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tempo # 08 [ fevereiro 2003 ]

€ 2.5


[ índice ] [ editorial ] um título longo porque o tempo...

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Pedro Jordão

práticas quotidianas aceleradas, ou onde vive kazuyo sejima?

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Inês Moreira + Yuji Yoshimura

a.s* - atelier de santos

p08

A. Joana Couceiro + Pedro Baía

transitoriedade e apolítica

p16

Gonçalo Furtado

arquitecturas mutantes

p18

Gonçalo Antunes de Azevedo

o início

p22

Joana Gouveia Alves

a duração do espaço, ou a dança segundo gonçalo m. tavares

p24

Pedro Jordão

[ 1º acto ] casa em aldeia nova

p26

Nelson Mota + Susana Constantino

[ prova final ] software: a condição natural da cidade

p30

Ana Abrantes

[ contaminações ] pina bausch danças ocultas

p32

Mário Carvalhal

[ cheese-ham files ] #8

p34

Vasco Pinto

[ ? ] hans ibelings

p35

[ ficha técnica ] DIRECTOR Pedro Jordão REDACÇÃO A. Joana Couceiro, Bruno Gil, Carina Silva, Carlos Guimarães, Carolina Ferreira, Carolina Santos, Inês Dantas, José Brites, Mário Carvalhal, Pedro Baía, Pedro Canotilho, Rui Aristides, Vera Pinto COLABORADORES Ana Abrantes, Célia Gomes, Gonçalo Antunes de Azevedo, Gonçalo Furtado, Hans Ibelings, Inês Moreira, Joana Gouveia Alves, Nelson Mota, Pedro Machado Costa, Susana Constantino, Vasco Pinto GRAFISMO A. Joana Couceiro, Bruno Gil, Eduardo Nascimento, Pedro Jordão EDIÇÃO GRÁFICA Eduardo Nascimento DISTRIBUIÇÃO XM IMPRESSÃO Imprensa de Coimbra, Limitada 1645-3891 DEPÓSITO LEGAL 178647/02

TIRAGEM 400 exemplares

ISSN

PROPRIEDADE NUDA/AAC Núcleo de Estudantes de Arquitectura CONTACTOS NU . Departamento de Arquitectura . Faculdade de Ciências e Tecnologia . Universidade de Coimbra . Colégio das Artes Largo D. Dinis . 3000 Coimbra . tel [ darq ]: 239 851 350 . fax [ darq ]: 239 829 220 . e-mail: revista_nu@hotmail.com nu [fevereiro 2002]


[ editorial ] Pedro Jordão *

um título longo porque o tempo também se demora nestas palavras, é também aqui que nos consome, no papel e nas mãos o tempo marca-

nos, uma cicatriz de cada vez, mas tudo bem, eu gosto do que corrói, do que escava a superfície lentamente, com dor, para que se perceba que o que era já não é gosto do que é instável, da pele que se modifica, se enruga não é nos tecidos imaculados que se descobre a verdade, quanto muito uma forma superficial de beleza, porque tudo o que é liso é temporário, tudo se submete ao tempo, provavelmente o único valor absoluto, mas o tempo é demasiado vago, demasiado vasto? não sei realmente a que me refiro, se a movimento memória fragmentação duração efemeridade mutação repetição transição simultaneidade velocidade a tudo, presumo, o que não ajuda, ainda falta muito, mas não há tempo, não há tempo suficiente para escrever sobre o tempo, não pode nunca haver um corpo de texto fechado, não pode haver pontos finais nem maiúsculas, apenas os pedaços, as reticências, algumas interrogações, tudo o resto é ingenuidade ou presunção tudo o resto não serve, está a mais, ultrapassou o tempo que lhe era permitido, game over, no more credits, bem podes meter mais uma moeda, mas não vai adiantar, o passado morreu no próximo segundo, foi assim, imediato, repentino, fim? ainda não ainda que haja quem reafirme que o passado morreu, porque consta que vivemos numa época de reciclagem em que tudo é recuperado para ser reutilizado, reinventado anula-se o passado para o incorporar no presente, mas claro, há também quem diga que é o futuro que se extingue neste preciso momento, devorado por um presente insaciável que absorve o futuro antes deste acontecer, mas tudo é relativo, não é? é a ciência quem o diz, que não existem pontos fixos no universo, tudo está em movimento permanente, pelo que não existem absolutos, apenas pontos de vista, tudo é relativo, também o tempo o tempo dura-nos de modo diferente, bem sabemos, o tempo até pode bem parar, mas deixemo-nos de conjecturas, neguemos tudo, não nos esqueçamos do papel da negação no conceito de tempo, que tempo também é mudança, perpetuada pela rejeição constante da norma, pela recusa de um ponto de chegada, não existem pontos fixos, já se disse, há sempre um ponto em que é necessário derrubar, destruir, é de lei o futuro é sempre uma ruína, como a arquitectura, que está cheia de ruínas, mas a arquitectura é lenta, a inércia da arquitectura é enorme, o tempo parece adormecer nas suas paredes, ainda assim demasiado rápido para respondermos a todas as perguntas obrigatórias, pelo que vamos tentando, e se pudéssemos, ao menos, atrasar o tempo como se pára um relógio, mas não, o tempo continua a existir no ritmo irritante dos segundos que se perseguem, não que faça alguma diferença, porque o tempo desfaz todas as certezas e * aluno do 6º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra

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PrĂĄticas Quotidianas Aceleradas,

ou onde vive Kazuyo Sejima?

InĂŞs Moreira + Yuji Yoshimura *

nu [fevereiro 2002]


Hipótese: O projecto de Toyo Ito Nomad Women Housing for Tokio propõe, e simultaneamente problematiza, um novo entendimento de tempo e de práticas quotidianas no Japão. É bastante conhecido: um sistema efémero, portátil, flexível, modular destinado a uma cosmopolita mulher solteira que vive em Tokio. Um terço dos agregados familiares de Tokio são indivíduos sós. O modelo nas fotografias é a arquitecta Kazuyo Sejima, então colaboradora de Toyo Ito. Em sua casa não necessita de frigorífico, máquina de lavar nem sala de estar; todos estes serviços são providenciados por instalações públicas em espaços públicos. Seguindo este processo, começou um círculo fechado, em que os espaços públicos são apropriados e se tornam interiorizados e os espaços privados são reduzidos ao mínimo. A dinâmica acelerada da vida quotidiana mudou as estruturas de sociabilidade e as relações público/privado e criou uma disrupção entre as rotinas hierárquicas e as estruturas de tempo. Extrapolando esta realidade, toda a cidade de Tokio tende a tornar-se num grande e g en érico h o t e l su pe r pla n o. A superplaneidade1 é um mundo sem dimensões transcendentais, no qual a estrutura social piramidal falhou em favor de modelos horizontais e onde as rotinas da vida quotidiana caem numa situação de indiferença2. É impossível pensar sobre tempo e quotidianos acelerados no Japão sem considerar os principais programas que hoje o estruturam. Tendo uma casa tão pequena, onde é que Kazuyo Sejima realmente vive? O Japão tem um conhecido programa de superfuncionalismo capitalista alargado a (quase) todos os campos da sociedade (economia, política, produção, educação, construção, entretenimento). O indivíduo é visto como um potencial consumidor e a sua individualidade é lida pela/através da sua

relação com objectos e bens de consumo. A apropriação de bens produzidos em massa define a individualidade e a identidade. Isto pode ser entendido como um modelo de distopia tecnológica. Tanto a ilusão de liberdade de escolha como o forte poder económico escondem uma total submersão num duro sistema hiper-tecno-capitalista que se alimenta deste modo de suave liberdade. Existe um paradoxo de fundo: quanto mais submersos na homogeneidade e no genérico, e quanto mais fetichizados são os objectos, mais carismática e visível de torna uma identidade própria. Mesmo o tempo é um importante subproduto da mercantilização generalizada. Neste contexto, combinando consumo e tempo, as redes de konbini (loja de conveniência em japonês) são uma infraestructura de importância crescente. Konbini é uma loja multifuncional que apoia os novos estilos de vida quotidiana. Está direccionada para hábitos de consumo japoneses tradicionais: não armazenar mas comprar todos os dias. As redes substituíram praticamente todo o comércio tradicional e os grandes centros comerciais. Os seus principais clientes são indivíduos sem estruturas familiares nucleares e estudantes com dinâmicas nomádicas after-hours. Os konbini vendem-lhes tanto os produtos como o tempo de que necessitam. Através das tecnologias de informação os konbini introduziram uma mudança nos ciclos de consumo: a passagem do modelo de consumo de massas taylorista e totalitário, para um modo de consumo direccionado para o indivíduo, garantido por uma rede de POS (points of sale information). Este sistema baseia-se na colecta e registo de informação individual dos movimentos, compras e pedidos de cada consumidor de modo a especificar horários e necessidades de clientes tipo. Atento às necessidades específicas, o POS contribui para adaptar progressivamente cada loja à sua vizinhança, fidelizando clientes.

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Os konbini estendem-se para além da própria loja, podendo ser entendidos como um interface físico interactivo: terminal de compras e vendas virtuais, terminal de serviços públicos, ATM, cybercafé, centro de downloads. Simultaneamente, é um novo espaço de sociabilidade. É um dos espaços em que a inversão interior/exterior do espaço público acontece: funciona como uma íntima sala de estar, um lugar de encontro, e ao mesmo tempo um lugar de deriva onde um novo tipo de flânerie encerrada acontece. Konbini é um paradigma do Japão superplanohiper-capitalista. Referindo-se ao seu projecto de mediateca, Toyo Ito disse: quanto a Sendai, pretendo uma loja de conveneiência da cultura3. Ito pretende produzir arquitectura como konbini. Neste sentido, os conceitos de arquitectura são completamente diferentes, não se relacionam com significado, volume, escala nem com as relações público/privado ou interior/exterior. O que Ito pretende é uma loja de conveniência que organize todas as suas partes como uma loja, e que possa racional e homogeneamente atingir a secura ou a funcionalidade que os arquitectos tentam procuram faz tempo 4 . Estes são tempos e declarações Supermodernos. Tal como o modernismo usou o taylorismo como metáfora funcionalista para os seus espaços, com o konbini pode estar a trasladarse um outro modelo da economia para a sociedade contemporânea. Soluções não-arquitectónicas para espaços ditadas pela gestão e pelo mercado são referência para novas arquitecturas. Mas, enquanto que o conceito de superplaneidade se refere criticamente à sociedade, parece-nos que o conceito de konbini é usado como metáfora acrítica para discursos e práticas arquitectónicas. O que deve ser sublinhado é que o konbini é provavelmente o exemplo mais expressivo da superplaneidade japonesa. E, uma vez mais, a superplaneidade foi um forte conceito crítico dirigido à sociedade japonesa. É perigoso ser seduzido,

especialmente por um conceito tão insidioso: ao mesmo tempo que propõe ferramentas para a hiper-organização de tempo e de espaço, e que contém qualidades de um modelo de sociabilidade, é um forte instrumento para manter a alienação e a presentificação de estruturas recentemente impostas. (E arriscaríamos dizer que é revelador que Ito tenha usado uma sua colaboradora mulher para ilustrar este projecto). Após 17 anos, a casa nomádica é ainda contemporânea. A casa, ainda que fluída está fisicamente dispersa por Tokio e complentada por diferentes espaços fragmentados é rígida, apenas funciona, e perpetua, um presente cristalizado. É uma compacta cápsula do tempo do hipercapitalismo. A casa (house) não necessita ser conectada ao passado nem a uma ideia de lar (home). Ela chega mesmo a negar-se agressivamente. E sendo estritamente planeada para/por indivíduos, não permite ser moldada, não projecta, nem se projecta, (n)um futuro diferente. Diríamos que esta casa ilustra um impasse geral. Das macro às micro estruturas sociais e espaciais, o projecto está preso no presente. E, mais do que em diferentes espaços, é neste único layer de tempo onde (e quando) Kazuyo Sejima ainda vive. Sayonara!

*arquitectos e estudantes no Mestrado Metropolis, Universidad Politécnica de Catalunya, Barcelona

1. Superplaneidade é uma tradução livre do termo inglês Superflatness 2. Taro Igarashi, Arquitectura Superplana y Subcultura Japonesa in Pasajes Especial Japon nº 29 3. Taro Igarashi, 21st Architecture, Superflat Interview (entrevista a Toyo Ito) in Bijutsu Techo, Vol. 52, nº 784 4. Toyo Ito + Issei Sakamoto + Kazuo Shinohara, Architectural Discussions in the Edge of our Century

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à conversa no a.s* - atelier de santos A. Joana Couceiro + Pedro Baía ** a.s* (asterisco) parece provocador... O nome é forte, enigmático e comunica. No último andar de um edifício pombalino, *Célia Gomes e Pedro Machado Costa. Juntos desmontaram a entrevista e fizeram uma conversa. Como fazem com a arquitectura para a perceber melhor. O discurso, na 2ª pessoa. O discurso, reflexivo; o tactear de quem está ainda no início. A vontade de uma arquitectura nova, expressiva, comunicante. Sente-se a carga imagética e alguns riscos associados: às vezes, confundem-se os instrumentos com a maneira de pensar arquitectura. O discurso desvia-se da escola por onde passaram. Tem a sua matriz num cruzar de experiências, no confronto de duas maneiras de fazer arquitectura. Discurso contaminado... algures entre o racionalismo holandês e os poetas portugueses... Destas duas realidades, um afastamento crítico. Questionam premissas. Querem saltar limitações; porque enquanto que a Ciência tem microscópios e computadores incríveis, nós ainda andamos a construir em tijolo e cimento.

Num concurso para Vila do Conde, um Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental que iria acolher visitas de crianças, desafiam também. O pavimento e as paredes surgem em lousa. A criança é convidada a riscar com um pau de giz as paredes e o chão... mas sempre a proibiram... O projecto ficou em segundo lugar; talvez as pessoas não devam ser ensinadas a envolver-se. Talvez não devam aprender a participar e a pensar o espaço que as rodeia.

Em tijolo e cimento, a Casa do Tractor. Sem luxos, austera, feia. Não rebocado nem pintado, o edifício procura cumprir a função de abrigar as máquinas agrícolas com toda a ironia subjacente e a ginástica projectual possível para que algo de novo surja, apesar de tudo. E apesar de tudo, uma presença forte no terreno. Fachadas vibrantes, contrastes de luz no interior e o romântico recordar de celeiros antigos. Conscientes da condição portuguesa, o desafio de jogar segundo as regras, para só depois provocar.

da arquitectura portuguesa. Projecto da Fundação Serralves, comissariado por Pedro Gadanho e Luís Tavares Pereira, o ciclo de exposições Influx apresenta uma geração com novas abordagens, pressupostos e conteúdos. Geração que já pôde viver a experiência Erasmus, a partilha e a troca de linguagens, o desvio da escola, essa vontade de um diálogo global, geograficamente difuso, de que falava Jorge Figueira.

No projecto das Residências Universitárias das Laranjeiras, nos Açores, a repetição do módulo quarto estrutura o edifício. Regra. O corredor de acesso aos quartos provoca. Quando a parede divisória entre o quarto e o corredor é de vidro; quando a tensão e a promiscuidade são de tal modo violentas que obrigam o utente a intervir no seu espaço: just do it. Ético (?), gráfico (?), mediático (?), pouco interessa. Interessa a vontade de despertar, de provocar reacções. nu [fevereiro 2002]

Na exposição Post.rotterdam: Architecture and City After the Tabula Rasa, também o apelo à vontade de se descobrir arquitectura. Desmontam aquilo que seria uma exposição. Quando levam o visitante a procurar a identidade dos trabalhos dispersos, quando o levam a seleccionar a informação, a reflectir; quando respondem ao visitante com novas questões... Fazem parte do grupo de jovens arquitectos Influx; no Silo do Norte Shopping expõe-se a nova face

Lembram-se de como tudo começou; há tão pouco tempo, ainda. Lembram-se da ingenuidade, da inconsciência; lembram-se da sorte também... Estivemos na FAUP até ao 4º ano, depois saímos no 5º, o ano do estágio. Fui para a Holanda e o Pedro para Macau; o Pedro estagiou com o Manuel Vicente e eu num atelier, o Holy, em Haia, que fazia essencialmente habitação social e que neste momento já nem existe. Entretanto, o Pedro foi para a Holanda ter comigo e terminámos lá o curso. Estivemos em Delft. Depois acabámos por regressar, mas tudo um pouco inconscientemente. Tanto


podia ter ficado, como voltado. Surgiu depois uma possibilidade de participar num concurso com o Manuel Vicente aqui para Lisboa. Fui ficando... O Pedro foi trabalhar com o Graça Dias e também foi ficando, mas sempre com aquela perspectiva 'vamos sair'. Depois começámos a fazer concursos... à noite. Alugámos um espaço e começámos a trabalhar para esses concursos, também sempre de uma forma muito inconsciente, 'não vamos ganhar nada, vamo-nos divertir um bocado', e ganhámos. Foi o problema... Problema porque tivemos de montar atelier e fazer a Biblioteca da Universidade dos Açores, que está a ser agora construída. Depois fizemos mais um concurso para a Universidade dos Açores, uma Residência, e pensámos 'bem, este é que não vamos ganhar!...' Fizemos tudo de uma maneira muito descontraída. Até percebo que alguns ateliers abordem os concursos se calhar nós agora também de uma forma muito séria, tentando mostrar aquilo que o cliente à partida quer ter, mas nós não fizemos nada disso!... 'Vamo-nos divertir, vamos fazer

mais um concurso', e ganhámos! Não estávamos mesmo nada à espera... Depois, a partir daí, foi montar atelier, em 98, e começar a desenvolver os projectos... A partir daí, a energia (?) de quem muito quer mostrar; ou a serenidade (?) de quem pouco tem a perder... [ entrevista ] O nome que deram ao atelier a.s* não remete já para uma certa abordagem da arquitectura? Estamos a falar de grupos de arquitectos com nomes como MVRDV, OMA, NOX, ARX,... Célia Gomes_ a.s* é uma alcunha, e nesse sentido não houve, de facto, qualquer intenção além da referência à localização do atelier... Estávamos no Bairro de Santos, em Lisboa, daí o nome, e daí o diminutivo.

Pedro Machado Costa_ Interpretem como quiserem... Estamos a falar de um colectivo de arquitectura, e são evidentes as relações com imagens. CG_ Na verdade é sempre difícil escapar a isso... Nós vivemos um pouco em função das imagens e das coisas que nos rodeiam... e passámos pela Holanda, que na altura não estava ainda na moda; falávamos do Koolhaas, claro, que ainda era persona non grata na Holanda, e depois podia-se assistir ao germinar de tudo o que se passou com os MVRDV e todos os outros. Como cruzam essa experiência na Holanda com a Escola do Porto, uma vez que o vosso percurso passou por lá até ao 4º ano? PMC_ Essa ideia de escola é coisa de cidade pequena. Não há escola num sítio que seja suficientemente grande e por isso não há esse sentido de escola, em Lisboa; ter uma escola em

que toda a gente pensa da mesma maneira e sabe o mesmo é coisa de província... Depois, na Escola do Porto, devem-se distinguir duas coisas muito diferentes: a abordagem metodológica e disciplinar ao projecto, e o que se esconde por trás disso. Chegou uma altura em que se confundiu tudo; aquela vontade do genius loci pela experiência do lugar, que é um suposto respeito pela ordem natural das coisas... e depois acaba-se por se responder sempre da mesma maneira a qualquer lugar, sempre da mesma forma estereotipada. Não se percebe em que é que a abordagem metodológica ao projecto tem a ver com a imagem que lhes é dada; e é sempre o mesmo argumento do respeito pelo lugar que se usa. No que é que um projecto, por ser contido, respeita mais o lugar? Um projecto é sempre uma coisa nova num sítio, por isso estabelece sempre outro tipo de relações, alterao. Claro que isso não desvirtua a Escola do Porto, até pela abordagem instrumental às qualidades do espaço. Por comparação, a academia holandesa será muito mais epidérmica, mais económica e 04.05 p 08.09


mais pragmática... não se conhecem poetas holandeses. CG_ Em Delft, quando começámos a trabalhar, notava-se uma grande diferença para com os holandeses. Os trabalhos demoravam dois meses, e enquanto os holandeses começavam pelos diagramas e pelas estratégias, nós gastávamos o nosso tempo a desenhar. E, claro, tudo era completamente diferente. PMC_ Isso não quer dizer que houvesse qualquer vantagem de parte a parte, a questão é que são de facto dois modos muito diferentes de olhar a mesma coisa. O modo holandês é hoje profundamente funcional. E é divertido, porque são eles os primeiros a querer de toda a maneira ultrapassar aquela norma e aquela ética modernistas, mas a abordagem deles é perfeitamente moderna. E a nossa, se quisermos, nunca foi moderna; essa coisa do sítio é totalmente anti-moderna. Em relação ao Porto há ainda um

paradoxo cada vez mais evidente, porque os projectos que são seleccionáveis como exemplares do Porto, não são projectos à Porto. Com o SAAL, essa arquitectura distinguiu-se por conseguir fazer muita coisa com recurso a muito poucos meios, e era isso que supostamente a definiu como diferente de tudo o resto. A partir daí, e cada vez mais, começaram a surgir projectos que renunciavam claramente a isso, que desistiram dessa pobreza. Neste momento, tens por exemplo aquela 2G com a Arquitectura Portuguesa que se quer vendável, que genericamente apela a resoluções técnicas e construtivas que nada têm a ver com o dinheiro que há em Portugal. Uma espécie de colagem de imagens suíças que, normalmente, não se enquadram nas possibilidades nem nos meios que temos por cá. Portanto, essa maneira de propor arquitectura é totalmente dirigida para uma ideia que acho perfeitamente desajustada não trabalhar com as coisas banais, a aversão aos únicos instrumentos possíveis para responder de uma maneira positiva às coisas, é uma distracção e um nu [fevereiro 2002]

lapso ético. Ignorar estas questões não permite dar uma resposta consentânea às coisas, e não estamos a falar só ao nível funcional e construtivo. Há uma ausência de realidade. Se pudessem, iam todos para a Suíça fazer capelas e casinhas bestiais... eu também ia (risos). O estranho é supor uma arquitectura que não aceita trabalhar dentro das suas próprias limitações. Até porque isso enforma a própria matéria da arquitectura, estimulaa. Não percebo por que é que não se consegue lidar melhor com isso, e não estou a falar sobre ninguém em particular. Só acho que é uma resposta pouco inteligente. Então, em Portugal, a Casa do Tractor pode ser uma resposta? Um projecto em que com poucos meios se consegue fabricar uma certa qualidade espacial... PMC_ Não me estava a lembrar disso... mas a Casa do Tractor, se quiseres, é uma resposta que considero honesta. Em si mesma, não é nada de

especial. Mas será que as coisas precisam de ser todas especiais? A questão é que a Casa do Tractor é feia... Um destes dias pediram-nos para publicar dois projectos construídos, mas depois começaram a levantar problemas pela Casa do Tractor não estar acabada... não estar sequer rebocada e pintada... Estranho é essa tendência das pessoas limitarem... De numa paleta infindável de possibilidades, as coisas só poderem ser lidas de três ou quatro maneiras diferentes. Parece que tens nove notas musicais, mas só consegues juntálas de três ou quatro maneiras diferentes. Há pouca riqueza, de facto. A uma dada altura, nos Encontros de Arquitectura Luso-Espanhola, em Salamanca, o Pedro Bandeira referiu essa falta de imaginação nos trabalhos dos arquitectos portugueses. E de facto, porque é que hás-de restringir-te a ti próprio a coisas que já foram pensadas e feitas? Supostamente, estarias a trabalhar sobre arquétipos, e neste momento trabalha-se sobretudo pela estereotipagem de modelos tão bons ou piores do que qualquer coisa que esteja por aí. A diferença


entre um projecto de arquitectura e um projecto que não é de arquitectura neste momento... Olhem, são estas cadeiras que custam dezassete contos e que são umas cópias do Jakobsen, mas alguém que não o Jacobsen esteve a desenhar isto para se venderem por dezassete contos... Mas isso pode ter interesse... PMC_ Pode ser interessante, mas reparem, neste caso é sobretudo uma estratégia de mercado, mais do que outra coisa qualquer. Quem desenhou a cópia da cadeira do Jakobsen para a poder vender por dezassete contos vai assumir esse mesmo discurso, e isso é perfeitamente aceitável. Não vai é poder afirmar que fez uma reinterpretação da cadeira, porque isso era ser desonesto. Há uma falta de honestidade muito grande na arquitectura portuguesa. Aí, a Casa do Tractor é pelo menos um projecto honesto. Nesse sentido, há uma lição que a experiência holandesa nos pode dar construir edifícios com recurso a elementos

correntes sem que se perdessem as expectativas próprias da arquitectura, construir edifícios institucionais com modos de fazer não institucionalizados. Cá nunca consegues ver um tribunal que não se pareça com um tribunal; e porque é que todos os tribunais se parecem com tribunais? ...e isso não é ir ao encontro de resoluções próximas da arquitectura moderna, quando os edifícios já não dizem o que são ou o que representam? PMC_ Quando se chegou à fase de fazer uma avaliação do que tinha sido o Modernismo, todos apontaram o dedo. Há aquela expressão inglesa, deitar fora o bebé com a água do banho, que retrata bem isso; deitaram imensa coisa fora, e com o lado negativo das coisas foi também o que de melhor tinha o Modernismo para oferecer. Pelo contrário, os Smithson fizeram desde logo uma leitura, se quiserem chamar-lhe pós-moderna,

desse lado feliz do Modernismo, e o interessante é que os trabalhos não eram sequer apelativos na sua forma; era uma tentativa de reaproximação a algum do processo modernista, que tinha mais a ver com os conteúdos do que propriamente com o lado tecnocrata do fazer arquitectura, e isso foi muito significativo. As pessoas esqueceram-se de muita coisa; nós também. Toda essa informação foi muito filtrada e nós, vocês, andamos extremamente confusos... O Modernismo tinha essa coisa surpreendente, exagerada até tinha uma ética, só que mal gerida. Houve uma espécie de diluição moral. A ética, em si, significava muito mais do que a falta dela, agora. E depois, anda muita gente a trabalhar com imensas certezas, o que é muito estranho. Na verdade, ao longo dos vossos trabalhos, fica-se com a sensação que há uma procura de qualquer coisa ainda muito vaga... uma reflexão...

PMC_ Não sei se uma reflexão, se uma fuga ao que encontramos de mau nos projectos anteriores. Isso é muito significativo quando se começa a construir, e começámos há bem pouco tempo. Percebes que as coisas nunca são aquilo que pensavas que eram. Pensas em imensas coisas que julgas importantíssimas, e que afinal não o são, e vice-versa. Portanto, o trabalho a seguir é um pouco a reflexão sobre as dúvidas que tens acerca do projecto anterior. Porque há sempre imensa coisa que não funciona como querias que funcionasse, que não proporciona as experiências que querias que proporcionasse, e perguntas-te do porquê de tudo isso... Mas acho que nunca se vai encontrar a maneira certa de se fazerem as coisas... Ficas sempre insatisfeito, mas é fantástico porque é uma coisa feita por ti, e podes dizer mal dela à vontade. Quando vês coisas que não são o que supostamente deviam ser, e nem sabes sequer como deviam afinal ser, é muito perturbador... E depois, há muitas pessoas e muitas coisas envolvidas em todo o processo, és confrontado p 10.11


com a necessidade de encontrar resposta a tantos problemas, que deixas de dar a importância às coisas que devias... Para além das nossas próprias experiências e das pessoas que vão passando pelo atelier. Sempre que aparece alguém novo no a.s*, traz coisas novas, e és obrigado a pensar sobre elas. Estranho seria pensar sempre da mesma maneira, e é curioso, porque o que nos parece é que há já arquitectura a mais... ...arquitectura a mais ou arquitectos a mais?... PMC_ Há arquitectura a mais... Ou seja, há demasiadas coisas que na verdade já não se podem apelidar de arquitectura, mas que são feitas para ser arquitectura, e que são só o sublinhar de coisas já ditas, o remoer de coisas já mastigadas. E nesse sentido não se propõe uma outra possibilidade de se pensar as coisas... No vosso caso, há essa vontade de uma arquitectura que ainda não foi dita?

PMC_ Não, não há essa presunção. Há antes uma vontade de, primeiro, perceber o significado do que fazes, o que é desde logo complicado. Quando projectas, estás muito envolvido com o objecto. Dizes para ti mesmo que crias relações entre as coisas, que o objecto comunica com o que o envolve, que os alinhamentos são assim, que as pessoas entram por aqui e vêem dali, mas isso são tudo pretextos. Quando começas de facto a reflectir sobre essa coisa feita por ti, que está num sítio, o que aquilo é e os erros que aquilo tem, és obrigado a olhar para as coisas de um modo completamente diferente. Deixa de interessar tudo aquilo que faz parte da metodologia de projecto e de ensino da arquitectura, que de facto serve apenas como processo; um pretexto, se quiseres... É comparável aos exercícios de música que em si mesmos não são música, são maneiras que obrigam a pensar música; ou como a matemática e a geometria, instrumentos que te permitem pensar sobre o espaço. Elas em si, ainda não representam nada. Esses instrumentos da arquitectura que nu [fevereiro 2002]

ensinam nas escolas, acertadamente, servem sobretudo para convocar a ideia da arquitectura. E nesse sentido, não são instrumentos directos que sirvam a arquitectura em si. E é nesse desfasamento que surgem as primeiras dúvidas... Pode então haver um certo desfasamento entre o projecto e a realidade... CG_ Isso foi-nos claro quando se construiu o primeiro edifício das Residências. O projecto de execução, por definição, obriga a prever tudo. No processo de construção, tendes a lutar por aquilo que achavas importante, até porque o tinhas definido... E depois, por fim, apercebes-te que essa necessidade de prever tudo não quer dizer que tudo tenha a mesma importância. PMC_ A arquitectura já se ensinou ao contrário do que se ensina hoje, e na verdade houve um deslocamento da preocupação sobre a forma para uma preocupação sobre os conteúdos. Fala-se de

quê, hoje? Já não se fala de proporção, nem da relação entre as coisas; e isso é muito mais significativo na configuração do espaço, do que propriamente a questão do pormenor... Nas Residências, ao fazerem em vidro, a parede dos quartos que está virada para o corredor, tiveram presente as pessoas que iam habitar aquele espaço? PMC_ É preciso aceitar que as pessoas ponham lá umas cortinas horríveis; que normalmente não é previsto. Uma pessoa pode pôr as cortinas aos quadrados, outra posters de carros ou de mulheres nuas... Então, há essa liberdade... PMC_ Sim, só que com isso estás a obrigar cada uma das pessoas a intervir, a ter um papel; o que não é suposto acontecer. É um dilema ético, porque estás a retirar a suposta normalidade à habitação.


Queiras ou não, há normas vigentes e hábitos dominantes, e tudo o que saia um pouco dessas normas tem que ser reflectido e explicado. Era injusto tornar as pessoas cobaias da arquitectura. Na verdade são questões muito complicadas e merecem uma reflexão de todos nós... CG_ O importante será entender como é que as pessoas lidam com isso. Mas o mais curioso é que, porventura nós próprios damos mais significado a esse facto do que ele na realidade tem, já que o edifício habitado vive numa aparente normalidade, o que é muito curioso... E as faixas de eventos? Não trabalharam só os edifícios, mas também o espaço entre eles... CG_ As Residências Universitárias estão projectadas para cerca de 300 pessoas e situam-se numa zona que está a mudar com o crescimento de Ponta Delgada. Nesse contexto, quisemos oferecer não

Como reagem quando Manuel Graça Dias fala, a propósito do projecto das Residências, do f o r te g r a f i sm o d a s ua i m p l a nta ç ã o ? PMC_ Cada qual retira aquilo que mais lhe interessa das coisas com que é confrontado, e se o Graça Dias viu aquilo é porque julga com certeza importante essa relação gráfica com a arquitectura. Se é ou não... Admitimos que já nos foi mais importante. Julgo que o Graça Dias viu o projecto mesmo antes de se ter ganho o concurso e uma vez, a propósito, referiu-se àquele edifício com um 2 na cobertura; foi o que lhe ficou na memória e ele terá as suas razões para julgar importante o 2 na cobertura. Não negamos esse lado apaixonante que é próprio do desenho, embora nos seja cada vez mais claro que isso se torna secundário à medida que se começa a construir. ...mas o vosso trabalho tem uma forte componente imagética.

só um quarto para os estudantes dormirem, mas um conjunto de referências e possibilidades de viver naquele lugar, quer dentro dos edifícios, quer fora deles. No fundo, as várias faixas que atravessam os edifícios criam a possibilidade de se ter uma vista diferente de cada um dos quartos. O facto dos edifícios serem vazados, levantados do terreno, e as faixas exteriores passarem por debaixo, pareceu-nos bastante importante naquele contexto, até por não terem sido desenhados como objectos autónomos. Os edifícios não foram desenhados para serem vistos de frente, daí termos as faixas a cortarem a perspectiva. São quatro edifícios muito estreitos, com cerca de oitenta metros de comprimento, pensados como um sistema, cruzados com as tais faixas propostas pelo paisagismo.

PMC_ São claramente duas coisas distintas; a componente gráfica não é sinónimo de imagem. Uma coisa é a imagem de um edifício dada pela sua forma e pelo modo que o construiu, que em limite não deve nada ao modo gráfico de a projectar, nem à forma de comunicar as suas intenções numa apresentação ou numa representação; embora seja por vezes difícil distinguir os limites da cada uma... a Casa do Tractor, por exemplo, foi feita quase sem recurso a desenhos.

PMC_ Um pouco como aqueles exercícios de desenho do nu em que se começava pelos vazios, e isso fazia com que deixasses de ver o objecto. Centras-te apenas nos vazios...

PMC_ Sim, é verdade; e isso é uma questão importante. Os projectos de alguma dimensão, pelas regras a que se obrigam, pela necessidade de prever custos, pelos vários intervenientes

CG_ O que na verdade foi uma enorme vantagem, pois permitiu pensar o projecto à medida da sua construção. E, claro, adequá-lo ás suas possibilidades. A Casa do Tractor é uma outra escala...

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envolvidos, pela própria legislação, obrigam a que o projecto seja pensado na sua totalidade, de modo exaustivo, e sem que haja lugar a imprecisões e indefinições. A consequência directa desse facto é que esse processo nega qualquer possibilidade de experimentar qualquer solução que não esteja garantida a priori, e portanto vai retirar à arquitectura essa possibilidade laboratorial de descobrir algo ainda não testado. Os pequenos edifícios podem ser bons objectos de estudo e experimentação. Isso é visível no projecto para o Centro de Monitorização Ambiental de Vila do Conde... CG_ O programa consistia num projecto de recuperação de uns muros sem qualquer interesse, e de uma ruína. PMC_ Estes projectos da Polis são sempre projectos de tom politicamente correcto: têm uma ruína e tem que se recuperar a ruína. Neste caso, a única

coisa de possível interesse nesses muros era o facto de eles terem pertencido a uma casa do risco, onde durante anos se desenharam peças dos barcos. Na outra margem do rio ainda há um pequeno estaleiro com as poucas pessoas do país que ainda fazem construção naval em madeira. CG_ Fascinante era assistir a esse processo de construção das traineiras: as estruturas e as madeiras que lhe eram aplicadas, e as cores dos barcos ainda em bruto... PMC_ A ideia do projecto, para lá da sua proposta formal, era a de que a sua construção fosse feita em madeira, com recurso a essa gente que fazia os barcos, e que entretanto estavam sem trabalho. Propunha-se recuperar essa ideia da Casa do Risco, pelos mesmos homens, agora para construir o edifício. E nesse sentido, era uma proposta duplamente simbólica. Teria sido interessante assistir a tudo isso, até pela aprendizagem que se previa ter. O projecto que acabou por ganhar o nu [fevereiro 2002]

concurso foi uma caixa de betão... Nota-se que há sempre uma grande relação com o sítio... PMC_ Os nossos primeiros concursos da Biblioteca e das Residências foram nos Açores. Nunca lá fomos, e ainda bem (risos). O sitio é um dado em comum a qualquer projecto, e nesse sentido é obvio que há sempre relações com ele. Mas isso não implica o respeito pelo lugar, até porque se procura sempre criar qualquer coisa de novo, alterar o sentido das coisas; os problemas da cidade, por exemplo, são muito mais abrangentes e complexos do que as questões postas pelo genius loci. O projecto das Residências tem muito mais a ver com a ideia de entender a transformação dos sítios, em propor cidade. Ponta Delgada tem particularidades muito próprias: vira-se uma esquina e somos confrontados com uma natureza contrastante, muito forte e expressiva. Neste momento, atravessa um período de expansão que

está a alterar em muito essa fronteira entre cidade e campo, com recurso a um modelo suburbano decadente e disparatado... A ideia das Residências é, sobretudo, a de criar regra, não uma regra de continuidade, nem uma malha, mas uma espécie de regra de imagem, uma regra de relações urbanas entre as coisas. Cidade. É um projecto que permite isso, num terreno com alguma dimensão, com vários edifícios e uma frente urbana a definir. O curioso vai ser exactamente isso: observar as construções que vão inevitavelmente aparecer em seu redor, e a maneira com que se vão confrontar com elas. A nossa expectativa é essa. ...e o que pretendem quando nos confrontam com aquelas imagens Photoshop das Residências? PMC_ Isso é marketing... CG_ Já fomos acusados do nosso trabalho se aproximar muito a uma lógica próxima da criada


pelos holandeses e pelos catalães, por causa dessas imagens, que é conotada com ligeireza e facilidade. Para nós, é sobretudo mais uma maneira de procurar entender as coisas. É uma abordagem mais comunicante... CG_ Também é essa preocupação, claro, de tornar entendível, de procurar comunicar intenções com recurso a elementos que não sejam os codificados pela disciplina da arquitectura. E também há esse lado optimista em demonstrar uma outra possibilidade sobre o real. PMC_ É uma espécie de estratégia de demonstração, mas em simultâneo uma metáfora das próprias intenções que são propostas de projecto. E isso sim, já faz parte de próprio discurso arquitectónico. E depois, há também a ideia de economia, de síntese, já que muitas vezes se é confrontado com a necessidade de explicar um projecto num curto

espaço de tempo. O que é, de algum modo, redutor. Como é sempre redutor mostrar arquitectura por outro meio que não seja a própria arquitectura. E esse facto não exclui, claro, todo o trabalho que lhe serve de base. A questão tem até mais a ver com as conotações criadas a partir daí. Há quem não entenda que o Photoshop, ou qualquer outro programa de computador, tem aplicações específicas. E não vale a pena confundi-las com o acto de pensar arquitectura. Devemos é rodearnos de todas as possibilidades que, de algum modo, possam contribuir para um melhor entendimento do objecto de trabalho. Por outro lado, e embora esse mundo virtual possa dar um contributo significativo para alterar o modo de pensar a própria arquitectura sobretudo por intermédio de programas de desenho que facilitam em muito tarefas que dificilmente seriam conseguidas sem recurso a essas meios julgo não poder ser possível perder a noção dos limites operativos da própria arquitectura enquanto disciplina que visa um fim específico.

Agora, com o Photoshop, o arquitecto corre o risco de se confundir com o designer gráfico. PMC_ Também (risos). São mundos muito atraentes e, ao mesmo tempo, muito superficiais. A mediocridade, por vezes, consegue ser bastante atraente. É um risco que corres. Mas esses programas informáticos vieram apenas facilitar esse fenómeno, e aumentar a probabilidade de produzir imagens soberbas sem que tal coincidisse obrigatoriamente com uma reflexão séria sobre o trabalho em si. Pode ser que, perante uma qualquer imagem de arquitectura publicada, estejamos a ser manipulados. Mas isso também nos faz reflectir acerca do nosso trabalho, logo, pode ser positivo. O mais interessante é que as nossas memórias da arquitectura, e de tudo, tem por base isso mesmo: aquela ideia do Malraux e do Museu Imaginário. Repara que o Le Corbusier foi responsável pela organização do seu próprio arquivo, ou seja, foinos de certo modo imposto pelo Le Corbusier um entendimento sobre a obra dele, e isso trouxe

consequências para o próprio entendimento que temos sobre a arquitectura. Esse lado mítico do modernismo do Le Corbusier provavelmente não é fruto do acaso, mas sim da vontade... Já falámos da influência que a Holanda e o Porto tiveram para vocês. Há mais contaminações? CG_ Alguém disse que somos fruto da soma de todas as pessoas que por nós passaram e nesse sentido estamos todos bastante contaminados, porque há imagens, porque vês coisas... E, claro, o mundo é muito maior do que a arquitectura... Lisboa, 8 de Novembro 2002

** alunos do 5º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra p 14.15


Transitoriedade e Apolítica Gonçalo Furtado *

- Se algo caracteriza a CONTEMPORANEIDADE em que se tornou imperativo a mobilidade, flexibilidade, informacionalização e globalização é a sua frenética transitoriedade. A cultura pósmoderna, que vê no zapping e no surfing a possibilidade de recriação contínua, expressa-se em arquitecturas que rosam a desmaterialização em aparência leves, programas adaptáveis, espaços transitórios para experiências nomádicas. Tal abala as premissas de uma disciplina que sempre foi tida como arte de construir associada à estabilidade, e acarreta uma transformação na ideia de espaço que não pode deixar de mobilizar a crítica arquitectónica. - Com a industrialização surgiram construções baseadas numa nova lógica estrutural e de materialidade, esqueletos esbeltos e aparências leves-transparentes que, sem forma, habitaram o tempo com um uso mínimo da matéria. Maldonado fala na ocorrência de uma DESMATERIALIZAÇÃOvirtualização do material, resultante, quer da substituição dos materiais tradicionais por outros de menor peso e densidade, como também da artificialização-ocultação dos materiais minimizando a frequência com que os nossos sentidos com eles contactam 1 . Hoje, verifica-se que os espaços construídos, do ponto de vista económico e estético, continuam a substituir o objectivo de solidez por outros requisitos (de reutilização), fomentando arquitecturas efémeras, mutantes formalmente e abertas ideologicamente. Já Friedman, nos anos 60, aplicara o termo MOBILIDADE para adjectivar uma arquitectura que fosse capaz de acompanhar a alteração de usos requerida pela sociedade2. Mais recentemente, o trabalho artístico de Martha Rosler registou o protagonismo urbano que assumiram as estruturas de trânsito (terminais, aeroportos, redes, etc.), tal como a ambiguidade espacial que essas assumem, periféricas e descontextualizadas, interessadas sim em representar a passagem do tempo, o movimento e a transferência3. Ignasi Solà-Morales lança mesmo a hipótese de uma Arquitectura Líquida que controle os FLUXOS, mais consonante com as características da sociedade em que vivemos, abulindo a primazia do espaço sobre o tempo em favor da sua tensão4. nu [fevereiro 2002]

Paralelamente, assistimos ainda à formação de um espaço abstracto o CIBERESPAÇO em que os aspectos de presença são substituídos pelos de representação-significação. A destabilização preceptiva e a fragmentação física e social, preconizada pelo fenómeno da viagem motora e por um século de modernidade fascinada pelo incremento de velocidade, prossegue hoje no DESAPARECIMENTO Viriliano5. Numa arquitectura que continuará a existir (...) no estado de desaparecimento, num novo meta-espaço contíguo em que a arquitectura se desvanece em informação6. - Para além da destabilização do protagonismo m a t e r i a l d a a r q u i t e c t u ra , i n t e r e s s a - n o s particularmente observar o significado cultural e político da sua artificialização imagética. Atendamos, neste sentido, uma a outra expressão do pressuposto de mobilidade, que vem sendo a proliferação de contentores pela paisagem metropolitana, espaços sem relação forma-função destinados a albergar actividades ligadas à ritualização do consumo e aos novos modos de vida espectacularizada. NÃO-ESPAÇOS que funcionam, mais do que como lugares, como signos em que somos imersos num ritual sem espaço e tempo. O seu protagonismo urbano actual faz-nos questionar se o futuro de uma parte da arquitectura não tenderá para aquilo que Venturi analisou na Strip de Las Vegas, um conjunto articulado de signos e linguagem para ser vivido a partir do automóvel7. Um verdadeiro theme-park, com o objectivo de seduzir, desorientar e criar um universo paralelo que dirija a experiência para a DESPESA. - Koolhas, por exemplo, refere que a estética da arquitectura está a tornar-se numa atmosfera temporária ditada pelos media 8 . Mas esta constatação requer que se questione qual será a fé que espera a arquitectura quando essa (...) se reduzir a um ecrã para publicidade9. Certo é que a cidade se tornou num evento que muda de vestimenta constantemente. A fachada pósmoderna libertou-se relativamente à unidade do edifício e ao seu conteúdo, tornando-se numa pele comunicante, lugar de mobilidade10. E a produção


arquitectónica das estrelas mediáticas é usada em prole da atractibilidade urbana pela grande aura que isso gera nos media 11 . Em certo sentido, também parece que a arquitectura está a ficar menos definível pela sua materialidade do que pela efemeridade das imagens que circulam nos media12. O star system incita à publicação-MEDIATIZAÇÃO da arquitectura, tornando-a num objecto de consumo visual e conferindo-lhe uma condição espaço-temporal ambígua que a reconstrução do Pavilhão Alemão de Barcelona claramente expõe. - Se, em finais da década de 60, muitas tendências da produção arquitectónica insistiam na arquitectura como comunicação, nas ultimas três décadas tornou-se exponencial o reducionismo do feito arquitectónico ao VISUAL. Botey identificou esta situação: do interesse comunicativo de Venturi, ao enriquecimento do Internacional Style pelos pós-modernismos de Jencks, da cenografia bucólica de Krier e Culot até à Strada Novissima que explicitaria (...) os aspectos mais característicos da arquitectura produzida (...), o seu carácter cenográfico, a sua condição decorativa e a sua vontade representativa (...)13. O privilégio conferido ao aspecto formal é passível e justifica generalizarmos o que refere a respeito de Boffil (...) formas cujo conteúdo vazio é o signo mais ameaçador do poder neste fim de século (...). Um PODER silencioso, omnipresente e oculto, a que a arquitectura presta servidão, mediante uma produção que tem como motor as forças económicas e políticas, baseado em critérios de rentabilidade e controle, abandonando o projecto social em favor de uma epiderme desresponsabilizada politicosocialmente, reduzida à formalização cenográfica de programas acríticos, diluindo a sua especificidade e, talvez mesmo, arriscando a sua sobrevivência. A nosso ver, obviamente que todos estes fenómenos não são alheios à nossa condição PÓS-MODERNA. Incontornável. Bell e outros definiram-na como repetição do movimento inaugural, que o Moderno impusera como valor ao romper com a tradição e valorizar a novidade; o que levanta o paradoxal impasse ruptura-história, e também, claro, todos os benefícios de compreender a modernidade em termos da sua própria tensão, identificando o

elemento pós-moderno na imensa variedade das suas manifestações, ( ) não ( ) mais pensável como uma totalidade fechada e hierarquizada14. Apogeu da novidade mas também da diversidade e anti-hierarquia. - Convém dizer que, apesar do exposto, vivemos perante as ESPERANÇAS pressentidas na arquitectura da passagem de século, que parece superar o interesse pela imagem e originalidade per si, e estar interessada em desenvolver conceitos culturais que resistam a ser uma mera imagem terrífica do capitalismo tardio. Mas ainda numa condição de transitoriedade, numa cultura mediática e de mediatização, que continua a restringir o discurso estético sobre a arquitectura a uma ideia cultural e política débil de pós-modernismo, conduzindo frequentemente a produtos e reflexões estéreis. A-política. * arquitecto, docente da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e autor de Notas Sobre o Espaço da Técnica Digital

1. T. Maldonado, Lo Real y lo Virtual 2. Y. Friedman, Arquitectura Móvil 3. M. Rosler, In the Place of the Public 4. I. Solà-Morales, Liquid Architecture in Anyhow 5. J. Beckmann in The Virtual Dimension: Architecture, Representation and Crash Culture 6. W. Mitchell, City of Bits e E-topia 7. F. Anderton e J. Chase, Las Vegas, The Success of Excess 8. B. Lootsma e outros (eds.), Media and Architecture 9. J. Beckmann in The Virtual Dimension: Architecture, Representation and Crash Culture 10. M. Zardini, Pele, Muro, Facciata 11. B. Muler in B. Lootsma e outros (eds.), Media and architecture 12. P. Virilio (entrevistado por A. Ruby) in The Virtual Dimension: Architecture, Representation and Crash Culture 13. J. Botey, Arquitectura en el Siglo XX 14. M. Carrilho, Verdade, Certeza e Argumentação

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Arquitecturas Mutantes Gonçalo Antunes de Azevedo *

Suppose a person of the Fourth Dimension, condescending to visit you, were to say, 'Whenever you open your eyes, you see a Plane (which is of Two Dimensions) and you infer a Solid (which is of Three); but in reality you also see (though you do not recognize) a Fourth Dimension, which is not colour nor brightness nor anything of the kind, but a true Dimension, although I cannot point out to you its direction, nor can you possibly measure it.' What would you say to such a visitor?... Edwin A. Abbott, Flatland - a romance of many dimensions (prefácio à segunda e revista edição, 1884)

do momento, ou seja, tempo e movimento associados ao objecto particular.

Arquitectura e mutação Em Le Corbusier, a promenade architecturale é a introdução do tempo no discurso do projecto arquitectónico do movimento moderno. É um grande 'travelling' do observador entre volumes inertes. O movimento é o moderno, e o tempo é do observador.

Da ficção científica como indivíduo geralmente extraterrestre e de aspecto anómalo. Mutar: Transformar-se em algo diferente. Mutação: modificação. (in Lo Zingarelli minore, vocabolario della lingua italiana - tradução directa). Não no sentido evolucionista de Darwin, no qual o processo evolutivo é a consequência de diversas mutações ao longo do tempo.

A transformação está presente na vida, logo, na arquitectura. Os edifícios, através da passagem do tempo, da apropriação e uso, alterações programáticas, degradação, transformam-se. A arquitectura é pensada como estática, mas não o é. Facilmente nos recordamos dos edifícios cujas varandas foram transformadas em marquises, alterando-os: necessidade de personalizar o espaço habitado ao qual a repetição industrializada nunca se adaptou. A modulação foi tida como a solução que permitia as diversas transformações, podendo não ser mais que uma estrutura portante onde as arquitecturas particulares se construiriam por repetição.

Ignorando as mutações da arquitectura numa perspectiva histórica, o que interessa são os objectos de arquitectura particulares e as suas anomalias, mutações. Interessa o extraterrestre e o seu aspecto anómalo e a capacidade de se transformar conforme a necessidade instantânea

Também se podem entender como mutações na arquitectura os efeitos provocados no espaço pelo uso dos seus mecanismos próprios: portas, janelas, iluminação No limite, a arquitectura só admite como tema de transformação a noite e o dia, as estações, a passagem de um tempo linear, como

Definição Entenda-se mutante:

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geradores de movimento e vida dos edifícios. É a visão estática da arquitectura que hoje provoca reacção.

Arquitectura em processo Japão. Numa sequência de entendimento da cultura tradicional, no início de uma sociedade de consumo ocidentalizada e em transformação acelerada, a ideia de renovação impera. Aparecem os metabolistas. (Metabolismo, na biologia, é o processo que ocorre nas células vivas, para a manutenção e renovação químicas de todas as partes do organismo.) Segundo Noboru Kawazoe, um fundador do grupo, a ideia era desenvolver um sistema construtivo que pudesse lidar com os problemas da nossa sociedade em transformação acelerada, e ao mesmo tempo manter estabilizadas as vidas humanas. No edifício-cápsula de Kurokawa Nakagin, como exemplo mais representativo deste conceito, as filosofias de design interregenerador, sistema, modulação, partes pré-fabricadas, cápsulas, mobilidade e expansibilidade, numa perspectiva de evolução orgânica, são os primeiros sinais do que se passa hoje, nos antípodas da evolução de uma sociedade de informação. Na prática, eram estruturas nucleares onde zonas de viver, consideradas mais estáveis, se fixavam. Na zona exterior localizavam-se cozinhas e casas de banho que, segundo os autores, seriam trocadas quando nova tecnologia estivesse disponível.

A arquitectura, baseada numa teoria altamente desenvolvida, era tida como projecto em processo difícil de pôr em prática por falta de meios de comunicação do conceito. O mundo virtual criado só era possível mostrar através de esquissos, plantas, perfis, perspectivas, e génio do criador através da teoria. O espaço virtual e a capacidade de o visualizar estavam limitados ao que sempre existiu: os instrumentos e métodos tradicionais; esquissos, plantas, cortes, maquetes, não são mais do que representações de espaço virtual com grandes limitações.

Técnicas contemporâneas de projectar: o método, os instrumentos, os conceitos Com a revolução dos sistemas de informação, a cidade tem sido palco de resistência do ataque da imaterialidade, nomadismo, homogeneização... Os edifícios mantêm o papel voyeurista em relação à realidade urbana errante, apresentando-se à cidade enquanto contentores está(é)ticos. É preciso ir além das possibilidades do carácter estático da arquitectura. Os edifícios devem participar no movimento. Kaas Osterhüis (arquitecto holandês) propõe, no seu projecto 911 NY, um edifício que se transforma mensalmente em algo totalmente novo, interage com o utilizador e responde à diversidade programática nele contida. Mas qual é a necessidade de transformar ou programar a sua mutação? Isto é ficção científica ou realmente algo acontece, e

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firmas multidisciplinares de arquitectura, onde arquitectos, artistas, web designers, e programadores trabalham para juntar esforços na liderança da pesquisa de novos campos que se abrem à arquitectura? Hoje, as ferramentas adquiridas de outras áreas tecnológicas são objecto de experimentação da arquitectura. É através do digital que a arquitectura se abre para novas áreas de interesse. Hoje é um momento de mudança. Vivemos a era da informação. Os espaços físicos reduzem-se, esvaziam-se; as cidades tornam-se aglomerados de informação e o território uma rede fluida de conexões. A arquitectura é fruto desta condição geral contemporânea e tem que reflectir sobre as ideias e problemáticas, o seu papel e competências, num processo de avançada revolução digital. Por exemplo, o escritório de Greg Lynn (arquitecto americano), inicialmente em Hoboken-NJ, mudouse para a Califórnia para tirar partido dos conhecimentos e tecnologias das indústrias de produtos e entretenimento. Assim cresceu um escritório que tem compromissos com a qualidade e inovação do design e capacidade para liderar papéis em equipas interdisciplinares que fundem conhecimentos e recursos especializados. Esta situação não nasce do avanço da tecnologia construtiva. Trata-se sobretudo de um tipo de i nve s t i g a ç ã o q u e t e m e m c o n t a a s u a contemporaneidade e quer experimentar as tecnologias informáticas. O debate acerca de uma nova visão da arquitectura está, em grande parte,

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centrado no uso dos sistemas de informação, em particular, do CAD e CAM (computer assisted design and modelling). Greg Lynn é um dos grandes entusiastas das possibilidades de composição que os computadores permitem, estabelecendo relações entre as forças que têm impacto no objecto e a integração do tempo e movimento no processo de criação da forma. Os blobs, os isomorphic polysurfaces, são os termos das formas orgânicas criadas no computador. As formas redondas e bio mórficas, o transparente, o movimento, os incidentes do processo de projecto, são a formalização de uma sensibilidade à desmaterialização e desterritorialização com uso da informática, em particular os programas de animação tipo NURBS (Non Uniform Rational Bezier Spline Curves). A necessidade de enfatizar o lado mutante dessa arquitectura é a possibilidade oferecida por estes programas de a incorporar no sistema da linguagem arquitectónica. Movimentos e transformações podem ser estudados e projectados com um computador com finalidade arquitectónica. Outra possibilidade da utilização informática (e em especial do CAD e CAM) é a capacidade de se fazerem cada vez mais objectos diferentes e personalizados. A indústria do século XX já faz parte da História, uma vez que assenta na produção de inúmeras peças iguais. Com a revolução das tecnologias de informação é cada vez mais possível e barato de fazer sempre diferente. Cada objecto é único, num conceito gizmo de adaptabilidade e


interacção com o utilizador, materializado com a máxima precisão. De uma maneira geral, as mutações produzidas pelos novos métodos projectuais, são o próprio método em si. Kaas Osterhüis, numa entrevista a Marco Brizzi, defende que as tecnologias de informação estão a mudar a arquitectura em três pontos principais: no processo projectual; no sítio; na materialização. As geometrias e a sua funcionalidade são animadas pela liquefacção das tecnologias de informação no processo projectual. O sítio local é ligado ao sítio global. O contexto urbano é agora ligado ao contexto global através das redes pela qual está ligado. No capítulo da materialização está-se a trabalhar na comunicação automática entre o modelo 3D, a construção e a deformação. Assim, o edifício cada vez mais se transforma em algo vivo, imprevisível, adaptando-se às condições exteriores e interiores, reagindo em tempo real. De forma resumida, as tecnologias da informação libertam a desordem e a mente e ajudam a construir uma entropia arquitectónica projectada pelo arquitecto. A arquitectura é também o movimento, e a sua forma visível é imprevisível como o tempo: a arquitectura está a tornar-se selvagem. (Kaas Osterhüis) Pode-se pensar numa aproximação rápida do futuro de eXistenZ de David Cronenberg. Na realidade, hoje estão disponíveis meios para projectar uma arquitectura altamente mutante, e a materialidade como uma projecção holográfica de Star Trek de Gene Rodenberry já esteve mais distante.

O interesse reside na crescente possibilidade de construir virtualmente. Podemos imaginar que os arquitectos, num futuro eXistenZ, seriam verdadeiros criadores de realidade visceral, materializando ambientes de todo o tipo; jogos, filmes, dada, surrealistas, mutantes, personalizados... cada um em seu mundo... cada um com o seu bioport. Seriam possíveis experiências simuladoras de realidade sensitiva. A arquitectura dentro e fora do pod representa a capacidade de entrar noutra dimensão espacial e ser perceptível nas dimensões conhecidas, fazendo recordar algo da história da planilândia de Abbott: Na planilândia, um mundo imaginário a duas dimensões, os seus habitantes observam o estranho movimento de sucessão de segmentos de recta provocado pelo atravessamento do seu sistema por uma maçã. Durante o acontecimento todos se interrogam da estranheza do fenómeno, e um habitante mais atento, associa o movimento observado à passagem de um ser de uma dimensão superior (in Cosmos de Carl Sagan). O tempo e o movimento em associação dão espaço a narrações complexas para percepção de objectos quiméricos. Como num filme, as frames e as cenas conjugadas com movimento e tempo, criam o mundo narrativo do qual vida e arquitectura fazem parte num futuro presente trans-visceral. * aluno do 5º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra imagens: Kaas Osterhüis - 911 NY

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O Início Joana Gouveia Alves * Começar, por vezes é difícil, mas mais difícil é estabelecer onde é que tudo começou. Estamos constantemente a perguntar porquê, e a cada porquê vamos sempre recuando no tempo até a um possível início que teve início noutro início. Desde sempre (o que quer que isto signifique) que o Homem se pergunta de onde surgiu tudo o que o rodeia. Com o arquitecto acontece um pouco o mesmo, sobretudo perante a necessidade de defender o seu projecto. O projecto começa onde? No cliente? No terreno? No desenho? Qual é o ponto de partida ou o zero point? Quando justificam o projecto, os arquitectos têm a necessidade de explicar que partiram dos problemas do terreno ou da história do sítio ou da função... Existem uma série de métodos de abordar o projecto, que diferem de lugar para lugar, de pessoa para pessoa, de escola para escola, de tempo para tempo. Mas não será o arquitecto um pouco ingénuo ao pensar que criou algo? Em primeiro lugar, o tempo pode ser visto ciclicamente. Esta ideia associa-se um pouco à lei de que nada se perde, nada se cria e tudo se transforma. O que fazemos é a repetição do que já se fez, embora talvez por outras vias. Em segundo lugar, o arquitecto é sempre manipulado. Antes de intervir, o projecto já passou por diversos filtros: o cliente, o factor económico, os objectivos, o próprio terreno. Quando chega às mãos do arquitecto, o projecto já começou. Por outro lado, o arquitecto não consegue fazer tabula rasa daquilo que é e do que os outros o fizeram. Perante um novo projecto, o arquitecto já transporta com ele uma série de inícios, desde o sítio em que nasceu, à sua cultura, à sua escola, ao conhecimento obtido de experiências anteriores. Finalmente, sempre se procurou uma explicação para a origem das coisas, procura que deu azo às histórias mais fantásticas. O que é curioso é que, por vezes, os arquitectos contam histórias em torno dos seus projectos que explicam de alguma forma o que é pura intuição. O Início acaba por se tornar um mito na tentativa de explicar o que muitas vezes é inexplicável. Era uma vez? Apesar dos relógios, do Sol, e de outras formas de medir o tempo, cada um tem a sua própria maneira de sentir o tempo a passar. Para alguns, o tempo é linear, uma sequência com princípio, meio e fim. Para outros, o tempo é cíclico ou circular, um eterno retorno, uma eterna repetição dos mesmos acontecimentos. Esta forma de ver o tempo baseia-se muito na

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observação dos ritmos naturais. Uma sinfonia de ritmos entre os quais uma estreita harmonia conserva a vida: o coração contrai-se e expande-se como uma medusa regular enquanto que as asas da respiração sopram mais lentamente durante as combustões celulares. Um ciclo que adormece e desperta; um ciclo ligado à rotação lunar, um ciclo que impele marés hormonais e inverte nelas o sentido das correntes. Por fim ciclos ainda mais longos, ainda mais enredados na sua multiplicidade, os que marcam os ritmos da actividade e da hibernação, geram fases de viragem, catástrofes interiores, metamorfoses pelas quais a continuidade do ser desvenda as suas novas facetas1. Segundo Jorge Luís Borges, Nietzsche defendia a teoria do eterno retorno, partindo do princípio que, se existe um número finito de objectos, existe um número finito de formas de se combinarem. Logo, se o tempo for infinito, é natural que todas as possibilidades se voltem a repetir. De novo nascerás de um ventre, de novo crescerá o teu esqueleto, de novo chegarás a esta mesma página, com as tuas mãos iguais, de novo passarás todas as tuas horas até à tua morte incrível 2 . Este ponto de vista já foi amplamente criticado, mas há ainda outra forma de conceber esta ideia de que existe uma repetição de acontecimentos no tempo. Esta parte do princípio que, embora as experiências não sejam iguais, são semelhantes, a identidade do indivíduo não importa. Todos nascemos, crescemos morremos e durante a vida temos experiências semelhantes. Existe uma repetição não coincidente mas idêntica. É o que acontece com a moda ou os neo-ismos. As experiências repetem-se, embora a memória ou o conhecimento adquirido as torne diferentes das anteriores. A imagem geométrica do tempo, visto desta forma, é um círculo. Onde se marca o início de um círculo? Era uma vez? I wonder, where is the chicken and where is the egg? We think that architects are the centre of things, but in reality who comes to us to ask for such services?3 Tschumi continua, dizendo que a lógica com que os arquitectos trabalham é diferente da lógica com que trabalham os agentes económicos e financeiros e pergunta se não estamos a ser muito idealistas ao pensarmos que o arquitecto direcciona o capitalismo para uma determinada imagem. A manipulação está subjacente nesta ideia. O arquitecto, embora sendo um manipulador, é também manipulado. Desde miúdos que nos ensinam o que é bonito e o que é feio. O mesmo


acontece na escola. A escola incute muitos dos valores estéticos que são desenvolvidos ao longo da vida. Cada um tem as suas idiossincrasias pessoais e a escola transformaas, inserindo-as num sistema. A metodologia projectual condiciona o projecto. Explícita ou implicitamente, é incutido um sistema de pensamento que é dificilmente abandonado, pois fica associado à nossa consciência, ao bem e ao mal. A escola pode ser um elemento castrador na carreira do arquitecto, é conduzido a pensar assim sempre e a criticar o que se encontra fora da sua esfera. Há muitos inícios. Recordo-me de um exercício de projecto de uma escola brasileira em que os alunos tinham de elaborar um projecto a partir das potencialidades estruturais de elementos vegetais. Visivelmente inspirado na Ópera de Sidney, idealizada a partir de uma laranja, este exercício desenvolve uma outra visão da arquitectura, mostrando aos alunos um outro cominho possível no desenvolvimento da forma. Outra forma de começar poderia ser, como acontece numa das unidades leccionadas na Bartlett School, desenvolver um projecto baseado num conhecimento científico específico, como o desenvolvimento de certo tipo de bactérias ou as características do vento em determinada região. Sendo concretizáveis ou não, estas experiências abrem outras formas e outras áreas de conhecimento que não as convencionais. Os alunos passam a transportar consigo erros, conceitos e soluções que poderão ser desenvolvidos mais tarde e de uma forma mais realista. A memória visual torna-se mais abrangente e diversificada. Neste âmbito, a escola, como início, ganha uma importância acrescida. No princípio era o equívoco. A seguir, também. Parece que desde sempre o Homem se preocupou em encontrar a sua origem. Houve sempre a tentativa de perceber ou de explicar o porquê da sua presença. Encontram-se, em quase todas as culturas, mitos fantásticos que tentam, de alguma forma, explicar o desconhecido. Mitos sobre a criação, como o dos Índios da Colômbia: Um fantasma era tudo quanto havia. O pai tocou no fantasma, agarrou numa coisa misteriosa. Não havia lá nada. [...] Não tinha nenhuma varinha mágica que pudesse prender o fantasma. Segurava-o pelo seu Fôlego, por um fio de sonho. [...] Alcançou o fundo da quimera e aplanou-o calcando-o com os pés. Sentou-se depois na terra lisa, com

que tinha sonhado, e aplanou-a calcando-a com os pés. Empunhando a terra quimérica, cuspiu várias vezes pela boca para que se erguessem as montanhas. Depois transportouse para esta parte do mundo e colocou-lhe por cima o tecto do céu... Milénios depois, alguns arquitectos, nalgumas obras, como os homens primordiais, contam histórias fantásticas quando comentam a sua própria obra. As metáforas ou as histórias são construídas em torno do projecto, o projecto é a materialização aproximada dos seus sonhos. Por exemplo, Campo Baeza escreveu um texto, que acompanha a casa Turégano, que encontra um paralelo com a criação do mundo cristão. Havia uma vez, num velho país, um jovem arquitecto que amava apaixonadamente a Arquitectura e que insensato dele! era um artista que pensava e construía casas. Era um pensador que construía. Era um construtor que pensava. E pensando e construindo, sonhando e tornando reais esses sonhos, era imensamente feliz. [...] Um dia, o nosso eternamente jovem arquitecto, o artista, sonhou em viver numa ideia: numa branca e cúbica cabana. Pois sempre havia pensado que em vez de procurar o Paraíso e nele a cabana, tratava-se de construir a Cabana e com ela o Paraíso. Ele continua a relatar o mito da cabana primitiva aproximando o papel do arquitecto ao de deus. E ao terceiro dia, ainda dura esse dia! descansou. É claro que estas metáforas ou histórias criadas em torno dos projectos podem ser vistas como criações a posteriori para conferir ao espaço e à obra outro tipo de significados. É, de facto, uma certa forma de manipular um observador mais sensível que, ao rever a obra, a associa imediatamente à poesia da história. O texto altera o ponto de vista do observador como na antiguidade o mito o fazia. Criam-se novos valores. O mesmo acontece com outras justificações menos fantásticas mas igualmente subjectivas. Procuram-se na história, no terreno, nos problemas... o início. O início torna-se um marco subjectivo no tempo. Cada início é escolhido consoante propósitos objectivos no presente e no futuro. A história fica manipulada desde o início. Era uma vez? * aluna do 3º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra 1. Pierre Mabille, O Maravilhoso 2. Jorge Luís Borges 3. Bernard Tschumi, Anytime

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a duração do espaço

ou a dança segundo gonçalo m. tavares Pedro Jordão *

Quanto tempo dura o Espaço? / o corpo que dança é a perfeita duração do Espaço / (Dançar não é durar (demorar) no espaço, não é sobreviver no Espaço. / dançar é durar o Espaço / é fazer sobreviver o Espaço, / é salválo. / Libertar o Espaço da Monotonia. A arquitectura alimenta e alimenta-se de corpos vivos. Violenta e é violentada pelos corpos que se movimentam no espaço. A arquitectura faz-se de espaço. O espaço é misterioso. Não se sabe se existe espaço se o espaço não for vivido. Não se sabe se o espaço sobrevive ao esvaziamento de sentido. Não se sabe se poderá ser o espaço alguma vez vazio. A dança é o sentido mais alto do espaço. O corpo que dança eleva o espaço ao seu expoente. Torna-o vibrante, enche-o. O corpo que dança é a tensão feita matéria até ao limite do suportável. A dança revela o tempo, o movimento. O espaço só tem tempo no movimento dos corpos. Dura apenas nos momentos em que nos movemos. E é tanto mais belo quanto mais bela for a dança. Coreografias? / ocupar espaço antes dele nos ocupar A dança é antecipação ao vazio. É a ocupação temporária dos centímetros ao lado. A ordem é não esperamos pelo golpe que o espaço vai desferir nos nossos sentidos. A dança é procurar com velocidade o espaço, senti-lo em cada gesto da mão. O espaço conquista-se. A dança é não esperar. Deixar espaço ao espaço. / O corpo não pode interromper o que existe primeiro. O espaço é o que resulta da relação entre o corpo e o vazio. É o ar comprimido pelo corpo contra as paredes frias. O corpo não interrompe o vazio porque o vazio é o nada. Um quarto escuro, vazio e trancado não é um espaço, é nada. O corpo não interrompe o nada mas dissolve o vazio. É nessa dissolução que surge o espaço. O espaço é o vazio dissolvido pela dança. O corpo não pode interromper o espaço / CORPO INLOCALIZÁVEL INSITUÁVEL INSITUADO / O corpo não pode interromper o tempo. O tempo atravessa e anima os corpos como a corrente eléctrica. O corpo não interrompe o tempo, porque o corpo é a sua extensão natural quando se move. Dançar é ser louco o suficiente para se tentar domar o tempo quando é ele quem nos domina. Dançar é corrermos e arrastarmo-nos pelo espaço com a velocidade suficiente para nos esquecermos do corpo. É perdermos o tronco e os membros e sentir o espaço sem o quebrar. Mas o corpo tem ainda de comer todo o Espaço; todo o tempo. Dançar é consumir todo o espaço que o corpo consegue absorver. É correr atrás de cada pedaço do espaço que se deseja e dançar é sempre desejar tudo ao mesmo tempo. É tentar devorar o tempo para que este se apodere de nós e nos consuma. É abandonar corpo ao movimento até esgotar as forças. O corpo rende-se então ao cansaço mas não pára. Como não pára o espaço, que ainda dura. Resta a respiração ofegante. Qualquer movimento mínimo altera o espaço. O modo como o corpo o vive e como ele vive através do corpo. Simular com o CORPO a IMOBILIDADE, ou seja: simular o NÃO-CORPO com o CORPO. O corpo só conhece verdadeiramente o tempo. O tempo é aquele que nunca pára, ou seja, é movimento. A imobilidade é a ilusão maior. Como todas as ilusões, só existe como simulação. O corpo sabe fingir, ainda que mal. Mas o corpo não sabe estar parado. O corpo parado não é corpo. A dança é a intuição pura do corpo. Não se esquece porque também não se aprendeu. Como não se aprende a deslizar no espaço. É algo que acontece livremente. A vontade não sabe impedir o movimento nem o espaço. dizer com o movimento: encontrei o sítio do Corpo onde o corpo deixa de ser sítio. O sítio é sempre o que se deixa depois do movimento. É o que o corpo construiu naquele momento, neste último segundo. É o silêncio e o grito no espaço. Cada sítio é habitado pelo movimento que

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o antecedeu e é esse o seu significado. O sítio não é um espaço eterno porque vai contra as leis do movimento. Vai contra as leis do tempo e o tempo é soberano. O sítio que permanece não é sítio, é permanecer. / Mudar o Sítio para o sítio onde o corpo é Melhor. A perfeição estilhaçou-se contra o tempo. Não é um todo mas um conjunto disperso e raro de fragmentos cortantes. O sítio ideal é um desses pedaços de vidro. O corpo que dança é aquele que o procura. O corpo sabe que a procura é incessante mas o corpo não sabe desistir facilmente. A dança é essa loucura de procurar o próximo espaço. De qualquer modo a dança é imaginar música Produzida pelo corpo... O corpo move-se pelo espaço de acordo com o ritmo que o espaço inflige à pele e ao osso. A verdade é que o espaço também faz o corpo mesmo que o corpo não o admita. O corpo deve ao mesmo tempo, no mesmo momento, evitar amar e entender. O espaço pensa-se mas o espaço só se percebe pelo que se sente. O corpo que dança move-se pela intuição e pela vontade que surge naquele segundo preciso. O corpo que dança também pode ser o corpo que se repete. Mas a repetição não se pensa, executa-se. E a repetição é sempre imperfeita, é apenas aparente. Nenhuma parte do corpo repete duas vezes o mesmo fragmento de espaço. Em cada gesto, uma percepção diferente do espaço. O espaço constrói-se assim, aos pedaços e pelo sentimento. não há nenhum Corpo completo. / Faltam sempre Peças, ou seja órgãos, ou seja MOVIMENTOS! O espaço é sempre incompleto. Como o corpo. É na procura do que falta que o espaço se dança. O corpo é um eterno insatisfeito. A dança é a procura do movimento perfeito e só assim o corpo pode encontrar o espaço perfeito. Sonhar a perfeição é o único modo de negar o presente. É o único modo de confirmar o tempo. Destruir o movimento antigo para darmos espaço suficiente ao tempo para ele nos mover de novo. O corpo é 1 sítio e 1 tempo e depois 1 outro sítio e 1 outro tempo que não recordam o sítio e o tempo anteriores. Existem demasiados movimentos a exigir a existência para podermos parar. O tempo não pára. A dança anterior esquece-se para podermos mudar o espaço. A memória não pode existir em demasia para não comprometer o movimento futuro. O corpo não pode ser aqui e agora. Dançar é ter um corpo que não se deixa localizar nem datar. destruir a hipótese da Fotografia: o Corpo deve ser mais Rápido que a IMAGEM. O espaço é o que se vive e não o que sobrevive no papel. O papel pode ser bonito. Apenas isso. No papel não se sente a pressão do chão sob os pés, a luz que fere ou a escuridão que nos cega. Não se tropeça no papel. Não se dança no papel. Importante é atirar o corpo contra a parede, prostrarmo-nos no solo. A fotografia é a tentativa desastrada de aprisionar o tempo através da luz. O espaço não se fotografa, quanto muito retalha-se. O espaço é demasiado rápido e ainda mais quando nele dançam os corpos. O tempo é difícil de prender. Cuidado: não partas o ESPAÇO. / Cuidado não inclines demasiado a Alma sobre o METRO quadrado do quotidiano. / O espaço tem de ser sob os pés como o objecto Frágil nas mãos do bêbado. * aluno do 6º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra

[todas as citações, a itálico, foram extraídas de Livro da Dança de Gonçalo M. Tavares]

p 24.25


[ 1º acto ]

casa_em_aldeia_nova Nelson Mota e Susana Constantino ficha técnica: >localização: aldeia nova, trancoso >dono de obra: antónio furtado >arquitectura: nelson mota, susana constantino >especialidades: esquadria, lda >projecto: 2000-2001 ...em construção

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Aldeia nova é um aglomerado rural na Beira Interior, não tão maquetizado que possa ser considerado uma aldeia histórica nem tão descaracterizado que pareça um erro histórico. Trata-se de um lugar com alguma dinâmica, naturalmente à escala, que lhe incute resistências ao abandono total. É um microclima, por se tratar de uma ocupação próxima do vale, e dessa maneira se proteger dos elementos mais agrestes. Como muitas suas congéneres, é uma terra de emigrantes. E o nosso cliente é um deles. É uma pessoa culta, informada, politizada, um interlocutor dialogante e esclarecido. O lugar escolhido, longe de se tratar do terreno idílico para degustar os prazeres da reforma na "terra", foi seleccionado por se tratar do lote contíguo à casa dos pais do cliente. Foi portanto uma decisão passional, talvez pouco racional, por se tratar de um lote com uma geometria complexa, com uma área diminuta e com condicionantes topográficas que inspiravam alguns cuidados na organização do programa, mais parecia que estávamos a intervir num contexto urbano do que a projectar a casa para um emigrante numa aldeia da Beira! Após um primeiro teste do programa no terreno, o cliente aprovou a solução e avançamos. A solução preconizava uma organização do programa em três níveis, procurando sempre que possível tirar partido de espaços exteriores (pátio, terraço), para compensar a falta de terreno. No piso térreo, propõe-se a reabilitação da loja das ovelhas para um sala de estar que se articula com o volume principal através de uma ligação que se pretende transparente. Neste piso localizamse ainda os restantes compartimentos da componente social da casa. No piso intermédio distribuem-se os quartos, e no piso superior a suite, com ligação a um grande terraço. A linguagem e os materiais propostos, vagueiam entre a plasticidade abstracta dos planos rebocados, a expressividade do "opus incertum" do granito e a textura da madeira nos réguados e nas caixilharias. A decomposição dos volumes pretende articular as cérceas vizinhas, numa pretensão de consolidação da frente urbana, quase como se quiséssemos fazer cidade na aldeia...nova.

p 26.27


1m

planta do piso 2; alรงado para o largo; corte L1

terraรงo

quarto

planta do piso 1; corte T1; corte L2

quarto

quarto

quarto

entrada escritรณrio

planta do piso 0; corte T2; corte L3

pรกtio sala de estar

nu [fevereiro 2002]

sala

lavandaria

cozinha


T1

T2 L1 L2 L3

p 28.29


[ prova final ]

Software: a condição natural da cidade Ana Abrantes

Partindo das ideias desenvolvidas por Gropius e Le Corbusier, ao longo das três décadas anteriores, sobre o conceito de nómada e de mobilidade, os Archigram, tendo em conta a rejeição da separação da forma e o desenvolvimento da super-estrutura funcionalmente integrada, desenvolvem o conceito de sociedade móvel. Gropius, com o seu conceito sociedade nómada, expresso através de ideias como a casa sobre rodas, a vida móvel, que participavam na construção da cidade funcional; e Le Corbusier, com a sua ideia de casa como máquina para habitar, como sendo uma máquina de sonho, e com o conceito de transatlântico visto como uma ilha móvel, pensada como um suposto mosteiro laico dirigido para a felicidade, através de um microcosmos ideal e de um habitat concentrado, forneceram assim uma série de pretextos recuperados e desdobrados por este grupo na Inglaterra do pós-guerra. Numa época profundamente marcada pelo movimento, pelo automóvel privado, pelas grandes viagens, nomeadamente pela viagem à Lua, onde o homem voltou ao seu estado primitivo de nómada, o primitivo passado 'caçador-colector' do nómada, o fogo do acampamento e a redescoberta da autosuficiência numa selva de suporte de vida1, tornase num motivo de inspiração para a criação das suas propostas em função desta velha condição, agora num novo contexto. Os Archigram sugerem então uma 'cidade conectada' na qual a forma mima a circulação de fluidos diversos2, ou seja, uma arquitectura que se liberta da sua estrutura física, tornando-se transitiva no tempo e no espaço, mas que mantém toda a sua vitalidade. Assim, sugerem-nos um novo modo de pensar a cidade, muito inspirado na realidade retratada pela BD de ficção científica, pela sua capacidade de criar uma estética de movimentos rápidos, de sugerir a velocidade e a dinâmica do espaço urbano. Deste modo, em vez da cidade ser pensada em termos de eixos, de estradas, de simetrias, de edifícios, enfim, de arquitectura, passa a ser vista como uma aglutinação de formas e de atitudes, uma vivência, ou seja, como uma estrutura transitória condicionada pelos cidadãos, pelos seus movimentos e pelas suas experiências. Este grupo procura, por conseguinte, conceber uma arquitectura mais ligada aos usos, aos factos, do que ao trabalho da forma e dos materiais, que, tirando partido da aparência e da eficiência de outros âmbitos técnicos em rápido desenvolvimento, nomeadamente da nu [fevereiro 2002]

mobilidade e da tecnologia das cápsulas espaciais e do automóvel, expresse o desejo de uma contínua mudança do novo homem, habitante de todo o território. O movimento torna-se então o elemento básico na organização do espaço urbano, no intuito da criação de ambientes que traduzam a efemeridade da vida quotidiana, garantindo por conseguinte a preservação da vitalidade da cidade. Os Archigram iniciam assim a realização de um debate baseado na introdução na linguagem arquitectónica da metáfora informática da dialéctica do hardware (concepção dos edifícios e dos lugares físicos) e do software (estudo do efeito que a informação e a programação provocam no ambiente urbano) como componentes essenciais, na qual se fundamenta a nova concepção de cidade. Debruçando-se sobre a relação destes dois conceitos, este grupo desenvolve um estudo aprofundado sobre a mega-estrutura, presente por exemplo nas propostas de 1964, Plug-in City e Walking City. Se no primeiro caso, o conceito de edifícios dá lugar a uma estrutura tridimensional composta por várias cápsulas providas de intercambialidade e de crescimento ilimitado, no segundo, a própria cidade transforma-se numa mega-estrutura móvel, perdendo a ligação com o lugar físico. Plug-in City apresenta-se assim como o projecto definitivo, resultante da combinação das várias noções estudadas anteriormente pelo grupo, no intuito de traduzir toda a qualidade da vida urbana, com todo o seu simbolismo e dinamismo. Esta proposta surge como uma atitude, um modo de pensar, que manifesta um grande interesse pelo serviço em detrimento do edifício (a arquitectura perde todo o seu valor simbólico, tornando-se insignificante), assim como pelo modo como o hardware portátil influencia o comportamento humano, concebendo uma cidade do entretenimento, num gesto de dissolução da dicotomia entre arte e vida. Esta proposta surge, então, como uma rede de estruturas auto-suficiente, aplicável em grande escala a qualquer território, que rejeita declaradamente a cidade como objecto, concebendo-a como um sistema de comunicação e, consequentemente, como uma ferramenta humana. Assim, as mega-estruturas são vistas como dispositivos constituintes de uma ampla rede de dispersão e disseminação, onde a mobilidade é enfatizada, traduzindo o movimento da condição humana.


Já em 1968, os Archigram, baseados na concepção de cidade como um 'happening' permanente de eventos lúdicos3, lançam uma nova proposta em que o hardware é abandonado em favor de um incursão ingénua do software: a Instant City. Este grupo chega, a um momento em que a relação invisível4 é responsável pela organização de todo o projecto, determinando o posicionamento dos seus elementos e as relações estabelecidas entre si e com o envolvente. Logo, no novo ambiente, o software explora as irracionalidades da realidade existente, numa tentativa de superar as limitações que o hardware impôs à arquitectura ao longo da história. A ideia dominante é assim a de uma rejeição da arquitectura da forma e da construção, através da sua efemerização, mobilização e dispersão por meio de cápsulas, habitats móveis, equipamentos facilmente transportáveis, em favor do software, do conteúdo e do serviço que, num caso extremo, acompanham todo o movimento do cidadão uma arquitectura de vestir um conceito desenvolvido por Michael Webb em Suitallon (1968), quando este propõe, tendo como base o nomadismo da vida do homem, uma espécie de habitação que se possa vestir. Através do colapso das distinções entre corpo, vestuário, media e abrigo, esta proposta é resultado de uma vontade de conceber uma cultura nómada altamente qualificada e fortemente influenciada pela ficção científica e pelas viagens espaciais desenvolvidas num mundo em constante mudança. Para este novo homem, independentemente do tipo de viagem efectuada, o seu significado (liberdade e conforto), tal como, o lugar da sua origem (o seu corpo), permanecem inalterados. [texto extraído de Space Travel: It's Almost Alright, Prova Final de Licenciatura do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra]

1. Barry Curtis, Archigram: In the Future Perfect in Archigram: Symposium Zur Ausstellung, Kunsthalle Wien, 1997 2. Alain Guiheux, Fast histoire, in Archigram, Catálogo de Exposição, Editions du Centre Pompidou, 1994 3. Marie-Jeanne Dumont, Shebam!Pow!Blop!Wizz! Rétrospective Archigram à Beaubourg in L Architecture D aujourd hui nº 293, 1994 4. Open Ends, in Archigram, Princeton Architectural Press, 1999

p 30.31


[contaminações]

Pina Bausch danças ocultas Mário Carvalhal *

No princípio não há nada. Começa muito pequeno e vai-se tornando maior. O que é repetir algo, fazê-lo de novo, vezes sem conta? Não se pode simplesmente vê-lo como falta de criatividade. Dom Quixote, por exemplo, é um exercício de repetição, a mesma aventura repetese vezes sem conta. A repetição pode então ser vista como um conceito de criatividade, que transforma um mundo existente em novos mundos. Pina Bausch cria espectáculos épicos, mas que têm a característica de terem aparecido do nada, de serem construídos pouco a pouco. As danças começam com um simples conceito, uma recordação, um movimento, sobre o qual trabalha conceptualmente e fisicamente. Ela constrói as danças com base na repetição de movimentos. Ao repetir um movimento, como cruzar uma perna ou ajeitar o cabelo, aliena-se esse movimento do sentido habitual, este torna-se expressão, e depois uma dança. Bausch cria do pequeno para o grande, começando com um movimento a solo, depois acrescentando dançarinos até a companhia inteira, por vezes mais de 20 elementos, explodir ao mesmo tempo. Eu adorava dançar porque tinha medo de falar. Quando dançava, podia sentir. Pina (Philippine) Bausch nasceu em 1940 na localidade alemã de Solingen. Começou a praticar dança aos 15 anos tendo como professor Kurt Jooss, um dos principais rostos da dança expressionista alemã. Depois de vários anos de formação, que inclui 3 anos em Nova Iorque, nu [fevereiro 2002]

Bausch foi convidada em 1973 para directora do Wuppertal Ballet, mudando logo o nome para Tanztheater Wuppertal, ou Wuppertal Teatro-Dança. Com isto, marca imediatamente uma posição no mundo da dança contemporânea. Dois anos depois, atraiu atenções com O Rito da Primavera, uma versão de Stravinsky. Ela volta ao conceito inicial da peça, uma celebração de fertilidade em que uma mulher dança até à morte sabendo que vai ser sacrificada. A história é contada sob o ponto de vista das jovens que anseiam saber quem será a escolhida. Esta ópera-dança, como a maior parte das obras de Bausch, não ilustra a história, mas aparece antes como análise das implicações emocionais. Noutra das primeiras obras, Café Müller, uma das mais marcantes, não existe um fio narrativo. O café, uma referência directa ao café que os pais de Bausch tinham em Solingen, parece a cantina de um hospital psiquiátrico. Cadeiras e mesas encontram-se espalhadas. Alguns dançarinos de camisa de noite vagueiam de olhos fechados enquanto um homem vai afastando as cadeiras e mesas do caminho. A própria Pina Bausch, também de olhos fechados, abraça-se e reage violentamente ao seu próprio abraço. Até que se lança repetidamente contra uma parede. Deve lembrar-se quem viu Fala Com Ela de Pedro Almodóvar... As minhas peças crescem de dentro para fora. Também no filme de Almodóvar aparecem excertos de outra peça de Bausch, Mazurca Fogo. Esta peça, cujo nome provém de uma dança tradicional de Cabo Verde, resultou de uma visita por parte do


Tanztheater Wuppertal a Lisboa em 1998. Lisboa é uma das muitas cidades que teve a sorte de a elas a coreógrafa alemã se ter vindo inspirar para as suas peças, algo que ela faz desde 1986. A sua companhia muda-se para a cidade escolhida durante cerca de um mês e aí trabalha sobre as impressões que recolhe no dia-a-dia. Muito do material que aparece nas peças é destilado das experiências e impressões dos próprios dançarinos, através de um dos métodos que Pina usa para criar, o célebre sistema das perguntas e respostas. Perguntas como o que farias com um cadáver?, como reages quando perdes algo?, e frases como copia o tique de alguém, faz algo de que te envergonhes, mexe a tua parte preferida do corpo ou escreve a palavra sol com o corpo são respondidas por parte dos dançarinos. Eles têm tempo para pensar, depois levantam-se e mostram a Pina a resposta dançada, falada, sozinhos, com parceiros ou adereços. Pina observa, tira notas e pensa sobre aquilo. As histórias, imagens e gestos resultantes são normalmente usados nas peças. Mas as influências de cada sítio atenuam-se, e acabam sempre por dominar temas universais como medo, desespero, a fragilidade humana e a força para a ultrapassar e, mais vulgarmente, o modo como as imagens do homem e da mulher contemporâneos afectam a interminável guerra dos sexos. Aliás, são conhecidas há muito as suas tendências feministas. Ela pega em cenas familiares e leva todas as suas interacções até ao extremo, até estas ultrapassarem os limites da angústia ou do humor. Mas quando Bausch retrata mulheres violentadas, consegue transmitir um ponto de vista extremamente desconfortável, mostrando que a cultura machista

fere tanto os homens como as mulheres. Não estou interessada em como as pessoas se movem, mas no que as move. Pina Bausch possui uma sensibilidade vincadamente europeia. As suas obras contemplam uma visão negra de um mundo tenso. E é esta visão que alimenta o entusiasmo de alguns e a controvérsia de outros. Os seus trabalhos, ao retratarem cruamente as consequências dos conflitos e medos humanos, oferecem diferentes pontos de vista para um retrato possível (inevitavelmente frio) da humanidade. Chegam inclusivamente a chocar pessoas pelo facto de Bausch não explicitar a sua posição. Imagens são oferecidas torrencialmente para a nossa interpretação e, no entanto, Bausch é escassa em interpretações fáceis. A própria coreógrafa diz que nunca viu o que faz como mera coreografia, mas sim como expressão de sentimentos, das maneiras que melhor o ajudam a fazer. Os seus trabalhos são reconhecidos pela inovação, tanto a nível temático como estilístico. São uma montagem caleidoscópica de histórias, sons, imagens e gestos que têm a ver com aspectos fundamentais da existência humana, principalmente o choque entre o desejo de amor e o medo da intimidade. E redefiniu a dança como uma arte, não só sobre beleza, mas, acima de tudo, sobre liberdade e humanidade.

* aluno do 2º Ano do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra p 32.33


[ cheese-ham files ]

#8

Vasco Pinto Mimesis O objectivo e oportunidade deste artigo começa com um reconhecimento e um pedido de desagravo junto de eventuais lesados: a Mimesis é hoje um fenómeno se-rís-si-mo do panorama editorial e só por pura coincidência (ou free-style do autor...) pôde figurar no último episódio entre as superstars da junk-press nacional. (dez milhões de perdões) Com isto se estraga mais uma surpresa e se constata que os bons ventos continuam a soprar do Norte, sinal evidente de que um ano de capital europeia dá fôlego para umas quantas boas temporadas. O projecto tem cerca de um ano e é o tempo de começar a dar os primeiros frutos: já deu e em número e qualidade apreciável. O objectivo era acabar de vez com o black-out quase total no sector da arte contemporânea portuguesa (aquela que se faz hoje e será património cultural de amanhã diz o slogan do Ministério da Cultura). Como se sabe, entre a edição de autor* e as monografias de artistas consagrados, ficam de fora todos aqueles curiosos (e serão muitos) que, como eu, têm vergonha de perguntar ou preguiça de ir à Culturgest. Em formato portátil de 30 a 60 páginas, género booklet de exposição que se lê perfeitamente entre a paragem e o banco de autocarro: ilustrados, bilingues e potencialmente coleccionáveis por 8 e 10 . Na viagem ficam a conhecer-se os percursos de Fernando Lemos, Fernando Lopes, Manuel Valente Alves, Pedro Cabral Santo, Virgílio Ferreira e Paulo Mendes. Apresentações inteligentes (e inteligíveis, o que nem sequer é pouco...) por Maria do Carmo Séren (fotografia), Fausto Cruchinho (cinema), Sandra Vieira Jurgens (artes plásticas). A caminho vêm António Olaio, Paulo Rocha, Rui Chafes, Álvaro Lapa, Lurdes Castro, João Tabarra, João César Monteiro, Eduardo Batarda, Pedro Tudela e many, many others... a colecção ideal para as nossas mães ficarem finalmente a perceber qualquer coisinha de arte contemporânea e terem elegantes conversas no cabeleireiro. (Não seria assim nada despropositado se as incursões continuassem para lá de Vilar Formoso...) Só por isto, e pela excelente revista que é Ideias Fixas (ver número anterior), já estariam a Alexandra e o Mário de parabéns. Em outras colecções Escritos e Ciência - privilegiam-se textos para interesses um tudo-nada mais especializados. Editados estão A Fotografia Ideológica de João

nu [fevereiro 2002]

Martins (1898-1972), por Emília Tavares e Cidade Romana de Eurobrittium, por José Beleza Moreira. Em preparação, textos de Carlos Vidal, Fausto Cruchinho (sobre Manoel de Oliveira) e Emília Tavares (sobre a fotografia de Ernesto de Sousa). Em Novos Media, publicam-se reflexões sobre os avanços, contextos e limites das tecnologias da informação e suas repercussões nos desenvolvimentos e concepções artísticas. As referências que estabelecem com as fontes teóricas mais creditadas, tornam-nos, antes de mais, excelentes guias de estudo ou rampas de lançamento para os temas em análise. Em Interactividade e Mediação, Mário Vairinhos faz a distinção entre media não interactivos (arte clássica, fotografia e cinema) e os modelos vigentes e emergentes de interactividade. Se no primeiro caso, a cada um destes processos correspondem fases progressivas de diluição e fusão entre sujeito e obra, no modelo actual, e contrariamente ao discurso dominante, existe uma recuperação da distância de mediação, já não tanto entre sujeito e objecto, mas entre sujeito real, sujeito simbólico (o cursor no ecrã) e objecto simbólico. No paradigma emergente esbate-se de novo esta distância, assistindo-se precisamente a uma territorialização, ao nascimento de um [novo] real, dispensado doravante da função de simular o mundo. Gonçalo Furtado, em Notas Sobre o Espaço da Técnica Digital, extrapola estas conclusões para os domínios da cidade-território, arquitectura e projecto: abordagens teóricas complexas entendem a 'modelização' no ambiente de mediação (rede digital), como uma passível construção-constituição de ambientes de vivência contíguos das construções físicas, o que pode significar o aparecimento de novos domínios territórios da prática arquitectónica. (Um desses meta-territórios esteve até há bem pouco tempo no CAPC aí e em www.fineark.com) Bom, no ar fica o desejo de contaminação com a pontaria, eficiência e proficuidade das pessoas por detrás da máquina Mimesis e um convite especial para uma visita a estoutra capital...

* Um exemplo: Lisbon_Body fotografia de Manuel Valente Alves, texto de João Lima Pinharanda, passeio lomográfico do segundo pelo corpo da primeira, com legendagem do terceiro, edição: mva_invent, distribuição: mimesis


[?]

Hans Ibelings Crítico de arquitectura holandês, Hans Ibelings (Roterdão, 1963) é o autor do celebrado livro Supermodernism - Architecture in the Age of Globalization (1998). Ibelings foi comissário de diversas exposições no Instituto Holandês de Arquitectura (1989-2000) e editor do Anuário de Arquitectura na Holanda (1994-2000). Entre as suas publicações contam-se títulos como Twentieth Century Architecture in The Netherlands (1995), The Modern Fifties and Sixties: the Spreading of Contemporary Architecture over The Netherlands (1996), The Artificial Landscape: Contemporary Architecture, Urbanism and Landscape Architecture in The Netherlands (2000), e ainda monografias sobre Meyer & Van Schooten (2001) e Claus en Kaan (2001). No início deste ano foi publicada foi publicada uma versão revista de Supermodernism, cujo capítulo adicional será brevemente publicado em Portugal pela NU. Escolha e relacione-se com: uma cidade... Roma e Las Vegas, modelos do passado e do futuro da civilização. uma obra de arquitectura... De momento (é sempre de momento) a minha preferida na Holanda é o edifício de escritórios que Koen van Velsen desenhou para o Commissariaat voor de Media, em Hilversum. um artista... Frank Sinatra. um livro... Los Angeles: The Architecture of Four Ecologies, de Reyner Banham, um livro que abriu os meus olhos para a beleza da arquitectura vulgar. um filme... Não tenho paciência para ver filmes. uma experiência... Não quero soar pretensioso mas, para mim, é o prazer sinestético de ter um magnífico jantar em locais bem concebidos como o Savoy de Alvar Aalto, em Helsínquia, o Four Seasons de Philip Johnson, em Nova Iorque, ou o Saint James de Jean Nouvel, em Bouliac. uma influência... Charles Jencks, The Language of Post-Modern Architecture, uma importante inspiração para me tornar um escritor de arquitectura. um objecto de consumo... Carros, objectos de interminável gozo e contemplação um vício... Não sei o que considero o maior vício dos críticos de arquitectura: fazerem julgamentos absolutos, não terem vontade de rever as suas opiniões ou citarem-se a si próprios. Tento evitar os três. uma palavra... Imperfeição, o melhor resultado de qualquer esforço. um futuro... A esperança de uma arquitectura que reflecte um maior compromisso social.

p 34.35


ISSN 1645-3891

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