se poder gerar uma experiência partilhada. Não há lugar que não implique e estimule em nós, mais ou menos conscientemente, um sentimento de partilha e, logo, uma possibilidade de comunicação. Para além disso, habitamos um lugar – não simplesmente um espaço – quando esta mais-valia
Então, como dizíamos, algumas previsões apocalípticas convidam-nos a prestar atenção aos reparos contra a erosão, à qual estaria, hoje, sempre mais exposto o património de lugares herdado no território, desde a história das nossas sociedades. Um primeiro alarme chega-nos dos estudiosos das novas tecnologias informáticas, e de quem se ocupa de projectar ou descrever o funcionamento das redes telemáticas, informatizadas, etc. O mundo da telefonia (internet e suas declinações), o da telemática de escritório, as novas fronteiras da televisão interactiva, as redes e as estações de tele-trabalho são somente as principais fontes de onde se carregam as armas de uma retórica que repete, incessantemente, que hoje, com pouca despesa e um pouco de atenção, pode-se fazer «tudo em todo o lado»: trabalhar na casa de banho, enviar um fax do comboio, telefonar do cinema... Com a complacência da identidade dos lugares, que poderia ser perturbada por uma desconcertante ampliação das possibilidades de prestação dos espaços, também alguns dos lugares mais frequentados e habituais da vida quotidiana viriam, assim, a ser transfigurados na sua nova natureza de criação de um curto-circuito entre um “local” hiperdoméstico e um “global” hiper-público. Ligar-se em rede, se por um lado significa re-significar o espaço doméstico como cápsula de viagem, nos hiper-textos da comunicação global, por outro, significa abrir uma pequena fresta na parede de casa, para deixar entrar um imprevisível – e não de todo controlável – tumulto de sinais e solicitações. Produzindo-se, então, dentro da dinâmica do bunkeramento doméstico, o efeito “Glocal”: a abertura às infinitas possibilidades de interacção. Um segundo alarme, talvez mais sério, chega-nos das reflexões e dos estudos sobre a mobilidade corpórea dos cidadãos das sociedades ricas no mundo contemporâneo. O turismo nas suas diferentes versões - culturais, lúdicas e de negócios – reúne uma verdadeira e própria “elite cinética”
que consome milhares de quilómetros semanais de deslocações, que mede as distâncias geográficas somente em termos temporais – “quanto dista?” significa “quanto tempo é necessário para atingir?” - e que nas suas pausas de vida intermitente é albergada por uma vasta gama de “não-lugares”: aeroportos, estações ferroviárias, grandes cadeias de hotéis, feiras comerciais, centros direccionais. Espaços acima de tudo dedicados às necessidades de um estilo de vida errático que procura em todo o lado as mesmas comodidades (e o mesmo “ambiente”?) e que tende a homologar os contentores que, temporariamente, habita; e logo, a anulação de tudo aquilo que se sabe de tradições locais ou “vernaculares”, em nome do império presunçoso dos open spaces, das luzes difusas, dos anúncios, o triunfo da homogeneização em todo o lado; e, no entanto, pequenos indícios da história local por vezes resistem apenas atrás das vitrines de comida dos snack-bars. Por um lado, a mobilidade das imagens resulta da homologação dos espaços mais privados e íntimos, sujeitos a um excesso de “abertura” pelas possibilidades tentaculares das redes; por outro lado, a mobilidade dos indivíduos é considerada responsável pelo encerramento e pela homogeneização daquela variedade de lugares públicos que, em tempos, eram os “monumentos” da identidade local porque representavam os terminais para o exterior. Em suma, “glocal” e “ambientação” parecem ter aniquilado as ambições de encontro a uma identidade dotada de uma espessura histórica, radicada, local, de muitos espaços da nossa vida quotidiana. 2. Se todavia prestarmos atenção a algumas experiências de vida quotidiana, podemos suspeitar que as coisas não estejam de todo assim. Três exemplos podem ajudar-nos. O primeiro diz respeito ao telefone celular, verdadeira inovação técnico/comportamental das paisagens europeias contemporâneas. Situando-se entre a mobilidade das ideias e a dos indivíduos, o telemóvel é um extraordinário dispositivo de resignificação – e não de anulação – da identidade dos lugares. Não somente porque há alguns anos
que sucede vermos espaços, por regra, marginais ou de passagem habitarem-se de presenças atarefadas em conversas animadas, privadas, sussurradas; de imaginar trechos e intrigas de vida enquanto olhamos distraidamente panoramas urbanos banais e frios (a extremidade de um semáforo ou uma galeria do metro). Mas, sobretudo porque há alguns anos que nos acontece ligar, inconscientemente, rostos e sentimentos a paisagens incongruentes, de associar a territórios igualmente banais as fatias de emotividade que se afundam na nossa memória, somente porque os projectámos sobre um espaço particular no decorrer de uma conversa, e a partir daí, desta bizarra e casual associação, não conseguimos mais desenlaçá-los. Um segundo exemplo diz respeito às estações ferroviárias e aeroportuárias. Emblemas do nãolugar, são, todavia, espaços onde, hoje, se manifestam algumas formas importantes de interacção privada, inter-pessoal. Pensamos nos hábitos de marcar encontros nestes grandes ambientes de passagem; ou então na presença de certos comportamentos – as prostitutas que se mudam, os sem-abrigo que ali estão, os jovens que patinam – que ali habitam come se se tratassem de grandes contentores que sabem tolerar a inteira gama de possibilidades de interacção que, habitualmente, pertence às praças e às estradas urbanas. Um terceiro exemplo, por fim, diz respeito ao modo como, frequentemente, vivemos os grandes contentores lúdico/comerciais que, há alguns anos, povoam as áreas suburbanas italianas. Vivemo-los como se fossem o ponto central de uma experiência perceptiva simétrica que começa muito antes e acaba muito depois do breve período de tempo passado no seu interior a comprar, encontrar-se, comer etc. É como se nos sintonizássemos na banda perceptiva do “consumo+entretenimento” desde que saímos de casa, entramos no automóvel, atravessamos longos pedaços de cidade difusa, estacionamos no único momento de “exterior/exterior” para depois nos enfileirarmos num espaço artificial onde muitos dos nossos semelhantes/ligeiramente diferentes executam gestos semelhantes/ligeiramente diferentes; para depois saírem e repercorrerem no sentido inverso os mesmos espaços, sempre sintonizados na atitude de uma percepção rápida e distraída daquilo que nos circunda: as prateleiras e os anúncios, as
piso +1 cais
piso +2 hall
piso +3 comércio
piso +6 piscina, estacionamento e comércio
piso +7 estacionamento de autocarros e comércio
piso +8 estádio
alçado
alçado
estádio-ilha polifuncional no porto de Génova, Boeri Studio
paisagens e as encomendas. 3. O que nos dizem estes três exemplos? Acima de tudo que o significado de um lugar – mas também a nossa identidade enquanto cidadãos – é mais o produto da montagem em sequência de experiências perceptivas e de vida, do que uma simples justaposição entre um significado individual e um espaço individual. Depois, dizem-nos que a natureza de muitos lugares da sociedade contemporânea é sempre dada a partir da sua capacidade de albergar dentro de um determinado quadro preciso de vínculos materiais e geográficos, uma multiplicidade de significados e de projecções. É uma natureza «aberta» a interpretações múltiplas, e ao mesmo tempo localizada; vaga e também estática, radicada num espaço preciso. Por fim sugerem-nos que talvez os maiores problemas para a identidade local e historicamente radicada dos espaços urbanos não derivam da extensão da mobilidade e da difusão das redes, mas do hábito de pensar de modo superficial e simplificado a dimensão simbólica na vida urbana. Por exemplo do hábito de confundir, isto é, de não distinguir entre o grau de estabilidade e de estatismo de um «lugar». A sociedade contemporânea produziu uma proliferação dos códigos de significação da cidade: códigos que se fixam na matéria das coisas, (teste-
piso +4
piso +5 piscina e estacionamento
piso +8 cobertura e hotel
corte AA
corte BB
[stefano boeri, gianandrea barreca, giovanni la varra]
munhos de comportamentos passados ou de estilos de vida ainda activos) e códigos móveis e plurais, que acompanham a vida errática das múltiplas populações que habitam temporariamente as diversas partes do território. Códigos a reconhecer no espaço e códigos projectados sobre o próprio espaço; é a sua relação que decide a atribuição de uma condição de “lugar” a um espaço habitado. Daí que a identidade de um lugar é sempre menos, se alguma vez o foi, uma qualidade estável definida de uma vez por todas, e para todas as variadas classes de utentes (residentes, residentes temporários, turistas ocasionais, simples voyeurs…). Mas, ao mesmo tempo, a identidade de um lugar continua fortemente ancorada numa dimensão estática, formal, material de um espaço, que fixa uma certa propensão de significado graças à sua posição geográfica e à sua constituição. Até o mais imaterial dos terminais de acesso a uma rede conserva uma forma e produz um ambiente. Também por estas razões, não obstante os apelos sobre a imaterialidade e os alarmismos sobre nãolugares, muitos dos espaços estáticos e instáveis que vibram na cadeia infinita de significados da contemporaneidade, continuarão a servir-nos de boas e consistentes referências na geografia “interna” da nossa vida. * arquitecto, docente na Faculdade de Arquitectura de Génova e no IUAV
[dezembro 2003] 12.13
Cidade do México Filipa Magalhães*
Hoje em dia o avião assume um papel preponderante quando se fala de viagens. Aterra-se abruptamente numa lógica nova. O primeiro contacto com a cidade, o aeroporto. Benito Juarez International Airport, Cidade do México. A viagem teve como objectivo participar num workshop. Procurar entender e identificar o centro histórico da Cidade do México. Apresentar ideias sobre a sua possível requalificação. Entender o papel que a cidade poderá ter no novo milénio. Num primeiro momento, definir limites, identificar problemas, ler o espaço. As dificuldades surgiram de imediato pela grande escala da cidade do México; 19 milhões de habitantes e um centro histórico de 9.1km2. Nos últimos 50 anos a cidade cresceu 10 vezes mais, sendo que 40 a 50 % desse crescimento é espontâneo e desordenado. O retrato do centro pode traçar-se em poucas linhas. Aqui convivem os edifícios mais significativos do governo, como o palácio Nacional, 30 museus e 200 edifícios considerados de alto risco que pertencem desde 1987 ao património histórico da humanidade. O terramoto de 1985 e os 50 anos de rendas congeladas agravaram mais esta situação. No centro histórico, várias patologias. Prostituição, venda de estupefacientes, pobreza, analfabetismo. Acresce que diariamente aí circulam 3 milhões de pessoas provocando graves problemas de mobilidade. Se, por um lado, se verifica uma forte afluência ao centro, em vinte anos a sua densidade habitac i o n a l d i m i n u i p a ra m e n o s d e m e t a d e .
Os vendedores ambulantes, cerca de 200 mil, funcionam como inibidores do tecido social da zona, sendo responsáveis por parte da desertificação da área. São, contudo, uma fonte de receita vital para esse grupo da população. A rua é um lugar público privilegiado da vida mexicana. O diálogo público privado acontece nos pátios, corredores e galerias que se unem e formam nichos no sistema ortogonal do centro histórico. Aqui, impossível ver ou ter qualquer tipo de relação com a envolvente; a malha urbana ortogonal dissipa-se nessa mancha de gente. Após uma análise inicial surgiu o tema da globalização, como um dos factores de incremento de alguns problemas. Redutoramente, a globalização pode-se definir como um sistema que visa englobar todos, acabando, muitas vezes, por se tornar num sistema de exclusão. É o caso do México e da sua capital. As diferenças são abismais a nível económico, social, educacional. Chocam quem passa. Reflectem-se numa cidade retalhada por zonas. O workshop. Identificados os problemas mais alarmantes, inicia-se um trabalho na procura de respostas. Um laboratório de ideias e pesquisa, de re-interpretação e organização de soluções. O enunciado: _Reconhecimento da pluralidade do tecido urbano, dos diferentes usos e diferentes tecidos sociais no centro histórico; _Equação de diferentes cenários arquitectónicos e temporais que se adequem à pluralidade cultural
[dezembro 2003] 14.15
da zona; _Reconhecimento da especificidade arquitectónica do local e novas interpretações da mesma; _Re-interpretação da interacção rua / edifício e vice versa. As conclusões: _A aceitação do papel simbólico do centro histórico. Contudo esta aceitação não pode transformar o centro histórico num museu gigante. Uma das alternativas seria retomar o centro como pólo universitário, como o foi em tempos, mas noutros moldes; _A aceitação da grelha ortogonal como mecanismo que possibilita um grau de liberdade elevado; _A identificação de localizações chave que possam ser abordadas a longo e curto prazo. A curto prazo podem efectuar-se mudanças mínimas como abrir os pátios proporcionando usos múltiplos; _A libertação de áreas de habitação através do realojamento dos armazéns em zonas exteriores ao centro urbano. Do workshop resultou uma ideia semelhante à Barcelona de Busquets: as soluções muitas vezes já existem na cidade, o arquitecto tem que as descobrir. Para isso há que entender bem o local, as necessidades, o que já foi planeado, experimentado. O centro histórico pode desenvolver-se de uma forma sustentável se, e só se, conseguir resgatar um tecido social vivo para essa área. Entender onde a escala intermédia se cruza com a micro escala, é fundamental. Numa cidade como esta, de uma tal complexidade, as soluções têm que ser precisas, nomeadamente na pequena escala; é esta que influencia a escala intermédia.
Por exemplo, o tráfego era um dos problemas. Percebeu-se que bastava mudar de rua um dos troços de autocarros para o solucionar. Para libertar a zona habitacional era preciso promover a dispersão de vendedores. Percebeu-se que bastava transferir os armazéns para outras áreas fora do centro histórico. Por toda a América Latina encontramos um sistema espontâneo, desde a economia à habitação. A tentativa de encontrar soluções para este problema vem desde os anos 70 com a teoria do self- building house de John Turner. Hoje caminha-se para a tomada de consciência deste crescimento espontâneo, optando-se pela sua integração na cidade como no caso do programa favela bairro, no Rio de Janeiro. Refazer a cidade é, acima de tudo, identificá-la. Intervenções drásticas são, muitas vezes, as soluções mais rápidas; contudo impossíveis num tecido urbano já compacto. Mais do que um masterplan, pequenas incisões, mudanças subtis, podem desencadear soluções precisas. Não se pretende uma arquitectura de autor, antes uma arquitectura de enorme sensibilidade. *arquitecta, estudante do mestrado Housing and Urbanism da Architectural Association 2002-2003.magalhaesfilipa@hotmail.com
Workshop de 5 a 16 de Maio de 2003 na Cidade do México. Intervenientes: Architectural Association no programa do Mestrado em Housing and Urbanism; Universidade Ibero Americana Santa Fe; Universidade Autónoma Metropolitana Xochimilco. Objectivo: Pensar o papel do centro histórico actualmente e como torná-lo exequível.
[dezembro 2003] 16.17
Renato Fregnani + Lucas Chimelo Simões *
A discussão não é sobre a qualidade do projeto, mas sobre tudo aquilo que antecede, ou deve anteceder, a decisão de se construir uma obra com o dinheiro público: sobre a real necessidade da implantação de um novo museu, um Museu-de-Marca-Internacional no Rio de Janeiro (ou de um novo atrativo turístico) e se essa é, realmente, a melhor solução para “requalificar” o centro urbano da Cidade Maravilhosa. A verdade é a seguinte, o governo está virando as costas para as dificuldades e bancando um museu de milhões de dólares para meia dúzia de cariocas e alguns turistas intelectuais comprarem camisetas “Guggeinheim – RIO”... aliás, será que os turistas que vêm pro Rio vêm pra visitar museus projetados por europeus ou querem samba, praia e futebol? Quero dizer, será que não há outra alternativa de mostrar a NOSSA cultura? Os museus que existem no Rio, exemplos da arquitetura e da cultura nacional, estão em decadência e, como citado no Relatório de Estudo da Viabilidade, publicado no Diário Oficial, o Guggenheim entraria na cidade competindo pelas mesmas verbas das outras instituições da cidade, mas os incentivos teriam impactos mais significativos para o Museu Guggenheim-Rio. Todos sabem dos conflitos sociais das grandes cidades brasileiras, do abismo cultural e da enorme dificuldade financeira que atravessam os governos municipais. Não sou contra a implantação de mais um museu no rio, mas não vejo coerência nessa atitude, uma vez que nenhum benefício será trazido aos contribuintes (patrocinadores involuntários desse empreendimento). A raiz dos maiores problemas do Brasil é a educação. Acredito que hoje, no Brasil, existam pessoas nas classes sociais mais prejudicadas, a grande maioria que não teve acesso aos estudos, que nunca se imaginam a visitar um museu, por acharem que “aquilo” não foi feito pra elas, que “aquilo” não faz parte da vida delas. Além disso o Guggenheim-Rio nem prevê a criação de um novo espaço público, uma vez que no projeto apresentado por Jean Nouvel os espaços do Museu não serão de livre acesso. E como já foi deixado claro pela comissão da Fundação Guggenheim, o museu não será instalado com a intenção de incentivar ou apoiar a arte nacional ou local. Uma intervenção na cidade é necessária, mas não da forma em que está sendo feita. O Guggenheim de Bilbao teve êxito não só pelo edifíco em si, mas pela situação; a cidade é industrial e cinzenta, não há beleza natural nem atrativos turísticos, foi implantada num país rico e emergente, onde há
a cultura de se visitar museus; o panorama no Rio é totalmente diverso... beleza natural e atrativos turísticos é o que não falta e a cidade é uma das mais visitadas da América do sul. A única razão que vejo de instalar um Guggenheim no Rio, assim como disse o próprio Frank Gehry, seria instalá-lo na favela, porque não existe pos-sibilidade de competir com a paisagem da Baía de Guanabara. Isso é uma ATITUDE URBANA, é encarar o problema e dar uma “nova cara” à cidade. O dinheiro gasto na execução do projeto seria revertido também à infraestrutura e ao saneamento básico das favelas, afastaria o tráfico de drogas, traria emprego e atividades comerciais nas adjacências, enfim, traria benefícios aos moradores... É um desafio... mas projetar num terreno plano, olhando pro cristo redentor e de frente pro mar, também fica fácil demais, não? Lógico que, no Rio de Janeiro, a complexidade dos problemas sociais, principalmente de corrupção, nunca seria resolvida somente com a arquitetura e nem em um único projeto, mas a arquitetura tem uma grande responsabilidade neste sentido. Hoje o Rio de Janeiro é uma cidade onde se abre o jornal para se saber quais foram os crimes do dia, uma cidade que ninguém sabe o que fazer, uma cidade que parece ingovernável. Talvez seja isso que o Prefeito esteja procurando, tapar o sol com a peneira, ou melhor com a Marca Registrada de um museu internacionalmente conhecido. Pelo simples fato que ele vai ser mais manchete de jornal do que uma obra para a melhoria da favela. Acho que esse empreendimento não passa de uma combinação de duas instituições em dificuldades... O Guggenheim em crise, exatamente causada por esta política expansionista,que se implanta numa cidade com infraestrutura e “público” garantido e o governo carioca que quer bancar de intelectual caipira para “marcar seu mandato”. Diante das dificuldades sociais, econômicas e culturais brasileiras, os investimentos na cultura e educação são fundamentais, porém, devem ser do interesse e do alcance de todos os cidadãos, devem ser implantados a fim de inserir, e não de excluir. Projetos como o museu Guggenheim dilatam ainda mais a diferença cultural entre as classes, geram “ilhas” que requalificam um quarteirão, segregando, assim, o resto da cidade e seus usuários que continuam cada vez mais longe da cultura... um projeto que tem a função de gerar cultura, acaba fazendo o inverso... um empreendimento desse porte não é projeto de um edifício, mas uma atitude urbana, um enfrentamento dos problemas urbanos e sociais... aliás, para que servem os arquitetos? *alunos do 5º ano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontfica Universidade Católica de Campinas
REGIONMAKER:
MVRDV*
Tarefa: Foi pedido aos MVRDV – no âmbito do Projecto Hiper Catalunha – uma análise da região da Catalunha numa perspectiva de oscilações da população e uma proposta de Cenários quanto ao futuro deste território, reflectindo sobre o seu papel num contexto global. Dispositivo: O dispositivo de optimização REGIONMAKER foi testado para desenvolver ‘Cenários’ para a Catalunha em 2050. Concebido como um quadro transparente para a tomada de decisões, o REGIONMAKER tem por objectivo apontar à Catalunha uma série de caminhos possíveis de se transformar a si e ao seu papel num contexto nacional, europeu e global. Contudo, não sendo da nossa competência tomar as decisões finais no que diz respeito à gestão de oscilações da população, concentrámo-nos na determinação dos elos necessários entre as dinâmicas da população e configurações territoriais, oferecendo 72 resultados possíveis. Estes resultados oscilam entre uma mega cidade global e um modelo de Muralha-de-defesa-nacionalista-catalã. O objectivo é que a população Catalã e as suas autoridades tomem democraticamente estas decisões, de forma a seleccionar o seu próprio destino. O REGIONMAKER é uma ferramenta desenvolvida pelos MVRDV para analisar e optimizar a configuração espacial de uma dada região. Tem como função orquestrar a informação existente para ajudar o utilizador a visualizar as suas intenções ou decisões. No REGIONMAKER, o mundo é feito de pequenos objectos divididos em categorias. Todos os objectos têm características que descrevem as suas influências e necessidades em 3d-model space. Existem diferenças nas características de, por exemplo, casas, escritórios, água e agricultura. Baseando-se nestas características,
cada objecto encontra a sua posição própria no mundo 3D. Uma vez definidos os parâmetros, o REGIONMAKER consegue processar a informação relevante, armazenada no banco de dados e, rapidamente, procurar a configuração mais adequada à região. Os ‘Cenários’ são criados como resultados directos da análise.
Análise de População 1.Crescimento Populacional: Hiper Dependente Quando se analisa a dinâmica da população da Catalunha é de notar como o seu quase inexistente crescimento é maioritariamente mantido por movimentos migratórios em vez de causas naturais. 2. Taxa de Fertilidade: Hiper Infertilidade Espanha – incluindo aqui também a Catalunha – regista os mais baixos nascimentos por mulher no mundo. Factores económicos e sociais fizeram a generalidade das mulheres adiar ou mesmo evitar a maternidade. Cerca de 50% das mulheres férteis em Espanha não tem intenções de ter descendência. Uma razão importante para os níveis de fertilidade terem descido tão baixo, é o facto de as mulheres não se estarem de todo a casar – a proporção de mulheres nunca-casadas com a idade de 45 é de 11% em Espanha, comparada com somente 5% nos Estados Unidos – e isto numa sociedade que torce o nariz a educar crianças fora do casamento. 3. População acima de 65 : Hiper Idosa Em Espanha, espera-se que a proporção de idosos aumente em 117% até 2050, enquanto a nação perde 24 por cento da sua população. Existem projecções que apontam que Espanha terá a mais alta percentagem de residentes acima de 60 no mundo em 2050 – perto de 43% seguida de Itália, 41%; Japão 38%; Rússia 33%; Alemanha 32%; Inglaterra 31%; França 30%; e os EUA 20%. Projecta-se que, em 2050, Espanha registe a idade média mais elevada, 54 anos. 4. Migração: Hiper Fechada Apesar da Catalunha concentrar muitos dos imigrantes em Espanha novas políticas estão a reduzir [dezembro 2003] 18.19
os fluxos de entrada, cortando a maior fonte de crescimento populacional. 5. Projecções de População Em 1950 somente 7.3% da população tinha 65 ou mais anos; em 2000 esta percentagem mais do que duplicou para os 17.0%; mesmo pressupondo um aumento da fertilidade (como fazemos nas nossas projecções) a percentagem de idosos com idade de 65 ou mais em Espanha irá aumentar para 37.6%. Imagine-se uma população onde quase 4 em 10 pessoas estão em idade de reforma! Sem uma mudança significativa no comportamento reprodutor, na esperança de vida e numa baixa taxa de imigração, a Catalunha poderá encarar grandes problemas económicos e sociais. Apesar do crescimento da população nem sempre ser desejável, a quantidade desproporcionada de população idosa requer o apoio de população em idade activa (que se afigura inexistente, quer em contribuição para as pensões quer em preenchimento das vagas no mercado de trabalho).
Optimização Um quadro para decisões Para evitar um grave problema de envelhecimento da população nas décadas seguintes, uma série de passos podem ser considerados para optimizar o processo de oscilações da população na Catalunha. Passo 1 - Como se resolve o problema do envelhecimento? Será que a Catalunha se pode apoiar nos seus recursos ou dever-se-á abrir a uma solução global? Passo 2 - Se a Catalunha tentasse lidar com o problema através dos seus próprios meios seriam necessárias alternativas impensáveis: reproduzirem-se desesperadamente durante as próximas décadas, despoletando a implementação de um estado sobrepotenciado (hospitais, berçários, escolas) ou reduzindo a sua esperança de vida – tão humanamente inaceitável como a própria ideia sugere. - Se a Catalunha escolhesse uma abordagem global,
algumas possibilidades poderiam ser escolhidas: A emigração massiva da população idosa para outras partes do planeta o que, evidentemente, se torna uma absurda crueldade. Então, a melhor alternativa é aumentar o fluxo de imigração para preencher os vazios criados pelo processo de envelhecimento. Passo 3 Quantos imigrantes atrair? Os suficientes para manter a actual população activa a ocupar os postos de trabalho existentes (40.000 cada ano até 2050), ou os suficientes para manter o actual índice de contribuição de habitante activo por habitante reformado. Em último caso, poderia ser uma interessante força motriz para transformar a região em Hiper Catalunha: a mais recente Megacidade Jovem com 16 milhões de habitantes! Passo 4 Que tipo de composição cultural seria adequada à Hiper Catalunha? De uma perspectiva global poderia aspirar a atrair pessoas de todo o mundo, transformando-se numa região verdadeiramente global com uma colorida sociedade multicultural. Uma amostra do Mundo num só lugar. De uma perspectiva Nacional Espanhola, poderia concentrar-se em atrair pessoas do país e da América Latina, aumentando o papel dos Espanhóis dentro da União Europeia e ao mesmo tempo aspirando a tornar-se o centro do mundo hispânico. De uma perspectiva Local Catalã, poderia atrair população cuja língua materna não fosse o espanhol numa composição de tal forma heterogénea que a população fosse encorajada a aprender a língua catalã – em vez do espanhol – e desta maneira reforçar a identidade da região com mais 14 milhões de habitantes a falar catalão. Passo 5 Que tipo de organização espacial deveria ser considerada para acomodar a nova população? Concentrar toda a nova população numa área particular, de forma a maximizar o seu impacto, beneficiando de altas densidades.
Hiper Barcelona: Global Concentrada Permanente
Agregar em pequenas cidades homogéneas de forma a gerar uma região polinuclear com núcleos especializados. Dispersar a nova população por todo o território, transformando a região num paraíso suburbano de casas unifamiliares para uma sociedade de individualismo. Combinar diferentes modelos espaciais de acordo com os diferentes locus da geografia Catalã, dando à região alternativas espaciais ricas. Passo 6 De que tipo de permanência será esta imigração? Permanente, quando a nova população se consolida através dos anos e contribui para uma Comunidade Catalã mais ampla, consistindo em investimentos a longo-prazo em novas empresas e compromissos, que levam a uma imagem clara e estável da região. Temporal, onde a nova população constitui uma dinâmica nómada turística e de trabalho qualificado, existindo simultaneamente uma mão-de-obra não qualificada, minimizando o esvaziamento intelectual dos países de origem e o impacto na identidade nativa da região. Isto irá gerar um melhoramento na rede de infra estruturas (estradas, aeroportos, e telecomunicações) para esta nova sociedade catalã móvel. Passo 7 Qual o nível de integração que se deverá atingir? Baixo, onde não há mistura para que seja permitido aos diferentes grupos reforçar as suas identidades, as pessoas têm o apoio das formas mais banais e básicas de diferenciação dos seus iguais. Médio, onde as comunidades estão misturadas sem se diluírem completamente, para que as diferenças se mantenham como fontes positivas que enriquecem a identidade colectiva global: um mosaico de subculturas. As pessoas podem escolher o tipo de subcultura em que escolhem viver e podem ainda experienciar vários estilos de vida diferentes dos seus. Alto, quando se aspira a uma integração máxima – independente do estilo de vida ou cultura – e
um alto nível de tolerância permite a coabitação harmoniosa num upgrade da identidade, mais individual que colectiva. Todas estas séries de decisões desdobram-se em combinações ricas, permitindo a abertura de possibilidades para a configuração da Hiper Catalunha. As trajectórias escolhidas geram 72 cenários diferentes para a Hiper Catalunha.
Alguns Cenários Hiper Barcelona: Global Concentrada Permanente Uma Megacidade com 16 milhões de habitantes beneficia de uma sociedade multicultural activa. Como uma Hong Kong ocidental, tem o papel de optimizar a sua área costeira com novas ilhas, oferecendo novas possibilidades para o seu superporto, de onde as diferentes culturas ali sediadas comercializam com o Mundo. As densidades são aumentadas conduzindo a um espectacular skyline metropolitano que preside a uma urbanidade intensa. Os pontos de referência históricos da cidade original são realçados pela contribuição dos seus novos vizinhos. O novo Centro da Europa numa localização Mediterrânica única. Cidade Costa: Global Concentrada Temporal Uma cidade linear com infra-estruturas de comunicação entrelaçadas na costa Mediterrânica, oferecendo moradas com vistas infinitas para o oceano. Criar um lar para uma sociedade de jovens nómadas globais que se permitem viver no lugar onde estavam habituados a passar férias. Uma condição que oferece também uma grande quantidade de empregos no sector dos serviços para trabalhadores sazonais. Uma vacina para o turismo de pacote barato. Cidade Expo Mundial: Global Agregada Permanente A reinvenção da região como uma entidade polinuclear com cidades médias transformadas em mini-cidades-mundiais. Little Ásia, Little Africa, ou Little LatinAmerica, por exemplo, oferecendo uma série de vasta especialização cultural numa área [dezembro 2003] 20.21
C i d a d e C o s t a : G l o b a l C o n c e n t r a d a Te m p o r a l
relativamente pequena. Experienciar o mundo numa só região. A globalização a um novo nível. Jardim de Babel: Global Dispersa Temporal Um denso sistema em rede permitindo uma região de baixa densidade. Em todo o lado se pode encontrar toda a gente. As línguas mudam à medida que se vão percorrendo quilómetros. Uma bomba de gasolina tem mais variedade do que o museu mais sofisticado. Toda a gente pode viver na sua própria casa com o seu jardim e não se encontra sinal de monotonia. Uma macedónia de identidades onde qualquer estilo de vida está disponível.
Cidade Expo Mundial: Global Agregada Permanente
Hispânia: Espanhola Concentrada Permanente Uma Megacidade completamente construída de novo com pessoas que falam espanhol no planalto central da Catalunha. A capital Latina. A última cidade colonial espanhola construída agora dentro do seu próprio território. Uma Brasília na Europa. Grande Muralha Catalã: Catalã Concentrada Temporal Uma fronteira inabitável. Uma nova cidade linear criada ao longo da fronteira com o resto de Espanha, densamente povoada por imigrantes temporários que não falam espanhol e que aprendem catalão em vez de espanhol. Esta população goza de um alto nível de mobilidade que a linearidade permite contendo uma rede de alta velocidade. Com esta nova cidade como espaço de manobra, a cultura Catalã encontra o seu meio de sobreviver no seu isolamento. Um sonho nacionalista de longa data partilhado por muitos. * atelier de arquitectura coordenado por Winy Maas, Jacob van Rijs e Natalie de Vries
J a r d i m d e B a b e l : G l o b a l D i s p e r s a Te m p o r a l
Hispânia: Espanhola Concentrada Permanente
Créditos: MVRDV: Winy Maas, Jacob van Rijs and Natalie de Vries; com a colaboração de Manuel de Rivero, Anton van Hoorn, Ana B e l e n F r a n c o , Fe r n a n d o Ro d r i g u e z & M a r c D r e w e s Grande Muralha Catalã: Catalã Concentrada Temporal
[notas introdutórias] Didier Fiúza Faustino nasce em França no mítico ano de 68. Termina o curso em 1995 na Escola de Arquitectura de ParisVillemin. Em 1996 surge como um dos fundadores do Laboratório de Arquitectura, Performance e Sabotagem (LAPS) e, no ano seguinte, do multidisciplinar atelier Fauteil Vert de Paris. De 1998 a 2001 integra a direcção da NúmeroMagazine em conjunto com Dinis Guarda. Em 2001, ganha o Prémio de Arte Pública Tabaqueira, pelo seu trabalho Stair Way to Heaven - Espaço Público para Uso Individual a implantar no futuro Jardim dos Aromas da Praça Central de Castelo Branco, zona actualmente em reconstrução no âmbito do Programa Polis. No mesmo ano, forma com Pascal Mazoyer o atelier Bureau des Mésarchitectures; desde então, divide a sua actividade profissional entre Lisboa e Paris.
www.mesarchitecture.com No site, o Bureau define-se como um grupo de reflexão, uma organização multicéfala que reivindica o diálogo como ponto de partida para toda a arquitectura. O Bureau interessa-se, prioritariamente, por situações complexas, tumultuosas, logo que os modelos existentes se revelem inoperantes. Entendemos colocar dispositivos de relações através de arquitecturas mais dirigidas à acção do que à contemplação.” O Bureau des Mésarchitectures é premiado nos Albuns da la Jeune Architecture 2001-2002, alcançando a projecção internacional na Expo’02, na Suíça, com o Teatro Flutuante Arteplage Mobile. Na exposição nacional suíça, o projecto não pretende rivalizar com os edifícios mais mediáticos, como o Monolito de Jean Nouvel ou a Nuvem da dupla Diller & Scofidio. “...o projecto apresentado propôs transformar um batelão desossado numa plataforma que suporta um contentor transformável e desmontável. O equipamento é pensado numa lógica flexível que permite usos variados. No espaço exíguo da superfície flutuante juntam-se um bar, uma sala polifuncional e espaços exteriores. Braços móveis dotados de projectores evocam referências industriais e acrescentam movimento à leitura visual do conjunto. O universo dos transformers da animação contemporânea combina-se com
sugestões programáticas provenientes da herança do punk. Durante a exposição, a equipa deste objecto estranho e autónomo propõe massagens, teatro, sopas populares, instalações, projecções, naturismo, dubbing e banhos de meia-noite...” [excerto retirado do livro Influx, arquitectura portuguesa recente]
Marie-Hélène Fabre, colaboradora no projecto a concurso à Embaixada de Portugal em Berlim, 1998, afirma que Fiúza Faustino nutre o desejo de ser um agente provocador. O desejo consequente de integrar à partida a disfunção como vector produtor de espaço. Neste espírito, Fiúza Faustino participa em 2000 na 7ª Bienal de Arquitectura de Veneza. “Menos Estética, Mais Ética”, o tema. Apresenta um projecto irónico e desconcertante. “Body in Transit”, um contentor moldado para o transporte do corpo de um emigrante ilegal. POSIÇÃO: A cidade é um espaço de acumulação de riquezas mas também de concentração de pobreza. Atrai pela sua prosperidade, mas enquanto alguns voam confortavelmente de metrópole em metrópole para tratar dos seus negócios, outros estão a atingir o seu destino ao preço da sua vida, escondidos nos paióis ou nos porões. Pouco importa o meio, nada é mais importante para eles que o ponto de chegada, miragem prometedora, ícone de um mundo melhor. PERGUNTA: Que atitude pode adoptar um arquitecto num tal contexto, com qual ética e com qual estética? RESPOSTA: Um container para indivíduo, arquitectura corporal, artefacto da reflexão. Materialização de uma interrogação sobre o papel do arquitecto na sociedade e meio para se projectar numa condição a denunciar. A oposição ética/estética, responde-se por outra entre acção e retórica. [Excerto do convite incluído na NúmeroMagazine para a 7ª Bienal de Veneza]
O projecto incorpora mais tarde a exposição permanente de Arte Contemporânea do Centro Georges Pompidou em Paris. [dezembro 2003] 22.23
A actividade de Fiúza Faustino tem sido desenvolvida através de uma reflexão sobre o Corpo. Entendimento do espaço enquanto experiência física e corporal. No cruzamento de várias áreas de acção experimental - exposições, video art, performances, instalações, artigos de opinião, conferências, publicações - a arquitectura surge como o elemento dorsal capaz de intensificar as situações na sua dimensão física, cultural, urbana e política. “Não há pensamento humano sem o Corpo. Nesta era dos novos media e das redes de comunicação, devemos reclamar a nossa consciência do mundo físico. A arquitectura pode constituir um instrumento que provoque os nossos sentidos e desenvolva a nossa consciência da realidade que tende a desaparecer sob a pressão da hiper-rapidez e da overdose de informação. EXPERIENCIAR A FRAGILIDADE...” [Texto escrito por Fiúza Faustino para a 7ª Bienal de Veneza]
O dia da entrevista. Nesse mesmo dia, na Biblioteca de Serralves, uma Mesa Redonda moderada por Hans-Ulrich Obrist. Arata Isozaki, Siza Vieira e Fiúza Faustino, o painel de oradores. A propósito do projecto Electric Labyrinth e dos episódios de Maio de 68, Isozaki declara ‘Utopia is dead’. Neste preciso momento, na Mesa Redonda, Siza Vieira mantém um sereno silêncio e Fiúza Faustino esboça um sorriso. WHY DID DIDIER SMILE? As reacções de Siza e de Fiúza Faustino à declaração de Isozaki podem ser melhor compreendidas com a leitura do texto “Crítica de Arquitectura em Portugal: Conflito e Dissipação” de Jorge Figueira, in Jornal Arquitectos 211. Fala-se de uma dualidade presente na postura e na crítica perante o mundo contemporâneo. Jorge Figueira conclui que “Body in Transit, de Didier Fiúza Faustino, cruzando a componente artística com uma motivação livremente arquitectónica,
pode ser o objecto fetiche da crítica ‘dissipadora’.” Fiúza Faustino reivindica a emergência do papel cívico e político do arquitecto na sociedade; o arquitecto, ao desenvolver uma consciência da problemática social do seu tempo, ganha vantagem. Actua na esfera da provocação social a partir da linguagem arquitectónica. Produz manifestos de forte densidade ideológica. Afronta a problemática contraditória da estrutura política actual. Recorre inteligentemente à ironia para denunciar a hipocrisia do sistema. Quando lhe perguntam se possui um background socialista, responde não. Mas o facto de viver a realidade francesa, a oposição centre/banlieu, a explosiva e tensa questão da emigração, o crescendo da xenofobia, a experiência da Deslocação, resultou numa sedimentação de uma carga ideológica ao longo do seu percurso. A leitura de uma assumida influência construtivista na procura do movimento e do mecanicismo, por exemplo nos braços móveis do “Teatro Flutuante”, sugere o início de um trabalho na esfera da radicalidade da experimentação plástica, formal e compositiva do construtivismo russo. Na União Soviética da Pós Primeira Guerra Mundial, essa experimentação é utopicamente colocada ao serviço da Revolução Bolchevique.
PERGUNTA: ...e na União Europeia Pós 11 de Setembro, o trabalho de Fiúza Faustino, e de outros, é colocado ao serviço de que Revolução?
[entrevista] Vamos falar da tua relação com a arte enquanto arquitecto. As tuas obras são expostas em museus, muitas delas são feitas para esse fim. Como lidas com essa ambiguidade? A situação é simples: ou tens clientes e constróis, ou não tens clientes e fazes pesquisa, projectos teóricos, projectos de papel. Depois é preciso encontrar veículos para mostrar esses projectos, esse pensamento. Todos os meios são bons para falar de arquitectura. O museu é um bom sítio para falar de arquitectura porque é quase uma situação clínica onde se podem mostrar projectos fora do contexto. Críticos de arte viram os meus primeiros projectos e começaram a escrever em revistas sobre esses trabalhos. Aqui começa a ambiguidade: é muito mais fácil para as pessoas te catalogarem como artista; a dificuldade é defenderes a tua condição
de arquitecto. Tenho um atelier, tenho pessoas a trabalhar comigo, pratico uma economia de arquitectura, sou arquitecto! Todos os arquitectos, quando reconhecidos, começam a ter exposições. Talvez não sejam exposições especificamente dentro de museus de arte contemporânea, mas a arte contemporânea está cada vez mais interessada pelo que fazem os arquitectos. Cada vez há menos fronteiras e mais porosidade. De facto, não temos a mesma maneira de pensar de um artista; eu trabalho sempre com problemáticas de arquitectura envolvendo uma espécie de alfabeto à volta da disciplina. As obras presentes em museus pretendem ser manifestos, agentes provocadores da sociedade? Isso de facto tem a ver com o que estávamos a falar há pouco com um dos assistentes do Rem [dezembro 2003] 24.25
[dezembro 2003] 26.27
Koolhaas quando ele me perguntava “Tens um background socialista?” Não, mas creio que os arquitectos vão voltar a ter um papel predominante na sociedade, no sentido em que são pessoas que pensam a política social e não apenas designers de caixas. Hoje à noite, por exemplo, há uma conversa com o Siza e o Isozaki. Num certo momento das suas carreiras, parece-me que eles foram, muito mais do que autores, actores da situação política e social numa geografia muito específica. Parece-me que hoje já não é necessário falarmos de arquitectos se estes só servirem para construir edifícios. Os construtores sabem fazê-lo muito bem. Hoje temos a oportunidade de voltar a ter um papel central na sociedade, não o papel de construtor, de mestre de obras no sentido clássico, mas o de actores participativos da nossa sociedade. A questão anterior assentava um pouco no projecto do contentor que está no Pompidou, um objecto que exposto como projecto arquitectónico funciona também enquanto provocação social... Quando fiz esse projecto em 2000 para a Bienal de Veneza o lema era Menos Estética, Mais Ética. Tinha duas hipóteses: ou pegava num projecto meu e dizia que ele estava envolvido nessa problemática, algo que o arquitecto sabe muito bem fazer – contextualizar um projecto para lhe dar um outro sentido, isto enquanto ele é teórico – ou produzia um projecto novo. A noção de minimum existenz (ver Minimal Dwelling Project, Albrecht Heubner) e a arquitectura enquanto segunda pele, interessavam-me muito; também a questão da emigração a que estou muito ligado. Sou português, estou em França, tenho consciência de toda essa problemática tão actual e, pergunto-me então: serei capaz? Suis je capable de produire une pensée d’architecture pour une situation donnée? Inicialmente fizemos uma série de experiências; trabalhámos com um scanner 3D para tentar fazer uma cartografia o mais aproximada possível dum corpo, numa situação onde o movimento do corpo
– a situação mais elementar para produzir arquitectura – não existiria. Fizemos então esta produção de experiências à volta de varios scans 3D de corpos. Apercebemo-nos de como um corpo é sempre movimento (mesmo morto, o cabelo, as unhas, continuam a crescer), a cartografia objectiva do corpo era impossível. A partir daí alteram-se as minhas prioridades e da hipótese de produzir uma segunda pele, passei a envolver-me mais na problemática da clandestinidade: como é que numa situação de alto risco entre dois destinos, um de ida e outro de chegada, numa situação de perigo total por causa de um ideal, se poderia proteger um corpo, uma vida? Tinha que encontrar companhias que produzissem caixas de transporte de objectos valiosos. Entrei em contacto com uma companhia que fabrica contentores para mísseis da armada francesa; disse-lhes que queria fazer um contentor para transportar um corpo, para proteger uma vida. Ficaram sensíveis ao meu discurso, “normalmente fazemos contentores para coisas que matam, que destroem vidas e você pede-nos para trabalhar em algo completamente oposto a isso; estamos a gostar da aposta, vamos trabalhar!” Surgiu então um desenho muito simples, uma posição quase fetal, uma situação onde o corpo já não é importante, só o espírito. Gosto muito de uma frase da Laurie Anderson, I feel my body like driving a car. O caso do contentor é isso, o corpo já não é importante, o que conta é o ser humano. É este jogo todo sobre o corpo clandestino, as várias posturas, os vários momentos que fazem o programa do projecto. Chamei-lhe Body in Transit. Acrescentei: o valor da mercadoria, uma vida; mercadoria frágil. E é aí que começa a crítica da nossa sociedade, que o projecto de arquitectura se torna uma produção crítica; estamos numa sociedade hipócrita onde só se fala do corpo individual, mas o que existe de facto é o corpo colectivo. E a quebra das fronteiras, o encontro de
realidades tão diferentes, o mundo global, como é produzir e construir nesta condição? É preciso encontrar brechas para a produção poder fazer sentido, qualquer que seja o sítio. O que mudou de há dez anos para cá? Talvez a possibilidade de mostrar um trabalho para lá das fronteiras, fora do seu contexto imediato. Hoje as pessoas deslocam-se, o teu trabalho desloca-se, vive-se uma situação de cruzamento intenso. A questão da emigração nem se deve colocar. O problema é político. O projecto One Square Meter House inserese neste contexto... Sim, é uma casa em qualquer sítio e mais uma vez uma crítica a esta sociedade. E a pessoa que vai habitar esta casa permanece um indivíduo solitário? A One Square Meter House é uma crítica óbvia da nossa sociedade individual, narcisista e egoísta. A unidade mínima do terreno, 1,00 m2, vai servir de base para construir uma casa. Pode ser construída em qualquer lugar, é sempre a mesma, o que muda é o preço do terreno. O corpo colectivo vive, hoje, uma espécie de ilusão: o fascínio pelo skyscraper que está a voltar à nossa sociedade é assumido colectivamente. Nunca se fala em sonhos de uma só pessoa, mas o colectivo acaba sempre por ser conduzido por forças individuais, como o caso das multinacionais. Há sempre o dono de uma companhia que paga para ter o sexo maior da terra. Arrogância. Como duplo crítico, denuncio esta individualidade. Identifico uma pessoa por detrás deste colectivo. Mostro como toda a história da arquitectura dos skysrapers é sempre uma história individual. E achas que uma empresa pode vir a querer construir e comercializar esta torre de um metro quadrado? Não. É a mesma questão do contentor; são exemplos. Os museus, as exposições, permitem-me uma grande liberdade. Não tenho capacidade económica para produzir objectos teóricos por mim
próprio e os museus são uma espécie de alternativa que me permite desenvolver esses projectos. Estamos no campo da teoria, são sempre situações de pesquisa. Fazer a One Square Meter House não teve como objectivo a procura de um cliente que pudesse financiar o projecto. O atelier não se submete a uma lógica mercantilista. Talvez a condição de luso-francês influencie, mas os projectos que vemos estão sempre muito relacionados com a questão da deslocação. Sempre gostei de trabalhar em situações onde o contexto era mais social ou político do que propriamente arquitectónico ou urbano. Interessa-me a questão do non lieu. A internet, por exemplo, é um não lugar? No Mutations (Much ado about nothing, in Mutations/Urban Rumors) falas do silêncio dos dados informáticos... Pode ser. Mas tenho suficiente matéria fora do virtual para não estar obcecado por isso. O que me interessa desse universo é mais o fluxo subversivo, as coisas que se transformam, os acasos. O silêncio. Algo que entra em tua casa e não sabes de onde vem. Esse silêncio não será estar simultaneamente só e diante desse universo todo? Silêncio não é não comunicar, pode-se comunicar através do silêncio. Quando escrevi esse texto sobre o silêncio quis abordar a questão da intimidade do indivíduo. Como chegas à intimidade de um indivíduo pela via do silêncio. O interessante na internet é o rumor. As informações, o eco do mundo que sorrateiramente acorda na tua intimidade. Interessante esta erupção pela via do silêncio. O tema para a tua postura: vers une architecture d’action? Gosto. É importante. É um tema sobre o qual gostaria de fazer uma conferência. É fundamental guardar uma alma de puto, querer descobrir, ser generoso.
Quando falas com o Arata Isosaki, de 75 anos, sentes que não tem idade. O Hans Ulrich Obrist, ao fazer uma entrevista ao Manoel de Oliveira, ficou fascinado com o facto de ele ter estado a falar durante horas dos sonhos, das pessoas de quem gosta... Action, no sentido em que fazer um projecto não é algo inocente; tem sempre implicações. Produzir arquitectura e ao mesmo tempo ter a generosidade e envolvimento nos projectos é uma coisa que se perde. O mais precioso numa produção de arquitectura é também o mais frágil. É genial não deixar escapar isso. Faz sentido falar de uma identidade nacional? Não. Isso é uma ilusão. É sempre o mesmo problema, ou seja, quando chegas ao poder queres guardá-lo e a partir daí o que fazes é tentar encontrar uns modelos. É o que se chama l’academisme. Precisas de modelos para perpetuar a tua identidade; mas isso é perigoso. O que é preciso é diversidade. Acho que é uma grande treta falar de identidade nacional. É o argumento das pessoas que estão no poder, quem quer que sejam e penso que o Siza se encontra para lá dessa questão. O Siza ainda é uma grande sombra? Não. A sombra são os outros que estão à volta e que o usam como modelo para atingir o poder. Penso que o Siza preferiria ser singular e não ter vinte e cinco pessoas a copiá-lo. E depois há outra problemática que é a temporalidade. A temporalidade na arquitectura não é uma temporalidade rápida. Podes usar modelos no início da tua carreira para começar a constituir um corpus, e depois te poderes libertar deles. Tout réside dans la quête de l’indépendance…. E as tuas referências? Sinto-me muito à vontade com as minhas referências. Se quiseres, a “One Square Meter House” é completamente metabolista; também construtivista. Mas é uma via diferente. Ter referências é fundamental. Viagens, o tema deste número... São estímulos, o contacto com outros corpos, a instabilidade. Uma instabilidade produtiva, no sentido em que acabas por estar sempre numa situação de fragilidade. E a fragilidade exalta a criação.
Entrevista realizada por Joana Couceiro, Marta Pedro e Pedro Baía. Hotel Meridien, Porto, 17 de Novembro de 2003
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contrageografias globais da mobilidade saskia sassen *
A globalização e as redes digitais contribuíram para a produção de contrageografias de uma diversidade de mobilidades. Estas contrageografias podem ser constituídas a múltiplas escalas – desde o local ao global. E podem ser compostas por intensidades variáveis de imersão – as pessoas que realmente se movem através delas, ou os seus projectos digitalizados, e os imaginários que se movem entre elas. Podemos pensar nestas contrageografias da globalização por estarem profundamente relacionadas com algumas das maiores dinâmicas que constituem a globalização corporativa, e não fazerem parte do aparato formal e dos objectivos deste aparato, (isto é, a formação dos mercados globais e de empresas globais). Estas contrageografias florescem com a intensificação das redes translocais ou transnacionais, o desenvolvimento das tecnologias de comunicação que escapam facilmente às habituais práticas de vigilância e afins. Também o reforço e, nalguns casos, a formação de novos circuitos globais tornam-se possíveis através da existência de um sistema económico global que pressiona o desenvolvimento de diversos apoios institucionais para a circulação além-fronteiras. Estas contrageografias são dinâmicas e vão-se transformando nas suas características de localização e no seu “conteúdo”. Podemos pensar acerca das geografias “invisíveis” produzidas pelos movimentos de migrantes ilegais e podemos pensar acerca das geografias políticas particulares constituídas pelos movimentos anti-globalização e seus protestos. Mas também as geografias políticas digitais constituídas por redes globais relacionando debates localizados. Penso nestas como sendo as
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contrageografias mais intrigantes, em parte porque ligam mobilidades e espaços através de novas formas complexas, que desafiam as noções convencionais de urbanistas e arquitectos acerca da natureza do lugar. Através da Internet (ou melhor do trabalho na internet) iniciativas locais passam a fazer parte de uma rede global de activismo, sem perder o enfoque nos debates locais específicos. Isto permite um novo tipo de activismo político sem-fronteiras, centrado em múltiplas localidades, contudo intensamente conectado digitalmente. Activistas podem desenvolver redes para fazer circular não só informação (acerca do ambiente, habitação, questões políticas etc…) mas também trabalho político e estratégias. Esta é uma das formas chave de crítica política que a Internet pode tornar possível: uma política local com uma grande diferença – estas são localidades que estão conectadas entre si através de uma região, um país, o mundo. Por esta rede ser global, não significa que tenha toda que acontecer a um nível global, e porque a rede é sinónimo de mobilidades isto não significa que o que é localizado e imóvel não faça parte dela. O narrar, o dar forma, o fazer acontecer, envolvidos em ambientes digitais assumem significados diferentes quando se tornam mobilizados para representar/converter especificidades locais num contexto global. Para além dos tipos de trabalho no terreno envolvidos nestes debates novos artistas e activistas – os artistas mais recentes têm sido actores-chave nestes desenvolvimentos, seja através de media tácticos, indymedia, entidades como a encarnação original da cidade Digital City Amsterdam e a Transmediale, sediada em Berlim, ou o amplo esforço
pelo projecto World Information Order. Mas, os novos artistas mediáticos focaram questões que não as do mundo da teconologia. Não surpreendente talvez um enfoque chave no regime crescentemente restritivo para migrantes e refugiados num mundo global onde os capitais conseguem circular onde quer que seja: organizações tais como Nobody is Illegal, Mongruel, Mute, a Futuresonic sediada em Manchester, o Theater der Welt sediado em Bona/Colónia fizeram projectos que focavam a imigração. A rede sem-fronteiras das cidades globais é um espaço onde estamos a ver a formação de novos tipos de políticas globais do lugar que contestam a globalização corporativa. As demonstrações da rede antiglobalização assinalaram o potencial do desenvolvimento de políticas centradas em lugares entendidos enquanto localidades nas redes globais. Estas são políticas de âmbito local com uma difusão global. Trata-se de um tipo de trabalho político profundamente integrado nas acções e actividades da população mas apenas possível através da existência de uma série de elos digitais globais. Assistimos à transformação potencial de um conjunto de condições locais ou domínios institucionais (como o espaço doméstico, a comunidade, a vizinhança, a escola e instituições de saúde) onde indivíduos e grupos largamente “confinado” aos papéis domésticos/locais assumem papéis-chave. Por serem vividos ou experienciados como não políticos ou domésticos, estes espaços são transformados em “micro-ambientes de difusão global”. Quero dizer com isto que a conectividade técnica irá criar uma variedade de links com outras entidades locais similares, noutros bairros na mesma cidade, noutras cidades, em bairros e cidades noutros países. Uma
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Hilary Koob-Sassen. Video stills de "The Paraculture," produzidos por ZKM (Alemanha, 2003-4)
comunidade de prática pode emergir criando múltiplas comunicações laterais e horizontais, colaborações, solidariedades, apoios. Isto pode permitir a entrada nas políticas sem-fronteiras de políticas locais ou agentes independentes. O que aqui descrevo pode ser representado através de vários e diferentes conteúdos, incluindo aqueles das novas geografias corporativas globais para o movimento de profissionais e capitais transnacionais. Em que é que isto vincula os arquitectos e os urbanistas? O papel da arquitectura e do desenho urbano centrado em tradições antigas de permanência estão irrevogavelmente destabilizados nas cidades complexas da actualidade – isto é, cidades marcadas pelas pelas redes digitais, aceleração, infra-estruturas massivas para a conectividade e crescente alienação. Os significados anteriores não desaparecem, continuam importantes. Mas não conseguem consagrar estes novos significados – a crescente importância das redes, interconexões, fluxos de energia, cartografias subjectivas. Os arquitectos precisam de confrontar o peso da experiência urbana, a presença esmagadora de imponentes arquitecturas e infraestruturas nas cidades de hoje, em simultâneo, com as múltiplas redes que atravessam as cidades, algumas translocais, outras globais, algumas visíveis e outras invisíveis. [texto escrito pela autora a partir do seu livro Contrageografias de la Globalization (Barcelona: Traficantes de Suenos 2003)] *socióloga, professora na University of Chicago, professora convidada na London School of Economics
transportes the singapore way joanne teh *
Sem um território interior ou quaisquer recursos naturais, Singapura, graças ao planeamento territorial, passou de um estatuto de subdesenvolvida para desenvolvida em apenas 35 anos. Em Singapura até o caos é planeado 1 escreveu Rem Koolhaas em S,M,L,XL.
pacidade das infra-estruturas de transporte da ilha são optimizadas. As políticas de transporte vão ao encontro de um sistema de alta eficiência por forma a reduzir a necessidade de a população viajar por vias congestionadas. O actual MRT liga os centros mais povoados norte-sul, este-oeste e norte-este, enquanto que o LRT serve o núcleo interior da cidade e as necessidades de transporte localizadas dos habitantes dos principais focos residenciais. Através da integração das duas redes, viajar de comboio tornou-se um meio de transporte apelativo para quem tem que entrar e sair da cidade diariamente.
Singapura, recentemente atirada para a cena global pela forma transparente como lidou com a crise de SARS (pneumonia atípica), orgulha-se de possuir um dos melhores sistemas de transportes do mundo. Plataforma entre o Ocidente, o Oriente e a Austrália, Singapura é uma vibrante cidade-estado global e dinâmica com uma área total de 660 quilómetros quadrados e uma população de 4.1 milhões de pessoas. Com uma das mais altas densidades populacionais no mundo, enfrentou o desafio de construir um sistema de transportes públicos eficiente e abrangente que respondesse às necessidades dos seus habitantes. Neste texto foca-se a fusão do sistema de transportes com a paisagem urbana de Singapura e o estilo de vida dos seus residentes. Singapura implementou diversas estratégias para pôr em prática um sistema de transportes terrestres mais eficiente e menos poluente. Actualmente existem duas redes de comboios em Singapura –as linhas Mass Rapid Transit (MRT) e o sistema Light Rapid Transit (LRT). Em complemento às Linhas MRT existe uma rede integrada de serviços de autocarros e um serviço de táxis, que constituem uma alternativa económica e eficiente a ter um automóvel. Singapura é conhecida pelos exorbitantes preços de automóveis, em que carros luxuosos como BMW´s e Mercedes Benz podem custar tanto como um apartamento T4! Os seus altos custos devemse à implementação de duras medidas para desencorajar a aquisição de automóveis e fomentar a utilização dos transportes públicos. Ao adoptar um sistema de planeamento de transportes único que inclui a melhoria dos transportes públicos, integrando as necessidades a nível de transporte no plano de utilização do solo, a ca-
Mass Rapid Transport (MRT) As estações MRT formam à partida o coração de uma cidade. A conectividade é extremamente importante para os habitantes de Singapura, já que muitos precisam de se deslocar de um extremo ao outro da cidade. O sistema MRT é uma forma económica e eficiente de responder a esta necessidade integrando os espaços urbanos com o sistema de transportes. Nas linhas Norte-Sul, Este-Oeste, existem sempre ligações cobertas entre os terminais de autocarros, Estações MRT e os edifícios de habitação. Percorrendo uma distância de 20 quilómetros, NEL (North East Line) é o primeiro comboio subterrâneo completamente automático do mundo, controlado por mais de 500 sistemas de computadores. O NEL atravessa um corredor muito povoado em zonas mais antigas tais como Hougang, Boon Keng e Clark Quay, onde tecnicamente a sua construção foi um grande desafio, devido à densidade de construção nestas áreas. Áreas como Little India e Chinatown, que fizeram em tempos parte do tecido antigo de Singapura, ganharam uma nova dinâmica graças à abertura do NEL. As estações ao longo do NEL também permitem aos investidores a flexibilidade de variar a mistura de usos comerciais, residenciais e recreativos de forma a responder às exigências de mercado integrando esses usos. Compass Heights que incorpora o Compass Point Mall na estação MRT é um exemplo de integração de projectos de habitação em ligações de transporte. Neste ponto, o NEL vai um passo à frente, em relação às linhas anteriores. Também digna de nota, a Circle Line CCL a completar até 2008, vai transformar as áreas de Bras Basah e Bugis num vibrante enclave de turistas e estudantes. Os planeadores de Singapura conseguiram, tacti[dezembro 2003] 34.35
camente, fundir os tecidos da cidade existente, que actuavam como contentores de história e veículos de valores comuns de sociedade e cultura, com um novo sistema de transportes de massas. Light Rapid Transport (LRT) No futuro, um sistema Light Rapid Transit (LRT) atravessará todas as áreas residenciais. Actualmente existem dois modelos de sistema LRT, chamados Bukit Panjang e Sengkang LRT. Em funcionamento desde 1999, o Bukit Panjang LRT liga as estações LRT, distanciadas 10 minutos a pé da casa de qualquer pessoa. A curto prazo, todo o serviço de autocarros será completamente substituído pelo LRT. O sistema LRT de Punggol (ainda em construção) foi planeado tendo em conta os novos edifícios de habitação colectiva, de modo a que a maioria dos residentes não tenha de caminhar mais do que 300 metros das estações LRT até suas casas. Infra-estruturas como escolas, discotecas, lugares de culto e bibliotecas serão agregadas e dispostas de forma a criar um espírito de comunidade entre os residentes. Planos futuros Singapura vive num constante fluxo de construção e reconstrução. De 10 em 10 anos, são elaborados planos conceptuais, que vão sendo actualizados segundo mudanças sociais, tecnológicas e culturais. O Concept Plan 2001 planeia novas linhas orbitais e radiais no futuro. As linhas radiais irão permitir a cada indivíduo viajar directamente para a zona central da cidade. Linhas Orbitais, por outro lado, permitirão a cada indivíduo deslocar-se mais depressa de um ponto a outro, fora da área central. Actualmente estão construídos 93 km de linhasférreas, estando planeado um aumento para 500km num futuro próximo. Singapura, vive um constante processo de construção e reconstrução. Em Singapura existe uma grande consciência da necessidade do planeamento a nível de usos do solo e de transportes. Tentando responder às diferentes necessidades de mobilidade dos habitantes, procura-se que todo o território esteja altamente ligado através de um sistema pioneiro de transportes. Se está a pensar visitar Singapura brevemente não se esqueça do seu cartão Ez-link! * designer industrial 1
tradução livre
Tanjong Pagar, Singapura
Sengkang LRT, Singapura
roam
(excerto do editorial de roam) Anthony Hoete *
Actualmente vivemos, trabalhamos e passeamo-nos (Roam) num mundo em movimento perpétuo. A mobilidade de pessoas, mercadorias, informação e serviços, confronta, permeia e satura a nossa existência quotidiana. A capacidade de re-localizar o que quer que seja, onde quer que seja, quando quer que seja, para quem quer que seja, sugere que a mobilidade constitui uma imagem da sociedade contemporânea. A mobilidade é, contudo, mais do que uma vista privilegiada. Tendo sofrido um grande impulso durante o século passado, actualmente a ampla difusão da mobilidade é tal que, em Roam, a contemporaneidade apenas é compreensível quando vista da condição da mobilidade. De forma a apreciar a sua difusão, terá que se revisitar o contexto onde nasceram os meios mecânicos de mobilidade. Depois da invenção da máquina-a-vapor no início do século XVIII, foram feitas várias tentativas para aplicar esta fonte de energia aos veículos viários de auto-propulsão. As técnicas de industrialização e seu refinamento foram exemplificadas por Henry Ford na linha de produção automóvel, duzentos anos mais tarde. A América, ao contrário da Europa, apresentava uma escassez de trabalho qualificado, adoptando então uma abordagem divergente em relação ao inovador potencial latente na máquina. As máquinas britânicas eram robustas, construídas para durar e para servir vários objectivos diferentes, enquanto que as máquinas americanas eram pequenas e projectadas para uma tarefa particular. A permuta entre as partes, com componentes de precisão montados por trabalhadores nãoqualificados tornou-se na quintessência da produção em massa. Detroit transformou-se em Motown, a primeira grande cidade «sobre rodas», onde todos os empregos estavam relacionados com a indústria automóvel. A produção em massa requeria consumo em massa.
what _building, set 2003
flyer, what architecture
Dentro da fábrica, o empregado era também o primeiro cliente/vendedor e esta política empresarial resultou numa aceleração das vendas. Os fabricantes americanos como Ford, General Motors, Chevrolet, Dodge e Chrysler floresceram numa altura em que os Estados Unidos controlavam 70% da produção automóvel mundial de 13.2 milhões de veículos em 1955 (apesar da emergência e presença dominante do Japão como uma potência tecnológica reduziu a fatia de mercado dos Estados Unidos para apenas 13% no ano 2000). Confrontadas com um excesso de produtos uniformes produzidos em massa, as fábricas foram forçadas a criar identidades únicas para o seu produto, de forma a competir pelo consumidor. A criação de marcas competitivas tornou-se uma necessidade da idade da mecânica móvel e assim a noção de sociedade de consumo evoluiu. never put your life into the hands of a battery
telematic jacket
Anúncios públicos em “brandspaces” e paineis electrónicos publicitários tais como “a companhia aérea favorita do mundo” são hoje um lugar comum. Na formulação do século vinte, a modernidade foi um fenómeno de mudança e continuidade simultânea. As suas teorias oferecem um rol interminável de reformulação e reinterpretação, dentro do qual “a contemporaneidade” pode ser vista como um “segundo modernismo”; um modernismo ligado à emergência das tecnologias de informação e telecomunicações. Actualmente o espaço mecanizado do modernismo – dos automóveis, comboios, aviões foi substituído pelo espaço electrónico, os bits e bytes, do modem-ismo. A mobilidade, no contexto contemporâneo, é um conceito complexo, ideologicamente ilusório, difícil de assentar. A mobilidade é um estado transitório, transformacional, reconfigurável e self-refreshing, continuadamente. A mobilidade é um espaço-evento, uma sequência de encontros e compromissos. A mobilidade é multi-dimensional no sentido que funciona temporalmente para além dos eixos x-y-z do espaço cartesiano. A mobilidade é polimórfica: as suas formas miríades incluem a mobilidade social, a automobilidade, mobilidade telefónica e ecoturismo, para mencionar uns quantos. A mobilidade incorpora as tecnologias da informação e as telecomunicações despoletando uma esquizofrenia espacial – actualmente pode-se estar em dois lugares ao mesmo tempo! A mobilidade é multi-escalar: enquanto conceito contém, simultaneamente, por exemplo, um mapa global do espaço aéreo, as escalas específicas do espaço arquitectónico e o mundo virtual das comunicações. A história da mobilidade é então a história da utilização do ferro fundido e do aço na arquitectura, a introdução do elevador, a electrificação dos caminhos-de-ferro, a introdução do automóvel como um meio de transporte privado, a difusão das viagens aéreas, a invenção do contentor frigorífico e, finalmente, da chamada revolução informática e telemática. A mobilidade é também multi-linear. Enquanto formada por deslocações de A a B, estas linhas constituem redes: de C a DE via KLM. Daí que a multi-dimensionalidade sugere uma matriz, ou uma disposição de coordenadas.
updating london
A medida da mobilidade é, actualmente, a medida através da qual avaliamos o nosso lugar na sociedade contemporânea. A mobilidade é um indicador de qualidade de vida, que se liga a um conceito mais amplo de teoria social. Roam é viajar por um espaço mais vasto. Roam reforça esta visão de mobilidade através de uma plataforma interdiscilplinar, incluindo arte, arquitectura, urbanismo, cinema e filosofia; a mobilidade como uma sequencia sectária que transgride as fronteiras da arquitectura, do estado e da cidade.
* arquitecto, autor de Roam, professor convidado na Universidade de Beirute, Líbano
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side view
Habitar nU espaรงo Filipe Costa *
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Terra. Órbita. Espaço. Já passou quase meio século desde que o pequeno Sputnik foi enviado para o espaço. Entretanto os programas espaciais soviéticos e americanos orbitaram a terra, alcançaram a lua e mantiveram humanos no espaço durante meses… ao útil juntou-se o agradável: à ambição e desejo de expansão espacial juntou-se a necessidade de descoberta de outros espaços habitáveis, devido ao crescente e contínuo excesso populacional. A questão urge… quando já não houver mais espaço na terra que fazemos? Vamos para a Lua? Marte? Ou para uma qualquer estação espacial ou organismo flutuante provido de acessos, estruturas e espaços públicos… em autênticas cidades-espaciais. Quando? consideração 01 a identidade Habitar um espaço pressupõe também a partilha de uma identidade, algo parecido com um sentimento de pertença a um lugar. Isto acontece na terra de um modo espontâneo: as pessoas habitam continentes, países, regiões, cidades, vilas e sítios. No entanto, determinados sítios despertam maiores níveis de identificação a um lugar devido a factores de várias ordens: sou português, sou americano, sou tripulante do Enterprise, sou colono de marte… provavelmente quem habita uma estação espacial acaba também por sentir… ser galáctico! consideração 02 habitar (l, habitãre) .v.tr. ocupar um determinado local, vivendo ou morando nele. consideração 03 a dialéctica espaço/tempo Como vimos, o acto de habitar UM espaço e a criação de uma identidade implicam tempo, e permanência. Habitar NO espaço significa antes de tudo habitar um meio estranho, um clima inabitável, um espaço claramente limitado no infinito... em suma, um meio inóspito. Em 1994, o físico russo Polyakov passou 438 dias na estação espacial MIR. Viver fora do habitat natural é uma mera questão de hábito? Que tipo de mecanismos mentais se activam ao habitar o espaço durante tanto tempo? consideração 04 as dimensões Fechado sobre si mesmo, o espaço em órbita é habitado em todas as suas dimensões devido à micro-gravidade. De facto, no abstracto, a gravidade “limita” o espaço terrestre a um chão, tecto e
quatro paredes, ao passo que em órbita tais noções desvanecem: tudo se reduz a seis planos. O homem é o centro e o resto um invólucro possível de ser organizado de diversos modos, abrindo novas perspectivas de organização arquitectónica. consideração 05 o apêndice vital “Tentar perceber o espaço é só parte da equação, perceber como o homem nele inserido muda e evolui é de igual importância” Bob Mc Donald No espaço, a nave ou estação espacial é muito mais que um invólucro ou pele protectora (como a “casa” no planeta terra), passando a ser uma extensão ou prolongamento do corpo sem o qual o homem não sobrevive. Assim, no espaço, o corpo passa a estar ligado a uma máquina. consideração 06 o corpo Uma das maiores mudanças na viagem espacial é sem dúvida a ausência do peso de gravidade. Sem gravidade não existe pressão sobre o esqueleto humano. Esta falta de pressão causa transformações por vezes irreversíveis no sistema cardiovascular, muscular, ósseo e também nervoso. Assim, o que acontece quando se vai para o espaço é que o nosso corpo, sabiamente se adapta ao meio. consideração 07 perspectivas A nova ISS (International Space Station) está em construção… e a NASA está a discutir a possibilidade de enviar astronautas para uma colónia lunar assim como para uma estadia de três anos em marte. Para mais informações, consultar www.nasa.org Em muitos aspectos, viver no espaço não deve ser muito diferente de viver na terra: viajantes espaciais em órbita comem, trabalham, praticam desporto, divertem-se, mantêm a higiene pessoal e dormem, por outro lado, também vimos que pode ser muito diferente. Em Abril de 2001 o empresário americano Dennis Tito pagou a quantia de 20 milhões de dólares para ter o privilégio de passar uma semana de férias no ISS: pensando bem, viver no espaço e passar férias no planeta terra também deve ser divertido. Viagem… Fazer as malas, entrar em órbita e tirar uma foto para se dizer que já lá esteve. Rápido, curto e directo: o corpo desloca-se mas será que habita realmente? * aluno do 6º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra
[1º acto]
WSW Walking (inside the) Shop-Window PMKJ (Patrícia Miguel, João Fôja) + Jorge Teixeira Dias *
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ficha técnica data do projecto: julho de 2003 data de construção: setembro de 2003 localização: 100%design, Londres promotor: projecto grotesque tenderness, Efeitos Primários mobiliário: mesa/mala or, João Mendes Ribeiro; bancos/mesas tosh, Eduardo Mota; candeeiros e14, Pedro Silva Dias, Ana Pimentel, Catarina Gaspar e Inês Marques; cadeira bacará, Pedro Silva Dias.
WSW_Walking (inside the) Shop-Window é uma espécie de reminiscência portátil de um primeiro pavilhão que desenhámos para o projecto grotesque tenderness. Mantivemos a montra-itinerário mas com um carácter transportável para evitar trabalhos demasiado complicados em Londres. Aproveitámos este conceito de transporte e fizemos com que a montra transportável pudesse ser ela própria forma de transportar. Esta ideia sugeriu-nos uma outra: 'seria bom se a montra mesmo depois de montada pudesse armazenar algum material' (coisas que se queriam escondidas e para as quais a 100%design não previa qualquer tipo espaço).
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(des)montagem do WSW (des)montagem do mobiliàrio
[dezembro 2003] 40.41
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12 caixas colocadas no chão formam 3 plataformas inclinadas para expor 3 tipos de produtos diferentes. As caixas foram fabricadas em Portugal e todos os objectos para a exposição foram transportados no seu interior. Para facilitar e reduzir custos de transporte, as caixas podem associar-se em quatro volumes rectangulares com a mesma dimensão (cuja base não excede as medidas de uma palete para carga). Como tinham de ser leves e simultaneamente resistentes as caixas/caixotes foram construídas em painéis OSB de 22mm. A disposição das caixas no stand cria um percurso real e imaginário. A plataforma mais elevada torna exígua e limítrofe a zona para os candeeiros suspensos E14. A sequência de declives e degraus gera uma espécie de pavimento que pode ser simultaneamente chão, banco, tampo, mesa, prateleira ou superfície ambígua. * arquitectos, licenciados pelo Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra
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[prova final] GPS Ana Blanco*
Num livro do Bruce Chatwin (Bruce Chatwin, Canto nómada), é contada a história dos trilhos de canto dos aborígenes australianos. Para estes o mundo tem de ser constantemente actualizado pelo acto do canto. No lugar de disporem de representações gráficas do território, o que significaria que este teria existência à priori, é o canto que faz o mundo. Para percorrer o território há primeiro que cantar a linha que se percorre. Ou seja, é a enunciação da realidade que a produz, são o canto e a palavra que lhe dão existência. O GPS é a invenção de um referencial externo ao solo que, inicialmente garantia a precisão dos alvos de mísseis. É uma construção cujo fim é o da total objectividade dentro do universo que, é inscrito na sua constelação de vinte e quatro satélites. Corresponde ao sistema de triangulação da superfície terrestre que não é mais auto-referente, pelo posicionamento relativo dos objectos discretos ou dos pontos entre si, como no primeiro, mas que reporta a um referencial externo, omnipresente e construído. Os pontos deixam de existir numa dada posição e passam a exigir posicionamento instantâneo, resultado de cada medição. O desalinhamento dos dois espaços, o físico, corporalmente experimentado, e o mapificado, apontam para a perversão dessa objectividade pretendida, no sentido em que, pela falta de referenciais, ou pela multiplicação desses mesmos referenciais que deixam de ser absolutos ou objectivos e marcam uma localização de um ponto em diferentes pontos, se recorre a um sistema exterior ao da posição. Onde uma posição é estabelecida por puro reflexo numa “frente-orbital” e a tempo real. Onde a imagem se confunde com o objecto e a pergunta evidente é: onde estou, no terreno ou no ecrã? Está-se num lugar traduzido em imagem ou numa imagem na qual o lugar se torna. Ou seja, em que pixel estou?, no momento em que o mapa substitui o lugar e o único referencial possível é completamente externo, invisível e abstracto. Os referentes do posicionamento não são mais as marcas, ou os territórios, ou os signos, mas números e pixéis iluminados num ecrã, numa ilusão de pura transparência. O GPS marca a posição num mundo privado de superfície pela criação de uma outra superfície, a do ecrã. O anúncio da impossibilidade de qualquer pessoa ou veículo se perderem é logrado por o sistema ser mais uma desmultiplicação do real agora transformado em imagem. E quando deixa de haver superfície? E quando a superfície, do modo como é apresentada no filme Solaris de Andréi Tarkovsky, se apresenta fluída e se desdobra em diferentes níveis e dimensões, e cada uma delas se desmultiplica em muitas? Como estabelecer as coordenadas de um ponto, saber onde se está, o que fazer e com quê? Como saber em que ponto da massa da janela de Delft, que nodo de qual rede? Já agora, a posição de quem? Perante a complexidade do real, sua fragmentação e a falta de objectividade seria necessário um GPS impossível: um GPS por cotas,
se se considerar o real passível de ser explodido por camadas, ou melhor, por planos de consistência, por planos de discurso resultado da enunciação individual. Assim o GPS é uma invenção por defeito, por tornar superficial o que é complexo e por, numa tentativa de localização, não fazer mais do que acrescentar mais um plano de desorientação: o do ecrã sem escala. Ao GPS corresponde uma localização abstracta e desligada de toda e qualquer experiência perceptível: o lugar do número. A um velejador que atravesse o Atlântico pede-se que acredite na posição marcada pelo GPS, no cálculo e no mapa de representação gráfica e discreta do fundo, dos ventos e das correntes. É-lhe pedido que faça o seu trajecto na pura abstracção, unicamente orientado por marcas que não pode ver nem experimentar. Que aja de acordo com os dados com que é racionalmente deparado, que se dissolva com o meio de dados em que se encontra e incorpore um corpo psicasténico. “Definida como uma perturbação da relação do self com o território envolvente, a psicastenia é um estado no qual o espaço definido pelas coordenadas do próprio corpo do organismo é confundido com o espaço representado. Incapaz de demarcar os limites do próprio corpo, perdido na imensa área que o circunscreve, o organismo psicasténico prossegue o abandono da sua própria identidade para incluir o espaço excedente. Fá-lo para se camuflar no meio. Esta simulação resulta numa dupla usurpação: enquanto que o organismo reproduz com sucesso os elementos que não conseguiria de outro modo compreender, é, durante o processo, devorado por eles, desaparecendo enquanto identidade diferenciada”. (Celeste Olalquiaga, megalopolis: contemporary cultural sensibilities, 1992) É-lhe pedido que se inscreva nesse universo racionalizado no qual perdeu todas as referências próprias, referências com o próprio corpo, o único que é capaz de entender como limite próprio mas que se encontra inegavelmente fora do domínio da localização. Retomando Virilio, acerca da modernidade, “é unicamente a precariedade da sua situação no seio do sistema que o liga a ele, dado que, para o homem nu, a assistência tornou-se na sobrevivência, a não-assistência uma condenação à morte”. (Paul Virilio, L’insécurité du territoire, 1993) É o homem colocado no referencial idealmente objectivo de um sistema de coordenadas. No entanto, ao ponto não corresponde um lugar, nem o sistema é objectivo: são discurso. “Uma marca no território é algo que acrescenta à envolvente relativa, que é usada como o propósito de reconhecimento, orientação ou ajustamento comportamental na navegação, é subjectivamente escolhida, é uma função da escala geográfica e não seria uma marca caso não fosse vista como tal. ...É como se as marcas no território, os lugares e outras entidades geográficas não fossem definidas nem em espaço absoluto nem numa crença, mas em espaço relacional, onde a identidade do objecto é uma função do conjunto das relações contextuais com outros objectos”. (Helen Couclelis, People manipulate objects (but cultivate fields): beyond raster-vector debate in GIS, 1992) Ao valor do acto enquanto elemento produtivo e de progresso na modernidade, num plano racionalizado e exterior ao sujeito, sobrepõe-se a necessidade de mapa, o acto de localização, de experiência da posição do corpo como geradora da realidade em que se inscreve. Sendo o mapa o predecessor do território (Jean Baudrillard, Simulacros e simulação, 1991), o discurso o gerador do mapa, nem que seja o discurso de poder (Michel Foucault; Microfísica do poder, 1979), é através da marca discursiva que o corpo ganha lugar. Não o do discurso único, mas o dos múltiplos discursos fragmentados, contextualizados e recontextualizados na sucessão dos momentos, o discurso dependente do ponto de vista que se constrói sobre a realidade. O projecto, enquanto projecção de um discurso, mesmo o de arquitectura, entendido como mapa. *arquitecta, licenciada pelo Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra, excertos da prova final de licenciatura “openendedness: trajectos na Holanda”, orientada pelo Arq. Paulo Providência. [dezembro 2003] 42.43
* via_nada é um projecto em que participam Edgar Santinhos, Inês Sénica, Rita Cachão e Tânia da Fonte alunos da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa
[dezembro 2003] 44.45
Cheese-Ham Files #15 From: silviabenedito@ * Subject: Mobil Ave. e a transversalidade A primeira imagem de Matrix é particularmente significativa pela representação cinematográfica de um espaço híbrido, um mundo transversal entre o Matrix e a cidade dos Homens, Zion. Se começarmos a construir um sistema de significados começamos a identificar relações semânticas entre eles, residentes num contexto que se pode identificar por transglobal. Este é um conceito que deriva do discurso acerca da globalização, da condição pós-industrial, e super-moderna, ou seja o pós do pós-moderno da cidade contemporânea. A cena na Mobil Ave., numa estação de comboios, é altamente reveladora da condição urbana contemporânea pela neutralidade do seu ambiente quase clínico, carregada de um potencial altamente simbólico, espaço de fluxos onde culturas/pessoas transitam e socializam, numa mistura, entre o que Paul Virilio chama, viver e deslocar simultaneamente. A Mobil Ave. é um cenario “infraestrutural” que suporta o encontro de duas entidades: o herói da cultura mainstream e uma casal de indianos, minoria identificada com o que o antropólogo Appadurai chama de “cyberproletarians”. Estes são os novos proletários que exercem funções desde Outsourcing centers de Bombaim para o resto do mundo e que supõem que o acento americano facilita a integração no corporation-system da economia global. Se as teorias pós-modernas reconheciam a identificação de distintos fenómenos e identidades, o transnacionalismo vai um pouco mais longe tornando esta condição fragmentada em método de intervenção. As meta-narrativas do pós-moderno, através das quais a cidade estaria a desaparecer por aparente desintegração, estão a dar lugar a conceitos de reciclagem ou de intervenção estratégica. É um assumir da colagem, ubiquidade, colisão e ambiguidade como instrumentos e pontos de mais valia a serem explorados. É na contradição entre o estar em movimento versus o permanecer que convém obter um novo vocabulário e estratégias. A questão da globalização, que está a ser discutida há mais de 10 anos, é sobretudo referenciada como um processo cujo espaço (virtual) é mais importante que o local (físico), minimizando por isso a dimensão cultural e social. Porém, autores como Michael Smith ou Tomlinson trazem à questão a dimensão territorial que de facto possibilita a integração da noção de local e a “localização” do fenómeno da globalização nos espaços de fluxo, que neste contexto são sobretudo os espaços públicos onde diversas identidades coexistem. A cultura é pois translocal, produz localidades e plataformas para desenvolvimento de identidades. Esta referência faz dos sistemas de circulação e infrastruturas da cidade
objectos de estudo e desenvolvimento de novos espaços públicos. Vou assinalar alguns projectos que, pela sua singularidade, são bem comparáveis ao universo da Mobile Ave. e que acredito que se poderão tornar e m b l e m á t i c o s n a c a r t o g ra f i a d a c i d a d e contemporânea. O exemplo mais próximo reside em Barcelona e nos efeitos da política de espaços públicos desenvolvida na pré-Olimpíada. Hoje uma nova vaga de projectos de remodelação de infraestruturas na zona sudoeste da cidade, tais como o projecto do Parque Litoral pelos FOA, está a dar origem a uma onda de projectos carismáticos na categoria do espaço público plurifuncional. Pelos mesmos arquitectos, o terminal de Yokohama tem a capacidade de transformar um espaço híbrido, entre o chegar e partir, numa experiência completamente plástica e sensual, invadida por lojas que tanto servem café ou chá como vendem a “Wallpaper” ou o jornal local, uma experiência única na percepção de um gigantesco pedaço de infraestrutura como uma confortável e magnífica sala de espera. Os projectos do arquitecto paisagista Adriaan Geuze, do gabinete West 8, constituem dos mais representativos numa série de projectos públicos cujo factor perceptual é tomado em conta para decisões formais/materiais, de forma a conferir imagem e referência aos habitantes e cujos meios de comunicação e infraestrutura são integrados como premissa projectual. Por último, o projecto (ainda não construído) de H&M para Santa Cruz, em Tenerife, cuja expressão física da montanha, que domima a ilha, é tomada como referência perceptual para a configuração de uma plataforma horizontal de basalto, à semelhança da sua “textura” rochosa. No novo link urbano, simultaneamente espaço público e infraestrutura, coexistem carros, barcos e pessoas, cuja materialidade constitui um palco para múltliplas expressões. O transurbanismo é a teoria que relaciona directamente a globalização com o espaço urbano, com a cidade. Acredito que estes projectos materializam uma nova consciência acerca da importância que os espaços de “transição” ocupam na cidade como potenciais palcos de multiculturas e múltiplos usos. São projectos como estes que, através de crescente exploração formal, material e sobreposição de meios de comunicação/infraestrutura, permitem que os “espaços” de fluxos e mobilidades, que Marcel Smets denomina “a última geração de espaços públicos”, sejam colonizados por novas identidades da cultura pluricultural. Ao invertermos a sua qualidade de não-espaço, pela transversalidade a outros usos, materiais e referências formais, à qualidade de nómada, é associada a possibilidade de apropriação, reconhecimento e conforto, muito para além da chapa brilhante das aeronaves e da suavidade asséptica do seu interior... * arquitecta, aluna de pós-graduação em Columbia University
[dezembro 2003] 46.47
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Beatriz Colomina Em 1982, após ter estagiado e trabalhado enquanto arquitecta em Valência e Barcelona, onde também ensinou, Beatriz Colomina mudou-se para os Estados Unidos onde começou por leccionar na Universidade de Columbia. Em 1988 transferiu-se para a Universidade de Princeton onde lidera o programa de doutoramento e é directora do programa de Media e Modernidade. É autora de Privacy and Publicity: Modern Architecture as Mass Media [1994], Sexuality and Space [1992] e Architectureproduction [1988].
Escolha e relacione-se com: uma cidade... Nova Iorque um projecto arquitectónico... Powers of Ten, Charles and Ray Eames um artista... Dan Graham um livro... On the Road, Jack Kerouac um filme... Lost inTtranslation, Sofia Coppola uma experiência... 11 de Setembro, na cobertura do meu edifício, a 200 metros das torres uma influência... Walter Benjamin um objecto do dia-a-dia... sapatos um vício... viajar uma palavra... media um futuro... mulheres na arquitectura
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DIRECTOR Bruno Gil EDITOR Inês Dantas REDACÇÃO A. Joana Couceiro, Ana Fonseca, António Correia, Carina Silva, Carolina Santos, Daniel Beirão, Inês Dantas, Joana Alves, João Crisóstomo, Mário Carvalhal, Pedro Baía, Rui Aristides, Vera Pinto COLABORADORES Ana Blanco, Anthony Hoete, Bart Melort, Beatriz Colomina, Edgar Santinhos, Filipa Magalhães, Filipe Costa, Inês Sénica, Joanne Teh, João Fôja, Jorge Teixeira Dias, Lucas Simões, Manuel Graça Dias, Marta Pedro, MVRDV, Patrícia Miguel, Renato Fregnani, Rita Cachão, Saskia Sassen, Silvia Benedito, Stefano Boeri, Tânia da Fonte TRADUÇÃO Inês Dantas, Marta Pedro GRAFISMO António Correia, Bruno Gil, Eduardo Nascimento, Inês Dantas EDIÇÃO GRÁFICA António Correia, Eduardo Nascimento DISTRIBUIÇÃO XM IMPRESSÃO Imprensa de Coimbra, Limitada TIRAGEM 500 exemplares DEPÓSITO LEGAL 178647/02 ISSN 1645-3891 PROPRIEDADE NUDA/AAC – Núcleo de Estudantes de Arquitectura CONTACTOS NU . Departamento de Arquitectura . Faculdade de Ciências e Tecnologia . Universidade de Coimbra . Colégio das Artes – Largo D. Dinis . 3000 Coimbra . tel [ darq ]: 239 851 350 . fax [ darq ]: 239 829 220 . e-mail: revista_nu@hotmail.com
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p3 diller + scofidio . p 4_5 air routes of the world 2001 . p 8_9 r. wall / rotterdam institute of architecture . p 10_13 boeri studio . p 14_15 filipa magalhães . p 16 lucas simões + renato fregnani . p 20_21 mvrdv . p 22, 25_26 mésarchitecture . p 24 carina silva . p 28_29 a. joana couceiro . p 32_33 hilary koob-sassen . p 34_35 joanne teh . p 35 metro singapura, p 36_37 anthony hoete [www.whatarchitecture.com] . p 38_39 filipe costa . p 44_45 via_nada . p 47 gonçalo azevedo