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Quando fornecer alimentação sólida para bezerras?
O ideal é que a introdução do alimento sólido seja feita já nos primeiros dias de vida
Atrasar a idade de desmame e fornecer protocolos de redução de leite longos e graduais tornaram-se comuns para evitar desa fios de produção e saúde pós-desmame. No entanto, determinar como equilibrar adequadamente as quantidades de energia e pro teína fornecidas em alimentos líquidos e sólidos e sua qualidade mostra-se de grande importância para o desenvolvimento do rúmen, a melhora da saúde e o crescimento da bezerra.
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Os primeiros trabalhos de investigação dos efeitos do fornecimento de dife rentes dietas sobre o desenvolvimento ruminal dos bezerros foram realizados por Brownlee, 1956 e, desde então, vários estudos reconheceram que o início da ingestão e a composição dos alimentos sólidos podem afetar vários aspectos do desenvolvimento dos bezerros.
O ideal é que a introdução do alimento sólido seja feita já nos primeiros dias de vida. A partir do sexto dia, os bezerros devem ser encorajados a consumir a ração inicial, pois a transição de pré-ruminante para ruminante funcional está alicerçada na capa cidade do rúmen em suportar a fermentação, e essa capacidade é dependente de quatro elementos-chave: disponibilidade de substrato, estabelecimento da microbiota no rúmen, habi lidade absortiva do tecido ruminal e fluxo de material do rúmen para o intestino.
Assim, a alimentação de rações iniciais torna-se fundamental para o desenvolvimento de um rúmen ativo e funcional. Os produtos finais da fermentação de concentrado podem ser encontrados no rúmen de bezerros a partir da segunda semana de idade, como o ácido graxo butirato e em menor grau o ácido graxo propionato, que induzem a expressão de genes (acetoacetil-CoA tiolase; 3-hidroxi-3metilglutaril-CoA sintase; β-hidroxibutirato desidrogenase), responsáveis pela diferenciação das células epiteliais do rúmen e atividade metabólica, sendo o butirato o principal estimulador para o desenvolvimento das papilas ruminais.
As principais funções das papilas ruminais são aumentar a área de superfície de absorção do rúmen e absorver os ácidos graxos de cadeia curta, os quais irão prover energia para o animal. O comprimento médio de uma papila de um bezerro recém-nascido é de aproximadamente 1 milímetro. No entanto, devido a alimentação sólida elas crescem e atingem de 5 mm a 7 mm na oitava semana de vida.
O desenvolvimento morfológico do rúmen refere-se principalmente às características das papilas, à espessura do músculo e ao tamanho do órgão. Na primeira semana de vida dos bezerros, o retículo-rúmen compreende 38% do trato gastrointestinal (TGI), enquanto o abomaso, 49%. Já na 8ª semana de idade, o rúmen compreende 60% do TGI, e o abomaso, 27%. A ingestão de forragem e alimentos sólidos de textura grosseira são os principais fatores responsáveis por promover o desenvolvimento muscular do rúmen, além de estimular a ruminação e produção de saliva.
Comparamos o desenvolvimento das papilas ruminais de um bezerro de 6 semanas alimentado apenas com sucedâneo lácteo contra um bezerro alimentado com sucedâneo e concentrado de livre consumo a partir dos 4 dias de idade. O bezerro alimentado com concentrado e sucedâneo demostra maior desenvolvimento de papilas e parede ruminal muito mais espessa, escura e vascularizada (Figura 1, A e B). Agora, compare um boa qualidade a partir dos 4 dias de idade (Figura 1, C). Apesar de comer quantidades moderadas de feno, as papilas não são desenvolvidas e a parede do rúmen é bastante fina. Isso ocorre porque os produtos finais da digestão do feno incluem mais ácido acético, que não é usado para o crescimento e desenvolvimento das papilas. Bezerros alimentados somente com feno e leite têm o rúmen com grande desenvolvimento muscular, mas com papilas pouco desenvolvidas, impossibilitando o adequado desaleitamento, o que confirma a importância da utilização de rações para bezerras nas primeiras semanas de vida.
Dessa maneira, para um excelente desenvolvimento ruminal um bom concentrado para bezerras da raça holandês deve apresentar as seguintes características:
Ser palatável; Sem ureia;
Proteína Bruta = 20 a 22% na MS correspondente a 18% PB na matéria original
NDT = 80% na MS
FDA = superior a 6% e inferior a 20% na MS
FDN = 15 a 25% MS
EM = 3.68 Mcal/kg
Concentrações de vitaminas e minerais na faixa recomendada conforme o NRC (2021);
Em geral, o teor de gordura dos concentrados iniciais é baixo (de 3% a 4%). Níveis mais altos estão geralmente associados com ingestão reduzida e redução de
Além do concentrado, os microorganismos existentes no rúmen precisam de água para crescer adequadamente e engolfar as partículas dos alimentos. Se a água não for fornecida ao bezerro no início da vida, o crescimento microbiano no rúmen é limitado. A água consumida como água pura entra no rúmen e fica disponível para uso dos microorganismos. No entanto, a água consumida em outros alimentos, incluindo leite ou sucedâneo do leite, não está prontamente disponível para os microorganismos do rúmen, porque entra no abomaso. Assim, as bezerras devem ter à disposição água limpa e fresca durante todo o tempo.
As rações iniciais para bezerras possuem alta quantidade de amido (22% a 38% MS) e alta digestibilidade, resultando em fermentação rápida, podendo resultar em altas concentrações de lactato no rumén e pH ruminal frequentemente baixo. Consequentemente, esses animais ficam mais expostos a acidose ruminal e às oscilações de consumo.
O fornecimento de rações de alta qualidade, com adequado teor de fibra, resulta em redução dos casos de acidose e paraqueratose, pois a fibra pode ajudar a evitar a queda drástica do pH, estabilizando o consumo e a saúde do rúmen. Além do adequado teor de fibra, os concentrados podem conter aditivos que aumentam a produção de ácidos graxos e são eficientes em controlar o pH ruminal, ajudando, assim, o desenvolvimento do rúmen.
As fontes de amido, quantidade de amido consumido, tamanho do grânulo de amido (1 a 38 μm), forma (lenticular, poliédrico ou esférico) e interações entre a amilose e os compostos do liquído ruminal podem alterar a taxa de digestão enzimática de cereais, consequentemente afetando a concentração de ácidos graxos de cadeia curta e o desenvolvimento do rúmen.
O processamento de grãos (por exemplo, descamação a vapor, laminação a vapor, laminação a seco e moagem) pode fraturar o pericarpo do grão, romper a matriz amido-proteína, e aumentar a área de superfície para ação enzimática e assim aumentar a taxa de fermentação. Embora a literatura disponível indique que o processamento pode ser usado para aumentar a digestão do amido no rúmen, alguns pesquisadores citam que não está claro quão diferentes fontes de amido e processamento afetam a digestão do amido e contribuem para satisfazer as necessidades energéticas dos bezerros em desenvolvimento. Entretanto, dados mais recentes demostram que o processo de floculação a vapor aumenta o ganho médio diário e a eficiência alimentar de bezerras em relação a concentrados somente moídos.
Pesquisas recentes sugerem que as rações iniciais devem conter mais de 75% de partículas >1.190 μm de comprimento. Ghaffari Morteza, em sua meta-análise, analisou os estudos publicados entre os anos de 1938 a 2021 sobre as diferentes formas de concentrados iniciais para bezerros. Seus resultados indicam que bezerros que consomem ração texturizada apresentaram maior consumo, o qual pode estar relacionado ao menor risco de acidose como descrito por Jones e Heinrichs. Como a variação em estudos com bezerros é grande, na meta-análise não houve evidência suficiente para uma forma física inicial recomendada para melhorar as taxas de crescimento de bezerros leiteiros.
A maximização do consumo de concentrado é fundamental neste período para que o desmame ocorra mais cedo. Estimular o consumo através da palatabilidade é essencial. O conceito palatabilidade pode ser estendido para abordar a real preferência por consumir determinado ingrediente.
A pesquisadora Emily K. Miller-Cushon e sua equipe conduziram testes de preferência para a alimentação de bezerros e descobriram que o farelo de trigo era a matéria prima mais aceitável, seguida pelo farelo de sorgo. O farelo de cevada e o farelo de milho foram igualmente classificados, ficando abaixo do farelo de trigo e do sorgo. A alimentação com glúten de milho e farinha de arroz foram classificadas como sendo de menor grau de preferência pelos bezerros. De acordo com esse método de comparação, o farelo de soja foi o ingrediente de alta proteína melhor classificado, seguido pelo grão seco de destilaria. O farelo de glúten de milho foi o ingrediente de pior aceitabilidade.
É importante salientar que nem todas as fontes de energia e proteína fornecerão as quantidades necessárias para o crescimento das bezerras. Além disso, as matérias-primas possuem diferentes taxas de degrabilidade ruminal. Se houver aumento de amido saindo do rúmen, pode representar um problema para a digestibilidade do amido no intestino delgado devido à baixa produção de α-amilase pancreática durante o período pré-desmame, podendo ocassionar aumento de diarreia nas bezerras, assim, torna-se importante consultar o nutricionista para fazer a troca de matéria-prima nas rações.
Um modo simples que na prática vem sendo usado para induzir o consumo de concentrado precocemente consiste em colocar uma pequena quantidade de ração no fundo do balde, ao final da refeição líquida, para estimular os bezerros a consumirem a ração.
Vieira e Costa juntamente com seus grupos de pesquisa observaram que o ato de alojar os bezerros em pares estimula o consumo de alimentos sólidos mais cedo durante a fase de aleitamento em comparação a bezerros alojados individualmente.
Em relação a aumentar o consumo de concentrado, resultados de diversas pesquisas demostram que o desaleitamento de forma gradual e não abrupta se faz necessário, pois estimula o consumo de concentrado e permite que os bezerros mantenham suas taxas de crescimento.
O tempo do desmame recomendado é baseado em uma quantidade definida de consumo inicial. Por exemplo: em raças grandes, as bezerras podem ser desmamadas ao consumir de 1 kg a 1,50 kg de concentrado diariamente por três dias consecutivos. Vale ressaltar que a desmama tem como vantagens a redução do período de dieta líquida, o que diminui o tempo gasto com mão de obra para o fornecimento de leite e a redução dos custos com alimentação de leite ou sucedâneos lácteos.
Em suma, podemos concluir que o processo de crescimento das papilas do rúmen é autogerado e permite que bezerros alimentados com concentrados tenham desenvolvimento ruminal em idade precoce (de 3 a 4 semanas), o que promove o desmame precoce. Bezerros que começaram a comer concentrado tarde ou aqueles que consomem pouco concentrado em uma idade jovem estão em desvantagem definitiva.
Para otimizar o início de consumo precoce de alimentos sólidos, devemos ficar atentos à qualidade dos concentrados, como sua palatabilidade, fatores de manejo (por exemplo, agrupamento com colegas ou separadamente) e o método de desmame.